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LUIZA ANDRADE CORRA
A judicializao da poltica pblica de educao infantil no Tribunal de
Justia de So Paulo
Dissertao de Mestrado
Orientao: Professor Dr. Marcos Paulo Verissimo.
UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE DIREITO
SO PAULO
2014
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LUIZA ANDRADE CORRA
A judicializao da poltica pblica de educao infantil no Tribunal de Justia de
So Paulo
Dissertao apresentada Banca Examinadora do
Programa de Ps-Graduao em Direito, da Faculdade
de Direito da Universidade de So Paulo, como
exigncia parcial pra obteno do ttulo de Mestre em
Direito, na rea de concentrao Direito Constitucional,
sob orientao do Professor Dr. Marcos Paulo
Verissimo.
UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE DIREITO
SO PAULO
2014
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Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Servio de Biblioteca e Documentao
Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo
Corra, Luiza Andrade
C 844j A judicializao da poltica de educao infantil
no Tribunal de Justia de So Paulo / Luiza Andrade
Corra . -- So Paulo: USP / Faculdade de Direito, 2014.
220 f. + anexos.
Orientador: Prof. Dr. Marcos Paulo Verissimo
Dissertao (Mestrado), Universidade de So Paulo,
USP, Programa de Ps-Graduao em Direito, Direito do
Estado, 2014.
1. Creches. 2. Educao infantil. 3. Polticas
pblicas. 4. Poder executivo. 5. Poder judicirio.
6. Tribunal de Justia So Paulo. I. Verissimo, Marcos
Paulo. II. Ttulo.
CDU
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Dedicatria
Dedico este trabalho ao meu marido,
Fernando Siqueira. Voc traz alegria para
meus dias conturbados, arte para a minha
razo e transforma nossa casa em lar.
Gratido por todo o apoio! Amo-te.
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AGRADECIMENTOS
Muitas pessoas foram essenciais para que este trabalho fosse possvel. Agradeo,
primeiramente, ao meu orientador, Prof. Dr. Marcos Paulo Verissimo, que concedeu essa
oportunidade, me inspirou com suas questes instigantes e me acompanhou ao longo de
todo o percurso, sempre com comentrios apurados, sugerindo solues e ajudando nos
tropeos. Sou tambm imensamente grata ao meu segundo orientador, Prof. Dr. Conrado
Hbner Mendes, que durante todo o mestrado me aconselhou, acompanhou, ajudou e
principalmente tem sido um modelo no qual me inspiro neste caminho acadmico.
Tambm agradeo ao Prof. Titular Dr. Virglio Afonso da Silva que me possibilitou desde
experincias de docncia a outras prticas coletivas na Faculdade de Direito. Vejo esses
trs professores como mestres, colegas, amigos e, principalmente, como um espelho para
meu futuro acadmico. Sonho em um dia ser pelo menos um pouquinho como eles.
Apesar da atividade de pesquisa comumente ser solitria, tive a sorte de poder
dividi-la. Fiz grandes amigas durante o mestrado. As reunies semanais para discutir
nossas pesquisas me fizeram compreender os caminhos a tomar e me deram flego para
continuar. Natlia Pires e Maria Olvia Junqueira, vocs foram imprescindveis para esse
trabalho.
Sou tambm imensamente grata queles que se disponibilizaram a ler, criticar e
comentar meu trabalho: Andr Lus M. Freire, Bruna Pretzel, Carolina Cutrupi, Camila
Batista Pinto, Ceclia Lima, Diogo Rais, Evorah Cardoso, Flvia Annenberg, Guilherme
Klafke, Lia Pessoa, Lvia Guimares, Luciana Ramos, Luciano Del Monaco, Marcela
Pedrazzoli e Victor Marcel. As crticas e sugestes de vocs foram precisas e me ajudaram
muito a melhorar o trabalho. Um agradecimento muito especial aos dois amigos que me
ajudaram com os grficos e manipulao de dados quantitativos: Guilherme Jardim Duarte
e Maurcio Chavenco. Sem vocs este trabalho seria bem menos informativo.
Agradeo minha me, Lcia Maria de Andrade, que me deu o gosto pela
atividade intelectual, ao meu pai, Geraldo Melo Corra, que me inspirou o amor pelas
questes sociais, e ao meu pai, Renato Alves Vale, que sempre foi meu apoio, meu porto
seguro e sem o qual eu nunca teria chegado aqui. Muito obrigada aos meus irmos Andr,
Bruno, Daniel, Marina e Thiago, seus respectivos maridos e esposas e meus muitos
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sobrinhos, por alegrarem a minha vida e serem meus maiores amigos. Tambm agradeo
ao meu marido, Fernando Siqueira, que me conforta, estimula e apoia.
Sou imensamente grata a todos aqueles que gentilmente me concederam entrevistas
e se dispuseram a me ajudar na construo do trabalho enviando documentos e
informaes importantes. Sem vocs essa pesquisa simplesmente no existiria.
Por fim, mas no menos importante, agradeo sbdp, nas pessoas de Roberta
Sundfeld e do Prof. Carlos Ari Sundfeld. Sou eternamente grata pela oportunidade de
iniciar meu caminho em uma instituio to brilhante. A sbdp me despertou a paixo pela
vida acadmica e me possibilitou 5 anos de experincia em pesquisa e docncia intensas e
de qualidade. A Escola de Formao fez parte de minha formao, tanto acadmica quanto
pessoal, e responsvel por me fazer uma pessoa mais crtica e ao mesmo tempo tolerante,
disposta a ouvir os outros e que valoriza o dilogo na construo do conhecimento. Ao
Prof. Glauco Peres da Silva pela parceria e pelas incrveis lies de metodologia. E FGV
DIREITO SP, nas pessoas de Jos Garcez e Marina Feferbaum, que me inspiram todos os
dias prtica docente, bem como a todos os meus colegas pesquisadores dessa instituio.
Vocs so, sem dvida, minha fora motriz.
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RESUMO
Luiza Andrade Corra. A judicializao da poltica pblica de educao infantil no
Tribunal de Justia de So Paulo. Mestrado Faculdade de Direito, Universidade de So
Paulo, So Paulo, 2014.
A presente pesquisa investiga a judicializao da educao infantil no que diz respeito
litigncia por vagas em creches e pr-escolas no mbito do Tribunal de Justia de So
Paulo. Aps descrever a poltica pblica e o procedimento para a criao de novas vagas,
feita uma anlise qualitativa das decises do Tribunal de Justia do Estado de So Paulo e
de suas consequncias prticas. Depois, feito um estudo de caso sobre dois recursos do
TJSP que funcionaram como um locus de dilogo e negociao interinstitucional. Assim,
foi possvel perceber problemas nos efeitos da judicializao no TJSP, identificar uma
prtica dialgica e alguns de seus efeitos e prever alguns desafios que sero provavelmente
enfrentados pelos atores envolvidos e pelo TJSP de agora em diante.
PALAVRAS-CHAVE: Creche, Educao Infantil, Judicializao, Poltica Pblica, Poder
Executivo, Poder Judicirio, Tribunal de Justia de So Paulo
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ABSTRACT
Luiza Andrade Corra. The judicialization of the public policy for early childhood
education in So Paulos Court of Justice. Master - Faculty of Law, University of So
Paulo, So Paulo, 2014.
This research investigates the judicialization of early childhood education with regard to
litigation for places in kindergartens and pre-schools under the So Paulos Court of
Justice (TJSP). After describing the general aspects of the public policy and the procedure
to provide more enrollments of children, we carried out a qualitative analysis of the
decisions of the So Paulos Court of Justice and its practical outcomes. Then, a case study
of two actions in TJSP is provided. This court functioned as a locus for dialogue and inter-
institutional negotiation. Thus, problems were revealed regarding the effects of
judicialization in TJSP, a dialogic practice was identified, as well as some of its effects,
and challenges that may be faced by the actors involved were presented.
KEYWORDS: Nursery, Kindergarten, Adjudication, Public Policy, Executive,
Judiciary, So Paulos Court of Justice
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SUMRIO
INTRODUO ..................................................................................................................14
CAPTULO 1 - METODOLOGIA DA PESQUISA ..................................................18
CAPTULO 2 - A JUDICIALIZAO DE DIREITOS SOCIAIS: A LITERATURA NA
QUAL A PESQUISA SE INSERE .......................................................................................30
2.1. Literatura sobre a judicializao de polticas pblicas no contexto brasileiro ... 35 2.2. Trabalhos sobre a judicializao da educao ................................................................. 40
CAPTULO 3 - A POLTICA PBLICA DE EDUCAO INFANTIL .......................47
3.1. O procedimento para abertura de novas vagas ............................................................... 56
CAPTULO 4 - O PADRO DECISRIO DO TRIBUNAL DE JUSTIA DE SO PAULO
.................................................................................................................................................62
4.1. Contedo material (substantivo) das decises ................................................................ 62 4.2. Litigncia atomizada: monolgica ou dialgica? ............................................................. 74 4.3. As consequncias da judicializao atomizada segundoos atores que litigam .... 76 4.4. Os efeitos da judicializao atomizada ............................................................................... 80
CAPTULO 5 - O ESTUDO DE CASO SOBRE AS APELAES DO GTIEI ............82
5.1. Linha do tempo da judicializao por vagas da educao infantil ............................ 82 5.2. A atuao original de cada uma das instituies ............................................................. 85
5.2.1. O Ministrio Pblico ......................................................................................................................... 85 5.2.2. A Organizao No Governamental Ao Educativa e o Movimento Creche para Todos ................................................................................................................................................................... 86 5.2.3. A Defensoria Pblica do Estado de So Paulo ........................................................................ 89 5.2.4. O escritrio Rubens Naves Santos Jr. Advogados ................................................................. 90
5.3. A criao do Grupo de Trabalho Interinstitucional de Educao Infantil .............. 91 5.4. O parecer ........................................................................................................................................ 92 5.5. Unificao do discurso e a oportunidade de atuao .................................................... 94 5.6. O Programa de Metas da Prefeitura ..................................................................................... 96 5.7. O pedido das aes civis pblicas ......................................................................................... 97 5.8. A audincia pblica ................................................................................................................. 100 5.9. A deciso do TJSP ..................................................................................................................... 101 5.10. Apelaes GETIEI: monolgicas ou dialgicas? .......................................................... 103 5.11. Lies retiradas da prtica verificada neste estudo de caso ................................. 104 5.12. Os desafios a serem enfrentados pelo Grupo de Monitoramento da deciso . 108
CONCLUSO .................................................................................................................. 111
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................. 116
ANEXOS ........................................................................................................................... 124
8.1. Anexo 1 - Modelo de Formulrio de Consentimento para Entrevista ................... 124 8.2. Anexo 2 Transcrio das entrevistas............................................................................. 126
8.2.1.Entrevista com a advogada da ONG Ao Educativa Ester Rizzi .................................. 126 8.2.2. Entrevista com o defensor pblico Luiz Rascovski ........................................................... 142 8.2.3.Entrevista com o promotor Joo Paulo Faustinone e Silva ............................................. 153 8.2.4. Segunda entrevista com o promotor Joo Paulo Faustinone e Silva ......................... 166
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8.2.5. Entrevista Lus Fernando Massonetto .......................................................................... 171 8.2.7. Entrevista Secretaria Municipal de Educao ..................................................................... 179 8.2.9. Entrevista com o Procurador do Municpio Felipe Gallardo ......................................... 202
Anexo 3 Lista de acrdos do TJSP ......................................................................................... 217 Anexo 4 Linhas do tempo da judicializao da educao infantil no Municpio .... 227 Anexo 5 Programa de Metas da Prefeitura .......................................................................... 233
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LISTA DE GRFICOS
Grfico 1 Distribuio dos acrdos por Comarcas
Grfico 2 Distribuio dos acrdos por ano
Grfico 3 Tipos de pedidos e resultado
Grfico 4 Recorrentes/Proponentes
Grfico 5 Recursos propostos pelo Municpio
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LEGENDA DE SIGLAS
ACP Ao Civil Pblica
AE Ao Educativa
CEMEI Centro Municipal de Educao Infantil
CEU Centros Educacionais Unificados
CF/88 Constituio Federal de 1988
DP Defensoria Pblica
EC Emenda Constitucional
EMEI Escolas Municipais de Educao Infantil
FUNDEB Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e de
Valorizao dos Profissionais da Educao
FUNDEF Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Fundamental e de
Valorizao dos Profissionais da Educao
GEDUC Grupo Especial de Educao do Ministrio Pblico de So Paulo
GTIEI Grupo de Trabalho Interinstitucional sobre Educao Infantil
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao
MP Ministrio Pblico
ONG Organizao No Governamental
PJDIDCIJ - Promotoria de Justia de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos da Infncia
e da Juventude
PNE Plano Nacional de Educao
SEMPLA Secretaria Municipal de Planejamento, Oramento e Gesto
SIURB Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras
STF Supremo Tribunal Federal
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TJSP Tribunal de Justia de So Paulo
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INTRODUO
Este trabalho investiga a judicializao1 da educao infantil no mbito do Tribunal de
Justia de So Paulo. Mais especificamente, analisa a litigncia por vagas em creches e
pr-escolas. Primeiro, fao uma descrio geral do quadro atual da poltica pblica e do
procedimento para a criao de novas vagas, com o objetivo de que o leitor compreenda o
contexto no qual este problema se insere. Segundo, analiso as decises do Tribunal de
Justia do Estado de So Paulo para conhecer como decide e como argumenta sobre o
tema. Em terceiro lugar, a partir de entrevistas com atores envolvidos nesses litgios,
identifico suas consequncias prticas para a poltica pblica e, portanto, para o direito
educao infantil visto de um ponto de vista estrutural e no apenas do indivduo
destinatrio da deciso.
Adiante, passo a um estudo de caso que diz respeito a dois recursos no mbito do TJSP
que funcionaram como loci de dilogo e negociao interinstitucional. Estes casos, que
aqui chamarei de Apelaes GTIEI2, se destacam dos demais por terem sido precedidos de
uma grande articulao e planejamento das entidades litigantes, dando origem a uma
audincia pblica, a diversas audincias de conciliao e a uma deciso que foge
completamente ao padro do Tribunal e, poder-se-ia dizer, ao padro da judicializao de
polticas pblicas no Brasil.
A primeira fase da pesquisa, que descreve a judicializao do TJSP (chamada aqui de
judicializao atomizada), possibilitou uma anlise acerca de seu status atual, seus efeitos.
O estudo de caso permitiu identificar alguns efeitos simblicos e extrair lies da prtica,
bem como compar-la com a prtica da judicializao atomizada. Assim, foi possvel
prever alguns desafios que sero possivelmente enfrentados pelos atores envolvidos e pelo
TJSP de agora em diante, no que se refere execuo da sentena, e sugerir caminhos.
Pesquisar esta questo permite que os atores envolvidos no processo tenham uma
compreenso ampla sobre o que tem ocorrido, j que sistematiza a jurisprudncia, o caso e
1 A palavra judicializao comumente utilizada para identificar um fenmeno de levar ao Poder Judicirio a
resoluo de questes que seriam tradicionalmente compreendidas como de competncia de outros Poderes.
No captulo 3 desta pesquisa este fenmeno ser melhor explicado.
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GTIEI ou Grupo de Trabalho Interinstitucional para Educao Infantil formado por atores de
Organizaes No Governamentais Sem Fins Lucrativos e rgos de litigncia do Estado e um escritrio de
advocacia que juntos discutem o problema e atuam na questo da educao infantil.
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seus efeitos. Alm disso, a pesquisa contribui para a compreenso do fenmeno geral de
judicializao das polticas pblicas e ajuda a refletir sobre o papel das instituies
envolvidas, alm de gerar discusses acerca da legitimidade e capacidade das cortes para
tomarem decises nesse mbito. Permite, por fim, uma anlise sobre as vantagens ou
desvantagens dessas prticas para maior eficcia do prprio direito educao pleiteado
em juzo.
Garantir o direito educao infantil um fator de desenvolvimento nacional, que tem
consequncias para as crianas em termos pedaggicos, para os pais, que podem trabalhar
enquanto as crianas so deixadas nas escolas, e at mesmo para o nvel nutricional das
crianas que frequentam as escolas, j que recebem merendas todos os dias.
A educao infantil, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educao, a primeira
etapa da educao bsica e tem como finalidade o desenvolvimento integral da criana de
at 5 (cinco) anos, em seus aspectos fsico, psicolgico, intelectual e social,
complementando a ao da famlia e da comunidade.
O relatrio de parmetros de qualidade para educao infantil da Fundao Carlos
Chagas, em seu segundo volume, indica que:
Os professores e os demais profissionais que atuam nessas instituies
devem, portanto, valorizar igualmente atividades de alimentao, leitura
de historias, troca de fraldas, desenho, musica, banho, jogos coletivos,
brincadeiras, sono, descanso, entre outras tantas propostas realizadas
cotidianamente com as crianas. (BRASIL, 2006b)
O Brasil um pas de grandes desigualdades sociais e, apesar de ter sado do mapa da
fome da Organizao das Naes Unidas no ano de 2014 (SAIR, 2014), ainda ocupa a
posio de nmero trinta e oito dos quarenta pases analisados no ranking de educao
feito pela empresa Pearson, que mede a capacidade cognitiva dos estudantes e a frequncia
escolar (PEARSON, 2014).
O Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio
Teixeira INEP do ano de 2013 demonstra que o Municpio de So Paulo teve 498.446
matrculas em instituies de ensino infantil, entre creches e pr-escolas, sendo a maioria
em tempo integral e gerida pelo Municpio3. As escolas pblicas municipais, apenas no
ensino pr-escolar, contavam com 7.602 docentes distribudos em 523 escolas no ano de
3 Dados disponveis em .
http://portal.inep.gov.br/basica-censo
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20124. Relatrio publicado em outubro de 2013 pela Prefeitura demonstra que o Municpio
de So Paulo contava com uma demanda no atendida de 170.472 vagas em creches e
14.701 vagas em pr-escolas5.
A questo da demanda por vagas tem ganhado cada vez mais espao no debate pblico.
Recentemente, o Deutsche Bank, banco supostamente utilizado pelo ex-prefeito Paulo
Maluf para movimentar dinheiro pblico desviado do Municpio, aceitou fazer um acordo
com o Ministrio Pblico para evitar ao judicial. O acordo resultar no pagamento de
uma quantia de 20 milhes de dlares, que ser principalmente destinada segundo o atual
prefeito, construo de dez novas creches pblicas na cidade (MULTA, 2014).
O problema do fornecimento de vagas em creches e pr-escolas j foi, inclusive,
tratado pelo Supremo Tribunal Federal em paradigmtico acrdo proferido no Recurso
Extraordinrio no 410.715/SP, julgado em 22 de novembro de 2005, no qual o voto
condutor do Ministro Celso de Mello determinou a obrigatoriedade de prestao de servio
de educao tambm para o ensino infantil.
Naquele momento a Constituio ainda no determinava tal obrigatoriedade, que
surgiu em nosso ordenamento jurdico pouco aps esta deciso, a partir da Emenda
Constitucional no 53 de 2006.
Segundo argumentou o Ministro no acrdo, o Poder Judicirio no poderia se eximir
do encargo de tornar efetivos os direitos sociais. Seria legtimo, portanto, o Judicirio
intervir naqueles casos em que os rgos estatais competentes descumprissem seus
encargos poltico-jurdicos, comprometendo a eficcia dos direitos sociais. O Executivo,
segundo a deciso, teria sua discricionariedade limitada pelos termos da Constituio, que
determina prioridade absoluta dos direitos da criana e do adolescente. O Supremo
legitimou, assim, a concretizao do direito educao infantil por meio da judicializao
desta poltica.
Mesmo aps essa deciso do STF, muitas aes relacionadas ao direito de acesso s
creches e pr-escolas continuaram chegando ao Supremo, que acabou por declarar a
repercusso geral da questo, tendo como recurso paradigma o Agravo de Instrumento em
4 Dados disponveis em
. 5
Disponvel no site da Secretaria Municipal de Educao de So Paulo, em
, ltimo acesso em 24 de janeiro de 2014 s 18h30.
http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?lang=&codmun=355030&idtema=117&search=sao-paulo|sao-paulo|ensino-matriculas-docentes-e-rede-escolar-2012http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?lang=&codmun=355030&idtema=117&search=sao-paulo|sao-paulo|ensino-matriculas-docentes-e-rede-escolar-2012
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Recurso Extraordinrio no 761.908, que est sob relatoria do Min. Luiz Fux e pendente de
deciso.
No mbito do Tribunal de Justia de So Paulo existe um forte movimento de
judicializao da questo. A iniciativa de diversos atores litigando por vagas em
instituies de ensino infantil acabou por impulsionar uma articulao entre eles, que deu
origem a uma deciso que condena o Municpio de So a conceder 150 mil vagas em
instituies de ensino infantil, conforme ser descrito adiante. Segundo os relatos da
Defensoria Pblica do Estado de So Paulo, continuam sendo protocoladas por este rgo
entre 60 e 80 aes diariamente solicitando vagas em creches ou pr-escolas6.
Esta dissertao se estrutura em cinco captulos. O primeiro apresenta a metodologia
utilizada, as questes de pesquisa e as fontes de trabalho. O segundo situa esta pesquisa na
literatura sobre judicializao de polticas pblicas, em especial as polticas sociais. O
captulo seguinte desenha um panorama da poltica pblica de educao no Municpio de
So Paulo e o procedimento para criao de novas vagas, seja a poltica anterior ou
posterior a uma deciso judicial. O quarto captulo traz a descrio das decises do
Tribunal de Justia de So Paulo e faz uma anlise de seus efeitos a partir da viso dos
atores envolvidos no problema. O captulo seguinte descreve todo o histrico que deu
origem s Apelaes GTIEI e a diferena entre esse grupo de casos e os demais do TJSP.
Por fim, a concluso da pesquisa traz a comparao entre essas duas maneiras de proceder
do TJSP, as consequncias da judicializao atomizada para a poltica pblica e para o
direito educao infantil e os desafios que as Apelaes GTIEI ainda tero de enfrentar
em sua fase de execuo para no incorrer nestes mesmos problemas.
6 O Ministrio Pblico, a Defensoria Pblica e Associaes que estejam constitudas h mais de um ano e
tenham em seu estatuto social a finalidade de proteo ao patrimnio pblico e social esto legitimados, por
meio da Lei da Ao Civil Pblica (Lei 7.347/85), a propor aes coletivas ou individuais homogneas ou
no [no entendi esse ou no] para solucionar problemas relacionados aos direitos sociais, em especial
demanda no atendida por vagas em instituies de ensino infantil. Existe, inclusive, um vdeo tutorial da
Defensoria Pblica disponibilizado na internet [interessante indicar o link], que explica aos assistidos como
proceder para obter sua vaga por meio do Poder Judicirio.
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CAPTULO 1
METODOLOGIA DA PESQUISA
O presente captulo tem por funo esclarecer os caminhos adotados pela pesquisa e
sua justificativa, bem como esclarecer as premissas e referncias tericas e metodolgicas
em que o trabalho se apoia.
Esta dissertao est baseada em uma pergunta central: Como ocorre a judicializao
da educao infantil no TJSP?
Desta pergunta decorreram duas outras perguntas importantes para a formulao da
pesquisa (1) Quais so os efeitos da judicializao atomizada no que diz respeito
judicializao por vagas em instituies de ensino infantil? e (2) Em que diferem as
Apelaes GTIEI da judicializao atomizada e quais as consequncias dessa diferena?
A hiptese para estas questes era que, apesar de o TJSP sempre, ou quase sempre,
decidir em favor dos direitos dos menores e condenar o Estado a matricular as crianas em
instituies de ensino infantil, esta prtica teria pouca eficcia para a promoo do direito
educao pensado coletivamente. As Apelaes GTIEI seriam diferentes desta prtica
porque seriam decises mais dialgicas e, por conta disto, teriam um potencial mais alto de
gerar eficcia coletiva do direito educao infantil, ou seja, maior potencial de concesso
do direito a um grande nmero de crianas a partir da estruturao de uma poltica pblica
e no apenas a algumas crianas destinatrias da deciso.
Para responder a estas perguntas centrais formulei as seguintes perguntas-meio:
1 O que diz a literatura sobre judicializao de polticas sociais?
2 Quais so as normas que regem a poltica pblica de educao infantil? Quais so
as principais caractersticas da poltica pblica e do contexto social? E especificamente no
Municpio de So Paulo?
3 - Como decide o Tribunal de Justia de So Paulo nos casos de demanda por vagas
em instituies de ensino infantil? Quais as consequncias e efeitos dessas decises para a
poltica pblica?
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4 O que ocorreu no caso das Apelaes GTIEI para que o Tribunal tenha decidido de
maneira distinta ao seu padro decisrio? Quais so os efeitos simblicos dessa deciso at
o momento?
A pesquisa buscou conhecer o movimento de judicializao por atendimento de
menores de zero a cinco anos em escolas de educao infantil, compreender suas causas, a
argumentao judicial, o resultado e suas consequncias. Em um primeiro momento da
pesquisa, tratei da poltica pblica de educao infantil em si, analisando dados e
procedimentos para a criao de vaga e, portanto, contextualizando a questo.
Depois, analisei as decises do Tribunal de Justia do Estado de So Paulo para
identificar se h um padro de resultado (se concedem ou no a vaga) e de argumentao
nos casos que envolvam a demanda por vagas na educao infantil. Alm disso, busquei,
nas falas dos atores envolvidos no processo de judicializao, identificar o que ocorre antes
e depois da deciso judicial, para assim compreender as consequncias da deciso para a
poltica pblica e, portanto, para o prprio direito educao pensado coletivamente.
Foram investigados apenas aqueles casos concernentes demanda pelo direito do
menor creche ou pr-escola no sentido mais estrito possvel, ou seja, questes ligadas
criao de novas vagas permanentes ou por um certo perodo. Fiz essa escolha por
imaginar que estas seriam as decises com maior potencial de impacto imediato no
oramento pblico e na poltica pblica e, portanto, maior dificuldade de aplicao
imediata. Todas as decises selecionadas tratavam de concesso de vagas, da construo
de escolas ou da continuidade da prestao do servio no perodo de frias escolares.
Analisei todos os casos presentes no banco de dados pblico do TJSP sobre a
judicializao da educao infantil no que diz respeito s vagas. A chave de busca vaga e
creche ou pr-escola ou educao infantil foi inserida no mecanismo de busca de TJSP e
retornou 612 acrdos7, sendo que ao final analisei apenas os 216 acrdos das diversas
comarcas do Estado de So Paulo8 que se encaixavam no recorte desta pesquisa, a partir do
critrio acima descrito.
Uma observao importante que possivelmente h falhas no banco de dados pblico
do Tribunal, ou seja, nem todos os acrdos proferidos so de fato disponibilizados.
7 A ltima busca foi realizada em 15 de fevereiro de 2014 s 20h46.
8 Isso porque, apesar de a segunda parte da pesquisa focar no Municpio de So Paulo, devido diviso
constitucional de competncias, importava para este primeiro momento obter um padro de comportamento
do Tribunal em relao questo, e este padro se repete independentemente do Municpio contra o qual o
direito do menor est sendo pleiteado.
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Todavia, o nmero de acrdos encontrados foi suficiente para identificao de um padro
decisrio9.
A partir da leitura da ementa e, quando necessrio, do inteiro teor, exclu todos aqueles
que tratavam de assuntos no diretamente relacionados ao tema deste trabalho, tais como
matria de concurso pblico, provimento de cargo, aes penais, idade para incio da pr-
escola ou do ensino fundamental, pedidos de tutores para crianas com necessidades
especiais, fornecimento de transporte gratuito ou pedidos de transferncias das crianas
para escolas perto de sua residncia10
. Essa opo permitiu comparao mais prxima com
as Apelaes GTIEI.
Na segunda parte da pesquisa, realizei um estudo de caso sobre duas aes propostas
pelo Movimento Creche para Todos que, ao chegarem no Tribunal de Justia, deram
origem a uma Apelao e um Agravo Regimental (Apelaes GTIEI) que acabaram por
gerar um espao de dilogo interinstitucional11
. Escolhi estas aes como o caso para
estudo porque (1) foram fruto de grande articulao entre membros da sociedade civil
atuantes na causa; (2) geraram grande discusso no Judicirio em conjunto com membros
da sociedade civil e de rgos de litigncia do Estado; (3) foram o primeiro caso na
histria do TJSP a ensejar a convocao de uma Audincia Pblica; (4) ocasionaram uma
9 Segundo informa Jos Reinaldo de Lima Lopes, no caso da Revista dos Tribunais do Tribunal de Justia do
Estado de So Paulo todos os casos decididos so levados a uma Secretaria de Jurisprudncia e um
funcionrio encarregado de revisar os acrdos. Essa reviso supervisionada por um juiz que seleciona
algumas decises com um carimbo de J. Essas decises so separadas por temas e enviadas para os seis
juzes do corpo editorial. Em algumas ocasies os prprios funcionrios selecionam as decises. Um nmero
extremamente limitado de decises chega a ser publicado. Todavia, so os casos publicados que informam o
pblico geral sobre as decises da Corte (LOPES, 2006). No h, no entanto, informaes sobre o
procedimento para a publicao de acrdos no site do Tribunal.
10 O critrio para excluso destes casos foi tratar ou no diretamente do acesso s escolas e da abertura de
novas vagas. Apesar de a questo da transferncia ser importante para a questo da judicializao da
educao, ela no implica diretamente alterao do nmero da demanda por vagas e criao de novas vagas
como as demais. Essa e todas as demais questes so controversas e importantes no que diz respeito
judicializao da educao infantil; todavia, esto fora do foco da pesquisa. Deste modo, esta uma agenda
de pesquisa ainda em aberto. Nesta seleo, deixei de fora as decises monocrticas, que so tomadas apenas
pelo Relator do processo quando h manifesta contradio com a jurisprudncia dos Tribunais Superiores. A
maior parte das decises do TJSP monocrtica, porm, como a questo j est sumulada e existe grande
homogeneidade nessas decises, no haver prejuzo para a anlise aqui realizada. Isso porque qualquer
controvrsia relacionada a essas decises aparecer na pesquisa por meio dos agravos regimentais. Alm
disso, o que pretendo verificar a existncia de um padro de comportamento do Tribunal, o que j est
satisfatoriamente demonstrado nos acrdos.
11 A primeira ao, proposta no Foro Regional de Santo Amaro no ano de 2008, a Apelao de n
o 0150735-
64.2008.8.26.0002 da Comarca de So Paulo, que tem como relator o Desembargador Samuel Jr. A segunda
ao foi proposta no Foro Regional do Jabaquara no ano de 2010 e deu origem ao Agravo Regimental no
0018645-21.2010.8.26.0003/50000, tambm de relatoria do Desembargador Samuel Jr. Para fins da pesquisa
ambas sero denominadas Apelaes GTIEI.
-
21
srie de tentativas de conciliao intensamente discutidas; (5) deram origem a um tipo de
deciso que foge ao padro decisrio do Tribunal, por terem inserido no dispositivo o
cumprimento, pela Prefeitura, de seu prprio Plano de Metas; e (6) levaram criao de
um Comit de Monitoramento, experincia nunca antes vista na histria do Judicirio
brasileiro.
Descrevi ento todo o caminho percorrido pelas instituies envolvidas at a deciso
nas Apelaes GTIEI e o monitoramento de sua execuo. A principal fonte utilizada neste
captulo foram as 11 entrevistas feitas com os atores participantes do processo, mas a
anlise contou tambm com artigos e documentos disponveis na internet.
Neste ponto, cumpre esclarecer que, ao longo de toda a pesquisa, foram feitas
entrevistas qualitativas semiestruturadas ou semidirigidas, ou seja, com um roteiro
previamente estabelecido, mas que podia ser alterado ao longo da entrevista medida que
novas informaes aparecessem. Tenho conscincia de que a percepo dos atores no
pode ser confundida com a realidade estudada, mas acredito que contribua fortemente para
reconstruir o que de fato ocorreu (POUPART, 2012, p. 215-253).
Selecionei, em primeiro lugar, pessoas envolvidas com o direito educao nos rgos
de litigncia do Estado (Ministrio Pblico e Defensoria Pblica) e na Secretaria para
Negcios Jurdicos do Municpio de So Paulo. A partir destas entrevistas, solicitei
indicaes de outras pessoas que poderiam providenciar maiores informaes, ou
selecionei pessoas a partir dos relatos. Com isso, fui levada a entrevistar outras pessoas
envolvidas na questo da concesso de vagas. Ao final deste procedimento, cheguei
seguinte lista de entrevistados:
Defensoria Pblica Dr. Luiz Raskovski
Membro do Grupo de Trabalho Interinstitucional sobre Educao Infantil
(GTIEI).
Ministrio Pblico Dr. Joo Paulo Faustinoni e Silva
Promotor de Justia da Infncia e da Juventude, membro do Grupo de Atuao
Especial de Educao (GEDUC) e do Grupo de Trabalho Interinstitucional
sobre Educao Infantil (GTIEI).
ONG Ao Educativa Ester Gammardella Rizzi
-
22
Advogada pela ONG Ao Educativa e membro do Grupo de Trabalho
Interinstitucional sobre Educao Infantil (GTIEI).
Rubens Naves Santos Jr. Advogados - Rubens Naves e Mariana Kiefer
Kruchin
Scio e advogada do escritrio e membros do Grupo de Trabalho
Interinstitucional sobre Educao Infantil (GTIEI). O advogado Rubens Naves
foi diretor da Fundao Abrinq pelos Direitos da Criana e do Adolescente e
membro do conselho do Instituto Pro-Bono.
Secretaria Municipal Para Negcios Jurdicos Secretrio Luiz Fernando
Massonnetto
Secretrio Municipal para Negcios Jurdicos. Professor de Direito Econmico
e Economia Poltica na Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo.
Secretaria Municipal de Educao
Entrevistado solicitou no ser identificado
Secretaria Municipal de Planejamento, Oramento e Gesto
Entrevistado solicitou no ser identificado
Secretaria Municipal de Planejamento, Oramento e Gesto
Representante 2
Entrevistado solicitou no ser identificado
Procuradoria Geral do Municpio Felipe Gallardo
Procurador do Municpio de So Paulo na Secretaria Municipal de Educao.
Universidade de So Paulo USP - Prof. Ursula Dias Peres
Possui graduao em Administrao Pblica pela Fundao Getulio Vargas -
SP (1993), mestrado e doutorado em Economia pela Fundao Getulio Vargas -
SP (2007). Tem experincia na rea de Administrao, com nfase em gesto
pblica e controladoria do setor pblico. Atuou como gestora na rea de
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23
oramento pblico e consultora de empresas e governos nas reas de
planejamento e oramento, gesto de polticas pblicas, recursos da educao e
fundos municipais. Foi Assessora Geral do Oramento na Secretaria de
Finanas do Municpio de So Paulo. Foi Secretria Adjunta de Planejamento,
Oramento e Gesto no Municpio de So Paulo. Atualmente Professora
Doutora da EACH/USP no Curso de Gesto de Polticas Pblicas e nos
Programas de Mestrado - Mudana Social e Participao Poltica e Gesto de
Polticas Pblicas12
.
Outros atores, como os desembargadores, por exemplo, foram contatados para
conceder entrevista, porm sem sucesso. Todas as entrevistas foram realizadas nos locais
sugeridos pelo prprio entrevistado, que eram locais pblicos, de trabalho ou sua
residncia, e tiveram durao entre 15 e 90 minutos. As entrevistas foram gravadas e suas
transcries se encontram no Anexo 213
. Por questo de tica na pesquisa foi solicitada
autorizao para gravar a entrevista, bem como facultado aos entrevistados que sua
identidade e/ou cargo na instituio fosse resguardado, conforme o Termo de
Consentimento de Entrevista constante do Anexo 1. Ademais, os entrevistados puderam
optar por receber ou no os udios e/ou transcrio da entrevista e efetuar eventuais
correes, alteraes, excluses ou ainda optar por no autorizar o uso na pesquisa.
Como o objetivo do estudo de caso descrever o que ocorreu e destacar pontos
importantes que possam ser retirados do caso, a anlise das Apelaes GTIEI foi feita
tambm baseada em outras fontes de pesquisa, tais como alguns artigos, dados obtidos dos
sites das instituies e documentos enviados pelos atores ou obtidos pela internet. Os
documentos foram analisados segundo o contexto em que se inserem, a partir da
perspectiva da instituio que o emitiu e da sua interao com as demais instituies
envolvidas.
O caminho da pesquisa pode ser representado graficamente da seguinte forma:
12
Informaes retiradas da Plataforma Lattes:
. 13
Todavia, deve-se considerar que h perda de informao em se tratando de transcries, porque so
incapazes de demonstrar as sutilezas da linguagem corporal e mesmo do discurso (pausas, suspiros, tom de
voz, etc.). Ademais, foram suprimidos vcios de linguagem, interrupes, reformulaes ou erros, com o
objetivo de facilitar a compreenso do texto e seu uso pelo trabalho.
https://uspdigital.usp.br/tycho/CurriculoLattesMostrar?codpub=17A710514A51
-
24
Alm da descrio e anlise dos casos, baseei parte da metodologia deste trabalho no
artigo Beyond the courtroom: the impact of judicial activism on socioeconomic rights in
Latin America, de Csar Rodrguez-Garavito (2010-2011).
Garavito estuda os structural cases, que classifica como aquelas decises da Corte
Constitucional Colombiana que (1) afetam um grande nmero de pessoas que alegam
violaes aos seus direitos; (2) implicam diversas instituies governamentais responsveis
por polticas pblicas falhas que contribuem para a violao dos direitos; (3) envolvem
remdios estruturais imperativos.
No que diz respeito primeira parte desta pesquisa, que analisa a judicializao
atomizada, os casos estudados separadamente no poderiam ser considerados casos
estruturais, j que (1) afetam apenas aos destinatrios daquelas decises; (2) no so
decises tomadas pela Corte Constitucional. Garavito considera casos estruturais apenas
aquelas decises com grande potencial de impacto, cuja causa no repousa apenas na
instituio demandada, mas em fatores estruturais da poltica pblica que necessitaro ser
alterados aps a deciso. Esse tipo de deciso d lugar a inmeras tutelas, que se refletem
na judicializao atomizada aqui descrita. Porm, considerei que, se as decises fossem
consideradas em conjunto, haveria uma vantagem da aplicao desse mtodo de anlise
para a judicializao atomizada, j que o conjunto de decises (1) tem potencial para gerar
um grande impacto em um grande nmero de pessoas; (2) implica diversas instituies
governamentais responsveis por polticas pblicas falhas; e (3) envolve remdios
estruturais imperativos. Alm disso, o uso desse mtodo permitiria diagnosticar a eficcia
desse tipo de deciso e, no futuro, compar-la com a eficcia das Apelaes GTIEI. Ento
apliquei o mtodo de diagnstico sugerido por Garavito para o padro decisrio do
Tribunal, considerado o impacto geral, e no para cada caso isoladamente.
-
25
J no que tange segunda parte da pesquisa, apesar de as Apelaes GTIEI no terem
sido decididas pela Corte Constitucional, elas podem ser consideradas casos estruturais,
porque (1) tm como destinatrias todas as crianas que se encontram na fila por vagas no
Municpio de So Paulo; (2) implicam diversas instituies no Municpio, inclusive
possivelmente mais de uma gesto, para rever a poltica pblica; e (3) claramente
envolvem remdios estruturais imperativos para que seja possvel cumprir a deciso.
O principal aprendizado que retirei do mencionado artigo foi a importncia de detectar
os efeitos materiais e simblicos14
das decises. Baseado nas evidncias de seus estudos de
caso, Garavito defende que os efeitos relevantes compreendem no apenas a ao
governamental especfica que se destina a cumprir o mandamento da sentena, mas
tambm o reposicionamento dos direitos sociais como problemas de direitos humanos, o
fortalecimento das capacidades de lidar com tais problemas, a formao de coalizes para
incorporar a causa no processo de implementao da deciso, a promoo de deliberao
pblica e uma busca coletiva de solues em questes complexas de alocao de recursos.
Esta abordagem pde ser replicada na presente pesquisa, na qual dei ateno no apenas
para a argumentao, mas tambm para os efeitos materiais e simblicos diretos e indiretos
dos casos estudados. Para explicar o que so esses efeitos, Garavito (2010-2011) formulou
o quadro abaixo:
14
Garavito (2010-2011) faz uso da expresso efeito simblico a partir da concepo trazida por Bourdieu em
seu livro, O Poder Simblico, no captulo A fora do direito. Nele o autor esclarece que os smbolos
seriam concepes semelhantes que permitiriam a concordncia de inteligncias, ou seja, a mesma percepo
de tempo, espao, nmero, etc. Ainda segundo Bourdieu, os Tribunais seriam um espao separado onde o
conflito social se transformaria em um dilogo entre peritos, que traduziriam aquele conflito em uma
linguagem de direitos, identificando-os e revelando-os, de modo que as partes conflitantes aceitam
tacitamente abrir mo de gerir o conflito em seus prprios termos, ficando o jurista com o exerccio do poder
simblico. Assim, a competncia jurdica seria um instrumento de poder que funcionaria como uma
porteira, ou seja, escolhendo aqueles conflitos que merecem entrar para o campo e se transformar em
debates jurdicos. A evoluo do campo jurdico, segundo o autor, teria trazido para a linguagem do direito
tambm um domnio prtico, at ento deixado para as formas pr-jurdicas de soluo de conflitos, o que se
transforma em um ciclo no qual cada dimenso prtica, transformada em jurdica, gera novas necessidades
jurdicas, novos interesses jurdicos e um novo campo de atuao dos juristas. J os juzes atuam como
mandatrios autorizados de uma coletividade e suas decises produzem efeitos simblicos. Nas palavras do
autor, O direito , sem dvida, a forma por excelncia do poder simblico de nomeao que cria as coisas
nomeadas. (...) O direito a forma por excelncia do discurso atuante capaz, por sua prpria fora, de
produzir efeitos. No demais dizer que ele faz o mundo social, mas com a condio de se no esquecer que
ele feito por este (BOURDIEU, 1989).
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26
Dessa tabela resultam quatro tipos de efeitos: (1) efeitos materiais diretos; (2) efeitos
materiais indiretos; (3) efeitos simblicos diretos; e (4) efeitos simblicos indiretos.
Utilizei esta classificao para conseguir detectar os efeitos na fala dos atores,
independentemente de tentar encaix-los em cada um dos quadrantes.
Outro argumento importante do artigo o de que decises dialgicas (ou seja, aquelas
que, alm de proteger os direitos sociais, promovem deliberaes democrticas) seriam
mais eficazes, no sentido de gerarem maiores efeitos para o direito social. Essas estariam
em oposio s decises monolgicas (nas quais o juiz simplesmente concederia o direito
requerido pela parte), que seriam ineficazes.
Garavito (2010-2011) diferencia as decises dialgicas das monolgicas a partir de trs
elementos: (1) afirmao de direitos no contedo substantivo da sentena; (2) remdios; e
(3) monitoramento. O autor ento distingue as decises dialgicas das monolgicas
afirmando que a deciso monolgica envolve ordens precisas (remdios fortes), enquanto
numa deciso dialgica os juzes tendem a desenhar procedimentos e metas amplas
(remdios moderados), e, alinhados com a concepo tradicional da separao de Poderes,
deixar para o governo a funo de desenhar e implementar as polticas pblicas.
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27
No quadro abaixo elaborei um resumo dos critrios que chamei de forte, moderado ou
fraco, em relao declarao de direitos, a solues e remdios, e ao monitoramento,
segundo os parmetros retirados do artigo de Garavito:
FORTE MODERADO FRACO
Declarao de direitos
Trata o direito como um
direito fundamental da
pessoa humana e indica
claramente que h violao
deste direito.
Estabelece a violao do
direito.
Nega a existncia de
direito ou considera o
direito de cunho
programtico.
Solues e Remdios
Estabelece exatamente o
que o Poder Executivo
deve fazer e qual o prazo.
Normalmente estabelece
astreintes para o caso de
no cumprimento.
Desenha procedimentos e
metas para que o Poder
Executivo cumpra, podendo
ser renegociadas ao longo
do perodo de
monitoramento. Deixa em
aberto os possveis
mecanismos de coero.
Estabelece metas mas
no abre a
possibilidade de
imposio de
astreintes ou indica a
existncia de um dever
de prestao mas se
abstm de condenar o
Poder Executivo.
Monitoramento
Encoraja discusses de
polticas alternativas para
resolver o problema
estrutural detectado no
julgamento, muitas vezes
envolve outros atores neste
procedimento e
acompanha cada etapa da
implementao.
Acompanha, diretamente
ou por meio de juzo de
primeira instncia, em
conjunto com o Ministrio
Pblico, a execuo da
sentena. Todavia, faz isso
de maneira isolada, sem
envolver outros atores no
processo.
Deixa o monitoramento
da execuo apenas a
cargo do Ministrio
Pblico.
Esto destacadas em rosa no quadro aquelas opes que caracterizam uma deciso
dialgica. Em resumo, cada tipo de deciso teria o seguinte aspecto:
Monolgicas Dialgicas
Declarao de direitos FORTE FORTE
Solues e Remdios FORTES MODERADOS
Monitoramento FRACO FORTE
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28
A partir da comparao desses elementos em cada um dos casos, Garavito pde
classificar decises como monolgicas ou dialgicas e seus efeitos. Apesar de no serem
concluses que, segundo Garavito, possam ser consideradas firmes devido ao baixo
nmero de casos, o resultado sugeriu que sentenas dialgicas aumentam a possibilidade
de impacto na promoo dos direitos sociais.
Nesta pesquisa, parti da hiptese que a judicializao atomizada era monolgica e as
Apelaes GTIEI, dialgicas. Ento apliquei a diferenciao feita por Garavito para test-
la. Todavia, no caso das Apelaes GTIEI o monitoramento da deciso est apenas no
incio, de modo que possvel medir como ele foi previsto, mas no como ele ser de fato.
Ainda assim, foi possvel detectar alguns efeitos simblicos da deciso. Ademais, acredito
que seja vantajoso aplicar esta metodologia para alertar os atores envolvidos dos possveis
desafios que enfrentaro para dar maior eficcia deciso, segundo os parmetros
propostos por Garavito, e propor caminhos que poderiam ajudar neste percurso.
Aps essa classificao, a primeira parte da pesquisa demonstrou os efeitos da
judicializao atomizada e a segunda parte da pesquisa apresentou alguns efeitos j
gerados pelas Apelaes GTIEI. Contudo, possvel que esta ltima gere efeitos para o
futuro que ainda no so passveis de conhecimento, j que o prazo estipulado para
cumprimento final da deciso o trmino do atual mandato da Prefeitura, ou seja,
dezembro de 2016.
Aqui, poderia se questionar a convenincia de se estudar este caso em um momento em
que ainda no possvel identificar todos os efeitos. A primeira vantagem para a realizao
do estudo de caso foi o fato de a deciso no ter perdido sua comoo pblica, estando em
voga entre os atores da sociedade civil e da Prefeitura. Alm disso, em termos simblicos
j possvel identificar diferenas entre esta deciso e a judicializao atomizada. Outro
motivo para a pertinncia deste estudo trazer luz e estabelecer critrios para a
comparao que poder ser feita no futuro sobre sua eficcia. Por fim e, principalmente, o
estudo pode contribuir ao estabelecer parmetros, alertas e indicativos de como os atores
poderiam agir ao longo do monitoramento para que esta deciso no repita os problemas
da judicializao atomizada ou no seja ineficaz.
Importante tambm destacar que procurei identificar quaisquer efeitos trazidos pelos
atores, sejam eles materiais ou simblicos, diretos ou indiretos, mas no procurei
classific-los em cada um dos tipos. Ademais, ao apontar os efeitos relatados pelos atores,
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29
no tenho pretenso universalizante, ou seja, de informar de maneira decisiva sobre todos
os efeitos diretos ou indiretos que aquela ao possa ter gerado. A pesquisa consegue
apenas apresentar os efeitos informados pelos atores no momento da entrevista, sendo que
os entrevistados podem ter percepo sobre outros efeitos que no foram relatados ou pode
ser que existam efeitos no percebidos pelos atores envolvidos.
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30
CAPTULO 2
A JUDICIALIZAO DE DIREITOS SOCIAIS:
A LITERATURA NA QUAL A PESQUISA SE INSERE
Primeiramente, uma parte da literatura tenta explicar o fenmeno da judicializao dos
direitos sociais a partir do aumento considervel desses direitos e suas garantias nas
Constituies, que fizeram com que o Poder Judicirio passasse a ser responsvel por
negar sua caracterstica programtica para afirmar a existncia de direitos subjetivos e que
devem necessariamente ser providos. Houve uma massificao dos direitos sociais que
assumiram um carter coletivo, aumentando a importncia e frequncia das aes coletivas
(CAPPELLETTI, 1999). Anteriormente os direitos civis e polticos dependiam de atuao
do Poder Judicirio no sentido de frear ou impedir abusos dos Poderes Executivo e
Legislativo, assegurando a volta do status quo ante. J com os direitos sociais, por estarem
condicionados a uma prestao estatal que demanda expressivos gastos pblicos, a sua
realizao e proteo dependem de decises que ultrapassam o raciocnio jurdico-formal
para efetivamente obrigar sua promoo (SILVA, 2008).
Movimentos sociais progressivos e organizaes no-governamentais comearam a
desenvolver litgios baseados em direitos sociais, tentando conseguir nos Tribunais o que
no foi possvel obter nos outros canais polticos. Na Amrica Latina, a ordem e a
linguagem jurdicas, que em princpio eram utilizadas como instrumento de conservao
do poder e manuteno do status quo, passaram tambm a servir como ferramentas de
transformao, com o objetivo de forar os governos a cumprirem suas obrigaes
constitucionais (COUSO, 2006).
Ernani de Carvalho divide a literatura que explica a judicializao entre normativa e
analtica, sendo a primeira aquela que trata da supremacia constitucional e do debate sobre
se o Judicirio deve ou no atuar neste mbito, e a segunda aquela que investiga o
ambiente poltico institucional (CARVALHO, 2004).
Por outro lado, alguns autores negam que a chamada judicializao da poltica seja
um fenmeno uniforme. Para os autores, existe uma grande impreciso conceitual, j que o
-
31
mesmo termo utilizado para situaes muito distintas (KOENER, INATOMI &
BARATTO, 2010).
Para alm da explicao da existncia e do contexto histrico e normativo do fenmeno
da judicializao, muitos autores engajam-se em um extenso debate sobre a legitimidade e
a capacidade das Cortes para tomar decises sobre os direitos sociais.
A perspectiva que considera a interveno do Judiciria legtima, em geral, prioriza o
olhar sobre os direitos sociais, considerando que tm eficcia plena e so direitos
subjetivos do indivduo, portanto, devem ser garantidos a qualquer custo e por qualquer
que seja a instituio (MICHELMAN, 2007). Seria funo do Poder Judicirio a defesa das
minorias e um contato mais prximo com os casos reais e concretos, sensvel s
necessidades da populao (CAPPELLETTI, 1999). O papel dos juzes, portanto, seria
essencial porque funcionaria como canal de comunicao das pessoas marginalizadas
(GARGARELLA, 2006) e seria estratgico para a promoo de mudanas sociais em favor
dos mais vulnerveis (GLOPPEN, 2006).
Essa perspectiva nega a ideia de que apenas o Executivo legtimo para decidir
sobre alocao de recursos pblicos, j que tambm para a aplicao dos direitos civis e
polticos h custos envolvidos e, nestes ltimos, parece natural a interveno judicial
(ABRAMOVICH; COURTIS, 2002). Alm disso, as Cortes serviriam para pressionar as
instituies polticas inertes para que passem a atuar em relao ao direito social requerido
judicialmente (SABLE; SIMON, 2004) e como uma estratgia para a promoo dos
direitos sociais (CELS, 2008).
Parte desta literatura entende que o alegado problema da falta de capacidade do
Poder Judicirio de resolver questes complexas, por partir sempre de um modelo
tradicional de litigncia, ou seja, bilateral e orientado para a proteo dos direitos de ndole
liberal, poderia ser resolvido a partir da criao de novos mecanismos para ultrapassar essa
barreira (COURTIS, , 2006). Nas ocasies em que o Judicirio se pusesse a realizar
reformas estruturais, sua funo seria dar significado aos valores constitucionais,
adaptando procedimentos tradicionais para a nova realidade social, a partir do
reconhecimento do carter burocrtico do Estado (FISS, 2004). O juiz assumiria um papel
ativo, buscando informaes, participando do processo, criando outros procedimentos e
estimulando a negociao (CHAYES, 1975/76).
A outra parcela da literatura, que considera a interveno do Judicirio negativa, em
geral tem seus argumentos divididos entre aqueles relacionados falta de capacidade
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32
tcnica do Poder Judicirio para decidir sobre tais questes e aqueles que enxergam no
Judicirio uma ilegitimidade democrtica.
O argumento da falta de capacidade institucional do Poder Judicirio indica a
necessidade de que este Poder apreenda a questo dos direitos sociais como um problema
coletivo, em uma perspectiva macro. Conceder esses direitos individualmente, como se
direitos civis fossem, causa uma distribuio catica dos recursos pblicos. Se isso est
correto, e se o Judicirio no capaz de pensar em sade, educao, moradia etc., de forma
coletiva e global, talvez ele devesse deixar essa tarefa para o processo poltico (SILVA,
2008). O Judicirio estaria apto, portanto, para decidir questes bilaterais, devendo deixar
os problemas policntricos, ou seja, aqueles que possuem muitos centros de encontro e
tenso, para um gerente, gestor ou administrador (FULLER, 1978/79).
Segundo Diego Werneck Arguelhes e Fernando Leal, o argumento da capacidade
institucional s deve ser construdo a partir de um raciocnio que considera a
especializao funcional como pressuposto da separao de Poderes. Assim, qualquer
instituio que pretenda atingir aos fins constitucionais ser passvel de erros em diferentes
graus e a avaliao de deciso deve se dar segundo as consequncias para a eficcia
daquele valor que se pretende proteger. O argumento que examina qual instituio mais
capaz de decidir, portanto, s poderia ser construdo dentro de um contexto especfico e
sempre sob uma perspectiva emprica comparativa das instituies envolvidas no
problema. Os mtodos de deciso e as posturas judiciais devem, para o fim da avaliao da
capacidade institucional, ser valorados em funo dos seus efeitos dinmicos, i.e. das suas
consequncias no tempo para atores pblicos e privados de tipos variados. Trata-se,
portanto, de comparar as vantagens institucionais de cada rgo dentro das regras postas de
desenho institucional (ARGUELHES; LEAL, 2012, p. 30 ).
Agrega-se a isto o argumento de que a capacidade do Judicirio deve ser aferida na
medida em que contribua efetivamente para a promoo do direito social, no sob o ponto
de vista individual do demandante, mas sob o ponto de vista coletivo do direito (FERRAZ,
2011b).
Partindo desta mesma premissa, boa parte da literatura prefere adotar uma
perspectiva emprica para verificar se o Poder Judicirio contribui para a promoo dos
direitos sociais. Muitos deles analisam a argumentao judicial e suas falhas (por exemplo,
WANG, 2008), outros investigam as decises tomadas, em termos de resultado, ou seja,
-
33
concesso ou no concesso, e em termos de fundamentao, bem como inferem
consequncias para a poltica pblica (por exemplo, VIEIRA; ZUCCHI, 2007).
Existem tambm aqueles que avaliam a judicializao sob a perspectiva dos atores
envolvidos (por exemplo CARVALHO, 2004; FANTI, 2009; MACIEL & KOERNER,
2002). No que diz respeito aos direitos sociais, esses atores seriam principalmente o
Ministrio Pblico (MCALLISTER, 2007), a Defensoria Pblica (NASSAR, 2011) e as
entidades civis sem fins lucrativos (RIZZI; XIMENES, 2014).
A maior parte da literatura emprica sobre judicializao de polticas pblicas analisa o
fenmeno sob o ponto de vista interno ao Poder Judicirio, ou seja, tem como seu objeto
de anlise exclusivo as prprias decises judiciais. Apesar de muitas vezes fazerem
afirmaes acerca da consequncia dessa judicializao, no se preocupam em medi-la
empiricamente. J existem, porm, autores interessados em investigar o que ocorre depois
da deciso, tanto em termos de cumprimento da deciso, quanto em termos de impacto.
Diana Kapiszewski e Matthew Taylor (2013), em artigo denominado Compliance:
conceptualizing, measuring, and explaining adherence to judicial rulings, mapearam a
bibliografia sobre o tema. Segundo eles, at recentemente a literatura no prestou muita
ateno ao cumprimento das decises porque simplesmente pressupunha que elas eram
cumpridas, o que no verdadeiro em variados nveis. Nesse artigo, os autores
diagnosticam que a literatura investiga quatro tipos de medidas de cumprimento das
decises (compliance), mas concentram o artigo no cumprimento das decises judiciais
pelas autoridades pblicas. Definem, ento, o conceito de cumprimento como uma
alterao no comportamento das autoridades com as quais a deciso se relaciona, que pode
ser dividido entre os plos do total cumprimento e do descumprimento; no obstante,
muitas vezes a realidade pode estar entre um e outro plo, com alguma medida de
cumprimento parcial. Estudar o cumprimento das decises seria, portanto, relacionar o
output das decises e essas reaes das autoridades. Os autores, alm de trabalhar com esse
conceito de cumprimento, sugerem um modelo de anlise. O artigo tambm diferencia
cumprimento de impacto das decises, j que este ltimo diz respeito a um conceito mais
amplo, que inclui efeitos alm dos atos da autoridade que resultam diretamente da deciso
(KAPISZEWSKI; TAYLOR, 2013).
Apesar de ainda bastante incipiente, a literatura sobre impacto das decises vem
crescendo. Siri Gloppen, por exemplo, prope um modelo de anlise das Cortes e de suas
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34
decises nos pases em desenvolvimento, que envolve, dentre outras coisas, sua
implementao e impacto (GLOPPEN, 2006).
Csar Rodriguez Garavito tambm detectou o que chama de um ponto cego para a
anlise e prtica, que seria a execuo dessas sentenas e seus efeitos diretos e indiretos.
Diante desta lacuna, Garavito realizou diversos estudos sobre impacto de decises da Corte
Constitucional Colombiana. O principal deles foi a pesquisa sobre a deciso T-025 de
2004, sobre pessoas que so obrigadas a sair de suas casas em virtude da violncia
(desplazamiento forzado), na qual a Corte declarou que havia um estado de coisas
inconstitucional e, durante um perodo de 6 anos, proferiu 84 decises, realizou 14
audincias pblicas e fez um balano do trabalho do Governo para garantir que suas ordens
seriam cumpridas e proteger os direitos fundamentais dessa populao desplazada. Neste
estudo, Garavito enumera e sistematiza as falhas estruturais apresentadas pela Corte
Constitucional acerca da poltica pblica, compreendendo-as como efeitos bloqueadores da
mudana, que seria facilitada pelo Poder Judicirio (GARAVITO; FRANCO, 2010). Na
viso do autor, portanto, esse tipo de deciso estrutural geraria uma movimentao das
instituies omissas, que possuem falhas crnicas no cumprimento de suas obrigaes e
que se mostraram ao longo do tempo impermeveis aos demais mecanismos de controle
(accountability) (SABLE; SIMON, 2004).
Sua experincia ao longo desses estudos gerou o artigo Beyond the courtroom: the
impact of judicial activism on socioeconomics rights in Latin America, j apresentado
acima (GARAVITO, 2010-2011), no qual prope uma maneira de olhar para o problema.
Nele, o autor procurou compreender os efeitos das decises tomadas no que chama de
structural cases (casos estruturais) e investigou o que causa impactos distintos. A
partir da comparao entre os direitos substancialmente assegurados na deciso, os
remdios e o monitoramento em cada um dos casos, Garavito concluiu que sentenas
dialgicas aumentam a possibilidade de impacto na promoo dos direitos sociais.
No mbito do direito, pesquisas que pretendem compreender no apenas a
argumentao jurdica, mas tambm sua interao com a poltica, contribuem tambm para
a identificao da tecnologia jurdica utilizada para seu desenvolvimento (COUTINHO,
2010). A proposta desta dissertao inserir-se neste ltimo mbito de anlise, ou seja,
contribuir para a literatura emprica que estuda cumprimento e impacto (direto e indireto)
das decises judiciais.
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2.1. Literatura sobre a judicializao de polticas pblicas no contexto brasileiro
Para alm de todo o debate terico acerca da legitimidade e capacidade do Poder
Judicirio para decidir sobre polticas pblicas, diversos autores trabalham a judicializao
de polticas sociais no contexto brasileiro.
A doutrina brasileira costuma classificar as normas constitucionais quanto sua
efetividade. Segundo essa doutrina, os direitos sociais so considerados direitos
fundamentais e, portanto, tm aplicao imediata, constituindo direitos subjetivos dos
cidados e, portanto, passveis de garantia pela via jurisdicional (ALMEIDA, 2007).
Segundo este ponto de vista, para que os direitos sociais atinjam sua plena eficcia
necessria a interveno judicial, principalmente considerando o artigo 5, inciso XXXV,
da Constituio Federal, que probe que o Judicirio deixe de apreciar leso ou ameaa de
leso a qualquer direito (PIOVESAN; VIEIRA, 2006). O Estado teria por obrigao
conferir o mnimo existencial e seria vedado o retrocesso desses direitos (SARLET, 2008;
SIQUEIRA, 2010).
Jos Rodrigo Rodriguez e Marcos Nobre avaliam o fenmeno sob uma perspectiva
social weberiana e entendem que, assim como os movimentos sociais foraram a abertura
do parlamento para a deliberao, seria natural que esse movimento chegasse ao Poder
Judicirio. Para esses autores, s se pode falar em judicializao da poltica se se partir
de uma concepo particular de separao de Poderes, que enxerga o parlamento como
central e o Judicirio como invasor da poltica. Seria um erro, na viso deles, pr-
estabelecer concepes de funo para cada Poder e que os movimentos sociais deixassem
de pressionar o Judicirio para que este se abra participao cidad. Essa concepo,
descrita pelos autores como uma viso tradicional do direito, vedaria o acesso ao Judicirio
como um locus de luta social em paralelo s demais e como um ambiente de traduo dos
conflitos sociais para dentro do direito. Em seu ponto de vista, uma concepo no
tradicional acerca do papel do direito permitiria compreender a judicializao da poltica
e o ativismo judicial sob a perspectiva do processo de desenvolvimento das instituies
democrticas. Sugerem, portanto, que, ao invs de se partir de uma concepo prvia
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acerca de que lugar deve ocupar o Poder Judicirio, se acompanhe e descreva os conflitos
como uma alternativa institucional (NOBRE; RODRIGUEZ, 2011)15
.
Porm, como diagnostica o artigo de Nobre e Rodriguez (2011), o principal elemento
de discusso na literatura no seria a discusso prvia acerca da legitimidade do Poder
Judicirio, mas a capacidade do Poder Judicirio de tomar boas decises, ou decises
melhores que aquelas que o Poder Executivo seria capaz de tomar. A maior parte da
literatura sobre a judicializao da poltica no Brasil se concentra na verificao deste
argumento, a partir de estudos empricos que procuram demonstrar na prtica a atuao
judicial. Grande parte dessas pesquisas se concentra na investigao do papel do Supremo
Tribunal Federal, o controle da constitucionalidade das leis, seja ele difuso ou concentrado
e os atores relacionados a ele (VIANNA, CARVALHO, MELO & BURGOS 1999;
WANG, 2008; sbdp, 2010; sbdp 2011).
Octvio Ferraz explica que no incio dos anos 90 o Poder Judicirio via os direitos
sociais como normas programticas e, portanto, sem efeito imediato. Consequentemente,
no eram consideradas normas passveis de adjudicao pelas cortes. Todavia, a partir de
um caso paradigmtico em 1997, em que foi concedido um tratamento no incorporado
pelo Sistema nico de Sade ou aprovado pela ANVISA e extremamente caro fora do
Brasil, as cortes passaram a tratar o direito sade e vida como absoluto e a conced-lo a
despeito de quaisquer reflexes sobre a reserva do possvel (FERRAZ, 2011b).
15
No meu ponto de vista esta abordagem est equivocada, j que judicializao da poltica significativamente diferente do que costuma ser chamado de ativismo judicial. Este ltimo diz respeito ao
Poder Judicirio intervindo em questes legislativas, em geral a partir da declarao de inconstitucionalidade
das normas. Esta situao carrega questes de legitimidade democrtica bastante fortes, j que o Poder
Legislativo funciona a partir de eleies diretas em contraposio ao Judicirio, que no tem membros
eleitos. Por outro lado, a judicializao da poltica se refere interveno judicial em polticas pblicas [Eu
no sei se s isso, de acordo com a literatura brasileira. O Werneck Vianna, que costuma ser citado como
referncia no tema, usa judicializao da poltica exatamente no sentido que voc usou para ativismo
judicial declarao de inconstitucionalidade das normas. O conceito bastante disputado. Um artigo que
achei muito bom sobre essa disputa de significado e sobre a utilidade do conceito A judicializao da
poltica na Amrica Latina, do Alexandre Veronese. V. em
http://www.casaruibarbosa.gov.br/escritos/numero03/FCRB_Escritos_3_13_Alexandre_Veronese.pdf], cuja
execuo e, em grande parte formulao, so de competncia do Poder Executivo. A questo da legitimidade
democrtica neste mbito muda de figura, j que, apesar de o Executivo ser um Poder representativo, trabalha
com representao indireta a partir da nomeao de Ministros, no caso do Governo Federal, ou Secretrios,
no caso dos estados ou municpios. No meu ponto de vista, o artigo erra ao no diferenciar estas perspectivas.
[Talvez a sua crtica ao artigo tenha criado um espantalho, porque, como eu disse acima, parte considervel
da literatura fala em judicializao da poltica no sentido que voc deu para ativismo. Eu acho que os autores
tentaram dialogar com quem usa judicializao nesse sentido e no com quem fala de judicializao de
polticas pblicas.]
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A imensa maioria dos trabalhos sobre judicializao dos direitos sociais no Brasil trata
do direito sade. Para Octvio Ferraz, um erro comum do Poder Judicirio seria tratar o
direito social como um direito fundamental absoluto e inalienvel. Isto porque esta prtica
garante a alguns indivduos tratamentos no contemplados na poltica pblica, gerando
desigualdades e alocao irracional dos recursos. Ferraz tambm sustenta que, em pases
com graves desigualdades como o Brasil, o sistema de sade deveria priorizar os mais
necessitados em suas necessidades bsicas. Porm, o autor indica que h evidncias
empricas de que a grande maioria dos casos judicializados dizem respeito a medicamentos
de alto custo, que no foram includos no Sistema de Sade para maior eficincia dos
gastos, com substitutos de menor custo, e outros sequer foram aprovados pela Agncia
Nacional de Vigilncia Sanitria e no so vendidos no Brasil. Para o autor, em geral isso
se d em benefcio das classes sociais mais elevadas (FERRAZ, 2011b).
A maior parte dos trabalhos empricos apresenta cinco diagnsticos principais. O
primeiro seria que a argumentao judicial inconsistente ou incoerente, e desconsidera
questes de alocao de recursos. Daniel Wang, por exemplo, compara decises tomadas
pelo STF em casos de sade, educao e pagamento de precatrios e conclui que a
escassez de recursos, os custos dos direitos e a reserva do possvel no so trabalhados
pelos Ministros nos casos concretos relacionados sade e educao; porm, esses so os
principais argumentos, muitas vezes, em casos abstratos sobre esse tema. Esses
argumentos tambm so muito utilizados nos casos sobre interveno federal nos Estados
por falta de pagamento dos precatrios, nos quais o STF indefere a interveno (WANG,
2008).
O segundo diagnstico comum a muitos trabalhos que o Poder Judicirio trata os
problemas de direitos sociais como se fossem questes bilaterais, sem enxergar a
perspectiva coletiva que lhes inerente (SILVA, 2008; FERRAZ, 2011b). Especialmente
no que diz respeito sade, uma interpretao adequada seria aquela que se concentrasse
nos princpios da equidade e universalidade dos servios de sade (FERRAZ; VIEIRA,
2009). A literatura emprica demonstra, todavia, que a maior parte das aes individual e
que aes coletivas tm maior dificuldade de obter xito perante o Poder Judicirio
(FERREIRA et al., 2005; PET-CAPES, 2005; FANTI, 2009).
O terceiro diagnstico, consequncia deste segundo, alega que as inconsistncias da
jurisprudncia e as constantes condenaes do Estado pem em risco a lgica coletiva das
polticas pblicas e a racionalidade da alocao de recursos. As necessidades na rea da
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sade so praticamente infinitas e os recursos a serem gastos com determinadas polticas
pblicas so limitados, de modo que necessrio fazer escolhas racionais, muitas vezes
difceis, sobre as prioridades para a alocao dos recursos (FERRAZ; VIEIRA, 2009).
Porm, as condenaes pela judicializao no seguem a racionalidade da poltica pblica,
alterando a ordem de prioridades. Apenas no ano de 2009, o equivalente a 0,4% do
oramento nacional da sade foi gasto com judicializao, sendo que este valor
representava 4% do oramento dedicado compra de medicamentos (FERRAZ, 2011a).
Com a judicializao dessas polticas, o quarto diagnstico que se verifica a
priorizao daqueles cidados que tm acesso ao Poder Judicirio, normalmente das
classes sociais mdia e alta, em detrimento das classes mais baixas (BARROSO, [s.d.];
FERRAZ, 2011a; FERRAZ, 2011b; VIEIRA; ZUCCHI, 2007). A maioria dos litgios em
sade (90%) est localizada nos Estados e Municpios mais ricos do Sul e Sudeste do Pas,
sendo que os estudos mostram baixssima prevalncia de litigantes residentes em distritos
ou municpios mais carentes (FERRAZ, 2011a).
O ltimo diagnstico que detectei como mais recorrente o de que o Poder Judicirio
se substitui ao Executivo porque toma decises contraditrias s polticas pblicas j
implementadas. Em especial no que diz respeito ao direito sade, muitas vezes o SUS
contempla tratamentos mais baratos para determinadas doenas e o Judicirio determina a
concesso de tratamentos mais custosos para os litigantes (VIEIRA, 2008).
Pesquisa emprica realizada por Fabiola Vieira e Paola Zucchi, por exemplo, avalia
aes judiciais movidas entre janeiro e dezembro de 2005 que solicitaram o fornecimento
de medicamentos e conclui que o gasto total com medicamentos no listados pelo SUS foi
de R$876 mil. Alm disso, identifica que o Judicirio no observa a repartio
constitucional de competncias em suas sentenas, determinando a aquisio de muitos
medicamentos no listados e muitas vezes prescritos por mdicos particulares, existindo,
inclusive, determinao de fornecimento de medicamento no aprovado pela ANVISA e
de medicamentos duplicados para tratamento do mesmo fim. Tudo isso, segundo as
autoras, gera irracionalidade dos gastos pblicos e prejuzo equidade (VIEIRA;
ZUCCHI, 2007).
Barroso tenta definir os limites da atuao judicial a partir dos seguintes critrios: (1) o
controle jurisdicional em matria de concesso de medicamentos deve ter por base uma
norma jurdica especfica, caso em que ser possvel o controle pelo Poder Judicirio; (2)
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alm desta hiptese, o Poder Judicirio apenas poderia atuar nos casos de violao ao
mnimo existencial, completa omisso dos Poderes Pblicos ou atuao inconstitucional.
Caso existam leis e atos administrativos sendo executados, o Judicirio no deve intervir.
Alm disso, o autor formula uma srie de critrios para a concesso dos medicamentos
pelo Poder Judicirio: (a) nas aes individuais o Poder Judicirio s pode conceder os
medicamentos constantes da lista do SUS; (b) nas aes coletivas o Judicirio pode
adicionar lista de medicamentos do SUS aqueles que tiverem sua eficcia comprovada,
mas deve (c) sempre optar por aqueles disponveis no Brasil, (d) escolher o medicamento
genrico de menor custo, e (e) verificar se o medicamento imprescindvel para a
manuteno da vida. Alm disso, deve figurar no plo passivo da ao sempre aquele ente
federado responsvel por listar aquele medicamento (BARROSO, 2007).
Segundo Octvio Ferraz, pelo menos nos pases em que o direito sade foi
constitucionalizado, as cortes poderiam praticar uma forma mais legtima de adjudicao,
evitando decises que originassem implementao discriminatria dos direitos sociais em
favor daqueles com acesso ao Judicirio. Na viso do autor, a corte poderia inclusive
criticar a racionalidade das polticas pblicas, sem, todavia, se substituir vontade do
gestor (FERRAZ, 2011b).
Alm do direito sade, a judicializao de outras polticas tambm objeto de estudo,
como por exemplo o direito moradia (NASSAR, 2011), educao (PANNUNZIO, 2009;
CURY; FERREIRA, 2009; SILVEIRA, 2009, 2011, 2012; MARINHO, 2009), assistncia
social, entre outros.
No tema da moradia, Paulo Andr Silva Nassar chega a concluses parecidas quelas
que dizem respeito judicializao da sade. O autor estuda 50 aes civis pblicas
propostas pela Defensoria do Estado de So Paulo em face da Prefeitura de So Paulo, nas
quais se pleiteou alterao das polticas habitacionais para contemplar os interesses de
grupos marginalizados. O trabalho demonstra que os casos propostos pela Defensoria no
tiveram sucesso no Judicirio. Conclui que, ao menos nos casos analisados, o potencial de
transformao do Poder Judicirio foi limitado, j que, mesmo nos poucos casos em que as
comunidades interessadas foram atendidas, isso no ocorreu em virtude ou no mbito
da deciso judicial, mas decorreu de vontade poltica da Prefeitura. Outra concluso
importante do trabalho foi que no h grande produo acadmica sobre a judicializao
do direito moradia, que possui aspectos particulares, de maneira que no seria correta a
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generalizao para judicializao dos direitos sociais, comum nos trabalhos sobre direito
sade e educao (NASSAR, 2011).
justamente por conta das particularidades, que tambm identifico no que se trata do
direito educao, que reservei o tpico seguinte para descrever a literatura relativa
especificamente judicializao do direito educao.
2.2. Trabalhos sobre a judicializao da educao
A maior parte da literatura sobre judicializao de polticas pblicas no Brasil trata das
questes relacionadas ao direito sade. Contudo, a judicializao do direito educao
tem algumas particularidades. Primeiro, no Brasil, esses direitos sociais tm tratamentos
constitucionais diversos, no existindo na educao, por exemplo, questes relativas
distribuio de competncias, que permeiam os debates sobre o direito sade. Outra
diferena prtica que, no caso da judicializao por medicamentos, os atos do Poder
Pblico decorrentes da deciso so razoavelmente simples se comparados necessidade de
criao de novas vagas em instituies de ensino, conforme se verificar adiante nesta
pesquisa.
Ainda uma terceira diferena est no fato de que no h, no caso da educao, procura
das classes mais elevadas para matricular crianas em instituies de ensino infantil. O
principal ator responsvel por essas demandas a Defensoria Pblica, que apenas
representa famlias pobres, na acepo jurdica do termo, enquanto no caso da sade as
classes mais abastadas acessam o Judicirio com o objetivo de receber tratamentos ou
medicamentos extremamente caros, conforme explicado anteriormente.
Diferentemente do que acontece nos estudos sobre o direito sade, o estado da arte
dos trabalhos sobre a judicializao da educao demonstra que mesmo os trabalhos
empricos tm como premissa a aplicabilidade obrigatria e imediata do direito
fundamental educao. Um ponto em comum entre a maior parte desses trabalhos que
adotam a premissa de que o Judicirio deve atuar para assegurar a promoo do direito
subjetivo educao, exaltando a faceta individual do direito subjetivo e desconsiderando
sua dimenso coletiva, que se revela a partir de uma poltica pblica estruturada. Outra
coincidncia entre eles que mesmo aqueles que fazem uma anlise exaustiva da
jurisprudncia disponvel utilizam as decises como exemplos de como o Poder Judicirio
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atua e para corroborar a afirmao de que esse poder pode atuar para garantir o direito
educao.
Assim como no direito sade, a doutrina brasileira sobre direito educao costuma
compreend-lo como um direito fundamental social, com uma faceta individual e outra
coletiva. Entende, portanto, que seus titulares possuem direitos subjetivos, apesar de
estarem sob o manto da reserva do possvel por sua aplicao demandar recursos
financeiros (RANIERI, 2009). O direito educao, no mbito desta literatura, seria um
pressuposto para o exerccio da cidadania e um fim em si mesmo, j que estaria voltado
para o desenvolvimento da pessoa e de sua dignidade (ARNESEN, 2010).
Em resumo, a doutrina compreende o direito educao como um direito fundamental
e, portanto, com eficcia plena e aplicabilidade imediata, sendo pressuposto para a
qualificao para o trabalho, para a cidadania e dignidade, sendo oponvel contra o Estado,
a famlia e a sociedade (ARNESEN, 2010; RANIERI, 2009). Alm disso, correntemente se
afirma que o constituinte quis expressamente diferenciar o direito educao e permitir
sua exigibilidade por meio do Poder Judicirio quando afirmou em seu artigo 208, 1,
que o acesso ao ensino direito pblico subjetivo, cujo no oferecimento pelo Poder
Pblico, ou sua oferta irregular, implica responsabilidade da autoridade competente
(ARNESEN, 2010; DUARTE, 2004; RANIERI, 2009).
Assim, a doutrina no avalia de fato as consequncias do fenmeno da judicializao
para a prpria promoo do direito educao e essa perspectiva acaba sendo considerada
como premissa para a maior parte dos trabalhos jurdicos no tema, mesmo aqueles com
pretenses empricas. Por exemplo, o fato de o direito educao ser considerado um
direito fundamental, segundo Eduardo Pannunzio, faz com que ele no deva ser visto como
caridade, mas como prerrogativa, e que os titulares possam recorrer ao Poder Judicirio
caso seus direitos estejam sendo violados. Em seu trabalho denominado O Poder
Judicirio e o Direito Educao, o autor lista e explica os mecanismos processuais que
podem ser utilizados para proteger o direito educao nos mbitos nacional e
internacional e analisa as decises proferidas pelo Supremo Tribunal Federal sobre a
educao, diferenciando por perodo e por tema, e tambm aquelas proferidas pelos rgos
internacionais em relao ao Brasil. Indica que o direito educao passvel de
adjudicao pelo Poder Judicirio, que teria, segundo ele, papel relevante para a promoo
do direito educao, principalmente nos casos em que o Legislativo e o Executivo so
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omissos; ressalta, no entanto, que a jurisprudncia do STF ainda incipiente. Sugere que o
papel do Poder Judicirio seja ampliado a partir da capacitao dos juzes e ampliao da
conscientizao dos cidados e ONGs para que acessem o Judicirio (PANNUNZIO,
2009).
No artigo denominado A judicializao da educao, os autores Carlos Roberto
Jamil Cury e Luiz Antnio Miguel Ferreira apontam que, a partir da atual Constituio
Federal, com a regulamentao do direto educao, o Judicirio passou a intervir nas
questes educacionais. O artigo pressupe que os dispositivos constitucionais que dizem
respeito ao direito educao so de eficcia plena e aplicabilidade imediata, conferindo
ao cidado um direito subjetivo e pblico e que, portanto, seria direito de todos seu uso e
gozo. Assim, se o Poder Executivo no os cumprir, pode o interessado solicitar o
cumprimento ao Poder Judicirio. Exemplifica, ento, os diversos temas afetos educao
decididos pelo Poder Judicirio, tais como obrigatoriedade de fornecimento regular de
merenda de qualidade, obrigatoriedade de fornecer transporte escolar gratuito, obrigao
de contratao de professores nos casos em que h cargos vagos, fornecimento das
condies necessrias para que alunos especiais possam estudar, adequao do prdio
escolar, vagas em creches e pr-escolas, entre outros assuntos. Conclui que a judicializao
da educao configura um instrumento de proteo e obrigatoriedade de cumprimento dos
direitos constitucionais, para transformar o que est estabelecido na lei em realidade
(CURY; FERREIRA, 2009).
Uma abordagem parecida aquela adotada por Adriana A. Dragone Silveira em seu
artigo Judicializao da educao para a efetivao do direito educao bsica, no qual
parte da premissa de que a educao bsica direito subjetivo estabelecido
constitucionalmente e que sua no-oferta ou oferta irregular pelo Poder Pblico enseja
interveno do Poder Judicirio, inclusive com responsabiliz