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A INTERPRETAÇÃO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS SOBRE A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA CASTRENSE DA UNIÃO
NOS JULGAMENTO DE CRIMES MILITARES
Kleber Silas Monteiro Ribeiro 1
RESUMO Este trabalho visa a analisar a competência da Justiça Militar da União no julgamento decrimes militares, mormente, os que são cometidos contra o civil. Em que pese estarregulamentada a competência da Justiça Comum, nos moldes do art. 9º, p.u. do CódigoPenal Militar, no caso de homicídio doloso praticado contra o civil, existem váriasnuances, que na prática, divergem das interpretações dadas pela Corte Interamericana deDireitos Humanos (CoIDH) que entende existir o dever de vigorar o princípio daespecialidade, que atribui jurisdição militar apenas aos crimes cometidos em relaçãocom a função tipicamente militar. Verifica-se que a Procuradoria-Geral da República jáse manifestara, por meio da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADI 5032),alegando o alargamento da competência da Justiça Militar, a violação da ConstituiçãoCidadã (arts. 5º, caput, inciso LIII, e art. 124, CF/88), e a violação aos direitoshumanos. Oportuno salientar que o Superior Tribunal Militar (STM) reafirmou, em 16de junho de 2016, por unanimidade, que a Justiça Militar da União é competente paraprocessar e julgar casos de homicídio doloso cometidos por militares das ForçasArmadas contra civis. Diante da versatilidade do tema, e visando ao colmatamentodessa imperdoável lacuna, é mister que se aborde o mote em epígrafe, para que asinterpretações açodadas não contaminem o judiciário brasileiro, oportunidade na qualserá perscrutado o Projeto de Lei 5768/16, do deputado Esperidião Amin (PP-SC), queprevê o julgamento dos militares pela Justiça Militar no caso de crimes dolosos contracivis por ocasião de eventos nos quais atuam na garantia da lei e da ordem, além docontrole de convencionalidade, que se trata, em suma, de analisar se a legislação de umpaís está de acordo com os tratados e convenções internacionais de direitos humanos aque o estado se comprometeu a cumprir.
1 Formado pela Escola de Sargentos das Armas (EsSA – 2001) e na Escola de Aperfeiçoamento de Sargentos (EASA – 2012); Graduado em Direito pela Universidade para o
desenvolvimento e Estado e Região do Pantanal (UNIDERP – 2006); Especialista em Ciências Penais (UNIDERP – 2011). Atualmente é 2º Sargento do Exército Brasileiro e Adjunto
da Assessoria de Apoio para Assuntos Jurídicos da 9ª RM/CMO.
Palavras-chave: Competência da JMU, CoIDH, Princípio da Especialidade, DireitosHumanos, Controle de Convencionalidade.
1. INTRODUÇÃO
Antes de entrarmos no tema central do presente estudo é mister tecer alguns
comentários, visando a ambientar os leitores quanto à Justiça Militar2, que se traduz em
um dos integrantes do Poder Judiciário Brasileiro.
É de conhecimento de todos que laboram com a ciência do direito, que existem
diversos setores e grupos na sociedade que demandam especialidades no campo
jurisdicional, ou seja, um tratamento específico dado em decorrência das peculiaridades
a eles inerentes. Neste Diapasão, é o caso do direito militar. Destarte, assim como outros
ramos, o direito castrense é especial, dada sua especificidade ínsita a certas pessoas
abarcadas a um regime e conjunto de regras peculiares e muito diferenciadas daquelas
relativas a outras funções sociais comumente vistas.
É escorreito afirmar que o militar, seja da União (Forças Armadas) ou dos
Estados-membros (Polícia Militar e Corpo de Bombeiro Militar), está submetido a
regramentos pertinentes às suas atividades militares, que pela própria, determina-o à
obediência aos supedâneos da Hierarquia e da Disciplina. Tais baluartes são mantidos e
perpetuados exatamente por um conjunto de regras muito próprias, das quais emanam
leis e regulamentos.
2. A JUSTIÇA MILITAR NO BRASIL
Impende destacar que a Justiça Militar brasileira compõe o Poder Judiciário,
tendo como fonte a Lei Maior, consoante o seu art. 92. Nesta esteira, a realidade
cotidiana ressumbra que as condições de trabalho e da vida castrense impõem a
necessidade da existência de um conjunto disciplinatório, em seu sentido amplo, a fim
2 A Justiça Militar Pátria tem seu marco inicial com a vinda da Família Real para o Brasil, no ano de1808.
de dar guarida aos princípios básicos das Forças Armadas3, colunas mestras de toda e
qualquer organização militar.
Outrossim, diante desta realidade peculiar, destinada a um grupo seleto de
profissionais das armas, realmente é mister a existência de uma Justiça especial, com
seu corpo especializado para julgar fatos pertinentes ao exercício da atividade castrense.
Na lição de Cícero Robson Coimbra Neves e Marcello Streifinger (2008, p.32),
os mesmos asseveram que “como se pode verificar no Texto Maior, as instituições
militares são dotadas de tutela especial, que visa à manutenção de sua regularidade, pela
proteção de outros bens jurídicos: a vida, a integridade física, a honra, a hierarquia, a
disciplina”.
Oportuno salientar que a Justiça Castrense, criada nos albores da formação do
nosso país, possui apanágios que a diferem de outros países, pois em nossa nação, a
Justiça Militar é gênero do qual resulta duas ramificações, quais sejam, a Justiça Militar
da União (JMU) e a Justiça Militar Estadual (JME).
3. A JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO
A Justiça Militar da União, órgão nacional especializado, consiste em uma
Instituição federal, cuja competência funcional trilha para o julgamento e
processamento dos crimes militares definidos no Código Penal Militar. Neste átimo,
convém asseverar que tanto o militar quanto o civil poderão ser julgados por esta corte
especial. O mesmo passar de olhos, agora volvidos para a Justiça Militar Estadual,
traduz-se de forma distinta, uma vez que o civil não pode ser julgado por esta Justiça
Militar, oportunidade em que se o civil cometer um crime contra as instituições
militares estaduais, o mesmo será julgado pela Justiça Comum.
3 A hierarquia e disciplina é um binômio sempre mencionado como o pilar de todas as organizaçõesmilitares, entretanto ela existe em todas as organizações sociais, desde a simples família, passa por todasas empresas públicas e privadas até a Igreja Católica que tem uma das estruturas mais hierarquizadasexistentes.
A Justiça Militar da União é composta, em 1ª instância, pelos Juízes Militares
(Auditores) e pelos Tribunais e, em 2ª instância, pelo Superior Tribunal Militar o qual
possui jurisdição em todo território brasileiro.
O primeiro grau de jurisdição da Justiça Militar da União é exercido por meio
dos Conselhos de Justiça, com a atuação do Juiz Auditor no julgamento de crimes
militares, junto aos Juízes Militares, que são Oficiais da Força a que pertence o autor
dos fatos, isto é, o militar infrator, e assumem a função após terem sido sorteados a
partir da lista de oficiais apresentados, conforme previsão legal (art. 19 e 23 da Lei
8.457/92).
Conforme a Lei Federal nº 8.457/92, que trata do assunto, os Conselhos de
Justiça tem na verdade duas faces, o Conselho Permanente de Justiça, incumbido de
processar e julgar as praças que incorram em crimes militares e o Conselho Especial de
Justiça, que sempre processará os oficiais, até o posto de Coronel ou Capitão-de-mar-e-
guerra.
O Superior Tribunal Militar possui a competência para o julgamento em 2ª
instância, com competência originária para o processamento e julgamento dos Oficiais
Generais, e ainda com poderes para decretar perda de posto e patente dos Oficiais que
forem julgados culpados em processos administrativos. A composição do Superior
Tribunal Militar é estruturada com 15 (quinze) ministros vitalícios nomeados pelo
Presidente da República, sendo 03 (três) escolhidos dentre Oficiais Generais da
Marinha, 04 (quatro) dentre Oficiais Generais do Exército e 03 (três) oriundos da
Aeronáutica, de igual patente. Ainda, os 05 (cinco) restantes são escolhidos entre civis.
Os Ministros civis são também escolhidos pelo Presidente da República, sendo
03 (três) dentre advogados com notório saber jurídico e mais de dez anos de atividades
na advocacia, e os 02 (dois) Ministros restantes são escolhidos a partir dos Juízes
Auditores e membros do Ministério Público Militar.
4. A JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL
Vale consignar que esta ramificação da justiça especial possui sua ontologia
visando ao processamento e julgamento dos crimes militares definidos em lei,
praticados por policiais e bombeiros militares, pois, ao contrário do que ocorre na
Justiça Militar da União, o civil não será processado pela Justiça Militar Estadual, mas
sim pela Justiça Comum, conforme dantes evidenciado, conforme preconizado no art.
125, § 4º da Constituição Federal de 1988.
Compete à Justiça Militar Estadual processar e julgar os militares dos Estados,
nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares
militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao
tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da
graduação das praças.
Compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar, singularmente,
os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares
militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar
e julgar os demais crimes militares.
Neste Átimo, o tribunal competente retromencionado é o Tribunal de Justiça
Militar (TJM) nos Estados do Rio Grande do Sul, de Minas Gerais e de São Paulo. Os
recursos impetrados nos Estados em que não há o Tribunal de Justiça Militar, serão
julgados pelo próprio Tribunal de Justiça local.
No entanto, deve-se trazer, de forma pontual, a ressalva trazida pela Emenda
Constitucional nº 45. Dessarte, a ressalva diz respeito a competência do Tribunal do Júri
para processar e julgar os delitos militares dolosos contra a vida, quando se tratar de
vítima civil, previsão com seus contornos expressos na Lei nº 9299/96.
5. O MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR
Convém trazer a lume, que o Ministério Público Militar, titular da Ação Penal
Militar, é composto por civis e se trata, também, de Instituição civil. Representa,
conforme a previsão constitucional, o Estado Acusador no processo penal militar.
Assim como o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho e o
Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios, o Ministério Público Militar é
parte integrante do Ministério Público da União. Sua competência é na Justiça Militar
Federal, o que significa dizer que compete a ele a acusação em relação aos crimes
militares ocorridos dentro das Forças Armadas, isto é, Marinha, Exército e Aeronáutica.
Sua criação date de outubro de 1920, ainda que desde o século XIX já se
especulasse projetos de lei com previsão de uma Promotoria de Justiça Criminal Militar.
Hodiernamente, tem suas atribuições delimitadas pela Lei Complementar nº 75, de maio
de 1993.
Quanto à Justiça Militar Estadual, deve-se salientar que não há a figura do
Ministério Público Militar como na instância Federal, pois em nível estadual, o Estado
Acusador é exercido pelos representantes do Ministério Público Estadual, que atuam
perante as Auditorias Militares.
6. O ADVOGADO NA JUSTIÇA MILITAR
Nesse desiderato, da mesma forma como ocorre na Justiça Comum, o Advogado
na Justiça Militar está sujeito às mesmas regras instituídas na legislação em vigor.
Destarte, acresce-se aqui, que na Justiça Militar a constituição de defensor não
estará sujeita a mandato, desde que o acusado o indique durante o Interrogatório ou em
qualquer fase do processo, por termo nos autos. Se houver mandato, então este seguirá
as regras contidas no ordenamento jurídico nacional.
7. A JUSTIÇA MILITAR E SUA LEGISLAÇÃO VIGENTE
Adite-se a esse respeito, que a legislação atualmente vigente no Brasil, comum
às justiças militares da União e dos Estados são o Código Penal Militar e de Código de
Processo Penal Militar. Isto porque as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros
Militares não possuem codificação própria, sendo aplicado, no que couber, a legislação
retromencionada.
Para a Justiça Militar da União aplica-se, ainda, a Lei nº 8.457, de 1992,
conhecida como Lei de Organização Judiciária Militar da União e ainda o Estatuto dos
Militares, Lei nº 6880/80 e as Leis do Conselho de Disciplina (Decreto 71.500/72),
Conselho de Justificação (Decreto nº 5.836/72) e a Lei do Serviço Militar (Lei nº
4.375/64).
Além destas, existem, também, as codificações pertinentes a cada Força, e
também às Polícias Militares e Bombeiros Militares, que são os Regulamentos
Disciplinares, ou Código de Ética, sendo esta última denominação usada em algumas
Polícias Estaduais no Brasil.
No tocante as causas que lhes são afetas, há que se dizer, por fim, que na seara
militar Estadual, o dispositivo inovador da Emenda 45 trouxe modificações sensíveis ao
campo cível, já que a partir do diploma, cabe também à Justiça Militar Estadual e em
específico ao juiz de direito, singularmente, o julgamento quanto à permanência dos
militares, a ele submetidos, no que diz respeito às ações judiciais contra atos
disciplinares, jurisdição essa que lançará mão também de outros diplomas legais, como
o Código de Processo Civil, Código Civil e também a legislação administrativa
aplicável.
Consoante as razões acima expendidas, verifica-se que a estrutura geral da
Justiça Militar brasileira está em fiel sintonia com as demais Justiças existentes no
Poder Judiciário de nosso país.
8. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR
Não é fastidioso repetir que a Justiça Militar é um dos órgãos do Poder
Judiciário, com previsão constitucional e na Lei de Organização Judiciária que trata da
sua competência, funcionamento e composição, em atendimento ao princípio da
legalidade que deve reger as relações entre o Estado e os jurisdicionados.
Uma perfunctória interpretação da estrutura da justiça militar no Brasil poderia
levar o leitor ao erro, pois, com o advento da Constituição Federal de 1988 não existe
nenhum Tribunal de Exceção. Os juízes e Tribunais Militares estão previstos em Lei,
possuindo dotação orçamentária própria em respeito a tripartição dos Poderes.
A competência da Justiça Militar foi estabelecida pelo texto constitucional de
1988. A Justiça Castrense divide-se em: Justiça Militar Federal e Justiça Militar
Estadual. Os servidores militares também se dividem em duas categorias: militares
federais e militares estaduais.
A Justiça Militar Federal tem competência para processar e julgar os militares
integrantes das Forças Armadas e os civis. No Estado democrático de Direito, que tem
como fundamento a observância de uma Constituição estabelecida pela vontade popular
e por meio de uma Assembleia Nacional Constituinte, no caso do Brasil um Congresso
Constituinte, não existe nenhum impedimento para a realização de um julgamento
militar que tenha como acusado um civil.
As leis militares, Código Penal Militar, Código de Processo Penal Militar, Leis
Especiais Militares, definem as situações em que um civil poderá ser julgado por um
juiz ou Tribunal Militar. Se um civil praticar um crime de estelionato em local sujeito a
administração militar, este poderá responder a uma ação penal militar perante a justiça
militar federal de 1ª instância.
A Justiça Militar Estadual tem competência para processar e julgar os policiais
militares e bombeiros militares nos crimes militares definidos em lei. Os crimes
militares estão definidos no Código Penal Militar, Código de Processo Penal Militar, e
nas Leis Militares Especiais. Deve-se observar que, por força de disposição
constitucional, a Justiça Militar Estadual tem competência apenas e tão somente para
julgar os militares estaduais, que são os integrantes das Forças Auxiliares (Polícias
Militares e Corpos de Bombeiros Militares).
Se um civil praticar um crime de estelionato em um quartel da Polícia Militar do
Estado de Mato Grosso do Sul ou qualquer outro Estado-membro da Federação, este
será processado e julgado perante a Justiça Comum do Estado, com fundamento no
Código Penal e Código de Processo Penal.
A Justiça Militar Federal e Estadual possuem organização judiciária similar,
com algumas peculiaridades. A 1 ª instância da Justiça Militar denomina-se Conselho de
Justiça, que tem como sede uma auditoria militar. O Conselho de Justiça divide-se em
Conselho de Justiça Permanente e Conselho de Justiça Especial. O primeiro destina-se
ao julgamento das praças, e o segundo, ao julgamento dos oficiais.
Os Conselhos de Justiça são constituídos por cinco julgadores, sendo quatro
oficiais pertencentes à carreira militar, e um juiz civil, denominado auditor militar, que
foi provido ao cargo por meio de concurso de provas e títulos. A presidência do
Conselho de Justiça é exercida pelo oficial de mais alta patente. Já na Justiça Militar
Estadual, a presidência do conselho recaiu na pessoa do Juiz de Direito do Juízo Militar,
nomenclatura inserida pela EC 45.
A 2 ª instância da Justiça Militar Federal é exercida pelo Superior Tribunal
Militar – STM, com sede em Brasília, que possui competência originária e derivada
para processar e julgar todos os recursos provenientes das auditorias militares
distribuídas pelo território brasileiro.
A 2 ª instância da Justiça Militar Estadual nos Estado de São Paulo, Rio Grande
do Sul e Minas Gerais, é exercida pelo Tribunal de Justiça Militar que possui
competência originária e derivada para processar e julgar os recursos provenientes das
auditorias militares estaduais. Nos demais Estados-membros da Federação, a 2ª
instância da Justiça Militar é exercida por uma Câmara Especializada do Tribunal de
Justiça em atendimento ao Regimento Interno e Lei de Organização Judiciária.
A Justiça Militar, Federal ou Estadual, está presente em todos os Estados-
membros da Federação. O que não pode ocorrer é uma interpretação açodada a respeito
deste mote, afastando afirmações que alegam que a Justiça Castrense seria um Tribunal
de Exceção que tem por objetivo favorecer os acusados que são processados e julgados
perante os seus órgãos de 1ª e 2ª instância. Nas democracias modernas, a Justiça Militar
se faz presente e presta um serviço de qualidade ao Estado, permitindo um controle
efetivo das atividades de segurança pública que são exercidas pelos integrantes das
Forças Armadas e Forças Auxiliares. Em jogo estará então a análise da legislação
brasileira e sua congruência com as convenções das quais o Brasil é signatário.
Assim sendo não podemos olvidar que a doutrina mais moderna de direito
internacional defende uma força mais expressiva dos tratados e convenções sobre a
legislação infraconstitucional. E mais, chegam a defender até uma equivalência entre
normas constitucionais e tratados, especialmente aqueles que versarem sobre direitos
humanos4, de tal modo que, afora o controle de constitucionalidade, o intérprete deve
ainda verificar se o caso sob análise está de acordo com a legislação internacional.
9. O Art. 9º PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 9ª CPM E A LEI nº 9299/96
Buscando a lisura, este tópico aborda a competência da Justiça Militar e as
implicações trazidas pela Lei 9299/96, que deslocou a competência para julgar os
crimes dolosos contra a vida cometidos por policiais militares, em serviço, para a
Justiça comum. Da análise deste aresto se depreende que esta lei foi criada tendo em
vista um forte clamor da população, após a morte de vários civis em decorrência da
atividade policial, oportunidade em que fora questionada a jurisdição especial reservada
ao julgamento dos crimes considerados militares. Segundo Ione de Souza Cruz e
Cláudio Amim Miguel (2009, p.17), são diversas as definições sobre crime militar,
porém, seguindo o critério estabelecido pela Lei Maior, podemos conceituá-lo, de forma
4 Os direitos humanos incluem o direito à vida e à liberdade, à liberdade de opinião e de expressão, odireito ao trabalho e à educação, entre e muitos outros.
simples e objetiva, como sendo todo aquele definido em lei. Nesse preocupante cenário,
a Lei nº 9299/96 teve a sua constitucionalidade questionada, uma vez que permaneceu
no art. 9º do Código Penal Militar o deslocamento para a jurisdição da justiça comum. A
dúvida paira se a mesma regra vale para o militar das Forças Armadas.
A legislação supracitada foi omissa, descurando-se de seu texto a referência
expressa quanto aos militares federais. Para o colmatamento desta imperdoável falha,
necessário se faz trazer à baila a lição de doutos doutrinadores brasileiros.
Demais, convém ter presente, por oportuno, a lição de Jorge Cesar de Assis
(2009, p. 190) que assevera que não resta dúvida de que o homicídio doloso praticado
por militar Federal contra civil, continua sendo crime militar, pois a previsão do art. 205
e a própria sistemática do CPM autorizam esta convicção.
Na mesma linha de pensamento, Ricardo Henrique Alves Giuliani (2009, p. 71)
corrobora que o STM entende que, se o militar Federal estiver de serviço e matar um
civil em local sujeito à administração militar, a competência é da Justiça Militar Federal.
Por fim, o ilustre Célio Lobão (1999, p. 113) ratifica que a Lei nº 9299/96 não
retirou os crimes dolosos contra a vida da categoria de crime militar; como
consequência, não podem ser julgados pela justiça comum, sem violação da Lei
Fundamental.
10. PRONUNCIAMENTOS DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA E
A ADI 5032
Diante da versatilidade do tema, reporto-me agora para o entendimento da
Procuradoria-Geral da República (PGR) que ajuizara no Supremo Tribunal Federal
(STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5032), com pedido de liminar, em
face da regra prevista na Lei Complementar 97/1999, na redação dada pelas Leis
Complementares 117/2004 e 136/2010, que inseriu na competência da Justiça Militar o
julgamento de crimes cometidos no exercício das atribuições subsidiárias das Forças
Armadas.
A título de conhecimento, a Lei 97/99 dispõe sobre normas gerais para a
organização, preparo e emprego das Forças Armadas. Segundo a PGR, com as LC
117/2004 e 136/2010, foram introduzidas alterações principalmente para detalhar a
atuação subsidiária das Forças Armadas em operações para garantia da lei e da ordem e
de combate ao crime, a exemplo das ocupações de favelas no Rio de Janeiro.
A PGR sustentou que, além de regular as atribuições subsidiárias das Forças
Armadas, as alterações no parágrafo 7º do art. 15 da LC 97/1999 ampliaram
demasiadamente a competência da Justiça Militar, violando o art. 5º, caput, da
Constituição Federal ao estabelecer foro privilegiado sem que o crime tenha relação
com funções tipicamente militares. De acordo com os autos, o dispositivo também
contraria a Constituição nos arts. 5º, inciso LIII, e 124, ao classificar de crime militar
delito comum, desvirtuando o sistema constitucional de competências.
A PGR argumentou que, apesar de a Constituição Federal deixar para norma
infraconstitucional os critérios de fixação de competência da Justiça Militar, não é todo
crime que pode a ela ser submetido, senão o crime militar. E este, por sua vez, não é
todo crime praticado por militar.
A ADI 5032 elencou precedentes em que o STF atribui à Justiça comum a
competência para julgar crimes de militares fora do exercício de suas funções. Afirma,
também, que o tema já fora abordado pela Comissão de Direitos Humanos da ONU5,
pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e pelo Tribunal Europeu de Direitos
Humanos, todos de acordo no sentido de que deve vigorar o princípio da especialidade,
que atribui jurisdição militar apenas aos crimes cometidos em relação com a função
tipicamente militar.
A PGR considerou que o pedido de liminar foi necessário em razão da atuação
das Forças Armadas que, pelo menos no Rio de Janeiro, já atuam no combate ao crime,
auxiliando a ocupação de favelas. O que significa que delitos cometidos por militares
5 O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (United Nations Human Rights Council-UNHRC) é o sucessor da Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos (United NationsCommission on Human Rights- UNCHR) e é parte do corpo de apoio à Assembleia Geral das NaçõesUnidas.
contra civis estão sendo submetidos à Justiça castrense, com toda carga de violação aos
direitos humanos.
O princípio da especialidade preceitua que, havendo duas leis regulamentando a
mesma matéria, deve ser aplicada àquele caso a lei especial, em detrimento da geral. O
conflito aparente de leis penais ocorre quando a um só fato, aparentemente, duas ou
mais leis são aplicáveis, ou seja, o fato é único, no entanto, existe uma pluralidade de
normas a ele aplicáveis.
Nesta toada, a PGR entende que o julgamento de militares que cometem crime
contra civil deve ser julgado pela justiça comum. Vejamos o entendimento do STM
sobre o assunto em tela.
11. POSICIONAMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR
Ilidindo o entendimento da PGR, bem como da Lei nº 9.299/96, o Superior
Tribunal Militar (STM) reafirmou, por unanimidade, que a Justiça Militar da União é
competente para processar e julgar casos de homicídio doloso cometidos por militares
das Forças Armadas contra civis.
O entendimento foi consolidado durante apreciação de um caso de homicídio,
supostamente cometido por um militar do Corpo de Fuzileiros Navais, acusado de matar
um civil durante uma ação militar realizada em abril de 2014, após um confronto entre
criminosos e uma patrulha do Grupamento de Fuzileiros Navais, pertencente à Força de
Pacificação São Francisco, no Complexo da Maré.
Segundo o ministro-relator, a Lei nº 9.299/96, de 7 de agosto de 1996, levaria à
conclusão de que a Justiça Militar da União seria incompetente para julgar o caso, por
se tratar de suposto homicídio doloso praticado contra civil.
Contudo, disse ele que a intenção inicial da reforma do Código Penal Militar era
retirar a competência da Justiça Militar Estadual para julgar os crimes dolosos contra a
vida cometidos contra civis tão apenas por militares dos estados, excluindo os militares
das Forças Armadas.
O relator acrescentou que, em 2004, o Congresso Nacional promulgou a Emenda
Constitucional nº 45, que tirou, definitivamente, as dúvidas sobre o tema, visto que
alterou significativamente a competência das justiças militares estaduais.
Portanto, observou o ministro, que nesse processo dialético, o legislador
destacou visivelmente no seu texto que deverá ser ressalvada a competência do júri6
quando a vítima for civil, somente no artigo que faz referência às justiças militares dos
estados, não tratando do assunto nos artigos referentes à Justiça Militar da União,
alegando que as razões não entram em testilha.
12. PROJETO DE LEI nº 5768/16
No teor desta inquisa, é de suma relevância o Projeto de Lei 5768/16, originado
do deputado Esperidião Amin (PP-SC), que previu o julgamento dos militares pela
Justiça Militar no caso de crimes dolosos contra civis, por ocasião de eventos nos quais
houvesse atuação em prol da garantia da lei e da ordem.
A ideia foi atribuir esse foro de julgamento para os militares que trabalharam na
segurança das Olimpíadas, cujas regras terão vigência até 31 de dezembro de 2016 e,
após essa data, voltarão a valer as regras atualmente previstas no Código Penal Militar
(Decreto-Lei 1.001/69).
A ontologia do projeto se resumiu na guarida a ser dispensada aos militares e aos
visitantes durante as Olimpíadas, bem como para a proteção da imagem do Brasil e do
patrimônio cultural dos Jogos Olímpicos.
Atualmente, o Código Penal Militar lista alguns crimes, principalmente
relacionados a atividades militares, nos quais o julgamento é feito pela Justiça Militar,
exceto se forem dolosos contra civis. Exclui-se dessa regra o abate de aviões que não
respondem ao comando de aterrissagem dado por aeronave militar de patrulhamento.
Em sua justificativa, o autor do projeto defendeu o acréscimo no texto da figura
do presidente da República, na condição de chefe supremo das Forças Armadas, para
6 O Tribunal do Júri detém a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida.
prever o foro especial aos militares empregados em missões atípicas por sua ordem. Não
havendo um consenso acerca da natureza dessas ações, o projeto disse ser essencial
assegurar aos militares a proteção e a segurança jurídica que o diploma legal buscou
conferir.
13. A CoIDH
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CoIDH) é um dos três Tribunais
regionais de proteção dos Direitos Humanos, conjuntamente com a Corte Europeia de
Direitos Humanos7 e a Corte Africana de Direitos Humanos e dos Povos. É uma
instituição judicial autônoma cujo objetivo é aplicar e interpretar a Convenção
Americana. A Corte Interamericana exerce uma função contenciosa, bem como uma
função consultiva, além da função de ditar medidas provisórias.
A Corte Interamericana estabeleceu-se e organizou-se quando entrou em vigor a
Convenção Americana. Em 22 de maio de 1979, os Estados Partes da Convenção
Americana elegeram os primeiros juízes que comporiam a Corte Interamericana. A sede
da Corte Interamericana está em San José da Costa Rica.
A organização, o procedimento e a função da Corte estão regulados na
Convenção Americana. Ademais, o Tribunal tem um Estatuto e um Regulamento
expedido pela própria Corte que está integrada por sete Juízes, nacionais dos Estados-
membros da OEA, cujo mandato dura 6 (seis) anos. Os Juízes não podem conhecer de
casos de sua nacionalidade, no entanto, em casos interestatais é possível que os Estados
nomeiem um juiz ad-hoc da nacionalidade dos Estados envolvidos no caso em epígrafe.
De acordo com a Convenção Americana, só os Estados Partes e a Comissão têm
direito a submeter um caso à decisão da Corte. Em consequência, o Tribunal não pode
atender petições formuladas por indivíduos ou organizações. Desta maneira, os
indivíduos ou organizações que considerem que existe uma situação violatória das
7 A European Court of Humans Right foi adotada pelo Conselho da Europa, em 1950. O nome oficial éConvenção para a proteção dos Direitos do Homem e das liberdades fundamentais cuja finalidade é darguarida aos Direitos Humanos e às liberdades fundamentais.
disposições da Convenção e desejem acudir ao Sistema Interamericano, devem
encaminhar suas denúncias à Comissão Interamericana, a qual é competente para
conhecer de petições que lhe apresente qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou
entidade não governamental legalmente reconhecida que contenham denúncias ou
queixas de violação da Convenção por um Estado Parte.
A Corte tem competência para conhecer de qualquer caso relativo à
interpretação e aplicação das disposições da Convenção que lhe seja submetido, sempre
que os Estados Partes no caso tenham aceitado sua competência contenciosa.
O Brasil ratificou, de forma tardia, o reconhecimento da competência
contenciosa da Corte através do Decreto nº 4.463, de 8 de novembro de 2002. Assim,
com a adesão do Brasil ao sistema interamericano e seu reconhecimento da jurisdição
da Corte, seus atos estatais devem se conformar aos direitos previstos na Convenção
Americana, buscando-se a convergência e o diálogo da jurisdição interna e internacional
em prol da maior proteção e efetividade dos direitos humanos.
14. O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE
A Corte Interamericana de Direitos Humanos, além de sua função contenciosa,
possui função consultiva, prevista no art. 64 da CADH, sobre as questões jurídicas
relativas à interpretação da Convenção Americana ou de qualquer tratado de direitos
humanos nos Estados Americanos e sobre a compatibilidade da legislação doméstica
aos instrumentos internacionais de Direitos Humanos, realizando também, assim, o
controle de convencionalidade8 das leis.
O controle de convencionalidade trata de analisar se a legislação de um país está
de acordo com os tratados e convenções internacionais de direitos humanos a que o
estado se comprometeu a cumprir.
8 O Controle de Convencionalidade está diretamente ligado aos Tratados Internacionais de DireitosHumanos, haja vista serem estes os instrumentos utilizados como paradigma para a realização do controlecitado.
Para MAZZUOLI (2008b, p. 201-241) todos os tratados internacionais de
direitos humanos ratificados pelo Estado brasileiro e em vigor entre nós têm nível de
normas constitucionais, quer seja uma hierarquia somente material (o que chamamos de
status de norma constitucional), quer seja tal hierarquia material e formal (que
nominamos de equivalência de emenda constitucional). Não importa o quórum de
aprovação do tratado. Cuidando-se de documento relacionado com os direitos humanos,
todos possuem status constitucional por força do art. 5º, § 2º, da CF/88.
A Emenda Contitucional nº 45 inseriu o art. 5º, § 3º de nossa Carta Maior9. Essa
inserção possibilitou que os Tratados Internacionais de Direitos Humanos fossem
aprovados com um quórum qualificado a fim de passarem de um status materialmente
constitucional para a condição formal de tratados equivalentes às emendas
constitucionais. Esse fato trouxe um novo controle da produção doméstica, o que nos
permite dizer que além do controle de constitucionalidade (respeito à constituição),
agora temos também o controle de convencionalidade das leis (respeito aos tratados que
sejam de Direitos Humanos), para que haja a compatibilização com os Tratados
Internacionais de Direitos Humanos.
Os tratados de direitos humanos têm “status de norma constitucional”, nos
termos do art. 5º, § 2º, da Constituição, ou se forem equivalentes às emendas
constitucionais, posto que aprovados pela maioria qualificada prevista no art. 5º, § 3º, da
mesma carta, significa que podem eles ser paradigma de controle das normas
infraconstitucionais no Brasil.
O Controle de Convencionalidade, coadjuvante do Controle de
Constitucionalidade, deve ser exercido pelos órgãos da justiça nacional relativamente
aos tratados aos quais o país se encontra vinculado, de forma a adaptar as leis internas
aos compromissos internacionais.
9 A Constituição de 1988, elevou a dignidade da pessoa humana e a prevalência dos direitos humanos aserem princípios norteadores da Lei Maior.
15. CONCLUSÃO
Do que foi exposto sobressai-se como urgente e necessário dizer que dependerá
sempre da análise dos casos concretos para afirmar a competência da Justiça Militar da
União no julgamento de crimes militares, mormente, os que são cometidos contra o
civil. Em alguns casos poderá ser da competência da Justiça Comum, nos moldes do art.
9º, p.u., do Código Penal Militar. Realmente, no Direito Militar existem várias nuances,
que na prática, divergem das interpretações dadas pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos, que entende existir o dever de vigorar o princípio da especialidade, que
atribui jurisdição militar apenas aos crimes cometidos em relação com a função
tipicamente militar. Em que pese o entendimento da Procuradoria-Geral da República, a
exemplo da ADI 5032, oportunidade em que alega o alargamento da competência da
Justiça Militar, bem como violação da Constituição Cidadã (arts. 5º, caput, inciso LIII,
e art. 124, CF/88), e a violação aos direitos humanos, e também do Superior Tribunal
Militar (STM) que assevera a competência da Justiça Militar da União para o
processamento e julgamento de casos de homicídio doloso cometidos por militares das
Forças Armadas contra civis, conclui-se pela instabilidade do tema, contudo é mister
que as autoridades da Justiça Militar amoldem suas funções jurídicas de acordo com as
interpretações da Corte Interamericana de direitos humanos, principalmente em
decorrência do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Por fim, espera-se que, no
momento em que ocorrer o controle de convencionalidade, que se trata de analisar se a
legislação de um país está de acordo com os tratados e convenções internacionais de
direitos humanos a que o estado se comprometeu a cumprir, que o Brasil esteja
desempenhando suas funções observando o que outrora fora pactuado.
16. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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______. Lei Complementar nº 97, de 09 de junho de 1999. Dispõe sobre normasgerais para organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas. Diário Oficial daRepública Federativa do Brasil, Brasília, DF, 10 jun. 1999.
______. Lei Complementar nº 117, de 02 de setembro de 2004. Altera a LeiComplementar nº 97, de 09 de junho de 1999, que dispõe sobre normas gerais paraorganização, o preparo e o emprego das Forças Armadas, para estabelecer novasatribuições subsidiárias. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF,03 set. 2004.
______. Lei Complementar nº 136, de 25 de agosto de 2010. Altera a LeiComplementar nº 97, de 9 de junho de 1999, que dispõe sobre as normas gerais para aorganização, o preparo e o emprego das Forças Armadas, para criar o Estado-MaiorConjunto das Forças Armadas e disciplinar as atribuições do Ministro de Estado daDefesa. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 26 ago. 2010.
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