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Editora AMCGuedes 2016 A JUSTIÇA DA FRANÇA Um modelo em questão Luiz Guilherme Marques 2ª Edição

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Editora AMCGuedes2016

A JUSTIÇA DA FRANÇA

Um modelo em questão

Luiz Guilherme Marques

2ª Edição

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Direitos ReservadosLuiz Guilherme Marques

CapaL.

RevisãoLúcia Amorim

ISBN: 978-85-8356-0

MARQUES, Luiz Guilherme. A Justiça da França:Um modelo em questão. 2ª Ed. Rio de Janeiro:Editora AMCGuedes, 2016.I. Direito. II. Direito Comparado. III. História. IV.França. V. Título.Rio de Janeiro, 2016.

Este livro é uma homenagem a Paul Magnaud.

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Dedicatória:- Vera Lúcia Ribeiro Rodrigues, minha esposa- Tereza Cristina de Almeida Marques e Jaqueline Mara deAlmeida Marques, minhas filhas

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Eu nasci para escrever este livro“A Justiça da França – um modelo em questão”,

para ver a Justiça de Minas Gerais (e do Brasil também)aproveitando o que a França tem de melhor.

Sem o apoio de Reynaldo Ximenes Carneiro, José NorbertoVaz de Mello, José Guido de Andrade, Nelson Missias de Morais,Doorgal Gustavo Borges de Andrada, Amilar Campos Oliveira,Ernane Fidélis dos Santos, Rubens Xavier Ferreira, José FernandesFilho, José da Costa Loures, Márcio Aristeu Monteiro de Barros,Sérgio Léllis Santiago, Antonio Sérvulo dos Santos, Fátima NancyAndrighi, Sálvio de Figueiredo Teixeira, Paulo Geraldo de OliveiraMedina, Herbert Carneiro, Jane Ribeiro Silva e Marcelo Piragibeeu não teria chegado onde cheguei em termos profissionais.

Sem os exemplos de Antonio de Arruda Marques, Mitizida Silva Marques, Mariana Curvo da Silva e Gilberto Pontes deAndrade eu não seria o que sou como ser humano.

Por alguma coincidência determinada por Deus, aAMCGuedes cresceu junto comigo.

Sem a minha esposa Vera Lúcia Ribeiro Rodrigues eunão seria feliz do jeito que sou.

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A INFLUÊNCIA DE PAUL MAGNAUD SOBREA JUSTIÇA DO SEU PAÍS

Henry Leyret, que reuniu e comentou algumas sentençase escritos de Paul Magnaud, no livro “Les Jugements duPrésident Magnaud” (P. V. Stock Éditeur, Paris – FR, 1911, p.330) onde afirma: “A repercussão provocada pelo julgamentodo presidente Magnaud no processo de Chiabrando trouxecomo consequência o ministro da justiça ter endereçado aosmembros do Ministério Público uma circular referente àrepressão da vadiagem e da mendicância. Comparando essacircular com as sentenças do tribunal de Château-Thierrysobre o assunto, constataremos que o referido ministro seapropriou pura e simplesmente das ideias do presidenteMagnaud”.

Essa foi uma das várias inovações de Magnaud que setornaram referência para o Direito francês, e, (por que não dizer?),mundial.

Infelizmente, quase tudo cai no esquecimento.

Todavia, se no Direiro francês a figura ditatorial deNapoleão Bonaparte acabou eclipsando, com seus Códigos, ade Magnaud, na área da Justiça, no meu entender, ninguém fezmais respeitável o Judiciário francês do que Magnaud.

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LISTA DE ABREVIATURAS

CA – Corte de ApelaçãoCRC – Câmaras Regionais de ContasDEA – Diploma de Estudos AprofundadosDESE – Diploma de Estudos Superiores EspecializadosDEUG – Diploma de Estudos Universitários GeraisFF – Franco FrancêsJT – Jurisdições TrabalhistasTC – Tribunais do ComércioTCI – Tribunais do Contencioso da IncapacidadeTGI – Tribunais de Grande InstânciaTPSS – Tribunais de Processos de Seguridade Social

SUMÁRIO

1.1. APRESENTAÇÃO DA 1ª EDIÇÃO........................... 131.2. APRESENTAÇÃO 2ª EDIÇÃO ................................ 151.3. INTRODUÇÃO DA 2ª EDIÇÃO ............................... 19

2. DIREITO FRANCÊS ..................................................... 212.1. Características ........................................................... 212.2. História da justiça....................................................... 23

2.2.1. Justiça medieval .................................................. 362.2.2. Justiça do trabalho e do comércio ...................... 382.2.3. Justiça da igreja .................................................. 402.2.4. Tribunal da inquisição nasceu na França ............. 412.2.5. Evolução da justiça e do direito ......................... 422.2.6. Juízes profissionais: origem ................................. 442.2.7. Fortalecimento do judiciário: época de Luís XV..... 472.2.8. Novo regime ...................................................... 592.2.9. Revolução francesa: reforma de justiça .............. 592.2.10. Eleições de juízes............................................... 602.2.11. Consulado ......................................................... 612.2.12. Centralização administrativa .............................. 632.2.13. Tribunal Revolucionário ..................................... 66

2.3. Histórias do direito .................................................... 76

3. PODER JUDICIÁRIO .......................................,............ 873.1. Grandes magistrados ................................................. 94

3.1.1. Paul Magnaud .................................................... 943.1.2. Parodi René ....................................................... 973.1.3. Paul Didier ......................................................... 1003.l.4. BrilIat-Savarin ................................................ 1023.1.5. Michel de Montaigne ..................................... 1043.1.6. Montesquieu ................................................. 108

3.2. Magistratura honesta ................................................. 121

Luiz Guilherme Marques A JUSTIÇA DA FRANÇA - UM MODELO EM QUESTÃO

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4. ÓRGÃOS DA JUSTIÇA FRANCESA .......................... 1254.1. Orgãos judiciários ...................................................... 128

4.1.1. Tribunais de grande instância ............................. 1284.1.2. Tribunais de instância ......................................... 1344.1.3. Tribunais do comércio ....................................... 1364. l.4. Jurisdições trabalhistas ...................................... 1404.1.5. Tribunais de processos de seguridade social ..... 1424.1.6. Tribunais do contencioso da incapacidade ......... 1424.1.7. Tribunais paritários de arrendamentos rurais ...... 1434.1.8. Juízes de instrução ............................................. 1444.1.9.Justiça juvenil...................................................... 1454.1.10. Jurisdições militares ......................................... 1464. l. 11. Corte de Justiça da República ....................... 1484.1.12. Tribunais marítimos comerciais ........................ 1494.1.13. Tribunais de polícia .......................................... 1494.1.14. Tribunais correcionais ..................................... 1504.1.15. Tribunais do júri .............................................. 1504.1.16. Cortes de apelação ......................................... 1514.1.17. Cortes de cassação ......................................... 1534.1.18. Tribunal dos conflitos ....................................... 155

4.2. Órgãos da justiça administrativa ................................ 1564.2.1. Conselho de estado ............................................ 1564.2.2. Tribunais administrativos .................................... 1604.2.3. Cortes administrativas de apelação ..................... 161

4.3. Órgãos especiais ....................................................... 1634.3.1. Corte de contas ................................................. 1634.3.2. Câmaras regionais de contas .............................. 1634.3.3. Corte de disciplina orçamentaria e financeira ........ 164

4.4. Jurisdições separadas ................................................ 1644.4.1. Conselho constitucional....................................... 1644.4.2. Alta corte de justiça............................................. 165

5. CARACTERÍSTICAS DA JUSTIÇA JUDICIÁRIA ........ 1675.1. Tradicionalismo ......................................................... 167

5.2. Juízes leigos ............................................................... 1695.3. Juízes togados judiciários: Formas de recrutamento ....... 1705.4. Juízes como “bouche de la loi” ................................. 1745.5. Sistema colegiado ..................................................... 1815.6. Especialização ........................................................... 1815.7. Unidade de corpos judiciários .................................. 1825.8. Dicotomia justiça judiciária - justiça administrativa ... 1835.9. Hierarquização ......................................................... 1845.10. Gestão através de assembleia ................................. 1865.11. Corte suprema: órgão consultivos ........................... 1875.12. Corte suprema: os juízes ........................................ 1875.13. Corte suprema: processos ...................................... 1885.14. Magistrados fora da magistratura ........................... 1885.15. Sentenças concisas ................................................. 1885.16. “Em nome do povo francês” .................................. 1895.17. Animosidade contra a “Ciência” processual ............ 1895.18. Estatuto da magistratura ......................................... 1905.19. Conselho superior da magistratura: controle externo ...... 1925.20. Acesso à justiça e ao direito .................................. 1935.21. Nobreza de toga .................................................... 1985.22. Direitos humanos ................................................... 1995.23. Presença do juiz de instrução na faseinvestigatória do Processo Penal ..................................... 1995.24. Responsabilidade civil do estadoe responsabilidade regressiva dos juízes .......................... 2015.25. Desconfiança em relação aos juízes ...................... 2015.26. Participação feminina .............................................. 2045.27. Demanda reprimida ................................................ 2045.28. Conselho constitucional .......................................... 210

6. NORMAS CONSTITUCIONAIS ................................ 2156.1. Constituições de 1791 a 1946 ................................. 2156.2. Constituição de 1958 (atual) ....;............................... 216

7.A JUSTIÇA COMO SERVIÇO PÚBLICO..................... 2198. ESCOLA NACIONAL DE MAGISTRATURA ............ 221

Luiz Guilherme Marques A JUSTIÇA DA FRANÇA - UM MODELO EM QUESTÃO

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APRESENTAÇÃO DA 1ª EDIÇÃO

Tenho o prazer de apresentar esta importante obrajurídica do Juiz Luiz Guilherme Marques. Trata-se de trabalhode profunda pesquisa sobre o Judiciário francês.

Principalmente agora, quando, no Brasil há certatendência de reduzir a autonomia do Poder Judiciário, mormentecom a espúria tentativa de criação de desordenado controlepolítico sobre o mesmo, o estudo vem enriquecerconsideravelmente as fontes de pesquisa, para tomadas deposição referentes ao tema de suma gravidade.

O autor faz completo estudo do Judiciário na França,depois de tecer substanciosas considerações sobre a formaçãonão apenas da Justiça francesa, como da própria evolução dodireito naquele País, com precisas informações de aspectosparticulares, como o da valorização do direito público em detrimentodo direito privado, com a perfeita distinção das importantes fasesdelimitadoras, de antes e após Revolução Francesa, sem deixar,porém, de analisar períodos anteriores, responsáveis por algumasdiversificações de princípios entre regiões.

Em sua exposição, fazendo distinção entre a chamadaJustiça Judiciária e Justiça Administrativa, o autor deixa entenderque, de fato, a autonomia do Judiciário, como Poderindependente, ainda está distante da realidade, .principalmenteem razão do controle de constitucionalidade, exercido por órgãoeminentemente político.

Pela própria posição da doutrina francesa, o autordemonstra que não há concordância de ser o Judiciário Poder,com a informação das várias opiniões que surgem a respeito,mas ressalta a acentuada tendência legislativa de que o País temque caminhar para seu fortalecimento e colocá-lo noposicionamento ideal, ao lado do Executivo e do Legislativo.

No meu pensar, o mais importante do estudoapresentado é o fato de a pesquisa, pormenorizada, minuciosa e

9. ÓRGÃOS DE CLASSE ................................................. 2279.1. União sindical dos magistrados .................................. 2279.2. Associação profissional dos magistrados ................... 2289.3. Sindicato da magistratura ........................................... 228

10.0 MINISTÉRIO PÚBLICO (PARQUET) ..................... 23111. AUXILIARES DA JUSTIÇA ........................................ 233

11.1. Advogados .............................................................. 23311.2. Trabalhadores sociais .............................................. 23411.3. Escrivães ................................................................. 23411.4. Oficiais ministeriais .................................................. 235

11.4.1. “Avoués” ..................................................... 23511.4.2. Advogados dos conselhos ........................... 23511.4.3. Oficiais de justiça.......................................... 236

11.5. Notários .................................................................. 23611.6. Escrivães dos tribunais do comércio......................... 23711.7. Oficiais e agentes de polícia...................................... 23711.8. Peritos judiciais......................................................... 238

12. O ENSINO JURÍDICO ............................................... 23913. O MINISTÉRIO DA JUSTIÇA ................................... 24114. CONCLUSÕES ........................................................... 24315. NOTAS DEREFERÊNCIA .......................................... 24516. APÊNDICE................................................................... 257

16.1. Carta Judiciária Francesa ........................................ 25716.2. Associações Internacionais de Magistrados ............. 263

16.2.1. Associação Europeia dos Magistrados ......... 26316.2.2. União Internacional dos Magistrados ........... 264

17. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................... 26518. ÍNDICE REMISSIVO .................................................. 271

A JUSTIÇA DA FRANÇA - UM MODELO EM QUESTÃOLuiz Guilherme Marques

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completa, não apenas da Magistratura, mas de todos os órgãosque, de alguma forma, estão envolvidos na atividade judiciária,ter sido realizada por magistrado que pertence a outro sistemade características bem diferenciadas.

Nas entrelinhas das diversas posições apresentadas, o autordeixa bem claro que um dos pontos fundamentais da contestaçãoao Judiciário como Poder estaria no fato de não se vislumbrar nadivisão de Montesquieu a atividade do julgamento como expressãoda vontade do povo, o único responsável pela criação do mesmo.Tal sentimento, todavia, talvez seja levado pela antiga forma de senomear o magistrado francês, muitos dos quais leigos,tradicionalmente, composta a magistratura por homens de elite,sem qualquer vinculação social com o povo. Deste exemplohistórico, o Brasil pouco.tem a apresentar, porque o magistradobrasileiro comum, principalmente em períodos mais recentes, éhomem que vem do povo, com ascensão ao cargo, depois devencer difíceis obstáculos, como concurso de provas e títulos,exceção feita apenas aos chamados quintos constitucionais, osquais, no entanto, não desnaturam o Poder, já que passam aparticipar da completa independência que o caracteriza.

Mercê de Deus, pode-se até dizer que, no Brasil, oJudiciário não é Poder que emana do povo, mas o próprio povono exercício do Poder.

A formação dos Tribunais Superiores, através da indicaçãodo Executivo e aprovação do Legislativo, em princípio, não afetaa completa independência do Poder Judiciário, já que, ao contráriodo que ocorre na França, onde a autoridade judiciária é garantidapelo Presidente da República, o Supremo Tribunal Federal, noBrasil, se posta como o autêntico guardião da Constituição.

A leitura do trabalho de Luiz Guilherme Marques vale apena, mesmo porque, conhecendo o polêmico sistema francês,muito se aprende para aprimoramento do nosso.

Ernane Fidélis dos Santos

APRESENTAÇÃO DA 2ª EDIÇÃO

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Luiz Guilherme Marques A JUSTIÇA DA FRANÇA - UM MODELO EM QUESTÃO

Transcorridos 15 anos, eis que vem a lume a 2ª ediçãodesta obra “A Justiça da França: um modelo em questão”, naqual o seu autor Luiz Guilherme Marques efetua um notáveltrabalho de pesquisa sobre a justiça francesa, tanto no que tangeà sua estrutura quanto ao seu funcionamento. Paralelo a istocontextualiza tal panorama com os acontecimentos históricos queurdiram tal configuração, com desdobramentos ora consoantescom os pensamentos das épocas e em outras tantas cominequívoco e personalíssimo traço francês.

Sob o aspecto das Ciências Jurídicas, não vejo o queacrescentar à excelente apresentação elaborada por ErnaneFidélis dos Santos, exceto reforçar a sua percepção e temor(quinze anos atrás) de uma redução da “autonomia do PoderJudiciário, mormente com a espúria tentativa de criação dedesordenado controle político sobre o mesmo”, fenômeno esteque tenta se replicar no atual momento da nossa história.

Difícil travessia.Eis que o mundo rompe suas amarras com os ideais

iluministas e sobre seus escombros constrói – nos moldes de umShopping Center – um suntuoso e admirável ícone que sintetizae reduz a felicidade humana a uma necessidade urgente e fugazde fruição dos prazeres sob o signo do individualismo. Nestecontexto, o semelhante pouco representa em termos de afeto emuito de óbice à consecução dos desejos. Inauguramos, destaforma, um viver de cada um por si, onde a farinha sempre épouca e o pirão será repartido entre uns poucos comensais. Énesta bitola estreita que o brasileiro trafega seus sonhos de vencerna vida e mesmo passar num concurso público e assumir umcargo no qual embalará seus projetos de ascensão social e mesmoconsumo conspícuo. Neste processo valores são deslocados e

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Luiz Guilherme Marques A JUSTIÇA DA FRANÇA - UM MODELO EM QUESTÃO

entre eles, o império das leis se estabelece em detrimento dasregras informais de convivência que sempre nortearam a vidahumanamente concebível. Submetemos os nossos destinos àsdecisões de uns poucos sobre os quais desconhecemos quasetudo, exceto o traquejo midiático, pois que sombras fugidias apercorrer labirintos que povoam os pesadelos individuais ecoletivos. Abrimos mão do nosso livre arbítrio em favor de umacodificação formal de condutas predeterminadas, mas nemsempre ilibadas.

Apesar do furor dos debates, da intensa exposiçãomidiática e das ações catastróficas suscitadas pela ideologiapolítica, indubitavelmente a hegemonia da modernidade repousa,com aparente neutralidade, na ciência em sua imbricação com atecnologia. É na ciência como técnica, preconizando uma causaeficiente, que repousam os pilares mestres que legitimam tudo omais, pois que a hegemonia permeia, em escala global, o concertodas relações sociais, dado que imprime um modo específico depensar. Tanto no passado quanto no presente as formashegemônicas de conhecimento não guardaram dependência aosseus acertos ou grau de verdade, pois que se estruturam emlegitimações que interditam possíveis questionamentos.

Os dicionários, com algumas diferenças de palavras nosinformam que ciência é basicamente um conjunto organizado deconhecimentos sobre determinado objeto, especialmente osobtidos mediante a observação dos fatos e um método próprio.Sabemos que a ciência moderna é mais que isso, que observaregras de sistemática, objetividade, controle, predição, precisãoe mais uma infinidade de estatutos. Já no distante limiar do séculopassado, Max Weber alertava o poder da Ciência emdesqualificar julgamentos éticos de valor por questões deneutralidade e mensurabilidade. Em resumo, as relações sociaisem vigor nas sociedades atuais, não são permeadas em suatotalidade pelo pensamento científico hegemônico. MarcondesFilho detecta um descompasso uma vez que fica patente que um

conhecimento hegemônico estruturado em objetividade,sistematização, controle, predição, neutralidade e precisão impõeà sociedade em geral um “novo modo de pensamento [que]dispensa comprovações, verificações, constatações”. Comoum tipo de conhecimento reconhecidamente hegemônico, queestabelece pré-requisitos de verdade, precisão e comprovaçãoconvive com relações sociais que patenteiam “o falso, o formal,o aparente, o relativo...”?. Desta forma infalível, as CiênciasJurídicas se impuseram como únicas e naturais substitutas dasformas precedentes de administração da justiça e, porconsequência, com a legitimidade para desqualificar julgamentoséticos de valor.

Vivemos num cenário em que a sanção jurídica se fazimprescindível para quase todas as ações humanas, posto que aforma como se estrutura tende a desqualificar as relações antesregidas pelos costumes. Tal situação imprime um movimento quedeságua numa tendência a uma excessiva judicialização dassociedades e tal fato implica numa redução da plenitude da vida,doravante pautada/adestrada por um padrão aparentementeneutro, porém definido e decidido por sombras. Sombrio éreconhecer que se necessita de sanção jurídica para educar umfilho assim como para invadir um país e destruí-lo conforme ométodo preconizado por especialistas em morte. Maispreocupante é reconhecer que nestas decisões nem sempre valeo escrito, mas preponderam as interpretações viciadas e/ou quechancelam interesses pontuais. Espanta, deveras, a naturalizaçãoda frase: não é moral, mas é legal, como a legitimar umatautologia de inegável e definitiva hipocrisia.

Decerto que, enquanto as almas (o espírito dehumanidade) não se atrofiarem de vez, os Quixotes, embora deforma dispersa, sempre brotarão, como se frutos de geraçãorenitentemente espontânea, bastando para tanto a presença dasinjustiças recobrindo as sociedades. Talvez a maior dificuldadeem ser um Quixote moderno não seja a mesma que Miguel de

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INTRODUÇÃO DA 2ª EDIÇÃO

Quando escrevi a primeira edição deste livro minharealidade profissional era totalmente outra, bem como a realidadebrasileira: eu ainda não podia falar tudo que gostaria e a Justiçabrasileira ainda não tinha entrado na crise que agora vive.

O livro foi escrito em 2000, quando era presidente darepública Fernando Henrique Cardoso, a quem se imputavamuitas iniciativas prejudiciais ao Brasil, mas que nãocomprometiam o quanto depois veio a acontecer nos governosde Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, que terminaram oprimeiro como réu em processo criminal diante da 13ª Vara daJustiça Federal sob a imputação de crimes graves e a segundaque sofreu impeachment.

Minhas palavras eram contidas, porque, afinal, além deser esse o meu primeiro livro, eu ainda tinha uma longa trajetóriaa percorrer na Magistratura mineira.

Agora, dezesseis anos depois, com tempo para meaposentar por tempo de contribuição previdenciária (ou seraposentado, se vier a acontecer, como acidente de percurso),tenho este adendo a fazer, pois não quero cingir-mesimplesmente a mostrar o resultado de uma pesquisaaprofundada sobre a realidade francesa, mas principalmentequero dizer aos meus compatriotas brasileiros que a nossa Justiçatem de melhorar.

Na época eu tinha que contentar-me em falar e não serouvido, mas agora falo com a intenção de exercer algumainfluência, se não sobre o Judiciário e demais operadores doDireito, pelo menos informar aos brasileiros que há países ondea Justiça tem mais recursos que a nossa e que a nossa deveprocurar se aperfeiçoar.

1918

Luiz Guilherme Marques A JUSTIÇA DA FRANÇA - UM MODELO EM QUESTÃO

Cervantes Saavedra impôs ao original Cavaleiro da Triste Figura.Os Quixotes reatualizados não são vítimas da caduquice nemenlouqueceram. Pelo contrário, são os mais atualizados econectados aos contextos contemporâneos. Lúcidos, sabem deantemão que estão desarmados e que serão batidos em todasas batalhas, mas darão continuidade a esta eterna luta posto queconfrontam e se reconfortam com a única forma de se manteremíntegros e de preservarem o sentimento do mundo.

Creio que após tal rasgo laudatório ao humanismosoterrado, resta então falar do autor deste livro que ele considera– qual o filho favorito – a seu melhor e mais completo trabalho.Importante a segurança de tal escolha, posto que escritor defôlego avantajado, escreveu mais de 150 livros e publicou quaseuma centena deles. Decerto tem consciência (e desejos) de queesta obra pode ser uma contribuição ao nosso sistema judiciárioe, desta presunção, desdobramos do estudioso do direito, ocidadão cioso de suas responsabilidades sociais, disposto aexpressar a sua inconformidade com uma realidade ondepreponderam as injustiças e as iniquidades. Seguindo a trilhapaterna, desde 1981 que Luiz Guilherme Marques é um diligenteservidor da Justiça, primeiramente como Promotor eposteriormente na condição de Juiz de Direito. Divorciado donatural corporativismo e individualismo reinantes, sempremanteve uma postura de respeito às leis, mas buscou revesti-lasde um caráter moral, de um conteúdo de humanidade, trilhandoum caminho que saciasse a sede de justiça e não somenteatendesse os códigos, leis e jurisprudências.

De toda sorte, com esta reedição, mais uma vez, eleretoma as lutas encadeadas com a postura de um samurai quenão se abate com os insucessos e, seguramente rejuvenescidose solidariza com os tantos Quixotes dispersos pelo mundo epelos rincões do nosso país.

Marcelo Cavalcante

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“A Justiça da França – um modelo em questão” é omesmo livro da primeira edição, mas tem este dado novo: adedicatória a Sérgio Fernando Moro, que equiparo ao juiz PaulMagnaud, ambos que reputo como os magistrados maiscompletos de que tive notícia em toda a História da Justiça.

Não que não tivesse havido grandes juízes, mas essesrepresentam a afirmação inteligente, corajosa e inabalável dojuiz de primeira instância, que, da base, abalam a cúpula.

Considero a Justiça de primeira instância a mais admiradapelos jurisdicionados, justamente porque está próxima e lhesserve diretamente.

No sistema brasileiro, a ingerência do Executivo e doLegislativo a partir da segunda instância prejudica muito a imagemdo Judiciário, tirantes os magistrados que estão nessa instânciacomo egressos da primeira, tendo sido naquela aprovados emconcursos públicos.

Acho que a única forma de prova de notável saberjurídico para efeito do trabalho no Judiciário é o concurso público,pois a tarefa do juiz é específica e de nada adiantam títulosacadêmicos etc. se não o demonstrar através do respectivoconcurso, em que, além das provas orais e escritas, terá demostrar adequação psicológica através do exame psicotécnico,que deveria ser prova eliminatória, aliás, a primeira das provas.

Ou tenho vocação para ser juiz ou não a tenho: o maissão filigranas.

Juiz de Fora – MG, 21 de novembro de 2016.Luiz Guilherme Marques, juiz de direito e pesquisador

2. O DIREITO FRANCÊS

2.1. CARACTERÍSTICAS

Em termos de Direito, a França classifica-se como umdos países da grande família romano-germânica, notando-se nopaís, atualmente, uma excessiva Valorização do Direito Públicoem detrimento do Direito Privado, portanto, em termos de Justiça,um prestígio maior da Justiça Administrativa em detrimento daJustiça Judiciária.

Os sistemas jurídico e Judiciário franceses são muitopeculiares, não tendo semelhança a não ser com aqueles paísesque os imitam. ANCEL (1980:23) afirma textualmente que “Asleis francesas sobre as sociedades comerciais, o cheque, o Direitomarítimo da segunda metade do século XIX se inspiram,amplamente, nos sistemas estrangeiros...” Essa “importação”, épouco comum no Direito francês, motivada provavelmente peloforte nacionalismo do povo francês. Pelo mesmo motivo, poucosjuristas franceses manifestam interesse pelo Direito Comparado,apesar de se contarem franceses entre os grandescomparativistas, como, por exemplo, Raymond Saleilles,Edouard Lambert, René David e Marc Ancel.

ALMEIDA (1998), apresenta-nos o seguinte perfil geraldo Direito francês:

1 – A concepção do Direito como regra deconduta tendente à realização da. justiça;

2 – Estrutura da regra jurídica concebida comelevado grau de generalidade e abstração;

3 – Primazia do Direito substantivo sobre oDireito processual (pelo menos, no discurso jurídicooficial); o Direito de ação como meio de efetivação deDireitos subjetivos;

Luiz Guilherme Marques A JUSTIÇA DA FRANÇA - UM MODELO EM QUESTÃO

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Luiz Guilherme Marques A JUSTIÇA DA FRANÇA - UM MODELO EM QUESTÃO

4 – Distinção entre Direito público e Direitoprivado; a subdivisão do Direito objetivo e da ciênciajurídica em ramos de Direito;

5 – 0 Estado como base da organizaçãopolítica; coincidência tendencial entre ordem jurídicae normas de origem estadual;

6 – Organização do poder político emconformidade com a Constituição escrita; separaçãode poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário);democracia política representativa (salvo algumasdescontinuidades históricas);

7 – Consagração constitucional de direitos,liberdades e garantias individuais (as exceçõespertencem mais ao domínio da não aplicação efetivado que da sua recusa explícita em normas legais);

8 – Fiscalização da constitucionalidade das leis.9 – Competência legislativa distribuída entre

as instituições parlamentares e as governamentais.10 – Primado da lei, tanto no plano hierárquico

como no da sua importância relativa, enquanto fontede Direito aplicável a todas as áreas jurídicas.

11 – Concentração de uma parte significativadas regras legais em códigos, organizados de modosistemático e segundo critérios doutrinários.

12 - Declínio da importância do costume.13 – Contraste entre o discurso dominante e o

oficial, que recusa à jurisprudência o valor de fonte decriação normativa, e a sua efetiva importância enquantomeio de conhecimento, e de evolução do Direito.

14 – Influência da doutrina na construção ecompreensão dos sistemas jurídicos, nas reformaslegislativas e, em diferentes graus, no modo deaplicação do Direito.

15 – Utilização, na interpretação da lei, de umpluralismo metodológico em que, segundocombinações variáveis, são atendíveis os elementosliteral, teleológico, sistemático e histórico.

16 – Aplicação analógica como meioprivilegiado de integração de lacunas da lei.

17 – Organização judiciária ordinária oucomum hierarquizada em três níveis; tribunais de 1ª ede 2ª instância dispersos no território; Tribunal Supremovocacionado para a uniformização da jurisprudência.

18 – Jurisdição Administrativa composta porTribunais Administrativos com competência para ocontrole da legalidade dos atos da Administração Pública.

19 – Formação universitária em Direito comorequisito geralmente exigido para o exercício de profissõesjurídicas superiores (Magistraturas e Advocacia).

20 – Dualidade de Magistraturas – judicial e aoMinistério Público – compostas na sua quase totalidadepor magistrados integrados em carreiras profissionais.

21 – Tendêncial unidade, da profissão deadvogado, a quem incumbe o patrocínio judiciário e oaconselhamento jurídico dos clientes.

(ALMEIDA, 1998:72/74).

2.2. HISTÓRIA DA JUSTIÇA

NASCIMENTO (1997:3) mostra o vaíor do conhecimentoda História para bem se entender as instituições jurídicas, quandoafirma que “A lição vem de J. Ortolan, de quem aprendemos queo bom conhecimento de uma legislação depende do bomconhecimento da sua história. É esta uma verdade muito clara”.

Robert BADINTER, afirma que “é impossível apreenderdeterminadas regras da Justiça francesa e caracterizar suas

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dificuldades, quando não inseridas em sua época.” (BADINTER,1994:7/10).

Sem se conhecer a História da Justiça francesa éimpossível compreendermos suas instituições, já que todas têmraízes geralmente profundas no passado. As mudançasocorreram geralmente de forma gradativa (com exceção daquelasocorridas na Revolução Francesa), sempre combinando opassado com as tendências mais modernas.

Para facilitar sua compreensão, dividiremos a história daJustiça francesa em dois períodos: o primeiro, anterior àRevolução Francesa (ou seja, o chamado Antigo Regime), e osegundo, a ela posterior. Mas, inicialmente, abordaremos algunsaspectos de um período mais remoto.

Afirma-se que nada se sabe sobre a Justiça dos celtasque habitavam o território onde hoje é a França. Alguns estudiososdo Celtismo dizem, no entanto, que os druidas (elite religiosa eintelectual) detinham as funções judiciárias, sendo curioso odetalhe de que os réus condenados à morte somente eramexecutados depois de cinco anos da data da sentença, com afinalidade de propiciar-lhes tempo para se arrepender.

Com a invasão romana, o sul da França adotou o estiloromano de Direito e Justiça, com a influência cada vez maior doDireito escrito em detrimento dos costumes, ficando o nortebastante refratário a essa influência, permanecendo muito maisligado aos costumes. Com as invasões dos francos na parte norte,ficou mais evidente a diferença entre o norte e o sul do país.

Os francos não conheciam a, escrita e dirigiam sua vidapelos costumes. Implantaram suas regras, que perduraram pormuito tempo, até que, com o fortalecimento da realeza, foiocorrendo certa unificação na “legislação”, que terminou por seconsolidar, sobretudo, na época de Napoleão Bonaparte.

Os juízes, que na Idade Média, eram meros“empregados” dos senhores feudais de maior ou menor poder,

foram ganhando prestígio à medida que o feudalismo ia ganhandoespaço na realeza, até chegarem ao ponto de negaremcumprimento às normas legais editadas pelo rei, tornando-se,precursores, de forma direta ou indireta, da Revolução Francesa.Após a Revolução, foram reduzidos a simples servidores doesquema governamental.

Sigamos, então, na esteira das citações, a evolução daJustiça francesa que, acompanhadas de algumas palavras nossas,apresentam ao Leitor como ela ocorreu.

Na primeira parte nos valeremos principalmente dasinformações da Professora ARLETTE LEBIGRE, respeitadahistoriadora do Direito francês, que mostra detalhes interessantesda Justiça francesa na época anterior à Revolução ocorrida em 1789.

A Justiça medieval era complexa, devido, na certa, aoisolamento dos feudos, cada um com regras próprias, juízes epopulação com pouco ou nenhum grau de instrução. Assim: “...a Idade Média não conheceu ‘uma’ Justiça, mas ‘diversas’Justiças.” (LEBIGRE, 1995:20).

Em determinada fase da Idade Média, a Igreja Católicatomou a iniciativa de proibir os ordálios (provas pelo fogo, águafervente, ferro em brasa e duelo), que tinham sido implantadosno território francês pelos povos germânicos que ali aportaram,mas que representavam uma forma de Justiça primitiva: em 1215,no 4° Concílio de Latrão, os ordálios, caídos de certa forma emdesuso, foram definitivamente proibidos pela Igreja, que já oshavia proibido a seus padres. (LEBIGRE, 1995:197).

O rei Luís IX, conhecido posteriormente como São Luíse cuja estátua se encontra na Cour de Cassation francesa, numahomenagem àquele que marcou a história da Justiça de formaindelével, “escandalizado que a vida humana pudesse ser expostapor razões puramente materiais”, ou proibir a batalha nas causascivis em 1254. Quatro anos mais tarde ele estendeu a proibiçãoàs causas criminais. A medida, porém, era prematura e, em 1306,

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Felipe, o Belo, sob a pressão dos senhores feudais. (revogou asleis progressistas de seu antecessor) (LEBIGRE, 1995:198).

O duelo somente seria abolido muitos séculos depois. ORei Luís IX, acima citado, incentivou as soluções pacíficas,atendendo seus súditos em audiências para solução dependências judiciais entre os mesmos, decidindo ou delegandopoderes para seus assessores mais importantes, dentre os quaiso senhor de Joinville.

A tortura, instituto de Direito Processual na Roma antigaquando fosse o réu escravo e que havia sido, durante muitosséculos, aparentemente esquecida, passou a ser usada diuturnae claramente, com aceitação geral dos homens da Justiça:

No fim do século XIII a tortura faz sua apariçãono processo penal, mais exatamente sua reaparição,pois o Direito romano a empregava no caso de escravos,considerados juridicamente como objetos inanimadas.E mais: “Cinco séculos de tortura judiciária. Os juízesa adotaram sem que o legislador tivesse necessidadede instaurá-la. (LEBIGRE, 1995:205).

A Justiça da Igreja Católica, fundada no Direitoromano escrito, foi se fortalecendo gradualmente eimpondo seu estilo à Justiça comum, ainda rudimentare baseada principalmente nos costumes locais. Acompetência das oficialidades se estende aos laicos cadavez que um processo diz respeito de perto ou de longeao domínio da Igreja: crimes contra a fé ou dogmas,infrações consideradas como pecados (adultério,sacrilégio, usura, blasfémia), bem como as causasrelativas ao casamento e afiliação, testamentos,contratos passados sob juramento. A Igreja propõe,dentro de um espírito puramente caritativo, a segurançade sua justiça às “pessoas miseráveis”, pessoas pobressem recursos e proteção, que receavam a parcialidade

das “cortes laicas” (tribunais laicos) em favor de umadversário mais favorecido pela fortuna ou pelonascimento. (LEBIGRE, 1995:23).

Em determinado momento nasce o Parlamento de Paris,posteriormente órgão jurisdicional de 2ª instância até a épocada Revolução Francesa, formado por pessoas de grandeexpressão no meio social:

Até o dia em que alguns barões da corte do reicomeçam a manter o hábito de se reunirem quatro vezespor ano (Natal, Festa de Nossa Senhora das Candeias,Pentecostes e no Dia de Todos os Santos) ‘inparlamento’, literalmente em lugar “onde se fala”, ouseja, um local onde são examinadas as causas a elesubmetidas. Surgia então em 1250, o Parlamento deParis, e com ele o nome, que remontava hierarqui-camente à corte do rei, e atuaria nos julgamentos dosoficiais dos reis, bem como sobre aqueles oriundos dajustiça privada. A ideia do bem-comum predomina eseu êxito foi completo e imediato. Outros parlamentosse sucedem, com o fortalecimento da realeza e da Justiçado rei, até o momento em que os Parlamentos passam aquestionar a autoridade real: Toulouse, Grenoble,Bordeaux, Dijon, Rouen ... as partes não maisnecessitando de se deslocarem até Paris para apresentarseus recursos de apelação firmando-se, dessa forma oDireito superior de justiça da realeza através das cortessoberanas sobre o conjunto do território. (LEBIGRE,1995:32/33).

Pelo prestígio de seus membros, grande era o destaqueda Justiça na vida das comunidades, tanto grandes comopequenas. E, ainda conforme LEBIGRE:

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Toda uma parte da vida social da antiga Françagravita em volta da vida Judiciária, costumando-se dizerque a Justiça do rei era de duas espécies: a delegada,exercida pelos mandatários do rei, e a retida, exercidapelo rei em pessoa. O povo, perplexo com a noçãoabstraía de delegação, prefere a segunda fórmula,mostrando haver compreendido pelo menos o essencial:esta justiça é a justiça comum, diante da qual cada um,pode acusar seu adversário, a qualquer tempo, ou seracusado. (LEBIGRE, 1995:37).

Sobre a complexidade da Justiça, ainda LEBIGREafirma que:

‘A organização Judiciária do Antigo Regimedesafia a lógica ...’mencionando os prebostes e bailios(juízes inferiores) e os prebostes senhoriais (juízessubalternos) ... e dizendo que ‘a pequena guerra entreinferiores e subalternos acontece sobre esse terreno tãomal delimitado que se presta a todas as usurpações ea todos os conflitos de competência’ fazendo o ‘paraísodos advogados, sobretudo os de má-fé’. Francisco Icriou mais um cargo: o de preboste dos marechais (juizmilitar), e estes, através de ‘uma série de éditos vãopouco a pouco, preocupados com a segurança,estender a competência a toda delinquência do meiorural.’ (LEBIGRE, 1995:38,40/41).

Com referência aos múltiplos graus de jurisdiçãoLEBIGRE prossegue:

“Os advogados não formulam apelação uma sóvez, como no nosso sistema que só admite dois graus dejurisdição. Eles podem, se o querem, acumular recursode apelação de forma ilimitada...” (LEBIGRE, 1995:42).

E, quanto à falta de fixação da competência: “A quejurisdição recorrer quando o julgamento do preboste vos foidesfavorável?” (LEBIGRE, 1995:42).

Em 1552, o rei Henrique II decidiu criar cortes in-ermediárias entre os bailios e os parlamentos, limitados osrecursos ao quarto grau de jurisdição:

Na maior parte dos casos, o edito de 1552teve então por efeito criar um quarto grau dejurisdição, e o bom advogado considerava um pontode honra chegar até ao parlamento da corte.Chegou-se a criar um adágio sugestivo no século XVII:Um demandista necessita de três coisas: um saco depapel, um saco de dinheiro e um saco de paciência.Surgiram ainda os chamados ‘juízes extraordinários’(‘juízes especializados em matéria profissional ouadministrativa’) e os ‘juízes consulares, ancestraisdos nossos tribunais de comércio” estando osquestionamentos da área administrativa sob ajurisdição específica dos Depósitos de Sal, Casas deMármore das Aguas e Florestas, Câmaras de Contas,Cortes de Ajudas e Cortes de Moedas. (LEBIGRE,1995:45/ 47).

LEBIGRE destaca como pontos importantes da justiçaretida que:

“... sem prejuízo da delegação, o rei guardaintacto o que restará por muito tempo como aexpressão mesma da soberania: o Direito – e o dever– de julgar seus súditos. [...] O rei é senhor de julgarquem, quando e como ele quiser.” (48). Os tipos decartas reais eram os seguintes: “de chancela, graça,remissão e trégua”. (53)’’As duas modalidades deJustiça tiveram sua utilidade, conforme a referida

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autora, numa análise que procura ser imparcial: Numsistema que não se preocupou com a separação dospoderes, justiça delegada e justiça retida aparecemassim como complementares.’ (57) Os homens dajustiça “formam a mais poderosa das grandesestruturas do Estado principalmente com a ordenançade 21 de outubro de 1467 sobre a inamovibilidade dosoficiais de judicatura e outros: ... os ofícios ‘dejudicatura e outros’ tinham escapado por completo daautoridade real, onde um processo irreversível faz delesuma ‘mercadoria’ negociável ‘a dinheiro sonante’ e,para encerrar, um bem de família transmissível porherança. (59) (LEBIGRE, 1995).

Continuaremos a citar LEBIGRE, indicando o númeroda página de onde o conteúdo foi transcrito.

Como consequência, a independência daMagistratura vai se impor à Monarquia absoluta parao melhor e o pior e Henrique IV, através da Declaraçãoreal de 12 de dezembro de 1604, vai reconhecer apatrimonialidade dos ofícios (60). O chamado ofício(de juiz) é o ‘meio de promoção social por excelênciaem todos os níveis’ (67), surgindo ‘grandes famílias demagistrados’, denominadas de ‘a nobreza togada’ (68).

Proventos dos juízes:O presente espontâneo transformou-se

rapidamente em contribuição obrigatória, emborauma ordenança de 1402 tenha decidido que asespeciarias seriam taxadas para evitar os abusos. (74)Os juízes dessa época foram muito criticados por seremcorruptos, quando se dizia que muitos recebiampresentes de ambos os litigantes, decidindo a favor de

quem desse o de maior valor. Desrespeito à regra dosigilo: A regra do segredo das decisões é violadadeforma habitual (75).

Corporativismo:Sempre o mesmo cuidado em preservar a honra

da Magistratura, ameaçada tanto pelas estúpidasrivalidades de suas elites, como pelos abusos de seuspequenos juízes. (81) A Revolução Francesa extingueos ofícios: Como todos os ofícios, os cargos dejudicatura desaparecem na noite de 4 de agosto de1789. Seus proprietários, cujo capital global foiavaliado entre 426 e 456 milhões de libras, tiveram asatisfação de receber um título de crédito do Estado e,alguns anos depois, serem reembolsados. Estranhodestino de uma ‘mercadoria’, durante tanto tempo‘vendida a peso de ouro’, e que acaba assim, paga emcifras de papel. (83).

O poder dos juízes:“As Cortes são senhoras de sua jurisprudência,

aplicam ou ignoram a seu bel-prazer o ensinamentodos doutrinadores. [...] Mas havia juízes com ideiasavançadas e humanitárias: ...na segunda metade doséculo XVIII a pena de prisão, então quase inexistente,será introduzida no nosso sistema penal semintervenção do legislador, por iniciativa de magistradosconvencidos, pelas utopias dos filósofos do Iluminismo,de seu valor redentor e educativo”. (90).

No entendimento de Colbert, exposto em sua“Dissertação de 1665”, citada por LEBIGRE:

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“Os magistrados da ordem Judiciáriarepresentam face ao rei um contra-poder infinitamentemais perigoso do que os oficiais das Aguas e Florestas,os marinheiros ou os negociantes”. (97).

Judiciário como um dos deflagradores da RevoluçãoFrancesa:

Às vésperas da Revolução, o poder Judiciárioexige mais que o respeito por suas tradições e por sualiberdade (98).

Surgimento recente da polícia: ... o AntigoRegime somente teve verdadeira polícia no últimoséculo de sua existência... (146).

Despreparo dos auxiliares da Justiça:... Um aresto do parlamento de Paris de 4 de

outubro de 1550, prescreve aos juízes ‘não maisreceber e nem instituir sargentos, se eles não sabemler e escrever’, seguimento lógico de um arestoproferido pela mesma corte que obrigava os sardentosa apresentarem seus relatórios por escrito. (148)Desbordamentos do inquisitório depois de um começobem intencionado: No século XIV, o procedimentopenal está em plena mutação. [...] o procedimentoinquisitório ganha terreno sobre o procedimentoacusatório de forma lenta, mas segura. Ainda mais,um pouco mais de um século e ele será totalmentesuplantado. (178) ...em 1670, com a ordenança deSaint-Germain-en-Laye, surgem duas imagenscomplementares e opostas: o juiz armado de todos osrecursos de um procedimento rigoroso, o acusadoreduzido às suas forças, desprovido dos Direitos maiselementares da defesa. (182). Desde que o

procedimento inquisitório destronou o procedimentoacusatório, a detenção se tornou a regra, quando naIdade Média era a exceção (187).

Os juízes seguiam, nos processos, a mesma filosofia dosdoutrinadores da época, quando não se pensava naressocialização do criminoso, mas na sua punição pura e simplescomo mera forma de defesa da sociedade:

‘Dissuadir do crime pelo terror do sofrimento’.(212) (LEBIGRE, 1995).

METHWIER informa detalhadamente a distribuiçãonumérica dos membros do Parlamento de Paris em 1788, quefoi a seguinte:

144 magistrados, sendo nove presidentes (oprimeiro presidente é d’Aligre); 37 conselheiros deGrande Câmara; oito presidentes e 86 conselheiros deinquéritos e requerimentos; um procurador geral e trêsadvogados gerais (os quatro do Ministério Público).Presentes: La Rochefoucauid, Robert de Saint-Vincent,Duval d ‘Eprémesnil, Huguet de Sémonville, AdrienDuport, Montmorrency-Luxembourg, Béthune-Charost, Praslin, Aumont, Uzès, Luynes e os duquesde Choiseul, Coigny e Fitz-fames. Esses homens doParlamento de Paris e outros parlamentares (juízesde 2ª instância) de outras cidades comandaram achamada “rebelião parlamentar”, recusando-se acumprir as leis editadas pelo monarca. (METHMER,1993: 50).

BLUCHE, RIALS e TULARD garantem que oJudiciário francês da época de Luís XVI contribuiu imensamentepara que a Revolução Francesa acontecesse:

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Luís XVI cometeu certamente um erro, logo emnovembro de 1774, ao restabelecer os parlamentos. Comocortes de justiça, (delegada), os juízes, nos processos,seguiam a mesma filosofia dos parlamentos que seautointitulavam guardiães das leis e aproveitavam seuDireito de registro e de ‘admoestações ‘para tentarcontrolar o governo real. Magistrados, proprietários deseus cargos em virtude de sua patrimonialidade, osparlamentares desejavam não obstante ‘representar’ anação. Sua oposição, que se confundia em parte com acontestação jansenista, envenenara a segunda metadedo reino de Luís XV; em 1771, o chanceler Maupeou ossubstituíra por agentes-funcionários, que anunciavama Magistratura moderna. Restabelecidos por Luís XVI,os parlamentos se mostram mais calmos, masdespertarão depois. Com tiradas humanitárias quedissimulam a defesa de seus privilégios –conscientemente ou não, pois muitos jovens magistradossão progressistas e alguns têm espírito aberto – osparlamentares farão fracassar as reformas, necessáriasatiçarão a revolta contra um ‘despotismo’ que procuravamelhorar a condição de vida dos franceses, e darrãoassim o primeiro impulso à Revolução (1989:10).

Outro autor, SEIGNOBOS, oferece dados notáveissobre a França, que passamos a citar:

Os Francos conservavam, em matéria dejustiça, ideias e processos muito diferentes do Direitoromano. Como todos os antigos povos da Europa,praticavam o Direito e o dever de vingança designadoem francês pelo nome corso de vendetto, conservadona Córsega até nossa época. A família inteira eraresponsável pelos atos criminosos de cada um de seus

membros, e tinha igualmente o dever de vingar oscrimes cometidos contra um de seus membros. Osparentes das vítimas entravam assim em guerra contraos parentes do criminoso, e esta é a origem da guerraprivada que durou até ao fim da Idade Média. Comotais vinganças perturbavam a paz do país, a autoridade,para fazer cessar a guerra, impunha às duas famíliasuma ‘composição ‘; o ofensor pagava à vítima ou aosseus parentes uma soma variável segundo a condiçãosocial da vítima e a gravidade do dano. A soma devidapor um assassínio, chamada em latim “o preço dohomem”, e em língua franca weregeld, variava de mil eoitocentos sous de ouro por um personagem da comitivado rei, a duzentos por um homem de condição servil. Ocostume fixava, ainda, o valor de cada parte do corpo,pé, mão, olho; as tradições compiladas estão cheias detarifas de danos. Para decidir os pleitos, os Francosempregavam também o processo do ‘julgamento deDeus’, baseado no sentimento de que Deus intervinhaem favor do inocente contra o culpado. Quando umguerreiro acusava o outro diante do Tribunal, o juizfazia-os combater a ambos e condenava o vencido. Estaé a origem do duelo privado, concebido como uma‘reparação pelas armas’ em caso de ofensa feita à honra.As mulheres e as pessoas de condição inferior que nãopodiam combater deviam submeter-se a uma prova peloferro em brasa ou com água fervente, designada pelonome germânico de ordálio (Urtheil); o resultado decidiaa sentença. (SEIGNOBOS, 1938: 52).

Sobre a influência dos francos na França, o mesmo Autorrelata:

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Dos costumes dos Francos ficaram algunstraços na vida da França. Da tradição francesa da IdadeMédia passaram o ordálio, o duelo, e o prêmio decombate. No Direito privado, entrou a partilha igualdas heranças entre os filhos, o uso da doação, acomunhão de bens entre os esposos. Esta relação entreas moedas devia persistir até a Revolução na França.A unidade de regime que terminou por unir num só corpotodos os súditos dos reis Francos, não alterou jamais adiferença profunda entre a população galo-romana daregião ao sul do Loire e a população miscigenada dosFrancos da região ao Norte do Loire, diferença de fala,de usos e de sentimentos que ficou sendo o caráterfundamental da França. Na região Norte, a única quehavia sido o país dos Francos, é que na Idade Médiairia criar-se a civilização francesa. (77/79).

2.2.1. Justiça Medieval

O rei fazia justiça à maneira dos senhores,ordenando a luta entre os queixosos. A justiça para oscamponeses e a gente do povo dos seus domínios,estava adstrita aos administradores que aplicavam asmultas. (94).

Viscondes e bailios administravam a Justiça de 1° grau:O príncipe delegava seus poderes a lugar-

tenentes (viscondes ou bailios) encarregados dedistribuir a justiça e administrar em seu lugar. (109)Felipe Augusto, tomando por modelo a Normandia,criou em quatro lugares do seu domínio bailiosencarregados de exercer os poderes do rei sobre aregião. Agentes da mesma espécie foram criados maistarde no oeste e no sul e chamaram-se senescais, sendo

a origem dos bailiados e das senescalias que duraramaté 1789. Estes agentes, escolhidos entre os nobrescavaleiros, exerciam em nome do rei todas as funções,como outrora os condes carolíngios; julgavam,administravam e recebiam as rendas; diferenciavam-se, porém dos condes hereditários, pelo fato decontinuarem simples funcionários que o rei nomeavaou substituía à vontade. São Luís cedeu o palácio daCidade que tomou o nome de Palácio da Justiça, emuso até hoje. Os membros destas cortes conservaramo nome de conselheiros que ainda usam. (112).

A Justiça Violenta do Senhor Feudal:Ao senhor reservara-se o poder de julgar os

habitantes de seu domínio, mas não o considerava como dever de fazer justiça aos seus súditos. Apenas vianele uma fonte de rendas, o Direito de aplicar multas econfiscar os bens dos condenados à morte. Nos aiosque enumeravam as rendas de um domínio, a justiçaestava indicada depois das terras e dos moinhos. Umajustiça desta espécie não comportava pena dedetenção. Não existia outra prisão para os detidosalém da “chartre” (cárcere, do latim carcer) reservadoà justiça da Igreja. A repressão consistia ou em multase confiscos em proveito do senhor, ou em castigoscorporais, chicote, mutilação e forca. O senhor não sedava ao incômodo de julgar; arrendava a sua justiça,tal como fazia com o seu moinho, a um empreiteirodesignado pelos termos latinos de preboste no Norte ebailio no Sul. Em cada domínio tinha umadministrador, muitas vezes chamado “maire”(major), a princípio escolhido entre os camponeses;mas a função acabou por tornar-se hereditária. O

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“maire” fazia a polícia com a ajuda dos “sargents”(servidores) armados. E fácil imaginar que espécie dejustiça o vilão podia esperar de agentes diretamenteinteressados em condenar, e a que abusos podiamentregar-se os empreiteiros da justiça e os “maires”.Os documentos não os mencionam e apenas ospodemos entrever num inquérito/eito no século XIIInos antigos domínios do conde de Toulouse. Oscamponeses não tinham de suportar somente osencargos fixados pelo hábito, pois o senhor ou seusagentes usavam do poder discricionário de quedispunham para impor novos encargos; a isto sechamava de “mau costume”. Contra os abusos dosenhor e dos seus agentes o camponês não dispunhade nenhum recurso útil, não podendo mesmo levar asua queixa perante qualquer Tribunal. Umjurisconsulto do século XIII assim diz expressamente:“Entre ti e o teu vilão não há juiz além de Deus”, poucoalterando ou diminuindo o poder efetivo que lheassistia sobre as pessoas. Era-lhes quase impossívelrecusarem-se a mandar-lhe os filhos e seria difícil àssuas filhas e mulheres recusarem-se às fantasias dosenhor. (121/123 e 125).

2.2.2. Justiças do Trabalho e do Comércio

Na região francesa submetida a este regime,todos os habitantes que exerciam na cidade a mesmaprofissão formavam uma corporação à qualnecessitavam pertencer, a fim de ter o Direito defabricar ou de vender as mercadorias provenientesdessa profissão. A corporação chamava-se um ofício,em latim “ministerium” (serviço). Os membros de um

ofício formavam também ordinariamente umaconfraria religiosa que tomava parte, incorporada, nascerimonias e celebrava a festa do santo patrono doofício (São Crispim para os sapateiros e Santo Eloipara os ourives). O número de ofícios variava muitode acordo com as cidades, sendo pequeno nas menorescidades onde várias profissões análogas estavamreunidas em uma mesma corporação, e muito maiornas grandes cidades onde o mesmo tipo de trabalhoestava dividido em várias corporações. Em Paris, desde1160, o trabalho do couro estava dividido por cincoofícios: sapateiros, curtidores, remendões, fabricantesde boldriés e fabricantes de sacos de couro; numlevantamento de impostos referentes a 1291 estãoenumerados mais de trezentos ofícios. Cada ofícioseguia as regras de trabalho fixadas por um antigocostume. Alguns membros da corporação, designadospor nomes diferentes, jurados, guardas, juízes(“prudhommes” – no Sul “bailes”) eleitos porprocessos diferentes, estavam encarregados de exercera autoridade. Deviam reunir e dirigir a assembleia,julgar as pendências entre os membros, cobrar as taxase multas, fazer as despesas, vigiar o trabalho e apor amarca da corporação sobre os objetos reconhecidosconforme as regras. (154/ 155). Para decidir asquestões entre os mercadores, tornava-se necessárioaplicar-lhes um Direito e um processo adequados àsnecessidades do comércio, e esta justiça ficou a cargodos juízes consulares, sendo a origem dos nossostribunais de comércio. Em todas estas inovações,banco, letras de câmbio, desconto, comandita,consulado e justiça comercial, os franceses foramalunos dos italianos. (160).

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2.2.3. A Justiça da Igreja

O poder de julgar os fiéis, reconhecido aosbispos, foi solidamente organizado no século XII. Cadabispo nomeava um juiz especial chamado oficial,encarregado de julgar os processos eclesiásticos na suadiocese, e a oficialidade tornou-se um Tribunal agindocom a colaboração de pessoal auxiliar constituído deprocuradores, escrivães, advogados e notários. Estajustiça da Igreja estendia a sua competência em doissentidos, indicados por duas fórmulas: 1ª) ‘Pela razãoda pessoa’, ela reclamava o Direito de ser a única ajulgar todos os clérigos, não somente os padres,monges e auxiliares encarregados de uma funçãoeclesiástica, mas também os clérigos tonsurados. Aoficialidade reclamava ainda os processos das pessoasque a Igreja tivesse resolvido tomar sob a sua proteção,como os peregrinos, os cruzados e mesmo as viúvas eos órfãos, na qualidade de ‘pessoas miseráveis’. 2ª)‘Pela razão da matéria’, a justiça da Igreja pretendiajulgar no cível os processos dos leigos cujo objetodissesse respeito a um dos sacramentos administradospelo poder espiritual, as questões de casamento eseparação de corpos, as sepulturas e os testamentos,as questões do estado civil, porque o estado das pessoassó era constatado pelo ato de batismo. No crime, ooficial procedia judicialmente contra todos os atosinterditos pela Igreja, como a heresia e a feitiçaria, aviolação de juramento, a blasfêmia, o adultério, e osatentados aos costumes, a usura, o fato de trabalharaos domingos e os de não observar a quaresma... Erao que se chamava “entregá-los ao braço secular”. Apartir do século XI, estabelecera-se o costume de

queimar vivos os heréticos. A autoridade eclesiástica,a fim de constranger os leigos à obediência, continuavatambém a usar o poder de excomungar, poder queexercia desde a oficialização da religião cristã. Aexcomunhão, chamada ‘arma Espiritual’, servia aosprelados contra os nobres que usurpavam um domínioda Igreja, ou contra os príncipes em conflito de podercom o clero. Era pronunciada numa assembleia solenee em termos calculados para aterrar os crentes, poisanunciava que o culpado iria para o inferno. Oexcomungado não era apenas privado de todos ossacramentos, mas ficava também defeso a todos osfiéis terem quaisquer relações com ele. A partir doséculo XI, o clero empregava contra os senhores umnovo processo, a interdição, que consistia em suspendertodas as cerimônias religiosas em todos os domíniosdo senhor em luta contra a Igreja, a fim de obrigar ossúditos a fazerem pressão sobre ele e levarem-no assima submeter-se às vontades da Igreja. Os preladoshaviam experimentado a partir do século XII,especialmente na região do Ródano, impedir as guerrasparticulares impondo a “paz de Deus”, reduzida depoisà trégua de Deus, de três dias por semana. Os relatoscontemporâneos, porém, não fornecem exemplo quea mostre aplicada na prática (faz-se alusão a ela naNormandia, a propósito do Direito e Justiça do duque).(166/167).

2.2.4. O Tribunal da Inquisição Nasceu na França

Para descobrir mais facilmente os heréticosalbigenses, o Papa criou uma justiça especial chamada“inquisítio” (investigação) da atividade herética. Estacomissão, nomeada pela Santa Sé com a missão de

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procurar os heréticos, tinha o poder de substituir todosos tribunais leigos ou eclesiásticos. Empregava umprocesso de inquisição (isto é, de investigação)contrário ao costume do tempo, o qual não permitia ojulgamento de um homem desde que contra ele senãoapresentasse um acusador. Perseguia “ex-officio”quem quer que fosse denunciado como suspeito, ejulgava-o em segredo, condenando-o à penitênciapública ou prisão perpétua numa cela ou ainda à mortena fogueira. Estabelecida a princípio no sudoeste daFrança, esta justiça estendeu-se a quase todos ospaíses católicos, ficando célebre sob os nomes de SantoOfício e Inquisição” (173).

2.2.5. Evolução da Justiça e do Direito

Ao mesmo tempo em que o rei aumentava oseu poder material pelo imposto e pelo exércitopermanente, estendia-o ainda mais ao utilizar-se doseu Direito de servir a justiça, reconhecido em todosos tempos como uma parte essencial das funções reais.Os negócios haviam-se complicado de tal modo, que orei não podia exercer pessoalmente a sua autoridade,fazendo-se então substituir por agentes, aos quaisdelegava uma parte do seu poder de julgar. Osdelegados que haviam substituído diretamente o reiem Paris formavam um corpo chamado Parlamento,separado do conselho do rei, e conservavam o títulode conselheiros. O Parlamento de Paris julgava emgrau de apelação todos os processos cíveis e criminaisque haviam passado pelos tribunais inferiores de todoo velho domínio real, – excetuada a Normandia, queconservava o seu antigo Parlamento em Rouen, e oLanguedoc que tinha em Toulouse um Parlamento

onde se aplicava o Direito romano para os ‘países deDireito escrito’. Os bailios e os senescais, encarregadosde substituir o rei nas diferentes partes do domínio,continuaram a ser cavaleiros nobres a quem repugnavao trabalho da escrita necessário num Tribunal. Faziam-se substituir, então, por dois intendentes, o intendentecivil para os processos entre particulares, e o intendentecriminal para as questões penais. Ordinariamente eramburgueses com estudos de Direito e que compareciamde toga; chamavam-lhes ‘juízes de toga’, e eles faziam-se, por sua vez, ajudar pelos mais antigos advogadosdo Tribunal, e que lhes serviam de conselheiros e muitasvezes preparavam as sentenças. Assim se criara umaclasse de juízes profissionais, com assento comoconselheiros nos Parlamentos, ou como juízes nostribunais de bailiado ou de senescalia. Os litigantesnão tinham o Direito de vir explicar pessoalmente assuas questões perante o Tribunal; eram representadospelos procuradores que preparavam os processos epelos advogados que o defendiam. O bailio real tomou-se na França o mais antigo centro de administraçãolocal, onde se discutiam os negócios da região, e eradirigido, não por nobres, mas por uma categoria delegistas escolhidos entre os burgueses da região. Todosesses burgueses, juízes, advogados e procuradores,haviam feito estudos de Direito nas universidades ouaprendido o ofício pela prática. Chamavam-lhes ‘gentede toga’ ou ‘homens da lei’’. Estas pessoas, sempreocupadas em estudar livros de Direito, autos escritosou peças de processo, trouxeram ao Tribunal hábitosde espírito muito diferentes daqueles dos nobres – emesmo dos almotacéis das cidades – que julgavamsegundo a tradição; eles modificaram profundamente

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a maneira de distribuir a justiça. (SEIGNOBOS,1938:192/193).

2.2.6. Juízes Profissionais: Origem

Houvera até então na França uma espéciediferente de Tribunal para cada categoria de pessoas:a Corte do Senhor para os nobres vassalos, outrajustiça para o pessoal do campo, a corte de burguesespara as pessoas da cidade, e Tribunal da Igreja paraos clérigos. Cada Tribunal julgava de acordo com umcostume, que diferia não apenas em relação à condiçãoda pessoa sujeita à justiça, mas também conforme aslocalidades. Os dos tribunais da igreja e das regiõesde Direito escrito do Sul, derivavam do antigo Direitoromano: mas nos restantes tribunais o juiz nãodispunha de outra regra além do costume transmitidopela tradição, e praticamente baseava-se, para cadaquestão, na lembrança dos julgamentos proferidos emcasos análogos, coisa que. se chamava um precedente.O juiz, ajudado pelas recordações dos antigoshabitantes da região, devia “encontrar o julgamento”,isto é, a regra a aplicar e a sentença a proferir. O regimetransformou-se pouco apouco, quando os julgamentospassaram a ser ditados por juízes de profissão, e osprocessos defendidos pelos advogados que haviamestudado o Direito romano. No costume permaneceusempre a regra oficial do Parlamento de Paris e dostribunais do domínio real, excetuando o Sul. O reiproibiu mesmo o ensino do Direito romano, nuncasubstituiu inteiramente a tradição, mas uma parte dassuas regras foi pouco a pouco sendo adotada pelascortes da Igreja e pelos tribunais do rei. A ação do

Direito romano exercia-se muito desigualmente sobreas diversas partes do Direito. O que menos mudou foio Direito privado da família e das sucessões. A tradiçãono Norte da França conserva a comunidade dos bensentre os esposos, a dotação da viúva, a partilha igualda herança entre os filhos e a limitação do Direito detestar que, do uso em Paris, passaram para o CódigoCivil francês. O Direito romano penetrou, contudo, naprática dos contratos, fazendo admitir que um contratoé fundado não sobre fórmulas solenes, mas sobreintenção das partes, podendo ser constatada por umato escrito ou mesmo por uma simples promessa comjuramento. Ele torna mais frequente o uso dotestamento e consolida mesmo a possessão feudalaplicando-lhe a teoria do ‘domínio útil’, (193/195).

A justiça exercitada pelos Parlamentos no século XVIera venal e desinteressada do Justo:

Todas as justiças dos senhores, baseadas na suacategoria de proprietários, conservavam o Direito dejulgar os habitantes do domínio; o juiz nomeado pelosenhor, a maioria das vezes ignorante do Direito,continuava a explorar os camponeses por meio dascustas do processo e das multas. Das sentenças destesjuízes de aldeia podia-se apelar para o juiz real (dobailiado ou da senescalia), que tomava por conselheirosos advogados de seu Tribunal. No reinado de HenriqueII, o bailiado foi transformado numa sede presidial e orei vendeu aos conselheiros o cargo de conselheiros-juiz, que lhes atribuía o poder oficial de julgardefinitivamente os processos civis. Os processos civismais importantes e os criminais eram levados emapelação aos Parlamentos, que continuavam sendo o

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Tribunal supremo, exceção feita para as causasprivilegiadas que podiam ser levadas até ao GrandeConselho criado no século XV. O Parlamento de Parisconservava o seu poder sobre todo o antigo domínioreal, salvo a Normandia e o Languedoc. A sua funçãoessencial era receber as apelações, isto é, rever assentenças dadas pelos tribunais ordinários. CadaParlamento aplicava a lei à sua maneira, e não houveaté a Revolução nenhum órgão para manter a unidadeda jurisprudência. (230/231).

Juízos colegiados e duplo grau de jurisdição – Francêsjurídico – Justiça estatal e não eclesiástica:

A partir desse tempo fixaram-se dois hábitos najustiça francesa: 1 – sentenças são dadas por um corpoque forma o Tribunal; 2 – os tribunais formam umahierarquia de dois ou vários graus chamados instanciais,de maneira que o pleiteante ou o condenado possasempre apelar da sentença do Tribunal inferior para oTribunal superior que pronuncia a sentença definitiva.O juiz de paz único, o júri sem apelo foi criado depoisda Revolução, segundo o modelo inglês. Para as questõescomerciais foram criados, segundo os italianos os juízesconsulares (origem de tribunais de comércio). Parajulgar o banditismo uma justiça soberana, distribuídapelo “prévôts dês maréchaux” (230) que ficaramencarregados da polícia das estradas e da perseguiçãoaos vagabundos. Foi esta a origem das “prévôtales”(231) mais tarde transformadas em conselho de guerrae do pessoal da polícia chamado “mar-echaussée” (232)de que saiu a gendarmeria francesa. A prática da justiçafoi transformada no reinado de Frederico I por duasinovações de grande alcance. Os atos Judiciários, até

então redigidos em latim, passaram a ser redigidos emfrancês, e os processos civis dos leigos julgados desde oséculo XII pelo Tribunal eclesiástico do juiz eclesiástico,foram transferidos para os tribunais seculares do rei. Olatim, língua da Igreja, e a jurisdição eclesiástica,Tribunal da Igreja, foram afastados da vida pública esubstituídos, na mesma ocasião, pela língua nacional epelo Tribunal nacional. (232).

Século XVII – nascimento do Conselho de Estado paraprocessos de interesse do Estado:

Para os detalhes da administração do reino,Luís XIV conservara alguns corpos chamadosconselhos, compostos de gente de toga. O único quedeixou traços perduráveis no regime da França foi oConselho de Estado, encarregado ao mesmo tempode preparar as ordenações e os regulamentos e dejulgar e os processos entre os particulares e o Estado.Esse Tribunal que subsistiu até agora com as mesmas,atribuições, continuou sendo Tribunal supremo dajustiça administrativa, agindo sobre um processo muitomais expedito que o dos tribunais ordinários. Estaforma de justiça, criação francesa oposta à tradiçãodos países de língua inglesa, serviu de modelo a quasetodos os países do continente. No interior do reino, opoder do rei era exercido de fato pelos “intendentesde justiça, polícia e finanças”. (287).

2.2.7. Fortalecimento do Judiciário: Época de Luís XV

A autoridade real era tão tibiamente exercidaque não impunha obediência aos súditos, e, durantemais de meio século, o Parlamento de Paris pode viver

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impunemente em conflito constante com os ministrosdo rei, servindo do velho costume das representaçõesrestabelecido em 1715. Os éditos, que faziam nessetempo a vez de leis, eram enviados ao Parlamento queos transcrevia em registros, único meio então depublicá-los. Antes de registrá-los, o Parlamento podiafazer observações chamadas “remontrances”(representações ao rei), às quais o rei dispensavaatenção que entendia. Pretendia-se fazer executar oedito ia pessoalmente ao Parlamento “tenir un lit dejustice” (44), para ordenar o registro. Quando oconflito se tornava agudo, acontecia o Parlamentodeixar de distribuir a justiça de modo a irritar oslitigantes contra os ministros. Às vezes mesmo, osmembros do Parlamento davam em massa a suademissão. O governo não a aceitava por não poderindenizá-los do valor dos cargos, mas transferia oParlamento para uma pequena cidade onde osmagistrados se aborreciam, e ambas as partes,fatigadas desses manejos, solucionavam o conflito. Asrepresentações eram secretas, mas pediam-se cópiasao escrivão do Parlamento e essas cópias circulavammanuscritas ou mesmo impressas. Nesse tempo em quenenhuma informação sobre os negócios públicoschegava até à população, as representações eram umsistema de publicidade que dava a conhecer os atosdos ministros e os expunha à crítica. Quando o povode Paris estava descontente, era esse um meio eficazde exercitar a opinião pública contra o governo. OParlamento começara a declarar que, sendo ‘guardiãodas leis fundamentais do reino’, se sentia na obrigaçãode impedir os éditos contrários a essas leis, que, aliás,não definia. Quando Luís XV se tomou impopular,

depois de 1750, o Parlamento aumentou as suaspretensões e justificou-as por meio de teorias novasinspiradas no exemplo da Inglaterra. Declarou, em1753, o rei ligado aos seus súditos por ‘uma espécie decontrato’, e disse mais que ‘o príncipe encerrado emseu palácio não podia conhecer a verdade’ e que oParlamento tinha obrigação de dizer-lha. Acabou porse inculcar o ‘órgão representativo’ da nação ereclamou o poder de ‘verificar livremente’ os éditosda criação dos impostos, o que implicava no Direitode recusá-los. Criado somente para aplicar a lei,arrogava-se o Direito de fazê-la. Os outros Parlamentosda França, excitados pelo exemplo do de Paris,declararam-se solidários e sugeriram que todos osParlamentos do reino formassem uma corporaçãoúnica. Entraram depois em conflito com o intendenteou o governador da sua província e tentaram impedira coleta dos impostos. O Parlamento de Paris,aproveitando um processo contra um jesuíta, exigiu quelhe dessem a conhecer os estatutos da Companhia deJesus, declarou-os contrários às leis fundamentais doreino e obrigou o governo a expulsar os jesuítas e afechar os seus colégios onde era educada a maioria dosfilhos de famílias ricas. Obteve assim um grande sucessosobre o partido da Corte, devotado à Companhia deJesus, e preparou uma geração de homens libertos dainfluência dos jesuítas e favoráveis às ideias galicanas.Os conflitos entre os Parlamentos e os ministros, que apouco e pouco se foram tornando mais graves, duraramaté ao momento em que um ministro resoluto e semescrúpulos, Maupeou, aproveitando-se de lhe teremrecusado tomar parte na assembleia, mandou prenderos oponentes e, desistindo, substituiu o Parlamento de

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Paris por vários tribunais formados de juízes dóceis entreos quais foi dividida a alçada, evidentemente muitogrande, do Parlamento. (303/305).

Judiciário contribuiu para haver a Revolução Francesa:O conflito começou quando a Assembleia dos

notáveis, reunida em 1787, recusou a aprovar um novoimposto igual para todos; continuou quando oParlamento de Paris se opôs aos impostos e aosempréstimos, e tornou-se agudo quando esseParlamento, excitado por uma luta de ano e meio deufórmulas estrangeiras à tradição francesa, sugeridaspelo exemplo inglês. ‘O princípio da Monarquiafrancesa reside em que os impostos sejam toleradospor aqueles que os devem suportar’. ‘A liberdade nãoé um privilégio, é um Direito’. ‘A França é umamonarquia governada pelo rei de acordo com as leis’.‘O Direito de cada cidadão consiste em não sercondenado... antes de ser entregue aos juízescompetentes’. (323/324).

CAPPELLETTI (1999:54/55) afirma o controle deconstitucionalidade das leis exercido pelos parlamentos (juízosde 2° grau) quando estes diziam ‘exatamente em face dossoberanos franceses seu poder e dever d’examiner dans lesédits et autres lois qui nous sont apportés s’il n’y a rien decontraire ... aux lois fondamentales du royaume.’ (examinardentre as editadas e outras leis que são trazidas a nós se nãoexiste nada de contrário... às leis fundamentais do reino).

TOCQUEVILLE (1994), afirma que a justiçaAdministrativa já existia na época do Antigo Regime:

A justiça administrativa e a estabilidade dosfuncionários são instituições do antigo regime. Não

havia em toda a Europa país algum cuja justiça comumdependesse menos do governo que na França, mastampouco havia um só país com tantos tribunais deexceção. Estas duas coisas estavam mais estreitamenteligadas do que imaginam geralmente. Como o rei quasenada podia fazer em relação aos juízes, não tendo oDireito de revogá-los nem transferi-los para outro lugare nem mesmo elevá-los a um posto superior; numapalavra, como não podia dominá-los nem pela ambiçãonem pelo modo, sentiu-se rapidamente tolhido por estaindependência. Isto o levou a retirar-lhes oconhecimento dos negócios que interessavamdiretamente o poder e criar para seu uso particularuma espécie de Tribunal independente, assimoferecendo aos seus súditos uma aparência de justiçasem assustá-los pela realidade. Nos países como aAlemanha, onde a justiça comum jamais tinha sidotão independente do governo quanto os tribunaisfranceses de então, não se tomou nenhuma precauçãocomo esta e não houve nunca uma justiçaadministrativa. O príncipe dominava os juízes a pontode não precisar de comissários. Quem lê os decretos edeclarações do rei publicados no decorrer do últimoséculo da monarquia, como também os decretos doConselho promulgados na mesma época, não encontramuitas atas em que o governo, após ter tomado umamedida, não acrescente que as contestações quepoderia gerar e os processos que poderia provocarexclusivamente da alçada dos intendentes e doconselho. A fórmula habitual é a seguinte: ‘SuaMajestade manda, além do mais, que todas ascontestações que poderão surgir quanto à execuçãodo presente decreto, circunstâncias e dependências

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sejam apresentadas ao intendente para que as julgue,exceto quando houver recurso ao conselho. Proibimosaos nossos tribunais e cortes de justiça que delestomem conhecimento .́ Nos negócios regulamentadospor velhos costumes ou leis onde esta precaução nãofora tomada, o conselho intervém constantemente porvia de evocação, retira das mãos dos juízes togados onegócio que interessa a administração e deles tomaconta. Evocações deste tipo enchem os registros doconselho. Pouco a pouco a exceção generaliza-se eacaba transformada em teoria. Não promulga maisleis e sim uma máxima de governo destinada ademonstrar que todos os processos com algum interessepúblico ou administrativo, de agora em diante, nãosão mais da alçada dos juízes togados, cujo único papelé julgar interesses particulares. Neste pormenor, sóencontramos a fórmula, pois a ideia pertence ao antigoregime. Desde então, a maioria dos negócios litigiososgerados pela arrecadação do imposto são dacompetência exclusiva do intendente e do conselho. Omesmo acontece com tudo que se relaciona com apolítica dos transportes e viaturas públicas, da limpezapública, da navegação nos rios etc. Geralmente sãoos tribunais administrativos que julgam todos osprocessos de interesse das autoridades públicas. Osintendentes zelam cuidadosamente para que estajurisdição excepcional se estenda sempre mais;advertem o controlador geral e guiam o conselho. Arazão apresentada a respeito por um dos magistradosmerece ser citada: ‘O juiz togado’, diz ele, ‘obedece aregras fixas que o obrigam a reprimir um fato contrárioà lei, mas o conselho sempre pode fugir às regras comuma finalidade útil´. ‘Este princípio faz com que

vejamos muitas vezes o intendente ou o conselho puxarpara si processos cuja ligação com a administraçãopública é quase invisível ou até inexistente. Um gentil-homem que brigou com seu vizinho e que não ficousatisfeito com a decisão dos juízes pede ao conselhoque examine o caso. O intendente que recebeu o pedidoresponde: ‘Apesar de só se tratar aqui de Direitosprivados cujo conhecimento é da alçada dos tribunais,Sua Majestade sempre pode, quando assim o quer,encarregar-se do exame de qualquer caso sem prestarcontas de seus motivos a ninguém. Toda a gente dopovo que perturbou a ordem por algum ato de violênciaé mandada para o preboste através de uma avocação.Os motins que o alto custo das sementes gerou tantasvezes levaram a avocações deste tipo. Nestes casos, ointendente chama certo número de graduados e formauma espécie de conselho da Prefeitura improvisadoque ele próprio formou e que fica encarregado dojulgamento criminal. Encontrei sentenças assimdecretadas condenando pessoas aos trabalhos forçadose até à morte. Processos julgados pelo intendente aindasão frequentes em fins do século dezessete. Oslegisladores modernos declaram que o Direitoadministrativo progrediu muito desde a Revolucão;‘Antes se confundiam os poderes judiciais eadministrativos: foram desemaranhados e colocou-secada um deles no seu devido lugar”. Para apreciar oprogresso do qual aqui falam é preciso não esquecerque se, por um lado, o poder Judiciário do antigoregime ultrapassava sem cessar a esfera natural desua autoridade, por outra, nunca o exercia porcompleto. Se examinarmos tão-somente uma das duascoisas em pauta, teremos uma ideia incompleta e falsa

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do objeto. As vezes permitiam aos tribunais decretarregulamentos de administração pública, o que eraevidentemente fora de sua alçada ; outras vezes eramproibidos de julgar verdadeiros processos, o que osexcluía do setor de sua competência. É bem verdadeque expulsamos muito indevidamente a justiça daesfera administrativa onde o antigo regime a deixoupenetrar, mas ao mesmo tempo o governo intrometia-se sem cessar na esfera natural da justiça e estasituação perdura como se a confusão dos poderes nãofosse tão perigosa deste lado quanto do outro e talvezaté pior. Não nos esqueçamos de que a intervenção dajustiça na administração só prejudica os negócios, aopasso que a intervenção da administração na justiçacorrompe os homens que se tornam ao mesmo temporevolucionários e servis. Uma das nove ou dezconstituições estabelecidas “ad aeternum” na Françanos últimos sessenta anos diz expressamente quenenhum funcionário da administração poderá serjulgado pela justiça comum sem que o processo tenhasido previamente autorizado. Acharam este artigo tãobom que quando destruíram a constituição da qualfazia parte tiveram o cuidado de salvá-la das ruínas eque desde então sempre o colocaram cuidadosamentefora do alcance dos revoluções. Os administradoresainda costumam chamar o privilégio que este artigolhes confere uma das grandes conquistas de 1789, masnisto estão novamente enganados pois o governo daantiga monarquia tinha tantos cuidados quanto os quetemos hoje para evitar aos funcionários, o dissaborde se apresentarem na justiça como simples cidadãos.A única diferença essencial entre as duas épocas é aseguinte: antes da Revolução, o governo só podia dar

cobertura aos seus agentes recorrendo a medidasilegais e arbitrárias, ao passo que desde então podedeixá-las infringir legalmente as leis! Quando ostribunais do antigo regime queriam processar umrepresentante do poder central, surgia geralmente umdecreto do conselho que liberava o réu de seus juízesmandando-o comparecer perante comissáriosnomeados pelo conselho, pois, como o escreveu umconselheiro de estado dessa época, os juízes teriamprevenção contra o acusado e isto comprometeria aautoridade do rei. Avocações como esta não ocorriamvez ou outra e. sim todos os dias, não somente emrelação aos funcionários graduados como também aosmenos importantes. Bastava estar ligado àadministração por um fio qualquer, por mais ténue quefosse, para nada ter que temer. Um capataz do serviçode viação e obras encarregado de fiscalizar a corvéiaé processado por um camponês que maltratou. Oconselho toma conta do caso e o engenheiro chefeescreve confidencialmente ao intendente: ‘Para falara verdade, o capataz é muito culpado, mas não é umarazão para dar sequência ao caso, pois é da maiorimportância para a administração da viação e obrasque a justiça comum não ouça nem receba queixasdos corveáveis contra os capatazes, pois istoperturbaria as obras por processos contínuos geradospela animosidade pública contra nossos funcionários.Numa outra circunstância, o proprio intendente escreveo seguinte ao controlador geral a propósito de umempreiteiro do governo que pegou no campo do vizinhoferramentas das quais se serviu: ‘Nunca repetireibastante quão nocivo seria para os interesses daadministração entregar seus funcionários às decisões

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da justiça comum, cujos princípios jamais concordarãocom os nossos’. Estas linhas foram escritas háexatamente um século, mas temos a impressão de queos administradores que as redigiram são nossoscontemporâneos. (TOCQUEVILLE, 1994:89/91).

TOCQUEVILLE, falando dos “cadernos de queixas”,menciona as reivindicações dos nobres com relação ao PoderJudiciário, e diz:

Poder Judiciário – Do mesmo modo, naorganização Judiciária, a tendência é subordinar, pelomenos em grande parte, o poder dos juízes da nação,através da assembleia. Assim, diversos cadernosdeclaram: Que os magistrados serão responsáveisperante a nação representada em assembleia; que sópoderão ser destituídos com o consentimento dosestados gerais; que nenhum Tribunal poderá, sobpretexto algum, ser perturbado no exercício de suasfunções sem o consentimento destes estados; que asprevaricações do supremo Tribunal como também dosparlamentos serão julgadas pelos estados gerais.Segundo a maioria dos cadernos, os juízes só devemser nomeados pelo rei após um pedido feito ao povo.(TOCQUEVILLE, 1994: 208).

SILVA (1994) analisa com clareza:A Revolução Francesa talvez tenha sido o

maior movimento cívico que a humanidade conheceu.Não é porque tenha resolvido os problemas sociais,que não tenha tido erros e frustrações; mas teve omérito inaudito da ruptura fatal com as instituiçõesaté então vigentes, cujas principais característicaseram os privilégios, estabelecendo considerável

avanço nas concepções da pessoa humana comodetentora natural de Direitos de igualdade e liberdade,sobrepondo às instituições o princípio da legalidade ereconhecendo a soberania do povo para instituí-las.Ela marcou o advento de uma nova era histórica(Contemporânea) para a humanidade, tendo sidomarcante a sua influência nas instituições de outrospaíses, em cujas constituições foram inseridos osprincípios básicos da Revolução. Esta se firmou emdois pilares básicos: a força e disposição do povosofrido e revoltado, a ação patriótica da AssembleiaNacional, nutrindo ideias libertárias dos filósofos eescritores em voga, sobretudo Voltaire e Rousseau. [...]A Revolução rompeu definitivamente com o passado,decretando a extinção imediata de instituiçõestradicionais e privilégios como, por exemplo, osDireitos e regalias da nobreza; as corporações deofícios, inclusive a ordem dos advogados; algunsimpostos e taxas que contrariavam os princípiosrevolucionários (“taille, aides, gabelle, dîme”); rendassenhoriais e Direitos feudais, fixos ou casuais. A Igrejasofreu duro golpe com a Revolução, que nacionalizaramlhe os bens e instituiu a constituição civil do clero,intervindo nas circunscrições eclesiásticas, suprimindoa autoridade e a jurisdição dos bispos. Estava, portanto,extinta a jurisdição eclesiástica, assim como a senhorial.A justiça real tornara-se, por sua vez, incompatível comas ideias revolucionárias. Um decreto de 03/11/1789colocava em vacância todos os parlamentos, mantendoapenas em funcionamento as câmaras de plantão; aos29 do mesmo mês e ano todos os provimentos de cargosda judicatura foram suspensos, mantendo-seprovisoriamente as jurisdições inferiores (municipais).

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Após decidir que os juízes seriam eleitos pelo povo, únicosoberano, e que o rei não o poderia recusar, a Assembleiainstituiu nova organização Judiciária por lei de 24/10/1790. Em consequência foram extintos todos os tribunaisespeciais (“..amirautes, queiries, maitrise des eaux etforêts, bureaux des finances, cour des aides, cour desmonnaies, chambre des comptes”); todos os tribunais deprivilégios (“requêtes de lal’hôtel, les officialités, le grandconseil, 1. Juridiction prévôtale, le Tribunal desmaréchaux, e outras”); e os tribunais ordinários(“vigueries, châtellenies, prévôtés, vicomtés,sénéchausées, baillages, châtelet, présidiaux, conseilprovincial d’Artois, conseils supérieures et parlements”).Assim desapareceu esse grande corpo Judiciário, nascidocom a monarquia. É óbvio que se aboliram radicalmentea venalidade e a hereditariedade dos ofícios públicos eda Magistratura, instituindo, quanto a esta última, aescolha dos juízes por eleição. (SILVA, 1994: 96/97).

Esta segunda parte será baseada, sobretudo, em obrasde SEIGNOBOS (1938), BURKE (1989) e BACHELIER(1994) que tratam das sucessivas modificações da vida dos juízesimpostas pelos sucessivos regimes políticos da França, da épocada Revolução Francesa até o final da segunda Guerra Mundial.

SEIGNOBOS consigna:A Constituição de 1791: Os membros da

Assembleia recusaram também seguir o costume inglêsde se dividir abertamente em partidos, e os grupos derepresentantes da mesma tendência que apareceram nasreuniões sucessivas sempre evitaram formar um partido,chamado pelos adversários uma “facção”. Seu ideal,conforme os hábitos individualistas do povo francês,era uma reunião de homens imparciais, agindo

pessoalmente, cada qual segundo a sua consciência. Omesmo sentimento animava os eleitores que repeliam ocostume inglês de se combinarem para conseguir aeleição de um candidato, ao que se dava o nome de‘cabala’. Estas prevenções contra a organização dospartidos persistiram até o fim da Revolução. AAssembleia, cingindo-se aos pedidos das ‘listas’, discutiue votou uma Constituição. Foi esta a primeira vez queo governo passou a ser regulado por meio de um textoformal, e a partir de então, nunca mais a França deixoude ter, como os Estados Unidos, uma constituiçãoescrita. Os partidários da igualdade chamavam-se a simesmos de patriotas (o que então significava amor pelobem público). (SEIGNOBOS, 1938:330/331).

2.2.8. Novo Regime‘Ao mesmo tempo em que os privilégios, a

Assembleia suprimira todas as autoridadesestabelecidas no interior do reino, intendentes,governadores, funcionários da justiça e das finanças,Parlamentos e os contratadores das ajudas’ (332).

2.2.9. Revolução Francesa: Reforma da Justiça

A unidade da nação francesa repousa desdeentão, não já na obediência a um mesmo rei, mas nauniformidade das instituições aceitas pelosrepresentantes da cada região na aplicação deprincípios comuns. A Declaração dos Direitos resumia-os numa fórmula de Direito natural. Os homens nasceme morrem iguais em direitos”, sendo este também osentido da divisa: ‘A nação, a lei, o rei’. Desde então o

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epíteto de real foi substituído pelo termo nacional. Estesentido de unidade voluntária afirma-se desde 1789pelas Federações, formadas espontaneamente entre osguardas nacionais de diferentes cidades, e teve porsímbolo a festa nacional da Federação celebradasolenemente em Paris em 14 de julho de 1790,aniversário da tomada da Bastilha, sobre o altar daPátria erguido no Campo de Marte. O termo federação,vindo dos Estados Unidos, exprimia a adesãovoluntária dada ao novo regime pelas regiõesautônomas reunidas para formar a França. (333).

2.2.10. Eleições de juízes

O pessoal encarregado de exercer a autoridadepública foi a princípio recrutado, como nos EstadosUnidos, por eleição (direta ou em dois graus). Este foio sistema aplicado não somente aos administradoresde departamento e de distrito e às municipalidades dascomunas, mas também aos juízes, aos recebedores dosdistritos, e mais tarde mesmo aos bispos e aos curas.O Direito de sufrágio era apenas concedido aoscontribuintes, sistema que afastava do voto os que seocupavam dos serviços domésticos e quase todos osartesãos. Uma contribuição mais alta do que para oprimeiro grau era exigida para se poder ser eleito eleitorsegundo grau. Os eleitos eram naturalmente homensda região conhecidos dos eleitores, especialmenteburgueses notáveis, gente da lei, negociantes ouproprietários. A Revolução dava a todas as regiões deFrança administrações eletivas autônomas, inteira-mente independentes do poder central, como nosEstados Unidos, e conferia-lhes o poder efetivo de

manter a ordem, de policiar e mesmo de cobrar osimpostos. O governo real nomeava apenas os ministros,os diplomatas e os oficiais do exército. (333/354).

Outras inovações:O andamento dos negócios públicos foi

modificado de acordo com princípios novos. Os negóciosdos departamentos e das municipalidades deviam serresolvidos pelas autoridades locais, sem necessidade deaprovação do governo. A justiça foi declarada gratuita,e remodelada de maneira a abreviar os processos e adiminuir-lhes os gastos. Do antigo regime subsistia oprincípio de que um Tribunal é formado de vários juízes,conservando-se também o pessoal auxiliar dosadvogados, procuradores, escrivães e oficiais de justiça.Somente as categorias de jurisdição foram suprimidas,sendo equiparados todos os tribunais e fazendo-se aapelação de um Tribunal para outro. Foram criadas trêsnovas formas de justiça: 1ª) Com o nome inglês de juizde paz, um juiz por cantão ficou encarregado deconciliar as divergências de menor importância ou dejulgá-las rapidamente; 2ª) A justiça criminal foi imitadado regime inglês das “assises” presididas por um juiz,com a ajuda do júri formado de cidadãos; 3ª) Umacriação puramente francesa, o “Tribunal de Cassation”foi encarregado de manter a unidade da jurisprudênciaem toda a França, anulando os julgamentos contráriosà lei. (334/335).

2.2.11. Consulado

Da organização Judiciária criada pela Revolução,apenas foi conservado o Tribunal de cassação (que foichamado de corte), os juízes de paz e o júri que operava

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em sessões periódicas. A eleição foi abolida e todos osjuízes deviam ser nomeados pelo governo. Havia umTribunal para cada “arrondissement”, distribuindo ajustiça em primeira instância, e o recurso forarestaurado, como no antigo regime, perante as cortesde apelação, instaladas ordinariamente no mesmo lugardos antigos Parlamentos e cujos membros retomaramo antigo nome de conselheiros. O corpo dos advogadose escrivães, oficiais de justiça e procuradores, foireconstituído. As finanças foram distribuídas por váriosserviços, cada um dos quais entregue a um cheferesidente em Paris, encarregado de uma só espécie deoperações e comando, gente bastante numerosa ebastante poderosa para fazer a coleta de impostos. Eraum novo corpo de funcionários nomeados e demitidospelo governo, diretores, inspetores, controladores,recebedores encarregados de distribuir e cobrar ascontribuições, recebedores e tesoureiros encarregadosde reunir os fundos e de transmiti-los, recebedores everificadores do registro, empregados das alfândegas.Os impostos sobre as bebidas e o monopólio do tabacoforam restaurados sob o nome de Direitos reunidos, ecoletados por funcionários especiais. Estes agentes,estranhos à região em que operavam, quase todosrecebendo uma percentagem sobre as importâncias quearrecadavam, tinham interesse em aumentar orendimento dos impostos muito mais do que em poupara população. Assim foi instituído um sistemacentralizado de agentes do governo oposto ao regimede autonomia eletiva criado pela Revolução. A naçãojá não tomava parte na direção dos seus negócios, nemna escolha dos seus chefes locais, e os francesesdeixavam de ser cidadãos para se tomarem súditos, não

já de um rei, mas de um governo. Era uma restauraçãoparcial do antigo regime, mas com um pessoalradicalmente diferente. Os antigos proprietários decargos, que constituíam uma aristocracia local escolhidaem parte na nobreza de toga, sentiam-se independentesdo governo central; obedeciam-lhe mal e mantinhamas práticas locais contrárias à unidade. Pelo contrário,os novos agentes vindos da burguesia média formavamum corpo nacional de funcionários recrutados em todoo território; estranhos aos lugares onde exerciam as suasfunções dependiam estreitamente do governo, do qualrecebiam a profissão que era o seu meio de existência.(356/357).

2.2.12. Centralização Administrativa

Pela primeira vez, a nação francesa eraadministrada e julgada por verdadeiros funcionários,instrumentos dóceis do poder central, e só a partirdesse momento ela ficou submetida a um regimeverdadeiramente centralizado. Esta centralização, tãodiferente do antigo regime como do regime autônomoda Revolução, ficou sendo até os nossos dias oarcabouço permanente da vida pública sob os diferentesregimes políticos. (357).

Passaremos a citar BURKE, com indicação das páginasao final de cada trecho.

A independência dos Parlamentos (tribunais de2ª instância, com funções reguladoras e adminis-trativas): A fim de suprimir todos os laços entre aCoroa e a justiça pública e a levar todo o país aobedecer passivamente aos ditadores de Paris, foram

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A JUSTIÇA DA FRANÇA - UM MODELO EM QUESTÃOLuiz Guilherme Marquesabolidas aquelas antigas câmaras judiciais tão cheiasde independência: os Parlamentos. (133). “essesParlamentos impuseram, senão os melhores, pelomenos consideráveis corretivos aos excessos e víciosda monarquia.” (192).

Dependência dos juízes do período napoleônicoem relação ao imperador: A atual organização éestritamente Judiciária. Ao invés de imitar a antigamonarquia, fazendo com que os juízes sentassem nobanco da independência, o atual governo os reduziu àobediência mais cega. (193).

Desconfiança em relação à Justiça Administrativa(segundo alguns autores, criada com a Constituição de 1791):

É curioso observar que os órgãos administrativosforam cuidadosamente retirados da jurisdição dessesnovos tribunais. Isso significa retirar do império das leisaquelas pessoas que deveriam estar, com maior razão,totalmente submetidas a elas. Os indivíduos que lidamcom o dinheiro público são os que mais deveriam serestritamente mantidos dentro da sua competência...Esses órgãos administrativos serão os instrumentos aserem utilizados pelos atuais chefes franceses parapassarem da democracia à oligarquia. (194).

ROYER fornece algumas informações sobre o períodode 1789 a 1815, ou seja, do início da Revolução Francesa até ofinal do império napoleônico. Segundo ele, quando explodiu aRevolução Francesa havia:

‘Cerca de 80.000 magistrados titulares deofício, segundo estimativa de Raymonde Monnier, dosquais 1.300 parlamentares e perto de 70.000 juízessenhoriais’ (10) (ROYER: 1983).

Referindo-se à extinção dos ofícios e a criação daschamadas “Câmaras de Férias”:

Assim, o golpe foi muito duro, pois, por umdecreto de 3 de novembro de 1789, a jovem AssembleiaConstituinte tomou a decisão que se conhece bem:“todos os parlamentos continuarão em férias e aquelesque retomariam retomarão o estado de férias”. AsCâmaras de Férias assegurariam a partir daí ofuncionamento da Justiça.” (11).

Com a extinção da Ordem dos Advogados, por força de leirevolucionária, alguns dos advogados foram convidados a integrar osTribunais, que passaram a ser compostos somente por eles.

Pelo mesmo decreto de supressão de 2 de setembro de1790, estava dito que por homem da lei era necessário entenderos antigos advogados graduados. Assim os futuros lugares dejuízes eleitos seriam reservados aos advogados, “a conquistada Magistratura valia bem o sacrifício das ordens”. (12).

A eleição de juízes permaneceu “oficial” (na prática, eradiferente) por nove anos, ou seja, até antes de Napoleão tomaro poder em 1799:

A eleição permanecerá como o sistema oficialem vigor de 1790 a 1799. (15).

Iniciando a escolha de juízes dentre os que“exerceram a profissão de homem da lei”, um decretode outubro de 1792 foi claro no sentido de que a partirde então será suficiente ter 25 anos de idade, (p. 18),mostrando que até os advogados já tinham caído emdesgraça logo no começo do regime revolucionário.E, nas eleições do inverno de 1792/1793, “os eleitoresescolheram para o Tribunal de Distrito jacobinosgeralmente sem qualificação jurídica”. (18).

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2.2.13. Tribunal Revolucionário

Em 10 de março de 1793, Danton pronunciouo grande discurso que se conhece bem sobre o temasejamos terríveis para evitar ao povo de ser ... e queiria terminar na criação do Tribunal CriminalExtraordinário, oficializado a partir de 29 de outubrosob o nome de Tribunal Revolucionário. Composto decinco (posteriormente dezesseis) juízes e de dezesseis(mais tarde sessenta) jurados, seu pessoal erainteiramente nomeado pela Convenção sob proposiçãode dois Comitês de Salvação Pública e de SegurançaGeral. (19).

As eleições de juízes duraram pouco tempo:De uma maneira geral, a Convenção cessa

progressivamente de recorrer ao corpo eleitoral. Poraplicação de vários decretos, de 7 de outubro de 1793e de 19 de fevereiro e 13 de março de 1794, ela tomapor hábito de preencher ela mesma as vagas,introduzindo assim a conjugação, depois a concor-rência entre os dois princípios da eleição e danomeação dos magistrados. (20/21).

A essa altura os juízes eleitos são comandados totalmentepela Convenção:

Mais importante ainda, a convenção, nãosomente não respeita mais os juízes eleitos, mas,sobretudo, ela interfere nas suas decisões. Jean LouisHaipérin bem mostrou a significação da prática dosdecretos de anulação dos julgamentos pelaConvenção... (21).

Da metade para o final do período revolucionário asnomeações se tornaram a regra: De 1795 a 1799, as nomeaçõesvão se multiplicar para passar de cem por mês ... (22).

Como se sabe, Napoleão Bonaparte não setomou imperador logo de imediato, mas foi assumindogradativamente o domínio absoluto do poder de 1799a 1814. Logo de início procurou por em prática suasideias, claras, quanto a ele próprio ser o centro de todoo poder, apagando o Legislativo e fazendo umJudiciário bem organizado para aplicar as leis e serobediente a ele, o Imperador. Numa determinada faseda sua escalada pelo poder, Napoleão, transformadoem Cônsul vitalício, deixou ao Senado o Direito denomear os juízes do Tribunal de Cassação, dispondoque seriam escolhidos sobre uma proposição doPrimeiro Cônsul (ele, Napoleão), que apresentaria trêsnomes para cada cargo vago. (24) Com o advento doimpério napoleônico, foram trazidos “novos retoquesà organização judiciária”, dentre os quais os‘presidentes da Corte de Cassação, das Cortes deApelação e de Justiça criminal seriam nomeadosvitaliciamente pelo Imperador’ (ROVER: 25).

Resumindo o que aconteceria nos tempos futuros após1815, MARTINAGE, é clara:

Todos os regimes monarquistas que sesucederam após 1815, restauração, monarquia dejulho, 2° Império após o episódio da SegundaRepública, tentaram descartar os magistrados cujastendências políticas não estão de acordo com aquelasdo regime da situação.

Ninguém pode negar que os advogados sãoparte importantíssima da estrutura da Justiça. Vale a

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pena lembrar um pouco da sua história, sobretudo dosadvogados de Paris. A profissão de advogado começoua ser regulamentada na França no século XIII e aprimeira lista de advogados parisienses, com cerca de50 nomes, data de 1340.

Depois de séculos postados sob o controle doParlamento de Paris (órgão Judiciário de 2ª instância),os advogados caminham para sua independência noséculo XVII, com a criação da Ordem dos Advogados,dirigida por um “bâtonnier”. Com a RevoluçãoFrancesa, o “Barreau” de Paris é suprimido em 1790,podendo, assim, qualquer leigo trabalhar comoadvogado, mas vários desses antigos advogadoscontinuam a trabalhar na profissão, inclusivedefendendo clientes perante o terrível TribunalRevolucionário. Somente em 1810 a profissão deadvogado é novamente oficializada, mas o imperadorNapoleão Bonaparte, temeroso da independência dosadvogados, decide que os representantes da classeserão nomeados pelo Procurador Geral (membro doMinistério Público). Em 1830, com Luís Felipe no poder,é concedido aos advogados escolherem seusrepresentantes, o que acontece até hoje. No ano de1872 os Tribunais Administrativos separam-se daAdministração. Em 1900, as mulheres foramautorizadas a advogar.

Na sociedade francesa do século XIX o papeldos advogados foi tão relevante que a 3ª República foichamada por alguns de “República dos Advogados”,destacando-se as figuras de Désiré Dalloz (1795-1869),Alexandre Duranton (1783-1866), Jean-BaptisteDuvergier (1792-1877), Pierre Antoine Berryier (1790-1868), Gambetta, Jules Favre, Jules Grévy, Poincaré,

Waldeck-Rousseau etc. Magistrados famosos do séculoXIX podem ser representados nas pessoas de AnthelmeBrillat-Savann (1755-1826) e Bavoux (1774-1848).

Rememoremos o famoso Affaire Dreyfus.(Caso Dreyfus) – o mais famoso erro Judiciário

de todos os tempos, sobre o qual talvez se tenha escritomais que sobre o processo de Jesus ou de Sócrates.Alfredo Dreyfus, capitão israelita do exército francês,foi acusado de ser o autor de uma carta oferecendodocumentos militares aos alemães, encontrada peloserviço de contraespionagem da França. Condenadoem 1894 como traidor, sofreu a deportação para a Ilhado Diabo e a degradação militar. Começou então umacampanha de enormes proporções pela revisão doprocesso e que dividiu famílias, amigos e toda a Françaem dois partidos, tal como o havia feito a RevoluçãoFrancesa. Os mais diversos interesses coligaram-se afavor ou contra o acusado, fazendo dele uma bandeirade luta. A nobreza, o clero, os antissemitas, osreacionários de todo tipo, os militares, eram contra arevisão, achando que ela colocava em jogo a honrado exército francês caso as autoridades reconhecessemter errado na condenação de Dreyfus, que fora julgadopor um conselho de guerra, de cuja seriedade não sepodia duvidar. A esquerda, os liberais, os progressistas,eram pela revisão e conseguiram levar a julgamentoo verdadeiro culpado, o comandante Esterhazy, quefoi absolvido. Zola então escreve a sua famosa carta aopresidente da França, Loubert, intitulada ‘Acuso’, pelaqual foi condenado e teve de se exilar na Inglaterra e emque acusava o conselho de guerra que absolveu Esterhazyde ter agido assim ‘por ordem superior’. Rui Barbosa,

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seguindo a paixão que envolveu o mundo todo peloprocesso, escreveu notável artigo a favor de Dreyfus. ACorte de Cassação em 1899 manda Dreyfus a novoconselho de guerra, onde novamente foi condenado e emseguida agraciado pelo presidente Loubet. Em 1902 novopedido de revisão efeito e em 1906 a Corte de Cassaçãoreconhece definitivamente a inocência de Dreyfus, semenviá-lo a novo julgamento. Ele foi reintegrado noexército, lutou na guerra de 1914 e morreu em 1935. Naluta a favor do acusado salientaram-se grandementeClemenceau e os advogados Labori e Demange. Oprocesso revelou o grande senso de justiça do povo francêse ficou conhecido como “l´affaire” (o caso) porexcelência. Por incrível que pareça, este homem peloqual todo o universo se interessou, quando foiprocurado pelo extraordinário jornalista Pierre VanPaassen para fazer um apelo que impedisse a execuçãode Sacco e Vanzetti, só teve uma atitude: ‘Faça o favorde retirar-se imediatamente desta casa!’ Essa foi aresposta de um homem pelo qual a França esteve àbeira de uma guerra civil ou uma revolução, como notao jornalista. Era um personagem muito pequeno paratão grandes acontecimentos. Clemenceau, a quem oepisódio foi relatado, disse: “Era o militarista maisarrogante. Dreyfus nunca ocultou o seu desprezo pelacanalha jornalística que Zola e eu representávamos”.B. - Pierre Van Paassen, Estes dias tumultuosos.(SOIBELMAN, 1940).

Sigamos em direção ao presente.BOIGEOL relata que, para ser magistrado no começo

do século XX, eram exigidas do candidato somente duascondições: ser formado em Direito e ser advogado há pelo menos

dois anos. Em 1906, surgiu o primeiro concurso público,verificando-se os conhecimentos teóricos e práticos doscandidatos.

Após a Segunda Guerra Mundial, com o enfraquecimentodo Direito Privado (área de atuação do juiz jurisdicional), emdetrimento do Direito Público (área do juiz administrativo), oJudiciário se viu mais fraco ainda, na França.

A partir de 1946, as mulheres começaram a ingressar naMagistratura francesa, sendo elas, em fevereiro de 1995, 46%do total, ocupando, no entanto, graus menos elevados dahierarquia funcional. Em 28 de março de 1947 instalou-se oConselho Superior da Magistratura.

A partir de 1957, por influência do prestigioso jurista emagistrado Marc Ancel, passou-se a adotar a entrevista docandidato com a comissão do concurso como mais um meio deavaliação, ao lado das provas normais.

Em 1958 foi criada a Escola Nacional da Magistraturafrancesa.

Verificadas as várias formas de recrutamento demagistrados, 81% deles ingressaram pela via normal da ENM,percentual este que corresponde a mais de 5.500 magistrados.Vale a pena conhecer a história da Corte de Cassação, tão bemdescrita por CAPPELLETTI (1999):

Na França, já antes da Revolução, verificamosque uma “demande en cassation” sob certos aspectossemelhante à “querela nullitatis” do Direito italiano ecomum, podia ser proposta ao soberano, que dela tomavaconhecimento através do “conseil des Parties”, isto é,através de uma seção, propositadamente para istoespecializada, do próprio conselho de Governo. Tal“demande en cassation” era dirigida contra as sentençasdos “Parlements”, ou seja, dos órgãos de justiça de últimainstância surgidos em várias cidades da França. O

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instituto da “demande en cassation”, que vinha,portanto, a se inserir na luta secular desenvolvida, naFrança, entre a monarquia centralizadora e as tendênciasdescentralizadoras dos “Parlements”, podia dar lugar àanulação (“cassation”, de “casser” que significaexatamente romper, anular), por parte do soberano, dassentenças proferidas com violação de ordenanças régias.Mas se o arquétipo do atual juízo de cassação pode-seencontrar já na “querela nullitatis” e na “demande encassation” pré-revolucionária, o verdadeiro ato denascimento de cassação moderna se tem, porém, tão-sócom a legislação e com as ideologias da Revolução. Asideologias eram aquelas teorizadas nos escritos deRousseau e de Montesquieu, da onipotência da lei, daigualdade dos cidadãos perante a lei e da rígidaseparação dos poderes, na qual ao juiz – passivo e“inanimada bouche de La loi” – competia o únicodever de aplicar aos casos concretos o texto da lei, umdever concebido como puramente mecânico e em nadacriativo. O “Tribunal de Cassation” foi instituído,exatamente, por decreto de 27 de novembro – 1° dedezembro de 1790, como um órgão não judicial de‘controle constitucional’, em outras palavras, órgãocolocado junto do poder Legislativo – “il y aura prèsdu corps législatif un Tribunal de cassation”, como,de modo muito preciso, textualmente proclamava odecreto de 1790 – para evitar que os órgãosJudiciários, no exercício de suas funções, invadissema esfera do poder Legislativo, subtraindo-se à estreitae textual observância das leis. Não obstante o nomede Tribunal – nome que seria transformadoposteriormente em ‘cortes’, “cour” – o “Tribunal deCassation” teve, no entanto, na origem, natureza

essencialmente legislativa e política e, de qualquermaneira, com certeza, não judicial: ele foi, como odefiniu Calamandrei, ‘um ofício de naturezaconstitucional, destinado a manter na sua integridadeo cânone da separação dos poderes’, que foiconsiderado ser ‘a primeira condição para a normalexistência do Estado’. Precisamente, em consideraçãodesta sua função, foi proposto que o “Tribunal decassation” fosse, ao invés, chamado de “conseilNational pour la conservation des Lois”, um nome que,por certo, teria mais eficazmente indicado a funçãooriginária daquele órgão, isto é, a função de impedir,utopicamente, que a interpretação das leis caísse naesfera de um órgão pertencente a um poder diversodo Legislativo. O “Tribunal de cassation” foi, emsíntese, uma típica expressão da desconfiança profundados legisladores revolucionários nos juízes franceses:a mesma, desconfiança que, nos primeiros anos daRevolução, os levou a repetir a absurda tentativajustinianéia de proibir aos juízes todo poder deinterpretação das leis, reservando tal poder ao “corpsLégislatif”, que devia prover à própria interpretação,mediante decreto a pedido dos juízes, toda vez que estesestivessem em dúvida sobre o significado de um textoLegislativo (é o assim chamado “référé facultatif”,suprimido, juntamente com a proibição dainterpretação judicial, pelo “code Napoléon”). Poroutro lado, como não deviam existir interferências dopoder Judiciário na esfera do Legislativo, nem mesmo“sub specie interpretationis”, assim não deviatampouco acontecer o inverso: e por isso, o “Tribunalde cassation”, muito embora podendo anular, arequerimento do particular (ou também de oficio,

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“dans l’intérêt de la loi”), as sentenças que contivessem“une contravention expresse au texte de la loi”, devia,porém, abster-se então, rigorosamente, “para nãousurpar funções judiciais que não lhe competiam, depronunciar-se, por qualquer modo sobre ainterpretação da lei ou sobre a decisão dacontrovérsia”. Para a nova decisão da controvérsia,o “Tribunal de cassation” remetia ao assim chamado“giudice di rinvio” que era plenamente livre no seujulgamento e podia, por conseguinte, também rebelar-se contra a censura da cassação, repetindo, tal qual, aprecedente decisão: com a única consequência de que,se também a segunda decisão era depois submetidaao “Tribunal de cassation” e p0r este cassada, e, noentanto, o segundo “giudice di rinvio” persistia naopinião havida por ilegítima pela cassação, em talcircunstância tornava-se necessário o denominado“référé obligatoire” ao corpo Legislativo, o qual emitiaum decreto de interpretação da lei, vinculatório –finalmente – para o terceiro “giudice di rinvio”.Contudo, se o instituto da cassação tivessepermanecido, nos quase dois séculos de sua história,aquilo que ele foi originariamente, neste caso bemdificilmente se poderia conceber uma contraposiçãomais absoluta e inconciliável entre a ideia, que está nabase do instituto da cassação, e a ideia que inspira, aoinvés, todo sistema de controle judicial deconstitucionalidade das leis, o primeiro instituto é, porassim dizer, a incorporação da ideia da mais radicalseparação dos poderes, pelo que “la loi c’est la loi” enão já aquilo que os juízes pensam ser a lei. O segundoinstituto supra, ao contrário, que seja contrária aórgãos Judiciários não apenas a função de interpretar,

mesmo além da letra, o verdadeiro sentido da lei, mas,com certeza, a função de julgar da validade das leis,isto é, de sua correspondência com uma norma superioràs próprias leis, o primeiro instituto, a cassação, supõea onipotência da lei positiva, como manifestação davontade suprema das Assembleias Populares; osegundo, supõe, ao contrário, a sujeição da lei ordináriaa uma “lex superior”, subtraída às volúveis oscilaçõesde uma talvez ocasional maioria parlamentar, oprimeiro instituto, enfim, supõe a máximadesconfiança, o segundo supõe, ao invés, a mais altaconfiança nos juízes, quando não, com certeza, a sua“supremacia” no ordenamento constitucional doEstado. De fato, já no início do século XIX, com oatenuar-se do rigor das ideologias revolucionárias,também o “Tribunal de cassation” francês denominadodepois “cour de cassation”, foi radicalmente setransformando: e é assim transformado que elepenetrou na Itália e em outros Países, entre os quaisrecordo, além da Bélgica, da Holanda, de Luxemburgoe da Grécia, também a Espanha, da qual, por quantoposso supor (sem, no entanto, ter realizado pesquisasespecíficas sobre o assunto), deve ter passado aoMéxico. Reconhecido aos juízes, com o Código deNapoleão, o poder de interpretação das leis, a “cour decassation” tornou-se, na realidade, o supremo órgãoJudiciário de controle dos erros de Direito cometidospelos juízes inferiores. Com a lei de 1° de abril de 1837foi abolido, também, o “référé obligatoire” e foi dispostoque, verificando-se sobre um ponto de Direito umcontraste entre o primeiro “giudice di rinvio” e a “courde cassation”, o novo pronunciamento da corte, emitidopelas seções reunidas, tivesse não mais apenas um efeito

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negativo – de anulação – mas, igualmente, um efeitopositivo, vinculatório para o segundo “giudice dirinvio”, obrigado a conformar-se à decisão da “courde cassation” sobre o ponto de Direito por ela julgado.A partir, pois, da fundamental lei de 1º de abril de 1837,‘de modo sempre mais decidido e consciente, a corte decassação tornou-se o que hoje é, ou seja, a supremacorte reguladora da interpretação jurisprudencial .́ Valedizer, ela se tomou a corte que exercita o controle delegalidade...’ (CAPPELLETTI, 1999:40/44).

2.3. HISTÓRIA DO DIREITO

A importância da História do Direito foi bastanteressaltada por François Baudoin (1520-1573) que dizia que “sema História do Direito a Jurisprudência é uma ciência cega”.

No período céltico, todos os gauleses participavam doprocesso eleitoral que escolhia seus legisladores e chefes.

Cada república procedia a escolha, de forma temporária,dos seus chefes civis e militares. A ideia de nação sobrepujava adas pessoas, por maior que fosse sua importância. O chefe dosdruidas (sacerdotes celtas) era investido de poderes absolutos.Anualmente, realizava-se uma assembleia, à qual compareciamrepresentantes das repúblicas gaulesas, para decidirem sobre asquestões mais importantes. As mulheres e os homens gozavamdos mesmos Direitos.

SEIGNOBOS assim se expressou sobre o DireitoFrancês:

O Império deu à Gália, o Direito romano. Não ovelho Direito nacional dos antigos romanos, tradicional,grosseiro e desumano, construído por regras e símbolosaplicados com um rígido respeito pelas formas, semcuidar da justiça nem da humanidade. Era um Direito

lentamente formado pelas sentenças dos magistradosencarregados dos processos entre romanos eestrangeiros, que julgavam inspirando-se nos costumescomuns aos povos do Mediterrâneo, aperfeiçoado ereduzido a sistema pelos juristas orientais do século IIIdepois de Cristo, discípulos dos filósofos gregos. EsteDireito, que só tinha de romano a língua, tornara-se umDireito internacional fundado sobre os princípios geraisde razão, de equidade e de humanidade, e condensavatodo o pensamento jurídico do mundo antigo de talmodo que foi denominado “a razão escrita”. Assim seconservou sob a designação de “Direito escrito”, até aRevolução. (SEIGNOBOS 1938:33).

O uso do Direito romano na França persistia somenteno sul do país e na vertente sul do Maciço Central.(SEIGNOBOS,1938:54). Vale a pena inserir aqui um texto deNASCIMENTO (1997), onde é mostrada a “convivência”, noterritório francês, do Direito romano e o Direito dos francos(então invasores):

A presença dos germanos no Império Romanodo Ocidente mostra que o seu sistema jurídico, decaráter costumeiro, não se impôs em sentido unitário.Prevalecendo então o princípio da personalidade dasleis, pôde o Direito romano vigorar ao lado do Direitodos invasores. E isto se explica, como bem assinalaRaymond G. Gettel, pelas seguintes razões: ‘Possuemos invasores uma concepção do Direito diversa da dosromanos. Os Direitos, entre os povos teutônicosadscrevem-se aos indivíduos, como pessoas, sem tomarem conta a sua condição de membros do Estado; oDireito faz parte da sua personalidade e acompanha-o onde quer que seja, sem que se modifique na sua

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essência e sem que se possa abandoná-la. Perante aconcepção territorial do Direito romano, aplicável atodas as pessoas do império, o Direito germânicoassenta uma base pessoal, pelo que cada homem gozada salvaguarda do seu próprio estatuto legal. Emconsequência deste princípio, a população romana,depois da invasão, continua a reger-se pelo seu própriosistema jurídico, o que levou os governantes e os juízesgermânicos ao conhecimento das suas normas eprescrições. Roma, por isso, influiu no sistema legaldos germanos, e, como consequência, poucas geraçõesdepois, surgem compilações de Direito escritas emlatim por eruditos romanos (NASCIMENTO,1997:135).

Sobre o renascimento dos estudos jurídicos ocorrido noséculo XII, SEIGNOBOS assim discorre:

O século XII foi a era do renascimentointelectual; os livros de Direito do tempo de Justiniano,estudados sobretudo na Itália, tornaram-se a base dosestudos de Direito. Na França, o ensino teve porinstrumento algumas obras dos filósofos gregos,especialmente a lógica de Aristóteles, vertidas em latimpor intermédio das traduções árabes; esta última obrafoi o texto principal das interpretações e discussões. Apolêmica mais apaixonada teve lugar sobre uma questãode metafísica lógica, a questão dos universais entre osnominalistas que sustentavam que a espécie nãopassava de um nome designando uma abstração, e osrealistas que a pretendiam uma realidade. O método dediscussão foi renovado nos meados do século XII, porum francês bretão, Abelardo, que lecionava em Parisno alto do monte de Santa Genoveva, ao ar livre, por

não dispor de uma sala bastante grande para conter osseus ouvintes. Ele ousou aplicar a lógica de Aristótelesà teologia, no que foi combatido por S. Bernardo queficara fiel à autoridade da Igreja e fez condenar a suadoutrina. (SEIGNOBOS, 1938: 175/176).

As Universidades foram assim analisadas pelo mesmoAutor:

Até o século XIII, a Universidade de Paris eraum estabelecimento da Igreja, não ensinando nenhumaciência de interesse secular, nem o Direito como emBolonha, nem a medicina como em Salermo, masapenas matérias eclesiásticas, a teologia e o Direitocanônico, em suma, a Universidade de Paris ensinavasó a religião. A universidade organizou-se no séculoXIII por dois processos diferentes, um de acordo coma origem dos alunos, outro de acordo com a naturezados estudos. Reunia professores e alunos de todos ospaíses cristãos sem ter em conta a diferença daslínguas, visto como só se falava latim. (SEIGNOBOS,1938: 176/178).

O Direito escrito substituindo o costume:O Direito romano transformou particularmente

o processo e o Direito penal. O costume formara-seentre homens incultos, incapazes de representarem umaideia abstrata, e que não podiam agir senão sobrenoções expressas por meio de símbolos visíveis. Todoo processo consistia em atos, penhores de luta,juramento das testemunhas, duelo, provas pelo ferroem brasa ou pela água acompanhadas de fórmulassacramentais. A pena era fixada de acordo com o atocriminal, sem que a intenção fosse tomada em conta;

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aplica-se mesmo a um animal: um touro ou cavalo quetivesse morto um homem era enforcado. Ao contrário,o Direito romano habituou a julgar, não mais somentede acordo com as formas, mas depois de ter procuradonos atos escritos e nas declarações das testemunhas arealidade dos fatos e as intenções das partes. Emmatéria de crime, a pena variava segundo a intençãodo culpado. O criminoso era olhado como um perigopúblico se fosse deixado impune. O juiz não tinha, pois,necessidade de esperar um acusador; devia agir “ex-officio”, isto é, em virtude da sua função. Bastava queum crime lhe fosse denunciado ou viesse ao seuconhecimento pela voz pública para fazer deter eencarcerar quem quer que dele fosse suspeito. Abririaentão um inquérito (o que o latim dos cursos da Igrejachamava inquisição) e se punha a instruir, isto é,preparar o processo. De acordo com o costume, oacusado não podia ser condenado a não ser queconfessasse o crime ou duas testemunhas jurassem tê-lo visto cometer. Os juízes eram levados, para obter aconfissão, a retomar o antigo sistema da tortura, quepassou a chamar-se ‘question’ (interrogatório). Estesistema, chamado extraordinário visto ser contrárioao costume, tornara-se desde os fins do século XV ométodo habitual dos tribunais e ficou-o sendo até àRevolução. (SEIGNOBOS, 1938: 195/196).

Sobre o nascimento das leis, ele acrescenta:O Direito romano revolucionou o princípio

fundamental do Direito público. O costume, regrasuprema do Direito, era olhado na Idade Média comoinflexível e imutável; o próprio rei devia respeitá-lo enão tinha o poder de mudá-lo. Os legistas conselheiros

do rei acharam no Direito romano a máxima “O quefoi resolvido pelo príncipe tem força de lei”, eaplicando-a ao rei da França concluíram que o rei porsua vontade podia fazer a lei, e que esta era obra dopoder real. Desde então o rei, sem mais cuidar docostume, pôs-se a fazer ordenações que tomavam olugar da lei, acabando mesmo por lhes dar o nomeromano de “editos”. (SEIGNOBOS, 1938:196).

Sobre o costume LEBIGRE afirma que:O Direito medieval é essencialmente

costumeiro, influenciado pelo Direito romano na regiãosul. O costume, – uso imemorial próprio dos habitantesde um território, prática comum consagrada pelarepetição (“uma vez não é costume”) – e a suaaceitação não obedecem a ninguém. Ele se impõe atodos, senhores e subordinados, por tanto tempo quetodos, de comum acordo, não decidiram modificá-lo.Ele é o freio mais eficaz ao arbítrio senhorial.Acrescentemos que a justiça, civil e penal, é exercitadaem público, sob o controle da coletividade que, nocomeço do período feudal, era ali representada poralguns de seus membros desempenhando o papel dejuízes. (LEBIGRE, 1995:21).

A influência do Direito Romano aconteceu em maiorescala na região do sul da França, pois o norte, inclusive Paris,sempre foi arredio a tudo o que fosse de origem latina. Sobre afraqueza da lei, a mesma autora opina que: “Parente pobre daDoutrina e da jurisprudência, a lei não é, todavia, ausente dodomínio da repressão.” (LEBIGRE. 1995:138).

Voltaire, que era advogado, além de extraordinárioliterato, escreveu um livro muito interessante, publicado em 1766

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(Commentaire sur le livre des Délits et des Peines par unAvocat de Province), do qual extraímos alguns trechos queretratam a realidade jurídica francesa da época:

Se um dia as leis humanas suavizassem naFrança alguns costumes por demais rigorosos, sem,contudo, dar facilidade ao crime, é de se acreditar quese reformará também o Direito processual nos artigosonde os legisladores agiram com um zelo excessivo. Aordenança criminal, em muitos pontos, parece ter-sedirigido unicamente para a condenação dos acusados.[...] No nosso foro criminal tudo se faz secretamente.Um só juiz, com seu escrivão, ouve cada depoimentoum após outro. Esta prática, estabelecida porFrancisco I, foi autorizada pelos comissários queredigiram a ordenança de Luís XIV, em 1670. [...] Osdepoentes são, normalmente, pessoas do povo, a quemo juiz, em comum acordo, pode mandar dizer o que elequiser. Esses depoimentos são ouvidos uma segundavez, sempre secretamente, denominando-sereinquirição. E se, após a reinquirição, eles se retratamnos seus depoimentos, ou se alteram as circunstânciasessenciais, são punidos por falso testemunho. Se umhomem simples, não sabendo se exprimir, mas que éhonesto, e se lembrando de que disse muito ou pouco,que compreendeu mal o juiz, ou que o juiz o entendeumal, modifica o que disse por uma questão dehonestidade, é punido como um criminoso, e é forçadofrequentemente a sustentar uma afirmação falsa peloreceio de ser considerado uma testemunha falsa.Fugindo, o acusado se expõe a ser condenado, tenhao crime sido provado ou não. Alguns jurisconsultos,na verdade, asseguram que o contumaz não deveriaser condenado se o crime não fosse claramente

provado; mas outros jurisconsultos, menosesclarecidos, e talvez mais conceituados tivesse umaopinião contrária: Afirmavam que a fuga do acusadoera uma prova do crime; que o desprezo que eledemonstrava pela Justiça, não comparecendo,mereceria o mesmo castigo. Assim, segundo a correntedos jurisconsultos que o juiz tenha adotado, o inocenteserá absolvido ou condenado. [...] Se se trata deprocesso penal, o acusado não tem Direito a advogado.[...] O parlamento de Toulouse tem uma jurisprudênciamuito singular quanto às provas de depoimentos.Admitem-se as meias-provas, que no fundo não sãosenão dúvidas: porque se sabe que não há meias-verdades; mas em Toulouse admitem-se quartos eoitavas de provas. Pode-se aí ter, por exemplo, umouvir dizer por um quarto, outro ouvir dizer mais vagopor um oitavo; em resumo; oito rumores, que não sãomais que um eco de uma suspeita mal fundada, podemse transformar em uma prova completa, com basenesse princípio, ocorreu a condenação de Jean Calas...(VOLTAIRE: 1766).

Para BLUCHE, RIALS e TULAR quando ocorreu aRevolução Francesa, “a unificação do Direito (francês), há muitoem marcha, prossegue lentamente; o Direito romano domina nosul, enquanto o Direito é consuetudinário no norte da França,com quase 300 costumes diferentes.” (1989: 9).

Sobre o Código Napoleão (Código Civil de 1804), assimdiscorreu SEIGNOBOS:

A unidade do Direito privado, preparada pelostrabalhos da Convenção, foi efetivamente estabelecidapelo “Código Napoleão”. Foi este Código umamálgama dos costumes do norte e do Direito romano

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do sul, mas o costume de Paris predominou no regimeda família e das heranças, com a partilha igual entreos filhos e a comunhão de bens entre os esposos,admitindo o casamento sob o “regime dotal”, em usono sul. Este Código ficou sendo a base do Direitofrancês, introduzido posteriormente em outros países,e, mais tarde, completado pelos códigos de comércio,de processo e de Direito penal. (SEIGNOBOS,1938:357/358).

ALMEIDA assim analisou o impacto da RevoluçãoFrancesa sobre o Direito francês:

Tanto ou mais do que a recepção do Direitoromano, a Revolução Francesa é um fato históricodecisivo para os elementos internos convergentes dasordens jurídicas integrados nesta família de Direitos.No chamado período intermediário, que decorreu desdea ‘Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão’(1789) até a promulgação do ‘Code Civil’ (1804),verificaram-se profundas alterações no Direito francês,a maior parte das quais se inseriu de modo estável nosistema jurídico onde surgiram. (ALMEIDA, 1998:40).

Eventos significativos para o Direito dos países de CivilLaw foi a edição dos Códigos napoleônicos, a saber: CódigoCivil (1804), Código de Processo Civil (1806), Código doComércio (1807), Código de Processo Penal (1808) e CódigoPenal (1810), que serviram de base para os demais códigos deoutros países.

Um dado histórico curioso é mencionado por ANCEL(1980:22), quando afirma que “Bonaparte, com o propósito debem preparar o seu Código Civil, instituíra, em 1801, noMinistério da Justiça, um Departamento de Legislação

estrangeira, e este título constituía então uma novidade. Mas esteDepartamento desapareceu no mesmo ano da promulgação doCódigo -1804 ...”

Seguindo na esteira da História do Direito francês,podemos mencionar a Lei Schoelcher de 27 de abril de 1848,que aboliu a escravatura nas possessões francesas. Nesse mesmoano foi abolida a pena de morte. Em 1869 foi fundada em Parisa Sociedade de Legislação Comparada e, em 21 de maio de1884, foi votada a Lei Waldeck-Rousseau, que autorizou acriação de sindicatos.

Em 1890, iniciou-se o ensino de Direito Comparado naUniversidade de Paris, onde, em 1900, foi realizado o ICongresso Internacional de Direito Comparado. Em 10 de julhode 1901 foi aprovada a lei que autorizou a criação de associaçõessem fins lucrativos.

Entre os juristas franceses que mais se destacaram nosséculos XIX e XX podemos citar Édouard-René Lefebre deLaboulaye, Rodolphe Dareste de La Chavanne (1824-1924),Frédéric Joüon dês Longrais (1892-1975), Adolfe Tardif (1824-1890), Paul Viollet (1840-1914), Eugène Leiong (1847-1925),Maurice Prou (1861-1930) e Roger Grand (1874-1962), alémde Jacques de Maleville, C. Aubry, F.-C. Rau, A. Duranton, R.Troplong, J.-C. F. Demolombe, G. Baudry-Lacantinerie, Fr.Gény, Marcel Planiol e A. Esmein.

Apesar dos grandes avanços do Direito francês,mencionamos o período do regime de Vichy (1940-1944) comorepresentando um grande retrocesso na área dos DireitosHumanos. Quando foram editadas leis antissemitas: o estatutodos judeus, de 3 de outubro, e as leis de 2 de junho e 4 deoutubro, todas de 1940.

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3. PODER JUDICIÁRIO

Afinal de contas, na França, o Judiciário é ou não é umPoder? O debate é realmente acirrado, como sói acontecer entreos franceses, que investem toda sua energia na discussão dequalquer assunto, e, principalmente, num desse grau deimportância, pois, em última instância, está em jogo a ideia dedemocracia, ou seja, o povo escolher os que vão exercer opoder “em nome do povo francês”. Verifiquemos o que dizemalguns juristas.

VILLIERS (1998), ferrenho opositor à tese do Judiciáriocomo poder, tratando do tópico poder Judiciário, assim o define:

Denominação dada por certas constituições(por exemplo, a Constituição de 3 de setembro de 1791,ou a Constituição dos Estados Unidos) aos tribunaispor elas instituídas com a finalidade de dizer o Direitosolucionando os litígios a eles encaminhados. A noçãode um poder Judiciário exprimindo a soberania no seudomínio de competência, paralelamente aos poderesLegislativo e Executivo, procede de uma leituradesatenta de Montesquieu. Com efeito, no capítulo VIdo livro XI do “De l’esprit des lois”, Montesquieu definebem um poder que é o poder de julgar, mas é de secompletar que esse ‘poder de julgar não deve ser dadoa um senado permanente, mas exercido por pessoastiradas do corpo social [...] para formar um Tribunalque não dure mais do que a necessidade o exija. Dessamaneira, o poder de julgar, tão terrível entre oshomens, não estando ligado a certo estado, nem a certaprofissão, se torna, por assim dizer, “invisível e nulo”,esse que é muito exatamente excluir quem os tribunaisconstituem e substituem os órgãos profissionais. Afora,um pouco mais adiante, Montesquieu completa: “Dos

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três poderes dos quais nós falamos, esse de julgar é,de alguma forma, nulo. Restam somente dois. Aexpressão de poder Judiciário é de toda maneiraequívoca, e, portanto, infeliz, porque ela não pode tera mesma significação orgânica que essas de poderLegislativo e de poder Executivo: os planos não sãoidênticos e, em caso algum, os magistrados não podemser considerados como representantes do povo nosentido do artigo C. 3 (A soberania nacional pertenceao povo que a exerce por seus representantes [...]). AConstituição da 5ª República reserva a denominaçãode ‘autoridade Judiciária’ para designar o conjuntodos juízes e membros do Ministério Público, e f az desua independência um princípio constitucional do qualo Presidente da República, assistido pelo ConselhoConstitucional, é o avalista. [...] ́(VILLIERS, 1998).

Para DUVERGER (1996), simpatizante do Judiciário-poder, não há dúvida que o Judiciário é um verdadeiro poder,tanto que, quando, ao tratar do assunto no capítulo “O poderJurisdicional”, afirma:

Em 1787, a Constituição dos Estados Unidosdivide os poderes públicos federais em três departamentos:o departamento Legislativo, o departamento Executivoe o departamento Judiciário. Desde então, todos osjuristas das democracias ocidentais distinguem esses trêspoderes. Fala-se aqui do poder ‘jurisdicional’, e não dopoder ‘Judiciário’. Mais corrente, a segunda denominaçãointroduziu na França uma confusão: os tribunaisJudiciários não sendo mais que uma ordem de jurisdição,ao lado dos tribunais administrativos e tribunaisespecializados. Alguns usam como argumento o fato daFrança ser um país unitário e, por este motivo, não ser o

Judiciário francês considerado um poder, com estribo emBOBEIO, MATTEUCCI e PASQUINO (1998: 91/92) quedizem: “No estado unitário, não existe nenhum centroautônomo de poder fora do governo central, constituindo-se a divisão dos poderes numa base exclusivamentefuncional, onde o Legislativo e o Executivo tendem a sercontrolados, inevitavelmente, pelas mesmas forçaspolíticas com a consequência de ser o Judiciário o maisfraco dos três, reduzindo-se, de fato, a um ramo daadministração pública’. (BOBBIO et al.: 1986-91/92).

TRUCHE diz que para o Estado:‘a Justiça não é um poder, pois, e felizmente,

ela não constitui um grupo suscetível de proferirdecisões que se imponham a todos. Ela é umaautoridade que tem poderes. Compete ao Estado fixaros limites desses poderes derrogatórios do Direitocomum e de lhe procurar os meios de colocá-los emprática. (1998:180).

TERQUEM, um violento opositor à doutrina doJudiciário-poder, ataca o Judiciário e o Ministério Público daforma mais rude possível:

‘Imagina-se em que se transformaria nossasociedade, submetida em todos os aspectos àconsciência dos juízes e membros do Ministériopúblico, que, como o reclamam alguns, nãodependeriam senão deles próprios e de sua consciência,sem depender dos representantes eleitos pelo povo, eque os cidadãos não teriam mesmo o Direito de criticarpublicamente?’ (1998: 116).

DAVID, engrossando a corrente oposicionista, diz:

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‘A hereditariedade e a venalidade dos cargosda judicatura, o papel político que os parlamentostentaram arrogar-se na França antiga, fizeram dosjuízes franceses, outrora, uma espécie de casta dotadaduma inteira autonomia em relação aos funcionáriosda administração. [...] O estatuto dos nossosmagistrados aproximou-se consideravelmente dosfuncionários, e a ideia de que existe um verdadeiropoder Judiciário desvaneceu-se na França. ‘ (DAVID,1996: 123/124).

Posição de defesa aberta do Judiciário é assumida porSALAS, magistrado da Escola Nacional de Magistraturafrancesa, que reconhece o estado atual do Judiciário na Françae pensa no futuro:

Não é mais aceitável o sistema que, há doisséculos, faz do Judiciário, uma dependência doExecutivo. Jamais, no passado, se assistiu a conflitostão violentos e públicos entre esses dois setores doestado. Entre 1993 e 1996, os conflitos entre a justiçae o Executivo se fazem abertamente de poder a poder.O Estado deve criar um novo espaço Judiciário, sequiser continuar a governar de forma democráticaonde o olhar da opinião torna visíveis suas menoresfaltas e escandalosas suas escapatórias. Uma rupturase impõe com uma tradição política, que nada validanem se compreende mais. Lançado por Jacques Chiracem 12 de dezembro de 1996 e prolongado pelo discursode investidura de LioneI Jospin em 20 de junho de1997, o canteiro da justiça está enfim aberto. Oengajamento tomado por esse último de não maisnomear procuradores sem, o aval do Conselho Superiorda Magistratura e de não dar nenhuma instrução nos

processos individuais marque esta vontade de ruptura.Uma, reforma histórica inédita está em andamento. Orelatório Truche traça um primeiro esboço. O projetode Elisabeth Guigou avança dentro dessa via. “E,respondendo indiretamente a uma indagação deFrancis Terquem e outros sobre a legitimidade doJudiciário, que não seria “representante do povo”,esclarece que o Judiciário é “um terceiro poder,instância de julgamento colocada, no coração dademocracia, entre os representantes e os represen-tados.” (SALAS, 1998: 11/13).

Procurando uma explicação, podemos achar que o fatormarcante para o estado atual de limitação do Judiciário na Françafoi a Revolução Francesa, com a brusca mudança ocorrida,passando-se a entender o juiz como mera bouche de la loi,enquanto a lei passou a ser tratada como expressão da vontadedo povo e, portanto, exigindo obediência estrita. O legisladorfoi excessivamente valorizado, como ‘representante do povo’,enquanto que o Judiciário tem sofrido, desde aquela época, sériasrestrições, a ponto de serem tratados por muitos como simplesfuncionários públicos, pelo fato de os juízes não serem eleitos.Os homens do Executivo, também eleitos pelo povo, passarama ser considerados “representantes do povo”, portanto, legítimospara exercer o poder, uma vez que a ideia de “legitimidade”, naFrança, é ligada ao voto.

ACKERMAN e BASTARD (1993), após estudaremvárias propostas de melhoria da qualidade dos serviçosJudiciários, entram pelo campo de legitimidade e daindependência:

Estas mudanças da organização e do funcio-namento dos serviços se observam no cotidiano notrabalho dos membros dos tribunais, nas suas relações

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com os jurisdicionados e nas suas relações com osauxiliares da justiça. Para que elas possam serreconhecidas como conquistas da instituição Judiciáriae que elas possam ser valorizadas como tais, énecessário ainda que elas se inscrevam no quadro deuma Justiça cuja legitimidade da ação e independênciade seus membros sejam mais bem conhecidas. Trata-se de uma condição para que as transformações e asinovações que marcam a gestão dos tribunais possamser apreciadas na sua amplitude real. Longe de nós aideia de considerar que a falta de recursos da qualsofre a Justiça é uma ilusão. A penúria realmenteexiste. Mas ela não deve fazer esquecer amultiplicidade e a diversidade das mudanças que tocamà organização e à gestão das jurisdições. A visibilidadee a difusão mais ampla dessas mudanças são, semdúvida, entravadas pela crise de legitimidade da qualsofre a instituição Judiciária no seu conjunto.(ACKERMAN, BASTARD: 1993-100/101).

No entanto, não é livre de questionamentos a tese deque somente pelo voto se adquire a legitimidade, obtida mesmosem o voto popular, como é o caso do Judiciário. O debatedura há mais de 200 anos na pátria de Montesquieu.

GARAPON (Pouvoir 74) propõe repensar a questãodo juiz, quando afirma ser ela ‘muito antiga porque Aristóteles já arespondeu há muito tempo, mas também radicalmente modernatanto que a configuração da nossa democracia – radicalmenteinédita – obriga a repensar a questão do juiz’. O prestígio daMagistratura, Conselho Superior de Magistratura, no entanto, vemaumentando, embora ainda existam forças que a ela se opõem.

COLCOMBET (Pouvoir 74), mostra que a únicasolução para o Judiciário francês é uma reforma constitucional:

Indispensável e premente para o poder político,a Magistratura é, na tradição francesa, estreitamentepor ele controlada, O sistema colocado em vigor porNapoleão I, que se caracteriza por uma hierarquizaçãomuito estrita das jurisdições e das funções, não mudoumuito desde aquela época. Ele permite ao poder deter mais que um Direito de simplesmente observar delonge cada fase da carreira dos magistrados. O poderdo Conselho Superior de Magistratura, criado em1946, foi entravado pelas reformas de 1958, quereforçaram o poder do presidente da República sobreos juízes. Só os comportamentos dos magistrados apartir daí mais organizados e a prática, sobretudo,liberal dos presidentes da república limitaram osinconvenientes do sistema. Uma reforma constitucionalrecente permite ter, para o futuro, algumas esperanças.(COLCOMBET: 118).

Acreditamos que a solução final será a consagração doJudiciário francês como um verdadeiro “poder”, no mesmo níveldos poderes Executivo e Legislativo.

Observando-se os dez diplomas constitucionaisfranceses, editados o primeiro em 1791 e o último em 1958, vê-se que: em três deles (1791, 1795 e 1848) o Judiciário é chamadode poder; cada um vigorou por quatro anos; sendo editados noséculo XVIII e o outro no século XIX. Na história doconstitucionalismo francês não é incomum considerar o Judiciárioum poder, podendo ocorrer, numa futura revisão constitucional,seu retorno à situação de poder.

Enquanto essa revisão constitucional não acontece, osjuízes franceses vão mostrando ao povo a importância do seutrabalho no dia-a-dia da sociedade, com seu prestígio cada vezmaior frente a todas as camadas sociais. A própria classe política

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sente a necessidade de entregar à responsabilidade do Judiciárioa solução de problemas difíceis que ela não quer assumir,parecendo aproximar-se o momento da consagraçãoconstitucional do Judiciário francês, não retornado ao passado,mas inserido na atualidade.

3.1. GRANDES MAGISTRADOS

3.1.1. Paul Magnaud

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Magnaud nasceu em 1849 na cidade francesa deBergerac, filho de um funcionário público sem maior projeção.Paul Magnaud presta o serviço militar, destacando-se na Guerrade 1870 entre a França e a Alemanha. Posteriormente faz ocurso de Direito em Paris, ingressando na Magistratura em 1881.

Após um começo de carreira em alguns postos menosdestacados, é nomeado, em 1887, presidente do Tribunal dacidade de Château-Thierry, onde trabalharia até 1906 e ficariaconhecido como o Presidente Magnaud.

(No sistema Judiciário francês o cargo de presidente dequalquer Tribunal dá ao juiz que o exerce muito maior destaqueque os outros juízes desse Tribunal, e o Leitor verá a importânciado tema logo adiante quando se tratar do trabalho de Magnaudno Tribunal de Paris, onde ele não será presidente sequer dacâmara onde passou a atuar e, portanto, ficando desconhecidosseus votos, neutralizados pelos dois juízes da sua câmara).

Entre algumas de suas decisões mais famosas, podemoscitar a que se refere a um julgamento que, quando ocorreu, chamoua atenção de todo o país e tornando-se objeto de exploraçõespolítico-partidárias, quando absolveu uma mulher por furtofamélico; num outro julgamento absolveu um rapaz que nãoconseguia emprego e que era acusado de mendicância e vadiagem;absolveu também uma mulher acusada de adultério fundamentandosua sentença no entendimento de que não havia prejuízo público,mas apenas para a vida dos próprios cônjuges; e, através deinúmeras decisões surpreendentes para a época, pretendeu adescriminalização do adultério, o reconhecimento do que depoisse tratou como estado de necessidade, avançou no sentido doDireito de greve, de segurança do trabalho, da valorização damulher e sua igualdade em relação ao homem, etc.

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Em 1906 Magnaud era eleito deputado pelo partidoradical-socialista, cumprindo seu mandato de quatro anos,quando tenta, sem êxito, promover reformas legislativas,especialmente, na área penal.

Retornando à Magistratura em 1910, foi designado paraexercer seu cargo no Tribunal de Paris, onde não era maispresidente, prestando serviço militar na 1ª Guerra Mundial comooficial superior, recebeu a comenda da Legião de Honra pelasua conduta corajosa, aposentando-se em 1918. TornadoConselheiro Honorário da Corte de Apelação de Paris (cargohonorífico), foi amigo pessoal de Clemenceau e Émile Zola, quemuito divulgaram seu nome através da mídia da época.

Magnaud foi feminista por influência de sua mulher, eafilhada da escritora e feminista George Sand uma das primeirasmulheres a ingressar na maçonaria.

Sobre ele muito se escreveu, mas o livro mais completose chama le bon Juge, que tem como autor André Rossel,reeditado em 1983 pela Editora A 1’Enseigne de 1’arbreverdoyant. Um juiz francês disse, certa vez, que Magnauddeveria ter vivido na época dos Parlamentos ou numa época daJustiça francesa que ainda não chegou ... e que ele é umrepresentante verdadeiro dos juízes franceses ... Em suma, eraum polemista ardoroso, corajoso e pouco respeitoso com tudoo que contrariasse suas ideias de entusiasta do progresso.Magnaud morreu em 1926 na cidade de Saint-Yrieix, com 78anos de idade.

3.1.2. René Parodi

René Parodi, nascido em Rouen (Seine-Maritime) em 8 dedezembro de 1904, faleceu na prisão de Fresnes em 16 de abrilde 1942, foi um membro da Resistência Francesa.

Magistrado, ingressou na Resistência em 1940, publicouo jornal Résistance, contribuiu para a fundação do movimentoLibération-Nord e dirigiu um grupo de resistentes. Preso emfevereiro de 1942, morreu na prisão. É considerado companheiroda Liberação.

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Nascido em Rouen, René Parodi era filho do filósofoDominique Parodi e irmão do resistente e político Alexandre Parodi.

René se tornou magistrado e foi nomeado para servirem Châlons-sur-Marne, depois em Reims e Versailles, onde erasubstituto.

Em 1939, engajou-se como voluntário.

Após o armistício de junho de 1940, retoma sua atividadede magistrado; mas, no final de 1940, reúne um grupo deresistentes para trabalhar na propaganda escrita e edita ojornal Résistance.

Ele contribuiu com Christian Pineau para a criação doComité d’études économiques et syndicales, que se tornou omovimento Libération-Nord. A partir de dezembro de 1941,René Parodi se tornou membro do Conselho Diretor.

Foi nomeado substituto adjunto ao Tribunal de Seineenem junho de 1941. Acumulou esse cargo com o de Versailles ecom sua atividade de resistente.

René Parodi e o grupo que ele dirige passaram à açãoconcreta. Durante o verão de 1941, afundam barcaças econseguem bloquear o canal de Yvonne.

Mas, em 6 de fevereiro de 1942, foi preso em sua casapela Gestapo e preso em Fresnes.

Em março de 1942, durante sua prisão, o grupo que dirigiaconsegue acender as luzes das usinas Renault de Billancourt paraserem vistas e bombardeadas pelos ingleses durante um ataqueaéreo especial.

René Parodi foi torturado, mas se recusou a falar. Foilevado de volta à cela em 16 de abril de 1942, praticamente morto.

Foi sepultado no Cemitério do Père-Lachaise em Paris.

René Parodi tem seu nome ligado à Companhia daLiberação, a título póstumo, pelo decreto de 20 de novembrode 1944.

Parodi, magistrado e resistente, tornou-se o símbolo e omártir da Resistência Judiciária. Na Liberação, quando aMagistratura foi questionada por sua atitude de colaboração esustentação do regime de Vichy, a lembrança do engajamento eda morte de René Parodi permitiu legitimar-se a Magistraturaengajada na causa cidadã.

Homenagens e Distinções

Cavaleiro da Legião de Honra.Companheiro da Liberação, conforme decreto de 20 denovembro de 1944.

Outras homenagens:

A ”square” Alexandre-et-René-Parodi, em Paris, associa seunome ao do seu irmão Alexandre, este também companheiro daLiberação.A promoção de 2014 dos auditores de justiça da EscolaNacional da Magistratura lhe prestou homenagem ao se batizarcom seu nome: « René Parodi est le symbole de la résistancejudiciaire française ».

(http://www.wikiwand.com/fr/Ren%C3%A9_Parodi)

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3.1.3. Paul Didier

Paul Didier nasceu em Carcassonne em 1889.

Seu pai, que também se chamava Paul Didier, eradiplomado em Química, doutor em Ciências, antigo aluno daEscola Normal superior e examinador do concurso de ingressona Escola Especial Militar de Saint Cyr, teve que deixar o cargopor motivos políticos.

Seu avô materno, Ferdinand Théron, foi deputado radicalde 1885 a 1910.

Nosso Paul Didier estudou no Liceu Montaigne, depoisno Liceu Louis le Grand e, posteriormente, na Faculdade deDireito de Paris.

Tornou-se doutor em Direito, licenciou-se em Letras,diplomou-se em Estudos Administrativos e Financeiros e emCiências Penais, tendo se inscrito como advogado em 1911 nobarreau de Paris.

Lutou nas forças francesas durante a 1ª Guerra Mundial,tendo sido feito prisioneiro dos alemães.

Ingressou na Magistratura francesa como juiz em 1919,tendo inicialmente trabalhado na judicatura e, posteriormente,ocupou cargos administrativos junto ao Ministério da Justiça atéque em 1940 a ela retornou.

Em 1941, quando os juízes franceses foram obrigados aprestar juramento de fidelidade ao “regime de Vichy”, ou seja,aquele imposto pelos alemães na França ocupada, recusando-se a prestá-lo, foi preso e punido administrativamente comaposentadoria compulsória.

Participou da Resistência Francesa e, terminado operíodo de ocupação alemã na França, voltou à atividade naárea administrativa (Ministério da Justiça) e, posteriormente, najudicatura.

Faleceu em 1961, com 71 anos de idade.

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3.1.4. Brillat-Savarin

René Constant, em estudo bem elaborado sobre Brillat-Savarin, intitulado Brillat Savarin – Magistrat et Gastronome,apresenta alguns dados sobre esse homem brilhante em todasas áreas pelas quais se interessou.

Nascido em 1° de abril de 1755 numa família onde existia,por tendência, a vocação para o Direito, exerceu primeiro aadvocacia, depois passou ao cargo de lugar-tenente (um tipo demagistrado) em Belley, trabalhando também como professor deDireito na universidade de Dijon.

Em 1789, época complexa politicamente, foi eleitomembro dos Estados Gerais, participando da Constituinte, edepois foi presidente do Tribunal de Ain, sendo deposto do cargosob suspeita de deslealdade aos ideais revolucionários e simpatiapela monarquia. Eleito, nesse período, prefeito de Belley (1793).

Acusado de inimigo do povo pelos revolucionários, éobrigado a emigrar, passando pela Suíça, Alemanha, Holanda epor fim chega aos Estados Unidos, onde vive por quase doisanos.

Retornando à França em setembro de 1796, recuperaos bens que lhe tinham sido confiscados e readquire seu prestígio,ao ser nomeado pelo Diretório o Secretário de Estado Maiordo Exército do Reno.

Posteriormente, passou a exercer o cargo de comissáriodo governo (cargo similar ao de representante do MinistérioPúblico) no Tribunal de Versalhes.

Em 1801 é nomeado conselheiro da Corte de Cassação,ali permanecendo até sua morte, em 2 de fevereiro de 1826.

Escreveu sobre vários assuntos, inclusive um ensaio sobrea administração Judiciária.

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3.1.5 – Michel de Montaigne

Foi magistrado durante dezesseis anos, em Bordeaux,oficiando na primeira e na segunda instâncias, mas não acreditavana justiça das leis que tinha de aplicar. Por isso, deixou aMagistratura e foi escrever sobre Filosofia.

A Wikipédia informa sem muita precisão:

Michel Eyquem de Montaigne (Castelo de Montaigne, 28de fevereiro de 1533 — Castelo de Montaigne, 13 de

setembrode 1592)  foi  um jurista,  político, filósofo,escritor, cético e humanista francês, considerado como oinventor do ensaio pessoal. Nas suas obras analisou asinstituições, as opiniões e os costumes, debruçando-se sobreos dogmas da  sua época  e  tomando a  generalidade dahumanidade como objeto de estudo.

Ele criticou a educação livresca e mnemônica,propondo um ensino voltado para a experiência e para aação. Acreditava que a educação livresca exigiria muitotempo e esforço, o que afastaria os jovens dos assuntos maisurgentes da vida. Para ele, a educação deveria formarindivíduos aptos ao julgamento, ao discernimento moral e àvida prática.

Vida e obra

Montaigne nasceu no Castelo de Montaigne, emSaint-Michel-de-Montaigne, após seu nascimento, o paientregou-o a uma enfermeira de uma aldeia vizinha e veiocom três anos de volta para a família. Seu pai lhe deu umtutor alemão que lhe falava somente em latim. Assim, o latimera quase a língua materna de Montaigne. Este tinha umespírito por um lado vigilante e metódico e por outro, abertoàs novidades. Após estes estudos enveredou pelo Direito.Exerceu a função de magistrado primeiro em Périgueux (de1554 a 1570) depois em Bordéus onde travou profundaamizade com La Boétie.

Retirou-se para o seu Castelo de Montaigne quandotinha 34 anos para se dedicar ao estudo e à reflexão. Levounove anos para redigir os dois primeiros livros dos Essais.Depois viajou pela primeira vez para Alemanha, Suíça eItália durante dois anos (1580-1581). Fez o relato desta

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viagem no livro Journal de Voyage, que só foi publicado pelaprimeira vez em 1774.

Foi presidente da Câmara de Bordéus durante quatroanos. Regressou ao seu castelo e continuou a corrigir e aescrever os Essais, tendo em vista o estilo parisiense deexposição doutrinária. Os seus Ensaios compreendem trêsvolumes (três livros) e vieram a público em três versões: Osdois primeiros em 1580 e 1588. Na edição de 1588, apareceo terceiro volume. Em 1595, publica-se uma edição póstumadestes três livros com novos acréscimos.

Seus Essais são principalmente autorretratos de umhomem, mais do que o autorretrato do filósofo. Montaigneapresenta-se-nos em toda a sua complexidade e variedadehumanas. Procura também encontrar em si o que é singular.Mas ao fazer esse estudo de auto-observação acabou porobservar também o Homem no seu todo. Por isso, não nos éde espantar que neles ocorram reflexões tanto sobre os temasmais clássicos e elevados ao lado de pensamentos sobrea flatulência. Montaigne é  assim um  livre pensador, umpensador sobre o humano, sobre as suas inconsistências,diversidades e características. E é um pensador que se dedicaaos temas que mais lhe apetecem, vai pensando ao sabordos seus interesses e caprichos.

Se por um lado se interessa sobremaneirapela Antiguidade Clássica, esta não é totalmente passadistaou saudosista. O que lhe interessa nos autores antigos,especialmente os latinos, mas também gregos, é encontrarmáximas e reflexões, que o ajudem na sua vida diária e nasua autodescoberta. Montaigne tenta assim compreender-se,através da introspecção, e tenta assim compreender os homens.

Montaigne não tem um sistema. Não é um moralista,nem um doutrinador. Mas não sendo moralista, não tendoum sistema de conduta, uma moral com princípios rígidos, éum pensador ético. Procura indagar o que está certo ouerrado na conduta humana. Propõe-se mais estudar pelosseus ensaios certos assuntos do que dar respostas. No fundo,Montaigne está naquele grupo de pensadores que estão aperguntar em vez de responder, e é na sua incerteza em darrespostas, que surge certo cepticismo em Montaigne. Comonão está interessado em dar respostas apriorístico tem certareserva em relação a misticismos e crenças. É de notar certoalheamento em relação ao Cristianismo e às lutas dereligião que se vivia em França na época. Embora não deixede refletir em assuntos como a destruição das Novas Índiaspelos espanhóis. Ou seja, as suas reflexões visam os clássicose a sua própria contemporaneidade. Tanto fala de umepisódio de Cipião como fala de algum acontecimento doseu século como fala de qualquer seu episódio doméstico.

O facto de ter introduzido outra forma de pensaratravés de ensaios, fez com que o próprio pensamentohumano encontrasse uma forma mais legítima de abordar oreal. A verdade absoluta deixa de estar ao alcance do homem,sendo doravante, possível tão-somente uma verdade (?) poraproximações.

Registre-se que Michel de Montaigne foi tio pelo ladomaterno de Santa Joana de Lestonnac.

(https://pt.wikipedia.org/wiki/Michel_de_Montaigne)

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3.1.6 – Montesquieu

Consigna a Wikipédia sobre esse magistrado e jurista:Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède e de

Montesquieu, conhecido como Montesquieu (castelo de LaBrède, próximo a Bordéus, 18 de Janeiro de 1689 — Paris,10 de Fevereiro de 1755), foi um político, filósofo e escritorfrancês. Ficou famoso pela sua teoria da separação dospoderes, atualmente consagrada em muitas das modernasconstituições internacionais.

Aristocrata, filho de família nobre, nasceu no dia 18de Janeiro de 1689 e cedo teve formação iluminista com

padres oratorianos. Revelou-se um crítico severo e irônicoda monarquia absolutista decadente, bem como do clerocatólico. Adquiriu sólidos conhecimentos humanísticos ejurídicos, mas também frequentou em Paris os círculos daboêmia literária. Em 1714, entrou para o Tribunal provincialde Bordéus, que presidiu de 1716 a 1726. Fez longas viagenspela Europa e, de 1729 a 1731, esteve na Inglaterra.

Proficiente escritor, concebeu livros importantes einfluentes, como Cartas persas (1721), Considerações sobreas causas da grandeza dos romanos e de sua decadência(1734) e O Espírito das leis (1748), a sua mais famosa obra.Contribuiu também para a célebre Enciclopédia, juntamentecom Diderot e D’Alembert.

BiografiaMontesquieu nasceu em 18 de janeiro de 1689, em

Bordeaux, na França, no Castelo de La Brède, propriedadeda família. A mãe, Marie Françoise de Pesnel, tinha origeminglesa e de família com negócios na área de vinhos e o pai,Jacques Secondat de família nobre francesa.

Seu aprendizado inicial foi em casa e somente aos onzeanos entrou para o Colégio Juilly. Era um colégio que tinhacomo alunos os filhos das mais ricas famílias, comandadopor padres oratorianos que ensinavam os alunos utilizando adoutrina iluminista da época. Aos 16 anos entrou para afaculdade de Direito da Universidade de Bordeaux, formou-se em Direito, em 1708, e foi para Paris prosseguir em seusestudos. Com a morte do pai, cinco anos depois, voltou àcidade natal, La Brède. Em 1715 casou-se com a rica Jeannede Lartigue. Um ano depois, com a morte de um tio, herdouuma fortuna, assumiu a presidência do parlamento deBordeaux e foi nomeado Barão de Montesquieu.

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Iniciou, na Academia de Bordeaux, estudos na áreado Direito romano, biologia, física e geologia.

Com estes estudos, Montesquieu pode se aprofundarno estudo iluminista que tinha iniciado no Colégio Juilly,aliando as ciências naturais e as questões humanas. Empouco tempo o autor publicou textos sobre o assunto, comoLes causes de l’écho, Les glandes rénales e La cause de lapesanteur des corps.

Sua primeira obra de maior repercussão foi publicadaem 1721, intitulada de “Cartas Persas”, que é uma sátiraaos costumes e filosofia francesa. O autor imprimiu umaalta dose de sarcasmo colocando dois viajantes persas emParis, trocando correspondências sobre a França comamigos na Pérsia. Nesta obra a crítica às autoridadespolíticas e religiosas, bastante comum entre os iluministas, éconstante em todo o livro. Por meio dos dois personagensMontesquieu aproveita para criticar tudo o que oincomodava na sociedade francesa da época.

Depois do êxito alcançado com “Cartas Persas” foiadmitido nos grandes círculos intelectuais de Paris. Aos 39anos foi estudar na Academia Francesa e como parte dosestudos iniciou uma maratona de viagens pela Europa queproporcionaram a Montesquieu a oportunidade de conhecerobras importantes para sua formação como as do historiadorPietro Giannone (1676-1748) e do filósofo Vico (1668-1744).Depois de passar pela Itália, Holanda e Alemanha terminousua peregrinação na Inglaterra lugar onde concluiu suaformação intelectual. Na ilha britânica relacionou-se comos círculos políticos, entrou para a maçonaria e para aAcademia Real. Neste período teve grande contato com adoutrina iluminista e liberal. Com a conclusão das viagensMontesquieu ficou recluso por dois anos, dedicando-seexclusivamente a escrever.

Montesquieu fascinado pelo progresso das CiênciasFísicas/Naturais e de suas descobertas a respeito das leis queregiam o mundo físico, tratadas diversas vezes em seus ensaiospropôs a partir daí que a realidade social, semelhantemente,também devia reger-se por leis. E, por conseguinte trocou suaMagistratura pelo estudo para desvendar as leis sociais. Tendotomado conhecimento dos vários problemas sociais da Europa,além de ter sido um grande leitor e conhecedor dos impériosantigos, tais como: Roma, Grécia, Cartago, Egito, Pérsia,China, Macedônia, Japão e os povos Hebreu, Árabe, Turco,dentre outras etnias e países.

Nesse período escreveu sua principal obra, “DoEspírito das Leis” que se tornou referência mundial paraadvogados, legisladores e outros cientistas sociais. A obrafaz um vasto estudo nas áreas de Direito, história, economia,geografia e teoria política que percorreu mais de dez anosaté sua publicação em 1748.

Ele sofreu ao mesmo tempo uma avalanche de elogiose de represálias de todos os lados. Chegou a publicarposteriormente um livro resposta chamado “Defesa do Espíritodas Leis”. O autor faleceu em fevereiro de 1755. Encontra-sesepultado na L’eglise Saint-Sulpice, Paris na França.

Contexto Histórico: visão política e ideias principaisUm breve retrocesso histórico se faz necessário para

compreender alguns acontecimentos gerais que levaram àscaracterísticas da corrente iluminista, da qual Montesquieuse destacou como um dos principais teóricos. O embasamentode um poder divino atribuído aos monarcas europeusenfraquece a partir do momento que Lutero, em 1518, lê apassagem “o justo viverá pela fé” da Epístola de São Pauloaos romanos. Sua interpretação de que os indivíduos nãodeveriam recorrer à Igreja para pagar indulgências gerou

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conflitos ao redor de toda a Europa até que, em tese, oTratado de Vestefália (1648) colocasse fim às guerras,reconhecendo a soberania de cada Estado em termos deescolha de religião. Com isso, a explicação para as coisaspassa a não mais estar no transcendental, mas no própriohomem e eis que surge o Iluminismo como tentativa de fazerdas ciências naturais as ciências da razão e daexperimentação. Tal indutivismo aparece como uma quebrade paradigmas com o que se tinha no século XVII, aconstrução de um racionalismo aplicado à geometria, àdedução, que Baruch Spinoza mostra bem em sua Ética de1677. O foco agora são os ensinamentos históricos, factuais– o que propicia a Sociologia comparativa de Montesquieu– e a tentativa de aglomerar o conhecimento comum naciência, nas artes e nos ofícios – a Encyclopédie de Diderote de D’Alambert. A própria música do tempo destes homensdetinha uma característica comum a dos estudiosos, de certaforma. Aparece o conceito de virtuosismo, no início do séculoXVII, atribuído àquele que explorava ao máximo o seuinstrumento, desenvolvendo novas linguagens musicais aserem expressas. Isso se manifestou na inovação barrocacom um estilo quase que discursado – a ópera – e estilosestritamente instrumentais – a suíte e o concerto –, quepossuem linhas agudas e graves definidas e que deixa aosinstrumentos de frequência média a possibilidade de variara melodia de acordo com a nuança de cada autor,demonstrando seu característico virtuosismo. Porém, apartir da segunda metade do século XVIII e com a morte docompositor Bach, uma transição musical para algo maissimplificado foi inevitável. Como tudo o mais, os trabalhosiluministas também proporcionaram uma transição a algoque, a priori, seria mais estável.

Desde o fim da Idade Média, quando os reis começama tomar o poder que os senhores feudais tinham sobre suasterras, a nobreza ociosa passa a franquear o trono e aalmejar o poder. Os reis buscam então o apoio das massas,não confiando mais no pessoal de sua corte e, fazendo isso,concedem gradualmente mais benefícios àqueles, na formade menos servidões, no fim das contas. O poder absolutista,cada vez mais cruel e centralizado, culmina drasticamentecom o governo de Luís XIV (1643 - 1715). A insatisfação jáera grande nesta época de altos gastos com o luxo na corte– como mostra bem a arte rococó, com seus quadrosexaltando os prazeres do cotidiano aristocrático, suas festas,sua sensualidade – enquanto a população estava imersa namiséria. Com o nascente sistema capitalista em ação, umanova esperança surge no imaginário das pessoas, a saber, asuperação da escassez dos bens necessários à vida, asuperação de um antigo e comum temor popular. Ademais,a emancipação do indivíduo enquanto sujeito de suaatividade econômica – dotado de propriedade privada,graças ao liberalismo precoce de Locke –, em oposição aomercantilismo estatal, foram importantes fatores, existentesprincipalmente na Inglaterra, para o que se seguiria.

A arquitetura rococó pomposa e cortesã era a mesmaarquitetura repleta de janelas que deixavam adentrar a luz,e em 1789 eclode a Revolução Francesa e a junção entreburguesia e classes populares, embora momentânea, foiselada. A volta ao pensamento indutivo, à forma humana,ao equilíbrio do Neoclassicismo foi o legado que homenscomo Montesquieu deixaram para a arte do século posterior.A teoria política criada por ele e que se reflete na divisãodos poderes estatais, por exemplo, são aulas de vida paraacadêmicos e políticos até os dias de hoje.• Montesquieu defendia a divisão do poder em dois:

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• Poder Executivo (órgão responsável pela administraçãodo território e concentrado nas mãos do monarca ouregente);• Poder Legislativo (órgão responsável pela elaboração dasleis e representado pelas câmaras de parlamentares): o poderLegislativo era dividido em dois: a câmara dos lordes,indicados pelo rei, representando a aristocracia, e a câmarados comuns, de representantes eleitos pelo povo.• Montesquieu não considerava o Judiciário como um dosPoderes.• Era a favor da Monarquia Parlamentar.

Outra importante teoria de Montesquieu trata dasrelações das formas de Governo e seus princípios, segundoo autor as formas seriam as seguintes:• República - Democracia (Princípio–Patriotismo)*Formas de Governo• Aristocracia (Princípio–Moderação)• Monarquia (Princípio-Honra)• Despotismo (Princípio – Terror)Montesquieu atribuiu mais algumas classificações a estasformas de governo, tais como:*Formas Puras:• Monarquia: Governo de um só (Princípio-Honra)• Aristocracia: Governo de vários• Democracia: Governo do povo (Princípio-Virtude)*Formas Impuras:• Tirania: Corrupção da Monarquia• Oligarquia: Corrupção da Aristocracia• Demagogia: Corrupção da Democracia

Obras, crítica e filosofia de MontesquieuCartas Persas (Lettres persanes)

Em 1721, publicou as Cartas Persas (Lettrespersanes), obra da sua juventude, e consistia num relatoimaginário, sob a forma epistolar, sobre a visita de doispersas, Rica e Usbeck, a Paris, durante o reinado de LuísXIV. As duas personagens escrevem para seus amigos naPérsia descrevendo tudo o que veem em Paris. Por meiodesta narrativa, critica os costumes, as instituições políticase os abusos da Igreja Católica e do Estado absolutista naFrança da época.

O Espírito das Leis (L’esprit des lois)Montesquieu elaborou uma teoria política, que

apareceu na sua obra mais famosa, o O Espírito das Leis(L’esprit des lois, 1748), inspirada em John Locke e no seuestudo das instituições políticas inglesas. É uma obravolumosa, na qual se discute a respeito das instituições edas leis, e busca-se compreender as diversas legislaçõesexistentes em diferentes lugares e épocas. Esta obra inspirouos redatores da Constituição de 1791 e tornou-se fonte dasdoutrinas constitucionais liberais, que repousam naseparação dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

“O Espírito das Leis” foi proibido em diversoscírculos intelectuais e também incluída no Index LibrorumProhibitorum da Igreja Católica. Foi também duramenterecriminado pelo clero francês, na Sorbonne e em diversosartigos, panfletos e outros escritos. Toda essa reaçãonegativa deu a obra uma maior abrangência e repercussãoque a conseguida por “Cartas Persas”.

“O Espírito das Leis” analisa de maneira extensa eprofunda os fatos humanos com um rigoroso esboço deinterpretação do mundo histórico, social e político. Apertinência das observações e a preocupação com o métodopermitem encontrar no seu trabalho elementos que prenunciam

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uma análise sociológica. Eis algumas das principais ideias deMontesquieu expressas nesta obra tão importante:

As leis escritas ou não, que governam os povos, nãosão fruto do capricho ou do arbítrio de quem legisla. Aocontrário, decorrem da realidade social e da História concretaprópria ao povo considerado. Não existem leis justas ouinjustas. O que existe são leis mais ou menos adequadas a umdeterminado povo e a uma determinada circunstância de épocaou lugar. O autor procura estabelecer a relação das leis comas sociedades, ou ainda, com o espírito dessas.

O que Montesquieu descreve como espírito geral deuma sociedade aparece como resultante de causas físicas (oclima), causas morais (costumes, religião…) e das máximasde um governo (ARON, R.). Modernamente, seria o quechamamos vulgarmente de uma identidade nacional que seconstitui conforme os fatores citados acima.

As máximas anteriormente descritas dizem respeito aos,segundo o próprio autor, tipos e conceitos que dariam contadaquilo que as causas não abrangem. Seriam, por conseguinte,o princípio (o que põe os governos em movimento, o princípiomotor em linguagem filosófica, constituído pelas paixões enecessidades dos homens) e a natureza (aquilo que faz umgoverno ser o que é determinado pela quantidade daqueles quedetêm a soberania) de um governo.

Segundo estas duas características fundamentais deum governo, Montesquieu distingue três formas de governo:• Monarquia - soberania nas mãos de uma só pessoa (omonarca) segundo leis positivas e o seu princípio é a honra;• Despotismo - soberania nas mãos de uma só pessoa (odéspota) segundo a vontade deste e o seu princípio é o medo;• República - a soberania está nas mãos de muitos (de todos= democracia, ou de alguns = aristocracia) e o seu princípiomotor é a virtude;

Apesar de ser muito influenciado pelos clássicos(notadamente Aristóteles), o seu esquema de governos édiferente destes últimos. Montesquieu, ao considerar ademocracia e a aristocracia um mesmo tipo (agrupados narepública) e ao falar de despotismo como um tipo em si enão a corrupção de outro (neste caso, da monarquia), mostra-se mais preocupado com a forma com que será exercido opoder: se é exercido seguindo leis ou não.

Ao procurar descobrir as relações que as leis têm com anatureza e o princípio de cada governo, Montesquieu desenvolveuma alentada teoria de governo que alimenta as ideias fecundasdo constitucionalismo, pelo qual se busca distribuir aautoridade por meios legais, de modo a evitar a violência e oabuso de poder de alguns. Tais ideias se encaminham para umamelhor definição da separação dos poderes, ainda hoje umadas pedras angulares do exercício do poder democrático.Montesquieu admirava a constituição inglesa, mesmo semcompreendê-la completamente, e descreveu cuidadosamentea separação dos poderes em Executivo, Judiciário eLegislativo, trabalho que influenciou os elaboradores daConstituição dos Estados Unidos da América.

O poder Legislativo, convocado pelo Executivo,deveria ser separado em duas casas: o corpo dos comuns,composto pelos representantes do povo, e o corpo dos nobres,formado por nobres, hereditário e com a faculdade de impedir(vetar) as decisões do corpo dos comuns. Essas duas casasteriam assembleias e deliberações separadas, assim comointeresses e opiniões independentes. Refletindo sobre o abusodo poder real, Montesquieu conclui que “é preciso que o poderlimite o poder” daí a necessidade de cada poder manter-seautônomo e constituído por pessoas e grupos diferentes.

É bem verdade que a proposta da divisão dos poderesainda não se encontra em Montesquieu com a força que se

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costumou posteriormente a atribuir-lhe. Em outras passagensde sua obra, ele não defende uma separação tão rígida, poiso que ele pretendia de fato era realçar a relação de forças ea necessidade de equilíbrio e harmonia entre os três poderes.

Montesquieu não era um revolucionário. Sua opçãosocial ainda era por sua classe de origem, a nobreza. Elesonhava apenas com a limitação do poder absoluto dos reis,pois era um conservador, que queria a restauração dasmonarquias medievais e o poder do Estado nas mãos danobreza. As convicções de Montesquieu refletem-se à suaclasse e, portanto, o aproximam dos ideais de umaaristocracia liberal. Ou seja, ele critica toda a forma dedespotismo, mas não aprecia a ideia de o povo assumir opoder. A sua crítica, no entanto, serviu para desencadear aRevolução Americana e instaurar a república burguesa.

Das leis em suas relações com os diversos seresA lei é natural dos seres, própria deles. A lei deriva

da natureza das coisas e não do arbítrio (vontade) de um,qual seja a crítica ao sistema hobbesiano. É em virtude dissoque devemos ter em mente que o barão de La Brède foi semdúvida um dos pensadores mais renomados e um articuladorde ideias ricas de esplendor e princípios éticos e moraisembasados no cotidiano de sua época, e com conhecimentosúteis para o tempo presente. Montesquieu foi o proclamadordo Direito em virtude, e com a sua formação e inteligênciapropôs divisões para o Direito em sua essência principal,que nada mais é que prender-se à igualdade e liberdade decada cidadão.

O juiz não pode criar leisComo já foi acima mencionado, “o Espírito das

Leis” de Montesquieu defende a divisão do poder público

em três poderes, inspirado no sistema político constitucionalda Inglaterra quando de sua viagem. Essa separação,segundo o autor, é essencial para que haja a liberdade docidadão em se sentir seguro perante o Estado e perante outrocidadão, pois se fosse dado a mais de um desses poderes opoder de legislar e ao mesmo tempo julgar essa medida seriaextremamente autoritária e arbitrária perante o cidadão queestaria praticamente indefeso, ou seja, estaria à mercê deum juiz legislador.

Montesquieu diz claramente que: “Não haverátambém liberdade se o poder de julgar não estiver separadodo poder Legislativo e do Executivo, não existe liberdade,pois se pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senadoapenas estabeleçam leis tirânicas para executá-lastiranicamente”. Ainda completa: “O poder de julgar nãodeve ser outorgado a um senado permanente, mas exercidopor pessoas extraídas do corpo do povo, num certo períododo ano, de modo prescrito pela lei, para formar um Tribunalque dure apenas o tempo necessário.”.

Citações• “A religião é menos um tema de santificação do que umtema de discussões que pertence a todos.”• “A subtileza do pensamento consiste em descobrir asemelhança das coisas diferentes e a diferença das coisassemelhantes.”• “Recebemos três educações diferentes: a dos nossos pais,a dos nossos mestres e a do mundo. O que aprendemos nestaúltima, destrói todas as ideias das duas primeiras.”• “Nas mulheres jovens, a beleza supre o espírito. Nas velhas,o espírito supre a beleza.”

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• “As leis, no sentido mais amplo, são as relações necessáriasque derivam da natureza das coisas.”• “Quando vou a um país, não examino se há boas leis, masse as que lá existem são executadas, pois boas leis há portoda a parte.”• “As viagens dão uma grande abertura à mente: saímos docírculo de preconceitos do próprio país e não nos sentimosdispostos a assumir aqueles dos estrangeiros.”• “Quanto menos os homens pensam, mais eles falam.”• “A pessoa que fala sem pensar, assemelha-se ao caçadorque dispara sem apontar.”• “Para se tornar verdadeiramente grande, é preciso estarao lado das pessoas, e não acima delas.”• “Leis inúteis enfraquecem as leis necessárias.”• “Defenderei sempre o Direito de discordarem de mim.”• “Só o poder freia o poder.” [O Espírito das Leis, Livro XI,Capítulo IV]

(https://pt.wikipedia.org/wiki/Montesquieu)

3.2. MAGISTRATURA HONESTA

SILVA (1994) procurando analisar o Judiciário francês,afirma que:

A Magistratura francesa não é modelar, masmarcou, salvo melhor juízo, uma trajetória progressivano século passado e na primeira metade do século emcurso, desempenhando o papel de modelo para a quasetotalidade dos países ocidentais, para as suas ex-colônias e para alguns países do oriente médio,modernizando as estruturas muçulmanas no que serefere ao Direito positivo. A principal razão dessainfluência se deve à força do pensamento filosóficooriundo da Revolução Francesa, incluindo-se no lastropós-revolucionário a tendência pela codificação queviria culminar com o Código de Napoleão, reconhecidomonumento jurídico do início do século passado. Aevolução da Magistratura é, todavia, tema sempreatual; ainda hoje se debate, na França e em outrospaíses considerados desenvolvidos, temas como aindependência da Magistratura, a eficiência da justiça.A verdade é que há quase cem anos já se lutava naEuropa para se libertar das injunções da políticaatravés do poder central e já se dera importante passonesse sentido com a instituição do concurso públicopara a seleção dos magistrados. Mas ainda não selibertou de todo, lá, sobretudo no que se refere àspromoções, da ciência dos interesses, denominaçãoempírica e realística que se poderia dar à política. Teriasido um passo à frente a organização da Magistraturaem carreira? Do ponto de vista da classe, sim, pois éfator de segurança para o magistrado e sua família,

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certamente porque ele precisa de tranquilidadeespiritual para produzir bem em qualidade equantidade. Além disso, hoje em dia é comum enecessário todas as profissões buscarem garantias parao futuro. Todavia, a luta incessante por galgar postosmais elevados tem ocasionado, em toda parte,resultados mais negativos que positivos: em vez de,como se almeja, constituir legítimo estímulo aoaperfeiçoamento do sagrado mister, a pletora porpromoções tem se tornado obsessão, tendo comoconsequências o aviltamento da carreira e orebaixamento do nível ético do magistrado. Chega-sea dizer mesmo que o alto conceito do magistrado inglêsse deve à inexistência, em seu país, de uma carreirahierarquizada da Magistratura. Lá o magistrado, comraras exceções, é nomeado para o mesmo posto portoda a vida. Não aspira, em regra, a promoções e,portanto, não necessita, na sua trajetória profissional,dos favores da política. Uma frase sintetiza a realidadeque talvez não seja a regra, mas que ostentaconsiderável parcela de verdade: “Qu’importe qu’onne puisse contraindre le juge si on a mille moyens de leseduire” (Não importa se não podemos subjugar osjuízes se temos várias formas de corrompê-los). Amarcha das conquistas das garantias da Magistratura,sobretudo da inamovibilidade, não foi sem percalços.Narra-se que tal garantia foi reduzida sob o Impérioe, sob a Restauração, quase 300 magistrados sãoeliminados no período de 1815 a 1818. Após 1848pronunciaram-se 14 suspensões; após 1870 houve 15revogações de magistrados inamovíveis; no ano de1880, demissão de mais de 500 magistrados, dentre osquais 300 procuradores; em 1883 o Legislativo procede

a uma depuração maciça, suspendendo por três mesesa garantia de inamovibilidade e afastando 614magistrados; em 1940, o Governo de Vichy suspendenovamente a inamovibilidade, que seria restauradaapós a Segunda Guerra Mundial como princípioconstitucional. Decreto de 1852 fixa pela primeira vezum limite de idade para o exercício do cargo de juiz(75 anos para os membros da Corte de Cassação e 70para os demais). Como preito de justiça ou comsentimento de solidariedade à classe a que pertence, éainda o magistrado quem fala: Comme celle de1’Ancien Régime, la magistrature du XIX e sièclecontinue à avoir le souci de sa dignité. Beaucoup demagistrats exercent leur fonction comme unsacerdoce... Si on les critique, on ne reproche en toutcas jamais aux magistrats de ne pas être intégres ethonnêtes. Comme le note le premier président Portalisen 1840: on attaque les opinions, les moeurs ou lescapacités mais jamais l’integrité des juges (AMagistratura do século XIX, tanto quanto a do períodoanterior à Revolução Francesa de 1789, tem apreocupação e o compromisso com a sua dignidade.Muitos magistrados exercem sua função como umsacerdócio ... Se a gente os critica, não se pode reprová-los jamais por falta de integridade ou honestidade.Conforme afirmava Portalis em 1840: nós atacamossuas opiniões, seus costumes ou sua competênciaprofissional, mas jamais a integridade dos juízes).

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4. ÓRGÃOS DA JUSTIÇA FRANCESA

Afinal de contas, como estabelecer as diferenças entreos órgãos jurisdicionais e não-jurisdicionais? Tarefa difícil, queDUVERGER (1996) procura cumprir quando mencionaatribuições dos órgãos jurisdicionais:

– Assegurar o respeito da hierarquia das normas;– Poder de interpretar o Direito; e– O poder de aplicar o Direito e de sancionar suas

violações. (DUVERGER, 1996)Para facilitar o estudo da estrutura da Justiça francesa,

apresentaremos algumas das classificações existentes,acompanhadas de alguns comentários.

DUVERGER (1996) adota, de forma aproximada, omesmo padrão, apenas mudando os nomes, dizendo que naFrança há uma corrente que considera o poder jurisdicionaldividido em tribunais judiciários, tribunais administrativos etribunais especializados.

GUNTEN, MARTIN e NIOGRET (1994) apresentamuma classificação muito imperfeita: Tribunal dos Conflitos,jurisdições administrativas, jurisdições judiciárias penais,jurisdições judiciárias civis, jurisdições civis especializadas ejurisdições judiciárias de recursos.

COUCHEZ (1998) traz uma interessante classificaçãodos órgãos judiciários franceses, mas restritos à área civil. OMinistério da Justiça francês, no seu site jurídico na Internet,trata da organização da Justiça de forma precária e incompleta.A classificação que, todavia, nos parece mais didática é a deFrancis Kernaleguen, apresentada no seu manual intituladoInstitutions Judiciaires, que seguiremos em nosso livro,

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acrescentando entre as jurisdições de hierarquia somente o Tribunalde Conflitos, que ali não é tratado, ao lado da Corte de Cassaçãoe das Cortes de Apelação, e excluindo as jurisdições internacionais(Corte Internacional de Justiça, Corte Penal Internacional, CorteEuropeia dos Direitos do Homem, Corte de Justiça daComunidade Europeia e Tribunal de Primeira Instância dasComunidades Europeias) porque estão fora do objetivo deste livro.

A Justiça francesa pode ser dividida em dois grandesgrupos:

A – Justiça Judiciária;B – Justiça Administrativa.Para decidir sobre conflitos de competência entre essas

duas Justiças existe o Tribunal dos Conflitos.

Outros órgãos jurisdicionais existentes como jurisdiçõesseparadas:

1 – Conselho Constitutional;2 – Alta Corte de Justiça.Mencionamos, em seguida, os órgãos jurisdicionais, com

alguns dados sobre os mesmos, obedecendo ao planejamentodeste trabalho, que visa dar uma primeira e rápida informaçãoda estrutura da Justiça da França, apenas que mudando anumeração dos itens abaixo para facilitar a compreensão:

Órgãos Judiciários:l – Ordens jurisdicionais

1.1 – Ordem judiciária1.1.1 – Jurisdições da base1.1.1.1 – Jurisdições civis de primeira instância1.1.1.1.1 – Tribunais de grande instância1.1.1.1.2 – Tribunais de instância1.1.1.1.3 – Tribunais do comércio

1.1.1.1.4 – Jurisdições trabalhistas1.1.1.1.5 – Tribunais dos processos de seguridade social1.1.1.1.6 – Jurisdições da incapacidade1.1.1.1.7 – Tribunais paritários dos arrendamentos rurais

1.1.1.2 – Jurisdições penais de primeira instância1.1.1.2.1 – Jurisdições de instrução1.1.1.2.1.1 – Juiz de instrução1.1.1.2.1.2 – Jurisdições para menores1.1.1.2.1.3 – Jurisdições militares1.1.1.2.l.4 – Corte de justiça da república1.1.1.2.1.5 – Tribunais marítimos comerciais

1.1.1.2.2 – Jurisdições de julgamento1.1.1.2.2.1 – Tribunais de polícia1.1.1.2.2.2 – Tribunais correcionais1.1.1.2.2.3 – Tribunais do júri1.l. l.2.2.4 – Jurisdições de menores1.1.1.2.2.5 – Juiz da infância1.1.l.2.2.6 – Tribunal da infância1.1.1.2.2.7 – Tribunal do júri da infância1.1.1.2.2.8 – Tribunais do exército1.1.1.2.2.9 – Tribunal das forças armadasl.l.l.2.2.10 – Tribunais prebostais1.1.1.2.2.11 – Tribunais militares do exército1.1.1.2.2.12 – Tribunais territoriais das forças armadas1.1.1.2.2.13 – Alto tribunal das forças armadas1.1.1.2.2.14 – Corte de justiça da república1.1.1.2.2.15 – Tribunais marítimos comerciais

1.1.2 – Jurisdições da hierarquia1.1.2.1 – Cortes de apelação1.1.2.2 – Corte de cassação1.1.2.3 – Tribunal dos conflitos

1.2 – Ordem administrativa1.2.1 – Conselho de estado

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1.2.2 – Jurisdições de direito comum1.2.2.1 – Tribunais administrativos1.2.2.2 – Cortes administrativas de apelação

1.3 – Jurisdições especiais1.3.1 – Corte de contas1.3.2 – Câmaras regionais de contas1.3.3 – Corte de disciplina orçamentária e financeira

2 – Jurisdições separadas2.1 – Conselho constitucional2.2 – Alta corte de justiça

4.1. ÓRGÃOS JUDICIÁRIOS

4.1.1. Tribunais de Grande Instância (1)

Os Tribunais de Grande Instância (TGI) são, realmente,a “Justiça comum”, pois, regra geral, sua competência éestabelecida por exclusão, ou seja, é competente para conhecere julgar todos os processos não expressamente da alçada deoutros Tribunais. São chamados de “clínicas gerais”, pois,principalmente os juízes dos pequenos TGIs têm atribuições asmais variadas.

Comecemos por mencionar alguns dados históricos.

Os Tribunais de Grande Instância surgiram após aRevolução Francesa, ou seja, existem há mais ou menos 200anos, portanto, “recentemente”, para o conceito dos franceses,que consideram “antigo” o que seja realmente muito mais antigoque esses tribunais. A Assembleia Constituinte de 1790 aoextinguir muitas jurisdições do regime monárquico (AntigoRegime), criou 545 Tribunais de Distrito, cada um composto decinco juízes eleitos.

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Com modificações sucessivas, chegou-se, através daordenança 58-1273, de 22 de dezembro de 1958, ao sistemaatual dos (TGI), ou seja, cada um tem pelo menos três juízes,que trabalham com um procurador da república (membro doParquet) e um escrivão. Quando este Tribunal tem mais de 5juízes, é dividido em câmaras, cada uma presidida por um vice-presidente sendo, algumas delas, dividida em seções.

A França continental é dividida administrativamente em22 regiões, 96 departamentos e mais de 36.000 comunas. Emcada departamento existe pelo menos um TGI. Paris, Lyon eMarselha têm arrondissements, que são divisões administrativas,com suas respectivas subprefeituras. Os arrondissements maisimportantes de cada uma destas cidades têm um TGI. No entanto,mesmo cada departamento tendo pelo menos um TGI, nemsempre as circunscrições Judiciárias coincidem com as áreasgeográficas dos departamentos, havendo 175 TGIs dentro daFrança continental e seis nos outros departamentos ultramarinos,totalizando 181. A existência dessa disparidade se deve a critériospuramente políticos, de difícil solução.

A hierarquia dentro dos TGIs é rígida. Assim, no topoestá o Presidente do Tribunal (5), vindo, em grau de importânciadecrescente, o Primeiro Vice-Presidente (6), o Vice-Presidente,o Primeiro Juiz e, enfim, os demais Juízes. Esta excessivahierarquização constitui objeto de insatisfações.

Quanto à competência dos TGIs, como ditoanteriormente esta é geralmente do tipo residual (“aberta”, naexpressão de alguns doutrinadores), ou seja, os TGIs sãocompetentes para os processos que não são da competência denenhum outro órgão jurisdicional ou assemelhado.

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COUCHEZ et al. (1998), explicam com clareza acomplicada competência dos TGI em matéria civil em razão damatéria, que é a seguinte:A – competência da formação colegial (câmara de três ou cincojuízes):– ações pessoais ou imobiliárias, ações de estado das pessoas;– ações sobre propriedade, ações sobre a vida econômica;– processos que tramitam necessariamente em segredo de justiça;B – competência de juiz único:– divórcio, alimentos e separação;– processo de execução;C – jurisdição do presidente:– decisões sobre cautelares;– decisões sobre determinados requerimentos.

Há também a competência em razão do valor da causa,independente da matéria objeto do processo, contanto que nãose trate de matéria trabalhista, comercial, de seguridade socialou de outro Tribunal especializado, caso seu valor ultrapasse50.000 francos franceses. Os TGIs têm competência tambémem matéria penal como Tribunal Correcional, que julga casos dedelitos, e para processos que seriam da competência normal detribunais administrativos, numa verdadeira derrogação da regrade competência absoluta da justiça administrativa nas causasem que o Estado intervém. Conforme PETIT (1997) estesprocessos são os seguintes: expropriação por causa de utilidadepública, modos de aquisição a título gratuito, desmembramentode terras agrícolas, empresa administrativa imobiliária, servidõesadministrativas de utilidade pública, responsabilidade pessoal dosagentes da administração, funcionamento defeituoso do serviçoda justiça, responsabilidade dos membros de estabelecimentosde ensino por danos causados ou sofridos por alunos,responsabilidade das pessoas jurídicas de Direito público por

causa de danos causados por veículos, reparação de danoscausados pela energia nuclear, reparação de danos resultantesde pesquisa biomédica, contencioso postal e detelecomunicações, serviço público do estado civil, nome,prenome, títulos nobiliárquicos e nacionalidade, celebração decasamento e fraude à lei, troca de sexo, capacidade civil eeleitoral, internamento administrativo de alienados mentais,contestação do imposto e seu reembolso e contencioso dosDireitos aduaneiros.

Os TGIs dividem-se administrativamente em cincoassembleias: uma assembleia plena dos juízes, procurador efuncionários cartorários, uma assembleia de juízes e do MinistérioPúblico, uma assembleia dos juízes, uma assembleia dosmembros do Parquet e uma assembleia dos funcionárioscartorários. A intenção do decreto 83-1162, de 23 de dezembrode 1983, é criar uma mentalidade grupal para melhorentrosamento e produtividade. Cada uma dessas assembleiaspode emitir normas para cumprimento por aqueles que são seusaderentes, além de funcionar como órgão consultivo e nomearpessoas para determinadas funções específicas.

No entanto, fora o poder das assembleias, o presidentede cada TGI detém uma grande dose de poder, pois administrao TGI, supervisiona os juízes do respectivo TGI e os Tribunaisde Instância (TI) de sua circunscrição Judiciária e emiteordenanças de administração Judiciária, inclusive destinando cadajuiz para câmaras e seções determinadas, dando preferência aorodízio anual e fazendo a distribuição de processos entre os juízes,podendo modificar as suas atribuições.

Quando não há exigência absoluta de colegiado ou de“juiz único”, o trabalho fica geralmente a cargo de um único juiz,

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a requerimento das partes, com vistas à simplificação doprocesso. Sendo necessária uma decisão colegiada e não secompletando o quorum mínimo exigido, convocam-seadvogados previamente cadastrados como suplentes de juiz.

A tendência do Processo Civil francês é a opção pelosistema do “juiz único”. PERROT, em palestra sobre o assunto, diz:

I – as estruturas Judiciárias 4. O declínio do colegiado na primeirainstância. Não consistiria a solução em abandonar o colegiadotradicional para substituí-lo por uma Justiça de juiz singular, pelomenos na primeira instância, como sempre ocorreu nos paísesanglo-saxônicos, e na Bélgica desde 1919?

PERROT menciona ainda o Relatório Coulon, quepreconiza o sistema de juiz singular para os TGIs, ideia essa quepudemos verificar pessoalmente na França e que encontra cadavez mais um número maior de adeptos, dentre os quais MireilleImbert-Quaretta (Pouvoir 74, p. 88/89):

‘A regra do colegiado no Tribunal de grande instânciaestá sendo cada vez mais derrogada na prática. Na áreacivil, todas as inovações de magistrados investidos defunções especiais, juiz da execução, juiz da família, são juízestrabalhando no sistema de juiz único.’

Alguns TGIs, por sua importância, possuem váriascâmaras. O de Marselha tem onze, o de Lyon tem dez e o deParis, trinta e um. O TGI de Paris merece uma referência especialpelo seu prestígio e complexidade. Mencionemos suas câmaras(a 1ª com suas três seções) e respectivas competências:

1ª câmara: 1ª seção: – seção social: Direito Internacional eresponsabilidade dos auxiliares da Justiça – Direito de Imprensa;

– seção de estado das pessoas: filiação – nulidade ou revogaçãode adoção – casamento (nulidade ou ruptura abusiva depromessa) – contestações relativas ao estado civil; 2ª seção:nacionalidade – Direito Aéreo – acidentes nos serviços públicos,industriais e comerciais – empréstimos ao Estado – litígiosenvolvendo a universidade e as pessoas de Direito público; 3ªseção: responsabilidade médica – procedimentos coletivos;2ª câmara: contratos em matéria imobiliária – regimes matrimoniais– sucessões – liberalidades;3ª câmara: propriedade literária e artística – propriedadeindustrial;4ª e 5ª câmaras: contratos e obrigações – Direito securitário;6ª e 7ª câmaras: Direito de construção;8ª câmara: Direito de copropriedade;9ª câmara: Direito dos contratos e obrigações bancárias;10ª câmara: infrações militares – atentados aos bens e às pessoas;11ª câmara: infrações financeiras, fiscais e aduaneiras;12ª e 13ª câmaras: estelionatos, abusos de confiança, falsos,infrações aos meios de crédito e pagamento;14ª câmara: estelionatos, abusos de confiança, falsificação,infrações aos meios de crédito e pagamento – proxenetismo –tóxicos;15ª câmara: processos de maiores e de menores;16ª câmara: proxenetismo – tóxicos – débitos de bebidas –infrações relativas ao Código de saúde Pública – infraçõesmilitares;17ª câmara: difamação – Código Eleitoral – imprensa – políciade jogos – rádio – correios;18ª câmara: propriedade comercial;19ª câmara: acidentes de trânsito;23ª câmara: comparecimentos imediatos – infrações militares;24ª câmara: atentados aos bens e às pessoas;28ª e 30ª câmaras: cheques – infrações ao Código de Trânsito;

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29ª câmara: estelionato – abuso de confiança – falsos – infraçõesaos meios de crédito e pagamento;31ª câmara: infrações econômicas e sociais – contratações.

4.1.2. Tribunais de Instância (2)

A Lei de 16-24 de agosto de 1790 criou as justiças depaz por influência dos exemplos inglês e holandês, adaptadas aoideário da Revolução Francesa. Os juízes de paz eram,inicialmente, escolhidos entre leigos pelo voto popular, com oobjetivo de propiciar a conciliação das partes. Posteriormente,ocorreram outras modificações até chegar-se à sua substituiçãopelos TIs em 1958 (ordenança 58-1273 de 22 de dezembro de1958), agora como verdadeiros órgãos jurisdicionais, compostospor juízes togados, encarregados de julgar além de conciliar.

Existem atualmente 473 TIs na França (nos quais atuam860 juízes), sendo onze nos departamentos ultramarinos, ou seja,seu número é 2,41 vezes maior que o dos TGIs. Cada TI trabalhano sistema de juiz único, ou “juiz singular”, no dizer do juristaJosé Carlos Barbosa Moreira.

Em Paris existe um TI para cada um dos 20arrondissements, que funcionam com mais de um juiz togado,exercitando o chamado “juízo de proximidade” para causasconsideradas menos complexas, havendo também, um TIespecializado em matéria penal chamado Tribunal de Polícia.Os advogados novatos iniciam seu trabalho normalmente nesteTribunal, mas o fato de um juiz ser designado para um TI nãosignifica que ele seja principiante ou pouco capaz. Ele é um juizdo TGI da circunscrição Judiciária escolhido pelo presidentedesse TGI. A proximidade anteriormente mencionada deve sertanto “geográfica” quanto “afetiva”, ou seja, o jurisdicionado tem

condições de chegar depressa ao Tribunal e ali ser bem recebido,conseguindo solução rápida para seu problema. Na prática,porém, os TIs não são considerados pelos jurisdicionados comosendo assim tão acessíveis tanto geográfica como afetivamente...

Sua competência pode ser dividida em jurisdicional enão jurisdicional.

A) JURISDICIONAL

– civil: causas de valor inferior a 7.622,43 EUR (1.981,83EUR em causas que não comportam apelação e de 1.981,83 a7.622,43 EUR em causas de duplo grau de jurisdição), locaçõesresidenciais e vários casos de locações comerciais, contratos decrédito ao consumidor, contestação à penhora de remunerações,matérias agrícolas, ações possessórias e demarcatórias, pensãoalimentícia, revisão de renda viagère, e muitos outros casos,mostrando que o legislador pretende que os TIs sejam o juiznatural das pequenas causas que interessam à maioria doscidadãos;

– penal: contravenções; na área de tutelas de maiores emenores; no contencioso de eleições políticas ou profissionais;desempatador nos contenciosos trabalhista e de arrendamentosrurais.

B) NÃO JURISDICIONAL: preside diversas comissõesadministrativas ou delas participa, recebe declarações denacionalidade, recolhe manifestações de vontade em caso denacionalidade, participa das eleições dos Tribunais de Comércioetc. Nos TIs de Paris cerca de 60% das causas versam sobrelocação residencial e 40% sobre contratos de crédito aoconsumidor.

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Alguns especialistas consideram os Tribunais de Instânciacomo o Judiciário do futuro, por suas enormes vantagens sobreos demais tribunais. Nos vários TIs atuam 1605 conciliadores,escolhidos entre voluntários, e que sejam, preferencialmente,formados em Direito.

4.1.3. Tribunais do Comércio (3)

Criados sob inspiração das repúblicas italianas da IdadeMédia para resolução de litígios ocorridos durante as grandesfeiras, pelo prestígio dos comerciantes e industriais, os tribunaisde comércio são os tribunais mais antigos da estrutura jurisdicionalfrancesa. Em 1553 um edito os tornou permanentes e, passandoilesos pelo crivo da Revolução Francesa, chegaram até nossosdias com poucas alterações. Atribui-se a causa de suapermanência pelo regime revolucionário, segundoKERNALEGUEN (1993), ao fato de seus membros seremeleitos dentre os comerciantes (e industriais, evidentemente).Cremos, no entanto, que a explicação correta é a que demosacima, ou seja, o prestígio dos comerciantes e industriais,portanto burgueses, numa revolução que se sabe não ter seoriginado do “povo”, mas, sim da “burguesia”.KERNALEGUEN afirma, com razão, que os TCs são os únicostribunais de composição uniforme. Os litígios que envolvam algumcomerciante ou industrial são julgados pelos TCs, salvo ondenão exista nenhum Tribunal deste tipo quando, então, acompetência será de um TGI. Seu procedimento é oral.

Para ser “juiz consular” o candidato deve preencher osseguintes requisitos: ter mais de 30 anos de idade, estar inscritono Registro do Comércio há mais de cinco anos e não sofrer outer sofrido processo que demonstre inidoneidade financeira(falência, por exemplo), e ser eleito por um colégio eleitoral

composto por delegados consulares eleitos, membros e antigosmembros dos TCs além de antigos membros das Câmaras deComércio e Indústria. Cada juiz consular é eleito por dois anos,podendo ser reeleito por mandatos de quatro anos.

Os Presidentes dos TCs são eleitos por quatro anos dentreos juízes consulares com pelo menos seis anos de antiguidade,não sendo remunerados pelo seu trabalho. Para tornar-se eleitora condição necessária é estar inscrito no Registro do Comércio.

Alguns consideram que a tramitação dos processos émais rápida nos TCs que nos TIs. De acordo com o valor dacausa, a sentença comporta apelação ou não. A referência é3.811,22 EUR e, sendo seu valor superior, a apelação é possível,devendo ser interposta perante a Corte de Apelação competente.Existe uma Comissão Nacional de Disciplina que pode aplicarpunições aos juízes consulares.

O Ministério Público começou a atuar nos TGs, após aLei de 10 de julho de 1970, quando se trata de processosenvolvendo empresas em dificuldades financeiras. Com asupressão de 36 TCs em 1999, seu número atual é de 191.

Nos departamentos de Alsácia-Moselle foi mantido osistema alemão, existindo uma Câmara Comercial em cada umdos sete TGIs, formada por um juiz togado e dois juízesconsulares. Nos departamentos ultramarinos, a Justiça comercialé exercida por Tribunais Mistos de Comércio, em número desete, onde trabalham um juiz togado e três juízes consulares. NaFrança existem 23 jurisdições compostas de juízes de carreiraatuando em matéria comercial em TGI.

De há muito tempo, pretende-se uma reforma da JustiçaComercial, destacando-se, sobre o tema, o Relatório

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Montebourg, ligado a uma Comissão da Assembleia Nacional(sobre a atividade e o funcionamento dos Tribunais de Comércio,quando aborda a situação do Tribunal de Auxerre, em 1998), e oprograma do Ministério da Justiça de 14 de outubro de 1998. ORelatório da Comissão, datado de 2 de abril de 1999, propõe amodificação da carta Judiciária dos TCs e a participação de juízestogados nos TCs, sugerindo modificações iniciais a vigorarem apartir de 1° de janeiro de 2002 e as finais para após lº de janeirode 2003, prevendo o recrutamento de 350 juízes togados.

A leitura do Relatório, elaborado por uma Comissão daAssembleia Nacional (sobre a atividade e o funcionamento dosTribunais de Comércio, quando aborda a situação do Tribunalde Lyon, em 1998), dá a perceber que há uma corrente favorávelà manutenção dos TCs como são atualmente, ali representadaprincipalmente:

– pelo depoimento de um membro do Ministério Públicoque ali atua, o qual diz que as decisões do TC de Lyon sãoboas, tanto que pouquíssimas são reformadas (1,5%);

– pelo depoimento de uma juíza do TGI de Lyon, queafirma que seria de bom alvitre consultar os jurisdicionados e osjuízes dos TGIs para dizerem se entendem que a extinção doTC de Lyon seria boa para ambos;

– depoimento do presidente do TC de Lyon, que procuraesconder a fragilidade de uma justiça de leigos, ficando tambémevidente que a escolha dos juízes consulares depende muito daintervenção do presidente do Tribunal e não dos eleitores(associados).

Dando a entender que um órgão jurisdicional tem de terestrutura organizacional sólida independente de quem o dirige, odeputado-relator afirma em certo ponto: “Nós temos osentimento de que o sistema não pode repousar, tal como ele é

organizado sobre a honestidade, a diligência e o trabalho dehomens. Se nós os encontramos, tanto melhor, se não osencontramos, é um drama. Isso mostra a fragilidade do Tribunaldo Comércio.”

O projeto de criação do estatuto dos juízes consularespretende reforçar a imparcialidade e a qualidade da JustiçaConsular adotando as seguintes modificações:

– Criação de novas regras de incompatibilidade einstituição de disposições visando impedir toda interferência entreas funções jurisdicionais e o exercício de uma atividadeprofissional ou de mandatos Judiciários;

– Obrigação para todos os juízes de subscrever umadeclaração de interesses econômicos; reforço das regrasdisciplinares a fim de assegurar a eficácia dos procedimentoscontra os juízes e os antigos juízes consulares;

– Início de uma formação reforçada para os juízesorganizada pela Escola Nacional da Magistratura;

– Modificação do regime eleitoral dos juízes consularescom vista a alargar o corpo eleitoral e reforçar a transparênciado processo de eleição.

COUTANT (1998), defensor da estrutura atual dosTCs, após utilizar diversos argumentos em favor de sua tesecomo, por exemplo, a existência da Escola de Tours (destinadaaos juízes consulares), e a excelente qualidade das decisões dosTCs, propugna pela reforma dos mesmos, mas no sentido deaumentar sua competência e prestígio. Enquanto isso, outrospropõem pura e simplesmente a sua extinção. Na Justiça francesaos TCs são, realmente, os mais polêmicos.

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4.1.4. Jurisdições Trabalhistas (4)

KERNALEGUEN (1999) classifica as JurisdiçõesTrabalhistas (JTs), em francês denominados Conseils dePrud’Hommes, entre os tribunais de composição heterogênea,pois, apesar de paritários no dia-a-dia dos processos, senecessário, neles atuam juízes dos TI como desempatadores.

Tratam dos litígios entre empregados ou aprendizes eempregadores quando versam sobre contrato individual detrabalho ou de aprendizagem, de acordo com o Código doTrabalho e também desacertos entre trabalhadores por ocasiãodo trabalho.

Esta instituição surgiu em Lyon, antes da RevoluçãoFrancesa, sendo por ela suprimida e, posteriormente, foi recriadapela Lei de 18 de março de 1806. Sendo estendida a outrascidades industriais a partir de 1809, adquirindo caráter paritáriosomente em 1848. Atualmente, por força das Leis de 19 dejaneiro de 1979 e de 30 de dezembro de 1986, deve existe pelomenos uma JT dentro do território onde existir um TGI. NaFrança eles são em número de 271. Nos territórios ultramarinosexistem cinco Tribunais do Trabalho.

Cada JT é dividida em cinco seções: indústria, comércio,agricultura, enquadramento e atividades diversas, sendo cadaseção composta de pelo menos oito conselheiros (quatroempregados e quatro empregadores). Cada seção pode serdividida em câmaras, com competências específicas.

A Lei de 6 de maio de 1982 criou um Conselho Superiorcom a finalidade de estudar e formular pareceres e sugestõespara o bom funcionamento dos JTs. Seus conselheiros são eleitos

e os candidatos devem ser franceses, idade mínima de 21 anos,além de provar não ter sido processado por infração dos artigos5 e 6 do Código Eleitoral. O mandato é de cinco anos, sendopossível a reeleição. Para ser eleitor exige-se a idade mínima de16 anos, podendo votar os trabalhadores estrangeiros, todosprovando sua qualidade de empregado ou empregador, deacordo com cada caso.

Os conselheiros são considerados magistrados paraefeito dos deveres funcionais: segredo funcional,incompatibilidades e outros, e, no exercício do cargo, recebemuma quantia em dinheiro a título de incentivo. Cada JT tem umpresidente e um vice-presidente, com mandato de um ano, eleitosalternativamente entre as duas categorias que os compõem. Cadaseção tem um departamento de conciliação e outro de julgamento.Os processos passam inicialmente pelo primeiro departamento.Não havendo acordo, irão para o departamento de julgamento.

DESPAX (1967) expõe o que os jurisdicionadosesperam dos juízes classistas, ou seja, um número mais elevadode conciliações, solução mais rápida, procedimentos mais simplese despesas menores que as dos outros tribunais, e fornece umainformação interessante: “A imensa maioria das ações é intentadanão por um empregado, mas por um ex-empregado, contra seuantigo patrão.” (DESPAX, 1996:114/118).

Cabe recurso de apelação somente para as causas devalor superior a 22.000 francos franceses (referência Decreton° 98-1174 de 21 de dezembro de 1998, revisado anualmentepor decreto).

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4.1.5. Tribunais de Processos de Seguridade Social

Em número de 116, os Tribunais de Processos deSeguridade Social tratam de litígios de natureza previdenciáriado Código de Seguridade Social. Cada TPSS é composto deum juiz de TGI (ou aposentado) e de dois leigos, sendo umrepresentante dos trabalhadores e o outro dos empregadoresou trabalhadores independentes. Os juízes leigos são escolhidospelo presidente da Corte de Apelação da circunscrição Judiciáriade uma lista apresentada pelos sindicatos mais representativos.

SERGE BRAUDO, no seu Dicionário de Direito Privadopublicado na Internet, fornece uma série de informações:

Os TPSS são divididos em câmaras, acompetência geográfica de cada Tribunal édepartamental, o procedimento é oral, as causas devalor até 3.811,22 EUR não comportam apelação, e,acima desse valor, o julgamento da apelação competeà Corte de Apelação da circunscrição Judiciária.

4.1.6. Tribunais do Contencioso da Incapacidade

Competentes para julgamento de causas que versamsobre incapacidade ou invalidez física ou mental no seu aspectomédico. A circunscrição Judiciária de cada Tribunal é regional,existindo, portanto, 26 TCIs, compostos por juízes Judiciáriosou administrativos da ativa ou aposentados, funcionários da ativaou aposentados, trabalhadores, empregadores, trabalhadoresautônomos e médicos.

As decisões que não comportam recurso podem serquestionadas na Corte de Cassação, e as sujeitas à apelaçãosão julgadas em segunda instância não por uma Corte de

Apelação, mas pela Corte Nacional da Incapacidade e daTarifação do Seguro dos Acidentes do Trabalho.

4.1.7. Tribunais Paritários de Arrendamentos Rurais (5)

Criados através de uma ordenança de 4 de dezembrode 1999 para dirimirem litígios entre arrendantes e arrendatáriosrurais, prestigiado o instituto da conciliação. Antes da reformade 1958, a competência na primeira instância era dos tribunaiscantonais e, na segunda instância dos tribunais dearrondissements, sendo esses últimos extintos com a reforma,quando as Cortes de Apelação passaram a decidir em segundainstância. Trata-se de uma jurisdição paritária e intermitente,presidida por um juiz de TI, que julga juntamente com doisarrendadores e dois arrendatários.

Os juízes leigos são eleitos pelos arrendadores earrendatários, com mandato de seis anos. Os candidatos,obrigatoriamente de nacionalidade francesa, devem ter mais de26 anos de idade e serem arrendadores ou arrendatários há pelomenos cinco anos. Os membros do Tribunal Paritário só sãoconvocados, quando da ocorrência de casos na área de suacompetência.

Devido a essas peculiaridades, pode ocorrer que osprocessos de sua competência sejam transferidos para algum TIda circunscrição, no entanto, mesmo assim, aplicando-se asregras próprias da jurisdição de arrendamentos rurais. Oprocedimento é oral. Se o valor da causa é superior a 3.811,22EUR comporta recurso de apelação para a Corte de Apelaçãoda circunscrição Judiciária. Caso contrário, transita em julgadona 1ª instância.

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4.1.8. Juízes de Instrução (6)

Os juízes de instrução são originários dos TGIs, sendodesignados por decreto do Presidente da República, e suaatuação territorial é a da circunscrição do respectivo TGI. Suamaior atuação é a instrutória que ocorre obrigatoriamente emcaso de crimes, facultativamente em caso de delitos e, no casode contravenções, somente se houver requerimento do MinistérioPúblico. Investigando os fatos descritos no requerimento, o juizde Instrução dependerá de requerimento complementar, se nocurso das investigações, descobrir novos fatos a sereminvestigados.

Quanto à pessoa do infrator, o juiz instrutor não ficalimitado ao requerimento, podendo indiciar todas as pessoasque ele conclua serem autoras da infração. São consideradosimparciais e, concluindo pela culpa ou inocência do imputado,providencia de acordo com essa convicção, no sentido doprocessamento ou do arquivamento.

Os juristas franceses em geral dizem que esse sistemainquisitório é melhor que o acusatório, pois o juiz de instruçãoiguala réus ricos e pobres, poderosos ou desvalidos, procurandosempre a verdade, enquanto no sistema acusatório os réus ricosou poderosos sempre constituem advogado, que os livram dacondenação ou, no mínimo, a protelam. Na pesquisa da verdade,ele pode interrogar o suspeito, ouvir testemunhas, determinar eacompanhar escutas telefônicas etc., podendo, expedir osfamosos mandados de comparecimento (ordem para alguémcomparecer à sua presença), de condução (ordem à força públicapara trazer alguém à sua presença), de depósito (ordem de prisãocontra quem interesse à instrução) e de arresto (ordem de prisãode alguém que interesse à instrução e que esteja em fuga).

Com a valorização dos Direitos humanos, o Direito dojuiz de instrução de mandar prender vem perdendo terreno paraa regra da presunção de inocência, a ponto de o suspeito nãopoder, a partir da Lei de 4 de janeiro de 1993, ser chamado deacusado ou semelhante, mas somente “pessoa colocada sobinvestigação”.

Pretende-se reduzir o poder do juiz de instrução,atribuindo-se a um juiz a investigação e a outro o poder de mandarprender. Além da atividade instrutória, o juiz de instrução temoutras de natureza jurisdicional como, por exemplo, quando, aofinal da instrução, na presença do então suspeito e seu advogado,lhes dá conhecimento das provas que coletou. A Câmara deAcusação verifica se a atuação do juiz de instrução está dentroda legalidade ao analisar recursos dos investigados.

4.1.9. Justiça Juvenil (6)

Quando se trata de infração penal praticada poradolescente a instrução é obrigatória nos casos de crime, delitoe contravenção da 5ª classe, visando uma avaliação de suapersonalidade. O encarregado da instrução, no primeiro caso, éum juiz de instrução, e, nos dois outros, o Ministério Públicopode optar entre juiz da área ou um juiz de instrução.

O juiz deverá demonstrar especial vocação para a área,se desejar ser designado para a área juvenil. Originários dosTGIs, constitui exceção importante no Processo francês, pois ojuiz da área que realizou a instrução é, normalmente, o juiz dojulgamento do processo.

No julgamento de adolescentes existem trêscompetências: Tribunais de Polícia (contravenções menos graves),Juízes e Tribunais Juvenis (ambos para contravenções da 5ª classe

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e delitos praticados por adolescentes menores de 18 anos), e osTribunais de Júri Juvenis (crimes praticados por menores de 16a 18 anos).

Os Tribunais Juvenis são compostos por um juiz da área(que o preside) e dois cidadãos nomeados pelo Ministro daJustiça para um mandato de quatro anos. Em número de 139,estes Tribunais não podem julgar os cúmplices e coautoresmaiores. Os dois juízes leigos devem ser franceses, com mais de30 anos de idade e que manifestem grande interesse pela área.

Os Tribunais de Júri Juvenis existem em sua forma atualdesde 1951, sendo bastante semelhantes aos Tribunais do Júripara maiores: é composto por um presidente (membro da Cortede Apelação), dois juízes de menores e nove jurados, podendojulgar cúmplices e coautores maiores.

Em 1998, 376 adolescentes foram assistidos porestabelecimentos do setor público, 1.084 por estabelecimentose serviços do setor associativo e 143.677 adolescentesacompanhados até 1° de janeiro de 1998.

4.1.10. Jurisdições Militares

Para melhor compreensão do tema, torna-se importanteseparar as duas fases distintas: instrução e julgamento. A instruçãonos processos de competência das Jurisdições Militares competea juízes da Magistratura civil escolhidos pelo Ministro da Defesaou a juízes da Magistratura militar. O juiz instrutor das JurisdiçõesMilitares tem as mesmas atribuições do juiz de instrução. Asatribuições do Ministério Público são desempenhadas por umcomissário governamental e uma Câmara de Controle daInstrução funciona como Câmara de Acusação da Justiça comum.

Para julgamento, as Jurisdições Militares se dividem em:

l – Jurisdições de tempo de paz:– Tribunais das Armadas: para forças militares que estão

fora do território francês. São formados, no julgamento de delitose contravenções da 5ª classe, por três juízes togados (umpresidente e dois assessores), e, no caso de crimes, por setejuízes togados (um presidente e seis assessores). A função doMinistério Público é exercida por um comissário governamental.Se o julgamento de um processo não aconteceu devido à forçamilitar não estar mais no exterior, o julgamento passa para aJustiça comum (Tribunal Correcional etc.);

– Tribunal das Forças Armadas: para julgamento deprocessos previstos em acordos internacionais específicos. Sedeem Paris. Sua composição e competência são as mesmas dosTribunais das Armadas.

– Tribunais Prebostais: competentes para julgar ascontravenções das quatro primeiras classes praticadas pelaspessoas que seriam julgadas pelos Tribunais das Armadas. Sãocompostos de um preboste, oficial da polícia militar.

2 – Jurisdições de tempo de guerra:– Tribunais Militares das Armadas: para forças militares

que estão fora do território francês. São compostos de cincojuízes (um presidente, juiz da Justiça comum ou juiz militar, equatro juízes militares);

– Tribunais Territoriais das Forças Armadas: funcionamem território francês, sendo compostos de cinco membros (umpresidente e outro juiz, ambos togados, e três juízes militares,estes sem formação jurídica). Julgam crimes e delitos “contra osinteresses fundamentais da nação” e conexos. Se o julgamentode um processo não aconteceu devido à força militar não estarmais no exterior, o julgamento passa para um Tribunal territorial;

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– Alto Tribunal das Forças Armadas: com sede em Paris.Compete-lhe julgar os militares dos altos postos. São compostosde cinco juízes: um juiz Judiciário fora da hierarquia, um assessorconselheiro da Corte de Apelação e três juízes militares de postoigual ou superior ao do réu. Existe em andamento um projeto delei de reforma do Código de Justiça Militar, levando em conta aprogramação 1996/2000 de redução do efetivo militar de 440.206para 357.183 e o número de civis de 83.023, bem como doreduzido número de julgamentos no Tribunal das Armadas de Parise da retirada da força militar francesa do território alemão.

4.1.11. Corte de Justiça da República

Criado pela Lei constitucional 93-952 de 27 de julho de1993, a Corte de Justiça da República tem competência parajulgar os Ministros de Estado por crimes e delitos praticados noexercício do cargo. Um requerimento específico dirigido à Cortede Cassação é assinado por uma comissão de requerimentoscomposta de sete magistrados (três juízes da Corte de Cassação,dois juízes do Conselho de Estado e dois juízes da Corte deContas) ou pelo Ministério Público que atua diante da Corte deCassação. Com o deferimento da Corte para início da açãopenal, é nomeada uma comissão de instrução composta de trêsjuízes “fora de hierarquia da Corte de Cassação”. A áreainvestigatória desta comissão se restringe aos fatos descritos norequerimento e, para investigar outros fatos, a comissão deinstrução deve aguardar autorização. Concluída a instrução acomissão de instrução decide pelo arquivamento ou pelo enviodo processo à Corte de Justiça da República.

A Corte de Justiça da República é composta de quinzemembros (seis senadores, seis deputados e três juízes fora dehierarquia da Corte de Cassação). O presidente da Corte é umdos juízes togados.

4.1.12. Tribunais Marítimos Comerciais

O Direito Marítimo é considerado simultaneamente, umdos mais antigos aplicados na Europa e um dos mais modernos.Tudo começou com a Ordenança sobre o Comércio do Mar,de Colbert, Ministro do Comércio de Luís XIV. São competentespara o julgamento de delitos e contravenções relativos à marinhamercante, sendo a instrução feita por um oficial da marinha enão pelo juiz de instrução.

Para julgamento são compostos por um juiz de Tribunal deGrande Instância (presidente), um administrador dos processosmarítimos, um agente dos processos marítimos, um capitão delongo curso e, conforme a graduação do acusado, um marinheiro,um mestre ou um agente dos processos marítimos.

Esta justiça especializada é regida pelo Código Disciplinare Penal da Marinha Mercante (Lei de 17 de dezembro de 1926),modificado em 1960, ab-rogada a parte disciplinar. Aplica-seem todos os lugares onde se encontra algum navio francês e emtodas as circunstâncias, com exceção dos casos previstos noCódigo de Justiça Militar para a Marinha.

4.1.13. Tribunais de Polícia (7)

Já dissemos, anteriormente, que os juízes dos TIs são,ao lado dos juízes de TGIs de pequeno porte, os únicos“generalistas” na estrutura Judiciária francesa. Efetivamente,como regra geral, os TIs são competentes tanto para processospenais como civis. Como exceção, em Paris, Lyon e Marselhaexistem TIs exclusivamente penais, com competência parajulgamento de contravenções, cujas penas se resumem a multasde no máximo 3.048,97 EUR. Como já visto, há um só juiz paracada Tribunal desse tipo.

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Como regra geral, não há representante permanente doMinistério Público em TI e, portanto, em TP. A ação penal, noentanto, deve ser mobilizada pelo Ministério Público, representadono caso de contravenções da 5ª classe por um membro doParquet ligado a um TGI, e, nos casos de contravenções menosgraves, por um comissário de polícia. Existe a possibilidade davítima ou seus parentes se constituírem “parte civil”, ou seja,atuarem na assistência à acusação visando indenização.

Em 1998 foram condenados 108.862 acusados porcontravenção de quinta classe e 593.277 por contravenções dasquatro primeiras classes.

4.1.14. Tribunais Correcionais (8)

Os TGIs são competentes tanto para os processospenais como os civis, e os tribunais com maior número de juízessão divididos em câmaras e estas em seções. Marselha Lyon eParis possuem câmaras correcionais nos respectivos TGIs. Suacompetência é para julgamento dos delitos, cujas penas sãoprivativas de liberdade ou multas de valor igual ou superior a3.811,22. Como já visto, há um só juiz para cada Tribunal dessetipo, existindo a possibilidade da vítima ou seus parentes seconstituírem “parte civil”, ou seja, atuarem na assistência àacusação visando indenização.

Em 1998 foram condenados 449.330 acusados por delitos.

4.1.15. Tribunais do Júri (9)

Instituídos na França em 1810, os Tribunais do júri sãocompetentes para o julgamento de crimes. Em cada departamentoexiste pelo menos um Tribunal do Júri, sabendo-se que no paísexistem 96 departamentos. Os Tribunais do júri são compostos

(com exceção dos casos de crimes militares e terrorismo) dedoze membros, sendo três juízes togados e nove jurados.

Os doze juízes decidem sobre o fato e o Direito e,também, sobre a culpabilidade e a pena. Um detalhe interessanteé que as decisões de culpabilidade contra o réu necessitam contarcom pelo menos dois terços dos doze votos, enquanto que sobrea pena necessitam apenas da maioria simples. A vítima, ou seusparentes, podem atuar na assistência à acusação, constituindo-se em “parte civil”.

O julgamento se divide em duas partes: a matéria criminalé julgada pelos juízes togados mais os jurados, e a matéria civilo é somente pelos juízes togados. Em 1998 foram condenados3.260 acusados por crimes, sendo que, em 10 de julho de 1998,haviam 49.593 vagas nos 186 estabelecimentos penitenciáriosfranceses, ocupados, na mesma data, por 57.844 detentos(portanto, existe superlotação). Entraram na prisão, naquele ano,71.768 presos e de lá saíram 72.886 presos.

4.1.16. Cortes de Apelação (10)

As Cortes de Apelação são originárias dos Parlamentosdo Antigo Regime. Na época do consulado foram criadas 27Cortes de Apelação, sendo que atualmente existem 30 Cortesna França metropolitana, três nos departamentos ultramarinos(Guadalupe, Martinica e Guiana e Reunião) e duas nos territóriostambém ultramarinos (Nova Caledônia e Polinésia).

As Cortes de Apelação possuem competências emmatéria civil (recursos civis dos Tribunais de Grande Instância,Tribunais de Instância, Tribunais do Comércio, TribunaisTrabalhistas, Tribunais dos Processos de Seguridade Social eTribunais dos Arrendamentos Rurais) e penal (apelações contra

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decisões dos Tribunais Correcionais, Tribunais de Polícia e dosjuízes de instrução). Cada Corte é dirigida por um primeiropresidente e cada câmara por um presidente. Os demais juízessão denominados conselheiros da Corte de Apelação.

Na França é permitido o recurso de apelação, seultrapassado o teto estabelecido em matéria civil e em matériapenal, sendo que na maioria das causas o processo é julgadoapenas uma vez, sem possibilidade de recursos, que apenasretardam a solução definitiva da demanda.

As Cortes de Apelação possuem cinco assembleias: umaassembleia plena dos juízes, procurador e funcionárioscartorários, uma assembleia de juízes e do Ministério Público,uma assembleia dos juízes, uma assembleia dos membros doParquet e uma assembleia dos funcionários cartorários, com opropósito de criar uma mentalidade grupal que propicie melhorentrosamento e produtividade. Cada uma delas pode emitirnormas para cumprimento por aqueles que são seus aderentes,além de funcionar como órgão consultivo e nomear pessoas paradeterminadas funções especializadas. As Cortes de Apelaçãodividem-se em câmaras civis, correcionais, social (parajulgamento de apelações contra decisões em matéria deseguridade social, contrato de trabalho e leis sociais), de acusação(para julgamento de apelações contra decisões dos juízes deinstrução) e de menores de idade (para julgamento de apelaçõescontra decisões dos juízes da juventude e dos tribunais da área).

Competem às Cortes de Apelação os seguintes recursos:apelação, oposição de terceiro e oposição, sendo que osjulgamentos desses recursos são proferidos por, no mínimo, trêsconselheiros. Na França ultramarina existem dois TribunaisSuperiores de Apelação.

Dentro do território francês existem grandescircunscrições Judiciárias abrangidas por Cortes de Apelação(CAs), sendo que, dentro de cada uma delas, existem outrassubdivisões onde se encontram os Tribunais de GrandeInstância (TGI) e outra dentro do território destes últimos,onde encontramos os Tribunais de Instância (TIs). NoANEXO l apresentamos a distribuição geográfica dascircunscrições Judiciárias.

4.1.17. Corte de Cassação (11)

Originária do Conselho das Partes, que julgava osrecursos contra os acórdãos dos Parlamentos no Antigo Regime.É “juiz do Direito e não do fato” e não pode decidir o mérito, ouseja, não julga os argumentos desenvolvidos, só julga a forma.Deve julgar “a correlação jurídica de uma decisão e não sepronunciar sobre um processo”. Interposto um recurso deprovimento em cassação, se a Corte de Cassação entende quea decisão recorrida não está de acordo com o Direito, não a

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reforma, mas sim envia o processo a uma Corte de Apelaçãodiferente daquela que o julgou para novo julgamento.

Mas, como exceção, a Corte decide sobre o fato e omérito quando dá provimento a um recurso penal de revisão(interposto pelo réu condenado definitivamente), para corrigirerro Judiciário ou, no processo civil. A partir da Lei de 6 deagosto de 1981, é de cinco o número mínimo de juízes (ou atétrês) que decide os recursos.

A Corte de Cassação é composta de seis câmaras, sendouma criminal e cinco civis. A criminal julga recursos contradecisões dos órgãos da esfera penal; a 1ª câmara civil julgarecursos de Direito das pessoas, contratos, seguro e DireitoInternacional Privado; a 2ª câmara civil julga recursos de divórcio,responsabilidade delitual e procedimento; a 3ª câmara civil julgarecursos de Direitos reais, propriedade e urbanismo; a câmaracomercial e financeira julga recursos de Direito dos negócios; ea câmara social julga recursos de Direito do Trabalho e deSeguridade Social.

A Corte de Cassação tem cinco assembleias: umaassembleia plena dos juízes, procurador e funcionárioscartorários, uma assembleia de juízes e do Ministério Público,uma assembleia dos juízes, uma assembleia dos membros doParquet e uma assembleia dos funcionários cartorários, com oobjetivo de formar uma mentalidade grupal que propicie melhorentrosamento e produtividade. Cada uma dessas assembleiaspode emitir normas para cumprimento por aqueles que são seusaderentes, além de funcionar como órgão consultivo e nomearpessoas para determinadas funções especializadas.

A Corte é composta de 87 conselheiros (chamadosconselheiros da Corte de Cassação), 43 conselheirosreferendários e 13 auditores (chamados auditores da Corte deCassação), estes últimos destacados para a área dedocumentação e estudos, podendo ajudar nas decisões. Aoprimeiro presidente da Corte seguem-se, hierarquicamente, osseis presidentes de câmaras e, mais abaixo, os oitentaConselheiros da Corte. (29).

4.1.18. Tribunal dos Conflitos (12)

É o Tribunal competente para dirimir conflitos positivosou negativos de jurisdição ou quando tribunais das duas áreastomam decisões contraditórias dentro de um mesmo processo.O TC define se uma causa é da competência de algum Tribunaljurisdicional ou administrativo, sendo suas decisões irrecorríveis.E composto de três membros do Conselho de Estado (Tribunalmáximo dentro da hierarquia da justiça administrativa), três daCorte de Cassação (órgão jurisdicional mais graduado dentroda justiça Judiciária) e dois outros juízes nomeados pelos seisprimeiros, com dois suplentes. O mandato é de três anos.

O TC é, legalmente, presidido pelo Ministro da Justiça,mas, de fato, o é pelo vice-presidente, eleito pelos seus pares,somente intervindo o Ministro da Justiça como desempatador.Um decreto de 26 de outubro de 1849 traça as regras pertinentesa esse Tribunal. Na França, com a dicotomia justiça Judiciária-justiça administrativa, verifica-se um número expressivo de casosde questionamentos sobre competência de uma e de outra, poisé objeto de uma série de exceções, a regra geral de que todoprocesso em que a administração seja parte tenha de ser julgadopela justiça administrativa.

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4.2. ÓRGÃOS DA JUSTIÇA ADMINISTRATIVA

4.2.1. Conselho de Estado

O Conselho de Estado é a Corte Suprema docontencioso administrativo. Aqui já se está no campo do DireitoPúblico, ou seja, aquele que na França, com o crescimento dopapel do Estado após a Segundo Guerra Mundial, tornou-secada vez mais valorizado. Como está no site jurídico do Conselhode Estado (http://www.conseil-etat.fr/ce-data/actux.htm), “oConselho de Estado existe há bastante tempo. É necessário,sem dúvida, retornar a Felipe o Belo para encontrarmos osprimeiros traços dessa instituição que, desde então, jamais deixoua estrutura do Estado. Embora em forma “moderna”, o Conselhode Estado tem 200 anos. E o art. 52 da Constituição de 22Frimário ano VIII que prevê sua criação”.

No mesmo site são mencionadas algumas personalidadesexponenciais que participaram do Conselho de Estado: – Jean-Jacques Cambacérès (1753-1824) – Etienne-Denis Fasquiei-(1767-1862) – Georges Cuvier (1769-1832) – Louis-Mathieu

Mole (1781-1855) – Stendhal (Henri Beyle ) (1783-1842) –Odilon Barrot (1791-1873) – Edouard Laferrière (1841-1901)– Jean Romieu (1858-1953) –Léon BIum (1872-1950) – RenéCassin (1887-1976) – Alexandre Parodi (1901-1979) –Raymond Odent (1907-1979) – Pierre Laroque (1907-1997)– Bernard Chenot (1909-1995) – Georges Pompidou (1911-1974) – Michel Debré (1912-1996).

O Conselho de Estado foi criado por NapoleãoBonaparte em 1799, originando-se do Conselho do Rei doAntigo regime, para redigir os projetos de leis e os regulamentosda administração pública e resolver as dificuldades que surgemem matéria administrativa, conforme preconizava o art. 52 daConstituição do ano VIII. O Conselho tem duas funções: a)ajudar na redação de projetos de leis, ordenanças e decretosdo Conselho de Estado e interpretação de textos administrativos;e b) julgar as causas em que a Administração é parte (contenciosoadministrativo).

Os conselheiros de Estado não são considerados juízes,mas sim funcionários públicos, não se beneficiando da garantiaconstitucional de inamovibilidade dos juízes, mas De VILLIERS(1998:41) atribuiu-lhe uma “independência incontestável, ereconhecida”, dizendo que o Conselho Constitucional tem os mesmosbenefícios constitucionais do art. 64 da Constituição francesa.

Os membros do Conselho de Estado (cerca de 270)são os auditores de 2ª classe (provenientes da Escola Nacionalde Administração) e os auditores de 1ª classe (escolhidos entreos anteriores), totalizando 30 auditores; – mestres derequerimentos (em média 120), sendo ¾ escolhidos entre osauditores e 1/4 entre altos funcionários da Administração; –conselheiros de estado (em média 120), sendo 2/3 escolhidos

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entre os mestres de requerimentos e 1/3 entre altos funcionáriosda Administração; – Conselheiros de estado em serviçoextraordinário (em número de doze) nomeados por 4 anos. Opresidente do Conselho de Estado é o Primeiro-Ministro, masquem exerce de fato a presidência é o vice-presidente doConselho de Estado.

Como órgão jurisdicional o Conselho de Estado atuaem três situações diferentes:

– juízo de 1° grau: eleições do Parlamento Europeu,anulação de decretos ou ato regulamentar ministerial, etc.;

– juízo de 2° grau no julgamento de apelações contradecisões dos Tribunais Administrativos;

– juízo de cassação de decisões administrativas.

O Conselho de Estado, como já dito, tem duas funçõestotalmente distintas: a primeira é jurisdicional, como de qualquerórgão Judiciário, e a segunda, é de assessoria aos outros doispoderes.

Na sua função não jurisdicional, o Conselho de Estado,atuando como órgão de conselho, compõe-se de uma assembleiageral ordinária (35 membros), uma assembleia geral plena (emmédia 100 membros), uma comissão permanente, uma seçãode finanças, uma seção de trabalhos públicos, uma seção dointerior e uma seção social.

Como órgão jurisdicional, compõe-se de uma assembleiado contencioso (julgamento de processos importantes), umaseção do contencioso (julgamento de processos delicados), dezsubseções encarregadas de instruir os processos e subseçõesreunidas (encarregadas de julgar). Para se definir se uma causaé da competência da Justiça Administrativa, conforme CHAPUS

(1996: 1), é necessário verificar se, no caso, “a ação daadministração... se manifesta como poder público, não devendoser julgada pelos tribunais Judiciários”. Esta é a regra básica,seguida pelos tribunais administrativos, pelos tribunais Judiciáriose pelo Tribunal dos Conflitos para decidir os conflitos positivose negativos de competência entre as duas Justiças.

DAVID (1996:69/70) afirma que:

“... os tribunais administrativos, na França,não se reconhecem com o poder de dar ordens àadministração; eles se limitam a anular os atos ilegaisque puderam ser executados, e a reconhecer o Direitodos particulares de receberem uma indenização. Poroutro lado, a lentidão da justiça administrativa e adificuldade de fazer executar as decisões tomadas pelostribunais administrativos frequentemente enfraquecema eficácia do Direito administrativo.”

Já CAPPELLETTI (1999:48) coloca o Conselho deEstado como verdadeiro controlador do Estado:

“Pouco a pouco, no entanto, um órgão daadministração, o “Conseil d’Etat”, foi assumindo essepapel, adotando os procedimentos e conquistando graude independência típico de verdadeiro TribunalJudiciário,... dele proveio amplo sistema de controleJudiciário ou, para quem prefira, quase Judiciário, nãoapenas das violações da lei por parte da administração,mas também dos abusos e desvios da discricionariedadeadministrativa”.

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CONSELHO DE ESTADO

Ano-1998 (33)

4.2.2. Tribunais Administrativos

Originários dos Conselhos de Prefeitura da época pós-revolucionária, os Tribunais Administrativos são a primeira instânciados processos do contencioso administrativo, dividindo-se, parajulgamento, em câmaras, cada qual composta de três membros,havendo casos em que se julga no sistema de juiz único. Existem35 Tribunais Administrativos na França, dos quais 27 na metrópole.O TA de Paris possui treze câmaras, compostas de seções.

As regras de competência territorial são diferentes dascomuns previstas no Código de Processo Civil francês, sendo umtanto complexas. Para se definir se uma causa é da competênciada Justiça Administrativa, conforme CHAPUS (1996:1), torna-se necessário verificar se, no caso, “a açâo da administração... semanifesta como poder público, não deve ser julgada pelos tribunaisJudiciários”. Esta é a regra básica, seguida pelos tribunaisadministrativos, Judiciários e o Tribunal de Conflitos para decidiros conflitos positivos e negativos de competência entre as duasJustiças. O decreto 73-682 de 13 de julho de 1973 (Código dosTribunais Administrativos e das Cortes Administrativas de

Apelação) trata da organização e funcionamento desses órgãosjurisdicionais, incluindo suas regras processuais.

A Lei n° 86-14 de 6 de janeiro de 1986 fixa as regrasque garantem a independência dos membros dos TribunaisAdministrativos e Cortes Administrativas de Apelação, tendocriado um Conselho Superior dos Tribunais Administrativos eCortes Administrativas de Apelação em moldes semelhantes aosdo Conselho Nacional da Magistratura.

TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOSMovimentação - Ano 1998

4.2.3. Cortes Administrativas de Apelação

As Cortes Administrativas de Apelação constituem a 2ªinstância dos processos do contencioso administrativo. Existemsete Cortes Administrativas de Apelação no país, presididas pormembros do Conselho de Estado. Cada Corte tem 3 câmaras,com exceção da Corte de Paris com quatro câmaras.

O Decreto 73-682 de 13 de julho de 1973 (Código dosTribunais Administrativos e das Cortes Administrativas deApelação) trata da organização e funcionamento desses órgãosjurisdicionais e suas regras processuais.

Requerimentos: 10.232

Processos registrados: 8.427 Evolução 98/97 (%)+17,2

Decisões proferidas: 9.450 Evolução 98/97 (%) -15,4

Processos em instância (31.12): 8.479 Evolução 98/97 (%)-18,4

Requerimentos: 132.918

Processos registrados: 123.834 Evolução 98/97 (%) +21,9

Decisões proferidas: 104.615 Evolução (96) (%) +8,6

Processos em instância (31.12): 207.920 Evolução 98/97 (%)+10,2

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A Lei n0 86-14 de 6 de janeiro de 1986 fixa as regrasque garantem a independência dos membros dos TribunaisAdministrativos e Cortes Administrativas de Apelação, inclusivetendo criado um Conselho Superior dos Tribunais administrativose Cortes administrativas de Apelação em moldes parecidos comos do Conselho Nacional da Magistratura.

CORTES ADMINISTRATIVAS DE APELAÇÃO

Distribuição de atividades, por Corte-Ano 1998 (*)

CORTES FRANCESAS

* Requerimentos 17.135Fonte: site do Conselho de Estado

4.3. ÓRGÃOS ESPECIAIS

4.3.1. Corte de Contas

É um Tribunal da ordem administrativa, herdeiro dasCâmaras de Contas do Antigo Regime, sendo dirigido pelo seuprimeiro presidente e contando com 270 juízes, entre auditores,conselheiros referendários e conselheiros-mestres. (34). Divididoem sete câmaras, suas atribuições são jurisdicionais eadministrativas. No primeiro caso, é juiz de (e única) instância dascontas de entidades mais graduadas na escala administrativa e desegunda instância nos recursos contra decisões das CâmarasRegionais de Contas. Não decide jurisdicionalmente a situaçãodos ordenadores. No segundo caso, verifica a boa execução dosorçamentos, controla as contas dos organismos de SeguridadeSocial e das empresas públicas, exercendo controle sobre osordenadores no que se refere à eficácia e regularidade do empregodos créditos, fundos e valores administrados por eles.

A legislação que trata das jurisdições financeiras écomposta das leis de 2 e 27 de dezembro de 1994 e da lei de24 de julho de 1995. O Código das Jurisdições Financeiras tratada organização, funcionamento e das regras processuais dessajustiça especializada.

4.3.2. Câmaras Regionais de Contas

As Câmaras Regionais de Contas são os TribunaisAdministrativos encarregados do controle das contas dascomunidades locais. As CRCs, em número de 24 (com 324juízes), cada uma com um presidente e seus conselheiros. Alegislação que trata das jurisdições financeiras é composta dasleis de 2 e 27 de dezembro de 1994 e da lei de 24 de julho de1995. Suas atribuições são jurisdicionais e administrativas, sendo

Corte Processos Decisões Processos em Registrados Proferidas Andamento

l. Paris 3.298 2.200 6.223

2. Lyon 2.160 1.586 4.569

3. Bordeaux 2.210 1.402 4.192

4. Nantes 2.093 1.645 4.289

5. Nancy 2.488 1.330 6.062

6. Marselha 2.081 1.036 3.999

7. Douai - - -

TOTAL 14.330 9.199 29.334

Evolução 97/98 +14,9 +23,3 +22,1

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os recursos julgados pela Corte de Contas, aplicando-se a elas,no que couberem, as regras da Corte de Contas.

O Código das Jurisdições Financeiras trata daorganização, funcionamento e das regras processuais dessajustiça especializada.

4.3.3. Corte de Disciplina Orçamentária e Financeira

Tribunal administrativo encarregado de punirpecuniariamente os ordenadores que cometem faltas nogerenciamento de créditos orçamentários públicos é formado peloprimeiro presidente da Corte de Contas, dois conselheiros damesma Corte e três conselheiros do Conselho de Estado. Osministros e os eleitos locais não são julgados por essa Corte,existindo benesses que inviabilizam a punição dos culpados. OCódigo das Jurisdições Financeiras trata da organização,funcionamento e das regras processuais dessa justiça especializada,sendo os recursos apresentados junto ao Conselho de Estado.

4.4. JURISDIÇÕES SEPARADAS

4.4.1. Conselho Constitucional

A hierarquia das normas obedece, conformeDUVERGER (1996:418), a seguinte: – Constituição e princípiosconstitucionais, – tratados internacionais, – leis orgânicas, – leis,– ordenanças, – princípios gerais de Direito, – decretos doPresidente da República, – decretos do Primeiro ministro, –portarias ministeriais, – portarias dos chefes de serviços centrais,– portarias dos chefes de serviços particulares (reitores deUniversidades, etc.), – portarias de diversas autoridadesterritoriais. Mais adiante, o ilustre jurista classifica as normaslegais em constitucionais, legislativas e regulamentares.

O Conselho Constitucional, criado pela Constituição de1958, decide sobre a constitucionalidade dos textos nãoregulamentares aos tratados, à Constituição e aos princípiosconstitucionais, eleições a nível nacional e situações que colocamem jogo determinadas disposições constitucionais. Comoexemplos das três situações, podemos citar a declaração deinconstitucionalidade de leis, a anulação de eleições para deputadoe a declaração de vacância do cargo de Presidente da República.

O Conselho é formado por nove membros nomeados pornove anos, sendo possível a recondução, assim distribuídos: trêsescolhidos pelo Presidente da República (dentre os quais o presidentedo Conselho), três pelo Presidente da Assembleia Nacional e trêspelo Presidente do Senado. Uma crítica que se faz ao ConselhoConstitucional é a de ser composto através de indicações políticas.Os ex-presidentes da República são membros-natos do Conselho.

Declarada a inconstitucionalidade de um texto peloConselho Constitucional, o mesmo não poderá ser promulgado.Quanto às leis em vigor, não é possível a declaração de suainconstitucionalidade, com base no princípio francês da soberaniado cidadão, consubstanciado nas leis editadas pelos seusrepresentantes eleitos. CAPPELLETTI (1999:78) diz que, nosúltimos tempos, a jurisprudência constitucional francesa evoluiu,menos que a da Itália, da Alemanha e dos Estados Unidos.

4.4.2. Alta Corte de Justiça

Com a competência de julgar o Presidente da Repúblicapor crime de alta traição, é composto de 24 membros titulares e12 suplentes, escolhidos de forma paritária pelos Deputados eSenadores entre seus pares. O Ministério Público é representadopelo Procurador-Geral que oficia junto à Corte de Cassação,assistido por outros membros do Parquet: o Primeiro Advogado

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A JUSTIÇA DA FRANÇA - UM MODELO EM QUESTÃO

Geral e dois Advogados Gerais. O fato de não haver definiçãolegal do que seja “alta traição” toma o Presidente da República,de fato, irresponsável.

NÚMERO DE ÓRGÃOS JURISDICIONAIS

Resumo numérico

1 – Jurisdições de Ordem Judiciária (incluídos territóriosultramarinos e coletividades territoriais): uma Corte de Cassação;um Tribunal dos Conflitos; 35 Cortes de Apelação; dois TribunaisSuperiores de Apelação; 181 Tribunais de Grande Instância (dosquais 37 com competência comercial); cinco Tribunais dePrimeira Instância (dos quais três com competência comercial);139 Tribunais Juvenis; 116 Tribunais de Seguridade Social; 473Tribunais de Instância; 271 Conselhos de Prudentes (JustiçaTrabalhista); cinco Tribunais do Trabalho; 191 Tribunais doComércio (36 foram suprimidos em 1999); 26 Tribunais deIncapacidade; – Tribunais Paritários de Arrendamentos Rurais;– Juízes de Instrução; – Jurisdições Militares; uma Corte deJustiça da República; 14 Tribunais Marítimos Comerciais; maisde 100 Tribunais do Júri.

2 – Jurisdições de Ordem Administrativa: um Conselhode Estado; um Tribunal dos Conflitos; sete Cortes Administrativasde Apelação; 35 Tribunais Administrativos;

3 – Órgãos Especiais: Uma Corte de Contas; 24 CortesRegionais de Contas; uma Corte de Disciplina Orçamentária eFinanceira.

4 – Jurisdições separadas: l Conselho Constitucional; AltaCorte de Justiça.

TOTAL GERAL: 1.635 Tribunais (em sentido amplo)(não incluídos os Tribunais Paritários de Arrendamentos Ruraise os Tribunais Militares de várias denominações).

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5. CARACTERÍSTICAS DA JUSTIÇA JUDICIÁRIA

No presente capítulo trataremos principalmente dealgumas características da Justiça Judiciária, considerando queela é a mais conhecida e é a mais contatada pela população eque, na verdade, desperta mais interesse entre aqueles que lidamcom o Direito. No nosso entender, suas características maismarcantes são as seguintes:

5.1. TRADICIONALISMO

Na menção aos órgãos jurisdicionais vimos, por exemplo,que os Tribunais do Comércio existem há mais de quatro séculos;os Tribunais de Instância e de Grande Instância, os TribunaisMarítimos Comerciais, as Cortes de Apelação, a Corte deCassação, a Corte de Contas e a Alta Corte de Justiça (com osnomes atuais ou criados a partir de seus antecessores) existemdesde a Revolução Francesa (1789) e os Tribunais Trabalhistasforam criados logo após essa época. A estrutura extremamentehierarquizada do Judiciário, à moda militar, permanece desde aépoca de Napoleão Bonaparte. Grande parte dos fórunsfranceses localizam-se em edifícios muito antigos, quase sempreinadequados às suas necessidades atuais. A história da Justiçaocupa um espaço muito grande na mente de muitas pessoas quedirigem a instituição ou que nela atuam. O Judiciário francês éligado à tradição, a ponto de BADINTER (Internet) ter afirmado:

“Bernanos comparava, satisfeito, a justiçafrancesa a uma catedral que os séculos tinhammodificado, transformado, aumentado, mas na qual, portrás dos acréscimos e ornamentações sucessivos, oobservador atento poderia encontra o plano original”.Tudo isto gera certa imobilidade, criando dificuldadespara adaptação às atuais exigências dos jurisdicionados.

Luiz Guilherme Marques

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KERNALEGUEN (1999:156) faz uma crítica a essatendência ao imobilismo:

A sede e a circunscrição dessas jurisdiçõestestemunham uma larga indiferença aos recortesadministrativos e tecnocráticos modernos em proveitodas marcas da história: numerosas circunscriçõesmantêm contornos das antigas províncias e numerosassedes são rebeldes aos dados demográficos eeconômicos atuais. Resulta disso uma repartição assazdesequilibrada das Cortes de Apelação, algumas nãoenglobando mais que dois departamentos (como Bastiaou Chambéry) enquanto outras se estendem sobrequatro (Aix), cinco (Rennes) ou seis (Paris)departamentos. Da mesma forma, exceto Paris,somente quatro Cortes têm uma circunscrição compopulação superior a três milhões de habitantes,encontrando-se cinco com menos de um milhão dehabitantes. A atividade das Cortes de Apelação é,portanto, muito desigual: a Corte de Paris recebeumais de 42.000 processos civis novos em 1996enquanto que a de Bastia recebeu somente 1.275.

Os próprios Palácios da Justiça, onde oJudiciário funciona em diferentes cidades, sãoconservados como relíquias repassadas de lembrançasguardadas carinhosamente. O Palácio da Justiça deParis (onde funcionam o Tribunal de Grande Instância,a Corte de Apelação e a Corte de Cassação) ocupa umgrande espaço na história da Justiça francesa,procurando os historiadores, como Max Le Roy, H.Veyrier, A. Robida e Henri Stein, a origem e as sucessivasmudanças e vários acréscimos no portentoso edifíciona área habitada no século XIII pelo famoso rei SãoLuís que, durante seu reinado, mandou construir a

belíssima “Sainte Chapelle”. Destaca-se também a“Conciergerie”, de triste memória pelos desmandos eatrocidades cometidos pelos revolucionários de 1789.

5.2. JUÍZOS LEIGOS

A figura do “juiz leigo” é uma constante na estruturaJudiciária da França. Vejamos alguns dados estatísticos: para umapopulação de 58,2 milhões de habitantes, existem 6.288magistrados de ordem Judiciária e 858 juízes de ordemadministrativa. O número de juízes leigos dos Tribunais Trabalhistase dos Tribunais de Comércio, sem incluir os outros Tribunais, é de17.956 (Fonte: Ministério da Justiça francês, setembro/1999).

Relacionemos aqueles em que atuam esses homens emulheres bem intencionados e instruídos, mas sem o conhecimentotécnico imprescindível para exercer o cargo de juiz: Tribunais doComércio, Conselhos de Prudentes (Tribunais do Trabalho),Tribunais de Processos de Seguridade Social, Jurisdições deIncapacidade, Tribunais de Arrendamentos Rurais, Corte deJustiça da República, Tribunais Marítimos Comerciais, Tribunaisdo Júri, Tribunais de Menores, Tribunais do Júri juvenil, TribunaisPrebostais, Tribunais Militares das Armadas, Tribunal Territorialdas Forças Armadas, Alto Tribunal das Forças Armadas, Cortede Contas, Câmara Regional de Contas etc.

Convém notar que os pedidos de gratuidade não sãodecididos por magistrados, mas sim pelos chamados Escritóriosde Ajuda Jurisdicional, compostos por juízes, auxiliares da justiça,representantes da administração pública e pessoas do povo.

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5.3. JUÍZES TOGADOS JUDICIÁRIOS: FORMAS DERECRUTAMENTO

Para o exercício temporário da Magistratura, adota-sena França o sistema múltiplo de recrutamento, não sendoobrigatório que o magistrado (juiz ou membro do MinistérioPúblico) tenha formação jurídica. Os magistrados, de faixasetárias diferentes, são selecionados entre profissionais de origensdiversas e experiências de vida diversificadas, resultando umaMagistratura rica de valores não só na área jurídica, como passaa ser integrada por profissionais de outras áreas como, porexemplo, sociólogos e psicólogos.

O recrutamento para a Magistratura francesa é efetuadopela Escola Nacional de Magistratura, por meio de concurso outítulos, podendo ser a título permanente ou temporário.

O Recrutamento a Título Vitalício é feito da seguinte forma:a) Recrutamento, por concurso, para candidatos de até

27 anos de idade, que tenham se formado em qualquer cursosuperior com quatro anos de duração ou mais, sem necessidadede experiência profissional. Aprovados no referido concurso,fazem um estágio de 31 meses na Escola Nacional daMagistratura, em Bordeaux (onde são denominados auditoresde justiça), e, após sua conclusão, são nomeados juízes oumembros do Ministério Público.

b) Recrutamento, por concurso, para candidatos de até40 anos de idade, funcionários públicos com experiência mínimade quatro anos e que tenham concluído qualquer curso superiorcom quatro anos de duração ou mais. Aprovados no referidoconcurso, fazem um estágio de 31 meses na Escola Nacional daMagistratura, em Bordeaux (onde são denominados auditoresde justiça), e, após sua conclusão, são nomeados juízes oumembros do Ministério Público.

c) Recrutamento, por concurso, para candidatos comaté 40 anos de idade, que tenham concluído qualquer cursosuperior com duração mínima de quatro anos e possuamexperiência profissional mínima de oito anos como juiz leigo.Aprovados no referido concurso, fazem um estágio de 31 mesesna Escola Nacional da Magistratura, em Bordeaux (onde sãodenominados auditores de justiça), e, após sua conclusão, sãonomeados juízes ou membros do Ministério Público.

d) Recrutamento, por títulos, para candidatos com idadeentre 27 e 40 anos, portadores de diploma em Direito, comexperiência profissional de pelo menos quatro anos. Aprovadosna referida seleção, fazem um estágio de 27 meses na EscolaNacional da Magistratura, em Bordeaux (onde são denominadosauditores de justiça) e, após sua conclusão, são nomeados juízesou membros do Ministério Público do 2° grau.

e) Recrutamento, por títulos, para candidatos com idadeentre 27 e 40 anos, portadores de diploma de curso superior ecom doutoramento em Direito. Para estes candidatos não éexigida experiência profissional. Aprovados na referida seleção,fazem um estágio de 27 meses na Escola Nacional daMagistratura, em Bordeaux (onde são denominados auditoresde justiça), e, após sua conclusão, são nomeados juízes oumembros do Ministério Público do 2° grau.

f) Recrutamento, por títulos, para candidatos com idadeentre 27 e 40 anos, que trabalhem em ensino e pesquisa deDireito com título de DESS jurídico (Diploma de EstudosSuperiores Especializados) e experiência profissional nas áreasde ensino e pesquisa do Direito de pelo menos três anos.Aprovados na referida seleção, fazem um estágio de 27 mesesna Escola Nacional da Magistratura, em Bordeaux (onde sãodenominados auditores de justiça), e, após sua conclusão, sãonomeados juízes ou membros do Ministério Público do 2° grau.

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g) Recrutamento, por títulos, para candidatos com idadeinferior a 35 anos, que tenham concluído curso superior comduração mínima de quatro anos e experiência profissional mínimade sete anos. Aprovados na referida seleção, são nomeados, deimediato, juízes ou membros do Ministério Público do 2° grau,com estágio probatório de seis meses no máximo.

h) Recrutamento, por títulos, para candidatos de até 35anos de idade, que tenham concluído curso superior com duraçãomínima de quatro anos e experiência profissional mínima de seteanos. Aprovados na referida seleção, são nomeados, de imediato,juízes ou membros do Ministério Público do 1° grau 1° grupo,com estágio probatório de seis meses no máximo.

i) Recrutamento, por títulos, para candidatos com idadeinferior a 35 anos, que tenham concluído curso superior com duraçãomínima de quatro anos, com experiência profissional mínima denove anos. Aprovados na referida seleção, são nomeados, deimediato, juízes ou membros do Ministério Público do 1° grau2° grupo, com estágio probatório de seis meses no máximo.

O Recrutamento a Título Temporário ocorre da seguinteforma:

a) Conselheiros da Corte de Apelação em serviçoextraordinário, para candidatos com idade entre 50 e 60 anos,portadores de diploma de curso superior com duração mínimade quatro anos e experiência profissional comprovada de quinzeanos. Aprovados na seleção, são nomeados, de imediato,conselheiros da Corte de Apelação de 1° grau para um períodode 10 anos de exercício. Número de vagas: 50.

b) Recrutamento de magistrados a título temporário paracandidatos com até 65 anos de idade, portadores de diplomade curso superior com duração mínima de quatro anos eexperiência profissional mínima de sete anos. Aprovados nareferida seleção, são nomeados, de imediato, juízes de Tribunal

de Instância ou Tribunal de Grande Instância’ 1° grau para umperíodo de 7 anos de exercício do cargo.

c) Seleção de candidatos recrutados pela EscolaNacional de Administração ou, ainda, professores e mestres deconferência de universidades, com experiência profissional mínimade quatro anos. Aprovados na referida seleção, são nomeados,de imediato, para um grau inferior na hierarquia Judiciária, comformação de seis meses para cessão de cinco anos, levada emconta a progressão funcional vigente na estrutura da justiçaadministrativa.

d) Seleção de candidatos recrutados pela EscolaNacional de Administração ou, ainda, professores e palestristasde universidades, com experiência profissional mínima de quatroanos. Aprovados na referida seleção, são nomeados, de imediato,para um grau inferior na hierarquia Judiciária, com formação deseis meses para cessão de cinco anos, levada em conta aprogressão funcional vigente na estrutura da justiça administrativa.

e) Seleção de candidatos recrutados pela EscolaNacional de Administração ou, ainda, professores e palestristasde universidades, com experiência profissional mínima de dezanos. Aprovados na referida seleção, são nomeados, de imediato,para um grau superior na hierarquia Judiciária, com formaçãode seis meses para cessão de cinco anos, levada em conta aprogressão funcional vigente na estrutura da justiça administrativa.

f) Recrutamento extra para os Tribunais de GrandeInstância e Cortes de Apelação 1998/1999

f.1) Recrutamento para candidatos entre 35 a 45 anosde idade, portadores de diploma de curso superior com duraçãomínima de quatro anos, com experiência profissional mínima dedez anos. Se formados em Direito, são exigidos oito anos deexperiência profissional. Aprovados na referida seleção, sãonomeados, de imediato, juízes de Tribunal de Grande Instância2° grau. Número de vagas: 50.

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f.2) Recrutamento para candidatos entre 40 a 55 anos deidade, portadores de diploma de curso superior com duraçãomínima de quatro anos e experiência profissional mínima de 12anos. Aprovados na referida seleção, são nomeados, de imediato,conselheiro da Corte de Apelação 2° grau. Número de vagas: 40.

f.3) Recrutamento para candidatos com idade superiora 50 anos de idade, portadores de diploma de conclusão decurso superior com duração mínima de quatro anos e experiênciaprofissional mínima de 15 anos. Se formados em Direito, exige-se experiência profissional de oito anos. Aprovados na referidaseleção, são nomeados, de imediato, conselheiro de Corte deApelação 1° grau. Número de vagas: 100.

5.4. JUIZ COMO “BOUCHE DE LA LOI” (?)

O Direito francês faz parte da chamada família romano-germânica, na qual a fonte principal do Direito é a lei e em que ajurisprudência se presta somente a interpretar a lei, pensando-sena jurisprudência contra legem como heresia perigosa. Após aRevolução Francesa surgiu entendimento de que o Juiz não poderiainterpretar a lei, tarefa essa que competiria apenas ao Legislativo,devendo o juiz aplicá-la. Como age o juiz francês na interpretaçãoda lei? Sobre o assunto assim se expressou DAVID (1996):

Considerando a interpretação do código civil,na celebração o seu centenário, o primeiro presidentedo Tribunal de Cassação francês, Ballot-Beaupré, numdiscurso famoso, pronunciado em 1904, repudiou ométodo histórico de interpretação que até então haviaimperado na doutrina de modo inconteste.

Quando o texto, sob uma forma imperativa, éclaro e preciso, não se prestando a nenhum equívoco,o juiz é obrigado a inclinar-se e a obedecer. Mas quandoo texto apresenta qualquer ambiguidade, quando se

levantam dúvidas sobre o seu significado e o seualcance e, quando comparado com outro, possa, emcerta medida, estar ou em contradição ou restringido,ou, ao inverso, desenvolvido, julgo que, então, o juizdetém os mais latos poderes de interpretação; ele nãodeve dedicar-se obstinadamente à investigação de qualtenha sido, há cem anos, o pensamento dos autores docódigo ao redigirem este ou aquele artigo; ele deveinterrogar-se sobre o que seria esse pensamento se omesmo artigo tivesse sido hoje redigido por eles; eledeve a si próprio responder que, em presença de todasas modificações que, desde há um século, se operaramnas ideias, nos costumes, nas instituições, no estadoeconômico e social da França, a justiça e a razãoimpõem que se adapte liberal e humanamente o textoàs realidades e às exigências da vida moderna. A estamaneira de ver corresponde o desenvolvimentoespetacular que se verificou na França a partir do iníciodo nosso século, na matéria da responsabilidade civil.Algumas palavras constantes de um artigo do CódigoCivil, art. 1384 – palavras às quais, é certo, os seusautores não atribuíram nenhum significado particular–, foram carregadas pela jurisprudência de um novosentido; este texto foi utilizado para se desenvolverao extremo a responsabilidade do fato das coisas,deixando-se de lado qualquer ideia de erro. Ajurisprudência francesa veio, assim, sanar apassividade do legislador, que não havia interferidona regulamentação dos problemas, quanto àresponsabilidade, colocados pelo desenvolvimento damecânica e especialmente pela multiplicação dosacidentes de automóvel. O desenvolvimento revolucio-nário verificado nesta matéria não deve iludir-nos.

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Bem vistas as coisas, ele é único, e de modo nenhumcaracterístico dos métodos usuais da jurisprudênciafrancesa. Na França, como nos outras países da famíliaromano-germânica, os trabalhos preparatórioscontinuam a ter importância; quando são claros e ascircunstâncias não levantam, depois da publicação dalei, um problema inteiramente novo, o qual é evidenteque o legislador não pôde prever, os juízes franceses,normalmente, atentam aos trabalhos preparatórios domesmo modo que os seus colegas dos outros países dafamília romano-germânica. (103/194).

Mais adiante, tratando da função ‘meramenteinterpretativa’ da jurisprudência, diz o mesmo autor:

Submissão dos juízes à lei. O papel dajurisprudência nos países da família romano-germânicaapenas pode precisar-se em ligação com o da lei.Verificando-se a propensão atual dos juristas, em todosestes países, nos nossos dias, para procurarem apoionum texto de lei, o papel criador da jurisprudênciadissimula-se sempre ou quase sempre atrás daaparência de uma interpretação da lei. Sóexcepcionalmente os juristas se afastam deste hábitoe os juízes reconhecem francamente o seu podercriador de regras de Direito. Eles persistem na suaatitude de submissão quotidiana à lei, ainda que olegislador reconheça, expressamente, que a lei podenão ter previsto tudo. O juiz deve, neste caso, nosnossos países, pronunciar uma decisão; não se poderefugiar atrás da fórmula do non liquet, como erapermitido ao juiz, na época romana, quando o Direitoera incerto. O art. 1º, al. 2 do código civil suíçoformulou, para este caso, uma regra: o juiz deve

estatuir como o faria se fosse ele o legislador; inspira-se, nesta investigação, na tradição e na jurisprudência.O art. 1° do código civil suíço não é letra morta;acontece mesmo que os juízes descobrem, por vezesdum modo um pouco artificial, lacunas na ordemlegislativa para fazerem uso do poder que lhes éatribuído. Contudo, de um modo geral, ele tem sidopouco utilizado. Esta prescrição, que suscitou um tãovivo interesse nos teóricos, parece ter introduzido, emdefinitivo, bem poucas modificações no Direito suíço,no plano prático. A ‘livre investigação científica’,preconizada por F. Gény, é exercida respeitando odogma da plenitude da ordem legislativa, era maissimples conservar esta ficção. Por consequência, senós quisermos analisar a medida que a jurisprudênciaparticipa da evolução do Direito, é necessárioresignarmo-nos a procurar esta função atrás doprocesso de interpretação, verdadeiro ou fictício, dostextos Legislativos. A jurisprudência desempenha umpapel criador, na medida em que, em cada país, sepode, neste processo, afastar a simples exegese; tenteijá demonstrar, quanto a este aspecto, a situação nospaíses da família romano-germânica. Qualquer queseja a contribuição trazida pela jurisprudência àevolução do Direito, esta contribuição, nos países dafamília romano-germânica, é diferente da do legislador.O legislador que, na nossa época, estabelece osquadros da ordem jurídica, recorre a uma técnicaparticular que consiste na formulação dos comandos,na elaboração das regras de Direito. A jurisprudênciaé muito excepcionalmente autorizada a utilizar estatécnica; a disposição do código civil francês (art. 5°),que proíbe aos juízes estatuírem por via geral e

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regulamentar, tem o seu equivalente em todos osDireitos da família romano-germânica, salvo certonúmero de exceções certamente interessantes, mas quedeixam intocado o principio. (DAVID, 1996:118/119).

E, abordando a fragilidade da jurisprudência frente à leicomo fonte do Direito, o mesmo Autor acentua:

Alcance do Direito jurisprudencial . Ajurisprudência abstém-se de criar regras de Direito,porque esta é, segundo os juízes, tarefa reservada aolegislador e às autoridades governamentais ouadministrativas chamadas a completar a sua obra.Dever-se-á considerar que, apesar desta posição demodéstia, as regras de Direito sejam de fato criadaspelos juízes? Entre regras de Direito jurisprudencial eregras de Direito formuladas pelo legislador existem,em todo o caso, duas importantes diferenças. Aprimeira diz respeito à importância relativa, num dadosistema, de umas e outras. A jurisprudência move-sedentro de quadros estabelecidos para o Direito pelolegislador, enquanto a atividade do legislador visaprecisamente estabelecer estes quadros. O alcance doDireito jurisprudencial é, por isto, limitado, sendo asituação nos países da família romano-germânica,neste aspecto, exatamente o inverso da que é admitidanos países de common law. As “regras de Direito”estabelecidas pela jurisprudência, em segundo lugar,não têm a mesma autoridade que as formuladas pelolegislador. São regras frágeis, suscetíveis de seremrejeitadas ou modificadas a todo o tempo, no momentodo exame duma nova espécie. A jurisprudência nãoestá vinculada pelas regras que ela estabeleceu; elanão pode mesmo invocá-las, de modo geral, para

justificar a decisão que vai proferir. Se numa novadecisão os juízes aplicam uma regra que já tinhamanteriormente aplicado, isto não é devido à autoridadeque esta regra adquiriu pelo fato de a terem consagrado;com efeito, esta regra não tem nenhum caráterimperativo. E sempre possível uma mudança dajurisprudência, sem que os juízes estejam obrigados ajustificá-la. Ela não ameaça os quadros, nem ospróprios princípios do Direito. A regra jurisprudencialapenas subsiste e é aplicada enquanto os juízes – cadajuiz – a considerarem como boa. Concebe-se que,nestas condições, se hesite em falar aqui da regra. Arejeição da regra do precedente, segundo a qual osjuízes devem ater-se às regras que eles aplicaram numcaso concreto, não é um mero acaso. A regra de Direitotem sido sempre considerada, desde a Idade Média,nos países da família romano-germânica, comodevendo ser de origem doutrinal ou legislativa, porqueimporta que ela seja feita de forma ponderada, paraabarcar uma série de casos típicos que ultrapassam oslimites e se libertam das contingências de um processodeterminado. No plano dos princípios parece-nosimportante que o juiz não se transforme em legislador.É isto que se procura nos países da família romano-germânica; a fórmula segundo a qual a jurisprudêncianão é uma fonte de Direito parece-nos ser inexata, masexprime uma verdade se a corrigirmos, afirmando quea jurisprudência não é uma fonte de regras de Direito.“Non exemplais, se legibus judicanclun est”.

Dando justo valor aos juízes franceses, grandes estudiososdo Direito e modelos de competência, o mesmo Autor afirma:

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A importância da jurisprudência francesa nãose restringe, assim, às fronteiras da França; as decisõesdo Tribunal de Cassação francês e as do Conselho deEstado são estudadas e exercem certa influência emvários países, vizinhos ou distantes, de língua francesa,e, além destes, em outros países, europeus ou extraeuropeus, pertencentes à família romano-germânica,onde se atribui uma particular importância, em algunsdomínios do Direito, à jurisprudência francesa”.

Já ALMEIDA (1998:53/54), diz do papel realmentecriador da jurisprudência francesa, citando o exemplo do arestoJeand’heur da Corte de Cassação, que passou a regular a questãoda ‘responsabilidade civil extracontratual decorrente da guardade coisas’.

Uma situação interessante é abordada por CAPPEL-LETTI (1999), quando afirma que a complexidade da vidamoderna e o crescimento dos poderes Legislativo e Executivoobrigam o Judiciário a uma arrancada decisiva frente a essa novarealidade, principalmente das ações coletivas, caso queirasobreviver. Analisa, com uma ponta talvez de pessimismo oJudiciário europeu (naturalmente, incluído o francês):

A autoridade Judiciária, ou a “ordrejudiciaire”, viu progressivamente diminuir a própriarelevância político-social, motivo pelo que se podedizer, sem demasiado exagero, que, em face dospoderes Legislativo e Executivo, a sua impotênciatornou a Magistratura ordinária na débil e quasemarginal ‘sobrevivente’ de outros tempos.

Ele cita Lawrence Friedman que fala no “resto dopassado”. E, realmente, se comparado o Judiciário francês atualcom os Parlamentos do Ancien Régime tanto um quanto outroautor tem razão (CAPPELETTI, 1999).

Contrapondo-se ao juiz Judiciário, que tem de decidiratrelado à lei, o juiz da área administrativa é favorecido pelo fatode ser o Direito Administrativo “fundamentalmente um Direitojurisprudencial”, conforme expressão de CHAPUS (1998:6), oque o faz um juiz no sentido mais perfeito da palavra, que é o deum verdadeiro “criador do Direito”.

5.5. SISTEMA COLEGIADO

De todos os órgãos jurisdicionais mencionados, cujonúmero excede a 30, somente os Tribunais de Instância e osJuízes Juvenis trabalham no sistema de juiz único. Na Françaconsidera-se que toda decisão colegiada tem mais chance deser a decisão acertada. Essa tese é levada às últimasconsequências e chega a criar resistência em muitos quando setrata dos Tribunais de Instância e se pretende que os juízes dosTribunais de Grande Instância possam trabalhar no sistema dejuiz único. As necessidades atuais de simplificação, agilidade ebaixo custo financeiro têm trabalhado contra o colegiado.

5.6. ESPECIALIZAÇÃO

A existência de um tão grande número de tribunaisdemonstra como a especialização é considerada importante naFrança. Começando pela grande divisão entre Justiça Judiciáriae Justiça Administrativa, cada qual com, digamos, a metade dacompetência geral dos processos, veem-se, ainda, tribunaisaltamente especializados como o de Conflitos, dos Processosde Seguridade Social, de Incapacidade, de ArrendamentosRurais, Marítimos Comerciais, Juvenis, do Júri Juvenil, os váriosTribunais Militares em tempo de paz e de guerra, a Corte deJustiça da República e a Alta Corte de Justiça, além da CorteConstitucional. A existência do “generalista” no Judiciário fica

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somente por conta dos juízes dos Tribunais de Grande Instância,a quem compete uma grande quantidade de funções nospequenos Tribunais.

5.7. UNIDADE DOS CORPOS JUDICIÁRIOS

A Ordenança 58.1270 de 22 de dezembro de 1958,modificada recentemente, reafirma a unidade dos corposJudiciários, que compreende os juízes e membros do MinistérioPúblico. Estas duas carreiras constituem ramificações daMagistratura, com tanta ligação entre si que, quando se refereao número de juízes e de membros do Parquet, poucos sabemexatamente quantos membros há em cada categoria,mencionando-se apenas o número total de magistrados.

A unidade aqui estudada começa pelo concursopromovido pela Escola Nacional da Magistratura, o mesmo paraas duas carreiras, posteriormente seguido pelo estágio na referidaEscola. Deferidos seus requerimentos, os profissionais das duascarreiras podem passar de uma para a outra carreira.

Quanto ao início da carreira de juiz e membro doMinistério Público, Michel Joubrel e Raymond Lévy dão algumasinformações interessantes e entrelaçando-se os dados que cadaum deles fornece, tem-se que, ao final do estágio na Escola, osauditores de justiça poderão ser nomeados para um cargo dejuiz ou membro do Parquet. Entre si podem combinar a escolhados cargos vagos de juízes e representantes do Parquet,preenchendo-os sem maiores dificuldades; caso não haja estetipo de entendimento, cada auditor procede a sua escolha parao cargo de juiz ou membro do Parquet dentro da lista de cargosvagos e conforme suas notas durante o curso. O auditor poderálevar em conta uma determinada região do país e, neste caso,para ele pouco importará que o cargo seja o de juiz ou membrodo Parquet. Ele pode querer exercer um dos dois cargos e

aceitar ser nomeado para uma região qualquer, mesmo quedistante da sua. Havendo mais de um interessado para o mesmocargo, tem preferência aquele que obteve melhor classificaçãodurante o curso.

Posteriormente, os magistrados podem mudar de cargo,de uma especialidade para outra, desde que lhes interesse. Destasituação resulta, geralmente, um entrosamento muito grande entreas duas categorias, com resultados geralmente salutares para aboa solução dos processos, mas seus detratores alegam que odiálogo é excessivo, e gerando a desigualdade de tratamentoem relação aos advogados.

Conforme diz Nicole Obrégo (Internet):“Na França nós conhecemos, no que concerne

à administração das jurisdições aquilo que nóschamamos ́ a diarquia’, ou seja, o presidente (juiz) e oprocurador (representante do Ministério Público)administram juntos seu Tribunal e, ao nível de Cortede Apelação, um texto em preparação tende aconcretizar essa regra fazendo do primeiro presidentee do procurador geral os administradores conjuntosde sua Corte com a ajuda de um serviço administrativocolocado sob sua autoridade”.

5.8. DICOTOMIA JUSTIÇA JUDICIÁRIA – JUSTIÇAADMINISTRATIVA

DUVERGER (1996:425) esclarece que:Quanto à Justiça administrativa, chama a atenção o

fato de o presidente do Conselho de Estado ser o Primeiro-Ministro, tendo como substituto o Ministro da Justiça e, osmembros da Justiça administrativa não serem juízes, massimples funcionários públicos, sem a garantia constitucionalda inamovibilidade.

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Embora a estrutura do Conselho de Estado possa dar aentender certa dependência em relação ao Executivo e aoLegislativo, DE VILLIERS (1998: 41) atribui-lhe uma“independência incontestável e reconhecida”, dizendo que oConselho Constitucional tem os mesmos benefíciosconstitucionais do art. 64 da Constituição francesa.

E, mais, a divisão entre julgadores de uma área e deoutra, é criticada por alguns, ainda mais que os da áreaadministrativa têm vantagens financeiras superiores aos doJudiciário. A Constituição em vigor dá como atribuição do juizJudiciário (homólogo do administrativo) atributo de guardião das“liberdades individuais” (Direito Privado), com impedimentoimplícito de ingerência na área de competência da Administração(Direito Público). A separação entre as duas Justiças é absoluta.Os juízes administrativos, sempre favorecidos pelaAdministração, são mais bem remunerados que seus colegas daJustiça Judiciária.

5.9. HIERARQUIZAÇÃO

Comecemos pela cogência da jurisprudência da Cortede Cassação e do Conselho de Estado, respectivamente cortessupremas das áreas Judiciária e administrativa, em relação àscortes de 2ª instância e destas em relação aos tribunais de 1ªinstância. Na França, de fato, a ideia da “jurisprudênciavinculante” é uma realidade, pois os juízes não contrariam osentendimentos jurisprudenciais dos órgãos que lhes são superiorese, uma vez editada a jurisprudência, passa a ter força de lei paraos órgãos Judiciários inferiores.

Quanto ao aspecto administrativo, tudo começa com aseparação estabelecida entre os auditores de justiça (aprovadosem concurso e que seguem o curso de 27 ou de 31 meses daEscola Nacional da Magistratura) e os juízes, inclusive com

diferença gritante de vencimentos, pois, durante o curso, oauditor de justiça recebe quase a metade dos vencimentos dojuiz principiante.

Após a nomeação, continua uma situação dehierarquização exagerada. Os inúmeros graus diferenciamprofissionais que deveriam receber o mesmo tratamento e amesma remuneração. A tabela de vencimentos líquidos em 1º deabril de 1999 mostra a diferença entre o que ganha um auditorde justiça (aluno da ENM, nível 355, ou seja, 1.380 EUR, emrelação a um conselheiro da Corte de Cassação: 5.790 EUR(nível B3), estando abaixo deste último, em escala decrescenteos níveis: B2 – 36.031,26; B1/A3 – 5.270 EUR; A2 – 5.010EUR; Al – 4.820 EUR; 852 – 4.670 EUR; 819 – 4.490 EUR;807 – 4.420 EUR; 781 – 4.280 EUR; 732 – 4.010 EUR; 694– 3.800 EUR; 656 – 3.600 EUR; 617 – 3.380 EUR; 580 –3.180 EUR; 544 – 2.980 EUR; 494 – 2.710 EUR; 450 – 2.470EUR. (Verifica-se que o auditor de justiça recebe, durante seus31 meses de curso, apenas 55% do vencimento que receberáquando for nomeado juiz ou membro do Parquet, o que é muitopouco principalmente para aqueles que já são casados, gerandodescontentamento contra o esquema em vigor).

O ingresso de juízes diretamente nas Cortes de Apelação,por exemplo, é questionado por aqueles que ingressaram nacarreira pelo caminho longo da ENM quando tinham 27 anosde idade ou menos, geralmente com pouco futuro na carreira. E,pior ainda, a subordinação ao Ministério da Justiça, órgão políticoque, por mais isenção que tenha e por mais que seja cobradopela opinião pública (que é muito poderosa na França), prejudicaseriamente a independência do Judiciário.

A propósito, esta hierarquização à moda militar foiintroduzida por Napoleão Bonaparte com o objetivo de controlarmelhor o Judiciário, cassando-lhe sua independência. Citemoscomo exemplo a situação de enorme superioridade dos

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presidentes de Tribunais de Grande Instância, de Cortes deApelação e da Corte de Cassação (inclusive com funçãofiscalizadora) sobre seus colegas presidentes de câmaras, e destesem relação aos demais membros dos respectivos tribunais.

DUVERGER (1996:428) mostra uma realidade doJudiciário francês:

Os magistrados da ordem Judiciária sãoindependentes no sentido de que eles são escolhidos atravésde um concurso difícil para admissão na Escola Nacionalda Magistratura cuja banca procura selecionar os candidatoscom base em critério mais objetivo possível. Eles sãoinamovíveis, ou seja, eles não podem ser removidos ouexonerados sem a concordância do Conselho Superior daMagistratura. Sua progressão funcional, no entantocomporta numerosos graus hierárquicos e dependelargamente do Executivo, o que limita sua independência.

5.10. GESTÃO ATRAVÉS DE ASSEMBLEIA

Os Tribunais de Grande Instância, as Cortes de Apelaçãoe a Corte de Cassação têm, cada um, cinco assembleias: umaassembleia plena dos juízes, procurador e funcionários cartorários,uma assembleia de juízes e do Ministério Público, uma assembleiados juízes, uma assembleia dos membros do Parquet e umaassembleia dos funcionários cartorários. Este sistema deassembleias existe também em outros Tribunais, como os Tribunaisde Comércio. A intenção é criar uma mentalidade grupal paramelhor entrosamento e produtividade. Cada uma dessasassembleias pode emitir normas para cumprimento por aquelesque são seus aderentes, além de funcionar como órgão consultivoe nomear pessoas para determinadas funções especializadas.

5.11. CORTES SUPREMAS: ÓRGÃOSCONSULTIVOS

A Corte de Cassação, além de órgão Judiciário, éconsultiva, conforme diz KERNALEGUEN (1999:161):

... “as jurisdições de ordem Judiciária podem solicitaro parecer da Corte de Cassação, quando são acionadas pordemandas e, tratando-se de uma questão nova de Direito,apresente uma dificuldade séria e alegada em vários processos.Embora o parecer não obrigue, a jurisdição solicitante, oparecer tem uma autoridade moral que lhe dá credibilidade”.

Vedada consulta em matéria penal, o Conselho de Estadotambém tem uma função consultiva, além da função jurisdicional.

5.12. CORTES SUPREMAS: OS JUÍZES

Comparando as Cortes Supremas dos Estados Unidose do Canadá com as duas francesas (Corte de Cassação eConselho de Estado), CAPPELLETTI (1999:117/120) diz queas primeiras, que têm apenas nove membros, decidem de formamais unificada e, por isso, conseguem muito maiorrespeitabilidade que as francesas (além das alemãs e italianas),que, pelo fato de terem um número muito maior de membros, sedividem em câmaras, o que acaba gerando “o enfraquecimentoda própria autoridade dos tribunais, dos magistrados singularesque os integram e de suas decisões”.

Observa-se que a Corte de Cassação tem 87Conselheiros e o Conselho de Estado cerca de 270 Conselheirosnem todos desempenhando funções jurisdicionais.

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5.13. CORTES SUPREMAS: PROCESSOS

Também CAPPELLETTI (1999:117/120) é quemobserva o número excessivo de recursos que chegam às CortesSupremas francesas, gerando, naturalmente, decréscimo daqualidade dos arestos, não se podendo esquecer que a finalidadedessas Cortes é, basicamente, de balizar o Direito e não funcionarcomo mais uma instância.

5.14. MAGISTRADOS FORA DA MAGISTRATURA

Outra característica do Judiciário francês é a existência demagistrados (atualmente 166) que atuam diretamente no Ministérioda Justiça na elaboração das políticas Judiciárias e preparação detextos Legislativos ou regulamentares, além de exercerem atribuiçõesde gestão e administração em geral. Outros são “destacados” paraexercerem funções em diferentes Ministérios, órgãos administrativos,organismos públicos ou instituições internacionais (aproximadamente269 magistrados), como, por exemplo, Comissão Nacional deInformática e Liberdades, Comissão das Operações da Bolsa,Sociedade Nacional de Ferrovia Francesa, DelegaçãoInterministerial do Município, Escola Nacional da Magistratura,Tesouro Público, Secretaria Geral do Governo, Comissão dasComunidades Europeias, Corte de Justiça das ComunidadesEuropeias etc. A justificativa para isso é a abertura daMagistratura para o mundo exterior.

5.15. SENTENÇAS CONCISAS

ALMEIDA (1998:57) é preciso quando afirma que:“As sentenças francesas são tendencialmente

curtas e concisas. A matéria de facto é resumida. Comoregra, cada uma das frases começa pela palavra

“attendu” (considerando), o que confere ao texto certoparalelismo monótono. A fundamentação legal ésempre indicada. Em comparação com as sentençasportuguesas e alemãs, são em menor número asmenções jurisprudenciais e são raras as citaçõesdoutrinárias, Não há votos de vencidos”.

5.16. “EM NOME DO POVO FRANCÊS”

Em um texto de Claude Hanoteau lê-se que “Em nomedo povo francês, o magistrado faz justiça para aqueles e aquelasque comparecem diante dele”. As manifestações das autoridadesfrancesas são todas, aliás, ditas dessa forma.

5.17. ANIMOSIDADE CONTRA A “CIÊNCIA”PROCESSUAL

A maioria dos juristas franceses entende que o Processose resume a procedimento, não merecendo o status de ciência.VINCENT e GUINCHARD (1996), mostram o conceito emque se tem geralmente o Processo Civil na França:

O Procedimento Civil, alguns preferem falarDireito Judiciário Privado, é um pouco a criançaproblema da família jurídica, ou, em todo caso, o quenão tem sempre boa reputação: disciplina árida ecomplexa, ela seria apanágio dos advogadosmesquinhos, daqueles de quem se diz que utilizamprecisamente todas as armas do procedimento porquesua causa é sem razão.

Assim, trata-se o Direito do Processo como meroProcedimento. A justificativa dada é a experiência vivida com a

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valorização excessiva do Processo no começo do século, quegerou o abuso, a chicana...

Os Códigos de Processo franceses não são dos maistécnicos que existem. O “processualismo”, no entanto, é umacoisa ultrapassada até na própria Itália, conforme palavras deCAPPELLETTI (1999:13):

“O nexo entre processo e Direito substancial,que as últimas gerações do processualismo italianoestão redescobrindo, depois de descurado por longotempo em virtude da ‘excessivamente aclamadaautonomia da ação e da relação processual’...”

5.18. ESTATUTO DA MAGISTRATURA

Dispensamo-nos de transcrever os textos legais quecompõem o Estatuto para, em lugar disso, falarmos sobre seuconteúdo em vários pontos deste livro. O Estatuto é compostode vários diplomas legais geralmente classificados em:

– disposições legislativas (emanadas do CongressoNacional):

Ordenança 58-1270 de 22/12/1958, modificada,instituiu a Lei Orgânica relativa ao Estatuto da Magistratura; LeiOrgânica 70-642 de 17/07/1970, modificada, relativa ao Estatutoda Magistratura. Contém disposições relativas ao recrutamentode magistrados a título temporário; – Lei Orgânica 86-1303 de23/12/1916, relativa à manutenção em atividade dos magistradosfora de hierarquia da Corte de Cassação; – Lei Orgânica 88-23de 07/01/1988, modificada, mantém em atividade magistradosde Cortes de Apelação e Tribunais de Grande Instância; – LeiOrgânica 95-64 de 19/01/1995 modificando a Ordenança 58-1270 de 22/12/1958, relativa ao Estatuto da Magistratura,instituindo o recrutamento de conselheiros de Corte de Apelaçãoem serviço extraordinário;

– disposições regulamentares (editadas pelo Executivo):Decreto de 11/01/1935, modificado, proíbe aos

magistrados toda manifestação em seu próprio favor; – Art. 42do Decreto 61-78, relativo à aplicação aos magistrados do antigoquadro da França Ultramarina da Ordenança 58-1170 de 22/12/1958 instituindo Lei Orgânica relativa ao Estatuto daMagistratura; – Decreto 93-11 de 07/01/1993, tomado pelaaplicação da Ordenança 58-1270 de 22/12/1958, modificado,instituindo Lei Orgânica relativa ao Estatuto da Magistratura; –Decreto 93-545 de 26/03/1993, tomado pela aplicação dosartigos 40-5 e 41-7 da Ordenança 58-1270 de 22/12/1958,instituindo Lei Orgânica relativa ao Estatuto da Magistratura; –Decreto 93-549 de 26/03/1993, tomado pela aplicação do art.76-3 da Ordenança 58-1270 de 22/12/1958, modificada,instituindo Lei Orgânica relativa ao Estatuto da Magistratura; –Decreto 96.214 de 19/03/1996 tomado pela aplicação dos arts.3° a 5° da Lei Orgânica 95-64 de 19 de janeiro de 1995.

Essas leis (em sentido amplo) regulam a vida dos juízese membros do Ministério Público de forma bastante detalhada.Encontra-se em andamento uma reforma do estatuto, cujoanteprojeto vem sendo analisado e criticado principalmente pelossindicatos de magistrados, sendo alguns pontos aplaudidos pelosjuízes, como modificação no desenvolvimento da carreira dosjuízes. Esta será similar àquela dos magistrados de ordemadministrativa; a unificação do grau de progressão, pela fusãodo primeiro e do segundo grupo, permitindo uma aceleração daprogressão da carreira e possibilidade de promoção a partir desete anos em atividade, ao invés dos dez anos atuais.

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5.19. CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA:CONTROLE EXTERNO

O Conselho Superior da Magistratura é um órgãoimportantíssimo na estrutura da Magistratura francesa. Esse“controle externo” é considerado excelente para os magistrados(juízes e membros do Ministério Público), muito melhor do queanteriormente, quando a intervenção do Executivo se faziadiretamente na vida funcional do magistrado. Pretendem osmagistrados que o Conselho Superior da Magistratura sejafortalecido, mesmo com a participação de pessoas que não sejammagistrados de carreira.

O Conselho possui duas formações distintas: uma paraos juízes e outra para os membros do Ministério Público.

A própria Constituição, no seu art. 65, é clara: OConselho Superior da Magistratura é presidido pelo Presidenteda República. O Ministro da Justiça é seu vice-presidente deDireito. Ele pode substituir o Presidente da República. Além doPresidente da República, e do Ministro da Justiça o conselho écomposto de cinco juízes e um membro do Ministério Público,um conselheiro de Estado designado pelo referido Conselho detrabalho, e três pessoas que não pertençam nem à AssembleiaNacional nem ao Senado e nem à ordem Judiciária, designadasrespectivamente pelo Presidente da República, pelo Presidenteda Assembleia Nacional e pelo Presidente do Senado. Essaformação propõe as nomeações dos conselheiros da Corte deCassação, para aquelas de primeiro presidente de Corte deApelação e para aquelas de presidente de Tribunal de GrandeInstância. Os outros juízes são nomeados sob seu parecerfavorável. Ela estatui como conselho de disciplina dos juízes,sendo presidida pelo primeiro presidente da Corte de Cassação.

A formação do Conselho Superior da Magistratura emrelação aos membros do Ministério Público dá seu parecer para as

nomeações referentes aos membros do Ministério Público, comexceção dos cargos providos por ordem do Conselho de Ministros.Ela dá seu parecer sobre as sanções disciplinares referentes aosmembros do Ministério Público. Esta formação compõe-se doPresidente da República, o Ministro da Justiça, cinco membros doMinistério Público, um juiz, um conselheiro de Estado designado, emais três personalidades mencionadas na alínea precedente.

Em ambas as formações, o Conselho é constituído desete Magistrados e cinco membros ligados diretamente à classepolítica. Lei orgânica regulamenta a matéria.

As normas que dispõem sobre a estrutura e o funciona-mento do Conselho encontram-se se complementando em:

Disposições legislativas: – Lei Orgânica 94-100 de 05/02/1994 sobre o Conselho Superior da Magistratura; – Art. 38da Lei de 29/07/1881, modificada, sobre a liberdade deimprensa;

Disposições regulamentares: – Decreto 94-199 de 09/03/1994 relativo ao Conselho Superior da Magistratura.

5.20. ACESSO À JUSTIÇA E AO DIREITO (14)

Elisabeth Guigou, ex-ministra da Justiça da França, emdiscurso proferido em 2 de abril de 1998 na Sorbonne, tratoudo “acesso à Justiça, acesso ao Direito”, expondo todo o ideárioda Magistratura francesa sobre o assunto, que pode ser resumidonestes pontos: – o acesso ao Direito constitui um Direitofundamental dos cidadãos, que deve ser inscrito em uma políticapública; – é necessária a evolução cultural dos profissionais doDireito; – para a solução dos litígios devem ser priorizados osacordos. Grandes metas a alcançar: a Justiça francesa vemprocurando facilitar aos cidadãos o conhecimento das leis, coma distribuição de folhetos explicativos em linguagem simples, afacilidade para o ajuizamento de demandas, (com o alargamento

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da competência dos Tribunais de Instância, em que oprocedimento é mais simples e mais ágil, além de outras formasda chamada “Justiça de Proximidade”), vem procurandoconscientizar os “homens da Justiça” sobre a necessidade de seengajarem nessa mentalidade nova de simplificação e praticidade,e procurando fazer entender a todos que as “soluções amigáveis”são as verdadeiras soluções, além de que o incentivo àconciliação, à arbitragem e à mediação têm sido uma constante,sem falar na Lei n° 91-647 de 10 de julho de 1991, que trata dachamada “ajuda jurídica” sob os dois aspectos da ajudajurisdicional (gratuidade total ou parcial nos processos) e ajudaao acesso ao Direito (consulta e assistência aos procedimentosnão jurisdicionais como conciliação e mediação).

Quanto à assistência Judiciária pode-se dizer o seguinte:– para ser concedida é necessário que o interessado a

requeira, para tanto preenchendo formulário próprio;– comprovando insuficiência de recursos próprios e que

o mérito da demanda lhe é em tese favorável;– os profissionais que vão atuar no processo recebem

remuneração do Estado;– quem decide sobre os pedidos de gratuidade são os

Escritórios de Ajuda Judiciária, que existem onde há Tribunaisde Grande Instância, os quais são rigorosos na análise dospedidos;

– as pessoas jurídicas de fins não lucrativos podem pedirgratuidade.

Em 1998 foram deferidos 703.746 pedidos deassistência Judiciária, sendo 424.414 nos processos civis ouadministrativos, e 279.332 nos processos criminais. Incrementa-se na França a chamada “ajuda ao acesso ao Direito”, que oMinistério da Justiça conceitua assim:

“Trata-se de uma ajuda à consulta jurídicaassegurada por um serviço de ajuda que permite obterinformações sobre a extensão dos Direitos e dasobrigações, conselhos sobre os meios de fazer valer osDireitos e uma assistência em via de estabelecimentode um ato jurídico ou uma assistência diante dascomissões não jurisdicionais”.

Entre as inovações que pretendem viabilizar o acesso àJustiça e ao Direito podemos citar as Casas da Justiça e doDireito. A informação a que tivemos acesso sobre o assunto foiveiculada pelo Ministério da Justiça francês no seu site jurídicona Internet, que transcrevemos, traduzido:

“Uma justiça de proximidade.As dificuldades de acesso ao Direito, o

desconhecimento dos Direitos, o crescimento dapequena delinquência suscitam, da parte da população,expectativas às quais a instituição Judiciária develevar respostas adaptadas ao contexto local. Odistanciamento dos locais de justiça de certos bairros(os tribunais de grande instância, ao mesmo título queo conjunto dos serviços públicos) é frequentementenotado como uma ausência do Direito, ele próprio.Inscrevendo-se em uma política geral de aproximaçãodos serviços do Estado e dos cidadãos, as Casas daJustiça e do Direito instauram modos novos defuncionamento que fazem a justiça mais acessível, maisrápida e mais compreensível. Suas missões foramtraçadas pela lei de 18 de dezembro de 1998 (art. 21),relativa ao acesso ao Direito e à solução amigável dosconflitos.

Acesso ao Direito, resposta à pequenadelinquência.

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Afora a coordenação da intervenção Judiciáriasobre uma comunidade e o reforço da participaçãoentre magistrados, eleitos, professores, policiais,associações e assistentes sociais, a implantação de umaCasa de Justiça visa objetivos precisos: responder, demaneira adaptada, à pequena delinquência cotidiana(mediação penal, acompanhamento das penas, etc.);responder aos pequenos litígios de ordem civil(problemas de vizinhança, familiares, etc.); permitir oacolhimento, a ajuda e a informação do público e,notadamente, proteção das vítimas.

Quem intervém nas Casas de Justiça e doDireito e por quais serviços?

O funcionamento de uma Casa de Justiça e do Direitosupõe a constituição de uma equipe que compreende:

– chefes de jurisdição (presidentes de Tribunaise representantes do Ministério Público) responsáveispela estrutura, organização, funcionamento, ligaçõescom a classe política e outros participantes;

– magistrados que podem determinar locais defuncionamento das Casas;

– um escrivão que assegura o acolhimento, osecretariado e a sequência dos processos;

– assistentes sociais que realizam investigaçõesrápidas, mediações e asseguram os controles Judiciáriossob o comando da autoridade Judiciária;

– um educador da Proteção Judiciária daJuventude, que assegura a continuidade educativa dosadolescentes e as medidas de reparação;

– um agente de provas, que assegura ocumprimento das penas e a ajuda aos egressos da prisão;

– um conciliador, que concretiza determinadoslitígios civis; um representante de uma associação de

ajuda às vítimas, que assegura locais de permanênciade acolhimento;

– advogados que aconselham e orientam comconsultas jurídicas gratuitas.

Certas Casas de Justiça e do Direitodesenvolveram atividades e serviços complementarese inovadores: mediação familiar, permanênciasassociativas...

Quais são as condições para criação de umaCasa de Justiça e do Direito?

A Casa da Justiça e do. Direito é um lugar dejustiça colocado sob a autoridade dos chefes dejurisdição. A decisão da implantação nasce de umavontade conjunta: um acordo preliminar associa osmagistrados, os serviços exteriores da ProteçãoJudiciária da Juventude e a Administração Peniten-ciária, a Ordem dos Advogados, as associações deajuda às vítimas e de mediação, os eleitos locais e ovice-prefeito da cidade. O projeto de convênio tem deser validade pelo Ministério da Justiça. Sua assinaturaengaja as autoridades Judiciárias, o prefeito e uma ouvárias comunidades locais.

O Secretariado-Geral para a Política daCidade colocado ao lado do diretor dos processoscriminais e das graças do Ministério da Justiça,assegura a instrução dos pedidos de instalação dasCasas da Justiça e do Direito e a coerência dos projetosao plano nacional.

Como são financiadas as Casas da Justiça edo Direito?

A comunidade local coloca espaços àdisposição, assumindo os encargos materiais (comprade mobiliário, instalação telefônica) e os encargos de

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funcionamento normal (aquecimento, eletricidade, ...).O Estado assume os encargos financeiros dosmagistrados e funcionários da Justiça, remunera asinvestigações rápidas e mediações e subvenciona certasassociações e o Ministério de Justiça destina-lhe umasubvenção de 50.000 F, geralmente destinada aoequipamento informático.

A ajuda ao acesso ao Direito não foi bem sucedida, apesardos esforços governamentais, pois, entrada em vigor a lei de 1991,existem Conselhos Departamentais somente em 14 dos 100departamentos, o que é muito pouco ainda. Há, no entanto, quemseja otimista, como é o caso de IMBERT-QUARETTA(POUVOIR: 74) que assim se expressa sobre a tendência paraa simplificação do relacionamento jurisdicionado-juiz:

“Cada vez mais o acesso à justiça se confundecom o acesso imediato ao juiz. [...] Nada denecessidade de intermediário para levar um processodiante desses magistrados novos; nada de necessidadede formalismo: na maioria dos casos, uma carta comaviso de recebimento é suficiente”.

5.21. NOBREZA DE TOGA

Desde os primeiros tempos de sua existência na Françaos juízes são membros de sua elite social. No início eram homensdesignados pelos senhores feudais para oficiarem dentro de seusdomínios. Depois, passaram a ser os homens ricos, quecompravam ou herdavam o cargo de juiz e atualmente, conformediz BOIGEOL (1995).

“Os magistrados franceses geralmenteprocedem das classes sociais mais elevadas: daburguesia industrial ou alta função pública”.

5.22. DIREITOS HUMANOS

O art. 6-1 da Convenção Europeia de Salvaguarda dosDireitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (publicadana França pelo Decreto 74-360 de 3 de maio de 1974) trata devários temas sob a rubrica “o Direito a um processo justo”: prazorazoável de duração do processo; publicidade dos atosprocessuais, inclusive o julgamento; Tribunal independente eimparcial; e, na área penal: presunção de inocência; informaçãodetalhada sobre a imputação; concessão de tempo necessáriopara preparação da defesa; ser assistido gratuitamente poradvogado, se for pobre; poder arrolar testemunhas; ser assistidopor intérprete, caso não fale o francês. Quanto ao prazo razoáveleste não é fixado com rigor, pois se leva em conta a complexidadede cada causa e a conduta das partes, o que faz acelerar ouretardar o andamento do processo. Em matéria penal as normasda referida Convenção são ainda mais exigidas dos juízes.

A pressão internacional é muito forte, como, por exemplo,se vê pela leitura do Relatório de uma Missão Internacional deInquérito, Federação Internacional das Ligas dos Direitos doHomem, que, em época recente, compareceu à França paraverificar se a legislação antiterrorista francesa é adequada àsregras acima, no que diz respeito à detenção provisória e aoexercício do Direito de defesa, concluindo pela negativa.

5.23. PRESENÇA DO JUIZ DE INSTRUÇÃO NA FASEINVESTIGATÓRIA DO PROCESSO PENAL

Vejamos o caso de infração penal de ação pública.Tomando o representante do Parquet conhecimento de umainfração penal de ação pública, tem ele três opções:

– Inicia a ação penal;– Determina à polícia a abertura de investigação;

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– Arquiva a informação que lhe chegou às mãos.A vítima pode constituir-se em assistente de acusação e

dar início à ação penal.Para iniciar a ação penal o Ministério Público tem quatro

opções:– determina o comparecimento imediato do acusado,

para casos de delito em que a pena máxima é de sete anos deprisão, caso seja certa a autoria da infração, podendo o Tribunaldeterminar a detenção provisória;

– convoca o acusado a comparecer espontaneamente auma audiência do Tribunal Correcional a convite da polícia;

– manda citar diretamente o acusado, sendo a citaçãoentregue por Oficial de Justiça;

– em caso complexo de crime, instaura uma informaçãoJudiciária, tendo um juiz de instrução (escolhido pelo presidentedo TGI) como presidente da investigação, o qual é assessoradopela polícia. Ao final da investigação, o juiz de instrução opinapelo arquivamento ou pelo início da ação penal.

ROSA (1975) dá algumas informações sobre o Juizadode Instrução como:

Procedimento autônomo e não judicial,destinado a obter provas ‘definitivas’ da autoria e damaterialidade da infração penal.

Noronha (1989:23), trata do assunto:“Não se negam as vantagens deste (juizado de

instrução), proporcionando ao magistrado apreciar aovivo e com presteza os elementos delituosos, e aoindiciado maiores garantias”.

Pode-se dizer, no entanto, que o juiz de instrução é ojuiz mais poderoso que se possa imaginar, pois, uma vez colhidaspor ele as provas da autoria e da materialidade de uma infraçãopenal essas provas são, como diz Rosa (1975), ‘definitivas’ paraa ação penal, além, é claro, dos poderes que ele tem de investigar

amplamente e prender com a mesma facilidade, o que costumagerar muita polêmica.

5.24. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ERESPONSABILIDADE REGRESSIVA DOS JUÍZES

CAPPELLETTI diz que:Na França foi introduzido o que se pode

considerar um sistema de seguro social (estatal) contraos riscos de mau funcionamento que os cidadãospodem encontrar quando utilizam a máquinaJudiciária, [...] salvo ação regressiva, total ou parcialcontra o juiz, o Estado assume sua própriaresponsabilidade em lugar de seus funcionários, e ditaresponsabilidade tende a representar séria realidade,ao invés da ficção ou burla que ocorria em temposanteriores, como na França até a reforma dos anos70.(CAPPELETTI, 1999: 69/70).

5.25. DESCONFIANÇA EM RELAÇÃO AOS JUÍZES

“Tanto quanto você, eu acredito que a Justiçaé uma coisa importante demais para ser aplicada porjuízes”.

A frase de Josée Blanchette retrata bem o pensamentode muitos franceses.

Com o advento da Revolução Francesa e após umperíodo de grande prestígio dos Parlamentos, como vimos noestudo da história do Judiciário francês, o legislador, salvoraríssimas exceções, sempre foi muito severo com os juízes,procurando restringi-los a meros funcionários públicos, sob ocontrole permanente e rigoroso do Legislativo e do Executivo,situação que perdura há mais de 200 anos.

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DUVERGER esclarece que:“O princípio de separação entre as autoridades

administrativas e Judiciárias, adveio durante a Revolução de1789 em consequência dos excessos cometidos nas jurisdiçõesdo antigo regime, resultando na criação de duas ordens dejurisdição”. (1996: 425).

Nota-se certo receio de que o Judiciário se torne forte osuficiente para reeditar os incidentes dos Parlamentos do AntigoRegime.

O Judiciário, sem ser um “poder” na pátria deMontesquieu, tem os juízes submetidos a uma hierarquizaçãoasfixiante e divididos entre juízes Judiciários e juízesadministrativos (com grande vantagem para os últimos), comascensão funcional controlada pelo Conselho Superior daMagistratura (onde há poucos magistrados) e submetido aoMinistério da Justiça é, ainda, por muitos pressionado, que oreputam “sem legitimidade”. Estes querem votar para escolheros juízes ou então que eles aceitem ser meros “funcionáriospúblicos “ ... Somente uma parte da população e alguns políticosmais simpáticos ao Judiciário saem a campo, além dos própriosjuízes, em defesa da independência do Judiciário e do seureconhecimento como terceiro poder. Até Montesquieu éinterpretado como defensor da tese de que o Judiciário não éum “poder”, como vimos anteriormente. Esta desconfiançaparece encontrar raízes no papel preponderante que osParlamentos do Antigo Regime (principalmente o de Paris) tiveramna deflagração da Revolução Francesa ... isso reforçado pelacrença das pessoas de que só pode exercer o poder quem éescolhido pelo voto... Mas essa desconfiança vem de longe: noentendimento de Colbert, exposto na sua Dissertação de 1665:

“Os magistrados da ordem Judiciáriarepresentam frente ao rei um poder contrárioinfinitamente mais perigoso que os oficiais das Águas

e florestas, os homens do mar ou os negociantes”.(LEBIGRE, 1995:230).

A famosa historiadora do Direito francês termina comuma afirmação grave:

“Em todos os tempos os franceses desconfiamde sua justiça. Mais ou menos, segundo a época”.

Esta desconfiança atinge também a Justiça administrativa:DAVID (1996: 69/70) diz que:

“... os tribunais administrativos, na França,não se reconhecem com o poder de dar ordens àadministração; eles se limitam a anular os atos ilegaisexecutados, e a reconhecer o Direito dos particularesde receberem uma indenização. Por outro lado, alentidão da justiça administrativa e a dificuldade defazer executar as decisões tomadas pelos tribunaisadministrativos frequentemente enfraquecem aeficácia do Direito administrativo”.

Na França a desconfiança se transforma em atosconcretos dos governantes do momento, como vimos na históriado Judiciário. Mudado o regime político, trocam-se os juízes,dentro da assim chamada depuração da Magistratura. Vejamoso que diz BRAUNSCHWEIG sobre o assunto:

“Eliminar magistrados que não simpatizamcom suas opiniões, sua conduta sob o regime precedentee sua adesão ao mesmo, substituindo-os por homensque tenham a confiança dos novos dirigentes, podesinalizar no sentido que as depurações dosmonarquistas ou republicanos se assemelharam e queem geral cada uma constituiu simplesmente umaoperação de revanche com relação a precedente”.

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5.26. PARTICIPAÇÃO FEMININA

O número de magistradas (juízes e membros do MinistérioPúblico) aumenta a cada dia, correspondendo a mais de 65%do total, somando 5.260 de um total de 8.068. Na época daprimeira edição deste livro, ou seja, em 2001, o número demagistradas era de menos de 50%, mas a crescente feminização,no meu entender, demonstra o desinteresse dos homens em sermagistrados da Justiça Judiciária, preferindo outras áreas,inclusive a Justiça Administrativa e a advocacia.

5.27. DEMANDA REPRIMIDA

Esta realidade não é somente francesa, mas dos tribunaisde qualquer país do mundo. A procura crescente dosjurisdicionados para soluções da Justiça é um fenômeno curioso,pois, ao mesmo tempo em que muitos duvidam das soluçõesJudiciárias, a Justiça é procurada na busca de uma resposta paraos problemas mais graves. Esse volume de demandas gera adificuldade em se dar uma resposta rápida.

KERNALEGUEN (1999:163), afirma que:“... o número de processos recebidos é

constantemente superior ao número de processosjulgados. Desde 1982, o estoque de processos restantesa julgar cresceu em proporções inquietantes”.

Depois de ter dito que em 1996 a Corte de Cassaçãojulgou 26.000 recursos, em nota, na mesma página, dá osnúmeros de processos recebidos pela Corte: de 17.856 em 1982a 34.942 em 1992 e 38.452 em 1997.

PERROT (1995), no seu discurso sobre O Processo CivilFrancês na véspera do século XXI (traduzido por José CarlosBarbosa Moreira), reconhece o aumento avassalador do número

de demandas, dá explicações para o fenômeno e afirma que asolução é a reforma processual para se acelerar os processos,que leve em conta o considerável desenvolvimento da litigiosidade.

O acontecimento processual marcante deste último meioséculo terá sido sem dúvida, e não só na França, o considerávelaumento da massa litigiosa. Foi esse dado primeiro que pesoumuito fundo nas transformações do processo civil francês.

O desenvolvimento quantitativo: Quando se evocatal problema, logo se pensa no crescimento quantitativodo volume das causas. As demandas apresentadas nostribunais multiplicam-se em condições inquietantes. NaFrança, foi possível verificar que, no espaço de vinteanos, o número de causas triplicou, e por motivosfáceis de compreender. Numa sociedade que evoluirapidamente, as leis sucedem-se em ritmo acelerado efatalmente geram um contencioso mais abundante,tanto mais quanto os nossos contemporâneos, maisbem informados de seus Direitos do que no séculopassado, já não hesitam em dirigir-se aos tribunaisante a menor dificuldade e, se necessário, percorrendotodos os degraus da hierarquia Judiciária, desde o juizde primeiro grau até a Corte de Cassação. Mas nãoexiste milagre. Com um pessoal Judiciário quepraticamente não aumentou em número, o resultadomais claro de semelhante situação consiste em quenossos tribunais, que já não conseguem deter essa marémontante, só podem proferir seus julgamentos ao fimde muitos meses, quando não de muitos anos. Há aíum fenômeno de massa que não é peculiar à Justiça –a Universidade conhece também o mesmo problema –mas que acarreta, no mundo Judiciário, consequênciastemíveis, se considera que a Justiça é fator de Pazsocial e que não lhe é possível desempenhar plenamente

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seu papel sem que as decisões sejam proferidas dentrode prazos razoáveis e executadas com rapidez.

O desenvolvimento quantitativo: Esse primeirofenômeno é notavelmente agravado pelo fato de quea massa litigiosa não se limitou a aumentar emquantidade: também qualitativamente se modificou afundo. Eis aí um aspecto em que se pensa bem menose que, todavia, merece a maior atenção. No século XIX;os litígios versavam em geral sobre a propriedade dasterras, sobre alguns contratos comerciais cuidadosa-mente catalogados e disciplinados pela lei, sobre adefinição de sucessões ou de regimes matrimoniais, porvezes, ademais, com alguns problemas de filiação; istoé, em resumo, sobre fortuna adquirida objeto dedisputas que não exibam necessariamente soluçãoimediata. Litigava-se com frequência, família contrafamília, ao longo de várias gerações. Ora, em nossosdias, é diferente o contexto. A grande maioria dosprocessos envolve questões que impregnam nossa vidaquotidiana: é o assalariado que encontra dificuldadespara obter do empregador uma indenização pordespedida; é a vítima de acidente rodoviário que nãorecebe da companhia seguradora a prestaçãoreparadora com que contava; é um locatário cujalocação foi rescindida e está ameaçado de despejo; éuma mãe abandonada que espera em vão uma pensãoalimentar ou se bate para conservar a guarda dosfilhos; e que dizer dos processos que nossa sociedadede consumo fez nascer, com créditos distribuídos atorto e a Direito e que não raro põem o consumidor nanecessidade de ir a juízo para escapar de cláusulasabusivas ou à cobrança de juros astronômicos. Cumpre

que nos rendamos à evidencia: sociologicamente, oProcesso deslocou-se na direção de camadaspopulacionais de condições mais modestas, que vivemde seus ganhos e são comumente designadas por“classes médias”. Ora, essa situação – da qual nemsempre se tem medido as incidências Judiciárias – fezaparecer duas preocupações novas que o juristamoderno tem de encarar. 1) Antes de tudo, há oproblema do acesso à Justiça. Numa época em que osprocessos gravitavam em torno de uma fortunafamiliar solidamente enraizada e atingiam camadasrelativamente abastadas da população, o acesso àJustiça quase não suscitava problema: contratava-seum advogado e proviam-se facilmente as despesasjudiciais. Em nossos dias, muitos hesitam emaventurar-se a um processo do qual se ignora quantocustará, e a solicitar os serviços de um auxiliar daJustiça. Ora, isso é muito grave, pois afeia o acesso àJustiça, que é uma liberdade pública cujo exercício sedeve assegurar a todos. Digamos que a Justiçamoderna se empobrece. Daí a necessidade de instituirum sistema de assistência Judiciária, comparável umpouco à seguridade social no tocante à saúde pública.Foi o que fez uma lei francesa de 1991. Mas algunsainda se perguntam se é o suficiente. 2) A segundapreocupação concerne à duração dos processos: otempo tornou-se em nossos dias um dos parâmetrosda Justiça moderna. Quando se litigava, como nocomeço do século, sobre a definição de sucessões, sobreo Direito de propriedade, sobre servidões ou usufrutos,a lentidão dos processos era talvez algo de irritante,mas a gente acabava por se resignar a ela, atribuindoa responsabilidade ao formalismo judicial, a cujo

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respeito ocasionalmente se pilheriava. Hoje, levada emconta a natureza dos litígios, já não é possível resignar-se: uma pensão alimentar, uma indenização pordespedida ou destinada a ressarcir um dano não podeesperar meses. Eis porque a celeridade se converteunum dos primeiros imperativos da Justiça moderna.3) O problema neste fim de século XX: como enfrentara inflação contenciosa, aceitando ao mesmo tempo oprocedimento? Vê-se então, porém, onde está oparadoxo que faz pensar um pouco na quadratura docirculo. De um lado, nossos tribunais estão entulhadosde um contencioso sempre mais abundante, que retardafatalmente o curso da Justiça. Mas, de outro lado, anatureza dos litígios que chegam à Justiça exigesolução cada vez mais rápida: eis aí um imperativoabsoluto, ainda mais imperioso que no século passado.Como superar a contradição? Neste fim de século, écom tal dilema que se confronta a Justiça francesa. Asolução que ocorre de imediato consistiria emaumentar o número de juízes. É certo que, na França,o pessoal Judiciário não tem aumentado na proporçãodo número de processos: já há perto de um século elepermanece fixado, sem modificação, em cerca de 6.000juízes. Um aumento maciço de juízes, contudo, não épraticável por motivos orçamentários. Cumpre serlúcido: nenhuma esperança existe por esse ângulo! Deresto, nem desejável é um aumento rápido, se não sequer baixar perigosamente a qualidade dorecrutamento, que tem de manter-se em nível alto. Hámeio século, portanto, vem-se esforçando a Françapara resolver o problema de maneira indireta, dirigindoas reformas para as estruturas Judiciárias (I), para oprocedimento (II) e enfim para a decisão judicial (III).

Não é exagero dizer – e é o que desejaríamos agoramostrar – que todas as mais importantes reformasprocessuais francesas têm sido ditadas para uma únicae mesma preocupação, a da aceleração da Justiça.

A justiça administrativa também mostra um quadro deinsuficiência no que diz respeito aos Tribunais Administrativos eCortes Administrativas de Apelação, que poderemos deduzirconforme os dados estatísticos abaixo, referentes ao ano de 1998:

Pesquisa de opinião pública promovida em 1991 pelaComissão Senatorial Haenel-Arthuis concluiu que 75% dosfranceses entendem que a Justiça francesa não cumpre a contentoseu papel e 66% da população respondeu que o problema maioré a demora das soluções jurisdicionais, aparecendo tambémoutras críticas como dificuldade de acesso à Justiça, custo alto etratamento diferenciado em detrimento dos pobres. Em pesquisaposterior, este resultado foi confirmado parcialmente. Destadeficiência resulta o surgimento e o desenvolvimento daschamadas “formas alternativas de regulamentos dos litígios”:

“Dado característico do período contemporâneoé a diminuição do papel desempenhado pelas jurisdições

TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS

Processos registrados: 123.834

Decisões proferidas: 104.615

CORTES ADMINISTRATIVAS DE APELAÇÃO

Processos registrados: 14.330

Decisões proferidas: 9.199

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propriamente ditas na regulamentação dos litígios.”(VINCENTet al: 1996).

A conciliação e a mediação são incentivadas, mas a últimanão é tão utilizada na França, como acontece nos Estados Unidos,conforme informa Serge Braudo, em estudo publicado na Internet.A carência de recursos humanos é demonstrada por dadosestatísticos. Assim, em 1857, com uma França de 37.000.000de habitantes, havia 6.254 magistrados, enquanto, em 1990, opaís já tendo 58.000.000 de habitantes e uma vida muito maiscomplexa (com número maior de processos), o número demagistrados era menor, ou seja, de 6.009. Desta forma, o númerode magistrados por habitantes caiu de um magistrado para cada6.000 habitantes (1857) para um magistrado para cada 9.666habitantes (1990).

Atualmente (dado de 31/01/2000) existem na França4.953 juízes de ordem Judiciária, conforme informação deChristian Goste. Ainda deve ser observado que no século XIXo número de pessoas jurídicas (evidentemente não computadasentre os habitantes) aumentou muito, bem como suas demandas.

5.28. CONSELHO CONSTITUCIONAL

As palavras de CAPPELLETTI são esclarecedoras:Mas, o País que oferece os mais típicos e mais

numerosos exemplos de um controle político, nãojudicial, de constitucionalidade é, sem dúvida, aFrança. Na realidade, a exclusão de um controlejudicial de constitucionalidade é uma ideia que semprese afirmou – por razões históricas e ideológicas [...]nas constituições francesas, e que se encontra de novoafirmada, ainda hoje, se bem, que talvez com algumasatenuações, na urgente constituição francesa de 1958.

De fato, nesta constituição, se, por um lado, não éprevisto um poder “difuso” dos juízes de controlar aconformidade das leis à própria constituição, éprevisto, por outro lado, um conselho constitucional,cuja organização é disciplinada por uma “ordonnance”de 7 de novembro de 1958, posteriormente modificada.Este conselho é composto dos ex-Presidentes daRepública e de outros nove membros, três dos quaisnomeados pelo Presidente da República, três, peloPresidente da assembleia nacional, e três, peloPresidente do senado: Além de várias funções, que aquinão nos interessam – como, por exemplo, o controleda regularidade das eleições presidenciais e das eleiçõesparlamentares – o conselho constitucional tem,também, a função que os juristas franceses chamamde “le controle de la constitutionnalité des lois”. Estecontrole desenvolve-se do seguinte modo: quando umtexto Legislativo ou um tratado internacional já estádefinitivamente elaborado, mas ainda nãopromulgado, o Presidente da República, o Primeiro-Ministro ou o Presidente de uma ou de outra câmarado Parlamento (isto é, da “Assemblée Nationale “ oudo “sénat”) pode remeter o próprio texto Legislativoou o tratado ao “conseil constitutionnel”, a fim deque este se pronuncie sobre sua conformidade àconstituição. Para algumas leis, ditas “orgânicas”(“lois organiques”), de que se pode dizer, grosso modo,que concernem especialmente à organização dospoderes públicos), o pronunciamento do “conseilconstitutionnel” é, ao contrário, sempre obrigatório.O “conseil constitutionnel” deve decidir dentro de ummês ou, em certos casos, dentro de oito dias; nesteínterim, a promulgação da lei fica suspensa. O

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pronunciamento do “conseil constitutionnel” é emitidopor maioria de votos, depois de um procedimento quese desenvolve em segredo, sem audiências orais, semcontraditório, um procedimento em que não existemverdadeiras partes, embora sendo admitida, naprática, a apresentação de memoriais escritos por partedos órgãos interessados. Se o pronunciamento do“conseil constitutionnel” for no sentido dainconstitucionalidade, a lei não poderá ser promulgadanem poderá, por conseguinte, entrar em vigor, senãodepois da revisão da constituição. E suficientementeclara – e, de resto, mais ou menos reconhecida pornumerosos estudiosos franceses – a natureza nãopropriamente jurisdicional da função exercida pelo“conseil constitutionnel”: e isto não apenas, comoescreve um autor, pela natureza antes política queJudiciária do órgão, natureza que se revela, quer naescolha e no status dos membros que dele fazem parte,quer, sobretudo, nas diversas competências do próprioórgão e nas modalidades de seu operar; mas tambéme especialmente pelo caráter necessário, pelo menosno que diz respeito às leis orgânicas, do controle quese desenvolve, portanto, sem um verdadeiro recursoou impugnação de parte (“ubi non est actio, ibi nonest jurisdictio”), bem como pelo caráter preventivoda função de “controle” por aquele órgão exercida.Tal função vem, na verdade, a se inserir –necessariamente, no que concerne às “leis orgânicas”,e somente à instância de certas autoridades políticas,no que se refere a outras leis – no próprio item daformação da lei na França: é, afinal de contas, nãoum verdadeiro controle (a posteriori) da legitimidadeconstitucional de uma lei para ver se ela é ou não é

válida e, por conseguinte, aplicável, mas, antes, umato (e precisamente um parecer vinculatório) que vema se inserir no próprio processo de formação da lei – edeste processo assume, portanto, a mesma natureza.(CAPPELLETTI, 1999: 27/29).

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6. NORMAS CONSTITUCIONAIS

6.1. CONSTITUIÇÕES DE 1791 A 1946

CONSTITUIÇÃO DE 1791 – no Capítulo V, Do PoderJudiciário, traz 27 artigos, prevendo a proibição do rei e osmembros do Legislativo de exercerem a judicatura; e eleição dejuízes e a nomeação dos membros do Ministério Público pelopovo.

CONSTITUIÇÃO DE 1795 – no Título VIII, PoderJudiciário, traz 72 artigos, sendo que, depois das disposiçõesgerais, trata da justiça civil, da justiça correcional e criminal, doTribunal de Cassação e da Alta Corte de Justiça, garantindo queos “juízes não podem ser destituídos a não ser por ilícitolegalmente julgado, nem suspenso a não ser por uma acusaçãoadmitida”.

CONSTITUIÇÃO DE 1799 – no Título V, DosTribunais, traz 9 artigos, onde se garante a vitaliciedade aos juízes,menos os de paz.

CARTA CONSTITUCIONAL DE 1814 – quando trataDa Ordem Judiciária, traz 12 artigos, onde garante ainamovibilidade dos juízes nomeados pelo rei, menos os de paz.

CARTA CONSTITUCIONAL DE 1830 – quando tratada Ordem Judiciária, traz 12 artigos, onde garante ainamovibilidade dos juízes nomeados pelo rei, menos os de paz.

CONSTITUIÇÃO DE 1848: no Capítulo VIII: DoPoder Judiciário, traz 20 artigos, garantindo a vitaliciedade aosjuízes.

CONSTITUIÇÃO DE 1852: não trata do Judiciário.LEI CONSTITUCIONAL DE 1875: não trata do

Judiciário.CONSTITUIÇÃO DE 1946 – no Título IX, Do

Conselho Superior da Magistratura, traz dois artigos, é garantida

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a inamovibilidade aos juízes e é dito que o Conselho Superiorda Magistratura garante a independência dos magistrados.

6.2. CONSTITUIÇÃO DE 1958 (ATUAL)

TÍTULOVIIIDa Autoridade Judiciária

Art. 64. O Presidente da República é o avalistada independência da autoridade Judiciária. Ele éassistido pelo Conselho Superior da Magistratura.

Uma lei orgânica traz o estatuto dosmagistrados.

Os juízes são inamovíveis.Art. 65. O Conselho Superior da Magistratura

é presidido pelo Presidente da República. O Ministroda Justiça é seu vice-presidente de Direito. Ele podesubstituir o Presidente da República.

O Conselho Superior da Magistraturacompreende duas formações, uma competente emrelação aos juízes, a outra em relação aos membrosdo Ministério Público.

A formação competente em relação aos juízescompreende, afora o Presidente da República, e oMinistro da Justiça, cinco juízes e um membro doMinistério Público, um conselheiro de Estadodesignado pelo referido Conselho de Estado, e trêspersonalidades que não pertençam nem à AssembleiaNacional nem ao Senado nem à ordem Judiciária,designadas respectivamente pelo Presidente daRepública, pelo Presidente da Assembleia Nacional epelo Presidente do Senado.

A formação competente em relação aosmembros do Ministério Público compreende, afora o

Presidente da República, e o Ministro da Justiça, cincomembros do Ministério Público e um juiz, unconselheiro de Estado designado pelo referidoConselho de Estado, e as três personalidades mencio-nadas na alínea precedente.

A formação do Conselho Superior daMagistratura competente em relação aos juízes fazproposições para as nomeações dos conselheiros daCorte de Cassação, para aquelas de primeiro presidentede Corte de Apelação e para aquelas de presidente deTribunal de Grande Instância. Os outros juízes sãonomeados sob seu parecer favorável.

Ela estatui como conselho de disciplina dosjuízes. Ela é então presidida pelo primeiro presidenteda Corte de Cassação.

A formação do Conselho Superior daMagistratura em relação aos membros do MinistérioPúblico dá seu parecer para as nomeaçõesreferentes aos membros do Ministério Público, comexceção dos cargos providos por ordem do Conselhode Ministros.

Ela dá seu parecer sobre as sançõesdisciplinares referentes aos membros do MinistérioPúblico. Ela é então presidida pelo Procurador Geraldo Ministério Público que atua junto à Corte deCassação.

Uma lei orgânica determina as condições deaplicação do presente artigo.

Art. 66. Ninguém pode ser detido arbitraria-mente. A autoridade Judiciária, guardiã da liberdadeindividual, assegura o respeito a esse princípio nascondições previstas em lei.

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Observando-se os dez diplomas constitucionais vê-seque: em três deles (1791, 1795 e 1848) o Judiciário é chamadode poder; cada um vigorou por quatro anos; foram editadosdois no século XVIII e um no século XIX, sendo de se notarque os três foram editados em épocas “revolucionárias”. Aexplicação que se dá para o tratamento constitucional dado aoJudiciário, ao Legislativo e ao Executivo é que, na época, o paísenfrentava uma situação de instabilidade com a predominânciaquase absoluta do Legislativo, e era preciso que o Presidente daRepública tivesse nas mãos praticamente sozinho as rédeas detoda a estrutura do país. Assim, por exigência de De Gaulle eaprovação de quem o apoiava, a Constituição de 1958 foi editadae está em vigor até hoje.

O Legislativo passou a ter, na prática, pouco poder; oJudiciário ficou como mero julgador de questões poucosignificantes; o Ministério Público foi atrelado à força aoMinistério da Justiça (que pode interferir inclusive nos processos,dando-lhe ordens detalhadas sobre como agir); e a JustiçaAdministrativa constitui um esquema à parte, como se fosse opróprio Governo analisando suas próprias iniciativas ou omissõespara corrigir os erros.

A “reforma da Justiça” vem sendo processada lentamentepor força da iniciativa governamental, tendo por trás de si aesmagadora pressão da opinião pública francesa, que é irresistívelpara quem quer que seja.

7. A JUSTIÇA COMO SERVIÇO PÚBLICO

Na França existem aproximadamente 2.500.000funcionários públicos e cerca de 1.000.000 de funcionários deentidades públicas. A maioria dos juízes Judiciários francesesnão aceita para si a classificação de funcionário público. Tratadosna constituição em vigor como “autoridades Judiciárias”, tendoinclusive a garantia da inamovibilidade, é certo que estão muitoacima do que se entende por “funcionário público”.

E certo que a Constituição não diz que o Judiciário é umpoder. No entanto, não dá a Constituição de 1958 (em vigor) oqualificativo de poder ao Legislativo e ao Executivo: simplesmentenada menciona a respeito, deixando a discussão para oshermeneutas mais ou menos qualificados. Entendemosinadequado dizer-se que os juízes Judiciários são funcionáriospúblicos ou servidores públicos.

Quanto aos juízes administrativos a denominação pareceser menos discutível, devido à estrutura específica. No entanto,num livro chamado Le service Publique de la Justice, constantede vários pequenos estudos, dentre os quais um de ElisabethGuigou, ex-Ministra da Justiça, constatamos que a matéria épolêmica (ou polemizada) na França.

A ex-ministra (La Justice au Service du Citoyen) étaxativa no sentido de que a Justiça é um serviço público:

“A Justiça é um serviço público porque a ideiamesma de serviço público está ligada à ideia dejustiça”. (11)

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TRUCHET defende tese mais respeitosa ao Judiciário:“Dizer da Justiça que ela é um serviço público

não é nem traí-la nem lhe render inteiramente... justiça.Ela é isso, e mais que isso”.

SAUVÉ diz que o Judiciário francês é, ao mesmo tempo,poder e serviço público:

“Assim então, após ter examinado ajurisprudência do Conselho Constitucional, doTribunal dos Conflitos, do Conselho de Estado e daCorte de Cassação, podemos concluir por essaafirmação paradoxal: a Justiça é, ao mesmo tempo,um serviço público e um dos três poderes reconhecidospela Constituição.”

Um juiz francês, perguntado, disse que aceita o rótulode funcionário público, se assim também se admitirem osmembros dos Poderes Executivo e Legislativo ... Resta saber sena França há um consenso sobre o que seja funcionário (ouservidor) público...

8. ESCOLA NACIONAL DE MAGISTRATURA

Fundada, por força da Ordenança 59-77 de 7 de janeirode 1959, sob o nome de Centro Nacional de Estudos Judiciários,é a instituição encarregada da formação dos juízes e membrosdo Ministério Público, não incluídos os magistrados de ordemadministrativa, que são formados pela Escola Nacional deAdministração, respeitada a dicotomia Justiça Judiciária e JustiçaAdministrativa.

O Decreto 59-772 de 25 de junho de 1959, modificadosucessivas vezes, trata do Estatuto particular dos Funcionáriosda ENM, dentre os quais o Diretor e outros funcionáriosgraduados: Diretor de Formação Inicial, Diretor da FormaçãoContínua, Subdiretor Encarregado da Coordenação das Missõesde Formação, subdiretor de Estudos, subdiretor de Estágios,subdiretor da Formação Contínua e Secretário Geral.

O Decreto 72-355 de 4 de maio de 1972, modificadosucessivas vezes, é o diploma legal que regula mais fortemente aestrutura da ENM, sediada em Bordeaux. Colocada sob aresponsabilidade do Ministério da Justiça, é administrada porum Conselho de Administração presidido pelo PrimeiroPresidente da Corte de Cassação. Como ilustração e paraconhecimento do leitor, mencionaremos a programação da ENMpara os auditores de justiça que iniciaram seu estágio emfevereiro de 2000.

O calendário é o seguinte:Fevereiro/2000:– recepção na ENM de Bordeaux;

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– depois uma semana de estágio denominado“descoberta das jurisdições” (onde os auditores de justiça ouvemfalar do ato de julgar e têm um contato concreto com a vida dostribunais);

– para os auditores que efetuam estágio em jurisdiçãoestrangeira esse estágio de “descoberta das jurisdições” éacrescido de mais uma semana para melhorar os conhecimentose facilitar a comparação com o sistema francês; – posteriormentevem a fase do chamado “estágio exterior”, ou seja, fora dasinstituições Judiciárias francesas, que dura dez semanas, assim:nos órgãos públicos, empresas públicas ou privadas, órgãos daUnião Europeia e da internacionalização do Direito;

– de abril a dezembro/2000 segue-se a denominada“escolaridade de Bordeaux”, ou seja, orientação teórica sobreassuntos considerados importantes: a instituição, a decisão, aeconomia, a sociologia e a Europa e a internacionalização, sendoabordados temas como função do juiz de Tribunal de GrandeInstância, função do juiz de Tribunal de Instância, função do juizde instrução, função do juiz de aplicação das penas, função dojuiz da infância, função do Ministério Público, estatuto daMagistratura, Conselho Constitucional, jurisdição administrativa,autoridade Judiciária, ética e deontologia, funcionamento dasjurisdições, ato de julgar, processo civil e penal, Medicina Legal,Psiquiatria, relacionamento entre Justiça e mídia, a empresa, eas técnicas contábeis e financeiras, família, desvioscomportamentais, culturas estrangeiras, escritório de informaçãojurídica, Convenção Europeia dos Direitos do Homem, JustiçaInternacional, informática e novas tecnologias, línguasestrangeiras; em seguida, começa a fase denominada “formaçãoem jurisdição”, que compreende o período de janeiro/2001 amarço/2002, iniciando-se pelo chamado “estágio jurisdicional”:oito semanas no Parquet, sete semanas junto aos Tribunais deGrande Instância, três semanas na área de aplicação das penas,

seis semanas nos Tribunais de Instância, seis semanas na justiçajuvenil, seis semanas na área de juiz de instrução, seguido dos“estágios complementares” nas polícias civil e militar, no serviçode proteção Judiciária da juventude, no serviço penitenciário,na área dos oficiais de justiça, nos cartórios, na áreaadministrativa dos serviços forenses, além de estágio junto aadvogados; (em março se define a situação futura de cada auditor,ou seja, se começará posteriormente como juiz ou membro doParquet, e em que área oficiará, – em seguida, de abril a 31 deagosto de 2002 vêm os estágios preliminares, quando cadaauditor estagiará na área já definida como sua e na qual passaráfuturamente a exercer a judicatura ou as funções do Parquet,de acordo com o caso.

Diz a Direção da Escola: “A formação dos auditores dejustiça é de tipo generalista, pluridisciplinar”. Realmente, aprogramação do curso procura atingir uma gama enorme deramos do conhecimento, para preparar o juiz e o representantedo Ministério Público, tanto na parte técnico-jurídica como navisão ampla da vida social, das modernas tecnologias e doconhecimento da realidade humana. A ENM desenvolveatividades diversas, em caráter permanente, oferecendo várioscursos de aperfeiçoamento para os magistrados já em exercício(“formação contínua”), pois estes têm Direito a alguns dias delicença a cada ano para participarem de cursos deaperfeiçoamento.

A ENM francesa possui um Departamento Internacional,sediado em Paris (Île-de-la-Cité, 8, Rue Chanoinesse), que, noperíodo de 1960 a dezembro de 1998, recebeu cerca de 3.500magistrados de mais de 90 países, dos quais 85 brasileiros. AEscola mantém, no setor parisiense, relacionamento constantecom grande número de Escolas de Magistratura de paísesestrangeiros, inclusive a Escola Nacional da Magistratura do

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Brasil e a Escola Paulista da Magistratura. Condição sine quanon para admissão de estrangeiros aos estágios é a autorizaçãoexpressa da autoridade competente do país de origem docandidato, encaminhado por via diplomática, e avaliação dosconhecimentos de língua francesa do candidato, feita por entidadecredenciada pela ENM francesa.

Os estágios para estrangeiros são os seguintes:l – Formações generalistas:Ciclo de formação inicial: 2/maio a dezembro;Conhecimento da Justiça francesa: 10/janeiro a23/junho;Apresentação das instituições Judiciárias francesas: 4/

outubro a 26/novembro.2 – Cursos especiaisAvaliação das atividades jurisdicionais: inspeção

(destinado aos magistrados africanos): 20/março a 31 março.Elaboração da decisão de justiça: inspeção (destinado

aos magistrados africanos): 15/maio a 9/junho;Do inquisitório ao acusatório, evolução do sistema penal

(destinado aos magistrados da América Latina): 18/setembro a22/setembro;

Justiça francesa/Justiça da Europa (destinado aosmagistrados do Leste Europeu): 6/novembro a 10/novembro;

Luta contra o crime organizado (destinado aosmagistrados da Europa central e oriental): 4/dezembro a 12/dezembro.

Estágios individuais: Janeiro a dezembro.3 – Formação de professores: janeiro a dezembro.

Breves informações genéricas sobre estágios deFormações Generalistas.

O ciclo de formação inicial segue o mesmo estilo daformação dos magistrados franceses, com duração de 20 meses,sendo oito meses de ensinamentos teóricos e 12 meses de estágiojurisdicional.

Objetivos: – aquisição dos métodos e técnicas dasdiferentes funções Judiciárias; – conhecimento das atribuiçõesdos advogados, escrivães etc., e do contexto de suas decisões;– princípios fundamentais do ofício de juiz; – ciências humanas etécnicas modernas de comunicação, dentre as quais a informática.– conhecimento da Justiça francesa: destinando-se a aprofundaros conhecimentos sobre a Justiça francesa.

Divide-se em três fases: primeira – um mês e meio deestudos teóricos; segunda – quase quatro meses deacompanhamento de atividades jurisdicionais; terceira – quatrodias de aprofundamento de algum tema especializado. –apresentação das instituições Judiciárias francesas tendo comoobjetivo o conhecimento da Justiça francesa. Divide-se em duasfases: primeira – duas semanas de estudos teóricos; segunda –seis semanas de acompanhamento de atividades jurisdicionais.

A Escola Nacional de Magistratura Francesa serviu demodelo para as suas congêneres portuguesa e espanhola, sendomuito respeitada na Europa. Sendo sempre procurada, paraatualização, por magistrados das ex-colônias francesas,começou, recentemente, a receber magistrados de países doleste europeu.

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9. ÓRGÃOS DE CLASSE

Na França, que, como visto, é um país unitário,altamente centralizado, somente existem três entidades de classedos juízes:

1) União Sindical dos Magistrados, (16)2) Associação Profissional de Magistrados e (17).3) Sindicato da Magistratura. (18)

Os três órgãos representativos da classe disputam, comacirramento, a preferência dos juízes franceses, com coloraçõesde direita, esquerda e centro, e todos editam publicaçõesperiódicas, que contêm, especialmente, informações sobreassuntos de interesse como a tramitação do futuro estatuto daMagistratura e outras leis de reforma do Judiciário, mantendosites na Internet. Destaca-se, no entanto, o fato da USM editaruma valiosa revista sob o nome de Le Nouveau PouvoirJudiciaire, atualmente no número 352.

Embora as três entidades tenham utilizado o nome“magistrados”, só os juízes podem se filiar. Os membros doParquet possuem sua própria associação, como se verá, emitem específico.

Passamos a destacar algumas informações sobre cadauma dessas entidades.

9.1. UNIÃO SINDICAL DOS MAGISTRADOSCriada em 1969, é a entidade que possui o maior número

de associados. Seguem-se alguns trechos de seu Estatuto:Art. 1° E constituído entre os magistrados de ordem

Judiciária e os auditores de justiça aderentes aos presentesestatutos, um sindicato profissional conforme o livro IV do código

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do trabalho, que toma por nome “União Sindical dosMagistrados”.

Art. 2° Este sindicato é específico; ele é autônomo e seinterdita todo engajamento político, como toda afiliação a umafederação. Ele tem por objeto: a) assegurar a independência dafunção Judiciária, garantia essencial dos Direitos e liberdadesdo cidadão, b) defender os interesses morais e materiais dosjuízes de ordem Judiciária e dos auditores de justiça, notadamenteno que diz respeito ao seu recrutamento, formação e a evoluçãode sua vida profissional, c) contribuir para o progresso do Direitoe das instituições Judiciárias, a fim de promover uma justiçaacessível, eficaz e humana”.

9.2. ASSOCIAÇÃO PROFISSIONAL DOSMAGISTRADOS

É a mais nova das três entidades, tendo surgido, cm 1981,como opção para os juízes insatisfeitos com o desempenho e apostura das duas outras entidades então existentes.

9.3. SINDICATO DA MAGISTRATURA

Trecho de seu Estatuto:Art. 1° É constituído, em aplicação ao preâmbulo da

constituição de 4 de outubro de 1.958, entre todos os membrosdo corpo Judiciário tal que definido no art. 1° da ordenançanúmero 70-642 de 17 de julho de 1970, um sindicato profissionalno sentido do Livro IV do Código do Trabalho.

Art. 2° Esse sindicato é autônomo e toma o nome de“Sindicato da Magistratura”.

Art. 3° O sindicato tem por objetivos: velar para que aautoridade Judiciária possa exercer sua missão com toda aindependência; estudar e promover todas as reformas necessárias

no que diz respeito à organização e funcionamento da justiça,assim como o recrutamento, a formação e a carreira dosmagistrados; defender os interesses profissionais dos membrosdo corpo Judiciário; informar seus membros sobre os planosprofissionais e sindicais; velar pela defesa das liberdades e dosprincípios democráticos”.

(A respeito de entidades internacionais de magistradosvide Anexo 2).

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10. MINISTÉRIO PÚBLICO (“PARQUET”) (19)

Várias correntes procuram apresentar a origem doParquet. Para uma delas, a instituição nasceu na Idade Média,quando se criou a figura dos “Procuradores do Rei”, sendo queuma Ordenança de 1303 faz referência aos advogados do rei.Os membros do Parquet são Magistrados, considerados comotal em todos os aspectos.

A hierarquização no Parquet é uma realidade, sendoestruturada da seguinte forma:

l – Diante das jurisdições de 1° grau: – Procurador daRepública, auxiliado por Procuradores da República Adjuntos eSubstitutos de Procurador da República; (44)

2 – Diante das Cortes de Apelação: Procurador Geral,auxiliado por Advogados Gerais e Substitutos Gerais;

3 – Diante da Corte de Cassação: – Procurador Geral,Primeiro Advogado Geral, Advogados Gerais e, por delegação,Advogados Gerais que servem nas Cortes de Apelação;

4 – Diante da Corte de Justiça da República: –Procurador Geral que serve na Corte de Cassação, auxiliadode dois Advogados Gerais;

5 – Diante da Alta Corte de justiça: – Procurador Geralque serve na Corte de Cassação, auxiliado de dois AdvogadosGerais.

A instituição tem as seguintes características:– subordinação hierárquica;– indivisibilidade;– irrecusabilidade;– irresponsabilidade;– independência;– proibição de participar de greve;– obrigação de manter segredo funcional.

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São suas atribuições:– nos processos penais: – atuar em todas as fases dos

processos: receber representações, denúncias e processosverbais; supervisionar e dirigir a polícia Judiciária; exercer a açãopública; representar da sociedade nas audiências; executar asdecisões da justiça.

– nos processos civis: – defender os interesses do Estado(controle dos atos da vida civil, prenome, nome, nascimento,casamento, sexo; proteger os fracos (infância abandonada.adoção, pátrio poder, incapazes); nos processos comerciais;

– ajudar o reerguimento de empresas comerciais comdificuldades Financeiras; participar das reuniões de comitês quetratam de empresas (CODEFI e CORRI) etc.

O recrutamento de membros do Parquet é o mesmodos juízes e somente após sua saída da Escola Nacional daMagistratura, serão definidas as duas carreiras. A mudança decarreira pode ocorrer sem necessidade de outro concurso, sedeferido o requerimento do interessado. A fragilidade do Parquetfrancês reside no fato de estar subordinado hierarquicamente aoMinistro da Justiça que, legalmente, pode dar ordens pessoaisaos representantes do Ministério Público sobre como atuar emprocessos individualizados, embora, na prática, isso não ocorrahá algum tempo, por liberalidade ministerial. Somente umareforma constitucional poderá alterar o quadro atual.

Conforme informações de Christian Coste (dado de 31/01/2000) é de 1.549 o número de magistrados do Parquet,dos quais 161 prestando serviços na administração central, 33na Corte de Cassação e 12 auditores de justiça adidos a essaCorte, correspondendo a 24% do total de 6.518 magistrados(expressão que, na França, inclui juízes e membros do MinistérioPúblico).

O órgão de classe do Ministério Público denomina-seAssociação dos Magistrados do Parquet.

11. AUXILIARES DA JUSTIÇA

11.1. ADVOGADOS (21)

Nas localidades onde haja um Tribunal de GrandeInstância, existe uma representação chamada barreau, cujopresidente tem o título de bâtonnier. Se um barreau possuimenos de oito advogados, é administrado pelo referido Tribunalde Grande Instância. Há na França 35.270 advogados, dos quaiscerca de 13.000 em Paris. Os advogados são chamados demestres e, dentro da estrutura Judiciária francesa, sua atuação élimitada aos tribunais nos quais outros profissionais assemelhados(avoués e advogados dos Conselhos) não detêm o monopólio,sendo que, assim, para se saber onde um advogado pode atuar,verifica-se se, legalmente, não há no setor, monopólio de umdesses outros profissionais, o que significa que a profissão deadvogado, na França, não é tão prestigiada em relação, porexemplo, como a de advogado dos Conselhos.

Cada barreau congrega os advogados que são seusassociados, podendo o profissional, regra geral, oficiar somentenos processos que tramitam pelos tribunais da sua circunscrição.Existe um Conselho Nacional de Advocacia, que não interferena área de cada barreau, que é absolutamente independente.

Onde há Corte de Apelação existe um Centro deRegional de Formação de Advogados (CRFPA). Para seradvogado, além das exigências corriqueiras, o candidato, regrageral, deve frequentar um curso de um ano em um CRFPA e, aoseu término, atua como estagiário durante dois anos. Somentedesta forma poderá se inscrever como advogado em algumbarreau.

Além das limitações acima mencionadas, ou seja, oadvogado só pode atuar em processos da região onde estáinscrito, é importante saber que existem órgãos jurisdicionais

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em que é dispensável a constituição de advogado. São eles os473 Tribunais de Instância, os 227 Tribunais do Comércio, os270 Tribunais Trabalhistas e os Tribunais Paritários dearrendamentos rurais, ou seja, pelo menos 970 dos 1652Tribunais e Cortes de vários tipos, sem contar que somente osavoués (profissão diferente da do advogado comum) podemredigir apelação na 2ª instância c que somente os advogados deConselhos (outra profissão diferente) podem oficiar nosprocessos dos órgãos da justiça administrativa, Corte deCassação e Tribunais da União Europeia, o que significa queexiste um grande número de advogados disputando um pequenomercado de trabalho.

11.2. TRABALHADORES SOCIAIS

Atuam intensamente nas áreas penal, de família e juvenil,com atribuições muito variadas e de grande importância nosprocessos onde se faz necessária sua colaboração. Encontra-seem andamento, enquanto este livro é escrito, um concurso extrapromovido pelo Ministério da Justiça para preenchimento de150 vagas de educadores de variadas modalidades paratrabalharem na área juvenil.

11.3. ESCRIVÃES (22)

Na França, existem 1.555 escrivães-chefes e 5.717escrivães, todos funcionários públicos. Para ingresso nos doiscargos existem concursos internos e externos. O curso éministrado na Escola Nacional de Escrivanias, em Dijon, com aduração de 14 meses para escrivães-chefes e 13 meses paraescrivães, sendo seus participantes remunerados durante o curso.

11.4. OFICIAIS MINISTERIAIS

Os oficiais ministeriais são, no conceito deKERNALEGEN (1999): “pessoas titulares de um cargo sendo-lhes permitido exercer uma função a título de monopólio”. Dácomo características dos vários ramos dessas atividades(Avoués, Advogados dos Conselhos e Oficiais de Justiça): apatrimonialidade dos ofícios (o titular do ofício pode transferi-lopara terceiro, através de uma contraprestação em dinheiro, desdeque o adquirente do cargo preencha determinados requisitoslegais, reminiscência dos antigos ofícios existentes no AntigoRegime) e a regulamentação das profissões (seus membrosintegram câmaras, geralmente departamentais, regionais e acâmara nacional).

11.4.1. “Avoués” (23)

Os avoués, em número de 407 na França, são osprofissionais a quem a lei dá exclusividade para a redação dosarrazoados das partes diante das Cortes de Apelação, excetoas dos territórios ultramarinos e dos departamentos do Alto-Reno, Baixo-Reno e Moselle, onde as postulações competem aadvogados aí residentes.

11.4.2. Advogados dos Conselhos (24)

Originários dos advogados dos Conselhos do Rei, sualegislação reguladora são a Ordenança de 10 de setembro de1817 e os decretos de 15 de março de 1978 e de 28 de outubrode 1991. Em número de 89, os advogados dos Conselhos sãoos profissionais autorizados a representar as partes diante doConselho de Estado, Cortes Administrativas de Apelação,Tribunais Administrativos e jurisdições disciplinares, da Corte

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de Cassação em matéria civil (menos causas trabalhistas,expropriações, etc.), e, matéria penal, exceto quando o acusadopossa fazer sua própria defesa, bem como no ConselhoConstitucional, Tribunal de Conflitos e jurisdições europeias einternacionais. Exercem a assim chamada “alta advocacia”.

11.4.3. Oficiais de Justiça (25)

São originários da fusão de duas profissões da épocado Antigo Regime, quando havia a venalidade dos ofícios, ouseja, os sargentos (encarregados das citações) e os oficiais(encarregados da assessoria aos juízes nas audiências). Existematualmente na França 2.084 ofícios e 3.228 Oficiais de Justiça.Para ser Oficial de justiça, o candidato necessita fazer um estágiode dois anos e ser aprovado em exame previsto na legislaçãoque regulamenta a profissão (Ordenança de 2 de dezembro de1945 e Decretos 56-222 de 29 de fevereiro de 1956, 75-770de 4 de agosto de 1975, 86-734 de 2 de maio de 1986, 92-984 de 9 de setembro de 1992 e 94-299 de 12 de abril de1994).

11.5. Notários

Existem na França 7.656 notários, pertencentes a 4.600ofícios.

No site http://www.chambre-lozere.notaires.fr/encontramos todos os links dos sites referentes ao notariato daFrança, dentre os quais destacamos o http://perso.infonie.fr/berghil, que se refere ao Centro de Formação Profissional dosNotários. O referido Centro de Bordeaux é regido pelo Decreto89-399 de 20 de junho de 1989, sendo um estabelecimento deutilidade pública, sob a autoridade do Centro Nacional de EnsinoProfissional e controle do Ministério da Justiça. A preparação

para obtenção do diploma de notários é feita individualmente,ou em colaboração com a universidade, para os candidatos deseis departamentos: Charente, Dordogne, Gironde, Landes, Lot-et-Garonne e Pyrénées-Atlantiques.

11.6. Escrivães dos Tribunais do Comércio

São profissionais liberais titulares de um cargo de oficialpúblico ministerial. Em número de 264, em 227 ofícios, as tarifaspor eles recebidas foram fixadas pelo Decreto de 29 de abril de1980, modificado em 1986.

11.7. Oficiais e Agentes de Polícia

Atuam na área penal, seguindo a política penal elaboradapelo Ministério Público. Conforme preconiza o Ministério daJustiça:

“A polícia Judiciária tem por missão assistir a justiçanas suas múltiplas atribuições: – ela constata as infrações erecebe representações, – ela colige as provas e investiga osautores das infrações (investigação inicial e pesquisa deflagrância).” (Internet).

Conforme determina o mencionado Ministério da Justiça,a polícia Judiciária executa as missões que lhe são confiadaspelas autoridades Judiciárias (notadamente pelo juiz deinstrução), como execução dos mandados (ir procurar umapessoa para conduzi-la até o juiz) e inquirições. A polícia Judiciáriaage dentro do quadro estrito das missões que lhe são confiadas,devendo prestar conta de sua execução. As pessoas que exercemas funções de polícia Judiciária são as que se seguem: prefeitose seus adjuntos, policiais militares e funcionários de políciahabilitados.

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Os agentes de polícia Judiciária são os guardascampestres, guardas particulares juramentados, inspetores daSNCF, agentes aduaneiros...

11.8. Peritos Judiciais

O exercício da profissão é regulado pelos Decretos74-1184 de 31 de dezembro de 1974 e de 27 de dezembrode 1985. Alguns tipos de peritos formam associações, existindoos Peritos Contadores da França (com informações no sitehttp://experts-comptables-fr.org/expfra.htm), o SindicatoFrancês dos Peritos Profissionais em Obras de Arte e Objetosde Coleção (com informações no site http://www.franceantiq.fr/sfep/spes-fr.asp?index=6), Câmara Sindical Francesa dosNegociantes e Peritos em Filatelia (com informações no sitehttp://www.cnep.fr) etc.

Recebem sempre honorários periciais, mesmo em casode gratuidade de justiça, pois, nesse caso, seus honorários sãopagos pelo Estado.

12. O ENSINO JURÍDICO

Não poderíamos mencionar o ensino jurídico na França,base, regra geral, para as profissões jurídicas, com exceção dealguns casos de concurso para a Magistratura.

CAENEGUEM (1998:151), afirma que:“Durante a Revolução, as universidades do

“ancien regime”, e suas faculdades de Direito emparticular, foram abolidas. Alguns anos depois, asescolas de Direito foram fundadas de novo, e em 1808o ensino universitário do Direito recomeçou, emboraem base diferente”.

Passando da fase histórica para a atualidade, pode-sedizer que para quem pretende estudar Direito na França existemdiversas opções de curso:

Para quem não concluiu o segundo grau: capacitaçãoem Direito, curso de dois anos que, após sua conclusão, permiteao estudante ingressar no 2° ano do DEUG (Diploma de EstudosUniversitários Gerais);

Para quem tem o segundo grau:– Magistério de Direito, curso reservado aos melhores

alunos;– DEUG com duração de dois anos;– Licenciatura em Direito, obtida um ano após a

conclusão do DEUG;– Mestrado em Direito, obtido um ano após conclusão

da Licença em Direito;– DEA (Diploma de Estudos Aprofundados), obtido um

ano após o Mestrado em Direito;– Doutorado, termina 3 ou 4 anos após a conclusão do

DEA;

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– DESE (Diploma de Estudos SuperioresEspecializados), obtido um ano após a conclusão do Mestrado.

Além destes cursos, existem outros destinados aosservidores públicos, quando se preparam para concursos deprogressão funcional. Como vimos, as Escolas de Direitodisponibilizam para os estudantes uma série de cursos, emdiferentes níveis, desde aqueles destinados a quem sequer tem osegundo grau até o Doutoramento, por exemplo.

O ensino jurídico constitui-se, de forma evidente, na basepara uma melhor qualificação dos profissionais da área jurídica.

13. O MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

Também não poderíamos deixar de mencionar a atuaçãodo Ministério da Justiça, considerando sua importância na vidada Magistratura francesa.

Procuraremos resumir ao máximo nossa exposição arespeito, indicando os setores do Ministério que têm relaçãodireta com a Justiça:

Inspeção Geral dos Serviços Judiciários;Direção dos serviços Judiciários;Direção dos Processos Civis e da Justiça;Direção dos Processos Penais e das Graças;Direção da Administração Penitenciária;Direção da Proteção Judiciária da Juventude;Escolas ligadas ao Ministério da Justiça: Escola Nacional

da Magistratura, Escola Nacional das Escrivanias, CentroNacional de Formação e de Estudos da Proteção Judiciária daJuventude e Escola Nacional da Administração Penitenciária.

Daremos algumas referências sobre os dois setores maisimportantes, que são:

Inspeção Geral dos Serviços Judiciários – dirigida peloInspetor Geral, com as seguintes competências: a) inspeçãopermanente das jurisdições de ordem Judiciária (menos a Cortede Cassação) e dos serviços e organismos que dependem doMinistério da Justiça; b) cumprimento de missões específicas quelhe são determinadas pelo Ministro da Justiça. O Inspetor Geralcorresponde ao cargo de Mediador da República, integrando aComissão de Simplificação das Formalidades Administrativas,encarregado da simplificação da burocracia do Ministério emembro da Comissão de Progressão Funcional dos Magistrados.

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Direção dos Serviços Judiciários – cuida da boaorganização e do bom funcionamento das jurisdições Judiciárias,inclusive o recrutamento, a nomeação e a gerência daMagistratura profissional e dos funcionários das escrivanias.

Com estas informações, podemos constatar que a ligaçãoentre o Judiciário e o Ministério da Justiça é muito grande, emboramantida a independência do Judiciário. Quanto ao MinistérioPúblico, sua hierarquização faz com que o Ministro da Justiçaseja o chefe da instituição.

14. CONCLUSÕES

Exercendo inicialmente um cargo subordinado aossenhores feudais mais preocupados em impor a disciplina doque, realmente, fazer justiça, os juízes da Idade Média francesaforam se transformando em poderosos membros da sociedade,vindo a formar a chamada “noblesse de robe” (nobreza de toga).

No período que antecedeu a Revolução Francesa, osjuízes franceses (cujos cargos eram comprados livremente ou,então, herdados) estavam preocupados, como a grande maioriados franceses, em tirar proveito da desordem que reinava nopaís, em virtude das falhas administrativas cometidas pelo reiLuís XVI.

Advindo a Revolução de 1789, os juízes perderam seuscargos, passando o Judiciário à situação de dependência emrelação ao poder dominante no momento (Legislativo ouExecutivo, de acordo com a época) e, com exceção de um ououtro período em que foram de certa forma valorizados, dealguma forma, o Judiciário foi tratado como mero avalista degovernantes mantidos no poder de forma legítima ouilegitimamente.

O último golpe fulminante contra o Judiciário foi desferidopela Constituição de 1958, ainda em vigor, inspirada em DeGaulle, e cuja revisão vem sendo tentada sem sucesso,restabelecendo seu prestígio, para que volte a ser um verdadeiroPoder.

A Justiça francesa é altamente qualificada em termostécnicos e recursos materiais, sendo acreditada pelo povo,respeitada pelos governantes, mas aprisionada por umaConstituição que atendeu a uma situação de emergência quandoeditada e que, no entanto, necessita ser modificada, pois não sejustificam e nunca se justificaram os poderes excessivos que oPresidente da República passou a ter diante de um Legislativo

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15. NOTAS DE REFERÊNCIA(1) Para pesquisa na Internet sobre o assunto no site do

Ministério da Justiça francês: http://www.justice.gouv.fr/justicef/tgi.htm.

Para pesquisa na Internet sobre o Tribunal de GrandeInstância de Mâcon no site do Ministério da Justiça francês: http://perso.wanadoo.fr/tgi-macon.

Para pesquisa na Internet sobre o Tribunal de GrandeInstância de Sables d’Olonne: http://perso.wanadoo.fr/justice.olonne.

Sobre presidente de TGI:V. art. 65 da Constituição.V. arts. 3,28, 28-1 e 36 da Ordenança 58-12’70.V. arts. 2, 3, 4, 20 e 46 do Decreto 93-21.V. arts. 1°, 3 e 15 da Lei Orgânica 94-100.V. arts. 11 a 14 do Decreto 94-199.Sobre primeiro vice-presidente de TGI:V. art. 3 da Ordenança de 22 de dezembro de 1958.V. art. 4 do Decreto 93-21.(2) Para pesquisa na Internet sobre o assunto no site do

Ministério da Justiça francês: http://www.justice.gouv.fr/justicef/ti.htm.

Para pesquisa na Internet sobre o assunto no site doTribunal de Instância de Angoulême: http://perso.club-internet.fr/tgi16/ACCUEIL.htm.

Para pesquisa na Internet sobre o assunto no site doTribunal de Instância de Cognac: http://perso.club-internet.fr/tgi16/ACCUEIL.htm.

Para pesquisa na Internet sobre o assunto no site doTribunal de Instância de Melun: http://home.worldnet.fr/jusmelun.

quase impotente de fato, e um Judiciário que simplesmente seobriga a julgar questões menos importantes da vida dacoletividade.

Torna-se necessário o fortalecimento do Judiciário paraque possa se equiparar aos outros dois poderes, pois, embora aJustiça Administrativa faça o papel de controladora do Estado,ela não é o Judiciário, mas sim um misto dos três Poderes, semser um deles.

E necessária a independência do Ministério Público, queainda é subordinado ao Ministério da Justiça.

A JUSTIÇA DA FRANÇA - UM MODELO EM QUESTÃOLuiz Guilherme Marques

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(3) Para pesquisa na Internet sobre o assunto no site doMinistério da Justiça francês: http://www.justice.gouv.fr/justicef/tcom.htm.

Para pesquisa na Internet no site do Tribunal do Comérciode Bobigny: http://www.tc-bobigny.fr.

(4) Para pesquisa na Internet sobre o assunto no site doMinistério da Justiça francês: http://www.justice.gouv.fr/justicef/csph.htm.

(5) Para pesquisa na Internet sobre o assunto no site doMinistério da Justiça francês: http://www.justice.gouv.fr/ justicef/tbaux.htm.

Para pesquisa na Internet sobre o assunto no site doMinistério da Justiça francês: http://www.justice.gouv.fr/justicef/juginstr.htm e igualmente no site: http://www.justice.gouv.fr/arbo/justicef/justmine.htm.

Sobre juiz de instrução: V. art. 2 do Decreto 93-21

Sobre primeiro juiz de instrução: V. arts. 4 e 45 doDecreto 93-21.

Para pesquisa na Internet sobre o Código de ProcessoPenal francês o site http://www.rabenou.org/cpp/PlLlT3.html deJérôme Rabenou contém o texto integral.

No site do Ministério da Justiça da França:(http://www.justice.gouv.fr/motscles/alphabet.htm) se

vêem os conceitos de contravenção, crime e delito.Contravenção: infração punida com multa de até 10.000 francose 20.000 francos se há recidiva e de certas penascomplementares, como a suspensão da permissão de conduzirveículo (carteira de motorista). Crime: infração grave passívelde uma ou várias penas determinadas pela lei: penas de prisão,

multas, penas complementares. As penas de prisão são a reclusãoou a detenção criminal perpétua ou com prazo determinado (fala-se em detenção criminal logo que se trata de uma infração políticae de reclusão, se trata de um crime de direito comum). Delito:infração julgada pelos triburnais correcionais e punidos com penasde prisão de 10 anos ou mais, multas e penas complementares.A prisão pode ser substituída por penas alternativas, tais comoo dia de multa ou de trabalho de interesse geral.

(6) Para pesquisa na Internet sobre o assunto no site doMinistério da Justiça francês: http://www.justice.gouv.fr/ chiffres/mineur99. htm.

Para pesquisa na Internet sobre o Código penal francêso site: http://www.rabenou.org/penal-tit.html de Jérôme Rabenoutraz o texto integral.

Sobre juiz de menores: V. art. 2 do Decreto 93-21.

Sobre primeiro juiz de menores: V. arts 4 e 5 do Decreto93-21.

(7) Para pesquisa na Internet sobre o assunto no site doMinistério da Justiça francês: http://www.justice.gouv.fr/justicef/tpolice.htm.

Para pesquisa na Internet sobre os Tribunais de Políciano Código de Processo Penal francês o site http://www.rabenou.org/cpp/PlL2T3.html de Jérôme Rabenou traz otexto integral.

(8) Para pesquisa na Internet sobre o assunto no site doMinistério da Justiça francês: http://www.justice.gouv.fr/justicef/tricorre.htm.

Para pesquisa na Internet sobre os Tribunais de Políciano Código de Processo Penal francês o site http://

13.0 MINISTÉRIO DA JUSTIÇALuiz Guilherme Marques

246 247

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www.rabenou.org/cpp/PlL2T3.html de Jérôme Rabenou traz otexto integral.

Para pesquisa na Internet sobre os Tribunais Correcionaisno Código de Processo Penal francês o site http://www.rabenou.org/cpp/PlL2T2.html de Jérôme Rabenou traz otexto integral.

(9) Para pesquisa na Internet sobre o assunto no site doMinistério da Justiça francês: http://www.justice.gouv.fr/justicef/courassi.htm.

Sobre presidente de Tribunal do Júri: V. art. 20 doDecreto 93-21.

(10) Para pesquisa na Internet sobre os Tribunais do Júrino Código de Processo Penal francês o site http://www.rabenou.org/cpp/PlL2Tl.html de Jérôme Rabenou traz otexto integral.

Para pesquisa na Internet sobre o assunto no site doMinistério da Justiça francês: http://www.justice.gouv.fr/justicef/courappe.htm.

Para pesquisa na Internet sobre a Corte de Apelação deBesançon no site do Ministério da Justiça francês: http://www.justice.gouv.fr/reportag/accfc.htm.

Para pesquisa na Internet sobre as Cortes de Apelaçãono site do Ministério da Justiça francês: http://www.justice.gouv.fr/region/fjudl.htm.

Sobre conselheiros das Cortes de Apelação V. arts. 4 e20 do decreto 93-21 – em serviço extraordinário: V. arts. 3 a 5da Lei Orgânica 95-64 de 19/01/1995 V. art. 5 do Decreto 96-214. Sobre presidente de câmara de Corte de Apelação: V.arts. 3 e 39 da Ordenança 58.1270 .V. arts. 4, 19 e 20 do

Decreto 93-21 – Sobre primeiro presidente de Corte deApelação:

V. art. 65 da Constituição V. artes, l, 3, 3-1, 13-2, 35,39, 40 da Ordenança 58-120.

V. arts. 5,19, 20 e 44 do Decreto 93-21.V. arts. 1,3 e 15 da Lei Orgânica 94-100.V. arts. 7 a 10, Í6,18 e 37 do Decreto 94-199.(11) Para pesquisa na Internet sobre o assunto no site

do Ministério da Justiça francês: http://www.justice.gouv.fr/communau/ce09cass.htm.

Para pesquisa na Internet sobre a Corte de Cassação daFrança: http://www.courdecassation.fr.

Sobre Corte de Cassação:– assembleia geral:V. art. 13-4 da Ordenação 58-1270.. colégio (comissão de progressão):V. art. 13-4 da Ordenança 58-1270.. comunicação de peças (CSM):V. art. 43 do decreto 94-199.. disciplina:V. art. 40 do decreto 94-199.. incompatibilidades:V. arts. 9 et 9-1 da Ordenança 58-1270.. lista dos eleitores dos juízes da Corte de Apelação de

Paris (CSM):V. art. 16 do Decreto 94-199.. magistrados:V. art. 65 da Constituição.V. art. l e 37-1 da Ordenança 58-1270.V. art. 15 da Lei Orgânica 94-100.V. art. 37 do Decreto 94-199.

Luiz Guilherme Marques A JUSTIÇA DA FRANÇA - UM MODELO EM QUESTÃO

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. magistrados fora de hierarquia:V. arts. 28-1, 35, 39 e 40 da Ordenança 58-1270.V. arts. l e 2 da Ordenança 86-1303.V. arts. 5 e 39 do Decreto 93-21.V. arts. L e 2 da Lei Orgânica 94-100.V. art. 2 do Decreto 94-199.. missões de informação:V. art. 20 da Lei Orgânica 94-100.. primeiro presidente:V. art. 65 da Constituição.V. art. 51 da Ordenança 58-1270.V arts. 19 e 30 do Decreto 93-21.V. art. 3 do Decreto 94-199.. responsabilidade dos magistrados:V. art. 11-1 da Ordenança 58-1270.. secretariado geral:V. art. 2 do Decreto 93-21.V. art. 3 da Lei Orgânica 94-100.V. art. 44 do Decreto 94-199..juramento:V. art; 6 da Ordenança 58-1270.. serviço de documentação e estudos:V. art. 7 do Decreto 93-21.Sobre conselheiro da Corte de Cassação:V. art. 1° da lei Orgânica 86-1303.- em serviço extraordinário:V. arts. 40-1a 40-7 da Ordenança 58-1270.V. art. 31do Decreto 93-21.V. Decreto 93.548.- referendário da Corte de Cassação:V. arts. 28, 28-1, 80-1 da Ordenança 58-1270.V. arts. 2, 4, 9,16,19 e 22 do Decreto 93-21.V. art. 3 da Lei Orgânica 94-100.

Sobre juízes fora da hierarquia:V. arts. 3, 13-3, 28-1, 35, 35-2, 37 e seguintes, .40 da

Ordenança 58-1270.V. art. 1° da Lei Orgânica 86-1303.V. arts. l e 5 do Decreto 93-21.V. art. 2 da Lei Orgânica 94-100.V. arts. 2 a 6 do Decreto 94-199.Sobre primeiro presidente da Corte de Cassação:V. art. 65 da Constituição.V. arts. 35, 51 e 76 da Ordenança 58.1270.V. arts. 19, 20 e 30 do Decreto 93-21.V. arts. 3 e 4 do Decreto 94-199.Sobre presidente de câmara da Corte de Cassação:V. art. 10 do Decreto 93-21.(12) Para pesquisa na Internet sobre o assunto no site

do Ministério da Justiça francês: http://www.justice.gouv.fr/justicei/tconflits.htm.

(13) Para pesquisa na Internet sobre o assunto no site:http://www.conseil-etat.fr/ce-data/actux.htm.

Sobre Escola Nacional de Administração:V. arts. 14, 41, 76-2 e 76-3 da Ordenança 58-1270.V. art. 2 do Decreto 93-549.Sobre conselheiro de Estado:V. art. 65 da Constituição.V. arts. 40 e 40-5 da Ordenança 58-1270.V. art. 5 da Lei Orgânica 94-100.Sobre mestre de requerimentos:V. art. 40 da Ordenança 58-1270.Para pesquisa na Internet sobre o assunto no site do

Ministério da Justiça francês: http://www.justice.gouv.fr/chiffres/admini99.htm.

A JUSTIÇA DA FRANÇA - UM MODELO EM QUESTÃOLuiz Guilherme Marques

250 251

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Sobre conselheiro-mestre da Corte de Contas:V. art. 40-5 da Ordenança 58-1270.V. Decreto 93-548.Sobre auditores de justiça:– classificação, declaração de aptidão.V. arts. 18-2, 21 e 26 da Ordenança 58-1270.– demissionário.V. art. 26 da Ordenança 58-1270.– formação profissional.V. arts. 14 e 19 da Ordenança 58-1270.– nomeação como magistrado.V. art. 26 da Ordenança 58-1270.– recrutamento.V. arts. 15 e seguintes da Ordenança 58-1270.– juramento.V. art. 20 da Ordenança 58-1270.Sobre nomeação:V. art.. 65 da Constituição.V. arte, 2, 3-1, 6,7,9, 22 a 25-3 26 a 28-1, 29, 36, 37

a 40-2, 40-6 e 41-9 da Ordenança 58-1270.V. art. 16 da Lei Orgânica 70-642.V. art. 3, 7,9,10,11,16, 20, 24, 27e 51 do Decreto 93-21.V. arts. l e 2 do Decreto 93-548.V. art. 4 do Decreto 93-549.Sobre progressão funcional:V. arts. 4, 39 e 40-4 da Ordenança 58-1270.V. art. 32 do decreto 93-21.V. Tabela de progressão funcional.Sobre Comissão de Progressão:V. art. 2 do decreto de 10 de janeiro de 1935.- eleição, composição.V. arts. 13-1, 35, 25-1, 35-2 da Ordenança 58-1270.V. art. 39 do Decreto 93-21.

- poderes:V. arts. 18-1, 25-2,25-3, 32 a 34, 36, 40, 40-4 e 41-3

da Ordenança 58-1270.V. art. 21, 23 e seguintes, 29 e 30 do decreto 93-21.Sobre os graus da carreira:V. art. 2 da Ordenança 58-1270.V. art. 17 do Decreto 93-21.. progressão ou promoção de grau:V. arts. 28 e 40-5 da Ordenança 58-1270.V. arts. 32 e 35 do Decreto 93-21.V. art. 8 da Ordenança 94-100.V. art. 32 do Decreto 93-21.. primeiro grau:V. arts. 2, 13-2, 23, 24, 27 e seguintes, 35 da Ordenança

58-1270.V. art. 42 do Decreto 61-78.V. arts. 4, 5, 9, 10, 12, 13, 15, 16, 22, 26, 27 e 33 do

Decreto 93-21.. segundo grau:V. arts. 3-1,13-2, 26, 28 e seguintes, 35 da Ordenança

58-1270.V. art. 11 da Lei Orgânica 70-642.V. art. l, 3, 7, 9 e seguintes, 12, 15, 45, 46, 48 e 49 do

Decreto 93-21.Sobre a hierarquia judiciária:V. art. 2 da Ordenança 58-1270.V. arts. l, 2, 4,11 e 33 do Decreto 93-21.Sobre juízes fora da hierarquia:V. arts. 3, 13-3, 28-1, 35, 35-2, 37 e seguintes, 40 da

Ordenança 58-1270.V. art. 1° da Lei Orgânica 86-1303.V arts. l e 5 do Decreto 93-21.

Luiz Guilherme Marques A JUSTIÇA DA FRANÇA - UM MODELO EM QUESTÃO

252 253

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V. art. e 2 da Lei Orgânica 94-100.V. art. 2 a 6 do Decreto 94-199.Sobre vencimentos dos magistrados:V. arts. 18, 42, 50 e 58-1 da Ordenança 58-1270.V. art. 49 do Decreto 93-21.(14) Para pesquisa na Internet sobre o assunto no site

do Ministério da Justiça francês: http://www.justice.gouv.fr/arbo/justicef/aidejuri.htm.

(15) Para pesquisa na Internet sobre o assunto no siteda Escola Nacional da Magistratura francesa: http://www.enm.justice.fr.

(16) Para pesquisa na Internet sobre o assunto no siteda Union Syndicale des Magistrats: http://juripole.univ-nancy2.fr/USM.

(17) Para pesquisa na Internet sobre o assunto no siteda Associação Profissional de Magistrados: http://www.nouvelleapm.fr.

(18) Para pesquisa na Internet sobre o assunto no sitedo Sindicato da Magistratura: http://www.syndicat-magistrature.org/.

(19) Para pesquisa na Internet sobre o assunto no sitedo Ministério da Justiça francês: http://www.justice.gouv.fr/justicef/minipubi .htm.

(20) Sobre advogado geral:V. arts. 3, 39, 40-1 e seguintes da Ordenança 58-1270.V. art. l ° da Lei Orgânica 86-1303.V. arts. 4,10 e 31 do decreto 93-21.Sobre Procurador da República:V. arts. 3, 28-1 e 36 da Ordenança 58-1270.

V. arts. 2, 3, 4, 20 e 46 do Decreto 93-21.V. arts. 2 e 3 da Lei Orgânica 94-100.V. arts. 11 a 15 do Decreto 94-199.Sobre procurador geral:- diante da Corte de Cassação:V. art. 65 da Constituição.V. arts. 35, 44, 63 e 76 da Ordenança 58-1270.- diante das Cortes de Apelação:V. arts. l, 3, 3-1,13-2, 37-1, 39, 40 e 44 da Ordenança

58-1270.V. arts. 5,19, 20, 39 e 44 do Decreto 93-21.V. arts. 2 e 3 da Lei Orgânica 94-100.V. arts. 7 a 10,16 e 18 do Decreto 94.199.(21) Para pesquisa na Internet sobre o assunto no site

da Confederação Nacional dos Advogados da França: http://juripole.univ-nancy2.fr/CNA-ANASED.

Sobre advogado:V. arts. 9-1/19, 25-4, 30, 32, 40, 52 e 54 da Ordenança

58-1270.V. art. 42 do decreto 61-78.V. art. 14 da Lei Orgânica 70-642.V. art. 43 do Decreto 94-199.Sobre advogado junto ao Conselho de Estado e à Corte

de Cassação:V. arts. 40, 52 e 54 da Ordenança 58-1270.V. art. 14 da Lei Orgânica 70-642.(22) Sobre funcionário público:V. arts. 17,22,33 40-5 40-7 68 762 da Ordenança 58-

1270.V. art. 14 da Ordenança 70-642.V. arts. 11 e 17-1 do Decreto 93-21.V. do Decreto 93-548.

Luiz Guilherme Marques A JUSTIÇA DA FRANÇA - UM MODELO EM QUESTÃO

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Sobre escrivão:V. art. 14 da Lei Orgânica 70-642.Sobre escrivão-chefe:V. arts. -22, 23 e 33 da Ordenança 58-1270.V. arts. 11 e 33 do Decreto 93-21.(23) Informações na Internet sobre o assunto no site da

Câmara Nacional de Avoués: http://wvvw.avoues.fr.Sobre avoué:V. art. V. arts. 9-1, 25-4, 30 e 32 da Ordenança 58-

1270.V. arts. 14 e seguintes da Lei Orgânica 70-642.(24) Para pesquisa na Internet: http://www.ordre-

avocats-cassation.fr.(25) Sobre Oficiais de Justiça:V. art. 9-1, 25-4 e 32 da Ordenança 58-1270.V. art.. 14 e seguintes da Lei Orgânica 70-642.(26) Sobre Ministro da Justiça:V. art. 65 da Constituição.V. art. 2 do Decreto de 10 dejaneiro de 1935.V. arts. 5,12,13,18,18-1, 21, 26, 27, 27-1, 28, 28-1,50-

1, 58-1, 63, 65 e 66 da Ordenança 58-1270.V. art. 16 da Lei Orgânica 70-642.V. art. 1° da Lei Orgânica 88-23.V. arts. 6,19,23,24,27, 30, 34, 36, 44 do Decreto 93-21.V. arts. 3, 6,11,12,16, 25, 26, 32,35, 37, 38, 39, 41 e

42 do Decreto 94-199.(27) Para pesquisa na Internet: http://

’www.droit.umontreal.ca/palais/magistrature/aem/aem.htm(28) Para pesquisa na Internet: http://

www.droit.umomtreal.ca/palais/magistrature/uim/uim.htm.

16. APÊNDICE

16.1. CARTA JUDICIÁRIA FRANCESA (CARTEJUDICIAIRE)

Cortes de Apelação (CA)Tribunais de Grande Instância (TGI)Tribunais de Instância (TI) da FrançaAGEN (CA) – Agen (TGI) – Agen (TI), Nerac (TI),

Villeneuve-ur-Lot (TI) – Auch (TGI) – Auch (TI), Condom (TI),Leetoure (TI), Mirande (TI) – Cahors (TGI) – Cahors (TI),Figeac (TI), Gourdon (TI) – Marmande (TGI) – Marmande (TI)

AIX EN PROVENCE (CA) – Aix en Provence (TGI)– Aix-en-Provence (TI), Martigues (TI), Salon-de-Provence (TI)– Digne (TGI) – Digne (TI), Barcelonnette (TI), Forcalquier (TI)– Grasse (TGI) – Grasse (TI), Antibes(TI), Cannes (TI), Cagnes-sur-Mer (TI),Vence (TI) – Nice (TGI) – Nice (TI), Menton (TI)– Marseille (TGI) – Marseille (TI), Aubagne (TI) – Tarascon(TGI) – Tarascon (TI), Aries (TI) – Draguignan (TGI) –Draguignan (TI), Brignoles (TI), Frejus (TI) – Toulon (TGI) –Toulon (TI), Hyères (TI).

AMIENS (CA) – Amiens (TGI) – Doullens(TI),Montdidier (TI) – Laon (TGI) – Laon (TI), Vervins (TI) – SaintQuentin (TGI) – Saint-Quentin (TI) – Soissons (TGI) – Soissons(TI), Château-Thierry (TI) – Beauvais (TGI) – Beauvais (TI),Clermont (TI) – Compiègne (TGI) – Compiègne (TI) – Senlis(TGI) – Senlis (TI) – Abbeville (TGI) – Abbeville (TI) – Peronne(TGI) – Peronne (TI).

ANGERS (CA) – Angers (TGI) – Angers (TI), Cholet(TI), Segret (TI) – Saumur (TGI) – Saumur (TI), Bauge (TI) –Laval (TGI) – Laval (TI), Château-Gontier (TI), Mayenne (TI)– Le Mans (TGI) – Le Mans (TI), La Flèche (TI), Mamers (TI),Saint-Calais (TI).

Luiz Guilherme Marques

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A JUSTIÇA DA FRANÇA - UM MODELO EM QUESTÃO

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BASTIA (CA) – Basüa (TGI)– Bastia (TI), He Rousse(TI), Corte (TI) – Ajaccio (TGI) –Ajaccio (TI), Sartene (TI).

BESANÇON (CA) – Besançon (TGI) – Besançon (TI),Baume-les-Dames (TI), Pontarlier (TI) – Montbéliard (TGI) –Montbéliard (TI) – Long-Le-Saunier (TGI) – Long-Le-Saunier(TI), Saint-Glaude (TI) – Lure (TGI) – Lure (TI), Luxeuil-les-Bams (TI) – Vesoul (TGI) –Vesoul (TI), Gray (TI) – Dôle (TGI)– Dôle (TI), Arbois (TI) – Belfort (TGI) – Belfort(TI).

BORDEAUX (CA) – Bordeaux (TGI) – Bordeaux (TI).Arcachon (TI), Bazas (TI), Blaye (TI), Lesparre-Médoc (TI),La Réole (TI) – Angoulème (TGI) – Angoulème (TI), Barbezieux(TI), Cognac (TI), Confolens (TI), Ruffec (TI) – Bergerac (TGI)–Bergerac (TI), Sarlat (TI) – Périgueux (TGI) – Périgueux (TI),Nontron (TI), Ribérac (TI) – Libourne (TGI) – Libourne (TI).

BOURGES (CA) – Bourges (TGI) – Bourges (TI),Saint-Amand-Montrond (TI), Sancerre (TI),Vierzon (TI) –Châtauroux (TGI) – Châtauroux (TI), Le Blanc (TI), La Châtre(TI), Issoudun (TI) – Libourne (TGI) – Libourne (TI) – Nevers(TGI) – Nevers (TI), Château-Chinon (TI), Clamecy,(TI),Cosne-sur-Loire (TI), Nevers (TI).

CAEN (CA) – Caen (TGI) – Caen (TI), Bayeux (TI),Falaise (TI), Vire (TI) – Lisieux (TGI) – Lisieux (TI), Pont-1’Evêque (TI) – Avranches (TGI) – Avranches (TI), Mortain(TI) – Cherbourg (TGI)– Cherbourg (TI), Valognes (TI) –Coutances (TGI) –Coutances (TI), Saint-Lô (TI) – Alençon(TGI) – Alençon (TI), Mortagne-au-Perche (TI) – Argentan(TGI) –Argentan (TI), Domfront (TI).

CHAMBERY (CA) – Chambery (TGI) – Chambery(TI), Aix-les-Bains (TI) – Albertville (TGI) – Albertville (TI),Moutiers (TI), Saint-Jean-de-Maurienne (TI) – Annecy (TGI) –Annecy (TI) – Bonneville (TGI) – Bonneville (TI) – Thonon-les-Bains (TGI) – Thonon-les-Bains (TI), Bonneville (TI), Saint–Julien (TI).

COLMAR (CA) – Colmar (TGI) – Colmar (TI),Guebwiller (TI), Ribeauvillé (TI), Sélestat (TI) – Saverne (TGI)– Saverne (TI), Molsheim (TI) – Strasbourg (TGI) – Strasbourg(TI), Brumath (TI), Haguenau (TI), Illkirsh-Graffenstaden (TI),Schilügheim (TI), Wissembourg (TI) – Mulhouse (TGI) –Mulhouse (TI) , Altkirsh (TI), Huningue (TI), Than(TI).

DIJON (CA) – Dijon (TGI) – Dijon (TI), Beaune (TI),Châtillon-sur-Seine (TI) Semur (TI) – Chaumont (TGI) –Chaumont (TI), Langres (TI), Saint–Dizier (TI) – Châlon-sur-Saône (TGI) – Châlon–sur–Saône (TI), Autun (TI), Le Creusot(TI), – Louhans (TI), Montceau-les-Mines (TI) – Mâcon (TGI)– Mâcon (TI), Charolles (TI).

DOUAI (CA) – Douai (TGI) – Douai (TI) – Avesnes-sur-Helpe (TGI) – Avesnes-sur-Helpe (TI), Maubeuge (TI) –Cambrai (TGI) – Cambrai (TI) –Dunkerque (TGI) –Dunkerque(TI) – Hazebrouck (TGI) – Hazebrouck (TI) – Lille (TGI) –Lille (TI), Roubaix (TI), Tourcoing (TI) –Valenciennes (TGI) –Valenciennes (TI) – Arras (TGI) – Arras (TI), Saint-Pol-sur-Ternoise (TI) – Béthune (TGI) – Béthune (TI), Carvin (TI),Houdain (TI), Lens (TI), Liévin (TI) – Boulogne-sur-Mer (TGI)– Boulogne-sur-Mer (TI), Calais (TI), Montreuil (TI) – Saint-Omer (TGI) – Saint-Omer (TI).

GRENOBLE (CA) – Grenoble (TGI) – Grenoble (TI),la Mure (TI), Saint-Marceilin (TI) – Gap (TGI) – Gap (TI),Briançon (TI) – Valence (TGI) –Valencc (TI), Die (TI),Montélimar (TI), Nyons (TI), Romans-sur-Isère (TI) – Bourgoin-Jallieu (TGI) – Bourgoin-JaIlieu (TI) – Vienne (TGI) – Vienne(TI).

LIMOGES (CA)– Limoges (TGI)– Limoges (TI), Bellac(TI), Rochechouart (TI), Saint-Yrieix-la-Perche (TI) – Brive-la-GailIarde (TGI) – Brive-la-GailIarde (TI) –Tulle (TGI) – Tulle(TI), Ussel (TI) – Guéret (TGI) – Guéret (TI). Aubusson (TI),Bourganeuf (TI).

A JUSTIÇA DA FRANÇA - UM MODELO EM QUESTÃOLuiz Guilherme Marques

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LYON (CA) – Lyon (TGI) – Lyon (TI), Villeurbanne(TI) – Belley (TGI) – Belley (TI) – Bourg-en-Bresse (TGI) –Bourg-en-Bresse (TI), Nantua (TI), Trévoux (TI) – Montbrison(TGI) – Montbrison (TI) – Roanne (TGI) – Roanne (TI) – SaintEtienne (TGI) – Saint Etienne (TI), Le Chambon–Feugerolles(TI) – Villefranche-sur-Saône (TGI) – Villefranche-sur-Saône(TI).

METZ (CA) – Metz (TGI) – Metz (TI), Boulay-Moselle(TI), Château-Salins (TI), Sarrebourg (TI) –Thionville (TGI) –Thionville (TI), Hayange (TI) – Sarreguemines (TGI) –Sarreguemines (TI), Forbach (TI), Saint-Avold (TI).

MONTPELLIER (CA) – Montpeilier (TGI) –Montpeilier (TI), Lodève (TI), Sete (TI) – Carcassonne (TGI)– Carcassonne (TI), Casteinaudary (TI), Limoux (TI) – Narbonne(TGI) – Narbonne (TI) – Mfflau (TGI) – Millau (TI), Saint-Affrique (TI) – Rodez (TGI) –Rodez (TI), Espalion (TI),Villefrance–de–Rouergue (TI) – Beziers (TGI) – Beziers (TI),Saint-Pons-de-Thomières (TI) – Perpignan (TGI) – Perpignan(TI), Céret (TI), Frades (TI).

NANCY(CA) – Nancy (TGI) – Nancy (TI), Luneville(TI), Toul (TI) – Briey (TGI) – Briey (TI), Longwy (TI) – Bar-le-Duc (TGI) – Bar-le-Duc (TI), Saint-Mihiel (TI) –Verdun (TGI)– Verdun (TI) – Epinal (TGI) –Epinal (TI), Mirecourt (TI),Neuchâteau (TI), Remiremont (TI) – Saint–Dié (TGI) – Saint-Dié (TI).

NÎMES (CA) – Nimes (TGI) – Nimes (TI), Uzès (TI),LeVigan (TI) – Privas (TGI) – Privas (TI), Largentière (TI),Tournon (TI) – Carpentras (TGI) – Carpentras (TI), Orange(TI) – Ales (TGI) – Ales (TI) – Mende (TGI) – Mende (TI),Florac (TI), arjevoís (TI) – Avignon (TGI) – Avignon (TI),Apt(TI).

ORLÉANS (CA) – Oriéans (TGI) – Oriéans (TI),Pithiviers (TI) – Tours (TGI) – Tours (TI), Chinon (TI), Loches

(TI) – Blois (TGI) – Blois (TI), Romorantin (TI), Vendôme (TI)– Montargis (TGI)– Montargis (TI), Gien (TI).

PARIS (CA) – Paris (TGI) – Paris: l Tribunal de Políciae 20 TI– Fontainebleau (TGI) – Fontainebleau (TI), Montereau(TI) – Meaux (TGI) – Meaux (TI), Coulomiers (TI), Lagny-sur-Marne (TI) – Melun (TGI) – Melun (TI), Provins (TI) –Auxerre (TGI) – Auxerre (TI), Avallon (TI), Tonnerre (TI) –Sens (TGI) –Sens (TI) – Evry (TGI) –Evry (TI), Corbeil-Essones(TI), Etampes (TI),Juvisy-sur-Orge (TI), Longjumeau (TI),Palaiseau (TI) – Bobigny (TGI) – Bobigny (TI), Aubervilliers(TI), Aulnay-sous-Bois (TI), Montreuil (TI), Noisy-le-Sec (TI),Pantin (TI), Le-Raincy (TI), Saint-Denis (TI), Saint-Ouen (TI)– Créteil (TGI) – Créteil (TI), Charenton (TI), Ivry-sur-Seinev,Nogent-sur-Marne (TI), Saint-Maur-des-Fossés (TI), Villejuif(TI), Vincennes (TI).

PAU (CA) – Pau (TGI) – Pau (TI), Oloron-Sainte-Marie(TI), Orthez (TI) – Dax (TGI) – Dax (TI) – Mont-de-Marsan(TGI) – Mont-de-Marsan (TI), Saint-Sever (TI) – Bayonne(TGI) – Bayonne (TI), Biarritz (TI) – Tarbes (TGI) –Tarbes(TI), Bagrières-de-Bigorre (TI), Lourdes (TI).

POITIERS (CA) – Poitiers (TGI) – Poitiers (TI),Châtelleraud (TI), Civray (TI), Loudun (TI), Montmorillon (TI)– La Rochelle (TGI) – La Rochelle (TI) – Rochefort (TGI) –Rochefort (TI), Marennes (TI) – Saintes (TGI) – Saintes (TI),Jonzac (TI), Saint-Jean-d’Angely (TI) – Bressuire (TGI) –Bressuire (TI), Parthenay (TI) –Niort (TGI) – Niort (TI), Melle(TI) – La Roche-sur-Yon (TGI) – La Roche-sur-Yon (TI) –Fontenay-le-Comte (TI) – Les Sables-d’Olonne (TGI) – LesSables-d’O1onne (TI).

REIMS (CA) – Reims (TGI) – Reims (TI) – Charleville–Mézières (TGI) – Charleville–Mézières (TI), Rethel (TI), Rocroi(TI), Sedan (TI), Vouziers (TI) –Troyes (TGI) – Troyes (TI),Bar–sur–Aube (TI), Bar–sur–Seine (TI) Nogent–sur–Seine (TI)

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A JUSTIÇA DA FRANÇA - UM MODELO EM QUESTÃOLuiz Guilherme Marques

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– Châlons–sur–Marne (TGI) – Châlons–sur–Marne (TI),Epernay (TI), Vitry–le–François (TI).

RENNES (CA) – Rennes (TGI) – Rennes (TI), Fougères(TI), Montfbrt-sur-Meu (TI), Redon (TI), Vitré (TI) – Dinand(TGI) – Dinand (TI) – Guingamp (TGI) – Guingamp (TI), Lannion(TI) – Saint-Brieuc (TGI) – Saint-Brieuc (TI), Loudeac (TI) –Brest (TGI) – Brest (TI) – Morlaix (TGI) – Morlaix (TI) –Quimper (TGI) – Quimper (TI), Châteaulin (TI), Quimperié (TI)– Saint-Malo (TGI) – Saint-Malo (TI) – Nantes (TGI) – Nantes(TI), Château-briant (TI) – Saint–Nazaire (TGI) – Saint–Nazaire(TI), Paimboeuf (TI) – Lorient (TGI) – Lorient (TI), Auray (TI),Pontivy (TI) –Vannes (TGI) – Vannes (TI), Ploermel (TI).

RIOM (CA) – Riom (TGI) – Riom (TI) – Cusset (TGI)– Cusset (TI), Gannat (TI), Vichy (TI) – Montiuçon (TGI) –Montiuçon (TI) – Moulins (TGI) – Moulins (TI) –Aurillac (TGI)– Aurillac (TI), Mauriac (TI), Murat (TI), Saint-Flour (TI) – LePuy (TGI)– Le Puy (TI), Brioude (TI), Yssingeaux (TI) –Clermont-Ferrand (TGI) – Clermont-Ferrand (TI), Ambert (TI),Issoire (TI), Thiers (TI).

ROUEN (CA) – Rouen (TGI) – Rouen (TI),Yvetot (TI)– Bernay (TGI) – Bernay (TI), Pont-Audemer (TI) – Evreux(TGI) – Evreux (TI), Les Andelys (TI), Louviers (TI) – Dieppe(TGI) – Dieppe (TI), Neufchâtel-em-Bray (TI) – Le Havre (TGI)– Le Havre (TI).

TOULOUSE (CA) –Toulouse (TGI) –Toulouse (TI),Murei (TI),Vllïefranche-de-Lauraguais (TI) –Foix (TGI) – Foix(TI), Pamiers (TI), Saint-Girons (TI) – Saint-Gaudens (TGI) –Saint-Gaudens (TI) – Albi (TGI)– Albi (TI), Gaillac (TI) – Castres(TGI) – Castres (TI), Lavaur (TI) – Montauban (TGI) –Montauban (TI), Castelsarrasin (TI), Moissac (TI).

VERSAILLES (CA) –Versailles (TGI) –Versailles (TI),Mantes-la-Jolie (TI), Poissy (TI), Rambouillet (TI), Saint-Germain-en Laye (TI) – Chartres (TGI) – Chartres (TI),

Châteaudun (TI), Dreux (TI), Nogent-le-Rotrou (TI) – Nanterre(TGI) – Nanterre (TI), Antony (TI), Asniè-res-sur-Seine (TI),Boulogne-Billancourt(TI), Clichy (TI), Colombes (TI),Courbevoie (TI), Levallois-Perret (TI), Neuilly-sur-Seine (TI),Puteaux (TI), Vanves (TI) – Pontoise (TGI) – Pontoise (TI),Ecouan (TI), Sannois (TI), Gonesse (TI), Montmorency (TI).

Observações:1) As Cortes de Apelação localizam-se geralmente nas

cidades mais importantes, onde também existem os Tribunais deGrande Instância e Tribunais de Instância. Nas cidades de médioporte existem apenas os Tribunais de Grande Instância e Tribunaisde Instância, nas menores, os Tribunais de Instância. Tudo issodepende, no entanto, de critérios políticos, ocorrendo muitasexceções a esta regra, que é objeto de preocupação do Ministérioda Justiça, que vem propondo uma racionalização da “cartajudiciária”, embora sem sucesso.

2) Nas cidades diminutas, que são a maioria, não háórgãos judiciários, fazendo elas parte das circunscrições acimaenumeradas.

16.2. ASSOCIAÇÕES INTERNACIONAIS DEMAGISTRADOS

16.2.1. Associação Europeia dos Magistrados (27)

E uma organização não-governamental, que agrupa asassociações nacionais de magistrados de 27 países, sendo a maisimportante da Europa e o maior grupo regional da UniãoInternacional dos Magistrados. Ao lado da União Internacionaldos Magistrados, é a única organização não governamentalrepresentativa perante o Conselho da Europa, a Comissão deBruxelas e o Parlamento Europeu. A Associação tem como

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265

17. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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objetivos representar e defender os interesses morais e materiaisdos magistrados europeus.

Seus membros são as associações de magistrados dos15 países que formam a União Europeia (dentre os quais aFrança) e mais as dos seguintes: Estônia, Fyrom, Hungria,Islândia, Israel (como observador), Letônia, Liechtenstein, Malta,Noruega, Romênia, Eslováquia, Eslovênia, Suíça e RepúblicaCheca. Cada uma das associações aderentes se obriga a cumpriros seguintes objetivos: salvaguardar a independência e a posiçãoconstitucional e moral do Poder Judiciário, além de fazer ointercâmbio cultural entre os magistrados dos países-membros.

16.2.2. União Internacional dos Magistrados (28)

Fundada em 1953, é uma organização profissionalinternacional apodíctica que agrupa associações nacionais demagistrados (dentre as quais a francesa) e cuja admissão édecidida pelo Conselho Central. Sua Finalidade principal é asalvaguarda da independência do Poder Judiciário. A Uniãocongrega 47 associações ou grupos representativos nacionaisdos cinco continentes. Seu órgão deliberativo é o ConselhoCentral do qual fazem parte dois representantes de cadaassociação. Possui representatividade perante o ConselhoEconômico e Social e o Escritório Internacional do Trabalhodas Nações Unidas e perante o Conselho da Europa.

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Luiz Guilherme Marques A JUSTIÇA DA FRANÇA - UM MODELO EM QUESTÃO

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par um Avocat de Province. 1766-Internet.

270 271

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18. ÍNDICE ALFABÉTICO REMISSIVO

A JUSTIÇA DA FRANÇA - UM MODELO EM QUESTÃO

ACESSO À JUSTIÇA E AO DIREITO – 193, 195

ACESSO À JUSTIÇA – 193, 198, 207, 209

ACESSO AO DIREITO – 193, 194, 195, 198

ACKERMAN – 91, 92

ADVOGADOS – 28, 33, 40, 43, 44, 45, 57, 61, 62, 65, 67,68, 70, 111, 132, 134, 183, 189, 197, 223, 225, 231, 233,234, 235, 255

ADVOGADOS DOS CONSELHOS – 233, 235

ADVOGADOS GERAIS – 166, 231

ALMEIDA – 21, 23, 84, 180, 188

ALTA CORTE DE JUSTIÇA – 126, 128, 165, 166, 167,181, 215, 231

ANCEL – 21, 71, 84

ASSOCIAÇÃO EUROPEIA DOS MAGISTRADOS – 263

ASSOCIAÇÃO PROFISSIONAL DOS MAGISTRADOS – 228

ASSOCIAÇÕES INTERNACIONAIS DE MAGISTRA-DOS – 263

AUXILIARES DA JUSTIÇA – 32, 92, 132, 169, 233

AVOUÉS – 233, 234, 235, 256

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A JUSTIÇA DA FRANÇA - UM MODELO EM QUESTÃOLuiz Guilherme Marques

BACHELIER – 58

BASTARD – 91, 92

BLUCHE – 33, 83

BOIGEOL – 70, 198

BRILLAT-SAVARIN – 102

BURKE – 58, 63

CÂMARAS REGIONAIS DE CONTAS – 128, 163

CAPPELLETTI – 180, 201

CARACTERÍSTICAS DA JUSTIÇA JUDICIÁRIA – 167

CARTA JUDICIÁRIA FRANCESA – 257

CENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA – 63

CHAPUS – 158, 160, 181

CIÊNCIA PROCESSUAL – 189

COLCOMBET – 92, 93

CONSELHO CONSTITUCIONAL – 88, 128, 157, 164,165, 166, 184, 210, 211, 220, 222, 236

CONSELHO DE ESTADO – 47, 127, 148, 155, 156, 157,158, 159, 160, 161, 162, 164, 166, 180, 183, 184, 187, 216,217, 220, 235, 255

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA – 71,90, 186, 192, 193, 202, 215, 216, 217,

CONTROLE EXTERNO – 192

CONSTITUIÇÃO DE 1958 (ATUAL); – 165, 216, 218, 219,243

CONSTITUIÇÕES – 54, 57, 87, 108, 210, 215

CONSULADO – 39, 61, 151

CORTE DE CASSAÇÃO – 67, 70, 71, 76, 103, 123, 126,127, 142, 148, 153, 154, 155, 165, 166, 167, 168, 180, 184,185, 186, 187, 190, 192, 204, 205, 217, 220, 221, 231, 232,234, 241, 249, 250, 251, 255

CORTE DE CONTAS – 128, 148, 163, 164, 166, 167, 169, 252

CORTE DE DISCIPLINA ORÇAMENTARIA EFINANCEIRA – 128, 164, 166

CORTE DE JUSTIÇA DA REPÚBLICA – 127, 148, 166,169, 181, 231

CORTE SUPREMA –156

CORTES ADMINISTRATIVAS DE APELAÇÃO – 128,160, 161, 162, 166, 209, 235

CORTES DE APELAÇÃO – 62, 67, 126, 127, 143, 151,152, 153, 166, 167, 168, 173, 185, 186, 190, 231, 235, 248,255, 257, 263

COUCHEZ – 125, 130

COUTANT – 139

DAVID – 21, 89, 90, 159, 174, 178, 203

DEMANDA REPRIMIDA – 204

DESCONFIANÇA EM RELAÇÃO AOS JUÍZES – 201

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A JUSTIÇA DA FRANÇA - UM MODELO EM QUESTÃOLuiz Guilherme Marques

DICOTOMIA JUSTIÇA JUDICIÁRIA – JUSTIÇAADMINISTRATIVA – 183

DIREITO FRANCÊS – 7, 21, 25, 84, 85, 174, 203

DIREITOS HUMANOS – 85, 145, 199

DUVERGER – 88, 125, 164, 183, 186, 202

ELEIÇÕES DE JUÍZES – 60, 66

EM NOME DO POVO FRANCÊS – 87, 189

ENSINO JURÍDICO – 239, 240

ESCOLA NACIONAL DA MAGISTRATURA – 71, 99,139, 170, 171, 182, 185, 186, 188, 223, 232, 241, 254

ESCRIVÃES – 40, 61, 62, 225, 234

ESCRIVÃES DOS TRIBUNAIS DO COMÉRCIO – 237

ESPECIALIZAÇÃO – 181

ESTATUTO DA MAGISTRATURA – 190, 191, 222, 227

EVOLUÇÃO DA JUSTIÇA E DO DIREITO – 42

FORTALECIMENTO DO JUDICIÁRIO: ÉPOCA DELUÍS XV – 457

GESTÃO ATRAVÉS DE ASSEMBLEIA – 186

GRANDES MAGISTRADOS – 94

GUIGOU – 91, 193, 219

GUINCHARD – 189

GUNTEN – 125

HAENEL – 209

HIERARQUIZAÇÃO – 93, 129, 184, 185, 202, 231, 242

HISTÓRIA DA JUSTIÇA – 20, 23, 24, 25, 167, 168

HISTÓRIA DO DIREITO – 76, 85

IMBERT- QUARETTA – 132, 198

JUIZ COMO “BOUCHE DE LA LOI” – 174

JUÍZES DE INSTRUÇÃO – 144, 152, 166,

JUÍZES LEIGOS – 142, 143, 146, 169

JUÍZES PROFISSIONAIS: ORIGEM – 44

JUÍZES TOGADOS JUDICIÁRIOS: FORMAS DERECRUTAMENTO – 170

JURISDIÇÕES MILITARES – 127, 146, 147, 166

JURISDIÇÕES SEPARADAS – 126, 164, 166

JURISDIÇÕES TRABALHISTAS – 127, 140

JUSTIÇA COMO SERVIÇO PÚBLICO – 219

JUSTIÇA DA IGREJA – 26, 37, 40

JUSTIÇA JUVENIL – 145, 223

JUSTIÇA MEDIEVAL – 25, 36

KERNALEGUEN – 125, 136, 140, 168, 187, 204

LAFERRIÈRE – 157

LEBIGRE – 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 33, 81, 203

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A JUSTIÇA DA FRANÇA - UM MODELO EM QUESTÃOLuiz Guilherme Marques

LEYRET – 7

MAGISTRADOS FORA DA MAGISTRATURA – 188

MAGISTRATURA HONESTA – 121

MATHIEU – 156

MICHEL DE MONTAIGNE – 104, 105, 107

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA – 84, 101, 125, 138, 169, 185,188, 194, 195, 197, 202, 218, 221, 234, 236, 237, 241, 242,245, 246, 247, 248, 249, 251, 254, 263

MINISTÉRIO PÚBLICO (PARQUET) – 7, 23, 33, 68, 88,89, 103, 131, 137, 138, 144, 145, 146, 147, 148, 150, 152,154, 165, 170, 171, 172, 182, 183, 186, 191, 192, 193, 196,200, 204, 215, 216, 217, 218, 221, 222, 223, 231, 232, 237,242, 244,

MONTESQUIEU – 14, 72, 87, 92, 108, 109, 110, 111, 112,113, 114, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 202

NASCIMENTO – 23, 77, 78

NIOGRET – 125

NOBREZA DE TOGA – 63, 198, 243

NORMAS CONSTITUCIONAIS – 215

NORONHA – 200

NOTÁRIOS – 40, 236, 237

NOVO REGIME – 59, 60

OBRÉGO – 183

OFICIAIS DE JUSTIÇA – 61, 62, 223, 235, 236, 256

OFICIAIS E AGENTES DE POLÍCIA – 237

OFICIAIS MINISTERIAIS – 235

ÓRGÃOS DA JUSTIÇA ADMINISTRATIVA – 156, 234

ÓRGÃOS DA JUSTIÇA FRANCESA – 125

ÓRGÃOS DE CLASSE – 227

ÓRGÃOS ESPECIAIS – 163, 166

ÓRGÃOS JUDICIÁRIOS – 72, 74, 125, 126, 128, 184,263

PARTICIPAÇÃO FEMININA – 204

PAUL DIDIER – 100, 101

PAUL MAGNAUD – 3, 7, 20, 94, 95

PERITOS JUDICIAIS – 238

PERROT – 132, 204

PETIT – 130

PLANIOL – 85

PODER JUDICIÁRIO – 13, 14, 32, 53, 56, 73, 87, 88, 90,215, 264

PRESENÇA DO JUIZ DE INSTRUÇÃO NA FASEINVESTIGATÓRIA DO PROCESSO PENAL – 199

RENÉ PARODI – 97, 98, 99

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO E RES-PONSABILIDADE REGRESSIVA DOS JUÍZES – 201

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REVOLUÇÃO FRANCESA: REFORMA DE JUSTIÇA – 59

ROBIDA – 168

ROSA – 200

SALAS – 90, 91

SAUVÉ – 220

SEIGNOBOS – 34, 35, 44, 58, 59, 76, 77, 78, 79, 80, 81,83, 84

SENTENÇAS CONCISAS – 188

SILVA – 56, 58, 121

SINDICATO DA MAGISTRATURA – 227, 228, 254

SISTEMA COLEGIADO – 181

TERQUEM – 89, 91

TOCQUEVILLE – 50, 56

TRABALHADORES SOCIAIS – 234

TRADICIONALISMO – 167

TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS – 23, 52, 68, 88, 125,128, 130, 158, 159, 160, 161, 162, 163, 166, 203, 209, 235

TRIBUNAIS CORRECIONAIS127, 150, 152, 248

TRIBUNAIS DE GRANDE INSTÂNCIA – 126, 128, 151,153, 166, 173, 181, 182, 186, 190, 194, 195, 222, 257, 263

TRIBUNAIS DE INSTÂNCIA – 126, 131, 134, 136, 151,153, 166, 167, 181, 194, 223, 234, 257, 263

TRIBUNAIS DE POLÍCIA – 127, 145, 149, 152, 247

TRIBUNAIS DE PROCESSOS DE SEGURIDADESOCIAL – 142, 169

TRIBUNAIS DO COMÉRCIO – 126, 136, 151, 166, 167,169, 234, 237

TRIBUNAIS DO CONTENCIOSO DAINCAPACIDADE – 142

TRIBUNAIS DO JÚRI – 127, 146, 150, 166, 169, 248

TRIBUNAIS MARÍTIMOS COMERCIAIS – 127, 149,166, 167, 169

TRIBUNAIS PARITÁRIOS DE ARRENDAMENTOSRURAIS – 127, 143, 166, 234

TRIBUNAL DA INQUISIÇÃO – 41

TRIBUNAL DOS CONFLITOS – 125, 126, 127, 155, 159,166, 220

TRIBUNAL REVOLUCIONÁRIO – 66, 68

TRUCHET – 220

UNIÃO INTERNACIONAL DOS MAGISTRADOS –263, 264

UNIÃO SINDICAL DOS MAGISTRADOS – 227, 228

VILLIERS – 87, 88, 157, 184

VINCENT – 189

VOLTAIRE – 57, 81, 83

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