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  • XIV Seminrio Temtico Saberes Elementares Matemticos do Ensino Primrio (1890-1970): Sobre o que tratam os Manuais Escolares? Natal Rio Grande do Norte, 21 a 23 de maro de 2016 Universidade Federal Rio Grande do Norte ISSN: 2357-9889 1

    Anais do XIV Seminrio Temtico ISSN 2357-9889

    A LGEBRA NA FORMAO DO PROFESSOR PRIMRIO: cenas de mudanas no saber matemtico a ensinar

    Wagner Rodrigues Valente1

    RESUMO O texto analisa a entrada da lgebra nos saberes matemticos de formao de normalistas. Para tal, investiga estudos sobre a presena do modelo estadunidense na educao brasileira, o currculo da Escola Americana para formao de normalistas, os debates e diretivas curriculares para o ensino de matemtica no curso primrio dos EUA e livros didticos de lgebra destinados formao de professores. Perpassa a anlise, mesmo que de modo no explcito, os referentes da Histria Cultural. O estudo orienta-se pela questo: que justificativas esto presentes para a entrada da lgebra na formao do professor do ensino primrio? Os resultados da investigao permitem concluir que a entrada da lgebra na formao de professores refere-se a uma extenso dos cursos de Aritmtica, onde problemas mais complexos justificam elementos algbricos para a sua resoluo. No se trata da incluso de uma nova disciplina de estudos na formao dos professores primrios, so rudimentos algbricos que amplificam a Aritmtica tradicional. Palavras-chave: formao de professores que ensinam matemtica. histria da educao matemtica. lgebra.

    INTRODUO

    O debate sobre a formao de professores vem de longa data. Fixando um ponto

    inicial de referncia que interessa a este estudo, vamos nos reportar dcada de 1880.

    Nessa dcada tem-se a reabertura, pela terceira vez, da escola normal de So Paulo. Por

    este tempo, esto em confronto, nos debates, dois modelos de formao dos futuros

    docentes. Um primeiro, tendo em conta uma formao ampla, ilustrada; e, um segundo, ao

    contrrio, planejado como uma formao tida como estritamente profissional. No primeiro

    modelo, a formao de professores no deve ser concebida de modo restrito. Abarca

    saberes variados, mesmo que eles no figurem no rol das matrias a serem ensinadas no

    1 Prof. Livre Docente do Departamento de Educao da UNIFESP [email protected]

  • XIV Seminrio Temtico Saberes Elementares Matemticos do Ensino Primrio (1890-1970): Sobre o que tratam os Manuais Escolares? Natal Rio Grande do Norte, 21 a 23 de maro de 2016 Universidade Federal Rio Grande do Norte ISSN: 2357-9889 2

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    curso primrio, lugar de exerccio do ofcio docente. Ter-se-ia uma formao ilustrada do

    professor2. No segundo caso, a formao docente seria limitada. Levaria em considerao

    to somente os saberes que seriam objeto de ensino futuro nas classes primrias.

    Relativamente formao matemtica dos futuros professores do curso primrio,

    estudos mostram que durante muito tempo foram privilegiadas a Aritmtica e a

    Geometria3. No entanto, em finais do sculo XIX, em So Paulo, um novo saber

    matemtico passa a integrar as propostas de formao do professorado primrio: a lgebra.

    Este texto tem por objetivo analisar as transformaes na formao matemtica de

    normalistas, em particular, estudar a presena da lgebra nessa formao. O estudo busca

    responder seguinte questo: que justificativas esto presentes para a entrada da lgebra

    na formao do professor do ensino primrio?

    A LGEBRA ELEMENTAR DE TRAJANO: lgebra para o curso primrio Existem vrias pesquisas que tratam da presena do modelo estadunidense de

    educao no Brasil desde o sculo XIX4. Tambm h j alguns textos sobre o papel que

    esse modelo exerceu no ensino de matemtica para as escolas primrias5. Quase todos

    esses trabalhos evocam, em So Paulo, o importante papel exercido pela Escola

    Americana, instituio tomada como referncia para as reformas do ensino paulista, em

    seus primeiros tempos republicanos6. Na dcada de 1880, a formao de futuros

    professores do ensino primrio nessa escola apresenta um currculo com um ano de

    lgebra7. Para o seu ensino, a indicao dos livros de Elias Loomis, Elements of Algebra e

    de Edward Olney, descrito como Olneys algebra; de outra parte, para a Aritmtica, a

    referncia de ensino o livro de Antonio Trajano, Arithmetica Superior; para Geometria,

    2 So esses os termos utilizados nos debates analisados por Schneider (2007): formao ilustrada. A autora estuda os modelos em disputa para a formao a ser dada na Escola Normal de So Paulo na dcada de 1880. 3 Leiam-se as anlises realizadas no texto Valente (2011). 4 Caberia citar, por exemplo, os estudos de Barbanti (1977), Tanuri (1979), Souza (1998), Warde (2000) e Warde (2002). 5 Leiam-se os estudos de Valente (2011). 6 Para um estudo mais detalhado e aprofundado do papel da Escola Americana, de sua referncia para o ensino paulista e o de seu modelo para a educao matemtica leia-se o trabalho de Pinheiro (2013). 7 O currculo de formao dos professores primrios incluia um curso secundrio de quarto anos, onde no quarto e ultimo ano o futuro professor conclua as disciplinas vistas desde o primeiro ano e, ainda, cursava disciplinas especficas para a formao de professores como Pedagogia, Metodologia etc. (LANE, 1887).

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    novamente Olney, com a referncia Olneys Geometria8. Tais indicaes esto

    mencionadas no relatrio das atividades da Escola Americana, escrito por seu diretor

    Horace Lane (1887)9.

    Note-se que dentre os livros citados para a formao de professores para o ensino

    primrio na Escola Americana h apenas, em portugus, a Aritmtica Superior de Trajano,

    que tudo indica ser a Arithmetica Progressiva Superior. No entanto, um ano aps a

    publicao do relatrio de Horace Lane, precisamente em abril de 1888, Antonio Trajano

    lana o seu livro didtico lgebra Elementar. Tudo leva a crer que, a partir de ento, a

    referncia da lgebra para a formao dos futuros professores na Escola Americana seja

    esse livro escrito em portugus10.

    O livro lgebra Elementar de Trajano vem acompanhado de um Prefcio, que

    mantido idntico nas dezenas de edies posteriores da obra. Nele, o autor faz a apologia

    da importncia da lgebra a ser ministrada no curso primrio e dos pases que a adotam

    nesse nvel de ensino como a Inglaterra, a Frana, a Alemanha e, ressalta o autor,

    principalmente os Estados Unidos. Nesses pases, segundo Trajano, a lgebra foi

    includa como parte do ensino obrigatrio nas escolas primrias, onde agora os meninos e

    meninas aprendem a converter facilmente os dados de um problema em um equao

    algbrica (TRAJANO, 1932, Prefcio).

    Na altura do lanamento do livro de lgebra de Trajano 1888 o autor, ainda no

    Prefcio da obra, aponta que o governo do estado de So Paulo teria acabado de fazer

    uma reforma completa na instruo pblica, introduzindo entre outros melhoramentos o

    ensino obrigatrio de lgebra nas escolas primrias (TRAJANO, 1932, Prefcio). Dentre

    outros elementos, tal reforma justificaria, portanto, o lanamento de obra de lgebra

    destinada ao curso primrio11.

    8 Elias Loomis (1811-1889) e Edward Olney (1827- 1887) matemticos nascidos nos EUA, autores de trabalhos de matemtica e obras didticas. Sobre Antonio Trajano (1843-1921), informaes mais detalhadas sobre a trajetria desse autor e de suas obras podem ser lidas no texto de Oliveira (2013). 9 O acesso ao relatrio pode ser feito por meio do endereo https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/116608/Relatrio%20da%20Escola%20Americana%2c%201887%2c%20SP.pdf?sequence=1&isAllowed=y 10 O Repositrio Institucional da UFSC tem digitalizada uma cpia da obra em sua 15a. edio, que poder ser visualizada no endereo https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/104463. De outra parte, a biblioteca pessoal do autor deste artigo possui o exemplar da 2a. edio da obra. Ao final dela, cartas de elogios ao autor Trajano pelo lanamento do livro, indicando a poca da publicao da primeira edio: 1888. 11 O livro de lgebra de Trajano rene as operaes algbricas fundamentais, as fraes algbricas, as equaes do primeiro grau, do segundo grau, razes propores e progresses.

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    De que reforma da instruo pblica em So Paulo se refere Antonio Trajano? A

    grande reforma que sofre a escola normal paulista efetuada dois anos aps o lanamento

    da obra desse autor. E, efetivamente, na reforma, tem-se a incluso, ao que tudo indica,

    pela primeira vez, da lgebra na formao dos futuros normalistas. Ela est presente no

    segundo ano da escola normal, indicada apenas para o sexo masculino

    (REGULAMENTO...,1890).

    Tambm no Prefcio do livro lgebra Elementar Trajano considera que a partir do

    momento em que a instruo pblica paulista tenha chancelado a presena da lgebra para

    os ensinos no curso primrio, este exemplo ser em breve seguido por outros Estados, e,

    em poucos anos, veremos a nossa mocidade aproveitar-se com grande vantagem da fora

    dessa alavanca poderosa do clculo, chamada lgebra (TRAJANO, 1932, p. 4). Ao que

    tudo indica o autor est correto. De fato, estudos recentes sobre a formao matemtica de

    professores de diferentes estados brasileiros mostram a penetrao da lgebra como

    componente dessa formao12. E, tudo leva a crer, a obra lgebra Elementar de Trajano

    espalha-se pelo Brasil.

    AMERICANISMO E ESCOLA PRIMRIA NO BRASIL: a lgebra na Aritmtica

    Para alm das referncias da Escola Americana, do seu currculo de formao de

    professores, dos livros adotados pela instituio etc. a circulao das ideias estadunidenses

    para o ensino de matemtica tambm revelam-se nas apropriaes que no Brasil so feitas

    dos encaminhamentos curriculares que esto em debate nos EUA. Esse o caso da

    repercusso que teve o Report of the Committee of Fifteen on Elementary Education.

    Francis W. Parker, figura que ter papel importante por suas obras no Brasil,

    inclusive para o ensino de Aritmtica na escola primria, por meio do que ficou conhecido

    como Cartas de Parker (VALENTE, 2014), em 1893, tem a iniciativa de propor a

    organizao de uma comisso para estudar e rever os programas de ensino, com vistas

    unificao curricular nos EUA. Essa comisso fica conhecida como Committee of Fifteen

    12 Leia-se a obra Saberes elementares matemticos em circulao no Brasil: dos documentos oficiais s revistas pedaggicas, 1890-1970, em Captulo organizado por Oliveira (2016), onde possvel verificar a introduo da lgebra na formao de normalistas nos estados de Minas Gerais, Esprito Santo, So Paulo, Mato Grosso, Paran e Rio Grande do Sul.

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    (BUTTON, 1965). Dois anos depois, fica pronto o trabalho da comisso e ela apresenta o

    seu relatrio Associao Nacional de Educao dos EUA.

    O Relatrio ao mencionar o ensino de Aritmtica no curso primrio indica a

    necessidade de incluir a lgebra, mas esclarece:

    Nosso Comit, no entanto, no pretende recomendar a transferncia de lgebra, como ela entendida e ensinada na maioria das escolas secundrias, para o stimo ano ou at mesmo para o oitavo ano do ensino fundamental. O curso de lgebra na escola secundria, como ensinado aos alunos, nos seus quinze anos de idade, muito apropriadamente comea com exerccios rigorosos com vistas a disciplinar o aluno na anlise de expresses complexas para torn-lo capaz de reconhecer imediatamente os fatores que esto contidos em combinaes de quantidades desconhecidas. A lgebra proposta da stima srie deve usar letras para as quantidades desconhecidas e manter a forma numrica das quantidades conhecidas, usando letras muito raramente, exceto para expor a forma geral de soluo ou o que, se declarou em palavras, tornar-se uma chamada "regra" na aritmtica. Esta espcie de lgebra tem o carter de uma introduo ou etapa de transio para a lgebra adequada. (...) A proposio de sua Comisso se destina a remediar os males j citados: primeiro para auxiliar os alunos na escola primria de resolver, atravs de um mtodo superior, os problemas mais difceis que agora encontram lugar em aritmtica avanada; e em segundo lugar, para preparar o aluno para um curso completo em lgebra pura na escola secundria13 (REPORT..., 1895).

    A leitura do Relatrio da Comisso dos Quinze mostra-nos o argumento de incluso

    da lgebra na matemtica a ser ensinada no curso primrio. Bem entendido, nas classes

    terminais desse grau de ensino nos EUA. Assim, h uma Aritmtica avanada que

    necessita de instrumentos algbricos para a resoluo de problemas mais difceis. A

    lgebra a ser ensinada no primrio deve constar de uma generalizao, quando

    conveniente, da Aritmtica. No deve haver a incluso de uma nova rubrica escolar, mas a

    introduo de rudimentos algbricos de modo a facilitar a resoluo de problemas

    aritmticos.

    13 Your Committee, however, does not wish to be understood as recommending the transfer of algebra, as it is understood and taught in most secondary schools, to the seventh ywar or even to the eighth year of the elementary school. The algebra course in the secondary school, as taught to pupils in their fifteenth year of age, very properly begins with severe exercises with a view to dsicipline the pupil in analyzing complex literate expressions at sight and to make him able to recognize at once the factors that are contained in such combinations of quantitites. The proposed seventh-grade algebra must use letters for the unknown quantitites and retain the numerical form of the known quantities, using letters for these very rarely, except to exhibit the general form of solution or what, if stated in words, becomes a so-called "rule" in arithmetic. This species of algebra has the character of an introduction or transitional step to algebra proper. () The proposition of your Committee is intended to remedy the two evils already named: first to aid the pupils in the elementary school to solve, by a higher method, the more difficult problems that now find place in advanced arithematic; and secondly, to prepare the pupil for a thorough course in pure algebra in the secondary school (REPORT, 1895)

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    LIVROS DIDTICOS BRASILEIROS: a lgebra no curso primrio

    A repercusso internacional de propostas de incluso da lgebra no curso primrio

    chegam ao Brasil, ao que parece, inicialmente, por meio de Antonio Trajano e da sua

    lgebra Elementar. O livro de Trajano anterior s diretivas formuladas pelo Committee

    of Fifteen. No entanto, as discusses de incluso da lgebra no primrio parecem ser um

    tema que j vem sendo debatido nos EUA e noutros pases, a julgar pelas observaes que

    o prprio Trajano faz no Prefcio de sua obra.

    Nas primeiras dcadas do sculo XX, no Brasil, o tema da incluso da lgebra no

    curso primrio prossegue. Vamos encontr-lo tambm em livros didticos. Um primeiro

    deles, importante de ser mencionado, o livro do professor do Colgio Pedro II e da

    Escola Normal do Rio de Janeiro Othello de Souza Reis. Esse professor, que em 1926

    chega a vice-diretor do Pedro II (DRIA, 1997), revela-se entusiasta do modelo

    estadunidense para o ensino de matemtica. Assim, dedica-se a estudar as propostas do

    Comit dos Quinze. A partir desse estudo, elabora o livro didtico intitulado lgebra

    Primeiros Passos ou introduo ao estudo desta cincia, destinada aos alunos de

    aritmtica, para a soluo de problemas, com edio em 1919.

    A origem da obra, segundo o prprio Reis refere-se sua conferncia pronunciada

    na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, dentre o rol de palestras institudas pelos

    inspetores escolares do ento Distrito Federal. A conferncia tem por ttulo Os dois

    ltimos anos de aritmtica na escola primria, segundo a Comisso dos Quinze. Tal

    informao est contida no livro lgebra Primeiros Passos (...). O texto integral da

    conferncia utilizado como Prefcio desse verdadeiro manual pedaggico destinado

    formao dos professores primrios e s classes avanadas aritmtica. Mais precisamente,

    como consta na prpria capa do livro (...) destinada aos alunos de aritmtica, para a

    soluo de problemas.

    Analisando o Prefcio do livro - a conferncia - cabe destacar alguns pontos

    importantes tendo em conta os objetivos deste texto, qual seja, buscar resposta s

    justificativas para o ingresso da lgebra na formao de normalistas.

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    Um primeiro ponto refere-se total adeso s referncias vindas do Committee of

    Fifteen e j o anncio das justificativas para a presena do ensino de lgebra no curso

    primrio. Diz o Prefcio, transcrio da conferncia de Souza:

    No ser, de certo, necessrio dizer-vos que o Relatrio da Comisso dos Quinze, a propsito da educao primria, o grande compndio, a bblia da pedagogia moderna americana. (...) Todos os problemas importantes aqui encontrareis por eles abordados e, sem superfetao de doutrinas, abstraes e filosofias, sem verbiagem nem preconceitos, referidas em termos claros e positivos as solues que parecem mais prticas. Se tomardes este precioso repositrio e lerdes o que, a proposito do ensino da matemtica refere William Harris, que era o Comissrio, ou Diretor, de Educao dos Estados Unidos, vereis que l, como aqui, os pedagogos censuram a dificuldade e a confuso de que se revestem os raciocnios necessrios para se resolverem os problemas de aritmtica das classes adiantadas (REIS, 1919, p. VI).

    A presena da lgebra, mesmo ainda no mencionada, refere-se s dificuldades de

    resoluo de problemas aritmticos nas classes adiantadas.

    Logo, o autor descreve um desses problemas: Se metade do nmero de dias

    decorridos do ano, juntarmos 1/8 do que ainda restam, obteremos o nmero dos dias

    decorridos. Em que dia do ano estamos?. Para tal problema, evitando acrobacias de

    palavras e trabalho excessivo do crebro, que entende a pedagogia moderna, deve-se trazer

    para a escola primria o mtodo algbrico (REIS, 1919, p. VIII).

    Seguem a essas consideraes exemplos tomados passo-a-passo para a resoluo

    pelo modo algbrico de um problema. Ao final dos exemplos, o autor pondera:

    Ignoro, quero ignorar, notai bem, se isso lgebra verdadeira, ou aritmtica, ou outra coisa. No entrou em meu plano nenhuma investigao filosfica; falei-vos de aritmtica e de lgebra no sentido comum destas palavras, naquele que se encontra referido nos dicionrios de nossa lngua. Esta advertncia, eu vol-a fao por que conheo suficientemente os preconceitos, o exclusivismo, a irritabilidade dos matemticos (REIS, 1919, p. XXVIII).

    Isto , as discusses sobre o ensino de lgebra no curso primrio seguem o curso

    das necessidades desse nvel de ensino. No atm-se a satisfazer pedidos de matemticos,

    ou da cincia de referncia. Avalia-se que o cotidiano escolar, na marcha do ensino de

    Aritmtica para os anos finais do primrio depara-se com problemas difceis, para usar o

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    mesmo termo de Othello Reis em sua conferncia. O tratamento algbrico em muito

    poder simplificar a sua resoluo. No se trata de um curso de lgebra estrito senso. No

    se pretende a incluso de um ramo matemtico novo para ser inserido na formao de

    normalistas e no ensino primrio. Tais consideraes ainda so reforadas mais adiante na

    fala do professor Reis: (...) a lgebra que eu entendo til e possvel no uma disciplina

    a mais, e sim um mtodo melhor, mais fcil e mais seguro, para se resolverem as questes

    do curso de aritmtica (1919, p. XXIX).

    Transcritas as vinte e cinco pginas da conferncia como Prefcio da obra do

    professor Reis, segue-se a Introduo do livro. Nela, o autor dirige-se aos professores,

    aconselha-os a introduzir o trato algbrico por meio de uma historieta, para introduzir o

    aluno nos rudimentos da generalizao algbrica (REIS, 1919, p. 1). Segue as primeiras

    pginas, sries de exerccios que sero intercalados por exemplos de como proceder com as

    operaes algbricas etc. O livro tem 136 pginas, com cinco captulos. O ltimo captulo

    intitula-se Problemas e equaes com duas incgnitas. Ao final, Reis justifica no ter

    tratado de equaes do 2o. grau: No nos pareceu tambm oportuno tratar, nesta obra

    elementarssima, de mera introduo, dos problemas e das equaes do 2o. grau. Ser,

    todavia, fcil aos professores elevar at a seu ensino, desde que seja preciso (REIS, 1919,

    p. 136).

    As discusses sobre a introduo da lgebra no ensino primrio parecem no ter

    ficado circunscritas aos estados de So Paulo e da Capital Federal, Rio de Janeiro. No

    mesmo ano de publicao do livro do professor Othello Reis 1919 - lanada a 4a.

    edio do livro do professor Tito Cardoso de Oliveira14 intitulado Aritmtica

    Complementar para os cursos primrio complementar, normal e comercial. A leitura do

    Prefcio do livro15, anotada como tendo escrita por ocasio dessa 4a. edio, faz pensar que

    o autor dialoga com a obra de Othello Reis. Diz o autor:

    apologista do mtodo que manda incluir no estudo a Aritmtica primria algumas noes necessrias para a resoluo de pequenos problemas, pelas equaes algbricas, sem, entretanto, fazer-se um

    14 Informaes sobre o autor podem ser lidas na prpria capa de sua obra: Lente Catedrtico da Escola Prtica de Comrcio do Par e autor da Aritmtica rudimentar, da Geometria primria, das Tabuadas teis e da Coleo de Cadernos de exerccios graduados para os cursos elementar e complementar do ensino primrio. 15 A obra que foi utilizada para a anlise neste estudo refere-se 7a. edio, sem referncia de ano de sua publicao.

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    estudo direto de lgebra, resolvemos adaptar nossa Aritmtica Complementar este vantajoso mtodo, que embora no se lhe poder conhecer as muitas vantagens que trar ao ensino, no se lhe poder negar o grande servio que prestar s crianas, desenvolvendo-lhes a inteligncia e acostumando-as a raciocinar com mtodo (OLIVEIRA, Prefcio, s/d).

    De fato, o livro de Oliveira uma Aritmtica (Numerao, Operaes

    fundamentais, Propriedade dos nmeros, Divisibilidade, Fraes, Potenciao, Radiciao,

    Sistema Mtrico Decimal, Razes, Propores, Progresses e Logaritmos). Ao que parece,

    o autor buscou adaptar, como menciona no Prefcio, a sua tradicional Aritmtica quilo

    que seriam os novos tempos de incluso de elementos algbricos. Tal adaptao se d pela

    incluso de um breve captulo intitulado Emprego da letra X nos problemas aritmticos.

    Tal qual j prenunciava fazer, indicando no Prefcio da obra, editada em sua 4a. edio:

    Habituemos os alunos ao emprego da letra X, para representar o valor desconhecido em suas operaes ou problemas aritmticos como j fazemos no estudo das propores, regra de 3 etc., sem lhes falar em lgebra, os faamos praticar com as propriedades das operaes fundamentais, quer com algarismos somente como com estes e a letra X, com o que j esto tambm mais ou menos familiarizados desde que estudaram as provas reais das operaes fundamentais (...) (OLIVEIRA, Prefcio, s/d).

    Seja como for, a obra de Oliveira indicativa de que h uma circulao da proposta

    pedaggica de incluir a lgebra no curso primrio. Essa proposta tem acolhimento at em

    aritmticas j constitudas na sua forma a mais tradicional, como a do professor Tito

    Cardoso de Oliveira.

    CONSIDERAES FINAIS

    Retome-se, aqui, a questo norteadora deste estudo: que justificativas esto

    presentes para a entrada da lgebra na formao do professor do ensino primrio?

    O texto percorreu alguns caminhos diferentes para a resposta a esta questo. Um

    primeiro trajeto mostra que o conhecidssimo autor Antonio Trajano, verdadeiro best-seller

    para os cursos de formao de professores primrios e, ainda, para o prprio ensino

    primrio, tem tambm papel importante nas discusses de entrada da lgebra no primrio

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    brasileiro. Trajano revela-se como autor privilegiado para leitura das discusses correntes

    nos EUA sobre os currculos dos anos iniciais escolares. Seja por sua condio de pertena

    Escola Americana, seja por ter seus livros de Aritmtica j adotados e espalhados pelas

    escolas brasileiras quando do lanamento de sua obra de lgebra. O modelo estadunidense

    de pensar a educao primria, com Trajano, mais e mais ir sendo reafirmado no

    cotidiano escolar. Assim, antes mesmo de quaisquer discusses internas sobre a presena

    da lgebra no curso primrio, impe-se a autoridade do modelo externo, do modelo vindo

    dos EUA.

    Passada essa primeira fase de incluso da lgebra, surgem as discusses mais

    diretamente ligadas aos contedos de ensino, necessidade dos elementos algbricos. Ela

    liga-se ao trato facilitado da resoluo de problemas aritmticos. Nos graus mais

    adiantados da Aritmtica, h problemas difceis que no devem exigir malabarismos to

    complexos para a sua resoluo. A lgebra o expediente de torn-los mais fceis. Seja

    como for, isso tambm j est posto desde a obra de Trajano. Outros livros didticos mais e

    mais procuraro destrinchar aos professores as vantagens do mtodo algbrico.

    Exemplos so as obras de Reis e Oliveira.

    Em sntese conclusiva, pode-se dizer que a modernidade educativa brasileira

    amparada nos moldes estadunidenses respalda propostas inovadoras para o ensino de

    matemtica no primrio. Para alm disso, a ampliao dos cursos dos cursos de formao

    de professores faz surgirem aritmticas complementares e estas aritmticas representam

    graus mais avanados desse contedo matemtico na forma de problemas mais complexos

    que necessitam da lgebra para reposicion-los em nvel primrio dos estudos. Esse

    momento da histria da educao matemtica no implica em novas disciplinas para a

    formao dos professores primrios, mesmo que a rubrica lgebra surja nos programas

    oficiais. Indica a incluso de rudimentos algbricos para auxlio Aritmtica. desse

    modo que deve ser interpretada a aluso s restries para o ensino algbrico: at

    equaes do 2o. grau; ou, por vezes ainda, at equaes do 1o. grau.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS BARBANTI, Maria Lcia Spedo Hilsdorf. Escolas americanas de confisso protestante na Provncia de So Paulo: um estudo de suas origens. 1977. 228 f. Dissertao

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