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A linguagem dos OUTDOORS
Algumas considerações sobre a linguagem da propaganda veiculada em outdoors.
POR ELIR FERRARI Trabalho de conclusão das disciplinas Aquisição da Língua e Variação Lingüística e Metodologia Científica no curso de Especialização em Língua Portuguesa.
UERJ - 1º semestre / 2003
Algumas considerações sobre a linguagem dos OUTDOORS
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Índice
Introdução...........................................................................................................................................3
A Intertextualidade ............................................................................................................................3
Semiótica: Referências Icônicas.....................................................................................................5
A Ambigüidade ..................................................................................................................................7
A Sigla ...............................................................................................................................................10
Conclusão.........................................................................................................................................11
Referências bibliográficas..............................................................................................................12
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Introdução
A linguagem da propaganda é um dos mais profícuos dos terrenos
onde a língua tem as portas abertas para a exploração. Os efeitos provocados por uma
boa propaganda estão muito além de sua apresentação ao público. Sua elaboração
envolve nuanças e requintes lingüísticos muitas vezes somente percebidos por
profissionais. Outros utilizam erros e inadequações para atingir suas metas, ou seu
público-alvo. Embora possam surgir discussões sobre adequações e inadequações
lingüísticas nas propagandas, temos que tirar o chapéu para a sua efetividade. É rara a
propaganda que não atinja de alguma forma o seu alvo, ou seja, o cidadão ou
consumidor.
Este trabalho pretende traçar alguns aspectos, estilísticos e
lingüísticos, da propaganda de rua. Os OUTDOORS são cartazes gigantescos que ficam
expostos ao ar livre, em pontos estratégicos à vista dos consumidores, por um
determinado período contratado pelo divulgador. Eles podem apresentar uma propaganda
simples (uma determinada propaganda em um tempo determinado), ou uma campanha
publicitária, que apresenta uma divulgação continuada numa seqüência cuja segunda (ou
terceira etc.) pode ou não conter o formato da primeira (ou anterior), mas que mantém
com ela uma relação de contigüidade, onde alguns elementos de uma têm de estar
contido na outra (ver figuras 1 e 2).
Os OUTDOORS, por serem cartazes lidos por transeuntes, não
devem conter grande quantidade de texto, pois a leitura demanda maior tempo do que a
visualização das imagens. Talvez esse seja o motivo para muita criatividade lingüístico-
semiótica.
O material para o estudo é muito amplo e diversificado. Porém,
destacamos apenas 7 (sete) OUTDOORS para uma breve reflexão, dado que o espaço é
curto, e devemos fazê-lo com a maior concisão possível.
A Intertextualidade
A intertextualidade é a utili zação, num texto, de um ou mais textos
externos, fazendo com que um tenha seu sentido modificado pelo(s) outro(s), operando-
se, dessa forma, uma gama de interpretações que poderão se alterar de acordo com o
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conhecimento de mundo (ou seja, dos outros textos) daquele que o interpreta. Em outras
palavras: “todo texto é a absorção e transformação de uma multiplicidade de outros
textos” (DUCROT & TODOROV, 2001, p. 319).
A propaganda, em especial os OUTDOORS, utiliza a
intertextualidade, muitas vezes não tão evidente para alguns consumidores, na
transmissão de um conceito. Brilhantemente, o curso de inglês e espanhol faz uso da
linguagem não-verbal para criar o conceito de “força” (figura 1 ). As cores azul e vermelha,
que caracterizam a sua logomarca, foram modificadas para os tons azulado/prateado e
avermelhado para formarem os índices (Peirce & Frege, 1983, p. 27) do aço e do cobre,
respectivamente, que levarão à criação de um ícone (id. Ibid.): aço e cobre como
representantes da “força” pretendida. Ao lado da logomarca, a frase nominal “a maior
força” repete o recurso do aço sobre o cobre. É importante notarmos que a elipse do
verbo permite a leitura de “CCAA dá a maior força em inglês e espanhol” ou “CCAA é a
maior força em inglês e espanhol”, confirmando o conceito de “força”.
Num segundo momento da campanha publicitária (figura 2), apesar
da manutenção dos tons de cobre e aço na logomarca, a “força” se apresenta na pessoa
do ator hollywoodiano Arnold Schwarzenegger. Só então percebemos uma seqüência de
intertextualidade. A intertextualidade mais evidente é a relação do OUTDOOR com as
propagandas na TV. Nos comerciais de TV, um rapaz está amarrado pelos pés, de
cabeça para baixo, próximo a umas dinamites que iriam explodir se não fosse a chegada
do ator Arnold Schwarzenegger. Após perguntar ao rapaz se falava inglês ou espanhol, o
ator, mediante a resposta negativa, dá as costas e reacende o pavio da dinamite. O
comercial termina com o ator proferindo uma frase em português: “— CCAA é assim que
se fala”. A leitura do OUTDOOR (figura 2) será modificada se o consumidor trouxer a
intertextualidade do comercial para a sua leitura.
Figura 1
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Mas a intertextualidade nesta campanha não se esgota aí. O ator
hollywoodiano está caracterizado do seu famoso personagem-robô (cyborg) que volta do
futuro para eliminar um “messias” no filme americano “O exterminador do futuro”
(tradução para o português de Terminator). Sem ter tido sucesso no seu empreendimento
(matar), o mesmo ator reaparece, também como robô (cyborg), no filme “O exterminador
do futuro 2” (Terminator 2: Judgement Day), agora para proteger o messias, e tem
sucesso. A intertextualidade aparece aqui mais sutilmente do que podemos perceber à
primeira vista: não foi apenas a força representada por este personagem que gerou a
grande intenção em utilizá-lo para marcar iconicamente a “força” pretendida pelo curso de
inglês e espanhol. No primeiro filme, o robô (cyborg), ao sair de uma delegacia, profere
uma frase em espanhol: “— Hasta la vista, baby!”; numa mistura que convém aos
objetivos do curso. Também no segundo filme o messias se refugia numa região ao sul
dos Estados Unidos, aparentemente Texas, onde há o contato com mexicanos.
Caso o consumidor não tenha o conhecimento das referências
externas à propaganda, ela se fará também concretizar por meio da iconicidade
associada às cores/força, ao forte ator americano e ao texto.
Semiótica: Referências Icônicas
Observamos, no título anterior, que a propaganda lança mão de
elementos semióticos na construção dos sentidos. Os OUTDOORS têm grande
participação neste aspecto, quando utilizam a linguagem não-verbal (VERTERGAARD &
SCHRØDER, 2000, p.13-17) para atingir um público numa função apelativa (SANDMAN,
1999, p. 27). No caso da figura 3, alguns e lementos estão em jogo:
Figura 2
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1) o homem de origem humilde de braços abertos, tal como o Cristo Redentor, referência
icônica da cidade do Rio de Janeiro. Também não é de graça que o ângulo da foto
enfoca parte do morro do Pão de Açúcar, às margens da Baía de Guanabara, pois
esses são outros ícones que representam a cidade;
2) a rede de pesca sendo jogada por um homem em segundo plano é índice (indica) de
que os homens são pescadores;
3) a aparência humilde e feliz do personagem-pescador, às margens da Baía de
Guanabara, enquanto o outro joga a rede, corresponde à felicidade que os pescadores
sentem pela possibilidade de voltar a pescar na Baía, sendo os pescadores
metonimicamente representantes da classe popular, por onde se efetivará a função
apelativa (id. Ibid.) do OUTDOOR. Por contigüidade, podemos chegar à leitura de que
o povo da cidade do Rio de Janeiro está feliz com a obra do Governo do Estado.
No âmbito da linguagem verbal, podemos destacar, ainda na figura 3,
a inversão do verbo no particípio, que destaca o evento da inauguração, mais do que a
obra em si. A construção da Estação de Tratamento de Esgotos de Alegria, supõe-se já
sabida por todos e, caso não seja do conhecimento do leitor-consumidor, a informação
acaba de ser veiculada. O aspecto lingüístico, aqui, não teria qualquer sentido apelativo
não fosse as imagens icônicas apresentadas na esfera do não-verbal.
A figura 4, igualmente à figura 3, utiliza-se mais da linguagem
apelativa não-verbal do que da verbal, uma vez que destaca características de nossa
brasilidade, representada iconicamente pela obra do escultor ceramista nordestino Mestre
Vitalino, que ficou famoso por suas peças miniaturas de violeiros tocadores de repentes,
vasto material da nossa Literatura de Cordel.
O compromisso da rádio com a música e cultura brasileira levou à
criação de um OUTDOOR que unisse o nordeste ao "roque", nas mini-esculturas de Raul
Seixas, Ed Motta e Gilberto Gil, todos conhecidos pelo talento na criação de um "roque"
Figura 3
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influenciado pela cultura brasileira. Então, o verbal entra apenas para afirmar essa
brasilidade explícita no não-verbal: "brasileira como você".
Não podemos nos esquecer que as referências ao Mestre Vitalino e à
música popular brasileira na figura 4 são intersemióticas (permutações de signos), e é
necessário um dado conhecimento de mundo para que todas as intenções da propaganda
sejam atingidas. Se um leitor-consumidor, por exemplo, não souber quem é Mestre
Vitalino, aqui um ícone da cultura brasileira, fará uma leitura menor, baseada apenas nos
“violeiros” apresentados no OUTDOOR que, apesar da apresentação simpática, nada
acrescentará à multiplicidade dos sentidos.
O mesmo acontece com a figura 5, onde a imagem do físico Albert
Einstein é tratada como ícone de inteligência, jus tificando a antonímia (Id., p. 77),
inteligência sem beleza x inteligência com beleza na frase nominal: "beleza e inteligência
juntas, só na família Pálio". Se a permutação dos signos não for percebida, a leitura do
OUTDOOR perderá o seu caráter irônico.
A Ambigüidade
Embora possa ser complementar a tudo o que já citamos acima, a
ambigüidade (id., p.74-76) é um aspecto que merece destaque no cenário da propaganda
Figura 4
Figura 5
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em OUTDOORS. Altamente explorada, ela pode aparecer através da polissemia, a
exemplo da palavra "força" na figura 1, donde leremos que "a maior força em inglês e
espanhol" pode tanto se referir à força da qualidade enquanto curso renomado, quanto à
"dar uma força", ou seja, construir, ajudar, reforçar o conhecimento.
Além da polissemia, a ambigüidade pode aparecer através da
homonímia, como observamos na figura 6. No caso, a propaganda da malharia Hering,
especializada no estilo de vestuário a que se convencionou chamar de "básico", traz a
ambigüidade através da combinação estranha (id., p. 73) do predicativo do sujeito em "Dia
dos Namorados é básico", justificado contextualmente pela presença da modelo vestida
com roupas Hering "básicas". A ambigüidade está no sentido de "essencial" do vestuário
e de "basilar" (Aurélio, 2000) do Dia dos Namorados.
A ambigüidade pode aparecer também em aspectos sintáticos, a
exemplo da antecipação do verbo "pedir" (figuras 7 à 7b e 7c), na campanha para o
racionamento de energia, da empresa Light, conveniada ao Governo Federal.
Trata-se de uma campanha onde dois ou três OUTDOORS aparecem sempre juntos. O
uso do gerúndio, o “presente continuado”, no OUTDOOR central "estamos pedindo para
Figura 6
Figura 7
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você" (figura 7 à 7a) deixa em aberto se o "pedimos" no OUTDOOR vizinho está
conjugada no presente do indicativo (nós pedimos) — evitado o gerúndio pela repetição
—, ou se está sendo feita a referência ao tempo passado, o pretérito perfeito do indicativo
(nós "já" pedimos). O leitor mais atento tende a pensar no pretérito, pela noção de
temporalidade que carrega consigo, uma vez que não se está repetindo a estrutura do
gerúndio; mas as duas leituras são possíveis.
A ambigüidade não é a única marca interessante nessa campanha.
Como não vamos nos alongar em questões político-ideológicas, citaremos apenas que,
além de uma possível análise semiótica das cores (verde e amarela), parte integrante da
Figura 7b
Figura 7a
Figura 7c
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logomarca Light e da sua associação com a Bandeira Nacional, a colocação dos cartazes
lado a lado traz ao leitor-cidadão um apelo à colaboração comunitária, abrangendo toda a
nossa vizinhança próxima e distante, que abrangerá toda a nação. Com as cores
nacionais no fundo, e "de fundo", incita-se o cidadão a participar por uma questão de
patriotismo.
A Sigla
A publicidade em OUTDOOR é muito utilizada em campanhas
políticas. Em época de eleição, a função apelativa toma maior dimensão e são
ressaltados os valores morais do cidadão e da família, os bons costumes, o respeito,
características que aparecem nas figuras 8 e 9 materializadas na pessoa do Dr. Manoel
Ferreira, um membro do Conselho Nacional dos Pastores do Brasil e deputado federal. A
ampliação do que mais nos parece uma foto 3 x 4 tem seu papel icônico. De idade
avançada, cabelos grisalhos, trajando terno sóbrio, o pastor-deputado traz no rosto uma
expressão de seriedade. Seu caráter e atitudes corretas vêm sendo parabenizados pelo
Conselho do qual é membro, através da sigla/abreviação C.N.P.B. A sigla, aqui
argumento de autoridade, é o índice da própria autoridade, uma vez que as siglas são
típicas de grandes empresas, ou órgãos públicos e denotam organização em grande
porte.
Figura 8
Figura 9
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O pronome de tratamento à frente do nome por sua vez não nos
revela a verdadeira titulação do pastor-deputado (se médico, advogado, ou se concluiu o
curso de doutoramento). Vale lembrar que, no Brasil, costuma-se tratar por “Doutor”
aquele que ocupa cargos de maior influência e maior poder, pois assim se impõe o
respeito adequado àquele que pretende maior autoridade.
Embora nada haja de esclarecedor no OUTDOOR, se é uma
propaganda política, qual foi a firme posição por ele tomada na figura 8, um leitor mais
atento se recordará da imagem do pastor-deputado em programas de auditório em
emissoras de canal aberto, também trajando terno, seriedade facial na impostação de
voz. Tinha o objetivo de explicar (e convencer) os motivos pelos quais votou contra o
projeto de lei da Marta Suplicy, acerca da união civil entre pessoas do mesmo sexo. Seu
discurso na TV foi inteiramente pautado nos valores da família e dos bons costumes, da
honestidade e decência, ratificando a imagem de “respeito” impressa nos OUTDOORS.
Conclusão
Observamos alguns poucos elementos que servem de instrumento
para traduzirem a linguagem da propaganda. A intertextualidade, a semiótica, a
ambigüidade, entre outras fontes, merecem maior destaque no ensino da língua
portuguesa, uma vez que é através da língua e da linguagem que detectamos a beleza de
algumas propagandas, ou a sordidez de outras.
A criatividade na propaganda tem sido um dos mais importantes
recursos utilizados no marketing contemporâneo. Como vimos, essa criatividade tem suas
bases sólidas e férteis, e é possível porque descende de um instrumento maior no
processo de comunicação: a língua/linguagem.
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Referências bibliográficas
Aurélio Dicionário Eletrônico, versão Século XXI. Rio de Janeiro, Lexikon Informática,
2000.
DUCROT, Oswald e TODOROV, Tzvetan. Dicionário enciclopédico das ciências da
linguagem . São Paulo: Perspectiva, 2001.
PEIRCE, Charles Sanders. Escritos colididos. Seleção de Armando Mora D’Oliveira. Trad.
de Armando Mora D’Oliveira e Sérgio Pomerangblum. 3ª ed. São Paulo: Abril
Cultural, 1983 (Os pensadores)
SANDMAN, Antônio. A linguagem da propaganda. São Paulo: Contexto, 1999.
(Repensando a Língua Portuguesa).
VESTERGAARD, Torben e SCHRØDER, Kim. A linguagem da propaganda. 3ª ed. São
Paulo: Martins Fontes, 200º (Ensino Superior)