a katia m. e. l. vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta ob. esta constru¸c˜ao...

159
capa O autor: Israel Vainsencher ´ e Professor Titular da Universidade Federal de Minas Gerais desde 2003. Obteve o grau de Doutor no Massachusetts Institute of Technology (EUA) em 1976. Sua ´ area de pesquisa ´ e dedicada a quest˜ oes enumerativas em Geometria Alg´ ebrica.

Upload: danglien

Post on 08-Dec-2018

223 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

capa

O autor:Israel Vainsencher e ProfessorTitular da Universidade Federalde Minas Gerais desde 2003.Obteve o grau de Doutor noMassachusetts Institute ofTechnology (EUA) em 1976.Sua area de pesquisa e dedicadaa questoes enumerativas emGeometria Algebrica.

Page 2: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

2

A Katia M. E. L. Vainsencher

Page 3: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

Prefacio

...“la premiere est toujours si astreinte a la considera-tion des figures, qu’elle ne peut exercer l’entendementsans fatiguer beaucoup l’imagination; et on s’est telle-ment assujetti, en la derniere, a certaines regles et acertains chiffres, qu’on en a fait un art confus et ob-scur qui embarrase l’esprit au lieu d’une science quile cultive.”

Apos enunciar este veredito1, Descartes [11] propos-se a tomar o melhor daGeometria e da Algebra, corrigindo os defeitos de uma pelas virtudes daoutra. Nascia a Geometria Analıtica Classica. Dela sao sucedaneas a Ge-ometria Diferencial e a Geometria Algebrica.

Apesar da origem comum, e claro o desequilıbrio verificado nos currıculosatuais quanto ao tratamento dispensado aos aspectos introdutorios dessasduas disciplinas. O estudante e devidamente apresentado ao triedro deFrenet, torcao, curvatura..., mas se passa a distancia do plano projetivo ecurvas algebricas.

Estas notas foram escritas com o objetivo de servir de texto a um cursode um semestre, como disciplina eletiva destinada a alunos do terceiro ouquarto ano do Bacharelado, ou ainda como disciplina de iniciacao cientıfica.O teorema de Bezout e o resultado central do curso. Para apresenta-lo comrigor, e necessario empreender uma jornada razoavel.

1...“a primeira e sempre tao restrita a consideracao de figuras, que nao se chega aoentendimento sem muito fatigar a imaginacao; ja na ultima, esta-se de tal forma subjugadoa certas regras e a tantos sımbolos, que resulta uma arte confusa e obscura a embaracar amente, ao inves de uma ciencia a cultiva-la.”

Page 4: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

ii

Nosso ponto de partida sao as curvas planas usualmente estudadas nageometria elementar, tais como retas, conicas, concoides, etc. . . . Passamosem seguida a uma revisao crıtica do conceito de curva algebrica, formulandouma definicao rigorosa, ainda que mais abstrata.

No capıtulo II, iniciamos o estudo da intersecao de duas curvas. Intro-duzimos a resultante de dois polinomios e concluımos com um caso particulardo teorema dos zeros de Hilbert.

Nos capıtulos III e IV sao exploradas as ideias basicas necessarias ademonstracao do teorema de Bezout. Para que curvas de graus m e n se en-contrem “sempre” em m · n pontos, e necessario explicar como alguns dessespontos devem ser contados mais de uma vez, quer seja por tangencia querpelo fato de uma das curvas “passar varias vezes” pelo ponto em questao;por fim, deve-se explicar como alguns outros podem estar no infinito...

No capıtulo V demonstramos o teorema de Bezout. No capıtulo seguinteestudamos mais detalhadamente o ındice de intersecao de duas curvas.

O capıtulo VII constitui-se quase que numa revisao da materia: aplicamoso teorema de Bezout ao calculo do numero de tangentes inflexionais de umacurva e o de tangentes que passam por um ponto.

No capıtulo VIII ocorre uma certa mudanca no objeto de estudo. Ateentao estiveramos interessados em analisar propriedades de uma curva comosubconjunto do plano; agora examinamos o seu carater funcional, i.e., pro-priedades do corpo de funcoes racionais.

O ultimo topico – cubicas nao singulares – tenta mostrar o sabor de coisainacabada, mal disfarcando a esperanca de que o leitor recorra a bibliografiaindicada para explorar com mais profundidade o roteiro aqui iniciado.

Para conveniencia do leitor, incluımos nesta edicao revisada um apendicecom nocoes basicas de algebra que sao utilizadas no texto, notadamente olema de Gauss e a propriedade de fatoracao unica para polinomios a coefi-cientes num corpo.

Por fim, confesso que esta edicao jamais teria ocorrido sem o insistenteencorajamento de Abramo Hefez e Dan Avritzer.

Recife, 7 de marco de 1996.

Nota a re-edicao. Exceto pela secao sobre curvas de Bezier e a inclusao de alguns poucosexercıcios, limitei-me a ligeiras correcoes e revisao de pouca monta. Algumas figuras foramre-diagramadas e uma ou outra demonstracao mais detalhada; as referencias bibliograficasganharam mais uns tıtulos, e o apendice algumas linhas sobre propriedades do grau detranscendencia.

Belo Horizonte, 14 de Fevereiro de 2005

Page 5: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

Conteudo

1 Definicoes Preliminares e Exemplos 11.1 Um pouco de historia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11.2 Equacao de uma curva algebrica . . . . . . . . . . . . . . . . . 81.3 Mudanca de coordenadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

2 Intersecoes de Curvas Planas 192.1 Finitude da intersecao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 192.2 A resultante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 222.3 O grau da resultante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 262.4 O teorema dos zeros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

3 Multiplicidades 333.1 Intersecao de uma curva com uma reta . . . . . . . . . . . . . 333.2 Pontos multiplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 363.3 Diagrama de Newton . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

4 Pontos no infinito 454.1 O plano projetivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 464.2 Espacos projetivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 474.3 Curvas projetivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 494.4 Mudanca de coordenadas projetivas . . . . . . . . . . . . . . . 51

5 Intersecao de Curvas Projetivas 575.1 Intersecao de reta e curva, agora projetivas. . . . . . . . . . . 575.2 O teorema de Bezout . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61

6 Propriedades do Indice de Intersecao 696.1 As propriedades caracterısticas . . . . . . . . . . . . . . . . . 69

Page 6: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

iv CONTEUDO

6.2 Series de potencias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75

7 Formulas de Plucker 857.1 Curvas polares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 867.2 A hessiana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88

8 Curvas Racionais 958.1 Curvas racionais afins . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 958.2 Funcoes regulares e funcoes racionais . . . . . . . . . . . . . . 988.3 O teorema de Luroth . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1028.4 Curvas racionais projetivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1048.5 O genero virtual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1088.6 Aplicacao ao calculo integral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1148.7 Curvas de Bezier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116

9 Cubicas nao Singulares 1199.1 Conexoes inesperadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1199.2 Forma normal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1209.3 Funcoes racionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1239.4 Ciclos e equivalencia racional . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1259.5 A estrutura de grupo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128

10 Apendice 13310.1 Aneis, ideais e homomorfismos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13310.2 Polinomios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13810.3 Domınios de fatoracao unica e lema de Gauss . . . . . . . . . 14210.4 Extensoes de corpos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144

Bibliografia 147

Indice 150

Page 7: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

Capıtulo 1

Definicoes Preliminares eExemplos

1.1 Um pouco de historia

A manipulacao de expressoes do tipo x2 + y2 = 1 e um fato relativamenterecente na historia da Matematica, podendo se situar em torno do seculo XVI.Mas os matematicos gregos ja sabiam efetuar calculos elaborados, recorrendoa procedimentos geometricos. Por exemplo, para o calculo do produto deduas quantidades a, b, poderıamos proceder assim:

figura 1.1

O 1 b• •a

ab

. ................................................................................................................................................................................................................ .

........................................... .

.............................................................................................................................

...............................................................................................................................................................................................................................................................

Neste exemplo, o segmento de comprimento a e tracado perpendicular-mente a reta Ob. Esta construcao requer somente o desenho de retas ecırculos. (Os cırculos foram empregados para se obter o angulo reto). Comum pouco de imaginacao, e possıvel descrever metodos para a construcao

Page 8: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

2 Definicoes Preliminares e Exemplos

com regua e compasso de expressoes do tipo√a+√ab

/a2b,

ou mais geralmente, para qualquer elemento do chamado corpo dos numerosconstrutıveis. Veja a discussao em Goncalves [15], p. 138 e seguintes.

Alem das retas e cırculos, os matematicos da Antiguidade estudaramoutras curvas, geralmente descritas como o lugar geometrico de pontos satis-fazendo certas condicoes. Essas curvas especiais eram o recurso empregadona solucao de varios problemas, para os quais todas as tentativas com reguae compasso malograram. Alguns desses tem uma historia curiosa, em quelenda e fato se misturam. E o caso dos celebres problemas da duplicacao docubo, da trisseccao do angulo e da quadratura do cırculo. Consulte Boyer,[4], p. 48 ou Klein, [22]. Veja o exemplo 1.2.6 mais adiante bem como oexercıcio [4, p. 6]. Com a ulterior introducao do metodo das coordenadas,constatou-se que varias curvas conhecidas desde os primordios da Geometriapodiam ser descritas por equacoes polinomiais.

1.1. Definicao. Uma curva algebrica plana e o lugar dos pontos cujas coor-denadas cartesianas satisfazem uma equacao do tipo

f(X,Y ) = 0,

onde f e um polinomio nao constante. (Compare com a definicao [1.5, p. 10]).

1.2. Exemplos. Eis aqui uma lista preliminar de curvas algebricas planas.A maioria deve ser conhecida do leitor.

1.2.1. A reta que passa pelos pontos (a, b) 6= (c, d). Sua equacao pode serescrita como o determinante, ∣∣∣∣∣∣

a c Xb d Y1 1 1

∣∣∣∣∣∣ = 0.

1.2.2. O cırculo de raio r e centro (a, b), lugar dos pontos que satisfazem aequacao

(X − a)2 + (Y − b)2 = r2.

Page 9: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

1.1 Um pouco de historia 3

1.2.3. A elipse, lugar dos pontos tais que a soma das distancias a doispontos fixos (digamos (±c, 0)) e uma constante, que por conveniencia esco-lhemos = 2a.

A condicao imposta escreve-se√(X + c)2 + Y 2 +

√(X − c)2 + Y 2 = 2a.

Esta equacao nao e polinomial, mase possıvel eliminar os radicais emostrar que toda solucao dela etambem solucao da seguinte (e viceversa),

X2

a2 + Y 2

b2= 1,

onde b =√a2 − c2.

O a? ?−c c

b

-

6

......................

......................

......................

......................

...........

. .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . ...........

...........................................................

.......................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... .......... .......... .......... ........... ............ ............ ............ ............. ............. ............. ............. ............. ............. ............. ............. ............ ............ ............ ........... ....................................................................

figura 1.2

1.2.4. A hiperbole, lugar dos pontos cujas distancias a dois pontos fixos,chamados focos, tem diferenca constante 2a. Marcando os focos em (±c, 0),a diferenca das distancias se expressa√

(X − c)2 + Y 2 −√

(X + c)2 + Y 2 = 2a. (1.1)

Procedendo como no caso da elipse,pondo b2 = c2 − a2, eliminamos osradicais e obtemos a equacao

X2

a2 − Y 2

b2= 1,

? ?a−c −a c

-

6

. .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . ..........

................................................................

.........................................................................................................

.........................................................................................................

...............................

..................................

........................................

.........................................................................................................figura 1.3

1.2.5. A parabola, lugar dos pontos equidistantes de um ponto fixo, chamadofoco e de uma reta fixa, diretriz.

Page 10: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

4 Definicoes Preliminares e Exemplos

Tomando (0, b), b > 0 e Y = −bcomo foco e diretriz, a equacao (jasimplificada) fica na forma,

X2 = 4bY

O

b?

. ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... ........

. .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . ..........

..........

..........

..........

..........

..........

..........

..........

..........

..........

..........

..........

..........

.....

−b

•6

-

......................

...................

..................

................ .............. ............. ............. ............ ............ ........... .......... .......... ........... ............ .........................................................................................................

.....................

figura 1.4

1.2.6. A cissoide de Diocles, lugar dos pes das normais tracadas do verticede uma parabola as suas tangentes. Dada a parabola de equacaoX2 = −4bY ,a tangente num ponto (x0, y0) se escreve

2x0(X − x0) = −4b(Y − y0).

O

figura 1.5

?

-

6

............................................ ............. ....... ....... .......

....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... .......

................................

..............................................

........................................................................................................................................................................... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .....

....................

....................

....................

..................

· · · · · · · ·· · · · · · · · · · · · · · · · · ···

····························

A reta normal tomada da origem (vertice da parabola) e

−2bX + x0Y = 0.

A intersecao desta ultima com a tangente e dada por

X =x3

0

8b2 + 2x20

, Y =bx2

0

4b2 + x20

·

Page 11: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

1.1 Um pouco de historia 5

Substituindo x0 = 2bX/Y e simplificando, resulta a equacao da cissoide,

bX2 − Y (Y 2 +X2) = 0.

Note que, em coordenadas polares, esta ultima equacao fornece

r = b cosθ cotgθ.

Daı podemos obter uma descricao dinamica que permite tracar a cissoide:

figura 1.6

................................... ............... ................. ......... ......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... ......... .........

............................

..............................

...................................................................................................................................................................................................................................................................................

-

6

·········································· · · · ·············

. ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............

. .............. .............

. .............. .............

. .............. .............

. .............. .............

. .............. .............

. .............. .............

. .............. .............

. .............. .............

b?P

?b/2

R•

Q?

O

Construa o cırculo de diametro b e centro (0, b/2). Considere a reta Y = b;para cada um de seus pontos P , trace a reta OP e tome o ponto Q daintersecao com o cırculo. Finalmente, marque o ponto R tal que OR = PQ.Variando P , o ponto R descreve a cissoide. Com efeito, notando que o angulo

θ = OPb = QbO, temos

OR = PQ = OP −OQ= b/ sen θ − b sen θ= b cos θ cotg θ = r.

A cissoide foi empregada para resolver o problema da duplicacao do cubo:dada a aresta de um cubo, construir a aresta do cubo de volume duplo. Emsımbolos, procuramos resolver a equacao,

X3 = 2b3,

onde b denota o comprimento da aresta conhecida. Sabe-se que esta equacaonao e resoluvel por regua e compasso (por exemplo, para b = 1). Recorrendoa cissoide como “curva auxiliar”, a solucao grafica e obtida com o seguinteprocedimento: ache a intersecao da cissoide

(b− Y )X2 = Y 3

Page 12: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

6 Definicoes Preliminares e Exemplos

com a retab− Y = 2X;

obtem-se um ponto (x0, y0) com (y0/x0)3 = 2. Ligando-o a origem, constroi-

se a reta Y = 3√

2X. Fazendo X = b, resulta a quantidade procurada.Convidamos o leitor a se familiarizar com os exemplos adicionais compi-

lados na lista de exercıcios.

1.3. Exercıcios

Esboce as curvas seguintes. (Atribua valores aos parametros a, b, . . . )

1. Folium de Descartes: X3 + Y 3 − 3aXY = 0.

2. Trissectriz de Maclaurin: X(X2 + Y 2) = a(Y 2 − 3X2).

3. Concoide de Nicomedes: (Y − a)2(X2 + Y 2) = b2Y 2.E a concoide de reta Y = a, de intervalo b, relativa a origem. Em geral, aconcoide de uma curva C relativa a um ponto O e de intervalo b e construıdaassim: para cada ponto P ∈ C, marque sobre OP dois segmentos PR =PR′ = b; os pontosR,R′ descrevem a concoide. Esta curva resolve o problemado calculo de medias proporcionais: dados os numeros r, s, encontrar X, Ytais que X/r = Y/X = s/Y . A duplicacao do cubo e a trisseccao do angulosao problemas desse tipo.

. .............. .............. ............. ....... ......... .......... ........... ..... ....... ........ .......... ................ ........ .................. ........ ....... .............. ...... ....... ...... ...... ........... ........... ........... .......... .......... .......... .......... .......... .......... ..........

....................................................................................................................................................................................................................................................................................................................

..................................................................................................................... ......

..... ...... ..... ...... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ...........

. .......... ......... ........ ....... ............................................................

.......................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... .............

........................

................................................

........................

. .......................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................

.

.......................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................

....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... .......

........ ........ ........ ........ ........ ........ .........................................................................................................

................................................................................................................................................................................................................................

......................................................

R•

M

BPa

O

•R′

?

???

figura 1.7

4. A figura acima ilustra a construcao do angulo aOR = aOB/3. O pontoR e a intersecao da paralela a OA que passa por B com a concoide da retanormal aB e intervalo 2OB. Por construcao, PR = 2OB. Marcando o pontomedio M de PR, resultam os triangulos isosceles PMB,BMR. O leitor nao

Page 13: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

1.1 Um pouco de historia 7

deve ter dificuldade em completar a justificativa da construcao. (Sugestao:diagonais de um retangulo...)

5. Caracol de Pascal: (X2+Y 2)2−2aX(X2+Y 2)+(a2−b2)X2−b2Y 2 = 0.Mostre que em coordenadas polares a equacao e dada por

r = a cos θ ± b.Distinga os casos a > b, a < b e a = b.Trata-se da concoide da circunferencia r = a cos θ relativa a origem.

6. Astroide: X2/3 + Y 2/3 = 1.Mostre que esta curva e de fato algebrica, dada por uma equacao polinomialdo sexto grau. Ela e o lugar descrito por um ponto de uma circunferenciade raio 1/4 que gira sem deslizar apoiada no lado interno de uma circun-ferencia unitaria centrada na origem. Curvas definidas por esse processo saochamadas de hipocicloides; quando a circunferencia se move pelo lado ex-terno, obtem-se uma epicicloide; elas sao algebricas se e so se a razao dosraios e um numero racional.

7. Oval de Cassini: ((X − a)2 + Y 2)((X + a)2 + Y 2) = b4.E o lugar dos pontos cujo produto das distancias aos 2 pontos fixos (± a, 0) eigual a constante b2. Se b2 < a2, a curva consiste em 2 componentes conexas.Se b2 = a2 tem-se a lemniscata de Bernoulli. Para b2 > a2, tem-se a ovalpropriamente dita.

8. Esboce a curva dada parametricamente por

x(T ) = T 2 − T, y(T ) = T 3.

Mostre que ela e uma curva algebrica, encontrando um polinomio f(X, Y )nao constante tal que f(x(T ), y(T )) = 0.

9. Sejam x = x(T ), y = y(T ) funcoes racionais (= quocientes de polinomiosem uma variavel T ). Mostre que existe um polinomio nao constante f(X, Y )tal que f(x, y) = 0. (Sugestao: seja K(T ) o corpo das funcoes racionais acoeficientes no corpo K. Se x ∈ K(T ) e nao constante, entao K(T ) e umaextensao algebrica do subcorpo K(x) gerado por x (vejas as definicoes 10.30,p. 144). De fato, temos x = p(T )/q(T ), com p, q polinomios, e assim Tsatisfaz a equacao polinomial p(X) − xq(X) = 0. Logo, todo y ∈ K(T ) ealgebrico sobre K(x)).

Page 14: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

8 Definicoes Preliminares e Exemplos

10. Uma curva e racional se for definida parametricamente por equacoes

X = x(T ), Y = y(T ),

onde as funcoes de T indicadas sao racionais e ao menos uma e nao constante.Mostre que toda curva racional e algebrica.

11. Curvas de Lissajous. Sao dadas parametricamente por

x(θ) = a sen(mθ + p), y(θ) = b sen(nθ + q),

onde a, b,m, n, p, q sao constantes (abmn 6= 0). Curvas desse tipo ocorremna investigacao de fenomenos vibratorios.(a) Esboce a curva, supondo m = 2, n = 3, a = b = 1, p = 0, q = π/4.(b) Mostre que a curva nao e algebrica se m/n e irracional.(c) Se m e inteiro, mostre que x(θ) pertence ao anel A gerado pelas funcoessen θ, cos θ.(d) Mostre que A e um domınio e que seu corpo de fracoes e igual a R(T ),onde T = tg(θ/2).(e) Conclua que uma curva de Lissajous com m/n racional e algebrica. Achea equacao polinomial no caso considerado em (a).

12. Chama-se rosacea uma curva de equacao polar r = a sen(bθ).(a) Esboce para a = 1, b = 1, 2, 2/3.(b) Prove que se b = m/n, com m,n inteiros > 0, primos relativos, entao arosacea e algebrica, satisfazendo a uma equacao polinomial (em coordenadascartesianas) de grau m+n ou 2(m+n) conforme sejam m,n ambos ımparesou um deles par. Se b e irracional, a rosacea nao e algebrica.

1.2 Equacao de uma curva algebrica

Reexaminemos a definicao 1.1. Uma questao que naturalmente se poe e sea equacao polinomial f = 0 esta bem determinada pela curva (entendidacomo o lugar das solucoes). A resposta e nao: f = 0 e f 2 = 0 admitemas mesmas solucoes. Poderıamos arriscar o palpite de que esse seria o unicotipo de indeterminacao: se tomassemos f com grau mınimo, talvez todasas outras equacoes definindo a mesma curva fossem do tipo fm = 0. Masnote que as solucoes de XY = 0 e X2Y = 0 sao as mesma, prejudicando a

Page 15: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

1.2 Equacao de uma curva algebrica 9

proposta. Ah, mas nesse exemplo a curva tem visivelmente dois “pedacos”,e a afirmativa poderia valer para cada um deles. Talvez uma hipotese maispromissora seja esperar que exista uma equacao de grau mınimo, as demaissendo multiplas desta. Mas as curvas (?), ou melhor dizendo, as equacoesX2 + Y 2 = 0 e 2X2 + Y 2 = 0 tem o mesmo conjunto de solucoes reais,desfazendo a esperanca.

A escassez de pontos reais nesse ultimo exemplo parece estar na raiz doproblema. Com efeito, veremos mais adiante que, se p(X, Y ) e um polinomioirredutıvel e a curva C definida por p(X, Y ) = 0 e infinita, entao a equacaode grau mınimo esta bem determinada (a menos de fator constante).

Aqui, e em outras situacoes com que iremos nos defrontar, a bem dasimplicidade de uma proposicao que desejamos tornar verdadeira, somos in-duzidos a repensar os fundamentos, isolar a dificuldade, e resolve-la “por de-creto”. Vale a pena ler a belıssima discussao desse processo de “negacao danegacao”, em Caraca, [5]. E o que faremos, passando a admitir pontos cujascoordenadas sao numeros complexos. E, ja tomada esta decisao, por que naotrabalhar tambem com polinomios a coeficientes complexos? Na realidade,praticamente em toda a teoria que exporemos, a propriedade fundamentaldos numeros complexos e que estes formam um corpo algebricamente fechadode caracterıstica zero.

Assim, salvo mencao explıcita em contrario, doravante, coordenadas depontos, bem como coeficientes de polinomios, serao tomados em um corpo Kalgebricamente fechado e de caracterıstica zero. Frequentemente, nos exem-plos, suporemos K = C. A perda aparente do recurso a intuicao geometricasera amplamente compensada. Ja podemos recolher o primeiro benefıcio.

1.4. Proposicao. Sejam f, g polinomios em duas variaveis a coeficiente nocorpo K. Entao f(X, Y ) = 0 e g(X, Y ) = 0 tem as mesmas solucoes emK2 se e so se os fatores irredutıveis de f, g sao os mesmos.

Demonstracao. Seja p ∈ K[X, Y ] um fator irredutıvel de f . Por hipotese,para cada (x, y) ∈ K2, vale a implicacao,

p(x, y) = 0 ⇒ g(x, y) = 0.

Provaremos que p divide g em K[X, Y ]. Trocando X por Y se necessario,podemos supor que Y ocorre efetivamente em p. Ponhamos A = K[X],L = K(X) (corpo de fracoes). Assim, pelo lema de Gauss [10.27, p. 143],

Page 16: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

10 Definicoes Preliminares e Exemplos

p ∈ A[Y ] e irredutıvel em L[Y ]. Suponhamos, por absurdo, que p 6 | g. EntaoMDC(p, g) = 1. Daı, existe uma relacao (veja o corolario [10.17, p. 140])

ap+ bg = 1,

onde a, b ∈ L[Y ]. Podemos escrever

a = a′/c, b = b′/c

com a′, b′ ∈ A[Y ] e c ∈ A, c 6= 0. Obtemos entao,

a′p+ b′g = c.

Agora, como p nao e constante, segue-se que, exceto para um numero finitode valores de x ∈ K, a equacao p(x, Y ) = 0 admite solucao. (Aqui usamoso fato de que o corpo K e algebricamente fechado). Conclui-se que ha umainfinidade de valores de x tais que c(x) = 0, donde c = 0. Esta contradicaomostra que p|g em K[Y ] seguindo, novamente pelo lema de Gauss, que p|gem K[X, Y ].

2

Deduzimos da proposicao anterior que uma curva algebrica, dada comolugar das solucoes de uma equacao polinomial nao constante f(X, Y ) = 0,determina (a menos de fator constante) uma equacao de grau mınimo: tomaro produto dos fatores irredutıveis distintos de f . Este fato nos leva a substi-tuir a definicao 1.1 pela seguinte onde, essencialmente, passamos a identificar“curva” com sua equacao.

1.5. Definicao. Uma curva algebrica plana afim (ou mais abreviadamente,curva) e uma classe de equivalencia de polinomios nao constantes f ∈ K[X, Y ],modulo a relacao que identifica dois tais polinomios se um e multiplo do outropor alguma constante.

Nesse contexto, a equacao de uma curva e um qualquer dos polinomiosnessa classe.

Dizemos que uma curva esta definida sobre o corpo K0, subcorpo de K,se ela admitir uma equacao a coeficientes em K0.

O traco (resp. traco real. . . ) de uma curva (definida sobre R. . .) e oconjunto das solucoes (resp. solucoes reais. . . ) da equacao.

O grau de uma curva f e o grau de sua equacao, e sera denotado por d◦f .Curvas de grau 1, 2, 3,. . . sao chamadas retas, conicas, indexconicacubicas .

Page 17: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

1.2 Equacao de uma curva algebrica 11

Uma curva e irredutıvel se admite uma equacao que e um polinomioirredutıvel.

As componentes irredutıveis de uma curva f sao as curvas definidas pelosfatores irredutıveis de f .

A multiplicidade de uma componente p de f e o expoente com que o fatorp ocorre na decomposicao de f ; quando ≥ 2, dizemos que p e componentemultipla de f .

Usualmente, cometeremos o abuso de designar pelo mesmo sımbolo tantoa curva como o seu traco ou uma sua equacao.

Por comodidade, diremos indistintamente “a curva f” ou “a curva dadapela equacao f = 0” ou “a curva f = 0”. O contexto tornara claro quandonos referimos seja ao traco, seja ao polinomio.

Observemos que, agora, as curvas X2 = 0 e X = 0, embora tenham omesmo traco, sao consideradas distintas por definicao. E sugestivo pensarem X2 como uma “reta dupla”, limite de um par de retas que vem a coincidir(digamos, X(X − εY ), com ε → 0), ou de hiperboles que se achatam sobreo eixo ( por exemplo, X2 − εY 2 = ε).

Intuitivamente, as componentes irredutıveis de uma curva f sao os “peda-cos” que constituem f e que sao tambem curvas. Com efeito, se f contem (otraco de) uma curva irredutıvel p, entao p e uma componente de f . Isto foidemonstrado na proposicao [1.4, p. 9]. O leitor deve no entanto ser alertadopara o fato de que uma curva pode ser irredutıvel mesmo sendo seu traco realformado por duas ou mais partes disjuntas: reveja o exemplo da hiperbole(p. 3). Outro exemplo e dado pela cubica de equacao

Y 2 = X(X − a)(X − b), (b < 0 < a) (1.2)

figura 1.8

b aO

...................................................................

..................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................

....................... ......................

..................................................

......................................................

..................

................................................................................................................................................

. .............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................

.......................

......................

.

.................................................................................................................................................................................................................................................................................................................

..............................................

Page 18: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

12 Definicoes Preliminares e Exemplos

Veja tambem o exercıcio 31, p. 21. Na realidade, a determinacao donumero, bem como da disposicao dos chamados circuitos reais de uma curvaalgebrica plana e uma questao ainda nao resolvida por completo. ConsulteArnold [2] p. 50 e Camacho [6].

Apesar do aparente contra-senso geometrico, a definicao 1.5 coloca emdefinitivo relevo o papel da equacao que individualiza uma curva algebrica.Alem do mais, frequentemente os argumentos algebricos empregados nasdemonstracoes de propriedades geometricas se aplicam indistintamente apolinomios, sejam eles irredutıveis ou nao.

1.6. Exercıcios

13. Verifique se as curvas apresentadas no § 1 sao irredutıveis.

14. Ache as componentes irredutıveis das curvas:(a) Y 3 −X3 +X2Y −XY 2 +X2 + Y 2 +X − Y − 1;(b) 2X2Y − 2X3 + Y 2 −XY +X − Y(c) X2 − 5XY + 6Y 2.

15. Seja fm =m∑0

aiXiY m−i um polinomio homogeneo 6= 0.

(a) Prove que fm e o produto de m fatores lineares homogeneos, i.e., fm =∏(biX + ciY ), onde bi, ci sao constantes nao ambas nulas e as razoes bi/ci

sao bem determinadas.(b) Prove que se fm, fm+1 nao tem fator comum, entao fm+fm+1 e irredutıvel.

16. Mostre que Y 2 − p(X) e redutıvel se e so se p(X) e um quadrado emK[X]. Em particular, Y 2 − (X − a)(X − b)(X − c) e irredutıvel para todoa, b, c ∈ K.

17. Mostre que uma conica a11X2 + a22Y

2 + a33 + 2a12XY + 2a13X + 2a23Ye redutıvel se e so se for nulo o determinante da matriz simetrica (aij).

18. Dado um ponto arbitrario P e duas retas distintas `1, `2 contendo P ,mostre que o conjunto das retas que contem P e

{x1`1 + x2`2 |x1, x2 sao constantes nao ambas nulas}.

19. Dados quatro pontos nao colineares, mostre que existem conicas f1, f2

tais que, a condicao necessaria e suficiente para que uma conica f passe pelos

Page 19: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

1.3 Mudanca de coordenadas 13

quatro pontos e que f seja da forma x1f1 + x2f2, com xi ∈ K, nao ambosnulos.

20. Dados cinco pontos arbitrarios, existe ao menos uma conica que oscontem; se existirem duas distintas, entao quatro desses pontos sao colin-eares.

21. Mostre que, para todo inteiro d ≥ 1, existem d(d+3)/2 pontos no planopelos quais passa exatamente uma curva de grau d.

22. Seja C a cubica Y = X3. Para cada par de pontos P,Q ∈ C, a reta PQencontra C num terceiro ponto R. Mostre que a correspondencia que associaa cada par (P,Q) o simetrico −R de R em relacao a origem O define umaestrutura de grupo em C isomorfo ao grupo aditivo de K.

1.3 Mudanca de coordenadas

As propriedades de curvas planas que estudaremos sao aquelas que inde-pendem do particular sistema de coordenadas cartesianas empregado. Fare-mos aqui alguns comentarios sobre mudanca de coordenadas e daremos aconceituacao precisa do que entendemos por “propriedade independente doreferencial”.

1.7. Definicao. Um referencial ou sistema de coordenadas afim no planoK2 consiste na escolha de um ponto O ∈ K2, chamado origem do referencial,e de uma base {v1, v2} do espaco vetorial K2. O referencial canonico e dadopor

O = (0, 0), v1 = (1, 0), v2 = (0, 1).

O vetor coordenadas de um ponto P ∈ K2 em relacao a um referencial

R = {O, {v1, v2}}

e o par (P )R = (x1, x2) ∈ K2 tal que

P = O + x1v1 + x2v2. (1.3)

Uma transformacao afim ou afinidade em K2 e uma aplicacao T : K2 → K2

composta de uma translacao com um isomorfismo linear.

Page 20: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

14 Definicoes Preliminares e Exemplos

A ambiguidade aparente na ordem da composicao e irrelevante, pois se L euma aplicacao linear e P0 ∈ K2, temos L(P + P0) = L(P ) +L(P0). Ou seja,uma translacao seguida de uma aplicacao linear tem o mesmo efeito que a(mesma) aplicacao linear seguida de uma (outra) translacao.

Toda transformacao afim e da forma T (x1, x2) = (y1, y2), onde{y1 = a11x1 + a12x2 + a1

y2 = a21x1 + a22x2 + a2,(1.4)

com det(aij) 6= 0.O leitor verificara sem dificuldade que as afinidades formam um grupo

com a operacao de composicao. Assim, a composta de duas afinidades e umaafinidade, e a inversa de uma afinidade tambem e.

Escrevendov1 = (a11, a21), v2 = (a12, a22), O = (a1, a2),

podemos interpretar as equacoes (1.4) como as que relacionamP = (y1, y2) com (P )R = (x1, x2).

E reciprocamente, podemos considerar as relacoes (1.3) como definindo aafinidade,

(x1, x2) 7−→ O + x1v1 + x2v2.

1.8. Definicao. Dizemos que a afinidade T e o referencial R sao associadosse

T (P )R = P (∀P ∈ K2).

Assim, podemos adotar duas atitudes diante do processo de mudanca decoordenadas: dada uma afinidade T , podemos olhar a relacao

(y1, y2) = T (x1, x2)

como a expressao que fornece as novas coordenadas de um mesmo ponto emtermos das antigas; os pontos ficam e as coordenadas movem-se. A outrapossibilidade, e a de considerar T agindo sobre os pontos do plano: (y1, y2)e a nova posicao de (x1, x2), com as coordenadas todas tomadas em relacaoao referencial canonico.

1.9. Definicao. O K-automorfismo do anel de polinomios em 2 variaveis

T• : K[X1, X2]→ K[X1, X2]

associado a afinidade T : K2 → K2 e dado por,

∀ (x1, x2) ∈ K2, (T•f)(x1, x2) = f(T−1(x1, x2)).

Page 21: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

1.3 Mudanca de coordenadas 15

Mais precisamente, se

T−1(x1, x2) = (b11x1 + b12x2 + b1, b21x1 + b22x2 + b2),

entao

(T•f)(X1, X2) = f(b11X1 + b12X2 + b1, b21X1 + b22X2 + b2).

O emprego de T−1 na definicao acima se justifica em vista da seguinte

1.10. Proposicao. Sejam f uma curva e T uma afinidade. Entao o tracode T•f e igual a imagem do traco de f por T .

Demonstracao. Imediata. 2

1.11. Definicao. Seja T uma afinidade e seja R o referencial associado. Aequacao de uma curva f em relacao a um referencial R e (T•)

−1f .

A definicao e natural porque, para cada P = (x, y) em K2, temos

P ∈ f ⇐⇒ f(x, y) = 0⇐⇒ ((T•)

−1f)(T−1(x, y)) = 0⇐⇒ ((T•)

−1f)((P )R) = 0.

1.12. Definicao. Dizemos que uma propriedade P relativa a curvas (ou aconfiguracoes planas, tais como conjuntos de pontos, retas, etc.) e invarianteou independente do referencial se, para toda afinidade T , uma curva f (ouconfiguracao C) satisfaz P se e so se T•f (resp. T (C)) satisfaz P .

Por exemplo, o grau de uma curva e uma propriedade invariante. A pro-priedade de tres retas serem concorrentes, bem como a de um ponto pertencera uma curva, sao invariantes.

Ja o requerimento de que dois pontos no plano real sejam equidistantesde um terceiro nao e invariante; no entanto, exigir que um ponto seja colinearcom, e equidistante de dois outros e invariante! (Leitor: verifique!).

Nos proximos capıtulos estudaremos varias propriedades invariantes decurvas algebricas. Ressaltaremos o fato delas serem independentes do refe-rencial apenas quando a verificacao a ser feita revelar-se um desafio instrutivo.

1.13. Exercıcios

23. Ache as coordenadas do ponto (1, 2) no referencial {(1, 1), {(1, 2), (3, 5)}}.

Page 22: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

16 Definicoes Preliminares e Exemplos

24. Prove que dois triangulos quaisquer sao congruentes por uma afinidade,i, e., se {P1, P2, P3} e {Q1, Q2, Q3} sao conjuntos de tres pontos nao coli-neares existe uma afinidade T tal que TPi = Qi ∀i = 1, 2, 3. Verifique se 2quadrilateros sao sempre congruentes por uma afinidade.

25. Se Li (resp. Mi) sao tres retas distintas concorrentes, existe uma afinidadeT tal que T•Li = Mi (i = 1, 2, 3)?

26. Representacao matricial . Seja T uma afinidade. Sejam(a1, a2) = T (0, 0),

(a11, a21) = T (1, 0)− T (0, 0),(a12, a22) = T (0, 1)− T (0, 0).

Definimos

MT =

a11 a12 a1

a21 a22 a2

0 0 1

.

(a) Prove a formula[TP ] = MT [P ], ∀P ∈ K2

onde, se P = (x, y), pomos [P ] =(xy1

).

(b) Prove que MTT ′ = MTMT ′ para todo par de afinidades T, T ′.(c) Mostre que a correspondencia T 7→ MT e um isomorfismo do grupo dasafinidades de K2 sobre o grupo dos isomorfismo lineares de K3 que deixaminvariante o plano X3 = 1.

27. Conicas afins. Lembremos que sao definidas por um polinomio do 2o

grau,f(X1, X2) = a11X

21 + a22X

22 + a33 + 2a12X1X2 + 2a13X1 + 2a23X2,

com ao menos um dos coeficientes dos termos de grau 2 nao nulo. SejaSf = (aij), a matriz simetrica formada pelos coeficientes de f .(a) Mostre que

f(X1, X2) = (X1, X2, 1)Stf (X1, X2, 1) (produto de matrizes)onde t significa “transposta”.(b) Mostre que, para toda afinidade T , vale

ST•f =t M−1T SfM

−1T ,

onde MT e a matriz definida no exercıcio anterior.(c) Supondo K = R, mostre que, dada f , existe T tal que

T•f = X21 + b22X

22 + b33 + 2b23X2.

(Sugestao: completar quadrados).

Page 23: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

1.3 Mudanca de coordenadas 17

(d) Ainda supondo K = R, mostre que f e congruente a exatamente umadas conicas seguintes:

X21 +X2

2 − 1, X21 −X2

2 − 1, X21 −X2, X

21 +X2

2 + 1,X2

1 +X22 , X

21 −X2

2 , X21 + 1, X2

1 − 1,X2

1 .Nos quatro primeiros tipos, Sf tem posto 3; nos quatro seguintes, o posto edois e no ultimo e um.(e) Supondo agora K = C, mostre que esses nove tipos de conicas reduzem-sea apenas cinco:

X21 +X2

2 − 1, X21 −X2, X2

1 −X22 , X2

1 − 1, X21 .

28. Determine todas as afinidades que deixam invariante a cubicaf = Y 2 −X(X − 1)(X − λ),

onde λ e uma constante. Distinguir os casos (λ = 0, λ = 1, . . . ).

Page 24: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

18 Definicoes Preliminares e Exemplos

Page 25: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

Capıtulo 2

Intersecoes de Curvas Planas

Vimos em alguns exemplos no capıtulo I a importancia atribuıda desde aAntiguidade ao estudo da intersecao de duas curvas. Descartes e Newtonchegaram a proclamar que o interesse principal das curvas algebricas seriafornecer solucoes geometricas a equacoes algebricas por meio de intersecaode curvas do menor grau possıvel. Veja Dieudonne, [10], p. 17.

Apresentaremos neste capıtulo alguns aspectos gerais do problema. Ini-cialmente, veremos que a intersecao de duas curvas sem componentes emcomum e finita. Descrevemos em seguida o processo da resultante para a de-terminacao dos pontos de intersecao. Finalizamos dando uma demonstracaode um caso particular do Nullstellensatz (teorema dos zeros) de Hilbert, oqual fornece uma condicao para que um sistema de equacoes polinomiaisadmita solucao.

2.1 Finitude da intersecao

Comecemos destacando o argumento usado na demonstracao da proposicao[1.4, p. 9].

2.2. Lema. Sejam f, g ∈ K[X,Y ] polinomios sem fatores irredutıveis emcomum. Entao existe uma relacao

af + bg = c(X),

onde a, b ∈ K[X, Y ] enquanto c e um polinomio apenas na variavel X, naonulo. Resultado analogo vale trocando X por Y .

Page 26: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

20 Intersecoes de Curvas Planas

Demonstracao. Ponhamos A = K[X], L = K(X). Consideremos f, gcomo elementos de K[Y ]. Visto que f, g nao admitem fator comum emA[Y ], tambem nao o admitem em K[Y ] (leitor: por que?). Como K[Y ] e umdomınio de ideais principais (veja a proposicao [10.16, p. 139]), segue-se umarelacao

rf + sg = 1 em K[Y ].

Eliminando denominadores de r, s, obtemos a relacao prometida. 2

Se f ∈ K[X] e um polinomio nao constante, sabemos que a equacaof(X) = 0 admite no maximo um numero finito de solucoes. O proximoresultado e uma versao deste fato para polinomios em duas variaveis.

2.3. Proposicao. O conjunto das solucoes de um sistema de duas equacoespolinomiais a duas incognitas sem fator irredutıvel em comum e finito.

Reformulando em linguagem geometrica, temos, equivalentemente:

2.4. Proposicao. A intersecao de duas curvas algebricas planas sem com-ponentes em comum e finita.

Demonstracao. Apliquemos o lema 2.2 aos polinomios f, g ∈ K[X, Y ] quenao admitem fator em comum. Obtemos relacoes

af + bg = c(X), uf + vg = w(Y ),

onde a, b, . . . , w sao polinomios, c(X), w(Y ) sao nao nulos e envolvem so avariavel indicada. Dessas relacoes e evidente que toda solucao de f = g = 0tem para abscissa uma raiz de c(X) e para ordenada uma raiz de w(Y ), todasem numero finito. 2

2.5. Exemplo. Consideremos as intersecoes da hiperbole

f : XY = 1

com retas

` : aX + bY = c.

A figura seguinte ilustra as possibilidades; as retas X = 0 e Y = 0 nao cortama hiperbole (exceto no infinito...). Em geral, ha duas intersecoes distintas,reais ou complexas (e.g. Y = −X corta f nos pontos (i,−i), (−i, i)). As retas

Page 27: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

2.1 Finitude da intersecao 21

tangentes tem apenas um ponto de intersecao que, intuitivamente, deve sercontado duas vezes.

figura 2.1

..................................................................................................................... ........ ........ ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... .......

.......................................................................................................

..................................................................................................................................................... -

6.

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

.

.

.................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................

.

........................................................................

........................................................................

........................................................................

........................................................................

...........................................................

2.6. Exercıcios

29. Dados f = X2 − 2Y 2 + XY − 2X + 5Y, g = X2 + XY + Y − X − 2,encontre polinomios a, b, c tais que af + bg = c(X) como no lema [2.2, p. 19].

30. Seja f = a0Ym + a1Y

m−1 + · · · , a0 6= 0, um polinomio a coeficientesem um domınio A. Mostre que, para todo g ∈ A[Y ] existem um inteiro i ≥ 0e polinomios q, r ∈ A[Y ] tais que

ai0g = qf + r, com r = 0 ou d◦r < m.Suponha que A seja fatorial [10.23, p. 142] e f, g nao admitam fator comumnao constante. Deduza um algoritmo para construir uma relacao af+bg = c,onde a, b ∈ A[Y ], c ∈ A, c 6= 0. Alem disso, a, b podem ser tomados demaneira que d◦a ≤ d◦g − 1, d◦b ≤ d◦f − 1.

31. Prove que nenhum dos dois ramos do traco real da hiperbole XY = 1 e,em separado, o traco de uma curva algebrica. Mesma questao para a cubicaY 2 = X(X − 1)(X + 1). (Veja fig. 1.8, p. 11).

32. Sejam f, g ∈ K[X, Y ] polinomios sem fator comum nao constante. Proveque K[X, Y ]/〈f, g〉 e um espaco vetorial de dimensao finita. (Sugestao: exis-tem r(X), s(Y ) nao nulos, no ideal 〈f, g〉. O quociente K[X, Y ]/〈r(X), s(Y )〉tem dimensao finita.)

Page 28: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

22 Intersecoes de Curvas Planas

2.2 A resultante

Como proceder para achar os pontos de intersecao de duas curvas f, g? Ometodo geral mais simples e o de selecionar uma das variaveis, digamosX, para figurar como parte dos coeficientes. Isto e, consideramos f e gcomo polinomios na variavel Y , a coeficientes no anel K[X]. Tentamos entaoencontrar os valores de x para os quais f(x, Y ) e g(x, Y ) admitem raiz comum.Geometricamente, queremos encontrar as projecoes, sobre o eixo dos x, dospontos de f ∩ g. Este processo, tıpico da chamada teoria da eliminacao,repousa sobre o estudo da resultante de dois polinomios.

2.7. Definicao. Seja A um anel (comutativo, e.g., A = K[X]), e sejam

f = adYd + · · ·+ a0, (d ≥ 1)

g = beYe + · · ·+ b0, (e ≥ 1)

polinomios a coeficientes em A. Definimos a resultante de f, g por

R = Rf,g =

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣

ad ad−1 · · · a0

ad · · · a1 a0

· · · · · · · · · · · ·ad · · · · · · a0

be be−1 · · · b0· · · · · · · · · · · ·

be · · · · · · b0

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣,

determinante da matriz (d + e)× (d + e), com e linhas de a’s e d linhas deb’s. Subentende-se que os espacos em branco sao preenchidos com zeros.

Nesta definicao, os polinomios f, g sao considerados formalmente de grausd, e, embora ad, be possam ser nulos. O contexto deixara claro o grau formalatribuıdo; quando nao explıcito, convencionamos atribuir o grau efetivo, i.e.,o maior grau em que Y ocorre efetivamente. No caso em que estamos maisinteressados, os coeficientes ai, bj sao tambem polinomios em outras variaveisX1, X2, . . . , Xn. Escreveremos entao R(X1, X2, . . . , Xn) para enfatizar que Re um polinomio nessas variaveis.

2.8. Exemplo. Sejam f = Y 2 +X2 − 4, g = XY − 1. Temos

R(X) =

∣∣∣∣∣∣1 0 X2 − 4X −1 00 X −1

∣∣∣∣∣∣ = X4 − 4X2 + 1 .

Page 29: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

2.2 A resultante 23

Note que um processo “natural” para resolver o sistema{X2 + Y 2 = 4

XY = 1

seria substituir Y = 1/X na primeira equacao, resultando a equacao

X4 − 4X2 + 1 = 0.

Ou seja, as intersecoes do cırculo com a hiperbole tem para abscissas assolucoes dessa ultima equacao resultante. A coincidencia nao e acidental.

2.9. Proposicao. Sejam{f = ad(X)Y d + · · ·+ a0(X),g = be(X)Y e + · · ·+ b0(X),

onde ai, bj sao polinomios nas variaveis X1, X2, . . . , a coeficientes no corpoK. Entao, para cada x = (x1, x2, . . . ), temos

Rf,g(x) = 0 ⇐⇒

ad(x) = be(x) = 0

ou

f(x, Y ), g(x, Y ) admitem fator comum nao constante.

Demonstracao. Para cada x ∈ K, a resultante de f(x, Y ) e g(x, Y ) eobviamente R(x) (veja o exercıcio 39, p. 26). Por outro lado, f(x, Y ) e g(x, Y )admitem uma raiz y em comum se e so se admitem um fator nao constanteY − y. Portanto, o teorema resultara do seguinte.

2.10. Lema. Sejam f = adYd + · · · + a0, g = beY

e + · · · + b0 polinomiosa coeficientes em um domınio de fatoracao unica (veja p. 142). Entao

Rf,g = 0 ⇐⇒

ad = be = 0

ou

f, g admitem fator comum nao constante.

Demonstracao. Digamos ad 6= 0. Entao f, g admitem fator comum h naoconstante se e so se existirem p, q ∈ A[Y ] nao ambos nulos, com d◦p ≤ d− 1e d◦q ≤ e− 1 tais que

qf = pg. (2.1)

Page 30: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

24 Intersecoes de Curvas Planas

Com efeito, se f = ph, g = qh, segue a relacao (2.1). Reciprocamente,visto que A[Y ] tambem e fatorial, a relacao (2.1) acarreta que algum fatorirredutıvel de f ocorre em g, pois d◦f > d◦p. Escrevendo{

p = u0Yd−1 + · · ·+ ud−1,

q = v0Ye−1 + · · ·+ ve−1,

a equacao (2.1) e equivalente ao sistema linear nas variaveis ui, vj obtidocomparando coeficientes, a saber,

e−1∑j=0

ad−i−jvj =d−1∑h=0

be−i−huh, i = 0, . . . , d+ e− 1,

onde convencionamos por am = bn = 0 se m,n < 0, ou m > d, n > e. Ora,este sistema admite solucao nao trivial se e so se e nulo o determinante damatriz dos coeficientes, o qual coincide com Rf,g, a menos de sinal. 2

Retornando ao problema da intersecao de duas curvas f, g, observemosque Rf,g e identicamente nulo se e so se f, g admitem componentes em co-mum, caso em que f ∩ g nao e finita.

Quando a intersecao e finita, podemos estimar o numero de pontos con-tando o numero de suas abscissas, que e limitado pelo grau da resultanteR(X). Este procedimento e muito grosseiro, pois podem ocorrer varios pon-tos de intersecao com a mesma abscissa.

2.11. Exemplo. Sejam f = X2 + Y 2 − 2X, g = Y 2 −X.

......................................................................................................................................................................................................................................................... .............................................................................................................................................................................................

.................................................................................................................................. ....... .......

....... ........ ........ ........ ......... ......... ......... .......... ..........

................................................................ ...... ....... ....... ....... ........ ........ ........ ......... ......... ......... .......... ...........

..................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................

.

.................................

................................

. ............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................

................................

.....................

............

....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... .......

....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ............................................................................................................................................

O

1 •

−1•

1•

A resultante e

R(X) =

∣∣∣∣∣∣∣∣1 0 X2 − 2X

1 0 X2 − 2X1 0 −X

1 0 −X

∣∣∣∣∣∣∣∣= X2(X − 1)2.

figura 2.2

Nesse exemplo, o mero calculo da resultante nao permite prever o numerode intersecoes. A multiplicidade dois da raiz x = 0 pode ser interpretada, na

Page 31: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

2.2 A resultante 25

figura, como causada pela tangencia. Ja a raiz dupla x = 1 e devida ao fatode que ha dois pontos de intersecao com a mesma abscissa. Se trocarmos Xpor Y , eliminando X, obtemos

R(Y ) =

∣∣∣∣∣∣1 −2 Y 2

−1 Y 2

−1 Y 2

∣∣∣∣∣∣ = Y 2(Y − 1)(Y + 1).

Agora, os pontos de intersecao aparecem fielmente refletidos nas raızes da re-sultante. A multiplicidade dois da raiz y = 0 persiste, pois ela corresponde aum fenomeno geometrico, que diz respeito a posicao relativa das curvas f e g,e nao depende do particular sistema de coordenadas empregado. Voltaremosa esta discussao no capıtulo V.

2.12. Exercıcios

33. Resolva os sistemas:a)X(Y 2 −X)2 = Y 5, X4 + Y 3 = X2.b)(X2 + Y 2)2 = X2 − Y 2, X2 + Y 2 = X − 4.

34. Calcule a resultante do par de polinomios(a) f(X) = aX2 + bX + c, f ′(X) = 2aX + b.(b) f(x) = (X − a)(X − b)(X − c), g(X) = (X − d)(X − e),(a, b, . . . , econstantes).

35. Seja K um corpo e sejam f, g ∈ K[X]. Mostre que se L e uma extensaode K tal que f, g admitem um fator comum em L[X], entao o mesmo ocorreja em K[X]. Idem para polinomios a mais de uma variavel.

36. Seja K um corpo e sejam f, g, h ∈ K[X] polinomios tais que f = g2h.Prove que f e sua derivada f ′ sao divisıveis por g. Reciprocamente, se f ef ′ admitem um fator nao constante g, entao g2 divide f .

37. Construa pares de conicas fi, gi irredutıveis tais que fi ∩ gi consiste emi pontos distintos para i = 1, 2, 3, 4. Calcule as resultantes com relacao a Xe com relacao a Y em cada caso.

38. Seja A um anel comutativo com unidade. Mostre que a resultante dospolinomios f = Y − a e g = bnY

n + · · ·+ b0 ∈ A[Y ] e igual a (−1)ng(a).

Page 32: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

26 Intersecoes de Curvas Planas

39. Seja ϕ : A → B um homomorfismo de aneis e denotemos pelo mesmosımbolo o homomorfismo induzido A[Y ] → B[Y ] definido por ϕ(ΣaiY

i) =Σϕ(ai)Y

i. Prove que ϕ(Rf,g) = Rϕ(f),ϕ(g) para todo f, g ∈ A[Y ], onde osgraus formais atribuidos a ϕ(f) e ϕ(g) sao os mesmos de f, g.

2.3 O grau da resultante

E conveniente introduzir o conceito de direcao assintotica de uma curva f .Intuitivamente, trata-se de uma direcao limite de retas OP , onde P percorref afastando-se indefinidamente de O.

2.13. Definicao. Escreva

f = f0 + f1 + · · ·+ fd,

onde cada fi e homogeneo de grau i, e fd 6= 0. Cada componente aX + bYde fd e dita uma direcao assintotica de f . (Veja o exercıcio I.15(a), p. 12.)

2.14. Exemplos. (1) f = 1−XY tem as direcoes assintoticas X e Y .(2) f = Y 2 − X tem apenas a direcao assintotica Y . Note que aqui adirecao assintotica nao e uma assıntota, no sentido da Geometria Analıticaelementar (quando se fala em tangencia no infinito; veja os exemplos 4.8,p. 52, em especial as figuras.).

Calculando a resultante de cada uma dessas curvas com uma reta ` = Y −(aX + b), o leitor verificara que o grau de Rf,` e em geral 2, sendo menorsomente se ` tem a mesma direcao assintotica que f .

2.15. Proposicao. O grau da resultante de duas curvas sem direcao assin-totica em comum e igual ao produto dos graus. Em sımbolos,

d◦Rf,g = (d◦f)(d◦g).

A resultante aqui e tomada atribuindo-se a f, g seus graus efetivos com res-peito a variavel Y .

Demonstracao. Para cada polinomio f =d∑0

fi, com fi homogeneo de grau

i, fd 6= 0, ponhamos

f ∗(X, Y, Z) = Zdf0 + Zd−1f1 + · · ·+ Zfd−1 + fd,

Page 33: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

2.3 O grau da resultante 27

onde Z e uma nova variavel (independente de X, Y ) (veja a definicao 4.4,p. 49). Observemos que f ∗ e um polinomio homogeneo de grau d = d◦f , eevidentemente temos f ∗(X, Y, 1) = f(X, Y ). Reescrevamos f ∗, g∗ na forma

f ∗ = A0Yd + · · ·+ Ad

g∗ = B0Ye + · · ·+Be

onde Ai, Bj ∈ K[X,Z] sao homogeneos e d◦Ai = i, d◦Bj = j. Calculemosa resultante

R(X,Z) =

∣∣∣∣∣∣∣∣∣A0 · · · · · · Ad· · · · · · · · · · · ·

A0 · · · · · · AdB0 · · · · · · Be· · · · · · · · · · · ·

B0 · · · · · · Be

∣∣∣∣∣∣∣∣∣ .2.16. Lema. O polinomio R(X,Z) acima definido e homogeneo de grau d·e,se nao for identicamente nulo.

Demonstracao. Em geral, um polinomio nao nulo p(X1, . . . , Xn) a n vari-aveis e homogeneo de grau m se e so se vale a identidade

p(TX1, . . . , TXn) = Tmp(X1, . . . , Xn) em K[X1, . . . , Xn, T ],

onde T e uma nova variavel independente. Com efeito, sendo p homogeneo,e imediato que a relacao vale. Reciprocamente, suponhamos valida a relacaoe escrevamos

p = p0 + p1 + · · ·+ pr,

onde o lado direito e soma de polinomio homogeneos com d◦pi = i, pr 6= 0.Abreviando X = (X1, . . . , Xn), temos

p(TX) = p0 + Tp1 + · · ·+ T rpr = Tmp

donde, (pela definicao de igualdade de polinomios!), segue m = r e p = pm.Continuando a demonstracao do lema, mostremos agora que

R(TX, TZ) = T deR(X,Z) em K[X,Z, T ].

Ora,

R(TX, TZ) =

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣

A0 TA1 · · · T dAd

A0 · · · T d−1Ad−1 T dAd...

......

...

B0 TB1 · · ·...

... T eBe · · ·...

......

......

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣.

Page 34: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

28 Intersecoes de Curvas Planas

Multiplicamos a segunda linha por T , a terceira por T 2, . . . , a e−esima porT e−1, a segunda linha de B’s por T, . . . , a ultima por T d−1. Resulta que a2a coluna fica divisıvel por T , a 3a por T 2, etc. Obtemos

TNR(TX, TZ) = TMR(X,Z),

onde N = (1+ · · ·+e−1)+(1+ · · ·+d−1), M = 1+2+ · · ·+d+e−1.Logo,

M −N =(d+ e)(d+ e− 1)

2− e(e− 1)

2− d(d− 1)

2= d · e.

2

Para completar a demonstracao da proposicao 2.15 vamos compararR(X,Z)com R(X). Veja o exercıcio [39, p. 26]. E evidente que R(X, 1) e a resultantede f, g considerados formalmente como polinomios em Y de graus d, e. Agoraobservemos que os coeficientes A0, B0 de Y d e Y e em f ∗ e g∗ sao constantes,sendo nulos se e so se Y d e Y e nao ocorrem em fd e ge respectivamente. Estaultima condicao e equivalente a condicao de X ser fator de fd. Como f, gnao tem direcoes assintoticas em comum, segue-se que, por exemplo, A0 6= 0.Seja j o menor ındice tal que Bj 6= 0. Desenvolvendo o determinante quedefine R(X,Z) pelas j primeiras colunas, obtemos

R(X, 1) = Aj0R(X).

Visto que f, g nao tem direcao assintotica em comum, em particular nao temcomponente em comum. Logo R(X) 6= 0 e portanto R(X,Z) 6= 0. Assim, ograu de R(X,Z) e d · e. Segue-se que R(X, 1) tem grau d · e, a menos queR(X,Z) seja multiplo de Z. Mas neste ultimo caso, R(1, 0) = 0, acarretando

f ∗(1, y, 0) = g∗(1, y, 0)

para algum y, donde fd(1, y) = ge(1, y) = 0. Segue que f, g admitiriamambos a direcao assintotica yX − Y , proibido por hipotese. 2

2.17. Exercıcios

40. Seja f = f0 +f1 + · · ·+fd, onde cada fi ∈ K[X, Y ] e homogeneo de graui e fd 6= 0. Prove que f(X, aX + b) tem grau exatamente igual a d se e sose a reta Y = aX + b tem direcao assintotica distinta das de f .

Page 35: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

2.4 O teorema dos zeros 29

41. Sejamf = a0X

d + a1Xd−1Y + · · ·+ adY

d,g = b0X

e + b1Xe−1Y + · · ·+ beY

e,

polinomios homogeneos 6= 0 a coeficientes em K. Mostre que f, g admitemuma direcao assintotica comum se e so se a resultante de f(1, Y ) e g(1, Y ) enula.

42. Prove que o grau da resultante de duas curvas sem componente comum esempre menor do que ou igual ao produto dos graus, com igualdade somentena situacao da proposicao [2.15, p. 26].

2.4 O teorema dos zeros

Finalizamos este capıtulo discutindo uma versao particular do celebre Null-stellensatz de Hilbert. Trata-se de elucidar em que condicoes um sistema deequacoes polinomiais admite solucao.

Observemos inicialmente que, dado um sistema de equacoes,

f1 = · · · = fN = 0,

toda solucao e tambem solucao de qualquer equacao do tipo

g1f1 + · · ·+ gNfN = 0,

onde os gi’s sao polinomios arbitrarios. Denotemos por I o ideal gerado pelosf1, . . . , fN , ou seja, o conjunto de todos os polinomios da forma Σgjfj.

Dizemos que um ponto P e um zero do ideal I se f(P ) = 0 para todof ∈ I. E evidente que o conjunto dos zeros de I coincide com o conjunto dassolucoes do sistema proposto.

Por outro lado, se o polinomio constante 1 pertence a I, e claro que Inao admite zero. O Nullstellensatz afirma que, reciprocamente, se I e umideal proprio do anel dos polinomios a coeficientes num corpo algebricamentefechado, entao I admite um zero. Vamos nos ater ao caso de duas variaveis.

Lembremos que um ideal I ⊂ K[X, Y ] e proprio se e so se estiver contidoem algum ideal maximal. Por exemplo, um ideal de K[X,Y ] da forma

m = 〈X − x, Y − y〉,

Page 36: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

30 Intersecoes de Curvas Planas

i.e., gerado por X − x, Y − y, onde x, y sao constantes, e maximal, pois eo nucleo do epimorfismo “substituir X = x, Y = y”,

K[X,Y ] −→ Kf(X, Y ) 7−→ f(x, y).

(Veja o Apendice, exercıcio [165, p. 138]) Agora observemos que, se I estivercontido no ideal 〈X − x, Y − y〉 entao P = (x, y) e um zero de I, e reciproca-mente. Este argumento mostra que o Nullstellensatz e consequencia imediatado seguinte resultado.

2.18. Proposicao. Se K e um corpo algebricamente fechado, entao todoideal maximal m de K[X,Y ] e do tipo 〈X − x, Y − y〉 para algum ponto(x, y) ∈ K2.

Observemos que e essencial aqui a hipotese de fechamento algebrico. O ideal〈X2 + 1, Y 〉 de R[X,Y ] e maximal e nao admite zero real.

Demonstracao. Seja f ∈ m um polinomio nao constante. (Leitor: justi-fique a existencia de f). Podemos supor f irredutıvel porque “maximal ⇒primo”. SendoK algebricamente fechado, nao ha dificuldade em se garantir aexistencia de um zero de f ; digamos f(x0, y0) = 0. Se m = 〈X − x0, Y − y0〉,ponto final. Se nao, existe g ∈ m tal que g(x0, y0) 6= 0. Em particular, f naodivide g. Aplicando o lema [2.2, p. 19] obtemos uma relacao af+bg = c, ondec e um polinomio nao constante de uma so variavel, seja X ou Y , a nossaescolha. Visto que c ∈ m, concluımos que m contem elementos da formaX − x, Y − y. (Este e outro ponto em que a hipotese sobre K e impres-cindıvel). Tendo em conta que 〈X − x, Y − y〉 e maximal, concluımos que〈X − x, Y − y〉 = m. 2

2.19. Exercıcios

43. Seja f uma curva e sejaA = K[X, Y ]/(f). Mostre que os ideais maximaisde A estao em correspondencia bijetiva natural com os pontos (x, y) tais quef(x, y) = 0, i.e., com os pontos do traco de f .

44. Seja S um subconjunto de K2. Mostre que S e o conjunto das solucoesde um sistema de equacoes polinomiais f1(X, Y ) = f2(X, Y ) = 0 se e somentese S = K2 ou S = φ ou S = uniao de um numero finito de curvas irredutıveise de um conjunto finito de pontos.

Page 37: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

2.4 O teorema dos zeros 31

45. Verifique se a demonstracao da proposicao 2.18 se aplica para concluirum resultado analogo em mais de duas variaveis.

46. Mostree que os ideais maximais de R[X, Y ] sao da forma 〈f, g〉 comd◦f = 1 e d◦g ≤ 2.

Page 38: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

32 Intersecoes de Curvas Planas

Page 39: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

Capıtulo 3

Multiplicidades

A nocao de multiplicidade e central na teoria de curvas algebricas. Histori-camente, descende do simples fato de que todo polinomio de grau n em umavariavel admite exatamente n raızes, contadas com as devidas multiplici-dades. Isto significa, intuitivamente, atribuir um peso que indica quantasraızes coincidem com um mesmo valor. As sucessivas extensoes do conceitode multiplicidade marcaram avancos importantes na algebra e na geometria(veja o classico de Serre, [30]). Nosso objetivo e dar um sentido preciso aideia de uma curva passar um certo numero de vezes por um mesmo ponto.A multiplicidade ou ındice de intersecao, que avalia a ordem de contato outangencia entre duas curvas, merece tratamento rigoroso e sera o principaltopico tratado neste capıtulo.

3.1 Intersecao de uma curva com uma reta

Seja f uma curva, e seja ` uma reta de equacao Y = aX + b. Os pontos def ∩ ` podem ser obtidos eliminando Y e resolvendo a equacao

f`(X) := f(X, aX + b) = 0.

Eis as possibilidades:(1) f`(X) e identicamente nulo, caso em que ` e uma componente de f ;(2) f`(X) e uma constante 6= 0, quando f ∩ ` = φ.(3) f`(X) e um polinomio nao constante, decompondo-se na forma

f`(X) = cr∏i=1

(X − xi)mi ,

Page 40: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

34 Multiplicidades

onde c e uma constante e os xi sao as abscissas (duas a duas distintas) dospontos de intersecao. Procede-se de maneira evidente quando ` e da formaX = cY + d.

3.1. Lema. Os inteiros mi independem do referencial afim.

Demonstracao. O processo de substituir Y = aX + b em um polinomiog(X, Y ) define um epimorfismo

K[X, Y ] −→ K[X]g 7−→ g(X, aX + b),

cujo nucleo e o ideal 〈`〉 gerado por ` = Y − (aX + b). Logo, obtemos umisomorfismo

K[X, Y ]/〈`〉 ∼−→ K[X]

tal que a classe f de f modulo 〈`〉 corresponde a f`. Visto queK[X] e fatorial,a decomposicao

∏(X − xi)mi de f` corresponde uma (unica!) decomposicao

de f em fatores irredutıveis, com o mesmo numero r de fatores irredutıveisdistintos, o i-esimo repetido mi vezes. Agora, se T e uma afinidade, T induzum isomorfismo (1.9)

K[X, Y ]/〈`〉 ∼→ K[X, Y ]/〈T•`〉

tal que f + 〈`〉 e T•f + 〈T•`〉 se correspondem, juntamente com as decom-posicoes em fatores irredutıveis. 2

3.2. Definicao. A multiplicidade ou ındice de intersecao de `, f no pontoP e dada por

(`, f)P =

0 se P 6∈ ` ∩ f∞ se P ∈ ` ⊂ f

mi se P = (xi, axi + b) como no caso (3) acima.

Se ` 6⊂ f , chamamos o inteiro

m∞ := d◦f −r∑i=1

mi

de multiplicidade de intersecao de `, f no ponto improprio ou ponto de ` noinfinito.

Page 41: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

3.1 Intersecao de uma curva com uma reta 35

Deixamos a cargo do leitor a verificacao de que m∞ e positivo se e so se adirecao de ` e uma direcao assintotica de f .

O significado intuitivo dessas multiplicidades e que, arbitrariamente pro-ximo a curva f , existem curvas do mesmo grau que cortam ` em d◦f pon-tos distintos, mi dos quais estao proximos a (xi, axi + b), os m∞ restantesdistanciando-se para ∞ sobre `.

3.3. Exemplos.(1) Sejam

f = Y −X2, ` = Y − (aX + b).

Se a2 +4b 6= 0, temos dois pontos deintersecao distintos. Se a2 + 4b = 0,temos um so, com multiplicidade 2.

-

6....................

.................

................ .............. ............. ........... ........... .......... .......... ......... ......... ......... ......... .......... .......... .....................................................................................................

.

...........................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................

.

..............................................................................................................................................................................................................................................................O

figura 3.1(2) Sejam

f = Y −X3, ` = aX + bY + c.

Se b 6= 0 = a = c, temos uma intersecao na origem, com multiplicidade 3.Se a 6= 0 = b, temos uma intersecao a distancia finita, com multiplicidade 1,e outra no infinito, com multiplicidade 2. Se b 6= 0, podemos ter 1, dois outres pontos de intersecao, todos a distancia finita.

-

6

........................................................................................................................................

.........................................................................................................................................

...........................................................................................................................................................................................................................

....................................................................................................................................................................................................

figura 3.2

(3) Sejamf = Y 2 −X2(X + 1), `a = Y − aX.

Page 42: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

36 Multiplicidades

A origem O absorve pelo menosduas intersecoes. Se a = ±1,a multiplicidade de intersecao(`, f)O = 3.

..........................

.......................

........................................

....................................

..............................

................................................................................................................................................................................................................................ .......... ......... ....... ....... ....... ........ ........ ....... ......... ......... .......... ............ ............ ............

.........................................................................................................................

.......................

.........................

-

6.

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

...............

.

...............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................

`−1

`+1

O

figura 3.3

3.2 Pontos multiplos

Apresentamos nesta secao a nocao de multiplicidade de um ponto sobre umacurva.

3.4. Proposicao. Seja f uma curva e seja P um ponto de f . Existe uminteiro m = mP (f) ≥ 1, tal que, para toda reta ` passando por P , temos

(`, f)P ≥ m,

ocorrendo a desigualdade estrita para no maximo m retas e no mınimo uma.

Demonstracao. Suporemos, sem perda de generalidade, P = O. Escreva-mos

f = fm + · · ·+ fd,

com fi homogeneo de grau i para m ≤ i ≤ d, e fm 6= 0. Lembrando queP ∈ f , temos m ≥ 1. Mudando coordenadas se necessario, podemos suporque X 6 | fm. O leitor verificara facilmente que

f(0, Y ) = Y m(fm(0, 1) + · · ·+ fd(0, 1)Y d−m)

e fm(0, 1) 6= 0. Daı segue que (X, f)O = m. Para as demais retas passandopor O, ponhamos `t = Y − tX. Temos entao,

f(X, tX) = Xm(fm(1, t) + fm+1(1, t)X + · · ·+ fd(1, t)Xd−m).

Deduzimos que(`t, f)O ≥ m,

Page 43: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

3.2 Pontos multiplos 37

ocorrendo igualdade se e so se fm(1, t) 6= 0. Como X 6 | fm, segue-se quefm(1, t) e um polinomio em t de grau m (≥ 1) e que portanto se anula paraao menos um e no maximo m valores de t distintos. 2

3.5. Definicao. O inteiro m = mP (f) descrito na proposicao acima e amultiplicidade do ponto P na curva f ou multiplicidade de f em P .

Se P 6∈ f , convencionamos mP (f) = 0.

Se P = (x, y) ∈ f , escrevemos

f(X + x, Y + y) = fm(X, Y ) + (termos de grau > m).

O polinomio homogeneo fm(X, Y ) pode ser decomposto de maneira unica,

fm =∏

(aiX + biY )ei ,

onde os fatores lineares aiX + biY sao retas distintas. As retas

`i = ai(X − x) + bi(Y − y)

sao as retas tangentes de f em P . O expoente ei e a multiplicidade datangente `i.

A demonstracao da proposicao 3.4 mostra que (`, f)P > m = mP (f)justamente para ` igual a uma das retas tangentes a f em P .

Dizemos que um ponto P de uma curva f e liso, ou nao singular ousimples em f e que f e lisa, ou nao singular ou simples em P se mP (f) = 1;singular caso contrario. A curva f e lisa ou nao singular se mP (f) = 1 paracada P ∈ f . Se mP (f) = 2, 3, . . . ,m, P e dito um ponto duplo, triplo, ..., m-uplo. Um ponto m-uplo P ∈ f e ordinario se f admitir m tangentes distintasno ponto P . Uma cuspide e um ponto duplo com tangentes coincidentes.Um no e um ponto duplo ordinario.

3.6. Proposicao.

(1) Um ponto P ∈ f e liso se e so se ao menos uma das derivadas parciaisfX , fY nao se anula em P .

(2) Se P = (a, b) ∈ f e liso entao a (unica!) tangente a f em P e dada por

fX(P )(X − a) + fY (P )(Y − b) = 0.

Page 44: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

38 Multiplicidades

Demonstracao. Ambas as afirmativas decorrem facilmente da formula deTaylor,

f(X + a, Y + b) = f(a, b) + fX(a, b)X + fY (a, b)Y + g(X, Y ),

onde todos os termos de g tem grau ≥ 2. 2

3.7. Exemplos.

(1) A lemniscata (X2 + Y 2)2 = X2 − Y 2 apresenta um no na origem, comtangentes Y = ±X.

.........................................

................................................................................................................................................................ ...............................................................................................................................................................................

........................................................... ........ ........ ......... ................ ..... ...... ...... ...... ...... ....... ....... ......... ........ ........ ....... ...... .........

..............................................

........................ ................ ......... ................ ..... ...... ...... ...... ...... ....... ....... ......... ........ ........ ....... ...... ......... ........... ............ .............. -

6.

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........

.

................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................

figura 3.4

(2) A cissoide, X2 − Y (Y 2 + X2) = 0, tem uma cuspide na origem, comtangente vertical X = 0.

........................................ .............. ........ ........ ........ ......... ......... ......... ......... ......... ......... ......... ......... ......... ......... ......... ......... ......... ......... ......... ......... ......... ......... ......... ......... ......... ......... ......... ......... .........

.................................

..............................................................................................................................................................................................................................................................................

-

6

figura 3.5

(3) Singularidade tacnodal: Y 2 − 3X2Y − Y 3 +X4 = 0.

....... ...... ........................................................................................................

..................................................................

....... ...... ........................................................................................................

..................................................................

. .......... .......... .......... ........... ........... ........... ............ ............ ........................................................................................................................................

.....................................................................................................................

..................................................................

.....................................................................................................................

..................................................................

..................................................................................................................

............................

...............................

.................................

..................

-

6

figura 3.6

Page 45: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

3.2 Pontos multiplos 39

4) Singularidade real isolada:

X2 + Y 2 = X3..........................

............ ........... ........... ............ ....................................................................................

......................... ............ ........... ........... ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............

-

6

figura 3.7

5) Rosacea de 3 petalas :

(X2 + Y 2)2 = Y 3 − 3X2Y

A origem e um ponto triploordinario.

..................................................................................................................... ...... ....... ....... ........ ........ ......... .......................................................................................................................................

. .......... .......... .......... .......... ......... ......... ........ ....... ...............................................................................................................................................................................................................................

.

........................................................................................................................................................................................................................................................................................................ .

........................................................................................................................................................................................................................................................................................................

-

6

figura 3.8

3.8. Proposicao. Se f e uma curva sem componentes multiplas, entao oconjunto dos pontos singulares de f e finito.

Demonstracao. Lembremos que uma componente irredutıvel p de f emultipla se p2|f (veja o exercıcio [36, p. 25]. Pela proposicao anterior, o con-junto dos pontos singulares e dado pelas equacoes

f = fX = fY = 0

Ora, ao menos uma das derivadas parciais, digamos fX , e nao identicamentenula. (Leitor: por que?). Afirmamos que f = fX = 0 admite so um numerofinito de solucoes. Do contrario, pela proposicao [2.4, p. 20], existiria compo-nente irredutıvel p comum a f e fX . Mas isto acarreta que p2|f , absurdo.

2

3.9. Proposicao. Seja f uma curva sem componentes multiplas. Entao,para cada ponto P do plano, e para cada reta ` contendo P , com excecao deum numero finito, ` encontra f fora de P em d◦f −mP (f) pontos distintos.(Intuitivamente, um ponto de multiplicidade m absorve m intersecoes de` ∩ f , as demais sendo, em geral, distintas).

Page 46: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

40 Multiplicidades

Demonstracao. Suponhamos inicialmente f irredutıvel. Sem perda degeneralidade, podemos supor P = (0, 0). Ponhamos m = mP (f), d = d◦fe lembremos a convencao m = 0⇐⇒ P 6∈ f . Podemos escrever

f = fm + · · ·+ fd,

com fi homogeneo de grau i para m ≤ i ≤ d e fmfd 6= 0. Seja T uma novaindeterminada. Definamos

g(X,T ) := X−mf(X,TX) = fm(1, T ) + · · ·+Xd−mfd(1, T ).

O leitor verificara sem dificuldade que g(X,T ) e irredutıvel em K[X,T ].Em particular, gX e g nao tem componente em comum. Logo, existe umnumero finito de valores t de T para os quais g(X, t) e gX(X, t) admitemraiz comum. (Essas sao as raızes multiplas de g(X, t)). Evitando o numerotambem finito de valores que anulam fm(1, T )fd(1, T ), concluımos que g(X, t)e um polinomio em X de grau d − m, com esse mesmo numero de raızesdistintas, e todas 6= 0. Tendo em conta que

f(X, tX) = Xmg(X, t),

concluımos que a reta Y = tX encontra f conforme anunciado. Para o casogeral (f possivelmente redutıvel), aplicamos a parte ja demonstrada paracada componente. 2

3.3 Diagrama de Newton

Finalizamos o capıtulo descrevendo o diagrama de Newton , um metodopratico para esbocar o traco real de uma curva na vizinhanca de um deseus pontos. Para cada termo aijX

iY j efetivamente presente na equacao dacurva, marcamos o ponto (i, j) em um novo plano. Tracamos em seguidaaqueles segmentos ligando dois ou mais desses pontos, com a propriedade deque a reta determinada isola os demais pontos no semi-plano oposto ao daorigem. Antes de prosseguirmos, tomemos por exemploX5−5XY 2+2Y 5 = 0para fixar as ideias. A primeira figura e o diagrama de Newton; a segunda,

Page 47: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

3.3 Diagrama de Newton 41

um esboco do traco real de f , proximo a origem..

......................................................................................................................................................................................................

.

.....................................................................................................................................................................................................................................................................................-

6

| | | |

i•

•j

1 2 3 4 5

1

2

3

4

5

-

6

. ............ . . ............ . . ............ . . ........... . . ........... . . ........... . . ........... . ........... . ........... . . ........... .. ........... . .

............ . ............. .. ............ .

. ............ .. ............ . .

............ . . ........... .. ........... . . ........... . . ........... . ........... . ........... . . ........... . . ........... . . ............ . . ............ . . ............ .

·········· ··· · ·· · ·

··················

figura 3.9Os termos correspondentes aos pontos (i, j) em um dado segmento, fato-

rando-se X ou Y , dao uma boa aproximacao da curva proximo a origem.No exemplo, o segmento que une (0, 5) a (1, 2) fornece 2Y 5 − 5XY 2,

do qual retemos 2Y 3 − 5X. Esta e a parte do traco de f desenhada empontilhado. O segundo segmento da X5 − 5XY 2, daı o par de parabolasX2 = ±

√5Y marcadas em tracejado.

Outro exemplo: X4 + 2X2Y 2 + Y 4 = Y 3 − 3X2Y

.

..................................

..................................

..................................

..................................

..................................

..............................

.

............................................................................................................................................................................. -

6

| | | |

0 1 2 3 4

1

2

3

4

i•

j

· · ·· · · · ·

· · · · · · · · · · · · · · · · ·

........................................................................................................................

........................

........................

........................

........................

........................

-

6

figura 3.10O segmento (0, 3)(2, 1) seleciona Y 3− 3X2Y ; cancelando o fator Y , obtemoso par de retas Y 2 = 3X2. O outro segmento corresponde a parabola X2 =−3Y . Compare com a figura 3.8, p. 39.

Sem entrar em maiores detalhes, o metodo funciona porque cada segmentodo diagrama seleciona termos da equacao que sao infinitesimos de mesma

Page 48: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

42 Multiplicidades

ordem, os demais pontos no semiplano oposto ao da origem representandotermos de ordem superior. Veja Dieudonne, [12] p. 106.

3.10. Exercıcios

47. Analise as intersecoes de X + Y = 2 com XY = 1 + ε para ε→ 0.

48. Determine os pontos singulares com suas respectivas multiplicidades eretas tangentes e esboce as curvas:a) X3 − 3XY 2 +X4 + Y 4 + 2X2Y 2 = 0.b) Y 5 − 5Y X2 + 2X5.c) Y 2X −X2 − Y 2 +X = 0.d) Reveja os exemplos e exercıcios do capıtulo I.

49. Mostre que se uma conica e singular, ela e redutıvel. Vale a recıproca?

50. Mostre que mP (f) e o menor inteiro m tal que alguma derivada parcialde f de ordem m e 6= 0 em P .

51. Dizemos que um ponto P sobre uma curva f e um ponto de inflexao seP e nao singular e (`, f)P ≥ 3.a) Conicas irredutıveis nao admitem pontos de inflexao.b) Escrevendo f = f1 + f2 + · · · com fi ∈ K[X, Y ] homogeneo de grau i,mostre que P = (0, 0) e um ponto de inflexao se e so se f1 e uma componentede f2.

52. Determine os pontos de inflexao das curvas seguintes:a) Y = X3;b) Y = Y X2 +X3;c) X3 + Y 3 + 3XY = 0;d) X3 + Y 3 + (X + Y + 1)3 + 3XY (X + Y + 1) = 0;e) (X2 + Y 2)2 = X2 − Y 2.

53. Mostre que, se f e uma curva irredutıvel e d◦f ≥ 2, entao mP (f) ≤d◦f − 1 para todo P . Para cada d ≥ 2, de um exemplo de curva irredutıvelde grau d tendo a origem como ponto (d− 1)-uplo ordinario, e sendo lisa nosdemais pontos.

54. Mostre que uma curva redutıvel e singular em cada ponto de intersecaode duas componentes. De um exemplo de curva redutıvel nao singular.

Page 49: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

3.3 Diagrama de Newton 43

55. Sejam m um inteiro ≥ 2 e p(X) um polinomio de uma variavel. Proveque uma curva do tipo Y m = p(X) e nao singular so e so se p(X) nao possuiraızes multiplas.

56. Mostre que a condicao para que um dado ponto P seja m-uplo para umacurva geral f de grau d ≥ m se expressa por um sistema de (m + 1)m/2equacoes lineares independentes, nos coeficientes de f .

57. Por tres pontos arbitrarios passa sempre uma cubica que os contem commultiplicidade 2. Se existirem duas tais cubicas, entao os tres pontos saocolineares e de fato existe uma infinidade.

58. Complete os detalhes da demonstracao da proposicao [3.9, p. 39] no casoem que f e redutıvel.

Page 50: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

44 Multiplicidades

Page 51: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

Capıtulo 4

Pontos no infinito

As retas aX + bY + c, aX + bY + c′ (c 6= c′) nao se cruzam a distanciafinita; a parabola Y = X2 e a reta X = 0, bem como a hiperbole XY = 1junto com os eixos coordenados sao mais evidencia de que essas intersecoesque estao “faltando”, e ate o presente vem sendo tratadas como “direcoesassintoticas”, devem ser melhor estudadas.

O desejo de dar um tratamento rigoroso a esses “pontos que deviam estarla” nos levara a introduzir de maneira sistematica os pontos no infinito.

Esses “pontos” serao apresentados inicialmente como entes de naturezaaparentemente diversa dos pontos usuais do plano afim. Mas logo veremosser possıvel, e mesmo recomendavel, eliminar as aspas; os novos pontos naomerecerao no final nenhuma distincao especial com relacao a seus parceirosatualmente dados a distancia finita.

A ideia original de acrescentar ao plano usual uma reta no infinito, cons-tituindo um plano projetivo, e devida a Desargues. Seu livro, publicado em1639, pretendia dar uma fundamentacao matematica aos metodos de pers-pectiva empregados pelos pintores e arquitetos. A concepcao de Desarguesdo plano projetivo e, em essencia, a que vamos descrever.

Page 52: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

46 Pontos no infinito

4.1 O plano projetivo

Consideremos o plano afim mergulhado no espaco tridimensional como oplano π de equacao Z = 1.

················

········

· · · · · · · · · ·············

················

··············

· · · · · ·· · · · · ·

· · · ···········

·

••

z

y

x

................................

..................................

. ......................................

....................................

.................................................................................

..................................................................................................................................................................................................................

.

............................................................

............................................................

............................................................

...........

.............................................................

............................

.

..........................................

..........................................

..........................................

.................

............................

.

....................................................................................

..........................................

. .............. ............

.

..........................................

..........................................

..........................................

..........................................

.....................................

....................................................................................

....................................................................................

..........................................

.

....................................................................................

....................................................................................

..........................................

.

..........................................

..........................................

..........................................

..........................................

....................................

π

`

`′

figura 4.1

Cada ponto do plano π determina uma reta passando pela origem e pelodado ponto. Cada reta de π determina um plano pela origem. Se as retas`, `′ ⊂ π se encontram, seu ponto de intersecao da lugar a reta de intersecaodos dois planos associados a `, `′. Quando as retas `, `′ ⊂ π sao paralelas, osplanos que elas definem ainda se cruzam, desta feita ao longo de uma retapassando pela origem e contida no plano Z = 0.

4.1. Definicao. O plano projetivo P2 e o conjunto das retas do espacotridimensional passando pela origem.

Do exposto acima, vemos que o plano π se identifica naturalmente com umsubconjunto de P2 que ainda denotaremos por π. Os pontos de P2 − π saochamados de pontos no infinito.

Denotamos por (x : y : z) o ponto de P2 que representa a retaligando a origem O a um ponto (x, y, z) 6= O. Dizemos que x, y, z saocoordenadas homogeneas do ponto (x : y : z) relativas a base canonica{(1, 0, 0), (0, 1, 0), (0, 0, 1)}.

Page 53: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

4.2 Espacos projetivos 47

Por definicao, temos que

(x : y : z) = (x′ : y′ : z′) ⇐⇒existe constante t 6= 0 tal que (x, y, z) = t(x′, y′, z′).

Em geral, fixada uma base qualquer no espaco tridimensional, as coorde-nadas de um ponto 6= 0 relativas a essa base sao chamadas de coordenadashomogeneas do ponto correspondente de P2. Coordenadas homogeneas deum ponto de P2 (relativas a uma base prefixada) so estao bem definidas amenos de um fator escalar 6= 0.

Vamos nos servir da aplicacao,

q : R3 − {0} −→ P2

(x, y, z) 7−→ (x : y : z)

para introduzir uma topologia em P2, a topologia quociente. Dizemos queum subconjunto U ⊂ P2 e aberto se q−1(U) e aberto em R3 − {0} com suatopologia usual.

Estabelecemos assim em P2 uma nocao de vizinhanca, segundo a qualdois pontos de P2 estao “proximos” se as retas associadas em R3 formam umangulo “pequeno”. O subconjunto de P2,

A2 = {(x : y : z)|z 6= 0},

e aberto e denso em P2, pois q−1(A2) e o complementar do plano z = 0 emR3 e e evidentemente aberto e denso em R3 − {0}.

Pode-se mostrar que a aplicacao

R2 −→ A2 ⊂ P2

(x, y) 7−→ (x : y : 1)

e uma bijecao contınua, com inversa tambem contınua. Desta maneira, pas-samos a considerar o plano afim R2 como contido em P2, identificando-o comA2.

4.2 Espacos projetivos

Consideracoes analogas se aplicam, mais geralmente, para a definicao doespaco projetivo associado a um espaco vetorial V de dimensao arbitrariasobre um corpo K.

Page 54: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

48 Pontos no infinito

4.2. Definicao. O espaco projetivo P(V ) associado a um espaco vetorial Ve o conjunto dos subespacos de V de dimensao 1.

Se V = Kn+1, escrevemos PnK = P(V ), ou simplesmente Pn.As coordenadas homogeneas de um ponto P ∈ P(V ) relativas a uma base

{v0, . . . , vn} de V sao as coordenadas (x0, . . . , xn) de um vetor nao nulo dosubespaco unidimensional representado por P .

Fixada a base, escrevemos P = (x0 : · · · : xn) para indicar um ponto comessas coordenadas homogeneas.

Para cada i = 0, . . . , n, o subconjunto de Pn

Ui = {(x0 : · · · : xn)|xi 6= 0}

pode ser identificado com Kn atraves da bijecao

(x0 : · · · : xn)←→ (x0

xi, . . . ,

xnxi

) (omitirxixi

).

Convencionamos escrever An = Un; salvo mencao em contrario, identificamosKn com An ⊂ Pn.

O complementar de An em Pn consiste em pontos da forma (x0 : · · · :xn−1 : 0). Desta maneira, Pn − An identifica-se a um Pn−1, que conven-cionamos chamar hiperplano no infinito . (Veja o exercıcio [68, p. 54], b)).

Em particular, P0 consiste em um so ponto.Ja P1, a reta projetiva, e a reta usual A1 com um ponto extra no infinito.Quando K = R, podemos visualizar a reta projetiva real P1(R) como a

circunferencia, com o ponto no infinito indicado na figura:

.

..............................................................................

.............................

.........................................................................................................................................................................................................................

...............................................................

.

.............

..................................

.........................................................................................................................................................................................................................................

...........................................................................................................

······················

··························

· · ·· · ·· · ·· · ·· · ·· · ·· · ·· ·

. ................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................ R

∞•

P1(R)figura 4.2

Analogamente, a reta projetiva complexa pode ser identificada com a es-fera, via projecao estereografica. Mas esta interpretacao sera ignorada aqui.Preferimos encarar P1(C) como um objeto uni-dimensional.

Page 55: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

4.3 Curvas projetivas 49

4.3 Curvas projetivas

Passemos a investigar como se situam as curvas planas afins nesse ambientemais amplo. Comecemos com as retas. Para o resultado seguinte, suporemosK = R (ou C).

4.3. Proposicao. Seja ` : aX + bY + c = 0 (com a ou b 6= 0), e seja ` aaderencia de ` em P2. Entao temos

` = ` ∪ {(b : −a : 0)} = {(x : y : z) | ax+ by + cz = 0}.

Demonstracao. Denotemos por `∗ o segundo membro da ultima igualdadeproposta. E imediato que `∗ = ` ∪ {(b : −a : 0)}. Mostremos que ` = `∗.Por definicao da topologia de P2, resulta `∗ fechado em P2. Visto que ` ⊂ `∗,segue-se ` ⊂ `∗. Resta mostrar que o ponto no infinito P = (b : −a : 0)pertence a `. Para isso, basta exibirmos uma sequencia de pontos Pn ∈ `com lim

n→0Pn = P . Suponhamos, por exemplo, b 6= 0. Seja

Pn = (bn : −an− c : b).

TemosPn = (n : (−an− c)/b : 1)

= (b : −a− c/n : b/n).

A primeira igualdade mostra que Pn ∈ `; a segunda mostra que Pn → P ,pois (b,−a− c/n, b/n) tende a (b,−a, 0) em R3 − {0} e q : R3 − {0} → R2 econtınua. 2

4.4. Definicao. Seja f =d∑0

fi, onde cada fi ∈ K[X, Y ] e homogeneo de

grau i, fd 6= 0. A homogeneizacao de f e o polinomio homogeneo de graud = d◦f ,

f ∗(X, Y, Z) = ΣZd−ifi(X, Y ).

Deixamos a cargo do leitor a verificacao de que o resultado anterior se gen-eraliza para uma curva f arbitraria: o subconjunto de P2,

{(x : y : z)|f ∗(x, y, z) = 0},

e igual a aderencia de f em P2. Nao faremos mais uso deste fato, nem deoutras propriedades topologicas de P2. Incluımos essa discussao apenas paramotivar a definicao seguinte.

Page 56: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

50 Pontos no infinito

4.5. Definicao. Uma curva plana projetiva e uma classe de equivalencia depolinomios homogeneos nao constantes, F ∈ K[X,Y, Z], modulo a relacaoque identifica dois tais polinomios, F, G, se um for multiplo constante dooutro.

Reveja a definicao [1.5, p. 10]. Adotaremos, mutatis mutandis, as definicoes econvencoes feitas no capıtulo I para o caso afim. Deixamos a cargo do leitora transcricao das definicoes de traco, equacao, componente irredutıvel e graufeitas anteriormente.

Observemos que, se F e um polinomio homogeneo, a relacao

F (tx, ty, tz) = td◦FF (x, y, z)

mostra que a condicao para que um ponto (x : y : z) pertenca ao traco deuma curva projetiva e independente das coordenadas homogeneas.

Curvas de grau 1, 2, 3, . . . sao, como antes, chamadas retas, conicas, cubi-cas, etc.

A reta Z = 0 e usualmente chamada de reta no infinito, mas a esco-lha e meramente psicologica. Mudando a base de K3, podemos decretarque qualquer reta de P2 previamente estipulada seja a reta no infinito. Seucomplementar (z 6= 0) e o plano A2, cujos pontos sao ditos estarem a distanciafinita.

O fecho projetivo de uma curva afim f e a curva projetiva definida pelahomogeneizacao f ∗.

Os pontos a distancia finita sobre uma curva F sao dados pela equacaoF (X, Y, 1) = 0. O polinomio no primeiro membro desta equacao e a deso-mogeneizacao de F com respeito a Z, denotado F∗.

Note que F∗ e nao constante, a menos que F seja igual a uma potenciade Z. (Equivalentemente: o traco de F coincide com a reta no infinito).

Observaremos a seguinte

Convencao: Doravante, as curvas algebricas planas afins f(X, Y ) = 0 seraoconsideradas implicitamente como a parte que se acha a distancia finita sobrea curva projetiva f ∗(X,Y, Z) = 0.

Assim, quando nos referirmos, por exemplo, a parabola Y = X2, estare-mos automaticamente pensando em ZY = X2.

O termo curva significara curva plana projetiva, salvo mencao em contrario.

Page 57: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

4.4 Mudanca de coordenadas projetivas 51

4.4 Mudanca de coordenadas projetivas

Estudemos agora o comportamento da equacao de uma curva por mudancade coordenadas projetivas.

4.6. Definicao. (Compare com a definicao 1.9, p.14.) Seja T : K3 → K3

um isomorfismo linear. Visto que uma tal aplicacao preserva retas de K3

passando pela origem, temos definida uma bijecao natural, ainda designadapor T : P2 → P2, chamada uma projetividade ou mudanca de coordenadasprojetivas em P2.

Mais geralmente, define-se de maneira analoga projetividade em um espacoprojetivo P(V ) arbitrario.

Temos tambem induzido um K-isomorfismo

T• : K[X, Y, Z]→ K[X, Y, Z]

tal que, para todo (x, y, z) ∈ K3 e todo polinomio f ,

(T•f)(x, y, z) = f(T−1(x, y, z)). (4.1)

Mais explicitamente, escrevendo X = X1, Y = X2, Z = X3 e designandopor (aij) a matriz de T−1 relativa a base canonica de K3, temos

(T•f)(X1, X2, X3) = f(Σa1jXj, Σa2jXj, Σa3jXj).

A imagem de uma curva projetiva F por uma projetividade T e a curvadefinida por T•F . As curvas F e T•F sao ditas congruentes.

Dizemos que uma propriedade P relativa a curva F e invariante ou in-dependente das coordenadas se F satisfaz P somente se T•F a satisfaz paratoda projetividade T . Definicao analoga se aplica a propriedade relativa aoutras configuracoes. (Comparar com a definicao [1.12, p. 15]).

Sao exemplos de propriedades invariantes o grau de uma curva projetiva,a colinearidade de pontos, a redutibilidade de uma curva, e varias outras queveremos no decorrer do curso.

4.7. Proposicao. Sejam {L1, L2, L3} , {H1, H2, H3} conjuntos de tres retasde P2 nao concorrentes (i.e.∩Li = ∩Hj = ∅). Entao existe uma projetividadeT tal que T•Li = Hi para i = 1, 2, 3.

Page 58: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

52 Pontos no infinito

Demonstracao. Cada reta em P2 corresponde a um plano de K3 passandopela origem, denotado a seguir pelo mesmo sımbolo. Seja ui (resp. vi) umvetor nao nulo na intersecao dos planos Lj, Lk (resp. Hj, Hk) para {i, j, k} ={1, 2, 3}. Entao os ui (resp. vi), i = 1, 2, 3 formam uma base de K3. Assim,existe um isomorfismo linear T definido pela condicao Tui = vi , i = 1, 2, 3.Visto que ui, uj geram Lk, temos efetivamente T•Li = Hi. 2

4.8. Exemplos. (1) Duas retas em P2 sempre se encontram porque doisplanos passando pela origem em K3 sempre contem uma reta em comum.Em particular, as retas afins aX + bY + c = 0, aX+bY+c’=0 se cruzam noinfinito, no ponto (b:-a:0).

(2) A parabola Y 2 = X cruza Y = 0 nos dois pontos (0 : 0 : 1) e (1 : 0 : 0)(este ultimo que “estava faltando”...).

(3) A hiperbole XY = 1 cruza X = 0 no ponto (0 : 1 : 0). Este se encontrano complementar da reta Y = 0. Tomando-a como a nova reta no infinito,desomogeneizando XY −Z2 com relacao a Y , obtemos a parabola afim X =Z2 (que e tangente a X = 0).

(4) A elipse X2/a2 + Y 2/b2 = 1 e a parte da conica X2/a2 + Y 2/b2 = Z2 adistancia finita. Escolhendo a reta X = 0 como a reta no infinito, obtemosagora, a distancia finita, a hiperbole Z2 − Y 2/b2 = 1/a2. Tente imaginar osdois ramos de uma hiperbole se encontrando no ∞. Talvez voce se convencade que a hiperbole e a elipse sao de fato dois aspectos da mesma curva:

...................................................................................................................................

...................................................................................................................................

.............................................

....................................

........................................

..........

....................................................................................................................................

....................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................

.

......................................

......................................

......................................

......................................

......................................

......................................

......................................

......................................

......................................

......................................

......................................

......................................

......................................

......................

·································· •

?•

?

...............................

........................................................................................................................................................................................................................................................................... ....... ........ ......... ......... ......... .......... .......... .......... .......... .......... ........... ........... ........... ........... .......... .......... .......... ......... ......... ..................................................................

································

?

figura 4.3

Imagine as retas pontilhadas representando a reta no infinito.

E por vezes conveniente fazer uma representacao grafica de P2 desenhandoo chamado triangulo de referencia formado pelas retas X = 0, Y = 0, e Z =

Page 59: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

4.4 Mudanca de coordenadas projetivas 53

0 (esta ultima tomada no∞). A primeira figura mostra o ramo da hiperbole

figura 4.4

X = 0Z = 0

Y = 0

.............................................................

..............................................................................................................................

........................................................................................... ......... ......... .......... .......... .......... ........... ........... ........... ........... ........... .......... .......... ......... ......... ......... ........ ........ ............................................................

......................................................

................................

................ ................

. ..................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................

.

......................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................

............................

............................

............................

............................

............................

............................

............................

............................

............................

............................

............................

............................

............................

............................

......................

XY = 1 efetivamente tangenciando os eixos X = 0 e Y = 0 no infinito, e seprolongando com o ramo negativo.

Na seguinte, representamos a parabola cubica Y = X3 exibindo seu pontocuspidal (ou de reviravolta) no ∞.

figura 4.5

X = 0

Z = 0Y = 0. .......................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................

.

..........................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................

..................................................

..................................................

..................................................

..................................................

..................................................

..................................................

..................................................

..............

......................................................................................................................................................................

....................

.......................

..........................

. ................... ................. ................ .............. ............ .......... ........ ...................................................................

...............................

......................................... ................ ................. ................. .................. ................... ...................... ........................ ..........................

................................

.

.............

.. ................

4.9. Exercıcios

59. Construa uma sequencia de pontos Pn a distancia finita sobre a hiperboleXY = 1 tal que lim

n→∞Pn = (0 : 1 : 0).

60. Mostre que todo ponto de P2 − A2 e aderente a alguma reta afim.

61. Mostre que as direcoes assintoticas de uma curva afim f estao em corres-pondencia com as intersecoes de f ∗ com a reta no infinito Z = 0.

62. Prove que f ∗ e a aderencia da curva afim f ⊂ A2.

Page 60: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

54 Pontos no infinito

63. Demonstre as formulas:a) (fg)∗ = f ∗g∗;b) (FG)∗ = F∗G∗;c) (f ∗)∗ = f ;d) Zn(F∗)

∗ = F , onde n = d◦F − d◦F∗.

64. Prove que um produto de polinomios e homogeneo se e so se cada fator eum polinomio homogeneo. (Este fato foi implicitamente suposto na definicaode componente de uma curva plana projetiva).

65. Mostre que uma curva afim f e irredutıvel se e so se f ∗ e uma curvaprojetiva irredutıvel.

66. Seja F uma curva projetiva irredutıvel e seja G uma curva projetiva.Mostre que se F ⊆ G entao F divide G.

67. Sejam Pi = (ai1 : ai2 : ai3) ∈ P2, i = 1, 2, 3. Prove que eles sao colinearesse e so se det(aij) = 0.

68. Seja V um espaco vetorial.a) Para cada subespaco vetorial W ⊂ V , mostre que P(W ) se identifica a umsubconjunto de P(V ), o que nos permite o abuso de notacao, P(W ) ⊂ P(V );se W ′ e outro subespaco de V , mostre que P(W ′) = P(W )⇐⇒ W = W ′. Osubconjunto P(W ) ⊆ P(V ) e dito um subespaco projetivo de P(V ).b) Suponha dimW = dimV − 1 e seja v0 um ponto de V fora de W . Paracada v ∈ V , seja [v] o subespaco gerado. Mostre que a aplicacao w 7→ [w+v0]e uma bijecao de W em P(V )− P(W ).c) Definimos a dimensao (resp. codimensao) de P(W ) por dim P(W ) =dimW − 1 (resp. codim P(W ) = dimV − dimW ). Mostre que dim P(W ) ≥0⇐⇒ P(W ) 6= ∅.d) Mostre que toda intersecao de subespacos projetivos e um subespaco pro-jetivo.e) Mostre que se S1, S2 sao subespacos projetivos entao

codim(S1 ∩ S2) ≤ codimS1 + codimS2.

f) Uma reta (resp. hiperplano) em P(V ) e um subespaco de dimensao (resp.codimensao) 1. Mostre que toda reta encontra qualquer hiperplano de P(V ).

Page 61: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

4.4 Mudanca de coordenadas projetivas 55

69. Seja Vd o espaco dos polinomios homogeneos F (X, Y, Z) de grau d.a) Mostre que o conjunto das curvas de grau d identifica-se naturalmentecom P(Vd).b) Calcule dim P(Vd).c) Mostre que as curvas de grau d que passam por um ponto fixo de P2

formam um hiperplano em P(Vd).d) Mostre que o conjunto das retas de P2 que passam por um ponto P e umareta de P(V1) (dita a reta dual do ponto P ).e) A reta de P2 determinada por dois pontos distintos e representada emP(V1) pelo ponto de intersecao das duas retas duais; tres pontos de P2 saocolineares se e so se suas retas duais sao concorrentes.

70. Sejam P1, . . . , P5 ∈ P2 cinco pontos distintos. Seja Si o conjunto dasconicas que passam por P1, . . . , Pi.a) Mostre que Si e um subespaco projetivo de P(V2) e que codim Si = i parai = 1, 2 ou 3.b) Mostre que dim S4 = 1 se e so se P1, . . . , P4 nao sao colineares. Nestecaso, conclua que existem conicas F1, F2 tais que a condicao necessaria esuficiente para que uma conica F contenha P1, . . . , P4 e que F seja da formax1F1 + x2F2 para algum (x1 : x2) ∈ P1.c) Investigue sob quais condicoes os cinco pontos determinam uma unicaconica.

71. Prove que o grupo das afinidades de A2 e isomorfo ao grupo das proje-tividades de P2 que deixam a reta no infinito invariante.

72. Dados dois conjuntos {Pi}, {Qi} de quatro pontos de P2, tres a tresnao colineares, mostre que existe uma unica projetividade T tal que TPi =Qi , i = 1, . . . , 4. Generalize para Pn.

73. Prove que dois isomorfismo lineares que induzem a mesma projetividadesao multiplos escalares um do outro.

74. Associe a cada conica,

F = a11X2 + a22Y

2 + a33Z2 + 2(a12XY + a13XZ + a23Y Z),

a matriz simetrica SF = (aij). Denote por t(X, Y, Z) o vetor coluna.a) Mostre que F (X, Y, Z) = (X, Y, Z)SF

t(X, Y, Z).

Page 62: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

56 Pontos no infinito

b) Seja M = (mij) uma matriz invertıvel 3×3 e denotemos pela mesma letraa projetividade associada (M(x1 : x2 : x3) = (Σm1jxj : Σm2jxj : Σm3jxj)).Prove que

SM•F = tM−1SFM−1.

c) Mostre que toda conica e congruente por uma projetividade a exatamenteuma das seguintes: XY = Z2, XY = 0, X2 = 0. Em particular, do ponto devista complexo–projetivo, a parabola, a hiperbole e a elipse sao congruentes;elas diferem pela posicao relativa a reta no infinito.

75. Mostre que a cissoide X2 = Y (Y 2 +X2) e congruente a cubica cuspidalY 2 = X3. (Homogeneizar primeiro!). A trissectriz de MacLaurin e o foliumde Descartes tambem sao congruentes entre si.

76. Prove que se uma conica tem tres pontos colineares ela e redutıvel.

Page 63: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

Capıtulo 5

Intersecao de Curvas Projetivas

A motivacao originalmente presente na criacao do plano projetivo foi o desejode abolir o paralelismo de retas: em P2, duas retas sempre se cruzam. Mas narealidade P2 e muito mais prodigioso. Veremos que duas curvas projetivasplanas quaisquer sempre se cruzam.1 Melhor ainda: e possıvel atribuir, apriori, multiplicidades de intersecao de maneira que o numero total de pontoscomuns as duas curvas, contados com as respectivas multiplicades, seja ouigual ao produto dos graus dessas curvas, ou infinito. Este ultimo caso ocorresomente se houver componente comum as duas curvas. Em essencia, e esseo enunciado do teorema de Bezout.

5.1 Intersecao de reta e curva, agora projeti-

vas.

Seja L uma reta e seja F uma curva de grau d. Suponhamos inicialmenteL = X. Temos entao:

P = (0 : y : z) ∈ X ∩ F ⇐⇒ F (0, y, z) = 0.

Ora, o polinomio F (0, Y, Z) ou bem e identicamente nulo (caso em que X ⊂F ), ou e homogeneo de grau d, decompondo-se na forma

F (0, Y, Z) =∏

(ziY − yiZ)mi ,

1Compare com a extensao dos numeros reais aos complexos: ao se permitir resolver aequacao X2 + 1 = 0, resulta que todas as equacoes polinomiais passam a ter raızes!

Page 64: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

58 Intersecao de Curvas Projetivas

onde os pontos Pi = (0 : yi : zi) sao dois a dois distintos e constituem X ∩F .Chamamos naturalmente o expoente mi de multiplicidade de intersecao

de X,F em Pi.Deixamos a cargo do leitor a verificacao de que essas multiplicidades co-

incidem com as definidas anteriormente (quando comparaveis). Em especial,se (0 : 1 : 0) ∈ X ∩ F , a multiplicidade aqui definida coincide com aquela noentao chamado ponto improprio da reta.

5.1. Proposicao. Seja L uma reta e seja F uma curva de grau d. Se L 6⊆ Fentao

L ∩ F = {P1, . . . , Pr},onde Pi 6= Pj para i 6= j e existem inteiros mi ≥ 1 bem determinados pelaseguinte condicao : Se T e qualquer projetividade tal que T•L = X, entao

(T•F )(0, Y, Z) =r∏1

(ziY − yiZ)mi ,

onde TPi = (0 : yi : zi) para i = 1, . . . , r. Em particular, Σmi = d.

Demonstracao. Consideremos o diagrama de homomorfismos de aneis

T•K[X, Y, Z] ˜−−−−−−−→ K[X, Y, Z]y y

K[X, Y, Z]/(L) ˜−−−−−−−→ K[Y, Z].T •

A primeira das flechas verticais e a aplicacao quociente g 7→ g = g + (L)(apendice, definicao [10.11, p. 138]); a segunda e dada por

g(X, Y, Z) 7→ g(0, Y, Z),

enquanto T• e o isomorfismo induzido por T•. Segue-se que K[X, Y, Z]/(L)e isomorfo ao domınio fatorial K[Y, Z]. Portanto, F admite fatoracao unica,

F = pn11 . . . pns

s ,

onde os pi’s sao irredutıveis distintos e cada expoente ni e ≥ 1. Levandoem conta que T•(F ) = (T•F )(0, Y, Z) e comparando as decomposicoes, con-cluımos que r = s e ni = mi, a menos de reordenacao. Finalmente, aafirmativa com relacao aos TPi e evidente. 2

Page 65: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

5.1 Intersecao de reta e curva, agora projetivas. 59

5.2. Definicao. A multiplicidade ou ındice de intersecao da reta L comuma curva F no ponto P e definida por

(L, F )p =

∞ se P ∈ L ⊂ F0 se P 6∈ L ∩ Fmi se P = Pi nas condicoes da proposicao anterior.

A proposicao acima pode ser reenunciada, dizendo que L ∩ F consiste emd◦F pontos contados com multiplicidades; e um caso particular do teoremade Bezout. O caso geral sera visto mais adiante.

A mesma proposicao revela que, com o emprego de uma projetividadeconveniente, podemos sempre supor, para o calculo de (L, F )P , que P seencontra a distancia finita e que L e F sao distintos da reta no ∞. Nessascircunstancias, e imediato que

(L, F )P = (L∗, F∗)P ,

onde o segundo membro e a multiplicidade de intersecao definida no casoafim. Assim, os resultados do capıtulo III podem ser transcritos para ascurvas projetivas. Em especial, temos a seguinte

5.3. Proposicao. Seja F uma curva projetiva e seja P um ponto de F .Entao existe um inteiro m = mP (F ) ≥ 1 tal que, para toda reta L passandopor P , vale

(L, F )P ≥ m,

ocorrendo desigualdade estrita para no maximo m retas e no mınimo uma.

Demonstracao. Movendo F e P com uma projetividade, podemos suporque a reta no infinito nao contem P . Assim, reduzimos ao caso afim, quandoentao a proposicao e consequencia da proposicao [3.4, p. 36]. 2

5.4. Definicao. (Comparar com (3.5, p. 37).) O inteiro mP (F ) descritoacima e a multiplicidade de F (resp. P ) em P (resp. F ).

Se P 6∈ F , convencionamos mP (F ) = 0.Dizemos que P e um ponto simples ou nao singular ou liso de F , e que

F e simples ou nao singular ou lisa em P se mP (F ) = 1; P e multiplo ousingular se mP (F ) ≥ 2.

A curva F e lisa ou nao singular se o for em cada um de seus pontos.Se mP (F ) = 2, 3, . . . ,m, dizemos que P e um ponto duplo, triplo,. . . ,

m-uplo.

Page 66: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

60 Intersecao de Curvas Projetivas

As retas tangentes a F em P sao as retas distinguidas na proposicaoanterior.

Se f e uma curva afim e F = f ∗, e imediato que mP (F ) = mP (f) paracada ponto P ∈ A2. Portanto, as definicoes acima sao consistentes com asdadas no capıtulo III.

Para a determinacao de mP (F ) e das retas tangentes, reduzimos ao casoafim, desomogeneizando F com relacao a uma variavel que nao se anula noponto P .

5.5. Exemplo. A parabola cubica Y = X3 e singular no infinito, no pontoP = (0 : 1 : 0). Desomogeneizando F : Z2Y = X3 com relacao a Y(que tomamos como nova reta no infinito) obtemos Z2 = X3. Segue-se quemP (F ) = 2, (Z, F )P = 3 e (L, F )P = 2 para qualquer reta L 6= Z passandopor P . (Veja as figuras 3.2, p. 35 e 4.5, p. 53.)

5.6. Proposicao. Seja F uma curva de grau m e seja P ∈ P2. Entao temos:(1) (formula de Euler) mF = XFX + Y FY + ZFZ.(2) P e um ponto singular de F se e so se FX(P ) = FY (P ) = FZ(P ) = 0.(3) Se F e lisa em P entao a reta tangente a F neste ponto e

FX(P )X + FY (P )Y + FZ(P )Z = 0.

Demonstracao. (1) Sendo ambos os membros lineares como funcoes de F ,e suficiente verificar a formula quando F e um monomio X iY jZk, i+j+k =m, o que e imediato.

(2) Suponhamos P = (a : b : 1). Pela proposicao [3.6, p. 37](1), P e umponto singular de F se e so se (F∗)X = (F∗)Y = F∗ = 0 em (a, b). Apli-cando (1), concluımos dessas igualdades que FZ(P ) = 0. Reciprocamente,se FX(P ) = FY (P ) = FZ(P ) = 0, entao F∗ = (F∗)X = (F∗)Y = 0 em P . Omesmo argumento se aplica se P e da forma (a : 1 : b) ou (1 : a : b).

(3) Suponhamos, por exemplo, P = (a : b : 1). De acordo com (3.6(2)), areta tangente e dada pelo polinomio (ja homogeneizado)

(F∗)X(a, b)(X − aZ) + (F∗)Y (a, b)(Y − bZ),

que e igual a

FX(P )X + FY (P )Y − Z[aFX(P ) + bFY (P )].

Por (1), a expressao entre colchetes coincide com −FZ(P ). 2

Page 67: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

5.2 O teorema de Bezout 61

5.7. Exercıcios

77. Para cada inteiro m ≥ 1, construa uma curva F , de grau m, tal que aorigem O = (0 : 0 : 1) seja um ponto liso e a multiplicidade de intersecao(X,F )O seja igual a um. E possıvel conseguir F lisa (inclusive no infinito)?

78. Mostre que toda cubica com dois pontos singulares e redutıvel.

79. Ache as multiplicidades dos pontos no ∞ e os ındices de intersecao coma reta no ∞ para cada uma das curvas consideradas nos capıtulos I e III.

80. Mostre que uma curva projetiva F ⊂ P2 e nao singular se e so seF (X, Y, 1), F (X, 1, Z) e F (1, Y, Z) sao todas nao singulares (ou ∅). Mostrecom um exemplo que duas dessas podem ser nao singulares embora F sejasingular.

81. Seja F uma curva irredutıvel de grau d. Mostre que existem d(d+ 3)/2pontos tais que F e a unica curva deste grau que os contem. (Sugestao:existem retas L1, . . . , Ld, cada qual cortando F em d pontos distintos, e taisque Li∩Lj∩Lk = Li∩Lj∩F = ∅ para i, j, k distintos. Tome P ∈ F , fora dosLi’s; depois escolha i+1 pontos distintos em Li ∩F (i = 1, . . . , d− 1) e maisd pontos em Ld∩F . Se existisse G 6= F contendo estes pontos, com d◦G = d,existiria uma curva H da forma xF + yG (com (x : y) ∈ P1) contendo um(d+ 1)-esimo ponto de Ld. Logo Ld ⊂ H, etc ...)

82. Prove que toda curva projetiva lisa e irredutıvel. (Compare com o ex-ercıcio 49, p. 42).

5.2 O teorema de Bezout

Consideremos agora o problema do calculo do numero de pontos de intersecaode duas curvas projetivas F, G de graus arbitrarios.

5.8. Lema. Sejam F, G curvas planas projetivas. Entao F ∩ G e finita see so se F, G nao admitem componente em comum.

Demonstracao. Se F, G nao admitem fator comum em K[X, Y, Z] entaoF∗, G∗ tambem nao o admitem em K[X, Y ]. Com efeito, se F∗ = fh, G∗ =gh, com f, g, h ∈ K[X,Y ] e h nao constante, entao (F∗)

∗ = f ∗h∗, (G∗)∗ =

Page 68: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

62 Intersecao de Curvas Projetivas

g∗h∗. Daı se seguiria que h∗ e fator de F, G, contradicao. Como F∗, G∗nao tem componente comum, segue-se que F e G tem intersecao finita, adistancia finita. Como F ∩ Z ou G ∩ Z e finita, (senao Z seria componentecomum) temos que F ∩G e finita. A recıproca e trivial. 2

Esclarecida a finitude de F ∩ G, propomo-nos a calcular seu numero depontos. Note que ainda nao apresentamos nenhuma garantia de que F ∩ Gseja nao vazia, em geral. Isto sera uma consequencia do teorema de Bezout.

5.9. Definicao. Sejam Pi = (xi : yi : zi), i = 1, . . . , r os distintos pontos deF ∩G. Diremos que F, G estao em boa posicao ou bem posicionadas se P0 =(0 : 1 : 0) 6∈ F ∩G. Diremos que F, G estao em muito boa posicao ou muitobem posicionadas se P0 6∈ F ∩G e se, para cada par Pi, Pj ∈ F ∩G, P0, Pi, Pjsao nao colineares. Esta ultima condicao e equivalente a exigencia de quei 6= j implique (xi : zi) 6= (xj : zj).

Suporemos no que segue que F, G nao tem componente em comum. Es-crevamos {

F = A0Yd + A1Y

d−1 + . . . +Ad ,G = B0Y

e + . . . . . . +Be ,

onde Ai, Bj ∈ K[X,Z] sao homogeneos de graus i, j.

E claro que (0 : 1 : 0) ∈ F ⇐⇒ A0 = 0. Logo, estando F, G bemposicionadas, temos A0 ouB0 6= 0. Lembrando o lema 2.16, p.27, a resultanteR = R(X,Z) de F, G com respeito a Y e homogenea de grau d ·e. Por outrolado, levando em conta que A0 ou B0 6= 0, para cada (x : z) ∈ P1 temos

R(x, z) = 0⇐⇒ ∃ (x : y : z) ∈ F ∩G.

Supondo F, G muito bem posicionadas, concluımos que R escreve-se naforma

R(X,Z) = c

r∏i=1

(ziX − xiZ)mi

onde c e uma constante6= 0,

Pi = (xi : yi : zi), i = 1, . . . , r, sao os distintos pontos de F ∩G,

os expoentes mi sao inteiros ≥ 1 e Σmi = d · e.E natural, portanto, adotarmos a seguinte

Page 69: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

5.2 O teorema de Bezout 63

5.10. Definicao. A multiplicidade ou ındice de intersecao de F, G no pontoP e dada por

(F,G)P =

{0 se P 6∈ F ∩Gmi se P = Pi nas condicoes acima.

Observando que Σni = d◦R = (d◦F ) · (d◦G), demonstramos, para o caso emque F, G estao bem posicionadas, o importante

5.11. Teorema de Bezout. Se F, G sao curvas planas projetivas semcomponente em comum entao o numero de pontos na intersecao F ∩ G,contados com multiplicidade, e igual a (d◦F ) · (d◦G)

Para o caso geral, e necessario definirmos (F,G)P livre da hipotese debom posicionamento.

Ora, se F ∩ G e finito, e claro que existe uma projetividade T tal queT•F, T•G estao em muito boa posicao. A sugestao foi lancada:

5.12. Definicao. O ındice ou multiplicidade de intersecao de curvas proje-tivas F, G sem componentes em comum no ponto P ∈ P2 e

(F,G)P = (T•F, T•G)TP

onde T denota uma projetividade tal que T•F, T•G estejam muito bem posi-cionadas, de maneira que o segundo membro pode ser calculado como nadefinicao 5.10.

5.13. Exemplo. O cırculoF : X2 + Y 2 = 2XZ

e a parabolaG : Y 2 = XZ

nao estao muito bem posicionados. Reveja o exemplo [2.11, p. 24]: os pon-tos de intersecao (1:1:1) e (1:–1:1) sao colineares com (0:1:0). Aplicando aprojetividade T que fixa Z e troca X por Y , obtemos

T•F = X2 + Y 2 − 2Y Z, T•G = X2 − ZY ,

que agora estao em muito boa posicao. A resultante e X2(X − Z)(X + Z),indicando as multiplicidades 2 e 1 dos pontos (0 : 0 : 1) e (1 : ±1 : 1)respectivamente .

Page 70: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

64 Intersecao de Curvas Projetivas

O leitor atento objetara de imediato, pois a “definicao” 5.12 acima pro-posta so e honesta se provarmos que o segundo membro independe da proje-tividade T . Maos a obra, pois!

5.14. Proposicao. Sejam F, G curvas muito bem posicionadas. Seja Tuma projetividade tal que T•F, T•G tambem estao muito bem posicionadas.Entao

(F,G)P = (T•F, T•G)TP ∀P ∈ P2 .

Demonstracao. Usaremos um artifıcio notavel, devido a Seidenberg [29].A ideia e provar a igualdade quando T e a projetividade generica. Precisa-mente, sejam Wij (i, j = 1, 2, 3) nove indeterminadas, e seja

L = overlineK(Wij),

o fecho algebrico do corpo de funcoes racionais nessas novas variaveis. Oplano projetivo P2

K se identifica a um subconjunto de P2L, o plano projetivo

a coordenadas no corpo L. Note que F, G definem curvas em P2L, que deno-

tamos por F ,G. O fato importante a observar e que, mesmo considerandopontos com coordenadas em L ⊃ K, temos ainda

F ∩G = F ∩G = {P1, . . . , Pr} .

Com efeito, as coordenadas de um ponto de F ∩ G provem das raızes daresultante de F, G com relacao a uma variavel conveniente, e portanto satis-fazem uma equacao algebrica a coeficientes em K. Sendo este corpo algebri-camente fechado, vemos que os pontos comuns a F ,G em P2

L sao os que jaconhecıamos, em F ∩G.

A projetividade generica W e a projetividade de P2L definida por

W (x1 : x2 : x3) = (ΣW1jxj : ΣW2jxj : ΣW3jxj) .

Consideremos agora os “transladados genericos”, W•F , W•G. Temos, pordefinicao (veja 4.1, p.51)

(W•F )(X, Y, Z) = F (W−1(X, Y, Z)).

Eliminamos os denominadores desta ultima expressao, definindo

FW (X, Y, Z) = (det(Wij))d◦FF (W−1(X, Y, Z)).

Page 71: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

5.2 O teorema de Bezout 65

Assim, FW e um polinomio a coeficientes em K[{Wij}], anel dos polinomios

nas variaveis Wij. E claro que FW e W•F definem a mesma curva em P2L,

pois diferem por um multiplo constante. Para cada projetividade T definidapor uma matriz (tij) a coeficientes em K, e evidente que o resultado dasubstituicao Wij → tij em FW e T•F . (Dizemos entao que especializamos Wij

para tij.) Note ainda que para cada pontoQ ∈ FW∩GW , existe P = (x1 : x2 :x3) ∈ F∩G tal queW (P ) = Q, a saber, Q = (

∑W1ixi :

∑W2ixi :

∑W3ixi).

Agora observemos que FW , GW estao muito bem posicionadas. Comefeito, se P0 = (0 : 1 : 0) pertencesse a FW ∩GW , terıamos

P0 = W (P ) (?)

para algum P ∈ F ∩ G. Ora, a relacao (?) fornece uma equacao de de-pendencia algebrica (de fato linear) nao trivial para os Wij’s, a coeficientesem K. De fato, se P = (x1 : x2 : x3) com xi ∈ K, terıamos

∑xjW1j = 0

contrariando a escolha dos Wij como indeterminadas sobre o corpo K. Al-ternativamente, especializando (Wij) para a matriz identidade, viria P0 ∈F ∩ G, proibido por hipotese. Da mesma forma, se existissem pontos dis-tintos Q, Q′ ∈ FW ∩ GW colineares com P0, concluirıamos a existencia deP, P ′ ∈ F∩G colineares com P0. Basta notar que, se Q = W (P ), Q′ = W (P ′)sao colineares com P0, o determinante da matriz com linhas Q,Q′ e P0 e umpolinomio que se anula para toda especializacao Wij → tij.

Calculando a resultante de FW , GW , encontramos

R((W ), X, Z) = c(W )r∏i=1

(zi(W )X − xi(W )Z)ni ,

onde c(W ) e um polinomio 6= 0, cada ni e um inteiro ≥ 1 e

xi(W ) = W11xi +W12yi +W13zi ,

zi(W ) = W31xi +W32yi +W33zi ,

sao coordenadas homogeneas do i−esimo ponto, W (xi : yi : zi), de FW ∩GW .A expressao para a resultante esta correta porque, por um lado, sabemos

que R((W ), X, Z) ∈ K[{Wij}][X,Z] pode se escrever na forma

R = c(W ) ·R((W ), X, Z),

onde R nao e divisıvel por c(W ) e que, em L[X,Z], R e completamentedecomponıvel nos fatores lineares zi(W )X − xi(W )Z correspondentes aospontos de FW ∩GW .

Page 72: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

66 Intersecao de Curvas Projetivas

Agora o leitor deve se convencer de que, especializando a matriz (Wij)para qualquer (tij) (a coeficientes em K) associada a uma projetividade T talque T•F, T•G estejam muito bem posicionadas, R((W ), X, Z) se especializana resultante de T•F, T•G. A condicao de bom posicionamento garante quepara i 6= j os fatores zi(T )X − xi(T )Z e zj(T )X − xj(T )Z permanecemdistintos. Em resumo, cada fator zi(W )X − xi(W )Z se transforma no fatorcorrespondente ao ponto TPi. Segue-se que os expoentes ni nao dependemde tij, e em particular,

(T•F, T•G)TP = (F,G)P . 2

Para aplicacoes do teorema de Bezout, e importante saber como estimar(F,G)P em termos de dados locais de F, G, separadamente, em torno doponto P .

5.15. Proposicao. Temos

(F,G)P ≥ mP (F )mP (G),

valendo a desigualdade estrita se e so se F e G possuem uma tangente comumno ponto P .

Demonstracao. Podemos supor P = (0 : 0 : 1) e que F, G estao muitobem posicionadas. Ponhamos m = mP (F ), n = mP (G). Devemos mostrarque Xmn divide R(X,Z) em K[X,Z], ou, equivalentemente, que Xmn divideR(X, 1) em K[X]. Estando F, G bem posicionadas, sabemos que R(X, 1)e igual a R(X), resultante de f = F (X, Y, 1), g = G(X, Y, 1), a menos defator constante 6= 0. Para o calculo de R(X), escrevemos f, g em potenciascrescentes de Y (causando apenas uma permutacao nas colunas da matrizcujo determinante queremos calcular):

f = a0Xm +a1X

m−1Y + . . . + amYm +am+1Y

m+1 + . . . ,g = b0X

n + . . . . . . + bnYn +bn+1Y

n+1 + . . . ,

com ai, bj ∈ K[X], sendo os m primeiros a’s e os n primeiros b’s constantes.Temos

R(X) = ±

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣

a0Xm a1X

m−1 . . . am am+1. . .a0X

m . . . am−1X am. . .· · · · · · · · ·

b0Xn b1X

n−1 . . . bn bn+1. . .b0X

n . . . bn−1X bn . . ....

...

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣.

Page 73: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

5.2 O teorema de Bezout 67

Multiplicamos a primeira linha de a’s por Xn, a segunda por Xn−1, etc. eem seguida, a primeira de b’s por Xm, etc. Vemos que e possıvel fatorarXm+n−j+1 da j−esima coluna, 1 ≤ j ≤ m + n. Desta maneira, concluımosque R(X) e divisıvel por X elevado pelo menos ao expoente

(m+ n)(m+ n− 1)

2− m(m− 1)

2− n(n− 1)

2= mn,

provando a desigualdade enunciada.Para estudarmos em que caso ocorre igualdade, definamos

R(X) = R(X)X−mn.

Trata-se de um polinomio em X. Ponhamos{fm = a0X

m+ a1Xm−1Y + . . . +amY

m,gn = b0X

n+ . . . . . . +bnYn.

Precisamos mostrar que

R(0) = 0⇐⇒ fm, gn admitem fator comum em K[X,Y ].

Sem perda de generalidade, podemos supor queX nao e fator comum, i.e., amou bn 6= 0. Neste caso, fm, gn tem fator comum em K[X, Y ] se e so sefm(1, Y ), gn(1, Y ) tem raiz comum. Examinando com atencao o processoutilizado acima para extrair o fator Xmn de R(X), percebemos que R(0) e odeterminante de uma matriz que apresenta uma submatriz (m + n)× (m +n) (formada pelas n primeiras linhas de a’s e m primeiras de b’s ) igual amatriz que fornece a resultante de fm(1, Y ), gn(1, Y ); os demais elementosdas colunas de ordem maior que m+n e nas mesmas linhas desta submatrizsao nulos. Alem disso, o bloco complementar da submatriz em questao ejustamente a matriz que da a resultante dos polinomios f = Y −mf(0, Y ), g =Y −ng(0, Y ). Desenvolvendo o determinante pelos menores extraıdos das m+n primeiras colunas, encontramos

R(0) = Rfm,gn ·Rf,g.

Ora, Rf,g 6= 0, do contrario f(Y ), g(Y ) admitiriam raiz comum y, necessa-riamente 6= 0 (porque am ou bn 6= 0). Mas entao terıamos (0, y) ∈ f ∩ g,impedido pela hipotese de que F, G estao muito bem posicionadas e ja temo ponto (0, 0) em comum. Em conclusao, R(0) e zero se e so se Rfm,gn e zero.

2

Page 74: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

68 Intersecao de Curvas Projetivas

5.16. Corolario. Sejam F, G curvas sem componentes em comum. Entao∑P∈F∩G

mP (F ) ·mP (G) ≤ (d◦F ) · (d◦G) .

Demonstracao. Pelo teorema de Bezout, sabemos que∑(F,G)P = (d◦F ) · (d◦G) .

Pela proposicao anterior, temos cada (F,G)P ≥ mP (F )mP (G). 2

5.17. Exercıcios

83. Mostre que as definicoes 5.2 e 5.10 sao consistentes.

84. Calcule as multiplicidades de intersecao para os pares de curvas:a) Y = X3, Y = X2;b) X2 + Y 2 = 1, X2 + Y 2 = 4;c) (X2 + Y 2)2 = X2 + Y 2, X2 + Y 2 = 1;d) (X2 + Y 2)2 = X2 − Y 2, X2 + Y 2 = X − Y .

85. Escreva a matriz para o calculo deR(X) que ocorre na prova da prop. 5.15supondo F e G de graus 3 e 4, com multiplicidades em 0 iguais a 2 e 3 everifique os detalhes.

86. Sejam F, G curvas bem posicionadas (mas nao necessariamente muitobem posicionadas). Prove que se RF,G =

∏(zjX−xjZ)nj , com os (xj : zj) ∈

P1 dois a dois distintos, entao nj e a soma das multiplicidades de intersecoescorrespondentes aos pontos (x : y : z) com (x : z) = (xj : zj).

87. Sejam f, g curvas planas afins, com f ∗, g∗ nao necessariamente bem posi-cionadas. Seja R(X) =

∏(X − xi)

ni a resultante. Discuta a relacao dosni ’s com multiplicidades de intersecao e estude a diferenca de Σni para(d◦f) · (d◦g).

88. Mostre que uma quartica com tres pontos singulares colineares ou comquatro pontos singulares e redutıvel. (Sugestao: trace uma conica pelosquatro pontos e mais um quinto).

Page 75: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

Capıtulo 6

Propriedades do Indice deIntersecao

Mostraremos neste capıtulo que o ındice de intersecao e caracterizado poruma lista de propriedades naturais. Como primeira consequencia, veremosque a formula explıcita que define (F,G)P pode ser esquecida, pois as referi-das propriedades fornecem um metodo para o calculo efetivo. Apresentamosdepois uma formula alternativa para o ındice de intersecao, usando seriesde potencias. Esta nova abordagem dispensa o deslocamento previo exigidopelo metodo da resultante e poe em relevo o fato de (F,G)P so depender docomportamento de F,G em torno do ponto P .

6.1 As propriedades caracterısticas

Inicialmente reescrevemos a definicao [5.12, p. 63] estendendo-a para o casoem que as curvas podem admitir componente comum.

6.1. Definicao. Sejam F,G curvas planas projetivas e seja P um ponto deP2. Escrevamos F = F0H, G = G0H, com H = MDC(F,G) (ou seja, H e areuniao das componentes comuns de F,G, tomadas com multiplicidade; logoF0, G0 nao tem componente em comum). Os pontos de F0 ∩ G0 fora de Hsao as intersecoes isoladas de F,G. Definimos a multiplicidade ou ındice de

Page 76: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

70 Propriedades do Indice de Intersecao

intersecao de F,G em P por

(F,G)P =

∞ se P ∈ H0 se P 6∈ F ∩G

(F0, G0)P se P e uma intersecao isolada de F,G.

Lembramos que, neste ultimo caso, escolhemos uma projetividade S tal queS•F0, S•G0 estejam muito bem posicionadas.

Agora, se (x : y : z) = S(P ), entao (F0, G0)P e igual ao expoente comque zX − xZ ocorre na resultante de S•F0, S•G0. Mostramos na proposicao[5.14, p. 64] que esta definicao independe da particular projetividade com quedeslocamos F0, G0. Se nao tivermos o cuidado de eliminar as componentescomuns, a resultante de F,G sera nula.

O processo de colocar duas curvas em muito boa posicao e em gerallaborioso. O calculo de (F,G)P sera tremendamente facilitado pela lista depropriedades que descrevemos logo a seguir. De fato, mostraremos que elasfornecem um algoritmo para o calculo do ındice, dispensando completamentea formula da resultante. Em particular, qualquer outra formula que satisfacaessas propriedades tera que atribuir o mesmo valor.

6.2. Proposicao. O ındice de intersecao (F,G)P goza das seguintes pro-priedades:

(1) (F,G)P = (G,F )P e ∞ ou um numero inteiro ≥ 0.

(2) (F,G)P = 0⇐⇒ P 6∈ F ∩G.

(3) (F,G)P =∞⇐⇒ P ∈ H = componente comum de F,G.

(4) (F,G)P = (T•F, T•G)TP ∀ projetividade T : P2 → P2.

(5) (X,Y )P = 1 onde P = (0 : 0 : 1).

(6) (F,G+ AF )P = (F,G)P ∀ A homogeneo com d◦A = d◦G− d◦F .

(7) (F,G1G2)P = (F,G1)P + (F,G2)P .

Antes de escrever a demonstracao, vamos ilustrar como essas propriedadespodem ser empregadas para o calculo de (F,G)P .

6.3. Exemplo. Seja F : (X2 +Y 2)2 = Y 3− 3X2Y (rosacea de tres petalas)e seja G : Y 3 = Y 2 − 3X2 ( cubica nodal).

Page 77: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

6.1 As propriedades caracterısticas 71

Temos

F = (X2 + Y 2)− Z(Y 3 − 3X2Y ),G = Y 3 − Z(Y 2 − 3X2).

Logo, empregando as pro-priedades indicadas na ultimacoluna abaixo, vem

....... ....... ....... .................................................................................................

..................

....................

......................

........................

..........................

............................

..............................

................................

........................................................................................................................................

....................

......................

........................

..........................

............................

..............................

................ ................

......................................................................................................................................... ...... ....... ......... ......... .......... .......... ....................................................................................................................................................................................

. ............. ............. ............ ............ ........... ........... ......... ......... .......................................................................................................................

..............................................................................................................................................................

. .......................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................

...........................

......................

......

.

.....................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................

........................................................

figura 6.1

(F,G)P = (F − Y G,G)P ((1), (6))= (X4 + 2X2Y 2, G)P= (X2, G)P + (X2 + 2Y 2, G)P (7)= 2(X, Y 2(Y − Z))P + (X2 + 2Y 2, Y 3 − 7ZY 2)P (6)

= 4(X, Y )P + 2(X, Y − Z)P + 4(X, Y )P + (X ±√

2Y, Y − 7Z)P .

Portanto,

F ∩G = {(0 : 0 : 1), (0 : 1 : 1), (±7i√

2 : 7 : 1)}

No primeiro desses pontos de F ∩G a multiplicidade de intersecao e igual a8; no segundo e 2; nos dois ultimos e 1.

Demonstracao da proposicao 6.2. As tres primeiras propriedades dispensamcomentarios. A quarta – invariancia por mudanca projetiva de coordenadas –decorre essencialmente do fato de que, na definicao 6.1, gozamos de liberdadeirrestrita na escolha da projetividade T . Com efeito, se (F,G)P = 0 ou ∞, eobvio que (T•F, T•G)TP tem o mesmo valor. Se P e uma intersecao isolada,escolhemos (com a notacao da definicao 5.10, p. 63) uma projetividade S talque S•F0, S•G0 estejam muito bem posicionadas e tomamos U = ST−1.Temos entao

(T•F, T•G)TP = (U•(T•F ), U•(T•G))UTP= (S•F, S•G)SP

= (F,G)P .

Verifiquemos (5). Escrevendo F = 0Y +X, G = Y , calculamos

RF,G =

∣∣∣∣ 0 X1 0

∣∣∣∣ = −X.

Isto mostra que (0:0:1) ocorre com multiplicidade 1.

Page 78: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

72 Propriedades do Indice de Intersecao

Para a sexta propriedade, e suficiente considerarmos o caso em que Ae um polinomio da forma A = AmY

c−m, com c = d◦G − d◦F e Am(X,Z)homogeneo de graum. Neste caso, e imediato que a matriz cujo determinantedefine RF,G+AF e obtida da matriz associada a RF,G somando as linhas doscoeficientes de G, multiplos das linhas dos coeficientes de F .

A setima propriedade e de verificacao mais trabalhosa. Ela se baseia nosseguintes resultados da teoria da eliminacao.

6.4. Lema. Seja A = Z[X0, X1, · · · , Xm, Y0, · · · , Yn] o anel dos polinomiosnas indeterminadas Xi, Yj, a coeficientes inteiros. Sejam

f = X0(Y −X1) · · · (Y −Xm) = X0(Ym − (ΣXi)Y

m−1 + · · · ),g = Y0(Y − Y1) · · · (Y − Yn) = Y0(Y

n − (ΣYi)Yn−1 + · · · )

}∈ A[Y ].

Temos entao as seguintes formulas para a resultante R de f, g:

R = Xn0 Y

m0

∏i,j(Xi − Yj)

= Xn0

∏i g(Xi)

= (−1)mnY m0

∏j f(Yj).

Demonstracao. Denotemos por S o segundo membro da primeira formulaproposta. E imediato que S satisfaz as 2 outras igualdades. Por outro lado,a definicao da resultante mostra que R = Xn

0 Ym0 R, onde R denota um

polinomio nas variaveis X1, X2, . . . , Y1, Y2, . . . , a coeficientes em Z. Subs-tituindo Xi por Yj, com i, j ≥ 1, anula-se a resultante; logo Xi − Yj divideR e portanto S divide R em A. Mas e facil verificar que S e R tem omesmo grau em Xi (resp. Yj), donde R e um multiplo inteiro de S. FazendoX0 = Y0 = Y1 = · · · = Yn = 1 e X1 = · · · = Xm = 0, ve-se de imediato queesse inteiro e 1, ou seja, R = S. 2

6.5. Proposicao. Seja D um domınio. Dados f, g, h ∈ D[Y ], vale a formula

Rf,gh = Rf,gRf,h.

Demonstracao. Escrevamos

f = x0Ym + · · · ,

g = y0Yr + · · · ,

h = z0Ys + · · · ,

Page 79: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

6.1 As propriedades caracterısticas 73

as reticencias indicando termos de grau inferior. Existe uma extensao E ⊃ Dtal que, em E[Y ], podemos fatorar

f = x0(Y − x1) · · · (Y − xm) ,g = y0(Y − y1) · · · (Y − yr) ,h = z0(Y − z1) · · · (Y − zs) .

(Tomar, por exemplo, um corpo de raızes (apendice, [10.34, p. 145]) do pro-duto fgh). Consideremos o anel A = Z[X0, . . . , Xm, Y0, . . . , Yr, Z0, . . . , Zs].Facamos

f = X0(Y −X1) · · · (Y −Xm),g = Y0(Y − Y1) · · · (Y − Yr),h = Z0(Y − Z1) · · · (Y − Zs).

Podemos definir um homomorfismo de aneis,

ϕ : A −→ E

mandando Xi em xi etc. . . , de sorte que o homomorfismo induzido,

A[Y ] −→ E[Y ]

aplica f em f , etc. . . . Nestas condicoes, e claro que

ϕ(Rf ,gh) = Rf,gh.

Apliquemos o lema a f , gh. Obtemos:

Rf ,gh = Xr+s0

∏(gh)(Xi))

= (Xr0

∏g(Xi))(X

s0

∏h(Xi)

= Rf ,gRf ,h.

Calculando ϕ em ambos os membros, resulta a formula enunciada. 2

Verifiquemos agora a propriedade (7) da proposicao 6.2:

(F,G1G2)P = (F,G1)P + (F,G2)P .

Podemos supor que P e uma intersecao isolada de F,G1G2, e sem perda degeneralidade, supor logo que F, G1G2 nao tem componente comum e estaomuito bem posicionadas. Mas agora a formula proposta decorre imediata-mente da proposicao 6.5. 2

Page 80: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

74 Propriedades do Indice de Intersecao

6.6. Proposicao.O ındice de intersecao (F,G)P e univocamente determi-nado pelas propriedades (1),. . . ,(7) listadas na proposicao 6.2.

Demonstracao. E suficiente provar que (F,G)P e calculavel a partir daque-las propriedades. E para tanto, basta considerarmos o caso em que F,Gnao tem componente comum passando por P . Consideremos F,G comopolinomios em Z a coeficientes em K[X, Y ], escrevendo

F = A0Zm + · · ·+ Am,

G = B0Zn + · · ·+Bn,

com Ai, Bj ∈ K[X, Y ] homogeneos e

d◦Ai = d◦F + i−m, d◦Bj = d◦G+ j − n, A0B0 6= 0.

Procederemos por inducao sobre min{m,n}. Se m = 0, entao F = A0

e um produto de fatores lineares homogeneos do tipo aX + bY , caso emque sabemos calcular (F,G)P usando as propriedades. Com efeito, por (1)e (7) reduzimos a situacao em que F e uma reta; por (4) podemos suporP = (0 : 0 : 1) e F = X; por (6) podemos substituir G por F (0, Y, Z); esteultimo e um produto de fatores lineares e entao ganhamos, usando (7) e (5)(e possivelmente (4) para transformar em Y um fator linear).

Suponhamos, para a etapa indutiva, 0 < m ≤ n. Sem perda de gene-ralidade, podemos supor F irredutıvel. Em particular, A0 e F sao primosrelativos. Aplicamos o algoritmo da divisao, encontrando, para algum inteiror ≥ 0, polinomios B, G tais que

Ar0G = BF + G, com d◦ZG ≤ m− 1.

Note que G e primo relativo com F . Usando (6), obtemos

(F,Ar0G)P = (F, G)P .

Logo,

(F,G)P = (F, G)P − (F,Ar0)P ;

O primeiro termo no segundo membro e calculavel por inducao; o segundo ecalculavel pois d◦ZA

r0 = 0. Isto completa a demonstracao. 2

6.7. Exercıcios

Page 81: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

6.2 Series de potencias 75

89. Sejam F : (X2 + Y 2)2 = X2 − Y 2 e Ca : X2 + Y 2 = a(X − Y ), onde ae constante arbitraria. (Se a =∞, tome C∞ : Z(X − Y ) = 0). Para cada a,calcule (F,Ca)P em cada ponto. Verifique o teorema de Bezout.

90. Mostre que F : Y 2 = X −X3 e G : 3XY 2 = 3X2− 1 se cruzam em novepontos distintos. Se P e qualquer um deles, mostre que o ındice de intersecaode F com sua reta tangente em P e igual a 3.

91. Prove que (F,G)P so depende das componentes de F,G que passam porP , usando apenas as propriedades (1),. . . ,(7), da proposicao [6.2, p. 70].

92. Prove que (F,G)P ≥ mp(F )mp(G) usando apenas (1),. . . ,(7).

93. Refaca o exercıcio [84, p. 68] sem calcular resultantes.

94. Use o lema [6.4, p. 72] para mostrar que, se f = a0Ym + · · · + am, g =

b0Yn + · · · + bn sao polinomios a coeficientes em um domınio arbitrario A,

com a0b0 6= 0, entao Rf,g = 0 se e so se f, g admitem raiz comum em algumaextensao do corpo de fracoes de A.

6.2 Series de potencias

Nesta secao descrevemos uma definicao alternativa para a multiplicidade deintersecao, empregando series de potencias. Ha varias outras alternativas,mas qualquer definicao aceitavel devera satisfazer a lista de propriedadesnaturais dadas na proposicao 6.2 e consequentemente, tera que coincidir coma que adotamos, via resultantes.

Lembramos que uma serie de potencias na variavel X a coeficientes noanel A e uma expressao da forma

∞∑i=0

aiXi

com os coeficientes ai ∈ A; duas tais expressoes sao iguais se e so se os coefi-cientes correspondentes sao iguais. O conjunto A[|X|] das series de potenciasa coeficientes em A contem um subconjunto que se identifica naturalmentecom o anel dos polinomios A[X]. Definem-se as operacoes de soma e produtode series de potencias de maneira evidente, de sorte que A[X] se torna umsubanel de A[|X|].

Page 82: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

76 Propriedades do Indice de Intersecao

Tomando uma nova variavel independente Y , o anel das series de potenciasem duas variaveis e definido por

A[|X, Y |] = (A[|X|])[|Y |].

Seus elementos se escrevem na forma∑i,j

aijXiY j.

Resumimos na proposicao seguinte algumas propriedades basicas das seriesde potencias. A demonstracao e deixada a cargo do leitor.

6.8. Proposicao.

(a) Se A e um domınio (i.e., anel comutativo, com unidade e sem divisoresde zero) entao A[|X|] tambem e.

(b)∑aiX

i e invertıvel em A[|X|] se e so se o termo constante a0 e in-vertıvel em A.

(c) Se α e uma serie de potencias com termo constante nulo e β e umaserie de potencias arbitraria, e possıvel “substituir X por α em β”,resultando uma serie β(α) bem determinada pela seguinte condicao : seβm =

∑m0 biX

i e o polinomio “m-esima soma parcial” de β =∑∞

0 biXi,

entao (β(α))m = βm(α).

(d) Se α e como acima, a aplicacao β 7→ β(α) e um homomorfismo deaneis.

6.9. Exemplo: (1−X)−1 = 1+X+X2+· · · . Mais geralmente, se α ∈ A[|X|]e uma serie de potencias com termo constante nulo, entao (1 − α)−1 = 1 +α + α2 + · · · . Esta expressao tem sentido, pois apenas um numero finito deparcelas contribui para o coeficiente de cada termo X i.

Consideremos agora um polinomio p(X) ∈ K[X]. A multiplicidade deuma raiz x de p(X) pode ser detectada substituindo X por X+x e extraindoa maior potencia possıvel de X como fator de p(X + x). Escrevemos entaop(X + x) = Xmu(X), onde u(0) 6= 0. Logo, u(X) e invertıvel em K[|X|],e portanto os ideais 〈p(X + x)〉 e 〈Xm〉 sao iguais em K[|X|]. Segue-se aigualdade dos aneis quocientes:

K[|X|]/〈p(X + x)〉 = K[|X|]/〈Xm〉.

Page 83: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

6.2 Series de potencias 77

Ora, este ultimo, considerado como espaco vetorial sobre K, claramente ad-mite para base as classes de 1, X, . . . , Xm−1 (mod. (Xm)). Vemos entao quea multiplicidade da raiz x de p(X) e igual a dimensao do espaco vetorialK[|X|]/(p(X + x)).

Daı ate inferirmos uma formula para a multiplicidade de intersecao deduas curvas (digamos, inicialmente, afins) f, g e um pequeno (?) passo:

6.10. Definicao. Dado P = (x, y) ∈ A2, ponhamos (provisoriamente! cf.proposicao [6.16, p. 80]),

[f, g]P = dimK{K[|X, Y |]/〈f(X + x, Y + y), g(X + x, Y + y)〉}.

6.11. Exemplo. Suponhamos f = Y, g arbitrario, P = (x, y). Se y 6= 0,entao P 6∈ f , e deverıamos esperar [f, g]P = 0. E de fato, f(X + x, Y + y) =y + Y e invertıvel em K[|X, Y |], acarretando a nulidade do anel quocienteem questao. Se y = 0, temos o isomorfismo

K[|X, Y |]/〈Y, g(X + x, Y 〉) ∼−→K[|X|]/〈g(X + x, 0)〉.

Do que foi exposto acima, a dimensao deste ultimo quociente e justamente amultiplicidade de x como raiz de g(X, 0), em completa concordancia com adefinicao ja apresentada para (f, g)P .

Estendemos a definicao acima para curvas projetivas F,G, de modo natural:

6.12. Definicao. Se P = (x : y : 1) (resp. (x : 1 : z), resp. (1 : y : z :)), des-omogeneizamos F,G com relacao a Z (resp. Y , resp. X) e definimos [F,G]Paplicando a formula dada na definicao 6.10 com as modificacoes obvias.

Ha que se fazer a seguinte verificacao.

6.13. Lema. Se P = (x : y : 1) = (1 : u : v) entao

dimK K[|X,Y |]/〈F (X + x, Y + y, 1), G(X + x, Y + y, 1)〉= dimK K[|Y, Z|]/〈F (1, Y + u, Z + v), G(1, Y + u, Z + v)〉.

(Valendo relacao analoga se (x : y : 1) = (u : 1 : v) . . . ).

Demonstracao. Temos xv = 1, yv = u. Em particular, x 6= 0 6= v eportanto X + x e invertıvel em K[|X, Y |]. Sendo F homogeneo, temos

F (X+x, Y+y, 1) = (X+x)d◦FF (1, (Y+y)(X+x)−1, (X+x)−1) em K[|X, Y |].

Page 84: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

78 Propriedades do Indice de Intersecao

Podemos construir um isomorfismo

ϕ : K[|X, Y |] −→ K[|Y, Z|]

tal que {ϕ(X) = (Z + v)−1 − xϕ(Y ) = (Y + u)(Z + v)−1 − y ,

ou seja, (X + x)−1 7→ Z + v, (Y + y)(X + x)−1 7→ Y + u. Logo,

ϕ(F (X + x, Y + y, 1)) = (Z + v)−d◦FF (1, Y + u, Z + v),

e analogamente para G. Assim, ϕ induz por passagem ao quociente umisomorfismo entre os espacos cujas dimensoes querıamos calcular. 2

Indicaremos mais adiante como proceder para a verificacao de que [F,G]Psatisfaz as propriedades caracterısticas (1),. . . ,(7). Assim, mostraremos que[F,G]P = (F,G)P . Antes porem deduziremos uma consequencia da novaformula.

Se P = (x0, y0) ∈ f e um ponto nao singular, digamos com fY (P ) 6= 0, eK = R ou C, sabemos do Calculo que, proximo a P , a equacao f(X, Y ) = 0fornece uma funcao implıcita Y = ϕ(X) tal que f(X,ϕ(X)) = 0 e y0 =ϕ(x0). Esta funcao e de fato analıtica, i.e., sua serie de Taylor converge aϕ(X) numa vizinhanca de x0. Se g e uma curva arbitraria, podemos calcularg(X,ϕ(X)), obtendo uma serie de potencias em X. O ındice de intersecao(f, g)P deveria refletir a ordem do anulamento desta serie para X = x0, nosentido explicitado a seguir.

6.14. Definicao. A ordem (ou ordem de anulamento) da serie ΣaiXi e o

ınfimo dos inteiros i tais que ai 6= 0. A ordem da serie nula e ∞.

6.15. Proposicao. Seja P = (x, y) um ponto nao singular sobre a curva f .Entao:

(a) K[|X,Y |]/〈f(X + x, Y + y)〉 e K-isomorfo a K[|T |], anel das series depotencias numa variavel T .

(b) Se g e uma curva arbitraria, entao (f, g)P e a ordem da imagem deg(X + x, Y + y) em K[|T |] atraves do isomorfismo dado em (a).

Page 85: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

6.2 Series de potencias 79

Demonstracao. Sem perda de generalidade, podemos supor P = (0, 0)e f da forma Y + f2 + · · · . Pondo Y em evidencia nos termos em queocorre, temos f = uY − X2h, com u invertıvel em K[|X, Y |]. Visto quef e u−1f geram o mesmo ideal, podemos supor u = 1. (Agora h nao emais necessariamente um polinomio. Pouco importa.) Mostraremos que aaplicacao

K[|X|] −→ K[|X, Y |]/〈f〉s(X) 7−→ s = s(X) + 〈f〉

e um isomorfismo. Esta afirmacao e equivalente a seguinte:

∀ g ∈ K[|X, Y |], ∃ series q(X, Y ), r(X) tais que g = qf + r.

As series q, r sao construıdas por aproximacoes sucessivas. Escrevemos

g = g(X, 0) + Y q0 = g(X, 0) + (Y −X2h)q0 +X2hq0.

Ponhamos r0 = g(X, 0), e recomecemos com g1 = hq0 em lugar de g:

g1 = g1(X, 0)︸ ︷︷ ︸r1

+q1f +X2hq1, etc · · ·

Desta maneira, construımos sequenciasr0, r1, · · · ∈ K[|X|], q0, q1, · · · ∈ K[|X, Y |],

de sorte que, para cada m ≥ 1,

g =

[m∑0

X2iri + (m∑0

X2iqi)f

]+X2m+2hqm.

Definimos r(X) =∑

i≥0X2iri, o que faz sentido, pois cada termo de r(X) e

obtido a partir de apenas um numero finito deX2iri. Similarmente, definimosq(X, Y ) =

∑i≥0X

2iqi. Por construcao, temos g − r − qf multiplo de XN

para todo N , donde se conclui facilmente

g = r + qf.

Uma vez demonstrado o isomorfismo

K[|X|] ∼−→K[|X, Y |]/〈f〉 ,

Page 86: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

80 Propriedades do Indice de Intersecao

se g ∈ K[|X,Y |] e arbitrario, temos

K[|X, Y |]/〈f, g〉 ' (K[|X, Y |]/〈f〉)/〈g〉' K[|X|]/〈γ〉

onde γ denota a imagem de g = g+(f) em K[|X|]. Isto completa a demons-tracao, pois e imediato que a ordem de γ e a dimensao do ultimo quociente.

2

Observemos que o isomorfismo K[|X|] ∼−→K[|X, Y |]/〈f〉 acima construıdofornece uma serie ϕ(X), imagem de Y pelo isomorfismo inverso, tal que

f(X,ϕ(X)) = 0.

Isto e uma versao algebrica formal do teorema da funcao implıcita.

6.16. Proposicao. [F,G]P (cf. definicao 6.10) satisfaz as propriedadesdo ındice de intersecao listadas na proposicao 6.2, p.70. Em particular,[F,G]P = (F,G)P para todo par de curvas planas F,G e todo ponto P ∈ P2.

Demonstracao. As propriedades (1), (5) e (6) sao imediatas. A pro-priedade (2) segue de que f(X + x, Y + y) e invertıvel em K[|X, Y |] see so se f(x, y) 6= 0.

Para a quarta propriedade, observemos que se T1, T2 sao projetividadestais que

[Ti.F, Ti.G]TiP = [F,G]P (∀F,G, P ),

entao o mesmo e valido para a composta T1T2. Tendo em conta que todamatriz invertıvel e um produto de matrizes elementares (aquelas obtidas damatriz identidade por uma operacao elementar sobre as linhas), e suficienteverificar (4) quando T e uma “projetividade elementar”. Suponhamos porexemplo T•F (X, Y, Z) = F (aX, Y, Z) para alguma constante a 6= 0; digamosP = (1 : b : c). Logo, TP = (a−1 : b : c) = (1 : ab : ac). Calculamos

(T•F )(1, Y +ab, Z+ac) = F (a, Y +ab, Z+ac) = ad◦FF (1, a−1Y +b, a−1Z+c).

Construımos um K-isomorfismo

ϕ : K[|Y, Z|]→ K[|Y, Z|]

tal queϕ(Y ) = Y/a, ϕ(Z) = Z/a.

Page 87: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

6.2 Series de potencias 81

Temos entao

ϕ(F (1, Y+b, Z+c)) = F (1, a−1Y+b, a−1Z+c) = a−d◦F (T•F )(1, Y+ab, Z+ac),

e analogamente para G, mostrando que ϕ induz um K-isomorfismo entre osaneis quocientes

K[|Y, Z|]/〈F (1, Y + b, Z + c), G(. . . )〉 '

K[|Y, Z|]/〈(T•F )(1, Y + ab, Z + ac), (T•G)(1, Y + ab, Z + ac)〉.

Isto prova que [F,G]P = [TF, TG]TP no caso considerado. Os demais casossao tratados de maneira similar.

Resta verificar (3) e (7). Em vista de (4), podemos supor P = (0 : 0 : 1)e trabalhar com f = F∗, etc. . . Observe que (3) e consequencia imediata doresultado seguinte.

6.17. Lema. Sejam f, g ∈ K[X, Y ]. Sao equivalentes:

(i) f, g nao admitem componente comum passando pela origem;

(ii) K[|X,Y |]/〈f, g〉 tem dimensao finita;

(iii) f, g sao primos relativos (i.e., nao admitem fator comum nao invertıvel)em K[|X, Y |].

Demonstracao. (i)⇒ (ii). Da hipotese, seguem-se relacoes em K[X, Y ],

af + bg = r(X)h 6= 0,cf + dg = s(Y )h 6= 0,

onde h denota o MDC(f, g); em especial, h(0, 0) 6= 0. EmK[|X, Y |], podemosescrever

r(X)h = Xmu, s(Y )h = Y nv,

com u, v invertıveis. Segue-se a inclusao de ideais

〈Xm, Y n〉 ⊆ 〈f, g〉 em K[|X, Y |].

Obtemos o epimorfismo

K[|X, Y |]/〈Xm, Y n〉 −→→ K[|X, Y |]/〈f, g〉.

Page 88: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

82 Propriedades do Indice de Intersecao

O primeiro desses quocientes e manifestamente de dimensao finita, geradopelas classes residuais deX iY j mod. 〈Xm, Y n〉, i = 0, . . . ,m−1, j = 0, . . . , n−1, provando (ii).

(ii) ⇒ (iii) Suponhamos, por absurdo, que exista h ∈ K[|X, Y |] naoinvertıvel tal que 〈f, g〉 ⊆ 〈h〉 (inclusao de ideais de K[|X, Y |] ). Levando emconta o epimorfismo

K[|X, Y |]/〈f, g〉 −→→ K[|X, Y |]/〈h〉,

deduzimos que K[|X,Y |]/〈h〉 tem dimensao finita. Logo, existe n ≥ 1 tal que1, X, . . . , Xn−1 sao linearmente independentes e 1, . . . , Xn sao dependentesmodulo h. Portanto, existe uma relacao

Xn + a1Xn−1 + · · ·+ an = sh,

com ai’s constantes e s ∈ K[|X, Y |]. Mas h(0, 0) = 0 implica an = 0,donde s(0, Y ) = 0 ou h(0, Y ) = 0. Com a primeira alternativa, ganhamospois concluımos uma relacao de dependencia para 1, . . . , Xn−1 (porque Xdivide s). Com a segunda, tambem ganhamos, pois se X divide h, podemossubstituir h por X e e obvio que K[|X, Y |]/(〈X〉 = K[|Y |] tem dimensaoinfinita.

(iii)⇒ (i) Trivial. 2

6.18. Lema. Sejam f, g ∈ K[X, Y ] polinomios primos relativos. Se existiruma relacao

af = bg em K[|X,Y |]

entao existe c ∈ K[|X, Y |] tal que a = cg. Em outras palavras, se g|af emK[|X, Y |] entao g|a.

Demonstracao. Apelando para o fato de que um anel de series de potenciasa coeficientes num corpo e fatorial, o resultado e consequencia do lema ante-rior. Mas preferimos dar uma argumentacao independente.

Da hipotese, segue-se uma relacao

rf + sg = d(X) 6= 0 em K[X, Y ].

Escrevendo d(X) = uXm com u invertıvel em K[|X|], obtemos

αf + βg = Xm, agora em K[|X,Y |].

Page 89: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

6.2 Series de potencias 83

Multiplicando por a, deduzimos

(αb+ aβ)g = aXm.

Seja n o menor expoente ≥ 0 tal que existe uma relacao Xna = cg, paraalgum c ∈ K[|X, Y |]. Mostremos que n = 0. Podemos supor que X naoe fator comum de a, g em K[|X, Y |], bastando para isso substituir a, g pora/X i, g/X i para algum i. Nessas condicoes, X nao divide g, do contrariodividiria af , e portanto dividiria f , impossıvel. Isso mostra que n = 0. 2

Finalmente, para provar a propriedade (7),

[F,G1G2]P = [F,G1]P + [F,G2]P ,

podemos supor [F,G1]P < ∞ e como antes, P = (0 : 0 : 1). Da inclusao deideais I = 〈f, g1g2〉 ⊆ J = 〈f, g1〉, obtemos as aplicacoes

K[|X, Y |]/〈f, g2〉ϕ−→K[|X, Y |]/I ψ−→K[|X, Y |]/J

p 7−→ g1p+ I; h+ I 7−→ h+ J.

Notemos que ϕ e ψ sao K-lineares, ψ e sobrejetiva e ψϕ = 0. E imediatoque a imagem de ϕ coincide com o nucleo de ψ. Mostremos que ϕ e injetiva.Se existir uma relacao

g1p = af + bg1g2 em K[|X, Y |],

segue-se que g1 divide af em K[|X, Y |]. Visto que f, g1 sao primos relativos,segue do lema anterior que g1c = a para algum c. Cancelando g1, obtemosp = cf + bg2, completando a prova de que ϕ e injetiva. Pelo teorema donucleo e da imagem, segue que a dimensao do nucleo de ψ (= [F,G2]P ),somada a dimensao da imagem de ψ (= [F,G1]P ), e igual a dimensao dodomınio de ψ (= [F,G1G2]P ). 2

6.19. Exercıcios

95. Prove que K[|X|] e um domınio de ideais principais.

96. Prove a poposicao 6.8.

97. Complete a demonstracao do Lema 6.13, verificando a ultima afirmacaola enunciada.

Page 90: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

84 Propriedades do Indice de Intersecao

98. Denotemos por o(f) a ordem de uma serie f ∈ K[|X|] (cf. p. 78). Provequea) o(fg) = o(f) + o(g);b) o(f) = 0⇔ f e invertıvel em K[|X|];c) o(f + g) ≥ min(o(f),o(g)), valendo a igualdade se o(f) 6= o(g).

99. Sejam F,G curvas distintas com o mesmo grau. Seja P um ponto naosingular de uma curva H. Mostre que

(F +G,H)P ≥ min{(F,H)P , (G,H)P}.Se P e singular em H, esta desigualdade pode nao valer: considere umacubica nodal e as duas tangentes no ponto singular.

100. Justifique a observacao feita logo apos o final da demonstracao daproposicao [6.15, p. 78].

101. Complete os detalhes da demonstracao da proposicao [6.16, p. 80], ver-ificando a invariancia de [F,G]P pelos tipos de “projetividades elementares”nao considerados.

Page 91: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

Capıtulo 7

Formulas de Plucker

Vamos aplicar o teorema de Bezout e propriedades do ındice de intersecaopara calcular o numero de retas tangentes a uma curva passando por umponto, e o numero de tangentes inflexionais. O resultado e fornecido pelasformulas de Plucker, enunciadas a seguir.

7.1. Teorema. Seja F uma curva irredutıvel de grau d ≥ 2 cujas unicassingularidades sao δ nos e χ cuspides. Entao temos

d(d− 1) = d+ 2δ + 3χ,3d(d− 2) = i+ 6δ + 8χ,

onde d e i denotam o numero de retas tangentes passando por um pontoP 6∈ F e o numero de retas inflexionais, respectivamente. Supomos aindaque os pontos de inflexao, os nos e as cuspides sao todos ordinarios, isto e,a(s) reta(s) tangente(s) apresenta(m) contato triplo e nao mais, e que o pontoP esta fora das tangentes aos pontos singulares, das tangentes inflexionais edas bitangentes.

7.1.1. Exemplos.

(i) Para uma conica irredutıvel, temos d = d = 2, δ = χ = i = 0, confir-mando o fato de que podem ser tracadas 2 tangentes a uma conica irredutıvelpor um ponto exterior. Quando a conica se degenera num par de retas, asduas tangentes coincidem com a reta que liga o ponto a singularidade, “ex-plicando” a reducao de d causada por um ponto duplo ordinario ...

(ii) Se F e uma cubica irredutıvel , ha tres alternativas:

Page 92: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

86 Formulas de Plucker

1) δ = χ = 0, quando entao F e nao singular e d = 6, i = 9;

2) δ = 1, χ = 0 e, por fim,

3) δ = 0, χ = 1.Note que uma cubica irredutıvel nao admite bitangentes (por que?) e todareta tangente inflexional e simples, pois a multiplicidade de intersecao naopode exceder 3.

7.1 Curvas polares

Cada uma das formulas no teorema acima e obtida achando a intersecao deF com uma curva auxiliar adequada. Para a primeira delas, introduzimos aseguinte

7.2. Definicao. A polar de um polinomio F (de grau ≥ 2) relativa ao pontoP = (x0 : y0 : z0) e definida por

F P := x0FX + y0FY + z0FZ .Se F P 6= 0, temos definida a curva polar associada a curva F .

7.3. Exemplo. A curva polar do cırculo X2 +Y 2 = 1 com respeito ao ponto(0, 2) e a reta 0(2X) + 2(2Y ) + 1(−2Z), ou ainda, Y = 1/2. Note que elacruza o cırculo nos dois pontos de contacto das tangentes que passam por(0, 2).

7.4. Proposicao. A intersecao de uma curva F e sua polar F P consistenos pontos singulares de F e nos pontos de contato das retas tangentes a Fpassando por P .

Demonstracao. Apliquemos a proposicao [5.6, p. 60]. E obvio entao quetodo ponto singular de F esta em F P . Seja agora Q um ponto nao singularde F e pertencente a F P . A reta tangente a F em Q e XFX(Q)+Y FY (Q)+ZFZ(Q) a qual, por hipotese, contem P . 2

7.5. Corolario. Se F e irredutıvel e d◦F = d ≥ 2, entao por cada ponto doplano passam, no maximo, d(d− 1) retas tangentes a F .

Demonstracao. Visto que d◦F P = d − 1, segue-se que F e F P nao temcomponente comum. O corolario resulta do teorema de Bezout. 2

Page 93: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

7.1 Curvas polares 87

Vamos agora fazer uma analise mais detalhada e calcular a contribuicaoefetiva, isto e, a multiplicidade de intersecao, em F ∩ F P de cada pontosimples e de cada tipo de ponto singular de F .

7.6. Lema. A curva polar e invariante por mudanca de coordenadas, i.e.,se T e uma projetividade, entao

(T•F )(TP ) = T•(FP ).

Demonstracao. Fixados T e P , ambos os membros da igualdade sao fun-coes lineares de F . Logo, podemos supor F = X iY jZk, e calcular tomandopara T uma projetividade elementar. Alternativamente, pode-se usar a regrada cadeia. 2

7.7. Lema. Seja Q ∈ F ∩ F P . Entao, nas condicoes do teorema da p. 85,temos

(F, F P )Q =

1 se Q e um ponto simples de F ;2 se Q e um ponto duplo ordinario de F ;3 se Q e uma cuspide ordinaria de F.

Demonstracao. Pelo lema anterior, podemos supor Q = (0 : 0 : 1).Suponhamos F lisa em Q. Podemos tomar Y = 0 para tangente, i.e.,o polinomio f = F∗ e da forma Y + aX2 + bXY + · · · . Segue-se queP = (x0 : 0 : z0) com x0 6= 0, pois P 6∈ F . A curva polar e entao2ax0X + cY + · · · (grau superior). Visto que Y nao e tangente inflexional,temos a 6= 0. Logo F e F P tem tangentes distintas na origem, donde o ındicede intersecao e igual a 1 (proposicao 5.15, p. 66). No segundo caso, podemossupor f da forma

XY + grau superior.

Visto que P esta fora das tangentes aos pontos singulares, temos P = (x0 :y0 : z0) com x0y0 6= 0. A polar tem entao o aspecto

x0Y + y0X + · · · ,

sendo assim transversal as duas tangentes de F em Q e portanto(F, F P )Q = mQ(F ) = 2

(por 5.15, p. 66). Para o 3o caso, escrevemos

f = Y 2 + aX3 + · · · ,

Page 94: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

88 Formulas de Plucker

com a 6= 0 (senao (Y, f)O > 3). Temos P = (x0 : y0 : z0), com y0 6= 0.Aplicando uma projetividade que fixe (0:0:1) e (1:0:0) e mande P em (0:1:0),temos que a reta Y = 0 e deixada invariante. Logo f permanece na formaapresentada, e a curva polar e dada por

fP = 2Y + grau superior.

Empregando com argucia a propriedade (6) do ındice de intersecao [6.2, p. 70]obtemos, finalmente,

(f, fP )O = (aX3 + · · · , 2Y + · · · )O = 3.

2

A primeira formula do teorema (p.85) decorre da proposicao 7.4 e dolema 7.7.

7.2 A hessiana

Para provarmos a segunda formula, introduzimos a seguinte

7.8. Definicao. A curva hessiana de uma curva F de grau ≥ 3 e dada por

h(F ) =

∣∣∣∣∣∣FXX FXY FXZFXY FY Y FY ZFXZ FY Z FZZ

∣∣∣∣∣∣ .7.9. Exemplos. 1) Se F = ZY 2 −X3 (cubica cuspidal), temos

h(F ) =

∣∣∣∣∣∣−6X 0 0

0 2Z 2Y0 2Y 0

∣∣∣∣∣∣ = 24XY 2.

Temos F∩h(F ) = {0 : 1 : 0), (0 : 0 : 1)}. No primeiro ponto, a multiplicidadeda intersecao e 1 e no segundo e 8. A tangente a F no ponto (0 : 1 : 0) eZ = 0, que e inflexional.

2) Se F = ZY 2−ZX2+X3 (cubica nodal), h(F ) = −8(Z(X2−Y 2)+3XY 2).O ponto singular de F absorve seis intersecoes com h(F ). Nos tres pontosrestantes, (0 : 1 : 0) e (12 : ±i4

√3 : 9), o ındice de intersecao vale 1. As

tangentes a F nesses tres ultimos pontos sao inflexionais (Leitor: verifique!).

Page 95: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

7.2 A hessiana 89

7.10. Proposicao. F∩h(F ) e constituıdo pelos pontos singulares e os pontosde inflexao de F . Nas condicoes do teorema, se Q ∈ F ∩ h(F ) entao

(F, h(F ))Q =

1 se Q e ponto de inflexao ordinario;6 se Q e no ordinario;8 se Q e cuspide ordinaria.

Demonstracao. O procedimento e analogo ao tratamento dado a curvapolar. Primeiro mostramos que h(F ) e invariante por mudanca de coorde-nadas. Com esta liberdade, posicionamos o ponto Q na origem, e escolhemosa(s) tangente(s) como no caso anterior. Para provar a relacao

T•(h(F )) = h(T•F ) ,

observamos que a matriz hessiana de T•F e obtida da matriz hesiana de Fmultiplicando a esquerda e a direita pela matriz de T−1 e sua transposta.Como o determinante de um produto de matrizes e igual ao produto dos de-terminantes, concluımos que os polinomios T•(h(F )) e h(T•F ) diferem apenaspor um multiplo constante 6= 0, definindo a mesma curva. Suponhamos agoraQ = (0 : 0 : 1) ∈ F ∩ h(F ). Podemos escrever F na forma

αZd−1Y + Zd−2(βX2 + γXY + δY 2) + · · · .

A condicao Q ∈ h(F ) e equivalente ao anulamento do determinante∣∣∣∣∣∣2β γ 0γ 2δ (d− 1)α0 (d− 1)α 0

∣∣∣∣∣∣ = −2(d− 1)2α2β .

Logo, ou α = 0 – caso em que (0 : 0 : 1) e singular em F , ou α 6= 0 e β = 0,quando (0 : 0 : 1) e um ponto de inflexao. Calculemos o ındice de intersecaoem cada caso.(i) Cuspide ordinaria. Escrevemos F na forma

Zd−2Y 2 + Zd−3(αX3 + βX2Y + γXY 2 + δY 3) + · · · ,

com α 6= 0. Procuramos os termos de menor grau de h = h(F )∗ =∣∣∣∣∣∣6αX + 2βY + · · ·2βX + 2γY + · · · 2 + 2γX + 6δY + · · ·

(d− 3)(3αX2 + · · · ) 2(d− 2)Y + · · · D

∣∣∣∣∣∣

Page 96: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

90 Formulas de Plucker

onde D = (d− 3)((d− 2)Y 2 + (d− 4)αX3 + · · · ). Encontramos

h = Y 2(aX + bY ) + cX4 + · · ·

as reticencias indicando termos irrelevantes e a, b, c constantes, com

a = 12α(d− 2)(d− 3) ,c = 12α2(d− 3)(d− 4)− 18α2(d− 3)2.

Calculando o ındice de intersecao, pondo f = F∗, g = h− (aX + bY )f , vem

(f, h)Q = (f, g)Q= (Y 2 + αX3 + · · · , (c− aα)X4 + Y (· · · ) + · · · )Q= 2 · 4 = 8,

porque c 6= aα implica que Y nao e tangente a g. Note que c 6= aα parad ≥ 4. O caso d = 3 foi essencialmente tratado no exemplo anterior.

(ii)No ordinario. Temos

F = Zd−2XY + Zd−3(αX3 + βY 3 + · · · ) + · · · ,

com αβ 6= 0 (senao o contato de uma reta tangente ao no seria ao menosquadruplo). Calculando h = h(F )∗ encontramos

h = cXY + aX3 + bY 3 + · · · ,

comc = 2− (d− 2)(d− 3),a = α(6− (d− 3)(d− 4),b = β(6− (d− 3)(d− 4)).

Pondo f = F∗, podemos calcular o ındice de intersecao,

(f, h)O = (f, h− cf)O= (XY + · · · , (a− cα)X3 + (b− cβ)Y 3 + · · · )O= 2 · 3 = 6,

pois (a− cα)(b− cβ) 6= 0 implica que X, Y nao sao tangentes a h− cf .

(iii) Ponto de inflexao ordinario. Fica como exercıcio para o leitor. 2

Completamos portanto a demonstracao das duas formulas de Pluckerenunciadas no teorema deste capıtulo. A verificacao que fizemos para a

Page 97: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

7.2 A hessiana 91

contribuicao de cada tipo de ponto em F ∩ h(F ) e F ∩ F P , sugere que asformulas podem ser generalizadas para abranger singularidades mais compli-cadas. Encorajamos o leitor a calcular alguns outros casos nos exercıcios.

Ha duas outras formulas de Plucker que gostarıamos de mencionar:

d(d− 1) = d+ 2β + 3i,

3d(d− 2) = d+ 6β + 8i,

onde β denota o numero de bitangentes. Elas sao, de certa maneira, duaisdas formulas do teorema 1.

Precisamente, associemos a reta aX + bY + cZ = 0 o ponto (a : b : c) noplano projetivo dual P2. Denotando por A,B,C coordenadas homogeneasem P2, vemos que, dualmente, cada ponto (x : y : z) ∈ P2 corresponde auma reta xA + yB + zC em P2, justamente a que consiste nos pontos querepresentam as retas de P2 contendo (x : y : z).

E razoavel se esperar, e de fato pode-se demonstrar, que as retas tan-gentes a uma curva irredutıvel F ⊂ P2 sao parametrizadas por uma curva(igualmente irredutıvel) F ⊂ P2, chamada curva dual de F .

Por exemplo, AX + BY + C e tangente a parabola Y = X2 se e so seA2 − 4BC = 0.

Ora, sabemos que o grau de F e o numero de pontos da intersecao de Fcom uma reta generica de P2; dualmente, isto corresponde ao numero d deretas tangentes a F passando por um ponto generico de P2. Demonstra-se

tambem que F = ˇF , e que, na correspondencia

(tangente de F )←→ (ponto de F ),

as tangentes inflexionais correspondem as cuspides de F , e as bitangentes aospontos duplos.

Assim, as duas formulas acima podem ser provadas permutando os papeisde F, F .

Os numeros d, d, δ, β, χ, i sao chamados de caracterısticas de Plucker dacurva F . As equacoes de Plucker fornecem uma condicao necessaria paraque seis numeros sejam as caracterısticas de uma curva. Sabe-se que essacondicao nao e suficiente: nao existe curva irredutıvel com d = d = 14, δ =β = 0, χ = i = 56. E uma questao ainda nao resolvida determinar condicoesnecessarias e suficientes para que seis inteiros d, . . . , χ, i ocorram efetivamentecomo caracterısticas de uma curva.

Page 98: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

92 Formulas de Plucker

7.11. Exercıcios

102. Verifique as formulas de Plucker para a trissectriz de Maclaurin, parao folium de Descartes e para a cissoide de Diocles.

103. Mostre que os tres nos da lemniscata nao sao ordinarios. Calcule onumero de intersecoes absorvidas por cada um desses nos com a hessiana.

104. Mostre que a curvaY 2 − 3X(X2 + Y 2)− (X2 + Y 2)2 = 0

tem duas bitangentes e quatro pontos de inflexao.

105. Mostre que a reta que liga dois pontos de inflexao de uma cubica irre-dutıvel nao cuspidal emcontra a cubica em um terceiro ponto de inflexao.

106. Prove que uma cubica real nao singular possui exatamente tres pontosde inflexao reais e tres pares de pontos de inflexao complexo-conjugados.

107. Prove que os pontos de contato de tangentes a uma cubica nao singularpor um ponto exterior pertencem a uma conica. Em que caso e esta conicadegenerada?

108. Investigue os ındices de intersecao de uma curva com sua polar relativaa um ponto sobre a curva.

109. Prove que um ponto m-uplo ordinario absorve m(m− 1) intersecoes deuma curva com sua polar com respeito a um ponto convenientemente situado.

110. Prove que toda componente comum a uma curva e sua hessiana e umareta.

111. Investigue a relacao entre h(h(F )) e F para uma cubica nao singularF .

112. Para cada d ≥ 4 construa uma curva F nao singular cujas tangentesinflexionais sao todas ordinarias.

113. Mostre que a dual de uma conica nao degeneradaF = a11X

2 + a22Y2 + a33Z

2 + 2(a12XY + a13XZ + a23Y Z)e a conica

F = a′11A2 + a′22B

2 + a′33C2 + 2(a′12AB + a′13AC + a′23BC)

onde a matriz simetrica (a′ij) e a inversa de (aij).

Page 99: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

7.2 A hessiana 93

114. Verifique F = ˇF para F = ZY 2 − X3 e F = Z(Y 2 − X2)3. Estude acorrespondencia entre os pontos singulares e as tangentes excepcionais.

115. “Se de um ponto P tracam-se tangentes as conicas de um feixe Ft :=F0 + tF∞, entao o lugar dos pontos de contato e uma cubica”. Determinecondicoes precisas sobre o ponto P e o par de conicas F0, F∞ que tornemverdadeira essa afirmacao.

116. Quantas tangentes a uma cubica F podem ser tracadas por um pontode F?

Page 100: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

94 Formulas de Plucker

Page 101: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

Capıtulo 8

Curvas Racionais

Introduzimos neste capıtulo os conceitos de funcao regular e funcao racionalsobre uma curva. Servimo-nos das curvas racionais como itinerario e mo-tivacao. Demonstramos o teorema de Luroth e estabelecemos um criterionumerico de racionalidade. Nas duas secoes finais ilustramos aplicacoes decurvas racionais ao calculo de integrais de certas funcoes algebricas e apre-sentamos uma breve introducao as curvas de Bezier.

8.1 Curvas racionais afins

8.1. Definicao. Uma curva afim irredutıvel f e racional se existir um parde funcoes racionais x(T ), y(T ), nao ambas constantes, tal que f(x(T ), y(T ))= 0 em K(T ). O par x(T ), y(T ) e chamado uma parametrizacao racional(ou simplesmente parametrizacao.)

8.2. Exemplos. 1) Toda reta e racional, admitindo parametrizacao da forma

x(T ) = aT + b,

y(T ) = cT + d,

com a 6= 0 ou c 6= 0.

Page 102: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

96 Curvas Racionais

2) O cırculo X2 +Y 2 = 1 e racional,com parametrizacao obtida como in-dicado na figura ao lado. Determi-namos a intersecao da reta

Y = t(X + 1)com o cırculo, encontrando o pontovariavel (x(t), y(t)) onde{

x(t) = (1− t2)/(1 + t2),y(t) = 2t/(1 + t2).

O

t

−1

(x(t), y(t))

..........

.........

..........................................................................................

.................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... .............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................

....................................................................................................................

6

-. ...................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... · · · ·· · · ·· · · ·· · · ·· · · ·· · ·

·········•

?

figura 8.1

Intuitivamente, uma curva e racional se for possıvel desenha-la sem selevantar o lapis do papel. Por isso, o termo unicursal e tambem empregado.

No entanto, esta descricao e porvezes enganosa. Por exemplo,embora o traco real de

X4 + Y 4 = 1

admita essa “caracterizacao”,podemos mostrar que esta curvanao e racional.

-

6

.

..............

............

.........

..............

...........

..........

.......................................................

..................................................................................................

.

...................................

.............

.

..............................................................................................................................................................................

.

..............

............

.........

..............

...........

..........

.............................................................. ....... ........ ........ .......... ........... .............. ......... ........... .............

.

...................................

.............

.

............................................................................ ....... ....... ........ ........ .......... ........... .............. ......... ........... .............

figura 8.2

Com efeito, suponhamos, por absurdo, a existencia de uma parametrizacao{x = p(T )/r(T ),y = q(T )/r(T ),

onde p, q, r sao polinomios sem fator comum (aos tres), r 6= 0, e digamos qnao constante. Derivando a relacao

x4 + y4 = 1,

vemxx3 + yy3 = 0.

Consideremos o sistema linear{xu+ yv = 1,xu+ yv = 0.

Page 103: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

8.1 Curvas racionais afins 97

Visto que ω := xy − xy 6= 0 (senao x/y seria constante), o sistema admite asolucao unica

u = y/ω, v = −x/ω.

Mas u = x3 e v = y3 sao solucoes. Daı vem

y = ωx3, x = −ωy3.

Substituindo em termos de p, q, r, e simplificando, vem

r3(rq − qr) = (pq − qp)p3,r3(rp− pr) = −(pq − qp)q3.

Daı se deduz que r3 divide pq − qp. Dividindo e estimando graus, obtemos

3d◦p ≤ d◦r + d◦q − 1,3d◦q ≤ d◦r + d◦p− 1,3d◦r ≤ d◦p+ d◦q − 1,

o que implica

0 ≤ d◦p+ d◦q + d◦r ≤ −3,

absurdo!

8.3. Exercıcios

117. Seja f = fm + fm+1 uma curva afim irredutıvel, onde fi e homogeneode grau i. Mostre que f e racional. Obtenha uma parametrizacao paraX2Y (X−Y )+(X+Y )2(X−2Y )2(X+2Y ) empregando um feixe convenientede retas.

118. Seja C uma conica definida sobre o corpo dos numeros racionais. Proveque se C admite um ponto com coordenadas racionais entao existe umainfinidade de tais pontos. Determine todas as solucoes inteiras da equacaoX2 + Y 2 = Z2. Idem para X2 + Y 2 = 3Z2.

119. Mostre que Xm + Y m = 1 e racional se e so se m = 1 ou 2.

Page 104: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

98 Curvas Racionais

8.2 Funcoes regulares e funcoes racionais

Quando uma curva e racional, a cada valor do parametro (salvo um numerofinito que anula o denominador) corresponde um ponto bem definido dacurva.

Mas pode ocorrer que cada ponto da curva seja atingido por valores dis-tintos do parametro, e.g., x = T 2, y = 1/T 2 repete duas vezes cada pontoda hiperbole. Neste exemplo, vemos que e possıvel substituir T por outravariavel. Fazendo U = T 2, obtemos a nova parametrizacao x = U, y = 1/U .

Mostraremos mais adiante que e sempre possıvel escolher uma boa para-metrizacao, para a qual a correspondencia

(valor do parametro)←→ (ponto da curva)

e bijetiva, salvo um numero finito de excecoes. Para isto, sera convenienteintroduzir algumas definicoes.

8.4. Definicao. Seja C ⊂ A2 uma curva afim irredutıvel, de equacao f = 0.Uma aplicacao ϕ : C → A1 e chamada regular ou polinomial se for igual arestricao de uma funcao polinomial A2 → A1, i.e., se existir um polinomiop(X, Y ) tal que ϕ(x, y) = p(x, y) para cada (x, y) ∈ C.

O conjunto das funcoes regulares de C forma um anel, que denotamos porA(C). Por definicao, temos um epimorfismo

K[X, Y ] � A(C)

que associa a cada polinomio, considerado como funcao A2 → A1, a suarestricao a C. Usualmente denotaremos pelo mesmo sımbolo tres coisas dis-tintas:

1o ) o polinomio p ∈ K[X, Y ];

2o ) a funcao polinomial p : A2 → A1; e

3o ) a sua restricao a C.

Nao ha confusao possıvel para as duas primeiras, pois sendo K um corpoinfinito, um polinomio e determinado pela funcao associada. Se necessario,escreveremos p para distinguir a restricao a C.

Page 105: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

8.2 Funcoes regulares e funcoes racionais 99

8.5. Lema. A(C) e um domınio isomorfo a K[X, Y ]/〈f〉.

Demonstracao. Um polinomio g se anula sobre a curva C somente se formultiplo de f . Com efeito, se g nao for multiplo de f , segue da proposicao[2.4, p. 20] que a intersecao e finita. Assim, o nucleo do epimorfismo definidopor restricao e justamente o ideal (f), o qual e um ideal primo pois f eirredutıvel e K[X, Y ] e fatorial. 2

8.6. Exemplos. (1) Se ` e uma reta, entao A(`) e isomorfo a um anel depolinomios em uma variavel. Precisamente, se ` e dada por Y = aX + b, aaplicacao

K[X, Y ] −→ K[X]h 7−→ h(X, aX + b)

e um epimorfismo com nucleo (f), onde f = Y − (aX + b). Logo,

A(`) ' K[X, Y ]/〈f〉 ' K[X].

(2) Se C e a hiperbole XY = 1, temos

A(C) ' {Xmp(X) |m ∈ Z, p(X) ∈ K[X]}.

Isto e, A(C) se identifica com o anel B das funcoes racionais cujos denomi-nadores sao potencias de X. Com efeito, temos um homomorfismo

K[X, Y ] −→ K(X)h(X, Y ) 7−→ h(X, 1/X)

cuja imagem e justamente o anel B acima descrito, e cujo nucleo e o ideal〈XY − 1〉. (Leitor: verifique!).

8.7. Definicao. O corpo das funcoes racionais de uma curva afim irredutıvelC e o corpo de fracoes K(C) do domınio A(C).

Cada elemento deK(C) pode ser escrito na forma p/q, onde p, q denotamfuncoes polinomiais restritas a C, com q 6= 0. Duas tais expressoes p/q, r/srepresentam a mesma funcao racional em K(C) se e so se a funcao regularps− qr e nula em C, ou equivalentemente, o polinomio ps−qr e multiplo def . Dizemos que a funcao racional ϕ ∈ K(C) e regular ou que esta definida noponto P ∈ C se ϕ admitir uma representacao p/q, com p, q ∈ A(C) e q(P ) 6=0. Denotemos por Cϕ o conjunto dos pontos de C onde ϕ e regular. Temosentao definida uma aplicacao, ainda denotada ϕ : Cϕ → A1, justificando anomenclatura “funcao racional” com que designamos os elementos de K(C).

Page 106: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

100 Curvas Racionais

8.7.1. Observacao. Em geral, o domınio de regularidade Cϕ e o comple-mentar de um subconjunto finito de C. (Leitor: justifique.)

Uma funcao regular obviamente e uma funcao racional que esta definida emtodos os pontos de C. A recıproca e o conteudo da seguinte

8.8. Proposicao. Se ϕ ∈ K(C) e uma funcao racional regular em cadaponto de C entao ϕ ∈ A(C), i.e., ϕ e regular.

Demonstracao. Seja

I = {q ∈ A(C) | qϕ ∈ A(C)}.

Pretendemos mostrar que a funcao constante 1 esta em I. E facil ver que I eum ideal de A(C). Portanto, supondo, por absurdo, que 1 6∈ I, entao I temque estar contido em algum ideal maximal de A(C). Ora, cada ideal maximalde A(C) = K[X, Y ]/(f) corresponde a um ideal maximal de K[X, Y ] quecontem f . Pelo Nullstellensatz (p. 30), concluirıamos que existe P ∈ C talque q(P ) = 0 para todo q ∈ I, contradizendo a regularidade de ϕ em P . 2

8.9. Exemplos. (1) Seja C o cırculo X2 + Y 2 = 1, e seja ϕ = Y−1X

. Estafuncao e certamente regular em cada (x, y) ∈ C com x 6= 0. No ponto(0, 1), ϕ tambem e regular, pois temos a nova representacao −X

Y+1= Y−1

X.

Mas no ponto (0,−1) ϕ nao e regular. (Leitor: por que?)

(2) Considere a cubica cuspidal C : Y 2 = X3. Sejam x = X, y = Y , ϕ =y/x = x2/y. O leitor deve verificar que Cϕ = C − {O}.

Este exemplo mostra que uma funcao racional pode nao admitir repre-sentacao na forma p/q que funcione em todos os pontos em que ela e regular.A propriedade da fatoracao unica em A(C) e o criterio responsavel pela ex-istencia de uma tal representacao. No exemplo (2), A(C) nao e um domıniofatorial. (Veja o exercıcio [124, p. 102].)

8.10. Proposicao. C e uma curva racional se e somente se seu corpo defuncoes racionais K(C) e K-isomorfo a um subcorpo de K(T ) (= corpo dasfuncoes racionais numa variavel T ).

Demonstracao. Suponhamos que K(C) e K-isomorfo a um subcorpo deK(T ). Sejam x(T ), y(T ) as imagens de X, Y ∈ K(C) em K(T ). Se x(T )for constante, entao X tambem e, acarretando X − a ∈ 〈f〉 para algumaconstante a ∈ K. Daı, visto que f , a equacao de C, e irredutıvel, concluımos

Page 107: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

8.2 Funcoes regulares e funcoes racionais 101

que f = X − a (a menos de fator constante). Logo, Y nao e constante,mostrando que x(T ) ou y(T ) e nao constante. Por fim, lembrando que f ezero em A(C), concluımos que f(x(T ), y(T )) = 0 em K(T ), ou seja, obtemosuma parametrizacao de C.

Reciprocamente, dada uma parametrizacao x(T ), y(T ) ∈ K(T ), temosdefinido um K-homomorfismo

ϕ : K[X, Y ] −→ K(T )h(X, Y ) 7−→ h(x(T ), y(T ))

que se anula em f . Afirmamos que o nucleo I de ϕ coincide com 〈f〉.Com efeito, se existir g ∈ I nao divisıvel por f , por (2.2, p. 19) podem-

se encontrar polinomios c(X), d(Y ) em I, nao nulos. Daı K[X, Y ]/〈c, d〉tem dimensao finita, e portanto sua imagem K[X, Y ]/I ' K[x(T ), y(T )], aK−subalgebra de K(T ) gerada por x(T ), y(T ), tambem e um K−espaco ve-torial de dimensao finita. Em particular, as funcoes 1, x(= x(T )), x2, . . . , xn

sao linearmente dependentes sobre K para algum inteiro n ≥ 1. Logo, xe algebrico sobre K, e portanto x ∈ K. Analogamente, y(T ) ∈ K, con-tradizendo a hipotese de que ao menos uma dessas funcoes era nao constante.

2

8.11. Exercıcios

120. Mostre que toda funcao regular nao constante ϕ ∈ A(C) admite nomaximo um numero finito de zeros, i.e., pontos P ∈ C onde ϕ(P ) = 0.

121. Seja C o grafico de uma funcao polinomial Y = p(X). Mostre queA(C) e isomorfo a K[X]. Reciprocamente, se A(C) e K−isomorfo a um anelde polinomios K[T ], sera C igual ao grafico de uma funcao, a menos de umamudanca de coordenadas?

122. Mostre queK[X, Y ]/(XY−1) (o anel das funcoes regulares da hiperbole)nao e isomorfo a K[X]. (Sugestao: quais sao os elementos invertıveis?)

123. Mostre que, se C e uma conica irredutıvel afim, entao A(C) e K−iso-morfo seja a K[X, Y ]/(XY − 1) ou a K[X]. A qual desses corresponde ocırculo C : X2 + Y 2 = 1? Defina as funcoes u = x + iy, v = x − iy no anelde coordenadas do cırculo. Mostre que ϕ = i(i − u)/(i + u) = (y − 1)/x.Compare com 8.9.

Page 108: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

102 Curvas Racionais

124. Seja A = K[X, Y ]/(Y 2−X3) o anel de coordenadas da cubica cuspidale sejam x = X, y = Y . Mostre que x, y sao elementos irredutıveis (i.e., sex (resp.y) = f · g em A entao f ou g e invertıvel em A) e nao associados emA (i.e., nenhum elemento invertıvel f ∈ A satisfaz a relacao y = x · f .

125. Seja C uma curva irredutıvel e seja ϕ ∈ K(C) uma funcao racionalnao constante. Mostre que o homomorfismo K[T ] → K(C) definido porp(T ) 7−→ p(ϕ) e injetivo e se estende a um isomorfismo do corpo das funcoesracionais K(T ) sobre o subcorpo K(ϕ) ⊂ K(C).

8.3 O teorema de Luroth

Suponhamos que a curva C seja racional. A inclusao de corpos,

K(C) ↪→ K(T )

fornecida pela proposicao anterior e dada pela substituicao X 7→ x(T ), Y 7→y(T ) em ϕ(X,Y ) = p(X, Y )/q(X, Y ), elemento de K(C). Esta substituicaoproduz a funcao racional p(x(T ), y(T ))/q(x(T ), y(T )) em K(T ), a qual estabem definida porque o denominador e 6= 0, uma vez que f nao divide q.

8.12. Definicao. Dizemos que a parametrizacao x(T ), y(T ) da curva C eboa se a inclusao

K(C) ↪→ K(T )ϕ(X, Y ) 7−→ ϕ(x(T ), y(T ))

e sobrejetora.

Isto equivale a requerer que exista ψ(X, Y ) ∈ K(C) tal que

ψ(x(T ), y(T )) = T.

8.13. Exemplo. A parametrizacao do cırculo obtida anteriormente,{x(T ) = (1− T 2)/(1 + T 2)y(T ) = 2T/(1 + T 2)

e boa, pois tomando ψ = Y/(X + 1) temos que ψ(x(T ), y(T )) = T .

8.14. Proposicao. Toda curva racional admite uma boa parametrizacao.

Page 109: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

8.3 O teorema de Luroth 103

Esse resultado e consequencia do

8.15. Teorema de Luroth. Seja L um subcorpo de K(T ) que contem K.Se L contem uma funcao nao constante (i.e. L 6= K) entao existe τ ∈ K(T )tal que L = K(τ).

Em outras palavras, existe uma funcao τ = τ(T ) tal que cada elemento de Le da forma ϕ(τ) para alguma ϕ ∈ K(T ).

Antes de procedermos com a demonstracao do teorema de Luroth, e ins-trutivo examinar, por exemplo, o subcorpo L = K(T 4, T 6) gerado pelasfuncoes T 4, T 6. Tomemos τ = T 2 = T 6/T 4 ∈ L. Agora note que T 4 =(τ)2, T 6 = (τ)3, donde L = K(τ).

Prova do teorema de Luroth. Notemos que K(T ) e uma extensaoalgebrica de L. Com efeito, se ϕ = a(T )/b(T ) ∈ L e nao constante, coma, b ∈ K[T ], vemos que T e raiz do polinomio a(X)− ϕb(X) ∈ L[X]. Logo,T e algebrico sobre L. Seja

p(X,T ) = a0(T )Xm + · · ·+ am(T ),

o polinomio mınimo de T sobre L, onde aj ∈ K[T ], a0 6= 0, aj/a0 ∈ L.Podemos supor MDC(a0, . . . , am) = 1. Seja i0 tal que

n = d◦ai0(T ) ≥ d◦aj(T ) para j = 0, . . . ,m.

Escolha j0 tal que ai0/aj0 6∈ K. (Leitor, justifique a lisura dessa escolha!)Definamos τ = ai0/aj0 . Note que o polinomio

τaj0(X)− ai0(X) ∈ L[X]

se anula em T e e de grau n em X. Logo, podemos estimar o grau daextensao,

[K(T ) : K(τ)] ≤ n.

Seja agora

q(X,T ) = aj0(X)ai0(T )− aj0(T )ai0(X).

Temos q(T, T ) = 0. Segue-se que p(X,T ) divide q(X,T ) em K[X,T ], diga-mos

p(X,T )r(X,T ) = q(X,T ).

Page 110: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

104 Curvas Racionais

Comparando graus com respeito a variavel T ,

d◦Tp = n ≤ d◦Tp+ d◦T r = d◦T q ≤ n.

Logo, r independe de T . Agora, r = r(X) divide q(X,T ); por simetria(vide definicao de q!) r(T ) tambem e fator de q(X,T ). Portanto, r(T ) dividep(X,T ). Mas por construcao, MDC(a0, . . . , am) = 1, donde r(T ) e constante.Logo m = n; concluımos a demonstracao observando as desigualdades,

n ≥ [K(T ) : K(τ)] ≥ [K(T ) : L] = m,

que implica K(τ) = L. 2

Para obtermos uma boa parametrizacao a partir de uma dada, x(T ), y(T ),basta aplicar o teorema de Luroth ao subcorpo K(x(T ), y(T )) ⊂ K(T ). De-duzimos K(x(T ), y(T )) = K(τ) e tomamos τ como novo parametro.

8.16. Exercıcios

126. Determine a equacao da curva parametrizada por x(T ) = T 6 − T 2 +1, y(T ) = T 2/(1 + T 2). Ache τ ∈ L = K(x(T ), y(T )) tal que L = K(τ).

127. Sejam x, y ∈ K(T ) funcoes racionais nao ambas constantes. Seja S ⊆A1 a intersecaodos domınios de regularidade (veja p. 100) de x e de y. Mostreque existem u, v ∈ K(T ) tais que a aplicacao de S em A2 definida port 7−→ (u(t), v(t)) e injetiva e sua imagem coincide com a imagem de t 7−→(x(t), y(t)), exceto para um numero finito de pontos. Se x, y sao polinomios,e possıvel encontrar u, v polinomios?

8.4 Curvas racionais projetivas

Observemos que a parte inicial da demonstracao do teorema de Lurothmostra, mais geralmente, que se x(T ), y(T ) ∈ K(T ) nao sao ambas cons-tantes, entao existe um polinomio f(X, Y ) nao constante tal que f(x(T ), y(T ))= 0. E claro que podemos supor f irredutıvel. Seja ψ a aplicacao dada porψ(t) = (x(t), y(t)). Note que ψ esta definida no complementar de um numerofinito de pontos de A1. A imagem de ψ esta contida na curva definida porf , podendo porem omitir alguns pontos.

Page 111: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

8.4 Curvas racionais projetivas 105

8.17. Exemplo. Consideremos a parametrizacao do cırculo,

ψ(t) = (1− t2

1 + t2,

2t

1 + t2).

O ponto (−1, 0) esta fora da imagem (verifique!). Se K = R ou C, podemosimaginar t→∞, e e claro que

limt→∞

ψ(t) = (−1, 0).

Mas em qualquer caso, temos um procedimento algebrico para fazert →∞: consideramos A1 ⊂ P1, como de habito, identificando t com (t : 1), eprocedemos analogamente para A2 ⊂ P2. Eis agora o passe de magica: aaplicacao

ψ : P1 −→ P2

(t : u) 7−→ (u2 − t2 : 2tu : u2 + t2)

coincide com ψ no domınio comum e fornece o valor

ψ(∞)def.= ψ(1 : 0) = (−1 : 0 : 1).

Observe que ψ estende ψ tambem aos pontos t = ±√−1, em que ambas as

coordenadas de ψ(t) nao estavam definidas.

8.18. Definicao. Uma aplicacao ψ : Pm → Pn e dita regular ou poli-nomial se existirem polinomios homogeneos do mesmo grau, ψ0, . . . , ψn ∈K[X0, . . . , Xm] tais que, ∀P = (x0 : · · · : xm) ∈ Pm,

ψ(P ) = (ψ0(P ) : · · · : ψn(P )).

Note que, em particular, os polinomios ψ0, . . . , ψn sao proibidos de admi-tir zero comum P ∈ Pm. O requerimento de que sejam homogeneos e domesmo grau se justifica para garantir que (ψ0(P ) : · · · : ψn(P )) independedas coordenadas homogeneas de P .

Deixamos a cargo do leitor a demonstracao da proposicao seguinte, gene-ralizando a discussao feita acima.

8.19. Proposicao. Sejam x1(T ), . . . , xn(T ) funcoes racionais. Seja U ⊂ A1

o maior subconjunto em que estao todas definidas. Entao existe uma unicaaplicacao polinomial ψ : P1 → Pn tal que

ψ(t : 1) = (x1(t) : · · · : xn(t) : 1) ∀t ∈ U .

Page 112: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

106 Curvas Racionais

Este resultado mostra que o conceito de parametrizacao racional de umacurva plana pode ser substituıdo, com vantagem, pelo conceito de aplicacaopolinomial P1 → P2. Com efeito, com este ultimo ponto de vista, por um ladodesaparecem as restricoes impostas a variacao do parametro e, por outro, aimagem agora e completa no seguinte sentido.

8.20. Proposicao. A imagem de uma aplicacao polinomial ψ : P1 −→ P2

nao constante e uma curva projetiva irredutıvel.

Demonstracao. Sejam ψ0, ψ1, ψ2 ∈ K[X0, X1] coordenadas de ψ. Se ψ2 =0, mostremos que ψ(P1) e igual a reta no infinito Z = 0. Com efeito, dadoQ = (y0 : y1 : 0) ∈ P2, o polinomio y1ψ0(X0, X1)− y0ψ1(X0, X1) admite raizP = (x0 : x1) ∈ P1, i.e.,

y1ψ0(x0 : x1) = y0ψ1(x0 : x1),

donde ψ(P ) = Q. Suponhamos agora ψ2 6= 0. Ponhamos{x(T ) := ψ0(T, 1)/ψ2(T, 1),y(T ) := ψ1(T, 1)/ψ2(T, 1).

Ao menos uma delas e nao constante. Seja f a curva racional assim para-metrizada (cf. observacao no inıcio do §8.4). Seja F = f ∗. Provaremos queF = ψ(P1). Seja

F (T, U) = F (ψ0(T, U), ψ1(T, U), ψ2(T, U)).

E facil ver que F (T, U) e um polinomio homogeneo nas indeterminadas T, U .Como F (T, 1) = 0, segue-se que F (T, U) = 0, ou seja, F contem ψ(P1).Para completar a demonstracao, analisemos a condicao para que um ponto(y0 : y1 : y2) ∈ P2 esteja em ψ(P1). Supondo y2 6= 0, a condicao

(y0 : y1 : y2) = (ψ0(t, u) : ψ(t, u) : ψ2(t, u))

se exprime na existencia de uma solucao (t : u) ∈ P1 para o sistema deequacoes {

y2ψ0(T, U) − y0ψ2(T, U) = 0,y2ψ1(T, U) − y1ψ2(T, U) = 0.

Ponhamos Gi = Y2ψi − Yiψ2, i = 0, 1. Temos dois polinomios homogeneosnas variaveis T, U , da forma

G0 = a0Tm + a1T

m−1U + · · ·+ amUm,

G1 = b0Tm + · · ·+ bmU

m,

Page 113: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

8.4 Curvas racionais projetivas 107

onde os ai, bj sao polinomios homogeneos de grau 1 nas novas variaveisY0, Y1, Y2. Esta e uma situacao tıpica da teoria da eliminacao: procuramoscondicoes sobre os coeficientes de dois polinomios para que admitam um zeroem comum. (No caso em pauta, G0, G1 sao homogeneos, mas o zero trivial,t = u = 0, nao interessa). Consideremos a resultante R = R(Y0, Y1, Y2) deG0(T, 1), G1(T, 1). Sabemos entao que, para cada y = (y0, y1, y2),

R(y) = 0⇐⇒{a0(y) = b0(y) = 0 ouG0(T, 1), G1(T, 1) admitem raiz comum t

Ora, se a0(y) = b0(y) = 0, temos G0(1, 0) = G1(1, 0) = 0. Concluımos que

R(y) = 0⇐⇒ (G0(t, u) = G1(t, u) = 0 para algum (t : u) ∈ P1).

Em resumo, a argumentacao acima mostra que

(y0 : y1 : 1) ∈ ψ(P1)⇐⇒ R(y0, y1, 1) = 0.

Em particular, ψ(P1) contem a curva afim R(Y0, Y1, 1) = 0. Lembrando queF e irredutıvel e ψ(P1) ⊂ F , concluımos que

(y0 : y1 : 1) ∈ ψ(P1)⇐⇒ (y0 : y1 : 1) ∈ F.

Repetindo o argumento com y0 ou y1 no lugar de y2, segue que ψ(P1) = F .2

8.21. Definicao. Uma curva projetiva e racional se for igual a imagem deuma aplicacao polinomial nao constante P1 −→ P2.

O leitor deve verificar que esta definicao e consistente com a definicao 8.1.Precisamente, deixamos como exercıcio a prova da seguinte

8.22. Proposicao.

(i) Seja f uma curva afim. Entao f e racional se e so se seu fecho projetivof ∗ e racional.

(ii) Seja F uma curva projetiva. Entao F e racional se e so se F∗ e racional(ou vazia!).

8.23. Exercıcios

Page 114: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

108 Curvas Racionais

128. Demonstre as proposicoes 8.19 e 8.22.

129. Sejam ψ0, ψ1, ψ2 ∈ K[X,Y ] polinomios homogeneos de grau 2, linear-mente independentes. Mostre que nao admitem fator comum, e que a imagemda aplicacao polinomial que definem de P1 em P2 e uma conica nao singular.Toda conica nao singular e imagem de uma tal aplicacao.

130. Mostre que toda cubica singular irredutıvel e racional.

131. Mostre que toda aplicacao polinomial bijetiva P1 → P1 e do tipo (x :y) 7−→ (ax+ by : cx+ dy) com a, b, c, d constantes tais que ad− bc 6= 0.

132. Sejam p, q, r ∈ K[T ] tais que MDC(p, q, r) = 1 e p/r, q/r e uma boaparametrizacao da curva racional f . Mostre que d◦f = max{d◦p, d◦q, d◦r}.(Sugestao: Se A,B,C sao indeterminadas, entao Ap+Bq+Cr e irredutıvelem K[A,B,C, T ]; conclua que as raızes de ap(T ) + bq(T ) + cr(T ) sao todasdistintas para “quase todo” (a : b : c) ∈ P2).

133. Mostre que a multiplicidade de um ponto de uma curva racional e igualao numero de valores do parametro que lhe correspondem numa parametrizacaodo tipo descrito no exercıcio anterior, contando esses valores com multiplici-dades convenientemente definidas.

8.5 O genero virtual

Veremos nesta secao um criterio numerico para que uma curva seja racional.

8.24. Definicao. O genero virtual de uma curva projetiva F sem compo-nentes multiplas e o numero inteiro

gv = gv(F ) =(d− 1)(d− 2)

2−

∑P

mP (mP − 1)/2,

onde d = d◦F e mP = mP (F ) e a multiplicidade de P em F .

O somatorio e finito pois sabemos que mP = 1 exceto para o numero finitode pontos singulares de F .

8.25. Exemplos. 1) O genero virtual de uma reta ou de uma conica irre-dutıvel e zero.

Page 115: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

8.5 O genero virtual 109

2) Se F e a cubica Y 2 = X3, temos gv = 0.

3) Considere a curva Y 2 = X5. Os pontos singulares sao (0 : 0 : 1) e (0 : 1 : 0)com respectivas multiplicidades iguais a 2 e 3. Logo,

gv =(5− 1)(5− 2)

2− 1− 3 = 2.

8.26. Proposicao. Seja F uma curva irredutıvel. Entao temos,

(i) gv(F ) ≥ 0;

(ii) gv(F ) = 0⇒ F e racional.

Observemos que a recıproca de (ii) nao e valida, pois no terceiro exemploacima a curva e evidentemente racional (fazer x = T 2, y = T 5), emboragv = 2 > 0.

Na realidade, o genero virtual e apenas uma aproximacao grosseira domais importante numero associado a uma curva, o genero geometrico. Esteultimo coincide com gv(F ) quando as singularidades de F sao apenas pontosmultiplos ordinarios. Deixamos como exercıcio 135 uma recıproca parcial,mostrando que gv = 0 se F e racional e seus pontos singulares sao todosordinarios.

Prova da proposicao 8.26. Examinemos inicialmente um caso simples.Uma cubica irredutıvel nao admite ponto triplo, pois teria que conter a retaque une qualquer outro de seus pontos ao ponto triplo; similarmente, tambemnao admite dois pontos duplos distintos. Por outro lado, se a cubica admitirum ponto duplo P0, consideremos o feixe das retas que passam por P0. SeL0, L∞ sao duas dessas, as demais retas do feixe sao da forma Lt = L0 +tL∞para um valor conveniente de t. O ponto P0 absorvendo duas intersecoes,cada Lt destaca sobre a cubica um unico ponto adicional, cujas coordenadasse expressam como funcao racional de t.

Para o caso geral, devemos considerar curvas de grau suficientementegrande passando por todos os pontos singulares de F .

Precisamente, seja d = d◦F . Os casos d = 1, 2 dispensando maiorescomentarios, suponhamos d ≥ 3. Sejam P1, . . . , Ps os distintos pontos singu-lares de F , com mi = mPi

(F ) ≥ 2.Vamos estudar a colecao das curvas de um certo grau n que passam por

cada Pi com multiplicidade ≥ mi − 1. Denotemos por Sn o conjunto detodas as curvas projetivas planas de grau n. Podemos identificar Sn com

Page 116: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

110 Curvas Racionais

um espaco projetivo PN , com N = n(n + 3)/2, associando a cada curvaG = ΣaijX

iY jZn−i−j o ponto (a00 : a01 : · · · : an0), os ındices i, j satisfazendoi, j ≥ 0, i+ j ≤ n, ordenados de alguma maneira. Seja

Son = {G ∈ Sn | mPi(G) ≥ mi − 1, i = 1, . . . , s}.

Ora, a imposicao de que um dado ponto seja m-uplo sobre uma curva traduz-se num sistema de

(m+1

2

)equacoes lineares homogeneas nos coeficientes do

polinomio que define a curva. Assim, Son identifica-se a um subespaco proje-tivo de PN , com a dimensao

dimSon ≥ N −∑

(mi2 ) =: Nn.

Tomando n = d− 1, calculamos

2Nd−1 = (d− 1)(d+ 2)−∑mi(mi − 1)

= 2gv + 4(d− 1)≥ d(d− 1)−

∑mi(mi − 1).

Esta ultima quantidade e ≥ 0. Com efeito, aplicando o teorema de Bezout aF, FX , encontramos

d(d− 1) =∑

(F, FX)P .

Mas e facil ver que mPi(FX) ≥ mi − 1, donde (F, FX)Pi

≥ mi(mi − 1).Tendo verificado que Nd−1 e ≥ 0, podemos concluir que existe uma curva

G ∈ Sod−1, de grau d−1, satisfazendo ainda as condicoes adicionais de passarpor Nd−1 pontos de F , distintos dos Pi. Aplicando Bezout, resulta

d(d− 1) ≥∑

mi(mi − 1) +Nd−1.

Daı vemgv = Nd−1 − 2(d− 1)≤ (d− 1)(d− 2)−

∑mi(mi − 1) = 2gv

donde gv ≥ 0, completando a demonstracao de (i).Suponhamos agora gv = 0. Fazendo n = d− 2, calculamos

Nd−2 = d− 2.

Escolhamos d− 3 novos pontos Qj ∈ F , e consideremos

S ′ = {G ∈ Sod−2|Qj ∈ G, j = 1, . . . , d− 3},

Page 117: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

8.5 O genero virtual 111

que e obtido a partir de Sod−2 pela imposicao de d−3 novas equacoes lineares.Temos entao

dimS ′ ≥ 1.

Afirmamos que dimS ′ = 1. Com efeito, se dimS ′ ≥ 2, entao poderıamosforcar algum G ∈ S ′ a passar por mais dois pontos de F , distintos dos pontosfixos ja considerados. Contando os pontos de G ∩ F , obterıamos

d(d− 2) ≥∑

mi(mi − 1) + d− 3 + 2

donde

0 = (d− 1)(d− 2)−∑

mi(mi − 1) ≥ 1 !!!

Em resumo, existem G0, G1 ∈ S ′ tais que todo elemento de S ′ e da forma

x0G0 + x1G1, para algum (x0 : x1) ∈ P1,

i.e., S ′ e um feixe (i.e., famılia linear a um parametro de curvas).Vamos mostrar que e possıvel parametrizar F empregando esse feixe. Seja

C ′ o complementar de G0 ∩ F∗ na curva afim C = F∗. (Em particular, C ′

exclui os pontos Pi, Qj). Seja ϕ a funcao racional definida por

ϕ : C ′ −→ A1 ⊂ P1

P 7−→ ϕ(P ) = −G1(P )/G0(P ).

Por construcao, ϕ(P )G0 + G1 e a unica curva de grau d − 2 que passa porP , pelos Qj, e por cada Pi com multiplicidade ≥ mi − 1. Notemos que ϕe injetiva, do contrario existiria G ∈ S ′ contendo dois pontos alem dos jafixados. Em particular, ϕ e nao constante, acarretando que o subcorpo K(ϕ)de K(C) gerado por ϕ e isomorfo ao corpo das funcoes racionais de umavariavel (veja o exercıcio [125, p. 102]). Para concluirmos que C, e portantoF , e racional, e suficiente provarmos que K(C) = K(ϕ). E o que resulta doproximo lema.

8.27. Lema. Seja C uma curva irredutıvel e seja ϕ ∈ K(C) uma funcaoracional nao constante. Seja m = [K(C) : K(ϕ)]. Entao, exceto para umnumero finito de valores t ∈ K, a equacao ϕ(P ) = t admite exatamente msolucoes distintas. Em particular, se C admitir uma funcao racional injetivaentao C e racional.

Page 118: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

112 Curvas Racionais

Demonstracao. Lembremos que K(C) e gerado sobre K pelas restricoesX, Y , ou seja, K(C) = K(X, Y ). Sem perda de generalidade, podemos suporX 6∈ K. Mostremos que X, Y sao algebricas sobre K(ϕ).

Com efeito, ϕ nao e algebrico/K, pois K e algebricamente fechado eϕ 6∈ K. Se, por absurdo, X nao fosse algebrico sobre K(ϕ), entao paratodo p ∈ K(ϕ)[T ], p 6= 0, terıamos p(X) 6= 0. Equivalentemente, para todop ∈ K[T, U ], se p 6= 0 entao p(ϕ, X) 6= 0. Assim, ϕ nao seria algebrico sobreK(X). Visto que Y e algebrico sobre K(X) (ja que f(X, Y ) = 0, onde fdenota a equacao de C), deduzirıamos que ϕ nao e algebrico sobre K(X, Y ),contradicao. Concluımos que K(X, Y ) e uma extensao algebrica finita deK(ϕ).

Apliquemos o teorema do elemento primitivo: existe ψ ∈ K(X, Y ) talque

K(X, Y ) = (K(ϕ))(ψ) = K(ϕ, ψ).

Em particular, existem funcoes racionais α, β de duas variaveis tais que

X = α(ϕ, ψ), Y = β(ϕ, ψ).

Escrevamos o polinomio mınimo de ψ sobre K(ϕ) na forma

g(T, U) = a0(T )Um + · · ·+ am(T ), ai ∈ K[T ], a0 6= 0.

Assim, g(ϕ, ψ) = 0, e o grau m coincide com o grau da extensao K(X, Y ) =K(ϕ, ψ) sobre K(ϕ).

Seja D a curva definida no plano (t, u) pela equacao g(T, U) = 0. Porconstrucao de D, o K−homomorfismo de K[T, U ] em K(X, Y ) definido porh(T, U) 7→ h(ϕ, ψ) induz uma inclusao do anel de funcoes regulares A(D)em K(X, Y ) e por fim, o K-isomorfismo K(T , U)'K(X, Y ). Este ultimoisomorfismo associa a X, Y as funcoes α(T , U), β(T , U) respectivamente.

Sejam C0 e D0 os maiores subconjuntos de C e D em que as funcoesracionais ϕ, ψ e α, β estao definidas. Consideremos as aplicacoes

π : C0 −→ D e χ : D0 −→ Cdefinidas por

(x, y) 7−→ (ϕ(x, y), ψ(x, y)) e (t, u) 7−→ (α(t, u), β(t, u)).Desprezando mais um numero finito de pontos, podemos supor que π(C0) ⊆D0 e χ(D0) ⊆ C0. Lembrando a definicao do isomorfismo K(D)'K(C),verifica-se facilmente que π e χ sao inversas uma da outra. Em particular,observemos que ϕ(χ(t, u)) = t para todo (t, u) ∈ C0. Desta maneira, resolver

Page 119: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

8.5 O genero virtual 113

a equacao ϕ(x, y) = t com (x, y) ∈ C0 e agora equivalente a resolver a equacao

g(t, U) = 0.

Descontando os valores de t que anulam a0(T ) ou que ocorrem em pontosde intersecao de g(T, U) com gU(T, U) (derivada parcial com respeito a U),obtemos m solucoes distintas. 2

Um comentario: o teorema do elemento primitivo nos permite substituira curva C por outra curva D, com o mesmo corpo de funcoes racionais, detal sorte que a funcao ϕ e substituıda pela projecao D 3 (t, u) 7−→ t.

8.28. Exemplo. Consideremos a lemniscata C : (X2 + Y 2)2 = X2 − Y 2.Seus pontos singulares sao (0 : 0 : 1) e (1 : ±i : 0), todos duplos. Logo,gv = 0. Apliquemos o procedimento da demonstracao para construir umaparametrizacao. Devemos considerar o feixe das conicas passando por essestres pontos e por um quarto ponto adicional, e.g., (1 : 0 : 1). Sejam G0 =XZ, G1 = X2 + Y 2 − XZ. Entao o feixe {x0G0 + x1G1|(x0 : x1) ∈ P1}e a totalidade das conicas que contem os quatro pontos. A parametrizacaoprocurada sera obtida achando a funcao inversa de

ϕ(x, y) = (x− x2 − y2)/y, (x, y) ∈ Cϕ.

Substituımos x − x2 − y2 = ty na equacao da lemniscata. Desprezandosolucoes provenientes dos pontos fixos, encontramos{

y = 2tx/(t2 + 1)x = (t4 − 1)/((t2 + 1)2 + 4t2),

que da a parametrizacao procurada.

8.29. Exercıcios

134. Ache uma parametrizacao para (X2 + Y 2)2 = XY .

135. O objetivo deste exercıcio e provar que, se F e uma curva projetivaracional cujas singularidades sao apenas pontos multiplos ordinarios, entaogv(F ) = 0. a) Mostre que existem x, y, z ∈ K[T ] com MDC(x, y, z) =1 e F (x, y, z) = 0 em K[T ] e tal que t 7−→ Pt = (x(t) : y(t) : z(t)) euma bijecao do complementar U ⊂ A1 de um numero finito de pontos sobreo complementar C ⊂ F de um numero finito de pontos. b) Desprezando

Page 120: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

114 Curvas Racionais

mais um numero finito de pontos, prove que a equacao da reta tangente a Fem Pt e, para t ∈ U , dada por∣∣∣∣∣∣

X Y Zx(t) y(t) z(t)x(t) y(t) z(t)

∣∣∣∣∣∣ = 0.

(Sugestao: use a formula de Euler e derive F (x, y, z) com relacao a T paramostrar que FX , FY , FZ (calculadas em Pt) sao proporcionais aos menores dasduas ultimas linhas). c) Seja P = (x0 : y0 : z0) um ponto fora das tangentesaos pontos singulares de F e das tangentes aos pontos correspondentes avalores excepcionais de t (i .e., t 6∈ U). Mostre que F ∩F P contem, alem dospontos singulares, os pontos Pt em que t e raiz do polinomio∣∣∣∣∣∣

x0 y0 z0

dx− tx dy − ty dz − tzx y&z

∣∣∣∣∣∣ , onde d = d◦F.

d) Mostre que o grau deste ultimo polinomio e no maximo 2d− 2. e) Use oexercıcio [109, p. 92] para concluir a relacao

d(d− 1) ≤ ΣmQ(F )(mQ(F )− 1) + 2d− 2,e daı, gv = 0.

136. Mostre que toda curva racional projetiva de grau ≥ 3 e singular. Noentanto, existem curvas racionais afins nao singulares de grau arbitrario.

8.6 Aplicacao ao calculo integral

Vamos aplicar a propriedade caracterıstica das curvas racionais ao calculo deintegrais de certas funcoes algebricas.

Dizemos que uma funcao y = ϕ(x) definida e contınua numa vizinhancade um ponto x0 ∈ K (K = R ou C) e algebrica se existir um polinomionao constante f tal que f(x, ϕ(x)) = 0 no domınio de ϕ. (Por exemplo,ϕ(x) =

√x e algebrica.)

Tomando f irredutıvel, o polinomio fica determinado a menos de fatorconstante e dizemos entao que f e a equacao de ϕ, ou que ϕ e definida porf(X, Y ) = 0.

Eis a questao que queremos abordar: sob que condicoes a integral∫ϕ(x)dx

e exprimıvel por funcoes elementares?

Page 121: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

8.6 Aplicacao ao calculo integral 115

Nao e nosso objetivo aqui explorar em profundidade esse problema. Va-mos nos contentar com a discussao de um caso simples.

De inıcio, esclarecamos o significado de “funcao elementar”.Chamaremos de funcao elementar da funcao algebrica ϕ(x) a uma com-

binacao linear de funcoes do tipo ψ(x, ϕ(x)) ou log(ψ(x, ϕ(x)), onde ψ denotauma funcao racional de duas variaveis.

8.30. Proposicao. Seja y = ϕ(x) uma funcao algebrica definida por umaequacao polinomial f(X, Y ) = 0. Se a curva definida por f e racional, entaoa integral

∫χ(x, ϕ(x))dx e uma funcao elementar de ϕ(x) para toda funcao

racional χ.

Demonstracao. Seja x(T ), y(T ) uma boa parametrizacao de f . Assim,salvo um numero finito de excecoes, cada ponto (a, b) ∈ f e da forma a =x(t), b = y(t) para um unico valor t. Segue-se que ϕ(x(t)) = y(t) paraquase todo t em que o primeiro membro esta definido. Portanto, a integral∫χ(x, ϕ(x))dx calcula-se por substituicao, fazendo x = x(T ), dx = xdT . A

integral se transforma numa do tipo∫ p(T )

q(T )dT , onde p, q sao polinomios. Se

q(T ) = (T − c1)m1 · · · (T − cs)ms , onde os ci ∈ C sao dois a dois distintos,podemos escrever a expansao em fracoes parciais,

p(T )

q(T )= r(T ) +

s∑i=1

mi∑j=1

aij(T − ci)−j,

onde r(T ) e um polinomio e os aij sao constantes. A integral de uma funcaodesse tipo e claramente da forma ψ(T )+Σai1 log(T−ci), onde ψ(T ) e racional.Lembrando que T = ξ(x(T ), y(T )) para alguma funcao racional ξ, vemos quee possıvel expressar o resultado final em termos de uma funcao elementar deϕ(x). 2

8.31. Exemplo. Calcular∫ ϕ(x)

x+1dx, onde ϕ(x) e definida por Y 2−X2+X3 =

0. Temos a parametrizacao{x(T ) = T 2 − 1y(T ) = T (T 2 − 1).

Logo, ∫ϕ(x)

x+ 1dx =

∫(T 2 − 1)T

T 2 − 1 + 1· 2TdT =

Page 122: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

116 Curvas Racionais

= 2

∫(T 2 − 1)dT = 2(

T 3

3− T ) =

=2

3((ϕ(x)

x)3 − 3

ϕ(x)

x),

levando em conta a relacao T = y/x = ϕ(x)/x).

8.7 Curvas de Bezier

O leitor ja deve ter visto em curso elementar de Calculo ou Algebra Lineara tecnica de interpolacao de Lagrange: dados os pontos (x1, y1), . . . , (xd, yd),procura-se um polinomio, p(x), de grau mınimo tal que p(xi) = yi ∀ i =1 . . . d. Estamos supondo evidentemente xi 6= xj para i 6= j. A solucao seexprime na forma

p(x) =∑i

yi

∏j 6=i(x− xj)∏j 6=i(xi − xj)

,

combinacao linear de polinomios de grau d− 1.As curvas de Bezier servem a um proposito semelhante, com certas van-

tagens computacionais e esteticas. Sao dados novamente d pontos distintos,P1 = (x1, y1), . . . , Pd = (xd, yd), mas agora contentamo-nos com uma curvaracional que se “ajuste visualmente” a distribuicao grafica dos pontos. Pre-cisamente, a curva racional procurada passa pelas extremidades P1 e Pd, comtangentes nestes pontos contendo os segmentos P1P2 e Pd−1Pd. Os demaispontos servem de controle; a curva construıda nao e obrigada a passar poreles, mas segue o esboco delineado pela distribuicao ordenada dos pontos.

A parametrizacao e obtida de forma recursiva. Inicializamos com a poli-gonal formada pelos d− 1 segmentos,

σ11(t) = (1− t)P1 + tP2,

...σ1d−1(t) = (1− t)Pd−1 + tPd.

Nas etapas seguintes, cada par de poligonais consecutivas e substituıda poruma interpolacao, em geral formando uma parabola:

σ21(t) = (1− t)σ1

1 + tσ12,

...σ2d−2(t) = (1− t)σ1

d−2 + tσ1d−1.

Page 123: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

8.7 Curvas de Bezier 117

Na ultima etapa, restam duas parametrizacoes σd−21 , σd−2

2 , de graus ≤ d− 2.Repetindo a interpolacao, resulta σd−1

1 = (1−t)σd−21 +tσd−2

2 , de grau ≤ d−1.

8.32. Exemplo. Considere os pontosP1 = (−1, 1), P2 = (0, 0), P3 = (−1.2,−1.2), P4 = (2,−1.5).

Na primeira rodada, tracamos as tres poligonais dadas parametricamentepor,

σ11(t) = (t− 1,−t+ 1), σ1

2 = (−1.2t,−1.2t), σ13 = (3.2t− 1.2,−0.3t− 1.2).

Na proxima etapa, obtemos

σ21(t) = (−2.2t2 + 2t− 1,−0.2t2 − 2t+ 1), σ2

2 = (4.4t2 − 2.4t, 0.9t2 − 2.4t).

Por fim,

σ3(t) = (6.6t3 − 6.6t2 + 3t− 1, 1.1t3 − 0.6t2 − 3t+ 1).

·····························

◦◦◦◦◦◦◦◦◦◦◦◦◦◦◦◦◦◦◦◦◦◦◦◦◦◦◦◦◦◦◦◦◦◦◦◦◦◦◦◦

••

.

........................

........................

........................

........................

........................

........................

........................

...................................

......

.

........................................

.

.........................................................................................................................................................................................................

.

........................................

...................................

.......

......................................................................................................................................................................................................

......................................................................................................................................................................................................

...................

.........................................

..................

......................

.......... ......... ......... ................................................................................................................................................................... ........ ........ ......... ......... ........... ........... ............ ............ .............. .............. ................ ................. .................. ................... ..................... ......................

figura 8.3

Essas curvas sao amplamente utilizadas em computacao grafica. Foramintroduzidas e empregadas pelo engenheiro frances Pierre Bezier, da fabricaRenault, no projeto de carrocerias por volta de 1970.

8.33. Exercıcios

137. Verifique no exemplo acima que as parabolas σ21(t), σ

22(t) sao de fato

tangentes a poligonal nos pontos indicados. Idem para σ3.

138. Se tres pontos consecutivas quaisquer nao forem colineares, mostre quecada σ2

i na recursao acima e de grau dois. Generalize!

Page 124: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

118 Curvas Racionais

Page 125: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

Capıtulo 9

Cubicas nao Singulares

9.1 Conexoes inesperadas

Este ultimo topico e um notavel ponto de confluencia de ramos da Matematicatao diversos na aparencia como a Algebra, a Geometria, a Analise e a Teoriados Numeros.

O fato central na geometria de uma cubica nao singular F reside naestrutura de grupo definida a partir da correspondencia que associa a cadapar de pontos P,Q ∈ F , o terceiro ponto de intersecao da reta PQ com F .

Essa estrutura de grupo sintetiza uma grande riqueza de informacoes.Dela podemos deduzir, por exemplo, que a reta que liga dois pontos deinflexao encontra a cubica num terceiro ponto de inflexao. Utilizamos estefato para mostrar que a classe de congruencia de F (i.e., a colecao das cubicasobtidas de F por uma projetividade) e determinada por uma certa constante,chamada o modulo de F .

Quando K = C, a estrutura de grupo esta intimamente ligada a teoriadas funcoes elıpticas. Embora o estudo desse aspecto analıtico fuja aos nossospropositos, nao resistimos ao impulso de mencionar, ao menos de passagem,algumas das conexoes mais surpreendentes. (O aluno com bom espırito deiniciativa encontrara os detalhes nas referencias bibliograficas).

(1) Associada a cada cubica nao singular F : Y 2 = X3 + aX + b, existeuma funcao meromorfa nao constante ℘(z), satisfazendo a equacao diferencial

℘′(z)2 = ℘(z)3 + a℘(z) + b.

(2) ℘(z) e uma funcao elıptica, i.e., existe um subgrupo aditivo 〈ω1, ω2〉 ⊂C gerado por dois numeros complexos ω1, ω2 linearmente independentes sobre

Page 126: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

120 Cubicas nao Singulares

R tal que ℘(z + ω) = ℘(z) se e so se ω ∈ 〈ω1, ω2〉. Diz-se entao que ℘(z) eduplamente periodica, com perıodos m1ω1 +m2ω2, mi ∈ Z.

(3) A aplicacao z 7→ (℘(z) : ℘′(z) : 1) induz um isomorfismo do grupoaditivo C/〈ω1, ω2〉 sobre F .

(4) Topologicamente, C/〈ω1, ω2〉 e isomorfo a R2/Z2 = (R/Z) × (R/Z) =S1×S1, produto de dois cırculos. Assim, uma cubica nao singular se identificacom um toro!

(5) O modulo de F , mencionado acima, expressa-se como funcao dosperıodos de ℘(z).

Quando a cubica F e definida por uma equacao a coeficientes inteiros(e.g., a cubica do “ultimo teorema de Fermat”, X3 + Y 3 = Z3), e naturalperguntar se existem pontos racionais, i.e., com coordenadas homogeneasnumeros racionais (ou equivalentemente, numeros inteiros). Infelizmente,nao se conhece criterio algum para decidir, em geral, se uma cubica possuiou nao pontos racionais. Ha exemplos em que nao existe nenhum tal ponto.

Pelo lado mais positivo, pode-se mostrar que, se F possui um pontoracional, entao F e congruente a uma cubica (ainda definida sobre Z) comum ponto de inflexao racional.

Tomando-se um tal ponto de inflexao como elemento neutro para a estru-tura de grupo (cf. proposicao [9.16, p. 130]), o conjunto dos pontos racionaisforma um subgrupo finitamente gerado de F (teorema de Mordell) Veja asfascinantes notas escritas por J. Tate e expandidas no livro [32] contendouma demonstracao deste teorema.

Nao poderıamos deixar de citar o papel central que tais curvas desempen-ham na demonstracao do ultimo teorema de Fermat. O leitor deve consultaro artigo expositorio de Gouvea [16]. Mencionemos por fim as aplicacoes emcriptografia, cf. Blake et al.[3], Koblitz[23].

Bem, aqui vamos nos restringir apenas a classificacao projetiva e as pro-priedades mais simples ligadas a estrutura de grupo de uma cubica nao sin-gular. Procuramos dosar a necessidade de introduzir novos conceitos geraiscom aplicacoes diretas ao estudo dessas curvas.

9.2 Forma normal

Duas retas quaisquer sao congruentes por uma projetividade. Similarmente,e um facil exercıcio mostrar que, a menos de projetividade, so ha um tipode conica nao degenerada. Tambem so ha um tipo de cubica nodal e outro

Page 127: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

9.2 Forma normal 121

cuspidal.Para cubicas nao singulares, porem, a classificacao e bem diferente: existe

um tipo para cada elemento do corpo K!Precisamente, mostraremos neste paragrafo que a cada cubica F nao sin-

gular esta associado um invariante j ∈ K, o qual determina a classe decongruencia de F .

9.1. Proposicao. Toda cubica nao singular e congruente por uma projetivi-dade a uma cubica do tipo

ZY 2 = X(X − Z)(X − λZ)

para alguma constante λ ∈ K, λ 6= 0, 1.

Demonstracao. Sabemos, em vista das formulas de Plucker, que umacubica nao singular F admite pontos de inflexao (nove ao todo). Tomamos(0 : 1 : 0) como um deles, com tangente Z = 0. Podemos ainda supor que(0 : 0 : 1) ∈ F , com tangente X = 0. Temos entao F ja na forma

F = X3 + Z(aX2 + bXY + cY 2) + dZ2X,

com d 6= 0 6= c (senao F seria divisıvel por X). Substituindo Y por Y/√c,

podemos supor c = 1. Substituindo Y por Y − bX/2, podemos supor b = 0.Assim, ja reduzimos F a forma

F = X3 + Z(Y 2 + aX2) + bXZ2

com novos a, b, este ultimo 6= 0 (senao (0 : 0 : 1) seria um ponto singular).Seja α uma raiz de X2 + aX + b. Substituindo X por αX vem

F = ZY 2 + α3X(X − Z)(X − λZ).

Finalmente, substituindo Y por (−α)3/2Y e cancelando, obtemos a formanormal do enunciado. 2

Quao bem determinado e o parametro λ?

Ponhamos, para cada λ 6= 0, 1,

Fλ = ZY 2 −X(X − Z)(X − λZ),

Λ(λ) = {λ, 1λ, 1− λ, 1

1−λ ,λ−1λ, λλ−1}.

Page 128: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

122 Cubicas nao Singulares

9.2. Proposicao. Duas cubicas Fλ, Fµ sao congruentes se e somente seΛ(λ) = Λ(µ).

Demonstracao. Mostremos inicialmente que existem projetividades S, Ttais que

S•Tλ = F1−λ e T•Fλ = F1/λ.

Com efeito, basta definir S•, T• pelas condicoes:

S• :

X 7−→ X − Z ,Y 7−→

√−1Y ,

Z 7−→ −Z,e T• :

X 7−→ λX ,Y 7−→ λ3/2Y,Z 7−→ Z.

Substituindo λ por 1−λ ou 1/λ, segue-se que, para cada µ ∈ Λ(λ), podemosobter uma projetividade que leve Fλ em Fµ.

Para a recıproca, seja U uma projetividade tal que U•Fµ = Fλ. O pontode inflexao (0 : 1 : 0) ∈ Fµ e transformado em um ponto de inflexao U(0 : 1 :0) ∈ Fλ. Admitamos, por um momento, conhecido o seguinte

Fato: Se P,Q sao pontos de inflexao de uma cubica nao singular F entaoexiste uma projetividade M tal, que M•F = F e MP = Q.

Continuando com a argumentacao, ja podemos supor que U(0 : 1 : 0) =(0 : 1 : 0). Agora os tres pontos de contato das retas tangentes a Fµ passandopor (0 : 1 : 0) sao transladados sobre os respectivos de Fλ. Isto e: U aplica{(0 : 0 : 1), (1 : 0 : 1), (µ : 0 : 1)} sobre {(0 : 0 : 1), (1 : 0 : 1), (λ : 0 : 1)}.

Alem disso, U deixa invariante a tangente inflexional Z = 0, bem como areta Y = 0. Identificando esta ultima com P1, obtivemos uma projetividadede P1 (i.e., uma aplicacao da forma (x : y) 7→ (ax+ by : cx + dy) que fixa oponto no infinito (1 : 0) (identificado com a intersecao de Y = 0 e Z = 0), eque aplica {(0 : 1), (1, 1), (µ : 1)} sobre {(0 : 1), (1 : 1), (λ : 1)}.

Nessas circunstancias, o leitor nao tera dificuldade em concluir que µ ∈Λ(λ). Isto completa a demonstracao, a menos da justificativa do fato acima,a qual sera feita oportunamente [9.18, p. 131]. 2

9.3. Definicao. O modulo da cubica Fλ = ZY 2 − X(X − Z)(X − λZ) edado por

J(λ) =27

4

(1− λ+ λ2)3

λ2(1− λ)2.

O leitor deve verificar que J e constante sobre cada Λ(λ) e que, de fato,

J(λ) = J(µ)⇔ Λ(λ) = Λ(µ).

Page 129: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

9.3 Funcoes racionais 123

Em conclusao, segue-se que duas cubicas nao singulares sao projetivamenteequivalentes, (i.e., congruentes por uma projetividade) se e so se elas temo mesmo modulo! Na realidade, o modulo de uma cubica e um invariantemais fino. Pode-se demonstrar que duas cubicas nao singulares tem o mesmomodulo se e somente se seus corpos de funcoes racionais sao K-isomorfos.

9.4. Exercıcios

139. Reduza X3 + Y 3 + Z3 = 0 a forma normal da proposicao [9.1, p. 121].

140. Ache a equacao de uma cubica F tal que (0 : 1 : 0) e um ponto deinflexao com tangente Z = 0 e tal que os pontos (−1 : 0 : 1), (0 : 0 : 1) saoos pontos de contato das retas tangentes a F passando por (0 : 1 : 0).

141. Mostre que Λ(λ) consiste em seis elementos distintos, exceto se λ ∈{−1, 1/2, 2} ou se λ2 − λ+ 1 = 0. Mostre que J(λ) = J(µ)⇔ Λ(λ) = Λ(µ).

142. Seja C ⊂ P2 um conjunto de nove pontos distintos com a propriedadede que a reta que une dois quaisquer contem um e so um terceiro. Mostreque existe uma projetividade que leva C no conjunto dos pontos,

(0 : 1 : −1), (−1 : 0 : 1), (1 : −1 : 0)(0 : 1 : a), ( a : 0 : 1), (1 : a : 0)(0 : 1 : b), ( b : 0 : 1), (1 : b : 0),

onde a, b sao as raızes de X2 − X + 1. (O grupo das simetrias dessa con-figuracao e discutido em [20], [26]).

143. Mostre que toda cubica nao singular e congruente a uma do tipo Gc =X3 + Y 3 + Z3 + 3cXY Z. Mostre que Gc contem os nove pontos acimadefinidos e que Gc e singular se e so se c =∞, −1, a ou b, quando entao elase degenera na uniao de tres retas.

9.3 Funcoes racionais

As propriedades mais interessantes de uma cubica nao singular estao direta-mente relacionadas com sua estrutura de grupo mencionada na introducao.Para estuda-las, sera conveniente fazer uma digressao, introduzindo mais al-guns conceitos importantes.

Page 130: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

124 Cubicas nao Singulares

9.5. Definicao. O anel homogeneo de uma curva projetiva F e definido por

A(F )h = K[X, Y, Z]/(F ).

Denotamos por G a classe de G ∈ K[X, Y, Z] modulo (F ).Suporemos no que segue que F e irredutıvel. Assim, A(F )h e um domınio;

denotamos por K(F )h seu corpo de fracoes.Seja K(F ) o subconjunto de K(F )h formado pelas fracoes do tipo G/H

com G,H homogeneos do mesmo grau. E facil ver que K(F ) e um subcorpode K(F )h, chamado corpo das funcoes racionais de F . Esta designacao sejustifica pelo seguinte

9.6. Lema. Se F e o fecho projetivo da curva afim irredutıvel f entao K(F )e K-isomorfo a K(f) (def. [8.7, p. 99]).

Demonstracao. Considere o homomorfismo

ϕ : K[X, Y ] −→ K(F )hg(X, Y ) 7−→ g(X/Z, Y /Z).

Observando a formula

g∗(X,Y, Z) = Zd◦gg(X/Z, Y/Z) em K[X, Y, Z],

deduz-se facilmente que o nucleo de ϕ e igual a (f). Obtem-se entao oshomomorfismos induzidos,

K[X,Y ]/(f) ↪→ K(F )h∨↓ ↗

K(f)

Visto que K(F ) e gerado por X/Z, Y /Z, os quais estao na imagem de K(f),concluımos K(F ) ' K(f). 2

9.7. Exercıcios

144. Seja F = f ∗ o fecho projetivo de uma curva afim irredutıvel f . Mostreque K(F )h e a extensao de K(f) = K(F ) gerada por Z.

Page 131: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

9.4 Ciclos e equivalencia racional 125

9.4 Ciclos e equivalencia racional

9.8. Definicao. Um ciclo na curva F e uma expressao do tipo

n1P1 + · · ·+ nrPr,

onde os ni sao inteiros e os Pi sao pontos de F .

Mais precisamente, um ciclo e um elemento do grupo abeliano livre geradopelos pontos de F ; este grupo e chamado o grupo dos ciclos de F .

Trata-se simplesmente de uma maneira comoda de lidar com conjuntosde pontos de F afetados de multiplicidades.

Definimos o grau de um ciclo pela formula

d◦(ΣniPi) = Σni.

Evidentemente, se D,D′ sao ciclos, temos

d◦(D +D′) = d◦D + d◦D′.

Seja agora G uma curva distinta de F . Definimos o ciclo de intersecao de Gcom F pela formula

(G) = (G)F =∑

(F,G)PP.

Observemos que, pelo teorema de Bezout, temos

d◦(G)F = (d◦G)(d◦F ).

Seja ϕ ∈ K(f) uma funcao racional 6= 0. Suponhamos

ϕ = G0/H0 = G1/H1,

com Gi, Hi homogeneos, d◦Gi = d◦Hi e H0H1 6= 0. Temos entao G0H1 =H0G1 + AF , para algum A ∈ K[X, Y, Z]. Daı e imediato que

(G0H1)F = (H0G1)F

e portanto,(G0)F − (H0)F = (G1)F − (H1)F

por propriedade do ındice de intersecao.

Page 132: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

126 Cubicas nao Singulares

Assim, e lıcito definir o ciclo associado a funcao racional ϕ 6= 0 pelaformula

(ϕ) = (ϕ)F = (G)F − (H)F ,

onde ϕ = G/H, e uma representacao de ϕ como quociente de classes depolinomios homogeneos do mesmo grau.

9.9. Exemplo. Seja F = ZY 2 −X(X − Z)(X − λZ). Temos

(Z)F = 3(0 : 1 : 0);(Y/X)F = (0 : 0 : 1) + (1 : 0 : 1) + (λ : 0 : 1)− 2(0 : 0 : 1)− (0 : 1 : 0)

= (1 : 0 : 1) + (λ : 0 : 1)− (0 : 0 : 1)− (0 : 1 : 0).

9.10. Definicao. Sejam D,D′ ciclos de uma curva F (suposta irredutıvel).Dizemos que D e racionalmente equivalente a D′ se existir uma funcaoracional ϕ ∈ K(F ) tal que

D −D′ = (ϕ).

EscrevemosD ≡ D′

para denotar equivalencia racional.

9.11. Lema. Equivalencia racional e uma relacao de equivalencia compatıvelcom a adicao de ciclos. Em sımbolos, ∀ ciclos D,D′, D′′, temos:

(1) D ≡ D;

(2) D ≡ D′ ⇔ D′ ≡ D;

(3) D ≡ D′, D′ ≡ D′′ ⇒ D ≡ D′′;

(4) D ≡ D′ ⇒ D +D′′ ≡ D′ +D′′.

Demonstracao. Sejam ϕ, ψ funcoes racionais 6= 0.(1) Temos D −D = 0 = ciclo da funcao constante 1.(2) Se D −D′ = (ϕ), entao D′ −D = (ϕ−1).(3) Se

D −D′ = (ϕ) e D′ −D′′ = (ψ),temos evidentemente

(ϕψ) = (ϕ) + (ψ) = D −D′ +D′ −D′′ = D −D′′.(4) Fica como exercıcio para o leitor. 2

Page 133: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

9.4 Ciclos e equivalencia racional 127

9.12. Proposicao. Seja F uma curva irredutıvel nao singular. Se existiremP 6= Q em F racionalmente equivalentes, entao F e racional.

Demonstracao. Sejam G0, G1 curvas projetivas do mesmo grau tais que

(G1)− (G0) = P −Q.

Temos entao(G1) = P + ΣmiPi,(G0) = Q+ ΣmiPi,

com mi ≥ 1 e Pi ∈ F , dois a dois distintos. Visto que cada Pi e um ponto naosingular de F , sabemos por [6.15, p. 78] que o ındice de intersecao (F,G)Pi

eigual a ordem de anulamento de G sobre F em Pi. Daı concluımos que, paracada (x0 : x1) ∈ P1, vale

(x0G0 + x1G1, F )Pi≥ mi.

Trocando em miudos, construımos um feixe de curvas {x0G0 + x1G1|(x0 :x1) ∈ P1}, do qual cada membro corta F no ponto Pi pelo menos mi vezes.

Lembrando que 1 + Σmi = (d◦F )(d◦G0), vemos que, por cada pontodistinto dos ja fixados passa justamente um membro do feixe. Segue-se que afuncao racional G1/G0 e injetiva (veja o lema [8.27, p. 111] e o paragrafo quelhe antecede), e portanto F e racional. 2

9.13. Exercıcios

145. Seja F a reta X = 0. Mostre que os ciclos(0 : 0 : 1) + (0 : 1 : 1) e (0 : 1 : 0) + (0 : −1 : 1)

sao racionalmente equivalentes sobre F .

146. Seja F = Y Z −X2. Mostre que os (ciclos que se reduzem aos) pontos(0 : 0 : 1) e (1 : 1 : 1) sao racionalmente equivalentes.

147. Prove que dois ciclos racionalmente equivalente tem o mesmo grau.

148. Se F e uma reta, mostre que dois ciclos com o mesmo grau sao racional-mente equivalentes. O mesmo e valido se F e uma conica ou uma cubicasingular, ou mesmo a lemniscata...

149. Seja F = Z(X2 − Y 2) + X3 e seja ϕ = X+YX−Y ∈ K(F ). Calcule o ciclo

(ϕ).

Page 134: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

128 Cubicas nao Singulares

150. Seja F uma curva nao singular e seja ϕ ∈ K(F ) uma funcao racionalnao constante. Prove que (ϕ)F 6= 0.

151. Prove que o conjunto dos ciclos racionalmente equivalentes a zero sobreuma curva F e um subgrupo do grupo dos ciclos de F .

9.5 A estrutura de grupo

Necessitaremos do seguinte resultado preliminar. Observemos que ele e con-sequencia de um resultado mais geral, proposto como exercıcio [135, p. 113].Mas vamos apresentar uma prova direta, por desencargo de consciencia.

9.14. Proposicao. Se F e uma cubica nao singular entao F nao e racional.

Demonstracao. Podemos supor F na forma normal (leitor: por que?):

Y 2 = X(X − 1)(X − λ), com λ 6= 0, 1.

Procederemos por reducao ao absurdo, supondo F racional. Assim, existem

a, b, c, d ∈ K[T ]

tais quex = a/c, y = b/d

constituem uma boa parametrizacao. Naturalmente, podemos supor que

MDC(a, c) = MDC(b, d) = 1.

Substituindo na equacao acima, resulta

c3b2 = d2a(a− c)(a− λc) em K[T ].

Note que c e a−λc tambem sao primos relativos. Por unicidade da fatoracao,segue-se que c3 e d2 sao associados. Simplificando e absorvendo a constantec3/d2 em b, vem

b2 = a(a− c)(a− λc). (9.1)

Admitamos por um momento que d◦b = 3, d◦a = 2 ≥ d◦c. Escrevamosb = b1b2b3 com d◦bi = 1. Notando que a, a− c, a−λc sao dois a dois primosrelativos, deduzimos que o mesmo ocorre com os bi e que

b21 = a, b22 = a− c, b23 = a− λc

Page 135: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

9.5 A estrutura de grupo 129

(a menos de reordenacao ou fator constante). Daı concluımos

c = (b1 − b2)(b1 + b2), (1− λ)c = (b3 − b2)(b3 + b2)

Segue-se que b1±b2 e associado a b3±b2. Sem perda de generalidade, podemosescrever relacoes

b1 − b2 = α(b3 − b2)b1 + b2 = β(b3 + b2),

com β − α 6= 0, permitindo concluir, finalmente, que b2 e b3 sao associados,absurdo.

Resta justificar porque d◦b = 3 e d◦a = 2 ≥ d◦c. Ora, quase toda retahorizontal Y = y0 corta F em tres pontos distintos. Como a parametrizacaoe por hipotese boa, esses pontos sao da forma (x(t), y0) para justamente tresvalores do parametro. Estes valores sao dados pela condicao

y(t) =b(t)

d(t)= y0.

Assim, o polinomio b(T ) − y0d(T ) admite exatamente tres raızes distintas(para quase todo y0). Logo, d◦b ≤ 3. Se d◦b < 3, entao d◦d = 3 e daı d◦c = 2(pois c3/d2 e constante). Observando a igualdade (9.1), deduz-se d◦b = 2 ed◦a = 0 ou 2. Escreve-se b = b1b2 e procede-se como antes, chegando a umacontradicao. Se d◦b = 3, entao d◦d ≤ 3, acarretando d◦c ≤ 2. Lembrando(9.1) outra vez, ve-se que necessariamente d◦a = 2. 2

Tendo em vista a proposicao 9.14, concluımos imediatamente o seguinte

9.15. Corolario. Se F e uma cubica nao singular e P,Q ∈ F entao P eracionalmente equivalente a Q somente se P = Q. 2

Vejamos agora como e definida a estrutura de grupo.Fixemos um ponto O ∈ F . Para cada par de pontos P,Q em F , consid-

eremos a intersecao de F com reta L que os contem. Se P = Q, tomamosL =tangente. Podemos escrever

(L) = P +Q+R

para algum R em F , bem determinado pelo par P,Q. Seja H a reta definidapelo par R,O, e seja finalmente P +Q o terceiro ponto de intersecao de Hcom F , de sorte que

(H) = R +O + (P +Q).

Page 136: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

130 Cubicas nao Singulares

.......

......

......

............................................. .......

................................... ........... ........... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ...... ....................................................................................

....................... ....... ............ ............ ........... ........... ........... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ...........

...................... ...... .........

.................................. ........

........................................................................ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ......

.......................................................................... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ......

. .............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................

...........................

......................

......

.

......................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................

........................................................

.

..............................................................................

..............................................................................

..............................................................................

..............................................................................

..............................................................................

..............................................................................

..............................................................................

..............................................................................

..................................................................

..................................................................................................................................................................................................................................................................

..................................................................................................................................................................................................................................................................

.......................................................................................................................................

•P•

R•

•Q

•P +Q

•O

L

H

figura 9.1

Notemos que, pondo ϕ = L/H ∈ K(F ), temos

(ϕ) = (P +Q+R)− (R +O + (P +Q)),

e portanto,P +Q ≡ P +Q−O. (9.2)

Pelo corolario 9.15, esta ultima formula determina completamente P +Q: eo unico ponto de F racionalmente equivalente ao ciclo P +Q−O.

9.16. Proposicao. Seja F uma cubica nao singular e seja O ∈ F um pontode inflexao. A lei de composicao (P,Q) 7−→ P +Q acima descrita estabeleceuma estrutura de grupo abeliano em F . O elemento neutro e o ponto O. Oinverso aditivo de um ponto P ∈ F e o terceiro ponto de intersecao da retaOP com F , denotado −P .

Demonstracao. E claro que temos P +Q = Q+P . Levando em conta aformula (9.2) e facil ver que O funciona como elemento neutro e −P comoinverso de P .

Verifiquemos o axioma da associatividade. Dados P,Q,R ∈ F , temos

(P +Q)+R ≡ (P +Q) +R−O≡ (P +Q−O) +R−O= P + (Q+R−O)−O≡ P + (Q+R)−O≡ P +(Q+R)

2

9.17. Proposicao.

Page 137: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

9.5 A estrutura de grupo 131

(i) P +Q+R = O ⇔ existe uma reta H tal que (H)F = P +Q+R.

(ii) Os nove pontos de inflexao formam um subgrupo isomorfo a Z/(3) ×Z/(3).

(iii) A reta que une dois pontos de inflexao cruza F num terceiro ponto deinflexao.

Demonstracao. (i) Seja L a tangente (por escolha, inflexional!) de F emO. Assim, temos (L)F = 3O. Por outro lado,

P +Q+R ≡ P +Q+R− 2O.

Portanto, o primeiro membro e igual a O se e so se valer P + Q + R ≡ 3O.Suponha valida esta ultima relacao; seja H a reta determinada pelo parP,Q. Escrevamos (H) = P +Q+R′. O quociente L/H fornece uma funcaoracional cujo ciclo e 3O − (H). Concluımos que R ≡ R′ e portanto pelocorolario [9.15, p. 129], R = R′ como desejavamos. A recıproca deixamospara a distracao do leitor.

(ii) Tendo em vista (i), e claro que P e um ponto de inflexao se e so se3 · P = O. Logo, o conjunto dos nove pontos de inflexao coincide com osubgrupo formado pelos elementos de ordem 3. Que este grupo e isomorfo aZ/(3)× Z/(3) segue-se facilmente: e o unico grupo nao cıclico de ordem 9.

(iii) Se P + Q + R e o ciclo de intersecao de F com uma reta, e se P,Qsao pontos de inflexao, deduzimos primeiro que P +Q+R = O, e entao,3P +3Q+3R = O, donde 3R = O e R e um ponto de inflexao. 2

9.18. Corolario. Se P,Q sao pontos de inflexao de uma cubica nao singularF entao existe uma projetividade M tal que M•F = F e MP = Q.

Demonstracao. Seja R o terceiro ponto de inflexao colinear com P,Q.Procedendo como na demonstracao da proposicao [9.1, p. 121], podemos su-por R = (0 : 1 : 0) e F na forma ZY 2 − X(X − Z)(X − λZ). Se T e aprojetividade definida por

(x : y : z) 7−→ (x : −y : z),

e imediato que T•F = F . Por outro lado, P e TP sao colineares com R.Visto que F nao possui nenhum ponto de inflexao sobre Y = 0, segue-seP 6= TP , e portanto TP = Q. (Veja a fig. 1.8.) 2

Page 138: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

132 Cubicas nao Singulares

9.19. Exercıcios

152. Sejam F = ZY 2 − X(X − 1)(X + 1), O = (0 : 1 : 0), P = (0 : 0 :1), Q = (1 : 0 : 1), R = (−1 : 0 : 1). Mostre que {O,P,Q,R} e um subgrupode F isomorfo a Z/(2)× Z/(2).

153. Seja F = ZY 2 − (X3 − 43XZ2 + 166Z3), P = (3 : 8 : 1). Calcule nPpara cada inteiro n(O = (0 : 1 : 0)).

154. Mostre que a proposicao[9.16, p. 130] subsiste mesmo se O nao e umponto de inflexao, modificando convenientemente a construcao do inversoaditivo.

155. Mostre que a estrutura de grupo de uma cubica nao singular e inde-pendente do ponto escolhido para elemento neutro.

Nos exercıcios seguintes, F denota uma cubica nao singular e O ∈ F eum ponto de inflexao escolhido para elemento neutro.

156. Se G e uma curva 6= F , entao (G)F ≡ 3(d◦G)O.

157. Todo ciclo de F de grau 1 e racionalmente equivalente a um unico pontode F .

158. Sejam G,H curvas de grau d, distintas de F . Se(G)F = P + Σ3d

2 Pi, (H)F = Q+ Σ3d2 Pi,

entao P = Q. Em particular, qualquer cubica que passar por oito dos novepontos de intersecao de F com outra cubica, contera o nono ponto.

159. Mostre que os elementos de ordem 2 de F sao justamente os pontosde contato das tangentes a F passando por O. O grupo gerado por esseselementos e isomorfo a Z/(2)× Z/(2).

160. Seja D = Σ61Pi um ciclo de grau 6 sobre F . Mostre que D ≡ 6O se e

so se existir uma conica C tal que (C)F = D. Generalize!

161. As solucoes da equacao 6 ·P = O consistem nos nove pontos de inflexaojuntamente com os 27 pontos de contato das retas tangentes passando pelospontos de inflexao. Resulta um grupo isomorfo a Z/(6)× Z(6).

Page 139: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

Capıtulo 10

Apendice

Reunimos aqui alguns conceitos e resultados de algebra elementar para con-veniencia do leitor. Para mais detalhes, veja [15], [25].

10.1 Aneis, ideais e homomorfismos

10.1. Definicao. Um anel A e um conjunto nao vazio no qual estao definidasduas operacoes, chamadas de soma e multiplicacao, denotadas respectiva-mente + e ·, e que satisfazem as seguintes regras operatorias:

+1 associatividade : ∀ x, y, z ∈ A, (x+ y) + z = x+ (y + z)

+2 comutatividade : ∀ x, y ∈ A, x+ y = y + x

+3 zero : ∃ 0 ∈ A tal que ∀ x ∈ A, x+ 0 = x

+4 negativo : ∀ x ∈ A ∃ y ∈ A tal que x+ y = 0

· 1 associatividade : ∀ x, y, z ∈ A, (x · y) · z = x · (y · z)

· + distributividade : ∀ x, y, z ∈ A, x · (y + z) = x · y + x · z

e (x+ y) · z = x · z + y · z.

Os exemplos aqui relevantes sao o anel dos inteiros, o dos polinomios, odas funcoes racionais e o das series de potencias em uma ou mais variaveis.

Em cada um desses aneis valem ainda os axiomas seguintes:

Page 140: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

134 Apendice

· 2 unidade : ∃ 1 ∈ A tal que ∀ x ∈ A, 1 · x = x · 1 = x· 3 comutatividade do produto : ∀ x, y ∈ A, x · y = y · x

Convencionamos doravante que anel significa anel comutativo e com ele-mento unidade 1 6= 0. Verifica-se facilmente que os elementos 0 (zero) e 1(unidade) sao unicos; o negativo de cada x ∈ A tambem e unico; denota-senaturalmente por −x.

Diremos que um subconjunto A′ ⊆ A e um subanel de um anel A se0, 1 ∈ A′ e ∀x, y, z ∈ A′ ⇒ x − y · z ∈ A′. Segue que todo subanel enaturalmente um anel com as operacoes induzidas.

10.2. Exemplos. (1) O conjunto dos numeros inteiros e um subanel dosracionais, que por sua vez formam um subanel dos reais, ...centerlineZ ⊂ Q ⊂ R ⊂ C.

(2) Seja A = {0, 1}, conjunto formado por dois elementos. Definamos asoperacoes de soma e produto de tal maneira que 0 funcione como zero e 1como 1:

0 + 0 = 0, 0 + 1 = 1, 1 + 1 = 0, 0 · 0 = 0, 0 · 1 = 0, 1 · 1 = 1.

O leitor verificara sem dificuldades que se trata efetivamente de um anel.Note em particular que, neste exemplo, vale a relacao −1 = 1.

10.3. Definicoes. Seja A um anel. Um elemento a ∈ A e dito um divisor dezero (resp. invertıvel) se existir b ∈ A, b 6= 0 tal que a · b = 0 (resp. a · b = 1).

O anel A e um domınio se 0 e o unico divisor de zero.Dizemos que A e um corpo se todo elemento nao nulo for invertıvel, i.e.,

∀ x ∈ A, x 6= 0⇒ ∃ y ∈ A tal que x · y = 1.

Sejam A e B aneis. Um homomorfismo de A em B e uma aplicacaoϕ : A −→ B

tal queϕ(1) = 1

e∀ x, y, z ∈ A ⇒ ϕ(x+ y · z) = ϕ(x) + ϕ(y) · ϕ(z).

Page 141: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

10.1 Aneis, ideais e homomorfismos 135

Um homomorfismo bijetivo ϕ e dito um isomorfismo; neste caso, a apli-cacao inversa ϕ−1 e necessariamente um homomorfismo.

Os aneis A,B sao isomorfos se existir um isomorfismo ϕ : A −→ B.Um homomorfismo sobrejetor e tambem chamado de epimorfismo.

10.4. Exemplos. (1) Se A′ e um subanel de um anel A, entao a aplicacaode inclusao A′ ⊆ A e um homomorfismo.(2) A aplicacao de conjugacao C→ C, a+ bi 7→ a− bi e um homomorfismo(de fato um isomorfismo).(3) Seja A = {0, 1} como no exemplo 10.2 (2) e seja π : Z −→ A a aplicacaodefinida por paridade, i.e., π(n) = 0 se n e par, 1 se ımpar. E imediato queπ e um homomorfismo.

10.5. Exercıcios

162. A composicao ϕ · ψ : A −→ C de homomorfismos ψ : A −→ B,ϕ : B −→ C e um homomorfismo.

163. Seja ϕ : A −→ B um homomorfismo e seja a ∈ A um elemento in-vertıvel de A. Entao ϕ(a) e invertıvel em B.

10.6. Proposicao. (Corpo de fracoes) Seja A um domınio. Entao existeum homomorfismo injetivo ι : A ↪→ K onde K denota um corpo, bem deter-minado a menos de isomorfismo pela condicao seguinte:

∀ x ∈ K ∃ a, b ∈ A tais que x = ι(a) · ι(b)−1.

Demonstracao. Verifiquemos de inıcio a unicidade de K, i.e., devemosmostrar que se ι′ : A ↪→ K ′ e um homomorfismo com a mesma propriedadeacima, entao existe um (de fato unico) isomorfismo ϕ : K −→ K ′ tal que∀ a ∈ A, ϕ(ι(a)) = ι′(a).

Dado x ∈ K, sejam a, b ∈ A tais que x = ι(a) · ι(b)−1. Se ϕ ja estivessedefinido, terıamos

ϕ(x) = ϕ(ι(a)) · ϕ(ι(b)−1) = ϕ(ι(a)) · ϕ(ι(b))−1

= ι′(a) · ι′(b)−1.

Isto sugere definirmos ϕ pela regra ϕ(x) = ι′(a) · ι′(b)−1; a questao e verificarque o lado direito depende so de x e nao da particular representacao x =ι(a) · ι(b)−1.

Page 142: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

136 Apendice

Sejam a′, b′ ∈ A tais que ι(a)·ι(b)−1 = ι(a′)·ι(b′)−1. Daı resulta ι(a)·ι(b′) =ι(a′) · ι(b) = ι(a · b′), e portanto, a · b′ = a′ · b em A. Repetindo o calculo,obtemos ι′(a) · ι′(b)−1 = ι′(a′) · ι′(b′)−1, mostrando que e lıcito definir ϕ comoproposto. Agora e um simples exercıcio verificar que ϕ : K −→ K ′ e umisomorfismo.

Passemos a construcao de ι : A ↪→ K. Ja que sabemos, a posteriori, queK sera formado por “fracoes”, iniciamos por definir, para cada a, b ∈ A, b 6=0, a fracao

a/b = {(α, β) ∈ A× A|β 6= 0, a · β = α · b}.

O leitor nao tera dificuldades em verificar os seguintes fatos.(1) a/b = c/d⇐⇒ ad = bc(2)a/b = c/d e a′/b′ = c′/d′ =⇒ (a · b′ + a′ · b)/(b · b′) = (c · d′ + c′ · d)/(d · d′)(3) a/b = c/d e a′/b′ = c′/d′ =⇒ (a · a′)/(b · b′) = (c · c′)/(d · d′)

Segue-se entao que no conjunto K = {a/b|a, b ∈ A, b 6= 0} estao definidasde forma evidente operacoes de soma e produto, resultando um corpo. Final-mente, a aplicacao ι : A −→ K definida por ι(a) = a/1 e um homomorfismocom as propriedades requeridas. 2

Observacao. Costuma-se identificar A com ι(A), e escrever A ⊆ K.

10.7. Definicao. Seja A um anel. Um ideal de A e um subconjunto I ⊆ Atal que

0 ∈ I,∀ x, y ∈ I, z ∈ A ⇒ x+ y · z ∈ I.

Dizemos que um ideal I ⊂ A e primo seI 6= A e ∀ x, y ∈ A, x · y ∈ I =⇒ x ∈ I ou y ∈ I.

Dizemos que um ideal I ⊂ A e maximal se I 6= A e nao existir idealintermediario entre I e A, i.e., ∀ ideal J ⊆ A, J ⊃ I =⇒ J = A.

10.8. Exemplos. (1) {0} e A sao ideais de A.

(2) Toda intersecao de ideais e um ideal.

(3) Seja S ⊆ A um subconjunto. Seja

〈S〉 = {∑

1≤i≤n

ai · si|ai ∈ A, si ∈ S, n = 0, 1 . . . }.1

1Convenciona-se de que uma soma com zero parcelas vale 0...

Page 143: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

10.1 Aneis, ideais e homomorfismos 137

Temos entao〈S〉 =

⋂{I ⊇S|I ideal}

I,

que chamamos de ideal gerado por S. Se S = {a} reduz-se a um so elemento,escrevemos 〈S〉 = 〈a〉, dito ideal principal gerado por a. O conjunto dosnumeros pares {0,±2,±4, . . . } e o ideal de Z gerado por 2.

10.9. Definicao. O nucleo de um homomorfismo ϕ : A −→ B e definidopor

Nϕ = {a ∈ A |ϕ(a) = 0}.

O leitor deve verificar que Nϕ e um ideal de A. De fato, a proxima proposicaoafirma que todo ideal aparece como nucleo de algum homomorfismo.

10.10. Proposicao. Seja I ⊆ A um ideal de um anel A. Entao existe umhomomorfismo sobrejetivo ϕ : A −→ B tal que Nϕ = I.

Demonstracao. Suponhamos por um instante ja construıdo ϕ : A −→ Bcom as propriedades enunciadas. Observemos que para cada b, b′ ∈ B, osubconjunto ϕ−1{b} e nao vazio e que b 6= b′ ⇒ ϕ−1{b} ∩ ϕ−1{b′} = ∅.Assim, b 7→ ϕ−1{b} estabelece uma bijecao de B em um subconjunto departes de A.

A ideia agora e reconstruir B a partir dos subconjuntos do tipo ϕ−1{b}.Vejamos como I entra em cena. Fixados b e algum a0 ∈ ϕ−1{b}, ve-se

facilmente que

ϕ−1{b} = {a ∈ A| ∃ i ∈ I tal que a = a0 + i}= {a0 + i| i ∈ I}.

Ora, o lado direito faz sentido independentemente de ϕ! Definamos logo,pois, para cada a ∈ A, a classe lateral de I em A,

a+ I = {a+ i| i ∈ I},

e sejaB = {a+ I | a ∈ A},

o conjunto de todas essas classes laterais. Resta a fazer a verificacao rotineirade que B herda uma estrutura de anel mediante as receitas,

(a+ I) + (a′ + I) = (a+ a′) + I(a+ I) · (a′ + I) = (a · a′) + I

Page 144: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

138 Apendice

de sorte que a aplicacao definida naturalmente por

ϕ : A −→ Ba 7−→ a+ I

e de fato um homomorfismo e responde ao requerido. 2

10.11. Definicao. Sejam A um anel e I um ideal de A. Chamamos deanel quociente, de A por I, denotado por A/I, o anel das classes laterais deI em A descrito na demonstracao acima. A aplicacao a 7→ a + I e dito ohomomorfismo de quociente.

10.12. Exemplos. Z/〈2〉 e isomorfo ao anel {0, 1} apresentado no exemplo2, p. 134. Mais geralmente, para cada inteiro positivo m, o anel quocienteZ/〈m〉 consiste nas m classes de restos na divisao por m. Verifica-se queZ/〈m〉 e um corpo se e so se m e um numero primo.

10.13. Exercıcios

164. Ache os divisores de zero em Z/〈m〉 para m = 2, . . . , 10. Generalize!

165. Seja ϕ : A −→ B um homomorfismo sobrejetivo e seja I = Nϕ. Mostreque existe um e so um isomorfismo ψ : A/I −→ B tal que ψ(a + I) =ϕ(a) ∀ a ∈ A.

166. Sejam I ⊆ J ⊆ A ideais. Seja A = A/I o anel quociente e seja J ⊆ Aa imagem de J pelo homomorfismo quociente. Mostre que A/J e isomorfo aA/J .

167. Mostre que um ideal I ⊂ A e primo (resp. maximal) se e so se A/I eum domınio (resp. corpo). Conclua que todo ideal maximal e primo.

10.2 Polinomios

No que segue, denotaremos por

R = K[X]

Page 145: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

10.2 Polinomios 139

o anel de polinomios em uma variavel a coeficientes no corpo K. Cadaelemento f ∈ R se escreve de forma unica,

f = anXn + an−1X

n−1 + · · ·+ a1X + a0,

onde os coeficentes ai sao elementos de K. Se an 6= 0 entao f e de grau n eescrevemos

d◦ f = n.

Se an = 1, dizemos que f e monico. Inicialmente, vamos rever algumaspropriedades fundamentais de R.

10.14. Proposicao. (Algoritmo da Divisao.) Sejam f, g ∈ R, f 6= 0.Entao existem unicos q, r ∈ R tais que

g = qf + r e r = 0 ou d◦r < d◦f.

Chamamos q de quociente e r de resto na divisao de g por f .

Demonstracao. Se d◦g < d◦f entao faca q = 0 e r = g. Prosseguimospor inducao sobre n = d◦g ≥ m = d◦f . Escrevamos f = amX

m + · · · , g =bnX

n + · · · . Seja h = g − bnXn−ma−1m f . Note o ajuste feito para cancelar o

termo de maior grau de g. Por inducao, h se escreve na forma h = q1f + r,com r = 0 ou d◦r < d◦f . Fazendo q = q1+bna

−1m Xn−m, concluımos g = qf+r.

Para verificarmos a unicidade, suponhamos qf+r = q′f+r′. Daı vem (q−q′)f = r′−r. Ora, se q 6= q′ entao o primeiro membro e um polinomio de grau≥ m enquanto que o segundo, supondo r (resp r’) = 0 ou d◦r (resp. r’) <d◦f , certamente e nulo ou de grau < m. 2

10.15. Exercıcios

168. Seja f = anXn + an−1X

n−1 + · · ·+ a1X + a0 e seja a ∈ K. Mostre queo resto na divisao de f por X − a e igual a f(a). Conclua que f e multiplode X − a se e so se f(a) = 0.

10.16. Proposicao. Todo ideal de R e principal.

Demonstracao. Seja I um ideal de R. Se I = {0}, nao ha nada a demon-strar. Assim, podemos supor que existe um elemento f0 ∈ I monico e degrau mınimo com essa propriedade. Mostraremos que I = (f0), i.e., que

Page 146: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

140 Apendice

todo elemento g ∈ I e multiplo de f0. Com efeito, aplicando o algoritmo dadivisao, podemos em todo o caso escrever,

g = qf0 + r,

onde r = 0 ou d◦r < d◦f0. Como r = g − qf0 e claramente um elementodo ideal I, se ocorresse r 6= 0, produzirıamos um elemento em I com grauinferior ao mınimo, o que e absurdo. 2

Lembremos que o MDC de uma colecao de polinomios {ft}t∈T e o poli-nomio monico p caracterizado pelas propriedades seguintes:

• p divide cada ft na colecao;

• se q ∈ R divide cada ft na colecao entao q divide p.

10.17. Corolario. Seja {fs}s∈S uma colecao de polinomios. Entao existems1, . . . , sn ∈ S e q1, . . . , qn ∈ R tais que

f = q1fs1 + · · ·+ qnfsn

e o MDC dessa colecao.

Demonstracao. Seja I o ideal gerado por {fs}s∈S,

I = {∑

1≤i≤m

gifsi|s1, . . . , sm ∈ S, g1, . . . , gm ∈ R, m = 0, 1, . . . }.

Seja f o gerador monico de I. Sendo f um elemento de I, necessariamentese escreve na forma

f = q1fs1 + · · ·+ qnfsn .

Assim, se q divide cada fs na colecao entao q divide f . Por fim, sendo I = (f),e claro que cada fs (sendo elemento de I. . . ) e divisıvel por f . 2

10.18. Exercıcios

169. Sejam f, g ∈ R, f 6= 0 e seja r o resto na divisao de g por f . Prove aigualdade de ideais,

〈f, g〉 = 〈g, r〉.

Deduza entao o algoritmo para calculo do MDC por divisoes sucessivas.

Page 147: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

10.2 Polinomios 141

10.19. Definicao. Um polinomio nao constante f ∈ R e redutıvel se exis-tirem polinomios nao constantes g, h ∈ R tais que f = g ·h. Dizemos que f eirredutıvel se nao for redutıvel. Um polinomio nao constante f ∈ R e primose toda vez que dividir um produto, dividir um dos fatores; em sımbolos:∀ g, h ∈ R, f | (divide) gh⇒ f |g ou f |h

10.20. Proposicao. Seja f ∈ R polinomio nao constante. Entao f e primose e so se for irredutıvel.

Demonstracao. Suponhamos f monico, irredutıvel e sejam p, q, r ∈ R taisque p ·q = f ·r. Devemos mostrar que se f 6 | p entao f |q. Seja h =MDC(f, p).Visto que f e monico e irredutıvel, temos h = 1 = f1 ·f+p1 ·p. Multiplicandopor q, obtemos q = q · 1 = q · f1 · f + p1 · p · q, claramente divisıvel por f .Reciprocamente, se f e primo e exibıssemos f como produto, f = g·h, seguiriaque f divide algum dos fatores, digamos g = f ·g1. Substituindo e cancelando,viria 1 = g1 · h, logo h e constante e concluımos que f e irredutıvel. 2

10.21. Proposicao. (Fatoracao Unica.) Todo polinomio nao constanteem uma variavel e a coeficientes em um corpo se escreve de maneira unica(a menos de ordem dos fatores) na forma

f = c · p1 · · · · · pm

onde c denota uma constante e cada pi e um polinomio irredutıvel monico.

Demonstracao. Mostremos inicialmente, a unicidade. Como um pro-duto de polinomios monicos e monico, evidentemente a constante c e bemdeterminada pois coincide com o coeficiente lıder de f . Por outro lado, se

p1 · · · · · pm = q1 · · · · · qn

fosse outra fatoracao com cada qi monico e irredutıvel, terıamos que p1 dividealgum dos qi. Reordenando se preciso, podemos supor que p1|q1 e portantop1 = q1. Cancelando, concluımos por inducao sobre o numero de fatores (ou,se preferir, sobre o grau de f).

Existencia da fatoracao. Se f ja e um polinomio irredutıvel, nao ha nadaa provar. Se f = g · h, com d◦g, d◦h ≥ 1, entao d◦g, d◦h sao ambos < d◦f econcluımos por inducao sobre o grau de f . 2

10.22. Exercıcios

Page 148: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

142 Apendice

170. Mostre que todo ideal primo nao nulo de R e maximal, gerado por umpolinomio irredutıvel.

10.3 Domınios de fatoracao unica e lema de

Gauss

Observemos que as nocoes de elemento irredutıvel e primo se estendem a umanel arbitrario de forma evidente.

10.23. Definicao. Um domınio A e dito de fatoracao unica (DFU) oufatorial se todo elemento se escreve como produto de irredutıveis de formaunica a menos de ordem ou de multiplicacao por invertıvel.

O leitor e convidado a escrever a definicao de MDC de uma lista de elementosa1, . . . , an ∈ A.

10.24. Lema. Seja A um DFU. Entao todo elemento irredutıvel e primo.

Demonstracao. Seja a ∈ A irredutıvel e sejam b, c ∈ A tais que a|bc, i.e.,vale bc = ad para algum d ∈ A. Por fatoracao unica, o elemento irredutıvela deve figurar tambem no primeiro membro e assim, divide b ou c. 2

10.25. Definicao. Seja A um DFU e seja f = anXn+ · · ·+a0 um polinomio

com coeficientes ai ∈ A. O conteudo de f e o MDC(a1, . . . , an), denotadoc(f). Dizemos que F e primitivo se c(f) = 1.

10.26. Proposicao. Sejam A um DFU e f, g ∈ A[X] polinomios. Entao:(1) f, g primitivos =⇒ f · g primitivo;(2) c(f · g) = c(f)c(g)

Demonstracao. (1) Sejam

f = amXm + · · ·+ a0, g = bnX

n + · · ·+ b0,cr =

∑aibr−i (=coeficiente de Xr em f · g).

Seja d ∈ A irredutıvel. Visto que c(f) = c(g) = 1, existem ındices 0 ≤ m0 ≤m, 0 ≤ n0 ≤ n tais que d|ai para i < m0, d|bi para i < n0 e d 6 | am0bn0 . Assim,na expressao cm0+n0 = am0+n0b0 +am0+n0−1b1 + · · ·+am0bn0 +am0−1bn0 + · · · ,todas as parcelas a excecao de uma (leitor: qual?) e divisıvel por d. Logo,d 6 | cm0+n0 e concluımos que c(fg) = 1.

Page 149: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

10.3 Domınios de fatoracao unica e lema de Gauss 143

(2) Podemos escrever f = c(f)f ′, g = c(g)g′, com f ′, g′ primitivos. Temosentao f · g = c(f)c(g)f ′ · g′. Como f ′ · g′ e primitivo segue facilmente quetodo divisor comum aos coeficientes de f · g e divisor de c(f)c(g), donde seconclui (2). 2

10.27. Lema de Gauss. Seja A um DFU e seja K ⊇ A seu corpo defracoes Seja f ∈ A[X] um polinomio primitivo nao constante.(1) Se f e redutıvel em K[X], entao tambem o e em A[X].(2) Se g ∈ A[X] e f |g em K[X], entao f |g em A[X].

Demonstracao. Sejam g, h ∈ K[X] nao constantes tais que f = g · h.Reduzindo os coeficientes a denominador comum, podemos escrever

g = f1/d1, h = f2/d2, com f1, f2 ∈ A[X], d1, d2 ∈ A.Podemos supor que

MDC(d1, c(f1)) = MDC(d2, c(f2)) = 1.Segue-se d1d2f = f1 · f2 em A[X]. Tomando conteudos, obtemos

d1d2 = c(f1)c(f2).Logo d1|c(f2), d2|c(f1) em A[X]e concluımos uma relacao f = (f1/d2)·(f2/d1)valida em A[X]. A segunda afirmativa se demonstra de forma similar edeixamos a cargo do leitor. 2

10.28. Proposicao. Se A e um DFU, entao o anel de polinomios A[X1, . . . ,Xn] tambem e um DFU.

Demonstracao. Basta mostrar o caso de uma variavel. A existencia dedecomposicao em fatores irredutıveis nao oferece dificuldade e deixamos acargo do leitor.

Para a unicidade, o ponto fundamental e mostrar que se f ∈ A[X] e umpolinomio irredutıvel nao constante entao f e primo . Sejam gi ∈ A[X], i =1, 2, 3 tais que f · g3 = g1 · g2. Como f e primitivo, temos c(g3) = c(g1)c(g2).Logo, dividindo os coeficientes de g1 ou g2 pelos fatores irredutıveis de c(g3),podemos supor que os gi sao primitivos. Como f permanece irredutıvel (eportanto primo) em K[X], segue-se que f divide, digamos, g1. Logo, existeh ∈ K[X] tal que g1 = h · f . Procedendo como na demonstracao do lema deGauss, obtemos uma relacao dg1 = h′ · f , onde h′ ∈ A[X] e d ∈ A nao temfator comum com c(h′). Como g1, f sao primitivos, podemos supor d = 1 eportanto f |g1 em A[X]. 2

10.29. Exercıcios

Page 150: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

144 Apendice

171. Seja A um DFU e seja a ∈ A nao nulo. Mostre que A[X]/(aX − 1) eum DFU .

172. Mostre que C[X, Y ]/(X2 + Y 2 − 1) e um DFU . (Sugestao: compararcom C[X, Y ]/(XY − 1).)

173. Mostre que R[X,Y ]/(X2 + Y 2 − 1) nao e um DFU !

10.4 Extensoes de corpos

10.30. Definicoes. Seja L um corpo e seja K ⊆ L um subanel. Se K e umcorpo, dizemos que L e uma extensao de K e que este e um subcorpo de L.

Seja L ⊇ K uma extensao d corpos e seja S ⊆ L um subconjunto. Osubcorpo de L gerado por S sobre K e o menor subcorpo de L contendo K, S,denotado K〈(S)〉.

A extensao L ⊇ K e finitamente gerada se existir um subconjunto finitoS ⊆ L tal que L = K〈(S)〉. Se S = {s1, . . . , sn}, escrevemos K〈(S)〉 =K(s1, . . . , sn).

Se f, g ∈ K[X1, . . . , Xn] sao polinomios e g(s1, . . . , sn) 6= 0, entaof(s1, . . . , sn)/g(s1, . . . , sn)

e um elemento de K(s1, . . . , sn), e todo elemento de K(s1, . . . , sn) e dessaforma.

Se L ⊇ K e uma extensao de corpos, L e naturalmente um espaco vetorialsobre o corpo K; a dimensao desse espaco e chamada o grau de L ⊇ K,denotado [L : K]; quando finita, dizemos que L ⊇ K e uma extensao finita.Evidentemente toda extensao finita e finitamente gerada. Vale a recıprocapara extensoes algebricas que discutiremos a seguir.

Seja L ⊇ K uma extensao de corpos. Dizemos que um elemento x ∈ Le algebrico sobre K se existir f(X) ∈ K[X] polinomio nao constante tal quef(x) = 0. Equivalentemente, a sequencia 1, x, x2, . . . gera um subespaco deL de dimensao finita. Se x nao e algebrico, diremos que e transcendente.Dizemos que L ⊇ K e uma extensao algebrica se todo x ∈ L e algebricosobre K.

10.31. Proposicao. Seja L ⊇ K uma extensao de corpos e seja x ∈ L.Entao x e algebrico sobre K se e so se o subanel K[x] ⊆ L e um subcorpo deL.

Page 151: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

10.4 Extensoes de corpos 145

Demonstracao. Suponhamos x algebrico sobre K. Seja y ∈ K[x], y 6= 0.Devemos mostrar que y−1 ∈ K[x]. Como K[x] e um espaco vetorial dedimensao finita sobre K, existe n ≥ 1 tal que 1, y, . . . , yn sao linearmentedependentes. Tomando n mınimo, obtemos uma relacao

yn + an−1yn−1 + · · ·+ a1y + a0 = 0,

com ai ∈ K e necessariamente a0 6= 0. Daı obtemosy(yn−1 + · · ·+ a1) = −a0

e portanto,y−1 = (−a0)

−1(yn−1 + · · ·+ a1)que pertence a K[y] ⊆ K[x].

Reciprocamente, se K[x] e um corpo e x 6= 0, temos x−1 ∈ K[x], i.e., valeuma relacao

x−1 = anxn + · · ·+ a0

com ai ∈ K seguindo-se evidentemente que x e algebrico sobre K. 2

10.32. Proposicao. Sejam M ⊇ L ⊇ K extensoes de corpos. Entao vale aregra da multiplicatividade dos graus,

[M : K] = [M : L][L : K].

Em particular se M ⊇ L e L ⊇ K sao extensoes finitas, entao M ⊇ L efinita.

Demonstracao. Sejam {xi}i∈I , {yj}j∈J bases de L sobre K e M sobre L.Verifica-se facilmente que {xi · yj}(i,j)∈I×J e uma base de M sobre K. 2

10.33. Proposicao. Seja L ⊇ K uma extensao de corpos. Entao a colecaoformado pelos elementos de L algebricos sobre K e um subcorpo de L.

Demonstracao. Sejam x, y ∈ L algebricos sobre K. Seja K ′ = K[x].Entao K ′ ⊇ K e uma extensao finita. Como y e claramente algebrico sobreK ′, segue que M = K ′[y] ⊇ K ′ e finita e portanto M ⊇ K tambem o e.Logo todo elemento de M e algebrico sobre K; em particular, x ± y, x · ysao algebricos sobre K, completando assim a verificacao. 2

10.34. Proposicao. (Corpo de raızes.) Seja K um corpo e seja f um poli-nomio nao constante a coeficientes em K. Entao existe uma extensao finitaL ⊇ K tal que f se fatora em L[X] como produto de fatores lineares.

Page 152: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

146 Apendice

Demonstracao. Procedemos por inducao sobre o grau d◦f . Se d◦f = 1,tome L = K. Para a etapa indutiva, podemos supor f irredutıvel. Nessecaso, o ideal 〈f〉 ⊂ K[X] e maximal. Portanto, o quociente E = K[X]/〈f〉 eum corpo, extensao finita de K. A classe x de X modulo 〈f〉 e uma raiz de fem E. Logo, pelo exercıcio [168, p. 139] f e divisıvel por X−x. Substituindof por f/(X − x), o resultado segue por inducao, usando 10.32.

2

10.35. Definicao. Seja L ⊇ K uma extensao de corpos. Dizemos quex1, . . . , xn ∈ L sao algebricamente dependentes se existir polinomio nao con-stante f(X1, . . . Xn) ∈ K[X1, . . . , Xn] tal que f(x1, . . . xn) = 0.

Se x1, . . . , xn sao algebricamente independentes, o subanel K[x1, . . . , xn](resp. subcorpo K(x1, . . . , xn)) que eles geram sobre K e isomorfo ao anelde polinomios (resp. corpo de funcoes racionais) em n variaveis.

Dizemos que x1, . . . , xn formam uma base de transcendencia de L ⊇ Kse sao algebricamente independentes e L ⊇ K(x1, . . . , xn) e uma extensaoalgebrica.

10.36. Proposicao. (Grau de transcendencia.)Seja L = K(x1, . . . , xN) ⊇ K uma extensao finitamente gerada. Entao:(1) existem m ≥ 0, 1 ≤ i1 < · · · < im ≤ N tais que xi1 , . . . xim e uma basede transcendencia de L ⊇ K;(2) o numero de elementos de duas quaisquer bases de transcendencia deL ⊇ K e o mesmo, chamado de grau de transcendencia da extensao L ⊇ K .

Demonstracao. (1) Se cada xi e algebrico sobre K, entao a extensao ealgebrica e tomamos m = 0. Se, digamos, x1 e transcendente, facamosK ′ = K(x1), de sorte que L = K ′(x2, . . . , xN) e podemos argumentar porinducao sobre N , o numero de geradores da extensao. Assim, reordenando senecessario podemos supor que x2, . . . , xm sao algebricamente independentessobre K ′ e L ⊇ K ′(x2, . . . , xm) e algebrica. Segue-se que x1, . . . , xm e umabase de transcendencia para L ⊇ K.

(2) Seja x1, . . . , xm uma base de transcendencia e sejam y1, . . . , yr algebri-camente independentes. Mostraremos que m ≥ r. Precisamente, para cadai = 1, . . . , r, veremos que, reordenando os xi se necessario, podemos substi-tuir xi por yi, de sorte que y1, . . . , yi, xi+1, . . . , xm permanece uma base detranscendencia.

Page 153: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

Bibliografia 147

Observemos de inıcio que y1 e algebrico sobre K(x1, . . . , xm). Logo, pode-mos escrever uma relacao de dependencia, obtendo um polinomio

f(X0, X1, . . . , Xm) ∈ K[X0, X1, . . . , Xm]

nao constante tal que f(y1, x1, . . . , xm) = 0. Nessa relacao, seguramenteocorre algum termo nao nulo em y1 (pois x1, . . . , xm sao algebricamente in-dependentes) bem como algum dos xi, digamos x1, porque y1 e transcendentesobre K.

Afirmamos que y1, x2 . . . , xm e uma base de transcendencia.Com efeito, temos x1 algebrico sobre K(y1, x2 . . . , xm) em virtude da

relacao dada por f . Assim, temos as extensoes algebricas,

L = K(x1 . . . , xN) ⊇ K(y1, x1, x2 . . . , xm) ⊇ K(y1, x2 . . . , xm).

Se y1, x2, . . . , xm fossem algebricamente dependentes, numa relacao nao tri-vial g(y1, x2, . . . , xm) = 0 necessariamente y1 compareceria em algum termonao nulo, senao seria uma relacao entre os xi, proibida por hipotese; masy1 algebrico sobre K(x2, . . . , xm) implica em x1 algebrico sobre este mesmocorpo, tambem impossıvel, completando a verificacao. 2

10.37. Proposicao. Sejam M ⊇ L ⊇ K extensoes de corpos finitamentegeradas. Entao vale a regra da aditividade dos graus de transcendencia

transKM = transLM + transKL.

Demonstracao. Seja x = x1, . . . , xm uma base de transcendencia de Lsobre K. Temos que L e algebrico sobre a extensao transcendente K(x) deK. Seja y = y1, . . . , yn uma base de transcendencia deM sobre L. Mostremosque a uniao x, y e uma base de transcendencia de M sobre K. Seja

f(T1, . . . , Tm, U1, . . . , Un) =∑

i ai(T )U i

um polinomio a coeficientes em K tal que f(x, y) = 0. Entaof(x, U1, . . . , Un) =

∑i ai(x)U

i

e um polinomio a coeficientes em L ⊃ K(x) que fornece uma relacao dedependencia para y sobre L. Logo, cada coeficiente ai(x) e nulo. Pela inde-pendencia de x sobre K, temos cada ai(T ) = 0 e portanto f = 0. Logo x, ye algebricamente independente sobre K. Resta mostrar que M e algebricosobre K(x, y). Dado z em M , existe um polinomio g 6= 0, a coeficientes emL′ = L(y), tal que g(z) = 0. Logo, a extensao L′(z) ⊇ L′ e finita. Como aextensao L ⊇ K(x) e finita, segue facilmente que a extensao L′(z) ⊇ K(x, y)e finita e portanto z e algebrico sobre este ultimo corpo.

2

Page 154: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

148 Bibliografia

Bibliografia

Um roteiro padrao para continuar o percurso aqui delineado poderia comecarcom [13], seguido de – ou, com mais folego, em paralelo a – [17], [31], [18].As referencias [21] e [28] sao de carater introdutorio. Suporte necessario dealgebra comutativa mesclado com exemplos geometricos encontra-se em [24].Um belo apanhado da contribuicao dos patriarcas (1800-19??) encontra-se nocompendio [8]. O sabor de tecnicas computacionais e bem apresentado em [9];alguns dos topicos aı tratados sao expostos em [33]. Ja [1] propicia uma visaogeral personalıssima, informal e fascinante, enderecada a uma “audienciade engenheiros” (nas palavras do autor). Aplicacoes de curvas algebricas ateoria dos codigos corretores de erros sao apresentadas a nıvel elementar em[34]; veja tambem [27]. Para mais geometria de curvas sobre corpos finitos,consultar [14]. Uma introducao a fenomenos tıpicos da geometria de curvasem caracterıstica > 0 pode ser vista em [19]. Uma abordagem complexo-analıtica acha-se em [7]. Por fim, para notas historicas, veja [10].

1. S. S. Abhyankar, Algebraic Geometry for Scientists and Engineers,AMS Math. Surveys and Monographs, vol. 35, 1990.

2. V. I. Arnold, Real Algebraic Geometry (the 16th Hilbert Problem), inProceedings of Symposia in Pure Math., Vol. 28, F.E. Browder, editor,AMS, 1974.

3. I. Blake, G. Seroussi, N. Smart, Elliptic Curves in Cryptography, Lon-don Math. Soc. L.N.S.#265, Cambridge Univ. Press, 1999.

4. C. B. Boyer, Historia da Matematica, trad. E. Gomide, Edgar Blucher,1968.

5. B. J. Caraca, Conceitos Fundamentais da Matematica, Livraria Sa daCosta, Lisboa, 1984.

6. C. Camacho O 16◦ Problema de Hilbert, Matematica Universitaria n◦

10, 1989.

7. C. H. Clemens, A scrapbook of complex curve theory, Plenum Press,New York, 1980.

8. J. L. Coolidge, A Treatise on Algebraic Plane Curves, Dover Publ.,New York, 1959.

Page 155: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

Bibliografia 149

9. D. Cox, J. Little, D. O’Shea, Ideals, Varieties and Algorithms, Under-graduate Texts in Math., Springer–Verlag, New York, 1992.

10. J. Dieudonne, Cours de Geometrie Algebrique, vol. 1, P. U. France,1974.

11. R. Descartes, Discours de la methode (1637), http://perso.wanadoo.fr/minerva/DM/Page accueil DM.htm ou http://www.literature.org/authors/descartes-rene/reason-discourse

12. , Calcul Infinitesimal, Hermann, Paris, 1968.

13. W. Fulton, Algebraic Curves: an Introduction to Algebraic Geometry,Benjamin, New York, 1969.

14. A. Garcia, Pontos Racionais sobre Corpos Finitos, 20o Coloquio Bra-sileiro de Matematica, IMPA, 1995.

15. A. Goncalves, Introducao a Algebra, Projeto Euclides, IMPA, 1987.

16. F. Q. Gouvea, Uma demonstracao maravilhosa, Matematica Univer-sitaria no. 19, p. 16-43, 1995.

17. J. Harris, Algebraic Geometry (A First Course), GTM133, Springer–Verlag, 1977.

18. R. Hartshorne, Algebraic Geometry, GTM52, Springer–Verlag, 1992.

19. A. Hefez, Introducao a Geometria Projetiva, IMPA, 1990.

20. C. Jordan, Traite des Substitutions et des equations algebriques, Gauthier-Villars, Paris, 1870. (Reimpresso Ed. Jacques Gabay, Sceaux, 1989.)

21. F. Kirwan, Complex Algebraic Curves, Univ. Oxford, 1987.

22. F. Klein, Famous Problems of Elementary Geometry, Dover Publ., NewYork, 1956.

23. N. Koblitz, A course in number theory and cryptography, Second edi-tion. Graduate Texts in Mathematics, 114. Springer-Verlag, New York,1994.

Page 156: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

150 Bibliografia

24. E. Kunz, Introduction to Commutative Algebra and Algebraic Geome-try, Birkhauser Boston, 1985.

25. S. Lang, Algebra, Graduate Texts in Mathematics, 211. Springer-Verlag, 2002.

26. G. A. Miller, H. F.Blichfeldt, L. E. Dickson Theory and Applicationsof Finite Groups, Dover, 1961.

27. O. Pretzel, Codes and algebraic curves, Oxford Lecture Series in Math.,8, The Clarendon Press, Oxford University Press, New York, 1998.

28. M. Reid, Undergraduate Algebraic Geometry, Univ. Warwick, LondonMath. Soc. Student Texts, 12, 1988.

29. A. Seidenberg, Elements of the Theory of Algebraic Curves, AddisonWesley, 1968.

30. J. P. Serre, Algebre locale. Multiplicites., Springer-Verlag, 1965.

31. I. R. Shafarevich, Basic Algebraic Geometry 1, 2nd ed. rev. e ex-pandida, Springer–Verlag, 1994.

32. J. Tate, J. H. Silverman, Rational Points on Elliptic Curves, Under-grad. Texts in Math., Springer–Verlag, New York, 1992.

33. I. Vainsencher, Bases de Grobner: Resolvendo Equacoes Polinomiais,Atas da XIII Escola de Algebra, ed. A. J. Engler, IMECC-UNICAMP,1995.

34. J. F. Voloch, Codigos Corretores de Erros, IMPA, 1987.

Page 157: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

Indice

afinidade, 13angulo, trisseccao, 2, 6assıntota, 26astroide, 7

base de transcendencia, 146Bezout, teorema de, 63bitangentes, 91

caracol de Pascal, 7ciclo, 125cırculo, 2cissoide, 4, 38, 56componente irredutıvel, 11, 50concoide, 7

de Nicomedes, 6congruentes, curvas, 51conica, 12conica afim, 16conteudo, 142convencao, 50coordenadas homogeneas, 46, 48corpo, 134

de funcoes, 99de raızes, 145

cubica, 10, 13, 17, 43cuspidal, 56, 88estrutura de grupo, 13estrutura de grupo, 130nodal, 70, 88parabola, 53, 60

singular, 108cubo, duplicacao, 2, 5curva, 2

irredutıvel, 11lisa, 37, 59plana afim, 10plana projetiva, 50polar, 86projetiva racional, 107projetiva racional, 114racional, 8, 95, 100

cuspide, 37

dependencia algebrica, 146diagrama de Newton, 40direcao assintotica, 53direcao assintotica, 26distancia finita, 50divisor de zero, 134domınio, 134dual

curva, 91plano, 91reta, 55

eliminacao, 107elipse, 3, 52epicicloide, 7epimorfismo, 135equivalencia racional, 126espaco projetivo, 48

Page 158: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

152 INDICE

Euler, formula de, 60extensao algebrica, 7, 144extensao finita, 144

fecho projetivo, 50folium de Descartes, 6, 56funcao elementar, 115funcao implıcita, 80

generogeometrico, 109virtual, 108

grauda resultante, 26, 29de uma curva, 10, 50

hessiana, 88hiperbole, 3, 52hiperplano, 54

no infinito, 48hipocicloides, 7homomorfismo, 134

idealgerado, 137principal, 137

ındice de intersecao, 59, 63, 70infinito, ponto no, 46integrais de funcoes algebricas, 114intersecao, 20, 24invertıvel, 134irredutıvel

curva, 11polinomio, 141

isomorfismo, 135

lemniscata, 113lemniscata de Bernoulli, 7, 38Lissajous, curva de, 8

Luroth, teorema de, 103

modulo da cubica, 122mudanca de coordenadas projeti-

vas, 51multiplicidade, 11, 59, 63

da tangente, 37de intersecao, 34, 58, 59, 63do ponto, 37

no, 37, 38

oval de Cassini, 7

parabola, 3, 52parametrizacao, 95

boa, 102Plucker, formulas de, 91plano projetivo, 46polar, curva, 86polinomio

(ir)redutıvel, 141polinomial, aplicacao, 105ponto

m-uplo, 37, 59de inflexao, 42, 85, 92duplo, 37liso, 37multiplo, 59no infinito, 46ordinario, 37simples, 59singular, 37, 39, 59, 60triplo, 37

posicaomuito boa, 62boa, 62

primitivo, polinomio, 142projetividade, 51

Page 159: A Katia M. E. L. Vainsencher - public.allanswered.com · mente a reta Ob. Esta constru¸c˜ao requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para

INDICE 153

racionalcurva, 8, 95funcao, 95, 99parametrizacao, 95

referencial, 13regular, funcao, 98resultante, 22, 25reta, 2

no infinito, 50projetiva, 48tangente, 60

rosacea, 39, 70

serie de potencias, 75subespaco projetivo, 54

tacnodal, 38tangente, 37traco, 10, 50transformacao afim, 13

representacao matricial, 16triangulo de referencia, 52trissectriz, 56

zeros de Hilbert, 29