a lei do babaçu livre uma estratégia para a regulamentação
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artigo realizado por integrante do Lutas Sao LuisTRANSCRIPT
A lei do babaçu livre: uma estratégia para a regulamentação e proteção da atividade das quebradeiras de coco no Estado do Maranhão.
Miguel Etinger de Araujo Junior.1
Erika Juliana Dmitruk.2
João Carlos da Cunha Moura.3
Resumo:
O presente artigo realiza um resgate histórico da importância econômica do babaçu para a região do Maranhão, as razões do seu declínio e atualidade dos conflitos decorrentes da sua extração e beneficiamento. Investiga a formação das quebradeiras de coco como grupo social e o movimento hoje encampado por elas pela subsistência de seu modo de vida e reprodução social. Investiga a continuidade da importância econômica do babaçu e a necessidade de leis de proteção à atividade de extração do mesmo, bem como formas de incremento do aproveitamento da vocação local para o desenvolvimento de atividade econômica que inclua os trabalhadores e trabalhadoras rurais, trazendo desenvolvimento horizontalizado para a região. Analisa o relatório financeiro do ano de 2010 da Associação das quebradeiras de coco babaçu de São José dos Basílios. – MA. Perquire a competência para a edição destas leis, bem como os aspectos que devem ser regulados pelas mesmas. Utiliza como metodologia de pesquisa a revisão bibliográfica sobre o tema, resgatando dissertações de mestrado e teses de doutorado, bem como artigos escritos sobre o assunto; e também pesquisa de campo qualitativa, envolvendo entrevistas, grupos focais e visitas à Associação das Quebradeiras de Coco Babaçu de São José dos Basílios – MA.
Palavras-Chave: Direito Ambiental, desenvolvimento local, desenvolvimento sustentável, quebradeiras de coco babaçu.
Sumário: 1. Introdução; 2. O sistema produtivo agroextrativista e a viabilidade econômica do babaçu. 3. As quebradeiras de coco, o movimento social e a construção de sua identidade; 4. Identificação dos principais obstáculos à continuidade e desenvolvimento das atividades das quebradeiras de coco; 5. A necessidade de regulamentação e proteção jurídica da atividade. 6. Conclusão
1. Introdução
O presente artigo tem por objetivo investigar em que medida existe a necessidade de
edição de legislação protetiva e regulamentadora da atividade das quebradeiras de coco
babaçu, a fim de fomentar o desenvolvimento regional, no Estado do Maranhão, de forma
horizontalizada.
1 Doutor em Direito da Cidade pela UERJ. Docente do curso de Direito da Universidade Estadual de Londrina (Londrina). Email: [email protected] Mestre em Direito pela UFSC. Docente do curso de Direito na Universidade Estadual de Londrina (Londrina). Email: [email protected] Engenheiro Civil. Graduado em Direito e pós-graduando em Direito Constitucional no Complexo de Ensino Damásio de Jesus. Email: [email protected]
A problemática de pesquisa se revela importante uma vez que a região do Maranhão
vem sendo assediada por inúmeros projetos industriais, de mineração e agronegócio, ficando
as atividades regionais de lado, sendo taxadas como atrasadas e subdesenvolvidas.
Todavia, esta pesquisa buscará dados que confirmem a necessidade de busca de
alternativas locais de desenvolvimento, que visem principalmente respeitar a vocação das
populações tradicionais, sua qualidade de vida e a manutenção do valor cultural de suas
atividades, dando principal ênfase às quebradeiras de coco.
Para isso, em um primeiro momento, investigará o sistema produtivo agroextrativista
do babaçu e sua viabilidade econômica, com a intenção de disponibilizar informações acerca
dos processos de apropriação, pelos latifundiários e industriais – nacionais e estrangeiros, das
riquezas geradas por esta economia. Apresentará, ainda, um quadro da atual conformação
desta atividade econômica, conquistada pelas quebradeiras de coco em algumas cidades do
Maranhão. Descreverá para isso o sistema das cooperativas e cantinas, onde o preço da
amêndoa é mais justo e ainda ocorre a distribuição dos lucros (ou sobras) ao final de cada ano
para todas as associadas. Neste momento descreverá o relatório financeiro da Associação das
quebradeiras de coco babaçu de São José dos Basílios – MA, a fim de demonstrar o melhor
aproveitamento da amêndoa e os ganhos com a atividade extrativista para as quebradeiras
associadas e não associadas que vendem as amêndoas para cooperativa da classe.
Após procurará reconstruir o processo de luta das quebradeiras de coco, desde o
momento do acirramento dos conflitos (localizados na década de 70) até a construção da
própria identidade de quebradeiras de coco e os reflexos deste avanço.
Como não poderia deixar de ser analisado, será apresentado um levantamento das
principais dificuldades ainda vividas pelas quebradeiras de coco. Este levantamento é feito a
partir de pesquisas bibliográficas, sites das organizações formadas por estas mulheres, e
também observação, entrevistas e a participação no Encontro das Quebradeiras de Coco de
Dom Pedro, São José dos Basílios e Governador Archer - MA.
Por fim, a reflexão jurídica em torno do tema se proporá a trazer auxílios
instrumentais no ordenamento jurídico, a fim de proteger e valorizar a atividade das
quebradeiras de coco babaçu.
2. O sistema produtivo agroextrativista e a viabilidade econômica do babaçu
Para entender a questão relacionada às quebradeiras de coco no Maranhão, é
necessário realizar um levantamento acerca de como a atividade extrativista desenvolveu-se
nesta região, o valor econômico do babaçu e o aparecimento das quebradeiras de coco como
um grupo distinto entre os demais extrativistas.
Uma cultura que, inicialmente, era apenas para a própria subsistência da família, em
termos de alimentação, tornou-se a alternativa econômica mais imediata para o sustento desta.
As palmeiras cresciam espontaneamente e a ninguém pertenciam, logo, era o entendimento,
que a extração de seus frutos não prejudicava ninguém e acenava como uma fonte de
recursos.
Para Amaral Filho esta fase de predomínio do autoconsumo do babaçu estende-se do
período colonial até a Primeira Guerra Mundial. (AMARAL FILHO, 1980:25)
Todavia, com o advento das guerras do século XX o fruto passou a ser cobiçado
internacionalmente por suas propriedades (de limpeza, energética, cosmética).4
Depois da Primeira Guerra, ainda segundo Amaral filho, a exploração do babaçu
conhece a fase do capital comercial. Desenvolve-se a extração para atender interesses
predominantemente internacionais. O capital estrangeiro é investido no Maranhão e grande
parte da produção de babaçu é exportada. Com esse movimento os proprietários de terras
passam a valorizar o babaçu e aproveitando-se da força dos agricultores extrativistas, passam
a cobrar diversas rendas para autorizar que os mesmos continuem suas atividades de cata do
coco. Tais pagamentos eram constituídos por renda fundiária, foro, arrendamento, bem como
a meação do resultado da catação. (REIS, 2008:28)
Para se instalarem na região, as indústrias internacionais recebem terras e incentivos
do governo estadual. É um período onde abunda a edição de leis promovendo a colonização
estrangeira no Maranhão. Todavia, apesar desta política de ocupação do solo por capitalistas
estrangeiros, os agricultores extrativistas não sofrem uma real ameaça de desocupação, pois
os fazendeiros ainda percebem sua dependência em relação a mão de obra coletora. (REIS,
2008:28)
É possível afirmar que nos primeiros anos de exploração comercial do babaçu a sua
principal destinação foi o mercado externo de amêndoa e óleo. A produção era exportada in
natura para os Estados Unidos e Europa até os anos de 1950. (AYRES JÚNIOR, 2007:47)
Segundo Mesquita, o fluxo de comercialização do babaçu seguia o seguinte quadro
(não alterado até o recrudescimento do movimento das quebradeiras de coco e ainda válido
em algumas regiões do Maranhão):
4 Valorizado nos dias atuais também por ser produto verde, advindo de atividades artesanais, de agricultoras pobres da Amazônia.
FLUXO DE COMERCIALIZAÇÃO DO BABAÇU
Quebradeiras de coco Pequenos intermediários
(produtores agroextrativistas) (barraqueiro/atravessador)
Médio/grande intermediário Indústria
(comerciante) (local/nacional)
(Fonte: MESQUITA, 1999, p. 99)
A partir dos anos 50 as indústrias nacionais recebem incentivos para se instalarem no
Maranhão, reduzindo os intermediários entre elas e o babaçu. Esta fase, segundo Amaral
Filho, é denominada de fase industrial ou extrato-indústria. Dois exemplos de empresas que se
firmam no Maranhão são as Indústrias Reunidas Francesco Matarazzo e a Companhia Carioca
Industrial. (REIS, 2008:29)
Também marca este período a realização de pesquisas e estudos técnicos visando um
diagnóstico acerca do desenvolvimento da região. Em 14 de março de 1957, pelo Decreto
41.150 do Governo Federal, foi criado o Grupo de Estudos do Babaçu, que teve por finalidade
apresentar sugestões para o desenvolvimento de sua exploração. Este grupo já identificava o
babaçu como uma “riqueza digna de toda atenção pelos poderes públicos”, em vista do total
aproveitamento do fruto, tanto na indústria de alimentos, na cosmética, na de ração animal,
sendo que suas fibras poderiam ainda ser utilizadas na fabricação de capachos e escovas.
(RÊGO, ANDRADE; 2006:48)
Nesta década o capital internacional perde a relevância nos projetos da região, as
indústrias nacionais apropriam-se da produção local. E mesmo com toda a potencialidade
econômica do babaçu, a estrutura de produção continua a operar em bases tradicionais.
(AYRES JÚNIOR, 2007:51)
São vários os fatores que podem explicar esta situação.
Em primeiro lugar podemos elencar a exploração o dos agricultores pelo proprietário
da terra. Assim, a baixa rentabilidade do coco faz com que sua catação seja percebida como
atividade secundária, incapaz de garantir a subsistência da família. A coleta do babaçu era
intensificada apenas nos anos de preços favoráveis e na época em que a agricultura tivesse
fraco desempenho, já que não deslocariam pessoas da família para realizar uma atividade
menos rentável e de alto desgaste. (AYRES JÚNIOR, 2007:57) O babaçual tem importância
justamente quando não há muitas atividades na roça. Assim, marca também esse período a
coexistência do agroextrativismo com a pecuária e a roça. (ANDRADE, 1970:164-165)
Até os anos de 1970 o babaçu foi um dos principais produtos de exportação do
Estado do Maranhão, com índices de produção que oscilavam para baixo principalmente nos
momentos de alta do algodão e do arroz. (CORDEIRO, 2008:26) Isto se deve pela informação
exposta no parágrafo anterior - não era atividade prioritária das famílias, principalmente por
ser muito dispendiosa fisicamente (sendo executada pelas mulheres e com baixíssima
produtividade) e por sua baixa rentabilidade. (AYRES JÚNIOR, 2007:41)
Em segundo lugar, o sistema de compra e venda dos babaçus (da forma apresentada
no quadro de fluxo de comercialização do babaçu) perpetua a pobreza. O proprietário da
fazenda fica com metade do coco recolhido, a outra metade devia ser entregue para os
atravessadores (muitas vezes ligados ao próprio latifundiário), que ficavam com a maior parte
do valor obtido. O sistema servia ainda para garantir a dependência do agricultor ao
fazendeiro, funcionando como sistema de obediência e submissão. (AYRES JÚNIOR,
2007:34) O latifúndio ocupava, então, o papel de agente monopolizador da produção.
Revela-se, a partir desses dados, que o latifundiário e o comerciante dominam a
cadeia produtiva. O comerciante reduz o preço pargo pela produção, desestimulando sua
continuidade. Desta forma, apesar da capacidade produtiva da mata ser constante, a
quantidade de coco recolhida oscila em virtude de outros fatores (safra agrícola, preços,
acesso às zonas de produção).
A Lei Sarney (Lei Estadual 2979 de 17 de julho de 1969) é considerada um marco
que altera as relações entre extrativistas e proprietários de terra, principalmente por conta do
incentivo à pecuária no Maranhão. Legitima a distribuição de milhares de hectares de terras,
adotando acriticamente a análise de que o atraso econômico do Maranhão deve-se,
principalmente, a presença de atividades primitivas como o agroextrativismo. Esta lei revela-
se continuidade ao I Plano de Governo (1968) e o Novo Zoneamento do Estado do Maranhão
(1969). (RÊGO, ANDRADE; 2006:48) (REIS, 2008:39)
Constituiu-se como uma ofensiva do latifúndio ao agroextrativismo. Famílias foram
expropriadas de terras por sobreposição de títulos da mesma outorgados pelo Estado e muitas
vezes até grilados. Importante salientar que antes desta lei, a agricultura e a pecuária
relacionavam-se com o agroextrativismo do babaçu. As palmeiras não enfraquecem o solo e
ainda geram sombra aos animais soltos no pasto.
A partir dos anos 70 tem-se a segunda frente de expansão da pecuária (a primeira foi
no período de 1920 – 1950), bem como a adoção da ideia desenvolvimentista e a intenção de
construir de parques industriais no Maranhão.
Esta década também é identificada com a queda da produção de amêndoas e perda do
espaço do babaçu na economia local e nacional. (REIS, 2008:45) Reforçando esta análise
tem-se a edição de Decretos Estaduais que permitiram que as empresas e indústrias
derrubassem milhares de hectares de babaçu, sob a justificativa de execução de um outro
modelo de desenvolvimento. (RÊGO, ANDRADE; 2006:28)
Mas o interesse pelo babaçu ainda existe, e em 1979 é criado o Instituto Estadual do
Babaçu – INEB. Neste Instituto são realizados estudos acerca do aproveitamento integral do
coco, a fim de conciliar os interesses das indústrias oleaginosas, carvoarias, dos camponeses e
do governo. (RÊGO, ANDRADE; 2006:28)
O pico da atividade dá-se em 1979, quando são recolhidas e comercializadas 250.913
(duzentas e cinquenta mil, novecentos e treze toneladas/ano de amêndoas). Já na década de 80
esta cifra não ultrapassa 100.000 (cem mil) toneladas/ano. (AYRES JÚNIOR, 2007:43-44)
Apesar de todo o interesse pelo babaçu e a dependência com relação à atividade dos
agricultores extrativistas, não existiam políticas públicas para os mesmos. As famílias não
possuíam oficialmente acesso às terras utilizadas para recolha de cocos, e o latifúndio crescia.
(REIS, 2008: 38)
O maior declínio ocorre no momento em que o babaçu passa a perder a
competitividade, frente a outras fontes de óleo (algodão, dendê, mamona). Some-se a isso a
crise do petróleo (1970) que trouxe alteração nas taxas de câmbio e a entrada no mercado
nacional de produtos com menores preços (AYRES JÚNIOR, 2007:54-58). Como uma clara
demonstração de preconceito, a justificativa do declínio da economia do babaçu é debitada
para os trabalhadores agroextrativistas, que são taxados de desorganizados, dispersos.
Com a falência das indústrias e a queda do preço do babaçu, passa-se a buscar por
culpados. Os compradores das amêndoas atribuem a queda de sua competitividade ao mau
preparo das mesmas, a má fé dos caboclos. Porém, em vista do baixíssimo preço, a única
alternativa de melhorar as condições de venda das amêndoas (aumentando o seu peso) era
misturar ao processo as impurezas. Tem-se que, enquanto esses níveis chegavam a 25% nos
casos das amêndoas vendidas aos atravessadores (que repassavam os prejuízos às indústrias),
no caso das cooperativas formadas pelos próprios agricultores este índice era de 2%.(AYRES
JÚNIOR, 2007:56) Quem arcava com o prejuízo eram as empresas – um exemplo é a
Saponólio Garoto que incorreu em 27% de impurezas em seus insumos – 40.000 quilos de
matéria prima descartada. Proporção bem maior que os 2% da COPPALJ – Cooperativa dos
pequenos produtores agroextrativistas de Lago do Junco (AYRES JÚNIOR, 2007:100)
Os conflitos por terras são acirrados. Grilagem. Vedação de acesso aos babaçuais. As
relações entre proprietários e não proprietários torna-se cada vez mais violenta. O espaço
doméstico necessita, então, ser organizado. Todos precisam engajar-se na luta pela
sobrevivência.
Na década de 80 apenas reafirmando o declínio da cultura, aproximadamente 30%
das empresas de beneficiamento das amêndoas continua em atividade. (AYRES JÚNIOR,
2007:44)
Na década de 90 assiste-se a organização do movimento das quebradeiras de coco, e,
principalmente, a luta pelo controle da atividade, sem atravessadores. Em diversos povoados o
beneficiamento das amêndoas é feito pelas próprias cooperativas de quebradeiras, além da
fabricação do óleo, de sabonetes, papel reciclado de forma artesanal, entre outros produtos.
O processo produtivo é transformado. Surgem novas maneiras de organização
institucional e as quebradeiras associam-se para que todas possam ganhar com a exploração
do babaçu.
São criadas as cantinas, que consistem em espaços destinados a compra de amêndoas
de babaçu, troca de mercadorias (gêneros alimentícios) diretamente nos povoados, sendo sua
administração realizada pelas próprias famílias camponesas, sócias da cantina, as quais
eliminam a figura do atravessador. (RÊGO, ANDRADE; 2006:50)
Esse sistema caracteriza-se pelo estabelecimento de redes de relações que antes de
visarem apenas o lucro de alguns, primam pela valorização da economia camponesa, sua
subsistência e reprodução. São atendidas as necessidades da economia familiar e o preço pago
pelas amêndoas é maior do que o preço pago pelos atravessadores. As sobras ainda são
distribuídas às associadas ao final de cada ano. (RÊGO, ANDRADE; 2006:51-52).
Para exemplificar esta mudança no processo produtivo, serão apresentados adiante
alguns dados do Relatório Financeiro da Fábrica das Quebradeiras de Coco Babaçu – fábrica
pertencente a Associação das Quebradeiras de Coco Babaçu de São José dos Basílios – MA,
constituída por mulheres extrativistas e fundada em 18 de março de 2001, devidamente
inscrita no CNPJ sob o número 04467420/0001-33.
Nesta associação o coco é recolhido em cantinas localizadas na zona rural de São
José dos Basílios, Joselândia e Governador Archer – MA. Ainda não se fala em lucro
propriamente dito, mas as amêndoas são compradas a preço superior (R$ 1,50) ao pago ao
atravessador (R$ 1,00). No Estatuto da associação lê-se a previsão de que, havendo lucros, os
mesmos devem ser investidos na própria fábrica. O coco é beneficiado na fábrica, através do
seguinte processo: a amêndoa é triturada em uma forrageira, depois o coco triturado é
colocado em uma grande panela, onde é cozido através de uma prensa que funciona a vapor,
sendo que o combustível desta prensa é a casca do coco que também é comprado das
quebradeiras associadas. Depois de cozido o coco, o mesmo é prensado e cerca de 47% do
bagaço do coco se transforma em óleo bruto. O restante do bagaço serve como ração animal.
Até 2010 existia apenas uma máquina para beneficiar o babaçu na fábrica. Em 2011
foi adquirida mais uma com recursos da paróquia de São José dos Basílios e em 2012 a
terceira máquina será adquirida com recursos das próprias quebradeiras.5 Percebe-se, assim,
que o fruto todo do babaçu é aproveitado, e com a ausência dos atravessadores o valor
recebido por quilo de amêndoa, para associadas e não associadas, é superior ao oferecido pelo
mercado.
Podemos perceber pelo Gráfico (1) abaixo os valores mensais em reais (R$)
obtidos por cada um dos produtos (sabão, óleo, borra, ralão) no ano de 2010, pela
Associação das Quebradeiras de Coco Babaçu de São José dos Basílios – MA.
Obs: em alguns meses ou não houve receita ou os dados não estão disponíveis.
PRODUTO /
MÊS
ÓLEO SABÃO RALÃO BORRA
JANEIRO 1.157,70 547,00 1.072,00 211,50
FEVEREIRO 1.211,70 559,75 1.146,00
MARÇO 1.443,20 531,50 1.644,50 122,50
ABRIL 1.232,00 1.007,50 377,00 75,00
MAIO 1.171,65 685,50 308,70 18,00
5 Entrevista por email com Marcos Robério dos Santos, diretor da Associação das Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu de São José dos Basílios.
JUNHO 970,90 149,00 28,00
JULHO 3.214,55 453,15 14,00
AGOSTO 1.464,35 352,35 54,00
SETEMBRO 1.198,40 1.364,80
OUTUBRO 1.137,40 1.162,50
NOVEMBRO 1.155,75 901,50 24,00
DEZEMBRO 2.139,45 1.519,00 28,00
No Gráfico (2) e tabela abaixo, apresenta-se os valores referentes ao saldo em caixa
da Associação das Quebradeiras de Coco Babaçu de São José dos Basílios – MA, no ano de
2010. Valores em Reais (R$).
MÊS JAN FEV MAR ABR MAI JUN
SALDO EM CAIXA – R$
29.256,00 28.538,48 25.758,06 53.869,29 52.197,79 49.900,01
MÊS JUL AGO SET OUT NOV DEZ
SALDO EM CAIXA– R$
47.838,01 36.986,82 23.775,95 12.419,81 30.626,49 10.582,24
Com esse dinheiro as quebradeiras pagam: despesas da cooperativa, tributos,
organizam encontros, reinvestem na fábrica (quando possível). O modelo horizontalizado
além de aumentar a autoestima, melhorar a percepção sobre a sociedade bem como emancipar
estas mulheres, também lhes traz maiores rendimentos.
Neste primeiro momento de análise percebemos a viabilidade econômica do
agroextrativismo do babaçu e que, por uma lógica perversa, nos períodos em que esta
produção foi economicamente mais interessante, o agricultor extrativista sempre ganhou
Saldo em caixa em reais (R$) no ano de 2010.
menos, continuando a margem do processo. As mudanças no modo de produção e ocorridas
na década de 90 só foram possíveis a partir do acirramento dos conflitos e a necessidade de
reorganização espacial, a partir da luta para alcançar os palmeirais. Essa luta trouxe um novo
paradigma de exploração do babaçu, mais horizontal e sustentável.
3. As quebradeiras de coco, o movimento social e a construção de sua identidade
Para entender o que está em jogo dentro das relações do extrativismo do coco
babaçu, devem-se apresentar em que condições as mulheres que vivem estas experiências são
colocadas e percebidas dentro do âmbito público. São vistas conforme sujeitos dotados de
características específicas, porém, segundo PACHUKANIS (1977:149) os conceitos de
sujeito, em um contexto jurídico, tomaram rumos de abstrações mortas. No caso das
quebradeiras de coco, toda a relação acaba tomando um corpo jurídico que se estabelece
dentro de outros âmbitos que se colocam como “inibidores” ou “obstáculos” para um
desenvolvimento da área dos latifundiários.
Deve ser lembrado que no momento de expansão dos latifúndios no Maranhão
(década de 60) estes proprietários de terra não se depararam com áreas inabitadas. Já existia
uma vegetação estabelecida, já existiam povoados, pomares, áreas comuns. A divisão do
trabalho e das áreas já estava consolidada entre as populações que ali habitavam desde os
tempos do Brasil colonial. (AYRES JÚNIOR, 2007:96) Todavia, a forma coletiva como a
maioria destes trabalhadores rurais lidava com a terra não lhes garantiu títulos de propriedade
para confrontar aquele que chegava. A situação se recrudesce na medida em que avança a área
de pasto, aumenta a densidade demográfica e diminuem as áreas livres (para rodízio de terras
e extração do coco babaçu).
Conforme delineado no item anterior, a consolidação da apropriação privada das
áreas dos babaçuais teve como importante marco a Lei Sarney, que garantiu aos fazendeiros
condições de acúmulo das árvores, afastando a moradia das quebradeiras de coco das áreas de
acesso às palmeiras. Além disso, após essa lei, para continuarem a exercer suas atividades,
estas deveriam firmar contratos com os novos proprietários das terras, que estipulavam,
conforme a correlação de forças, as cláusulas mais interessantes para si próprios. As
quebradeiras que se recusavam a submeterem-se a esses contratos eram proibidas de entrar na
área, sendo acusadas, inclusive, de furto, invasão de propriedade, dano, entre outros crimes. O
direito penal burguês garante a propriedade, logo, as quebradeiras sempre saíam perdendo.
(SHIRAISHI NETO, 2006:20)
Estas sofriam pela baixa remuneração, falsas acusações de sacrifício de animais,
depredação de benfeitorias, roubos diversos, apropriação da produção agrícola através do
sistema usurário de crédito. Dois trabalhadores foram mortos dentro de babaçual devido a
proibição de coleta do babaçu (Cajari). Três quebradeiras foram assassinadas e três
trabalhadores feridos durante a quebra do coco na fazenda do deputado José Lamar Alves da
Costa (Coroatá). Roubo das criações dos agroextrativistas. Um povoado foi totalmente
queimado (Monte Alegre – São Luiz Gonzaga). Humilhações contra idosos e crianças.
Assassinatos em plena luz do dia e sem penalidade por parte das autoridades públicas
(AYRES JÚNIOR, 2007:100-106)
A derrubada das palmeiras pelos latifundiários era contínua e o coco começou a ficar
escasso. Esses trabalhadores rurais não queriam migrar novamente, uma vez que naquela
região existia o recurso que lhes garantia a subsistência. À medida que as mulheres lutavam
pelo coco mais os latifundiários intensificavam as restrições de acesso aos babaçuais e
avançavam no seu desmatamento. Tornam-se cada vez mais frequentes os casos de violência
contra as quebradeiras.
É a partir desse contexto de subordinação que nasce a ideia da “sujeição” das
quebradeiras de coco. Esse é o termo empregado para designar a prática abusiva dos
fazendeiros frente às reivindicações das quebradeiras, restringindo direitos, mesmo em áreas
públicas, uma vez que alguns proprietários não possuíam a escritura legítima da área,
utilizando-a como sua, pela mera aparência de ser o proprietário. (ALMEIDA, 1995:23)
Ainda fruto dessa submissão, é a obrigação que as quebradeiras tem em comprar e
vender para os estabelecimentos dos proprietários da terra, muitas vezes em relação creditícia,
gerando obrigação de juros que chegam a atingir três vezes o valor adiantado pelo proprietário
da terra.
Vale recordar que no Maranhão a terra é possuída de forma irregular. Enquanto os
proprietários de terra aumentaram de 25.080 para 30.894 entre 1950 e 1960, no mesmo
período os ocupantes (que exploram terras públicas ou de terceiros, com ou sem
consentimento do proprietário) passaram de 61.901 para 138.745 e os chamados arrendatários
e foreiros aumentaram de 5.281 para 88.436. Por estes dados, os percentuais de elevação dos
que não detém formalmente o domínio legal das terras revelam-se extraordinários
(ALMEIDA, 1995:25)
Neste processo de conflito, as mulheres passam a desenvolver estratégias de ação
alternativas: coletam cocos às escondidas para evitar a violência dos jagunços, quebram o
coco em outras áreas onde ainda é permitido, vendem a amêndoa de madrugada para algum
comerciante da cidade, adicionam agua, chuva, urina e cascas para elevar o peso na hora da
venda. (AYRES JÚNIOR, 2007:98)
Desta forma, também é prejudicado o consumidor final das amêndoas, que muitas
vezes alheio (por inércia ou má fé) ao processo violento e explorador da catação do coco,
recebe o produto com até 27% de impurezas. (AYRES JÚNIOR, 2007:100)
O mesmo não ocorria nas localidades com postos de compra da cooperativa. Ao
passo que se organizavam em cooperativas, e sendo o produto dividido entre as quebradeiras,
estas não precisavam fraudar o peso, já que o preço era justo e as sobras eram divididas entre
elas.
No auge da violência, diversas instituições nacionais começaram a se interessar pela
causa. Entre elas, a Comissão Maranhense de Direitos Humanos, Comissão Pastoral da Terra,
Coordenadoria Ecumênica de Serviço, Comissão Pastoral da Terra, Federação dos
Trabalhadores na Agricultura do Maranhão (FETAEMA) sindicatos rurais. O auxílio
oferecido por estas organizações podem ser divididos em quatro frentes: 1) atendimento de
necessidade imediatas (roupa, alimentação, vestuário, atendimento dos feridos); 2)
interferência política nos centros locais e estaduais de poder; 3) publicização dos conflitos; 4)
formação, capacitação e proteção das lideranças dos conflitos. Neste processo, uma nota é
importante: o sindicato dos trabalhadores rurais muitas vezes se posicionou de forma contrária
às lutas. (AYRES JÚNIOR, 2007:104-106)
Logo em seguida e depois concomitantemente, diversas instituições internacionais
passaram a atuar: Misereor (Alemanha), Pão para o mundo (Alemanha), DFID (Inglaterra),
Terres des Hommes (Suíça), War on Want (Inglaterra), UNICEF (em 1997 as quebradeiras
receberam 80mil do UNICEF par amontar uma fábrica de sabonetes no povoado de Ludovico,
município de Lago do Junco)
Segundo Renata dos Reis Cordeiro, na literatura produzida entre os anos de 1950 e
1980 sobre o babaçu, não é encontrado o termo quebradeira de coco. (CORDEIRO, 2008: 56)
A construção desta identidade acontecerá juntamente com a organização do movimento pela
terra e trabalho.
As quebradeiras encontravam nas companheiras o primeiro lugar para resistirem. Era
no momento do trabalho que dividiam suas dificuldades e traçavam estratégias. Refletiam
sobre as ações dos maridos que muitas vezes trabalhavam na derrubada dos palmeirais para os
latifundiários. E identificaram que o primeiro conflito a ser enfrentado era dentro de casa:
convencer seus maridos que o dinheiro ganho com as derrubadas era insuficiente e que a
derrubada traria prejuízo para a subsistência do grupo. Junte-se a isso o fato de ser uma
estrutura social onde a mulher estava submetida ao marido. (AYRES JÚNIOR, 2007:107-)
O clima de tensão é majorado com a formação da consciência política pelas
trabalhadoras rurais. Ao se identificarem dentro de um grupo específico (de classe e gênero),
as quebradeiras de coco passam a lutar contra a centralização fundiária e a acumulação
incontrolável de riquezas naturais.
Repressão, inferiorização, quebrar coco não é uma coisa digna, a casa é o mundo, o
marido é o senhor. Isso muda. As mulheres, com a luta, constroem sua identidade como
quebradeiras de coco, e a partir daí afirmar-se quebradeira de coco passa a ser motivo de
orgulho.“essas mulheres e suas famílias eram inferiores por que eram pobres, pretas, lavradoras, quebradeiras de coco, analfabetas, sem terra. Posicionavam-se, não apenas socialmente, mas humanamente abaixo dos coronéis, dos proprietários, dos patrões, dos dotores. Assim sendo, não tinham opinião sobre nada que não fosse o cuidado da roça e dos animais.” (AYRES JÚNIOR, 2007:109)
A participação no conflito forneceu a elas novos espaços de atuação e direitos
outrora inerentes apenas aos homens. Passaram a acreditar que possuíam o direito. No início
os homens preponderaram nas posições de direção do movimento, as mulheres ficavam com a
tarefa de cozinhar para o contingente de homens e umas poucas mulheres em assembleia. Mas
elas foram descobrindo sua capacidade organizativa, reivindicatória, combativa e de contato
com instituições e autoridades (AYRES JÚNIOR, 2007:109-114) A partir disto decidem
abandonar as cozinhas e tomar parte nas assembleias. Empoderam-se. Esta participação gera
efeitos diretos em sua autoestima e autopercepção, como mulheres e como um grupo.
(AYRES JÚNIOR, 2007:115)
Uma característica marcante na participação destas mulheres é que elas passam a
integrar diversas organizações simultaneamente. Diz-se, ainda, que beneficiaram-se do
suporte político e econômico da Igreja Católica, integraram sindicatos, reuniram-se e fizeram
pauta com representantes do INCRA, Ministério do Meio Ambiente, Sociedade de Direitos
Humanos, e assim foram adquirindo conhecimento sobre as leis e as questões fundiárias.
Muitas se tornaram conhecidas nacional e internacionalmente. (AYRES JÚNIOR, 2007:128)
Abaixo são elencadas, por ordem de surgimento as principais organizações nas quais
as quebradeiras de coco tomaram parte e também aquelas formadas exclusivamente por elas:
ATAM – Associação dos Trabalhadores Agrícolas do Maranhão. Criada em 1950, na
época em que a maioria dos conflitos versava sobre a invasão das roças pelo gado (RÊGO,
ANDRADE; 2006:48)
STR’s – Sindicatos de Trabalhadores Rurais – sofreram mudanças ao longo do
tempo, sendo que as mulheres passaram poder associar-se, atitude antes permitida apenas aos
homens. (RÊGO, ANDRADE; 2006:49) Segundo Shiraishi, a presença das quebradeiras no
sindicato não era confortável, primeiro por serem mulheres em um espaço dominado por
homens, e em segundo por reivindicarem a garantia de uma atividade considerada secundária
em relação a roça. (SHIRAISHI, 2005:3)
ASSEMA – Associação em áreas de assentamento no estado do Maranhão. Sua
atuação ocorre nos municípios do Médio Mearim em áreas de assentamento do INCRA ou
ITERMA. Foi criada em maio de 1989 (AYRES JÚNIOR, 2007:121) e tem se proposto a
organizar os trabalhadores agroextrativistas para que eles encontrem alternativas produtivas
que lhes garantam elevação no seu padrão de vida. Para isso, emprega técnicos agrícolas
especializados na produção em pequenas propriedades, os quais orientam e estimulam
práticas ambientalmente corretas (AYRES JÚNIOR, 2007:123) Essa associação aglutina
várias outras entidades através de uma associação coletiva de cooperativas de pequenos
produtores, de associações comunitárias de áreas de assentamento, de sindicatos de
trabalhadores rurais e associações de mulheres trabalhadoras rurais nos municípios de Lima
Campos, São Luiz Gonzaga, Lago do Junco e Esperandinópolis. (RÊGO, ANDRADE; 2006;
p.50) Afirma-se que “foi por meio do programa de comercialização da ASSEMA que o óleo
de babaçu alcançou mercados internos e também o externo – consumido por vários países”.
(RÊGO, ANDRADE; 2006:51)
COPPALJ – Cooperativa dos pequenos produtores agroextrativistas de Lago do
Junco. (RÊGO, ANDRADE; 2006:49) Tem como principal função eliminar a figura do
atravessador, e tem realizado a extração do óleo de babaçu desde 1992, data da instalação da
prensa. (RÊGO, ANDRADE; 2006:51) Estipula-se que as exportações em 1994
correspondiam a 21 toneladas ou US$ 38.304. Em 1999 foram US$ 230.000. (RÊGO,
ANDRADE; 2006:51)
AMTR – associação das mulheres trabalhadoras rurais – foi criada em 03 de maio de
1989, tendo surgido a partir dos Clubes de Mães que existiam em cada povoado e tinham o
objetivo de buscar alternativas econômicas que melhorassem as condições de vida das
famílias. (AYRES JÚNIOR, 2007:116) Caracteriza-se por realizar um trabalho de base entre
as quebradeiras de coco da região e tem como área de abrangência os municípios de Lago do
Junco e Lado dos Rodrigues, os quais abrangem inúmeras comunidades. (RÊGO,
ANDRADE; 2006:52)
Mais colaboradores foram sendo agregados e se inserindo em organizações parceiras:
Fórum Carajás (organização que inclui diversas entidades representativas dos atingidos pela
estrada de ferro Carajás), CNPT (atua com comunidades tradicionais)6, SMDH (defesa dos
direitos humanos), GTA (grupo de trabalho amazônico) (AYRES JÚNIOR, 2007:116)
MIQCB – Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu. Surge por
conta de uma limitação da ASSEMA, a qual possuía preocupações mais gerais e não se
prendia a particularidades do grupo das quebradeiras (AYRES JÚNIOR, 2007:124) Criado
em 1990, a partir das discussões realizadas no Grupo de Estudos das Quebradeiras de Coco
Babaçu, em meados de 1989 e transformado em associação do movimento interestatudal das
quebradeiras de coco babaçu em 2002, constituindo-se em
uma organização de mulheres camponesas que se aglutinam a partir de critérios de luta em defesa do ambiente, com a proposta de agroextrativismo do coco babaçu, de preservação e do livre acesso aos babaçuais, estabelecida em muitos casos a partir de lutas de caráter político-jurídico como no caso da construção de uma proposta de legislação específica – a Lei Babaçu Livre. (RÊGO, ANDRADE; 2006; p. 51-52)
O MIQCB é hoje forte instrumento de mobilização das quebradeiras de coco. O 1º
encontro ocorreu na cidade de São Luís em 1991, onde optou-se pela criação do movimento
das quebradeiras de coco babaçu (AYRES JÚNIOR, 2007:125-126) Em 1993 ocorre o 2º
encontro e são tirados como principais objetivos a luta por babaçu livre e reforma agrária,
alternativas econômicas, sociais, políticas e ambientais para a exploração econômica dos
babaçuais. Todavia é a partir do 3ºencontro, em 1995, que o movimento recebe esta
denominação. O registro jurídico viria em 2001.
Importante ressaltar que “as quebradeiras de coco babaçu são portadoras de uma
identidade coletiva que as diferencia dos demais indivíduos e dos grupos sociais no interior do
Estado Brasileiro” (AYRES JÚNIOR, 2007:120) Esta identidade encontra-se ligada a
preservação do ambiente dos babaçuais, um vínculo que ultrapassa a relação puramente
material ou econômica (RÊGO, ANDRADE; 2006:55)
Em virtude disto suas demandas não podem jamais ser entendidas como demandas
individuais. Segundo Shiraishi, as demandas das quebradeiras de coco não podem ser
entendidas como comumente se entendem as demandas jurídicas. Essa identidade vem sendo
forjada numa trajetória de intensa mobilização e luta. Mobilizam-se de forma específica,
trabalham em grupo e a relação que possuem com a natureza é bem particular. As palmeiras
de babaçu constituem-se em recurso vital para as quebradeiras. (SHIRAISHI, 2005:2)6 A Portaria IBAMA nº 22, de 10 de fevereiro de 1992, criou o Centro Nacional de DesenvolvimentoSustentado das Populações Tradicionais – CNPT. (SHIRAISHI, 2005, p. 1)
Pode-se afirmar que esta identidade foi forjada a partir das lutas e dificuldades
enfrentadas. A partir do apoio mútuo e da identificação como uma coletividade, da
observação e reflexão dos problemas que atingiam a todas as mulheres. As quebradeiras de
coco enfrentaram muitas lutas e, como se viu, a primeira delas foi em casa – com os próprios
maridos. Precisaram convencê-los da importância da sua atividade e da necessidade de lutar
pela preservação do meio ambiente. Lutaram contra os proprietários de terra. Lutaram dentro
dos sindicatos. Formaram seu próprio movimento. Encontraram-se. Identificaram-se umas nas
outras e como grupo.
4. Identificação dos principais obstáculos à continuidade e desenvolvimento das
atividades das quebradeiras de coco
Em São José dos Basílios, município maranhense distante cerca de 310
quilômetros da capital São Luís, as mulheres quebradeiras de coco babaçu que se organizaram
em associação tem conquistado a segurança dos seus direitos e o livre acesso a grande parte
das reservas dos babaçuais nas áreas daqueles que se dizem ser os proprietários, quando na
verdade se tratam de terras públicas. Até pouco tempo, em uma negociação com proprietário
de fazenda, este pagava os trabalhadores pela a coleta dos cocos e estabelecia com as
quebradeiras uma relação denominada no local de “pagamento de meia”. Por este sistema, as
quebradeiras repassavam metade da produção ao fazendeiro. O litro da amêndoa custava R$
0,60 para as quebradeiras e é revendido para os chamados atravessadores que, por sua vez,
vendem o produto às grandes empresas produtoras de ferrogusa ou de óleo industrial.7
Em depoimentos durante o Encontro das Quebradeiras de Coco de São José dos
Basílios, Dom Pedro e Governador Archer, Rosinete Silva, quebradeira de Dom Pedro, MA,
afirma que ela e as companheiras eram obrigadas a passar por baixo das cercas de arame
farpado, junto com seus filhos e filhas menores, muitas vezes enfrentando a “humilhação dos
trabalhadores das fazendas” 8. É tentando desarmar este contexto de violência (que transcorre
dentro de relações de gênero também), com a consolidação de dispositivos legais que tanto a
Associação de Mulheres Quebradeiras de Coco do Município de São José dos Basílios (MA)
7 Informação oral obtida por ocasião de conversa com Marcos Robério dos Santos, diretor da Associação das Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu de São José dos Basílios, na oportunidade do Encontro das quebradeiras de coco de Dom Pedro, São José dos Basílios e Governador Archer, no dia 25 de junho de 2011, em Dom Pedro, MA.8 Informação oral obtida por ocasião de conversa com Rosinete Silva, da comunidade São Francisco Xavier, em Dom Pedro, na oportunidade do Encontro das quebradeiras de coco de Dom Pedro, São José dos Basílios e Governador Archer, no dia 25 de junho de 2011, em Dom Pedro, MA.
quanto o MICQB lutam há muito tempo. Tal iniciativa contribui para a afirmação da
identidade coletiva, sendo uma forma de realmente se estabelecerem dentro de um grupo no
qual se identificam e unem seus conhecidos em prol do desenvolvimento do seu trabalho.
No que tange ao acompanhamento do Poder Público junto às quebradeiras em São
José dos Basílios/MA, há o apoio Ministério Público, que atende demandas que estão para
além da preservação dos babaçuais e livre acesso das quebradeiras de coco, como preservação
dos recursos hídricos e agro-extrativistas, e regularização da situação fundiária. Segundo
Marcos Robério dos Santos, o diretor da Associação das Mulheres Quebradeiras de Coco
Babaçu de São José dos Basílios “a demanda por políticas públicas não se prende à mera
coleta e quebra do babaçu, é intenção também do grupo que as relações fundiárias
estabelecidas na cidade sejam regularizadas e que se protejam não apenas a palmeira, mas a
vegetação e águas, o meio ambiente como um todo”. Ainda segundo o diretor, são de extrema
importância tais demandas, uma vez que em épocas infrutíferas para a coleta do coco, outras
formas de cultivo são utilizadas (pequenas colheitas de tomate, cheiro verde e cebolinha, por
exemplo). 9
O caso do município aqui destacado não é único, outros municípios maranhenses
também têm lutado e conquistado direito ao livre acesso aos babaçuais. São lutas diárias pela
conscientização interna (dentro do grupo) e externa (para que se reconheça o grupo),
obrigando o Direito a repensar esta concepção universalista das suas normas. O primeiro
município do Maranhão que contou com uma lei do babaçu livre, em 1997, foi Lago do Junco
(região central do Maranhão, na qual se encontra a região dos cocais, área mais abundante de
palmeiras de babaçu).
De lá para cá outras cidades em conflito acabaram por editar suas leis municipais
com base no livre acesso aos babaçuais. As leis municipais estão assim distribuídas nas
legislações locais do Maranhão: Lei n.º 05/97 e 01/2002 de Lago do Junco, Lei n.º 32/99 de
Lago dos Rodrigues, Lei n.º 255/99 de Esperantinópolis, Lei n.º319/ 2001 de São Luiz
Gonzaga, Lei n.º 1.084/2003 de Imperatriz, Lei n.º 466/2003 de Lima Campos, Lei n.º
52/2005 de São José dos Basílios, Lei nº 01/2005 de Cidelândia, Lei n.º 1137/2005 de
Pedreiras. Há projeto de lei em tramitação no município maranhense de Capinzal do Norte.
(CORDEIRO, 2008:93-94)
9 Informação oral obtida por ocasião de conversa com Marcos Robério dos Santos, diretor da Associação das Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu de São José dos Basílios, na oportunidade do Encontro das quebradeiras de coco de Dom Pedro, São José dos Basílios e Governador Archer, no dia 25 de junho de 2011, em Dom Pedro, MA.
Mesmo aprovadas as leis municipais, é importante saber que este procedimento
não tem sido pacífico, posto que envolve interesses diversos que se encontram em disputa no
espaço político de Câmaras e Prefeituras Municipais do interior dos estados –locais onde,
geralmente, os vereadores e prefeitos são os proprietários (legítimos ou não) das terras em
disputa. As quebradeiras de coco, então, “negociam” os projetos, ora fazendo concessões
onde é possível fazê-las, ora se mantendo firmes nos pontos em que os seus propósitos não
podem e nem devem ser transacionados. Enquanto em alguns projetos de lei aprovados, a
prática extrativa é totalmente livre, noutros a atividade fica dependente de autorização do
proprietário da terra. Isso corrobora as correspondências das forças políticas que se
estabelecem nesse espaço de luta. As mulheres, percebendo a dificuldade de lograr êxito em
suas reivindicações nesses espaços políticos, tem se candidatado a cargos do poder público
municipal (principalmente como vereadoras) a fim de ampliar e robustecer seu espaço de
decisão.
A história recente das quebradeiras de coco está vinculada a sua enorme
capacidade de organização e mobilização, invertendo os estigmas que lhes eram atribuídos:
mulheres subordinadas a uma atividade degradante, vítimas da pobreza em ecossistemas
degradados. Segundo GOYARD-FABRE (2002:194) o “sujeito de direito” expresso nas
convenções internacionais somente adquirirão significado real se vinculado a esse processo de
organização e mobilização dos grupos, que, no caso aqui estudado, ocorrem na disputa pelos
recursos naturais e a terra na realidade cotidiana de seus modos de vida.
Durante a participação no Encontro das Quebradeiras de Coco de Dom Pedro, São
José dos Basílios e Governador Archer, foi proporcionado um momento de interação com as
mulheres que passariam a narrar suas vivências dentro dos conflitos. A dinâmica consistia em
tomar o nome de cada comunidade, a data criação da associação (caso houvesse), quem são as
lideranças e foi pedido que as quebradeiras apontassem os principais problemas que
enfrentam, bem como as principais conquistas que obtiveram ao longo de sua luta.
Em algumas cidades, as comunidades de quebradeiras de coco, ao contrário do
que se pensa, não se encontram juntas e homogêneas em determinado locus. É o exemplo de
Dom Pedro, MA cidade na qual as comunidades se espalham por várias áreas da cidade, o que
implica problemas diversos, apesar de similares. É extremamente difícil juntar todas elas em
um único lugar para tratar de um assunto tão complexo como é o acesso livre aos babaçuais.
Relatam as quebradeiras, que cada comunidade tem seus problemas específicos, mas que
sempre encerram em um lugar comum: a falta de acesso ao extrato e corte do babaçu.10
A cidade de Dom Pedro, não tem uma associação formada (como a de São José
dos Basílios) e as lideranças também não são reconhecidas, a não ser na pessoa de Márcia
Palhano que faz parte da Comissão Pastoral da Terra (CPT), algo que dificulta ainda mais a
identidade e a unicidade destas mulheres, uma vez que falta dentro de sua organização
precária lideranças próprias. Perguntadas sobre as dificuldades as quebradeiras afirmaram que
há alguns anos havia agressão - inclusive, narrou-se caso no qual uma mulher foi amarrada a
uma palmeira de babaçu por entrar em uma fazenda particular para colher e quebrar o coco.
Hoje, contam, não há mais violências físicas, entretanto o acesso ainda é dificultado por
outras formas de opressão, como armadilhas para animais (que acabam servindo de
armadilhas humanas), animais ferozes soltos nas fazendas e capatazes que fazem segurança
armada no local.11
Maria de Fátima Pereira narra um curioso fato:
Eu fui pegar o coco, mas meu menino tinha saído e não podia ir comigo subir no pé. Daí eu fui sozinha e nessa fazenda tinha um touro muito valente que o dono deixava solto de propósito, só para não deixar a gente entrar, porque ele sabia do medo que a gente tinha. Eu subi no pé de babaçu, mas aí o touro apareceu e eu fiquei com medo de descer porque o touro ficou lá arrodeando, me cercando por baixo. Demorei mais de meia hora pendurada lá e gritando “socorro”, até que chegou alguém e tangeu o touro e eu desci.12
Para as quebradeiras resta a coleta do coco apenas se entrarem furtivamente
dentro da propriedade cercada, pois não há acordo nenhum com o proprietário da terra.
Quando há acordo, este é feito mediado por alguém que arrenda o pedaço de terra para cuidar.
O arrendamento é feito da seguinte maneira, de acordo com Irene Rodrigues, da comunidade
Canto do Hermes: “o dono real da fazenda, sítio ou quinta, ‘arrenda’, vende um determinado
pedaço do lote para alguém e esta pessoa é que a partir de então é dona da terra e das
10 Informação oral obtida por ocasião de conversa com Maria do Socorro Ribeiro, da Comunidade Cajá, em Dom Pedro, na oportunidade do Encontro das quebradeiras de coco de Dom Pedro, São José dos Basílios e Governador Archer, no dia 25 de junho de 2011, em Dom Pedro, MA.11 Informação oral obtida por ocasião de conversa com Maria de Fátima Pereira, da comunidade Canto do Hermes, em Dom Pedro, na oportunidade do Encontro das quebradeiras de coco de Dom Pedro, São José dos Basílios e Governador Archer, no dia 25 de junho de 2011, em Dom Pedro, MA.12 Informação oral obtida por ocasião de conversa com Maria de Fátima Pereira, da comunidade São Francisco Xavier, em Dom Pedro, na oportunidade do Encontro das quebradeiras de coco de Dom Pedro, São José dos Basílios e Governador Archer, no dia 25 de junho de 2011, em Dom Pedro, MA
palmeiras”13. Quando conseguem alguma espécie de contrato, o coco extraído e quebrado
deve ser vendido para este arrendatário a um preço bem ínfimo.
Margarida Silva, da comunidade Cajá, na cidade de Dom Pedro, relatou que a
Prefeitura chegou a propagandear um pequeno curso sobre artesanato e uso do coco babaçu,
entretanto não houve qualquer convite às quebradeiras da cidade e o curso contava com
apenas quinze vagas (em Dom Pedro, são pelo menos 100 famílias nas quais as mulheres que
se identificam como quebradeiras). Dos cursos que são preparados pela CPT, alguns não
obtem sucesso pelo fato de maridos não deixarem suas mulheres participarem ou pelo fato da
pouca expectativa de alguma conquista. Relatou ainda que a maioria das quebradeiras vive
apenas da extração e quebra do coco, “mas pela dificuldade algumas dependem do marido e
as que não tem esta ajuda acabam por ir para as casas lavar roupas ou fazer faxina nas casas
de família”14. Todas as que ali estavam recebiam o Bolsa Família.
Sobre o futuro não há esperanças fortes, uma vez que as quebradeiras
dompedrenses são extremamente denegadas de ações do Poder Público local e por duas vezes
já tentaram encaminhar projetos para a implantação da Lei do Babaçu Livre na cidade de
Dom Pedro. Segundo Márcia Palhano, liderança identificada pelas quebradeiras de Dom
Pedro, mas que também é a única militante da CPT na cidade afirmou que “em uma das
oportunidades um vereador simplesmente rasgou o projeto, ali na frente de todos”. Afirma
ainda a militante que chegou a ser agredida por um assessor da Câmara Municipal, quando do
protesto pelo ato praticado pelo vereador.15
A própria atividade encontra-se ameaçada, uma vez que as novas gerações não
tem interesse ou não são incentivadas. Segundo relato Maria Lucinalva Sousa, não há porque
querer sua filha quebrando coco, pois “é preciso que as crianças estejam na escola para
garantir um futuro melhor”16. É que a atividade de quebra deve começar desde cedo, posto
que esta é assaz complicada e usa machado e pedaço de madeira, de uma forma bem rústica
mesmo.
13 Informação oral obtida por ocasião de conversa com Irene Rodrigues, da comunidade Canto do Hermes, em Dom Pedro, na oportunidade do Encontro das quebradeiras de coco de Dom Pedro, São José dos Basílios e Governador Archer, no dia 25 de junho de 2011, em Dom Pedro, MA.14 Informação oral obtida por ocasião de conversa com Margarida Silva, da comunidade Cajá, em Dom Pedro, na oportunidade do Encontro das quebradeiras de coco de Dom Pedro, São José dos Basílios e Governador Archer, no dia 25 de junho de 2011, em Dom Pedro, MA.15 Informação oral obtida por ocasião de conversa com Márcia Palhano, militante da Comissão Pastoral da Terra, na oportunidade do Encontro das quebradeiras de coco de Dom Pedro, São José dos Basílios e Governador Archer, no dia 25 de junho de 2011, em Dom Pedro, MA.16 Informação oral obtida por ocasião de conversa com Maria Lucinalva Sousa, da Comunidade Centro dos Estevinhos, em Dom Pedro, na oportunidade do Encontro das quebradeiras de coco de Dom Pedro, São José dos Basílios e Governador Archer, no dia 25 de junho de 2011, em Dom Pedro, MA.
Este encontro aqui descrito faz parte do que o MIQCB denomina “encontrinhos”,
pequenas reuniões de associações ou grupo de quebradeiras desmobilizadas que se juntam
para discutir a situação dentro de cada região. O encontro interestadual é denominado
“encontrão”. Ocorrido em 2009, o VI Encontro do Movimento Interestadual das Quebradeiras
de Coco Babaçu e teve sede na cidade de São Luís-MA, e participaram 239 delegadas e
representantes de 93 comunidades tradicionais dos Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e
Pará. À mesma época, como pre-encontrão, foram estabelecidos alguns “encontrinhos” nos
quais os resultados marcaram uma reformulação do quadro político administrativo do
MIQCB. Na regional do Médio Mearim, houve modificação total no quadro. Na região
maranhense conhecida como Baixada, no município de Imperatriz no Estado do Tocantins,
no, no Pará e no Piauí, houve também mudanças de lideranças políticas e administrativas.
A estrutura destes encontros trata de mostrar às quebradeiras que elas podem se
identificar como tal, proferindo palestras e oficinas sobre o conhecimento cultural e
tradicional, trabalho infantil, políticas (públicas ou não) econômicas nos babaçuais, saúde e
combate à violência contra a mulher, entre outros assuntos. Além disto, as próprias
quebradeiras tem a oportunidade de falar e mostrar seu serviço por meio de produtos
fabricados que tiveram como insumo o produto que coletam: o coco babaçu.
Ainda como forma de mostrar à sociedade suas revoltas e conflitos, é feita uma
carta aberta dirigida e apresentada aos poderes executivo, judiciário e legislativo, bem como
ao Ministério Público e à sociedade em geral, constam dessa carta as considerações e
reivindicações pelos direitos a programas e políticas públicas específicas referentes aos pontos
analisados durante o encontrão. Por meio desta carta, o MIQCB apresenta as condições e os
conflitos, bem como reivindicações para um melhor desempenho das atividades das mulheres
quebradeiras de coco. (MIQCB, 2009, p.1)
No dia 30 de agosto de 2011, foi sancionado pelo governo estadual do Maranhão
o Projeto de Lei Nº 102/2011, de autoria do deputado Bira do Pindaré (PT), este projeto fez
valer o “dia estadual das quebradeiras de coco babaçu”, fixado anualmente no dia 24 de
setembro. Este é um dia determinado como o dia simbólico de luta, posto que esta seja a data
referência ao acontecimento do I Encontro de Quebradeiras de Coco no Estado do Maranhão,
nos ano de 1991. Esta foi uma das demandas que ocorreram em maio deste ano de 2011,
quando a comunidade estadual de quebradeiras, representado pelo MIQCB (na pessoa da
Dona Djé, coordenadora do Movimento), entregou duas propostas de Lei. Uma foi a que
acabou-se de citar. A segunda proposta é um projeto que visa proteger o babaçu de derrubadas
incontroláveis praticadas pelos latifundiários, bem como a revisão das leis já existes, uma vez
que os conflitos não se extinguiram com a sua edição. (ALMA, 2011:1)
Apesar de algumas cidades não estarem presentes ou mesmo não se interessarem
em mandar representantes a encontros do MIQCB ou de reuniões dos diretórios regionais ou
municipais, a desmobilização acaba se dando de modo pontual, por motivos já expostos acima
(impedimento por parte dos maridos, baixa mobilização política etc.). Nas cidades em que a
mobilização ainda é forte e contínua, como em São Luiz Gonzaga, no interior do Maranhão,
ocorrem reuniões que tendem a discutir os conflitos ainda existentes. Nos dias 20, 21 e 22 de
setembro de 2011, aconteceu o II Encontro Intermunicipal de Mulheres Quebradeiras de Coco
Babaçu, no qual participaram a Associação de Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu
(AMTQC), MIQCB (Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu), ASSEMA
(Associação em Áreas de Assentamentos no Estado do Maranhão), Coletivo de Mulheres
Trabalhadoras Rurais do Maranhão (CMTR), Centro de Consciência Negra de Pedreiras e
Região do Médio Mearim (CCNP) e Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de
São Luis Gonzaga (STTR). (AMTQC, 2011:1)
O tema deste encontro foi “Mulheres Quilombolas”, algo que caracteriza uma
nova forma de identificar as comunidades tradicionais, uma forma que se desprende de velhos
rigores e historicismos e se adequam às identidades acionadas a cada momento da vida,
saindo de uma noção de tradição que está para além desta visão temporal particular a um
conjunto de fenômenos que moldam dentro de discursos que fazem questão de apagar
acontecimentos e sujeitos, para moldá-los em estruturas fixas. (FOUCAULT, 2008:6)
Como no esquema seguido pelo Encontrão do MIQCB, este encontro
Intermunicipal também editou carta aberta para a sociedade com as demandas e necessidades
do município de São Luis Gonzaga do Maranhão e das regiões adjacentes, entregue à
Promotoria Pública Justiça, com pequena manifestação em frente ao prédio da Promotoria. A
meta era entregar uma cópia da carta em mãos para membros do Poder Público, de forma que
não restasse possibilidade do “não conhecimento” dos conflitos e reivindicações dentro de
várias áreas, por elas mesmas definidas como problemas de educação, saúde, agricultura e
reforma agrária, meio ambiente, ação social, cultura, etnicoraciais. (AMTQC, 2011:4)
Vê-se que os problemas são maiores do que a mera demanda pela edição de uma
lei que venha a regulamentar o processo de extração, é necessário que se analise também a
possibilidade de cessão de crédito para a aquisição de tecnologias e outras formas do
beneficiamento do babaçu. Não basta interpelar ao Poder Público que se desenvolvam
legislações de acesso ao babaçu, se nenhuma outra forma de fomento for conseguida. O
desafio tende a ser mais árduo, pois o fruto é o objeto apenas de insumo, de matéria prima
para a coletividade das quebradeiras.
5. A necessidade de regulamentação e proteção jurídica da atividade.
Apesar de certos entraves por conta do poder público junto a interesses privados,
as quebradeiras de coco babaçu, conquistaram algumas leis municipais de apoio ao Babaçu
Livre, no entanto, não conseguem efetivar estas leis no mundo fático. A mera edição de uma
lei não valeu para garantir o direito destas mulheres, que precisam constantemente estar
mobilizadas e atentas para as demandas. A edição de lei de acesso aos babaçuais deve ser
entendida como sendo apenas o primeiro passo para uma série de outras conquistas de
direitos.
Isto se dá por que, dentro desta ótica de caráter burguês, fez-se alavancar uma
ideologia de legalismos escritos, ligada às estruturas obscuras das classes da sociedade e que
se limita a um jogo de necessidades e dos meios de produção. A ilusão do Direito como forma
igualitária de regulamentação das normas, assim, tem em dois aspectos: a primeira de um
legislativo que cria leis e a segunda de que estas leis se materializam na sociedade. No
primeiro aspecto, há uma descoberta e limitação de expressão da lei e não uma criação. É que
o poder legislativo burguês, ao legislar está apenas cumprindo um papel de mantenedor de
interesses. No segundo caso, por via de consequência, a declaração formal de uma lei não
altera a realidade na qual ela se impõe. O Direito, nesta forma legislada, portanto, nada mais é
do que um instrumento de dominação que cria no imaginário, uma ilusão de legalidade,
justiça e igualdade (GOYARD-FABRE, 2002:171).
Assim, com essas empreitadas junto aos membros do Poder Legislativo ou
Executivo, observa-se que a mobilização das quebradeiras tende a ultrapassar os muros das
Casas e órgãos do Poder Público e também da Academia, fazendo com que sua voz chegue
para além de sua comunidade, se estendendo para que a própria sociedade como um todo
perceba o conflito, problematizando-o. Entretanto, o Poder Judiciário ainda é pouco acionado.
A falta de leis que amparem legalmente o acesso aos babaçuais, ainda limita a atuação judicial
junto às quebradeiras.
Ressalte-se que uma base legal para o babaçu livre não se limita a colocar as
novas regras para que sejam assimiladas e acatadas dentro de uma ordem já estabelecida.
Legitimidade e legalidade estão ligadas ao poder do Estado sobre outros vieses (inclusive do
Direito). Uma lei de regulamentação em nada mudaria a situação da extração do coco babaçu
se não se fizesse emancipar consigo a ordem existente, mudando também o foco de
pensamento dos latifundiários. Sem fechar os olhos para a base econômica e social de uma
dada situação, é preciso adicionar que a transformação de uma instituição autoritária só é
possível quando ocorrer uma convicção, tanto de dominantes como de dominados, de a ordem
vigente está em crise constante e não atende mais às demandas de todos. Entretanto, esta
transformação só se pode dar por indivíduos que se “emanciparam intelectual e
emocionalmente do poder da ordem existente” (LUKÁCS, 2003:467).
Sob outros aspectos, não seria necessária a edição de uma lei para que se
concretizasse um direito que é posto, dado e garantido na própria Constituição, uma vez que
é norma de aplicação imediata, não dependente de lei para sua efetiva aplicação. Os
fundamentos jurídicos para que haja decisões favoráveis às quebradeiras de coco já existem.
No entanto, a criação de uma lei de babaçu livre, e por seguinte, de um direito à extração do
babaçu, não importa de onde se erga (se de punho próprio dos representantes do povo ou por
meio de pressões de movimentos sociais), é sempre baseado em uma superestrutura que
reflete uma infraestrutura econômico-social. O caráter burguês impôs ao âmbito jurídico uma
questão de positividade (no sentido de normas postas), na qual direitos serão aceitos e
garantidos mediante a feitura de uma lei escrita e formal.
O Maranhão é o Estado que concentra a maior parte de palmeiras de babaçu do
Brasil, porém estas áreas estão localizadas em propriedades privadas, onde a extração de coco
não é a principal fonte de renda dos donos, mas que mesmo assim impedem a entrada das
quebradeiras. A primeira Lei do Babaçu Livre no estado (que foi aprovada em 1997, no
município de Lago do Junco, MA), contudo, não teve como consequência a resolução dos
problemas da luta pela preservação do babaçu e tampouco o acesso livre e contínuo. Portanto,
é importante que não se apenas criem leis que deem acesso ao babaçu, mas que este acesso,
bem como a manutenção e o benefício do coco, sejam protegidos juridicamente.
É necessário que a lei se concretize materialmente na sociedade e esta
concretização não se dá pela mera escritura e publicação em diários oficiais. É preciso que se
consolidem as condições básicas para a efetiva solidificação das garantias dos direitos desta
comunidade tradicional, ainda mais quando o conflito envolve propriedade privada. Não se
pode olvidar que a função social da propriedade é algo garantido na Constituição Federal. A
partir da privatização da vida o poder público sente necessidade de agir de fora imperativa
nessas relações jurídicas entre particulares, ou seja, tende a contrair para si uma
responsabilidade, para que não haja excesso nas relações jurídicas privadas. (SHIRAISHI
NETTO, 1999:100)
Para Shiraishi
Além dos instrumentos da desapropriação pra fins de reforma agrária outros instrumentos jurídicos entram nessa discussão, como a reserva extrativista, a servidão administrativa e a própria ideia do babaçu livre. No caso da reserva extrativista, é importante salientar que não foi uma demanda oriunda do Movimento, mas foi instituída fora absorvida pelas quebradeiras de coco por se tratar de um instrumento que poderia de certa forma atender as suas reivindicações, sobretudo daquelas mulheres que se encontram destituídas de terra. (SHIRAISHI, 2005:6-7)
Uma lei de abrangência nacional para regular a matéria virou o projeto n.º
1428/1996. Foi arquivado e desarquivado várias vezes e atualmente é o PL 747/2003, que se
encontra na Comissão de Constituição e Justiça (SHIRAISHI, 2005:7). Foi por essa
morosidade que as quebradeiras passaram a pressionaras Câmaras Municipais.
Shiraishi elenca os seguintes argumentos a favor de uma lei do babaçu livre: 1) o
babaçu livre é um direito fundamental pois é garantia da reprodução física e social das
quebradeiras; 2) aplicação do princípio da dignidade em face da colisão entre o direito ao livre
acesso e uso comum dos palmeirais com o direito de propriedade privada da terra; 3) estatuto
patrimonial mínimo; 4) constitucional reconhecimento das diferenças sociais, econômicas e
culturais; 5) o fato de ser o Brasil um país pluralista e sem preconceitos, fundado na
harmonia social; 6) direitos constitucionais expressos aos índios e remanescentes de
quilombos; 7) convenção 169 da OIT. (SHIRAISHI, 2005:9-10)
Ademais, uma reflexão sobre a questão relatada nos capítulos anteriores revela
uma situação fática que agride preceitos constitucionais como o valor social do trabalho (art.
1º, IV, CF/88), e a proteção aos conhecimentos tradicionais (art. 216, I e II, CF/88).
Reconhecendo que a atividade das quebradeiras de coco do babaçu constitui
uma atividade diferenciada sob o aspecto cultural e histórico, importa saber, neste momento,
se há a necessidade/obrigação por parte do Poder Público em adotar condutas voltadas a
proteger esta atividade.
Saliente-se que, dentro do contexto de pluralismo jurídico, em que se
reconhece a existência de uma sociedade plural, não hegemônica, onde o Estado não é a única
fonte do Direito, é de se reconhecer no ambiente de populações tradicionais a existência de
peculiaridades que necessitam ser observadas quando da construção de um sistema protetivo
(SANTILI, 2004:357-358).
Ademais, sendo um dos objetivos específicos deste estudo identificar a
competência dos entes federativos na elaboração de normas protetivas sobre a presente
atividade, faz-se necessário identificar “o que” se pretende tutelar. Seriam as plantações de
babaçu ou seria a atividade de exploração do coco do babaçu pelas quebradeiras? Note-se que
ambos devem ser tutelados, conforme os seguintes dispositivos constitucionais que ora se
transcreve:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.§ 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:I - as formas de expressão;II - os modos de criar, fazer e viver;III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.§ 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;(grifos nossos)
No entanto, por uma questão de especialização do bem jurídico tutelado,
verifica-se que somente proteger as plantações de babaçu deixaria de lado a determinação
constitucional de proteção daquele conhecimento tradicional. Assim, torna-se necessário que
este conhecimento seja tutelado em todos os seus aspectos, dentro dos quais se inclui de
maneira reflexa a questão ambiental de proteção de determinado tipo de flora.
Partindo-se portanto desta premissa, note-se que a Constituição Federal de
1988, em seu artigo 24 determina:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;§ 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.§ 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.§ 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.(grifos nossos).
Assim, a proteção da atividade das quebradeiras de coco, inserida dentro da
idéia de conhecimento tradicional, deverá ser tutelada pela União e pelos Estados, o que
pressupõe a proteção do meio ambiente como requisito para a efetiva tutela do bem principal,
pois não se protegendo a árvore, não haverá como exercer a atividade.
O mesmo artigo 24 estabelece que a União elabore normas gerais. Esta
definição de competência deve ser interpretada em conjunto com o que estudos anteriores,
inicialmente tratados na década de 70, identificaram como “Teoria das Escalas”, que “busca
orientar a repartição de competências, encargos e serviços entre os diferentes níveis estatais
segundo critérios geográficos, econômicos, técnicos, financeiros, bem como de poder político
e de forma administrativa” (KRELL, 2005:182) 17
Paulo Affonso Leme Machado define norma geral como aquela que “visa à
aplicação da mesma regra em um determinado espaço territorial”. Esta afirmação, conforme
ressalta o próprio jurista, deve ser interpretada de acordo com a realidade brasileira, país de
dimensões continentais e culturas das mais diversas. Neste sentido afirma (MACHADO,
2003:96):
A norma federal ambiental, ou em outra matéria de competência concorrente, não precisa necessariamente abranger todo o território brasileiro. Uma norma geral ambiental federal poderá dispor, por exemplo, sobre as áreas previstas no art. 225, §4º - Floresta Amazônica Brasileira, Serra do Mar, Mata Atlântica, Pantanal e Zona Costeira. A norma geral pode abranger somente um ecossistema, uma bacia hidrográfica, ou somente uma espécie vegetal ou animal.
17 Andreas J. Krell informa que esta teoria foi apresentada pela cientista política Ana M. Brasileiro, do IBAM, e depois retomada por Fernando Antônio Rezende da Silva, na obra “Repartição de encargos públicos na Federação Brasileira”. In CEPAM/FUNDAP A nova Constituição Paulista: São Paulo, Perspectivas, 1989, p. 19-44.
A competência concorrente verificada no caso ora em tela determina, portanto,
que caberá a União tutelar a atividade como conhecimento tradicional, e aos Estados também
tutelar esta atividade, mas de uma forma mais específica, uma vez que se verifica que esta
atividade é peculiar aqueles espaços geográficos situados no Estado do Maranhão. Trata-se,
portanto, de proteger uma forma de cultura regional.
Na ausência de norma protetiva estadual no exercício de suas competências
próprias, poderá a União (ou até mesmo o Município, com base no art. 30, I, II e IX, CF/88)
legislar plenamente sobre a matéria. E no sentido contrário, na ausência de norma geral
federal, poderá o Estado exercer sua competência suplementar (art. 24, § § 2º e 3º, CF/88),
elaborando normas gerais.
Sob outro aspecto, somente uma análise mais detalhada das peculiaridades
daquela atividade poderá determinar o modo e tempo de intervenção pública destinada a sua
tutela. Existem diversos mecanismos legais voltados para este mister, conforme mencionado
por Sandra Akemi Shimada Kishi (KISHI, 2010:194-207), inciando-se pela própria
Constituição Federal, e passando pela Convenção da Diversidade Biológica, (incorporada ao
nosso ordenamento jurídico com sua ratificação pelo Congresso Nacional em 03/02/1992,
pelo Decreto Legislativo n. 2), a Medida Provisória 2.186/2001, o Decreto 6.040/2007, dentre
outros diplomas legais, não se olvidando ainda da possibilidade de aplicação da Lei n.
9.985/2000 que dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza –
SNUC - , que dentre seus objetivos determina a proteção dos “recursos naturais necessários à
subsistência de populações tradicionais, respeitando e valorizando seu conhecimento e sua
cultura e promovendo-as social e economicamente” (art. 4º, XII).
Outra alternativa possível é a criação de uma lei de abrangência nacional que
desvincule a propriedade da terra à propriedade do babaçu nela encontrado, cedendo livre
acesso para os que dele dependam como alternativa direta de sobrevivência. Todavia, nesta
hipótese, estaríamos diante de competência privativa da União (art. 22, I da CF), que, pela
falta de norma complementar (art. 22, parágrafo único da CF, não pode ser delegada para os
Estados).
6. Conclusão
A partir da pesquisa feita, revelou-se um grande potencial econômico no babaçu, e
mais do que isso, a possibilidade de empoderamento financeiro das próprias populações
tradicionais, que manejam a terra de forma sustentável e distribuem a riqueza gerada no
processo.
Percebeu-se também que as mulheres quebradeiras de coco passam por diferentes
conflitos que não se limitam apenas ao acesso aos babaçuais, tendo lugar conflitos de gênero e
classe, bem como questões deficitárias no que tange à sua educação, qualidade de vida e
outros aspectos que ferem a proteção à dignidade prevista da na Constituição Federal.
Além disto, entende-se de que formas as condições de desentrave e acesso aos
babaçuais, perpassa por interesses privados. Interesses estes que são ainda mais difíceis de
negociação e regulamentação, por serem justamente os representantes do povo nas Casas
Legislativas Municipais os principais envolvidos nos conflitos com as quebradeiras, uma vez
que grande parte dos donos de grandes porções de terra que obstam o acesso das quebradeiras
para extrair o coco são vereadores eleitos.
A mobilização das quebradeiras não se reduz a meras reivindicações por publicações
legislativas e sua mobilização já alcança para além das paredes de órgãos vistos antigamente
como blindados. Os ingressos na Assembleia Legislativa, Promotorias, Órgãos do Executivo,
para a entrega de cartas de reivindicação e propostas de melhoria das condições, em
ambientes antes vistos como couraças de ametista, na qual a entrada era restrita apenas a
determinadas pessoas, mostra que a mobilização deste grupo tende a crescer para mostrar seus
conflitos e suas demandas.
A sociedade está intimamente ligada à situação de lutas na medida em que o êxodo,
provocado pela proibição e restrição da coleta do coco, aumenta e inflaciona os índices
populacionais dos espaços identificados como urbanos, aumentando o número de pessoas
abaixo da linha de pobreza e dos conflitos sociais.
A partir da análise das qualidades do babaçu, fruto que pode ser integralmente
utilizado na indústria e que, atualmente, tem como valor agregado o fato de ser produto
“verde”, provindo de produção “tradicional” na Amazônia, bem como da atividade
extrativista organizada a partir de associações e cooperativas de quebradeiras de coco,
constatou-se a possibilidade da extração do babaçu como ferramenta econômica de
emancipação local e de fortalecimento de uma economia horizontalizada, que empodera
pessoas, respeita o meio ambiente e produz valor econômico.
Com os instrumentos jurídicos corretos, a atividade extrativista estudada pode ser
normatizada e protegida, aumentando o interesse pela mesma nestes três níveis – social –
econômico – proteção ao meio ambiente.
Uma outra economia é possível. Um outro mundo também.
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