a lenda de colombo

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A LENDA DE COLOMBO A Praia do Porto Santo é de todas quantas até hoje eu tenho visto, por esse mundo além, a mais bela e a mais convidativa, para os meses de estio. Nem Biarritz, nem Ostende, nem Brighton conseguem suplantá-la, nos seus predicados naturais. Durante muitos anos, durante séculos, a praia do Porto Santo, com seus vulgos areais, contrastando com o negro das areias da Madeira, permaneceu ignorada, ou votada ao desprezo, já pela dificuldade de comunicação, já porque sendo uma prenda nacional não despertava interesse.

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Page 1: A LENDA DE COLOMBO

A LENDA DE COLOMBO

A Praia do Porto Santo é de todas quantas até hoje eu

tenho visto, por esse mundo além, a mais bela e a mais

convidativa, para os meses de estio. Nem Biarritz, nem

Ostende, nem Brighton conseguem suplantá-la, nos seus

predicados naturais.

Durante muitos anos, durante séculos, a praia do Porto

Santo, com seus vulgos areais, contrastando com o negro

das areias da Madeira, permaneceu ignorada, ou votada ao

desprezo, já pela dificuldade de comunicação, já porque

sendo uma prenda nacional não despertava interesse.

Page 2: A LENDA DE COLOMBO

Quando se desencadeou a

fúria tremenda da

guerra europeia e os

submersíveis audaciosos da

Alemanha

impossibilitaram ou dificultaram perigosa e

implacavelmente a navegação aliada, os Madeirenses, que

habitualmente veraneavam no Continente ou no

estrangeiro, viram-se reduzidos à Praia do Porto Santo. E

tantos atractivos lhe encontraram que desde então não

mais a desampararam na época estival. Essa praia

lindíssima, que numa extensão de mais de uma légua corre

num suave declive, foi aquela onde, por certo, aproaram as

naus de Zarco e, onde primeiro tremulou a bandeira branca

com a rubra Cruz de Cristo, que acompanhou aos

portugueses nas suas empresas audaciosas de além-mar.

No espírito um tanto supersticioso dos Insulanos, sempre

apto para aceitar ou, para dar vida a estranhas lendas,

afincou-se desde há muito a convicção de que Cristóvão

Colombo, nas noites luarentas, vem passear sua saudade

anseada, vagueando sobre essas areias de ouro, parando de

quando em vez e, sombreando com a mão o olhar, fica-se

Page 3: A LENDA DE COLOMBO

a interrogar o horizonte que

se alonga e se confunde na

imensidade do céu... E

deslizando sobre as ondas

remansosas que num

Murmúrio dolente se

espreguiçam, curvando-se

aqui e acolá, como que para

colher uma semente ou um pedaço de madeira arrastados

na corrente desde Continentes longínquos, a sombra do

descobridor do Novo Mundo vai-se afastando, levada pela

brisa, sempre inquirindo, sempre analisando os despojos

que o mar lhe trás... E quando o dia desperta, a sombra do

Navegador dilui-se nos primeiros alvores

Depois da descoberta do Arquipélago da Madeira, é

positivo que Cristóvão Colombo passou aquelas Ilhas e,

tendo casado com a filha do 1.º Donatário do Porto Santo,

encantado com as belezas naturais daquelas paragens, por

lá se deixou ficar por largo tempo. Quando aportavam ao

Funchal os grandes navegadores, logo Colombo os

procurava e, bebendo suas narrativas das rotas feitas,

cuidadosamente anotava no seu mapa as novas

Page 4: A LENDA DE COLOMBO

descobertas ou os segredos desvendados para os lados sul

do Atlântico.

Foi, por ventura, nessa vida remansosa que o grande

Navegador concebeu a ideia que o nosso Planeta possuísse

uma forma esférica e sonhou a descoberta da Índia pelos

Mares Ocidentais...

No Funchal, próximo da Sé, entre as velhas ruas do Sabão

e do Esmeraldo, levantava-se outrora uma vivenda

apalaçada com belo

estilo arquitectónico,

onde o gótico e a

renascença marcavam

vincadamente. Era a

célebre casa de Jean de

Esmenault, fidalgo que

viera com os Povoadores

para a Madeira e de

quem descende a família

dos Esmeraldos. Foi nesse solar que parece ter vivido o

Descobridor da América durante a sua permanência na

Ilha da Madeira. Das ruínas desse histórico padrão, apenas

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uma janela gótica existe, em poder do senhor Conselheiro

Ayres de Ornelas. Tudo o mais se perdeu...

E assim, de Cristóvão Colombo, apenas a lenda vive, de

geração em geração, na Alma simples mas Patriota do

Povo.

In Visconde de Porto da Cruz, Algumas Lendas e alguns Monumentos do Archipélago da Madeira, Lisboa, 1924