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A INTERAÇÃO DO PROFESSOR COM O ALUNO SURDO Rute Oliveira do Bomfim 1 Ana Paula Almeida de Pereira 2 Resumo Este estudo realizado a partir da aplicação de um questionário a professores e educadores do Colégio para Surdos Alcindo Fanaya Junior objetiva investigar a visão destes e as implicações destas, na aquisição da língua de sinais, visa aprofundar conhecimento sobre concepções de aquisição de linguagem, aprendizagem e bilingüismo norteadoras da atuação, que interferem no desenvolvimento cognitivo, social e acadêmico. Constata-se preocupação com formação continuada, e conhecimento intermediário em Libras. Número significativo de professores considerou importante incentivar a expressão espontânea da criança. Os professores não consideram que seja a Libras o principal meio de expressão do aluno, indicando a não ocorrência de comunicação compartilhada. Ao observar de forma sistemática como se encontrava a linguagem de um grupo de crianças atendidas na escola constatou-se atraso significativo nesta aquisição, pouca necessidade em se expressar através de linguagem formal, todas demonstraram dificuldade quanto a conceitos que envolvem categorização. Conclui-se diante dos dados coletados e analisados, que o avanço lingüístico e cognitivo requer mudança significativa nas práticas pedagógica que possibilite ações mediadoras no processo de aprendizagem. Não basta o conhecimento e informação, mas uma mudança de atitude frente à criança, ampliando os espaços para que ela desenvolva a necessidade de interagir numa relação dialógica. Palavras-chave: Aquisição de Linguagem; Aprendizagem; Desenvolvimento Cognitivo; Libras; Prática Pedagógica. Introdução A educação de surdos tem tradicionalmente focalizado em suas investigações, o debate sobre método de ensino, métodos da comunicação e resultado de testes formais, desconsiderando o processo de aquisição de linguagem como um processo de constituição de sujeitos, futuros cidadãos. Há pouca ou nenhuma consideração, a função das primeiras interações, que se estabeleçam na família ou na escola (WOOD, 1992) e a linguagem é 1 Mestre em Distúrbios da Comunicação UTP Universidade Tuiuti do Paraná, Profª PDE 2008. 2 Doutora em Rehabilitation Psychology, docente do departamento de Psicologia UFPR, Prof. Orientador PDE.

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A INTERAÇÃO DO PROFESSOR COM O ALUNO SURDO

Rute Oliveira do Bomfim1

Ana Paula Almeida de Pereira2

Resumo

Este estudo realizado a partir da aplicação de um questionário a professores e educadores do Colégio para Surdos Alcindo Fanaya Junior objetiva investigar a visão destes e as implicações destas, na aquisição da língua de sinais, visa aprofundar conhecimento sobre concepções de aquisição de linguagem, aprendizagem e bilingüismo norteadoras da atuação, que interferem no desenvolvimento cognitivo, social e acadêmico. Constata-se preocupação com formação continuada, e conhecimento intermediário em Libras. Número significativo de professores considerou importante incentivar a expressão espontânea da criança. Os professores não consideram que seja a Libras o principal meio de expressão do aluno, indicando a não ocorrência de comunicação compartilhada. Ao observar de forma sistemática como se encontrava a linguagem de um grupo de crianças atendidas na escola constatou-se atraso significativo nesta aquisição, pouca necessidade em se expressar através de linguagem formal, todas demonstraram dificuldade quanto a conceitos que envolvem categorização. Conclui-se diante dos dados coletados e analisados, que o avanço lingüístico e cognitivo requer mudança significativa nas práticas pedagógica que possibilite ações mediadoras no processo de aprendizagem. Não basta o conhecimento e informação, mas uma mudança de atitude frente à criança, ampliando os espaços para que ela desenvolva a necessidade de interagir numa relação dialógica. Palavras-chave: Aquisição de Linguagem; Aprendizagem; Desenvolvimento Cognitivo; Libras; Prática Pedagógica.

Introdução

A educação de surdos tem tradicionalmente focalizado em suas investigações, o

debate sobre método de ensino, métodos da comunicação e resultado de testes formais,

desconsiderando o processo de aquisição de linguagem como um processo de constituição de

sujeitos, futuros cidadãos. Há pouca ou nenhuma consideração, a função das primeiras

interações, que se estabeleçam na família ou na escola (WOOD, 1992) e a linguagem é

1 Mestre em Distúrbios da Comunicação UTP Universidade Tuiuti do Paraná, Profª PDE 2008. 2 Doutora em Rehabilitation Psychology, docente do departamento de Psicologia UFPR, Prof. Orientador PDE.

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concebida como conseqüência de um código que deve ser dominado: a língua. Tem

predomínio a visão comportamentalista (TRENCHE, 1995; GOLDFELD, 1997; GÓES, 1999)

onde o surdo é subordinado a um treinamento, o que dificulta transcender no conhecimento.

Tal contexto educacional leva a situações que se refletem em depoimentos de surdos adultos

que referem sua exclusão social que se manifestam na dificuldade de acesso ao trabalho, à

vida relacional, ao lazer, por fim à cidadania (BORNE, 2002).

No entanto, sabe-se que noventa por cento da população surda, nasce em lares de

pais “ouvintes”, os quais nunca tiveram contato com surdo antes, o que poderá trazer

conseqüências ao desenvolvimento global dessas crianças, e muito provavelmente dificultará

acesso à língua e a linguagem e a todos os recursos que advêm destas capacidades.

Pesquisas em neurociência e neuropsicologia têm demonstrado a importância de um

atendimento para todas as crianças, nas etapas iniciais de desenvolvimento, ou seja, sem

atrasos, o que permite, beneficiar-se da plasticidade cerebral que é mais abrangente, nos

primeiros anos de vida, na mesma direção, há evidencias de que a exposição precoce, regular

e contínua a mais de uma língua favorece o desenvolvimento bilíngüe.

A concepção inatista dá inicio à superação de tal modelo, a qual entende a linguagem

na surdez como uma questão de bilingüismo, é ampliada nas concepções sócio-históricas,

iniciadas na lingüística por autores como Bakhtin (1997) e desenvolvidas por Vygotsky

(1991, 1995) na psicologia. O primeiro autor coloca a língua/linguagem num plano histórico e

dinâmico, no qual os sujeitos são constituídos por ela, ao mesmo tempo em que a constituem,

e formula um dos princípios mais importantes no processo de aquisição da linguagem: a

necessidade de inserção da língua em rotinas significativas, cujo lócus inicial é a família e,

depois, a escola. A clínica e a escola exercerão, no caso da surdez o papel de mediador entre

o surdo e sua família ouvinte, e do surdo com a sociedade, porque não só vão minimizar os

efeitos da surdez, mas devem ser espaços de promoção da qualidade de vida. O fracasso na

atuação desses dois campos pode ser indutor de um processo de exclusão social do surdo, pois

sem dominar uma língua ao menos, ele pode ter dificultado o acesso a boas condições de

trabalho, à educação, à cultura e formas de lazer e descanso, enfim à democracia e cidadania.

Alguns estudos sociais da surdez demonstram que as dificuldades de comunicação,

conseqüentes do fracasso educacional dos surdos, colocam os surdos em desvantagem para o

enfrentamento de um imaginário social que os vê como sujeitos pouco dotados

intelectualmente (BORNE, 2002).

No contexto brasileiro, o atendimento a esse grupo de pessoas, se dá em instituições

educacionais, Escolas Especiais ou Centros de Reabilitação, desde a detecção da surdez, que

3

nos últimos anos tem ocorrido logo após o nascimento. Tais fatores justificam a preocupação

do presente estudo, ao voltar-se ao entendimento de como os profissionais que atendem a

criança surda concebem o processo de aquisição de linguagem e aprendizagem da criança

surda em seus primeiros anos de vida, o qual é o alicerce para todo desenvolvimento posterior

do ser humano.

Motivada pelo desejo de dar um passo importante na construção de interações

escolares bem sucedidas para os surdos, a visão adotada neste trabalho foi a de que a

linguagem na surdez necessita de uma abordagem interacionista, com uma teoria educacional

de mediação (FEUERSTEIN, 1997b). Essa foi à base para a análise dos dados, fornecida por

professores e profissionais que atendem surdos, ao questionário com questões relacionadas à

surdez, aprendizagem, aquisição de linguagem e bilingüismo. Focalizando compreensão de

surdez, as conseqüências para quem a tem antes da aquisição da linguagem, como se dá à

aquisição da linguagem pela criança em casa e na escola, qual a proposta educacional para

esta criança, como acredita que deveria ser o trabalho que possibilitasse desenvolvimento de

linguagem dessa criança. O qual foi aplicado a um grupo de profissionais do Colégio Estadual

para Surdos Alcindo Fanaya Junior – Curitiba PR.

Tendo em vista os aspectos acima citados, a seguir será delineada a questão básica

que norteia o trabalho, verificar como as concepções de linguagem e aprendizagem, que

permeiam a prática docente, podem interferir no desenvolvimento cognitivo, social e

acadêmico da criança surda em seus primeiros anos de vida, torna-se importante estudar os

diferentes aspectos dessa visão sobre interação, para propor recursos pedagógicos adequados

a este grupo de crianças. Diante desta questão delineou-se o objetivo a seguir.

O presente texto tem como objetivo focalizar um dos muitos aspectos complexos que

interferem na educação de surdos, no momento atual: a visão de professores e educadores de

surdos e as implicações destas no processo de aquisição da língua de sinais.

Sócio-Interacionismo: Linguagem e Mediação

Vygotsky (1988; 1991; 1995; 1996) considera que o adulto (pai-professor), através

de uma dialética entre relações inter e intra-psíquicas, promove a passagem de uma zona de

aprendizagem proximal para real, desde que seja um bom mediador (FEUERSTEIN, 1997b).

Especificamente em relação à surdez, ressalta a importância da linguagem como aspecto

constitutivo do ser social e não apenas como instrumento de comunicação e aponta as

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dificuldades advindas do não partilhamento da mesma língua entre criança surda e professor

(VYGOTSKY, 1991). Na mesma obra, (p.190) propõe a poliglossia para o desenvolvimento

dessas crianças considerando “a mímica3 como uma linguagem verdadeira em toda riqueza

de sua importância funcional”, e que a fala produzida de forma artificial “é somente cópia

sem vida da linguagem viva”.

Tais constatações são partilhadas em estudos de bilingüismo tanto com surdos como

com ouvintes. Eles trazem evidências de que esta experiência, quando precoce, amplia a

consciência sobre a linguagem e favorece a criança desenvolver a capacidade de analisar

propriedades estruturais da língua (DE HOWER, 1997; GENESEE, 2002), seja ela oral ou de

sinais, já que esta é uma língua natural tanto quanto a oral (STOKOE, 1960; BRITO, 1993).

Para tanto, faz-se necessária à participação de surdos adultos na educação de outros surdos

(GOLDFELD, 1997), embora os mesmos ainda sofram influência da educação

oralista/comportamentalista que receberam (QUADROS, 1997; GESUELI, 1998). Baseando-

se em Schiff-Myers (2002), que demonstrou que o convívio com pessoas ouvintes, para

crianças ouvintes filhas de surdos, entre aproximadamente cinco a dez horas semanais, era o

suficiente para conseguirem adquirir a linguagem oral, pode-se afirmar algo semelhante para

surdos filhos de ouvintes (BOMFIM, 2002). O papel do adulto será contribuir para uma

conversação na qual a criança será ativa (LINDHOLM, 1986; WOOD, 1992; DE LEMOS,

1995) e ele deverá estar consciente de seu papel de modo a impedir as possíveis rupturas na

comunicação do surdo que geram frustrações em seus pais (GUARINELLO, 1994). Isso

enseja o que Johnson (2001) assinala ao afirmar a necessidade de modificações nas interações

iniciais através da teoria da Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM), a qual descreve a

qualidade da interação entre um aprendiz e uma pessoa, que é chamada de “mediador”

(FEUERSTEIN, 1997b). O mediador será peça fundamental para o que o autor chamou de

teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural (MCE), a qual postula que o organismo

humano é dotado de flexibilidade e plasticidade, que o leva a um alto grau de

modificabilidade e o faz imprevisível em seu comportamento e desenvolvimento. Tal

modificabilidade é um conceito assumido pelo autor tanto diante de sujeitos em

desenvolvimento normal quanto patológico, como para aqueles com privação cultural

(FEUERSTEIN, 1997 b).

STROBEL (2006, p.8) levanta algumas questões fundamentais para aqueles que

trabalham com crianças surdas:

3 Mímica: denominação então corrente para a linguagem de sinais

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Como uma criança surda poderá desenvolver uma língua se não houver uma identificação com o surdo adulto? Como o sujeito surdo poderá fazer uma identificação com relação à sua identidade surda no futuro, se ele não conviver com outros surdos que façam uso da língua de sinais? Quem foi que disse que é só o sujeito surdo utilizar-se da língua de sinais que por um “passe de mágica” ele passará a ter uma aprendizagem total? E a cultura como fica?

Em relação ao surdo não exposto à língua de sinais precocemente, Brito (1993)

constata que pode haver déficits cognitivos como capacidade de planejamento diante de

situações-problema, baixo controle da impulsividade e limitações na adaptação social, o que

sugere a limitação lingüística como uma privação cultural o que indica a necessidade de que o

mediador (falante de LIBRAS ou auxiliado por falante de LIBRAS) observe aspectos

propostos por Feurestein (1997a). A linguagem terá papel central no processo de mediação

(SASSON, 2003), independendo da sua modalidade (FEUERSTEIN, 1997a, p.60).

Este autor considera que existem três categorias de princípios de mediação: os que

consideram como universalmente necessários (Intencionalidade/Reciprocidade, Significado e

Transcendência), os situacionais e os necessários para integrar mudança no funcionamento

das estruturas cognitivas (FEUERSTEIN e FALIK, 2001).

Pode-se, observando esses princípios, relacioná-los aos estudos de Wood (1990,

1992), que detectavam que uma das principais dificuldades que o ouvinte encontra ao

comunicar-se com crianças surdas é o controle excessivo (over control), e que características

de comunicação dos professores, que facilitam mútuo entendimento e aprendizagem, são

essencialmente as mesmas para crianças surdas e ouvintes.

Análise da Prática Educacional em Surdez

Tendo como referência que a linguagem, seja ela oral, gestual ou escrita, além da

função comunicativa tem a função de construir o pensamento, muitos pesquisadores referem

que os problemas comunicativos e cognitivos da criança surda não têm origem nela, mas sim

no meio social e nas práticas pedagógicas que limita o acesso à língua de forma eficiente

(FERNANDES, 1990; VYGOTSKY, 1995; GESUELLI, 1998; SOUZA, 1998; GÓES,1999).

Alem destes aspectos Klima e Bellugi (1979) demonstraram que a modalidade

gestual-visual continha diferenças marcantes na estrutura fonológica e morfossintática das

línguas de sinais, e que a aparente falta de gramática nessas línguas não passava de uma

incompreensão quanto aos seus mecanismos gramaticais peculiares. As línguas de sinais,

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consideradas como línguas artificiais, inventadas e baseadas nas línguas orais, receberam a

partir de então um grande impulso para alcançar sua autonomia enquanto sistemas lingüísticos

independentes desenvolvidos naturalmente.

Capovilla (2008) constata a importância do processo lingüístico de sinalização

interna para a escrita do surdo congênito, sinalizador que pensa em sinais, ou seja, “tendem

primeiro a resgatar um sinal da Libras para nomear internamente essa figura para, só então

usando esse sinal da Libras como indexador, tenta resgatar, por meio dele, a representação

escrita”, aspecto que pode ser generalizado a outras modalidades de expressão. (p. 203)

Constata ainda, a importância fundamental da Libras para o processamento cognitivo

do surdo, ao observar que a medida que avançam em escolaridade cometem mais erros

quirêmicos que ortográficos ou semânticos, como ocorre com os ouvintes. O que indica a

dependência das propriedades formais dos sinais como indexadores das palavras para resgate

lexical, à medida que amplia seu léxico de leitura (CAPOVILLA, 2008).

Neville et al (1997), constatam em suas pesquisas que a organização estrutural das

redes neurais referentes a cada processamento cognitivo, embora esteja predeterminada

geneticamente, também depende dos estímulos externos recebidos, principalmente, durante a

infância. Os achados de Neville et al (1997) e Capovilla (2008) indicam a necessidade de um

melhor conhecimento da Libras e seus mecanismos neuronais para o desenvolvimento de

estratégias de ensino mais adequadas aos surdos, aumentando a consciência da rede

educacional brasileira para a existência de uma nova língua atuante no Brasil que requer apoio

pedagógico apropriado (FERNANDES, 2006).

Pesquisas têm demonstrado que a relação entre criança surda e educadores ouvintes

dificultam o acesso à língua, em decorrência de elevado controle, o que cria frustrações

mútuas e uma aprendizagem social restrita (VYGOTSKY, 1995; SOUZA, 1998; SKLIAR,

1999; SOARES, 2000).

São muitas as criticas voltadas às práticas educacionais no atendimento a criança

surda, e sugestões de que os estudos sobre surdez se direcionem as etapas iniciais de

desenvolvimento, para o ambiente lingüístico e educacional e nas características da interação

adulto/criança surda (WOOD, 1992; SKLIAR, 1999).

Há evidências de que a experiência bilíngüe precoce atende a uma necessidade

psicolingüística, sendo a língua de sinais adquirida de forma natural pelo surdo em contato

com pessoas que fazem uso dela. O acesso à língua de sinais pela criança surda favorece a

ampliação das inter-relações pessoal que organizam o funcionamento cognitivo e afetivo e

criam bases da subjetividade (QUADROS, 1997; GÓES, 1999; SKLIAR, 2000).

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Vygotsky (1991), entende que pensamento e linguagem se encontram na palavra,

constituindo “a chave para compreensão da natureza da consciência humana” (p.132). Ao

focalizar a linguagem no processo de interação e na formação da consciência, constata que a

criança surda ficaria prejudicada, devido a insuficientes oportunidades proporcionadas pelo

meio e, no que se refere à experiência escolar, devido ao fato de o professor e aluno não

compartilharem a mesma língua.

O autor afirma ainda ser necessário organizar a vida da criança de maneira que a

linguagem seja necessária, o ensino deve orientar-se pelas vias de interesse da criança, “é

necessário criar a necessidade da linguagem humana geral, então aparecerá a palavra”.

Acrescenta, “se os surdos se encontram em determinadas situações da vida em que a

linguagem é necessária para eles, a desenvolvem e a dominam completamente”

(VYGOTSKY, 1995, p.69).

Observa ainda, que outro aspecto que poderia limitar avanço cognitivo seria a

tendência em atuar com representações concretas e visuais, o que dificulta o desenvolvimento

do pensamento abstrato, “cujas funções na conduta da criança não pode ser substituída por

nenhum “procedimento visual””(VYGOTSKY, 1995,p.119)

Wood 1992 propõe que os estudos sobre surdez voltem-se ao estilo e qualidade do

ambiente lingüístico e educacional, para características da interação adulto/criança surda.

Reforça a necessidade do papel ativo da criança nas interações com adultos e relembra a

motherese (característica da fala do adulto para a criança) ajustada as necessidades da criança

surda como recurso importante no processo educacional da pessoa surda.

Johnson (2001) observa que pais e adultos sem habilidade em LS tendem a

providenciar explanações ou instruções de forma superficial a criança surdas, e mesmo

profissionais fluentes em LS, tendem a fornecer explanações abreviadas a elas. As mesmas,

não têm acesso a variedade de modelos de conversação como a maioria das crianças e devido

à falta de input auditivo, ocorre propensão do educador, em oferecer aprendizagem visual,

aspecto que pode levá-las a não discriminar entre aspectos relevantes dos irrelevantes,

levando-as a uma percepção ampla e difusa da realidade. Denotam ainda, necessidade de

orientação para buscar evidência lógica (por não terem oportunidade de observar o processo

de pensamento de adultos), falta de domínio efetivo de conceitos temporais, dificuldade em

lidar com desafios e apresentam comportamento imaturo e não têm encorajamento que as leve

à independência o que pode leva-las à passividade;

Bomfim (2002) ao verificar quais princípios de aprendizagem e aquisição de

linguagem, tendo como referência os princípios da Experiência de Aprendizagem Mediada -

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EAM (FEUERSTEIN, 1997) e de Aquisição de Linguagem em um enfoque Interacionista e

de Bilingüismo (ALBANO, 1990; DE LEMOS, 1999; DE HOWER, 1997), estavam presentes

em um grupo de crianças surdas, filhas de pais ouvintes com faixa etária entre 4 e 5 anos e

suas professoras. Constatou que no início da pesquisa as crianças, tanto no contexto da escola

como em casa, comunicavam-se basicamente através de apontar e utilizavam poucos sinais

isolados da Libras, mostravam-se tímidos e retraídos com as professoras, seus colegas e

outras pessoas. Não demonstravam curiosidade sobre o que ocorria em torno deles, não

faziam perguntas. Muitas vezes se isolavam e não participavam das brincadeiras ou

atividades. Demonstravam atitude dependente e pouca iniciativa.

A partir destes dados, verificou-se que os princípios presentes nas interações

baseavam-se na visão que tradicionalmente a aprendizagem e a linguagem eram entendidas

na escola, que ocorriam pelo treino. O conhecimento era visto como um corpo fixo, a ser

adquirido a partir de estímulo externo e a função do professor a de supervisionar e avaliar. À

criança coube a recepção passiva da informação, o que levou à visão de linguagem centrada

na noção de código, sendo a atenção direcionada à aquisição, fixação e/ou correção das

estruturas lingüísticas, tornando-se reconhecedora e reprodutora destas. Tais princípios

distanciavam-se daqueles propostos pela teoria da EAM e do Interacionismo na Aquisição da

Linguagem (BOMFIM, 2002).

Após a identificação deste quadro, foram realizadas atividades formadoras com as

professoras, através de palestra e encontros quinzenais, focalizando os princípios da EAM e

da Aquisição de Linguagem e Bilingüismo num enfoque Interacionista, num período de 4

meses. Ocorreu entrevista com as mães para investigar como viam seus filhos antes e depois

da intervenção (BOMFIM, 2002).

Verificou-se após a intervenção que as crianças avançaram para o estágio do

desenvolvimento da narrativa em LIBRAS, ou seja, utilizavam frases ao interagir em

diferentes contextos. Houve aumento da utilização dos princípios da EAM por parte dos

professores, dos princípios da EAM por parte dos professores, identificados pela

intencionalidade-reciprocidade, busca de significado, transcendência e mediação do

sentimento de competência e regulação e controle do comportamento. Observou-se que o

aluno surdo pode estabelecer, com o professor e com os colegas, interações nas quais

desempenha papel ativo tanto em língua de sinais como oral. As mães relataram avanço

significativo em relação ao início do ano na comunicação, todas afirmaram entender seus

filhos, que se tornaram participativos, curiosos e ampliaram relacionamento com familiares

(BOMFIM, 2002).

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Tal constatação indica a necessidade de se buscar estratégias de interação e

intervenção que possibilitem acesso satisfatório as duas línguas, pesquisas têm demonstrado a

dificuldade de se consolidar a condição bilíngüe das crianças surdas, visto que grande número

de professores não domina a língua de sinais e os instrutores surdos transferem aos alunos o

modelo de ensino de língua, baseado em seus processos de aprendizagem (GESUELI, 1998),

como constatado na pesquisa de Bomfim.

Na seqüência aborda-se sobre como se desenvolveu o presente trabalho.

Metodologia

A partir deste ponto pretende-se apresentar inicialmente, a opção metodológica que

norteou a pesquisa, assim como descrever os passos desenvolvidos durante a coleta de dados.

A presente pesquisa surge da necessidade de compreender os processos que

envolvem a educação da criança surda em seus primeiros anos de vida, a partir de um projeto

de pesquisa apresentado como uma das atividades desenvolvidas, durante o processo de

formação continuada apresentada no primeiro semestre do ano de 2008 ao Programa de

Desenvolvimento Educacional - PDE, ofertado pela Secretaria de Estado da Educação do

Paraná - SEED em convenio com os Institutos de Educação Superior a ser implementado na

escola de lotação do Professor PDE, autor do presente artigo, no primeiro semestre de 2009.

O direcionamento da pesquisa a uma escola da rede estadual do Paraná, do Núcleo de

Curitiba, se deu portanto em função da mesma ser a escola de lotação do Professor PDE, bem

como, ser reconhecida como atuante em relação à educação de surdos no Estado.

No projeto inicial o objetivo geral voltava-se a desenvolver metodologia de ensino,

voltada às necessidades da criança surda, que possam facilitar o processo de aprendizagem e

aquisição de linguagem, na Educação Infantil. Com este fim delineou-se alguns objetivos

específicos entre os quais o de verificar quais as concepções de linguagem e aprendizagem,

permeiam a prática docente, o que será focalizado no presente trabalho.

Para a realização dessa pesquisa optou-se por dois instrumentos: um questionário

com perguntas fechadas, a ser aplicado a um grupo de professores da Educação Infantil e

Educação Básica que atuam no Colégio Estadual para Surdos Alcindo Fanaya Junior, com

proposta educacional bilíngüe, Libras e Português escrita, na cidade de Curitiba, e, uma

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adaptação do instrumento elaborado por BASTOS (2000) Inventário de Vocabulário

Semântico para uma observação estruturada do nível linguagem de seis crianças com surdez

profunda, bilateral que freqüentam a escola a mais de dezoito meses, três deles matriculados

na Educação Infantil e três matriculados no Ensino Fundamental.

O primeiro procedimento foi elaboração do questionário a ser aplicado a um grupo

de professores dos quarenta e cinco que formam o corpo docente da escola de implementação

do projeto. O questionário constou de vinte e sete questões fechadas, focalizando em sua

primeira parte, dados de identificação dos professores participantes da pesquisa, na segunda

parte concepções de língua, linguagem, bilingüismo e aprendizagem e na terceira parte

verificação do nível de aquisição de linguagem que os alunos por eles atendidos se

encontravam quando da resposta ao instrumento.

O procedimento posterior ocorreu no primeiro semestre de 2009, com a exposição

dos objetivos da pesquisa aos professores e profissionais que atuam no colégio onde foi

implementado o projeto, bem como, com o mesmo fim, informação individual aos pais das

crianças que foram observadas para verificação do desenvolvimento lingüístico.

Em seguida, tendo como critério básico que o professor e/ou profissional atuasse na

educação infantil e educação básica de primeira a oitava série. Foi feita a distribuição de trinta

questionários e termos de consentimento livre e esclarecido aos professores e profissionais,

para que fossem respondidos, destes, foram devolvidos dezenove questionários, devidamente

preenchidos pelos professores, com o consentimento assinado, perfazendo um total de

aproximadamente 50% dos questionários distribuídos.

Depois de recolhidos os questionários, procederam-se o levantamento de dados e em

seguida análise dos mesmos a partir dos parâmetros de aquisição de linguagem e bilingüismo

em abordagem sócio interacionista (VYGOTSKY, 1995; BAKHTIN, 1997; DE HOWER,

1997; SOUZA, 1998; SKLIAR, 1999; SOARES, 2000; GENESEE, 2002; SCHIFF-MYERS,

2002) bem como os de Experiência de Aprendizagem Mediada EAM (FEUERSTEIN, 1997;

FEUERSTEIN E FALIK, 2001; SASSON, 2003), no que se refere à aprendizagem.

Com o intuito de conhecer o nível de aquisição de linguagem em que se encontravam

as crianças matriculadas na Educação Infantil e Ensino Fundamental da escola de

implementação, procedeu-se observação estruturada baseada no Inventário de Vocabulário

Semântico (BASTOS, 2000) de seis crianças surdas de grau moderado-severo a profundo,

bilateral, na faixa etária de quatro a cinco anos, três meninas e três meninos a partir daqui

denominados (FL1, FD2, FK3, MG4, MK5, MR6), a escolha das crianças a serem

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observadas foi determinado pelo grau de surdez, já referido, e indicação do coordenador do

Programa de Educação Infantil da escola.

A sondagem foi feita através da observação de interações espontâneas e da elicitação

de vocabulário, considerando o perfil de vocabulário básico encontrado em Bastos (2000).

Esta sondagem não abarcou a aplicação de um teste formal, com todos os itens propostos pela

autora para a faixa etária de dois a dois anos e seis meses, mas algumas categorias, como:

alimentos, animais, objetos, partes do corpo e meios de transporte, com objetivo de observar

o conhecimento expressivo em língua de sinais das crianças em questão.

Para este fim, foram apresentadas setenta fotos coloridas, reproduzidas no

computador, utilizando recursos do programa Microsoft Office Picture Manager. Foi

solicitado que a criança expressasse em Libras o sinal correspondente aquele elemento

apresentado. Estas situações foram filmadas, para posterior identificação do vocabulário

dessas crianças.

Análise dos Dados

Para garantir a privacidade dos sujeitos da pesquisa, procedeu-se a codificação do

material utilizado no estudo exploratório – os questionários. Desse modo, os sujeitos serão

identificados pela letra P de professor, seguidos pela seqüência do alfabeto como segue, PA,

PB, PC, PD até PS.

Com as informações procedentes das seis questões relacionadas à identificação, foi

construída a tabela do perfil pessoal e profissional dos protagonistas da pesquisa, apresentado

abaixo:

QUADRO 1 – DADOS DE IDENTIFICAÇÃO

IDENTIFICA--

ÇÃO/ SEXO

FORMAÇÃO

ESPECIA-LIZAÇÃO

TEMPO PROFº SURDOS:

Anos

FAIXA ETÁRIA

ATENDIDA: Idade

NÍVEL CONHECI-

MENTO EM LIBRAS

PA/F

Serviço Social; Pedagogia; Magistério Superior

Ed. Especial Gestão Escolar

16-20 13-16 Intermediário

PB/F Pedagogia ---- 1-5

Administrativo Todas Básico

PC/F Pedagogia ----- 6-10 4-7; 8-12; 13-16

Avançado

12

PD/F

Ciências

Biológicas

Na área 1-5 Todas Intermediário

PE/F Sim Sim 20 anos

13-16; adultos

Intermediário

PF/F

História e Pedagogia

Educação Inclusiva; Mestranda

05 anos 13-16 Intermediário

PG/F História

História;

Geografia; Ed. Especial

21-25 Todas Intermediário

PH/M

Licenciatura

Plena

------ 1-5

8-12; 13-16

Intermediário

IDENTIFICA--

ÇÃO/ SEXO

FORMAÇÃO

ESPECIA-LIZAÇÃO

TEMPO PROFº SURDOS:

Anos

FAIXA ETÁRIA

ATENDIDA: Idade

NÍVEL CONHECI-

MENTO EM LIBRAS

PI/F

Fonoaudiologia;

Letras

Ed. Especial; Ed Bilíngüe para

Surdos

14 anos Profº e Interprete

4-7 Intermediário

PJ/F Sim Sim 01-05 04-07

Básico

PK/F Sim Sim 06-10 04-07

Intermediário

PL/F Serviço Social

Metodologia do Serviço Social;

Educação Especial

21-25

Assistente Social

Todas Intermediário

PM/F Fonoaudiologia Educação Especial

11-15 Fonoaudióloga

0-03; 04-07; 08-12; 13-16

Intermediário

PN/F Pedagogia Sim e PDE 11-15 04-07; 08-12

Intermediário

PO/F Sim Deficiência

Auditiva e Ed. Especial

21-25 08-12

Intermediário

PP/F

Sim

---- 11-15 04-07 Avançado

PQ/F

Pedagogia

Educação Inclusiva

21-25 Todas Intermediário

PR/F Educação Física e

Letras Libras

Educação Especial

06-10

08-12; 13-16;

adultos

Intermediário

PS/F Artes Educação Especial

25 ou mais

0-03; 04-07; 08-

Avançado

13

12; 13-16

Observa-se na no Quadro 1 que dos dezenove professores apenas um é do sexo

masculino, todos tem curso superior completo, quatro dos quais mais de um curso. Apenas

quatro não fizeram especialização, sendo que dez deles tem especialização na área de

educação especial e cinco deles mais de uma especialização, esta na área do conhecimento em

que atua. Dois deles além da especialização realizaram ou realizam cursos de Mestrado e do

Programa de Desenvolvimento Educacional PDE, formação continuada do Estado do Paraná.

Cinco desses professores atuam como professor de surdos a mais de vinte e um anos e cinco

deles atua a menos de cinco anos, o que indica um equilíbrio entre o numero daqueles com

mais experiência e aqueles que iniciam na carreira. Treze desses professores atuam

diretamente com crianças da Educação Infantil e dez deles no Ensino Fundamental, indicador

de que a maioria daqueles que respondeu ao questionário estão voltados ao atendimento das

crianças que são o foco deste trabalho. Quanto ao nível de conhecimento de Libras contata-se

que três professores consideram ter conhecimento avançado em Libras, a grande maioria

quatorze deles considera como intermediário e dois como básico seu conhecimento.

Ao verificar o quadro 1 constata-se que os profissionais que atuam na instituição de

ensino, têm um bom nível de conhecimento na área, pois a maioria tem especialização para

atuar no contexto de inclusão, o que pode favorecer o proposto por Vygotsky (1988; 1991;

1995; 1996) e Feuerstein (1997b) ao abordar sobre a importância da boa mediação do adulto

no processo de aprendizagem da criança surda.

No mesmo quadro constata-se ainda, que três dos profissionais que atuam no colégio

têm um nível avançado em Libras e a grande maioria um desempenho intermediário, o que

poderia favorecer com que a linguagem se estabeleça como fator constitutivo do ser social,

favorecendo o partilhar a língua de sinais entre a criança surda e seu professor (VYGOTSKY,

1991).

Nas cinco questões voltadas a identificar que concepções de língua/linguagem,

bilingüismo e aprendizagem permeiam a prática do professor observa-se na Tabela 1.

TABELA 1 – COMO A CRIANÇA SURDA DESENVOLVE LINGUAGEM?

Por imitação 8

Em contato com pessoas ouvintes 4

Treino sistemático 7

Reabilitação 7

Exposição à língua 12

14

Necessidade de Comunicação 11

De forma espontânea em interação com o meio 10

Em situação de conversação 9

Contato com surdos que usa a Libras 12

Contato sistemático com surdo que usa Libras 13

A maioria dos professores acredita que a criança surda desenvolve língua/linguagem

em contato sistemático com surdo que usa Libras, doze deles acredita que requer exposição á

esta língua e também, haver necessidade de comunicação. Dez professores acreditam que isto

se dá de forma espontânea na interação com o meio, nove deles acredita que em situação de

conversação e oito por imitação. Sete deles acreditam que o desenvolvimento da língua se dá

por treino sistemático e através da reabilitação.

Pode-se constatar nestes dados que alguns professores partem de uma visão

comportamentalista na qual o treinamento é visto como o caminho para o desenvolvimento

lingüístico como focalizado em Trenche (1995) Goldfeld (1997) e Góes (1999). No entanto, a

maioria dos professores valoriza a participação e o contato sistemático com surdo adulto que

faça uso da Língua Brasileira de Sinais – Libras, o que pode contribuir para o

desenvolvimento de uma conversação na qual a criança seja ativa. Neste contexto a criança

surda pode beneficiar-se de dados encontrados em pesquisa desenvolvida por Schiff-Myers

(2002) com crianças ouvintes filhas de pais surdos onde se constatou que o convívio destas,

com pessoas ouvintes de fala normal que ocorram por, aproximadamente, cinco a dez horas

semanais possibilita um desenvolvimento normal da linguagem das mesmas, o que muito

provavelmente possa ser transferido a filhos surdos de pais ouvintes quanto a uma abordagem

educacional bilíngüe, onde as crianças surdas possam ter convívio com surdos adultos na

mesma proporção Bomfim (2002).

A Tabela 2 traz informações sobre como os professores vêem as conseqüências da

surdez quando esta ocorre antes da aquisição da língua/linguagem.

TABELA 2 – CONSEQÜÊNCIAS DA SURDEZ PARA QUEM NASCEU SURDO OU ANTES DE ADQUIRIR LÍNGUA/LINGUAGEM?

Dificuldade de comunicação 13

Dificuldade de relacionamento 10

Não desenvolve linguagem 3

Não desenvolve fala naturalmente 10

Atraso no desenvolvimento cognitivo 5

Seu canal de recepção de mundo é visual 14

Com Libras pode ter desenvolvimento sem atraso 8

15

Aprende naturalmente a estrutura da Libras 3

Aprende a estrutura da língua em contato com surdos que usam Libras 16

Tem problemas para aprender 6

Aprende Libras convivendo com pessoa surda 12

Fica desatento 3

Nenhuma 0

Observa-se na Tabela 2 que dezesseis professores considera que uma conseqüência

importante da surdez na primeira etapa do desenvolvimento da criança requer que esta

aprenda a estrutura da língua em contato com surdos que utilizam Libras, em segundo lugar

aparece a opção de que o canal de recepção do mundo é visual, nesta mesma linha oito

professores acreditam que com libras a criança pode ter desenvolvimento sem atraso. Há

indicadores de uma percepção negativa vinculada a surdez na qual treze professores

compreendem que uma das conseqüências da surdez precoce traria dificuldade de

comunicação e para dez deles dificuldade de relacionamento e dez de que não desenvolve fala

naturalmente.

Os professores em sua maioria compreendem que a surdez em si não traz

conseqüências negativas ao desenvolvimento da criança em concordância Fernandes (1990)

Vygotsky (1995) Gesuelli (1998) Souza (1998) e Góes (1999), os quais afirmam que os

problemas comunicativos e cognitivos da criança surda não têm origem nela, mas sim no

meio social e nas práticas pedagógicas que limita o acesso à língua de forma eficiente.

Na Tabela 3 pode-se observar qual a compreensão do que é a Libras para este grupo

de professores:

TABELA 3 – O QUE É A LIBRAS?

Forma de Comunicação 15

Uma língua viso-espacial 15

Gestos que facilitam aprender português 1

Mímica 2

Primeira língua do surdo 17

Língua que o surdo aprende de forma natural* 13

Quando convive com pessoas que utilizam Libras 2

Recurso para aprender português 4

Língua com todos os recursos das línguas orais 8

Na Tabela 3 verifica-se que dezessete professores consideram Libras como a

primeira língua da pessoa com surdez, quinze deles acredita que é uma forma de comunicação

e uma língua viso-espacial. Treze professores consideraram que é a língua que o surdo

16

aprende de forma natural sendo que dois deles observaram que isto ocorre se estes estiverem

em contato com pessoas surdas que utilizem a Libras. Foram oito os professores que

consideraram a Libras como língua com todos os recursos das línguas orais. Quatro

professores consideraram a Libras como recurso para aprender o português.

A maioria dos professores compartilha da visão atual na qual a língua de sinais é

vista como modalidade gestual-visual com mecanismos gramaticais peculiares formando

sistemas lingüísticos independentes desenvolvidos naturalmente (KLIMA e BELLUGI,

1979), muito embora se observe a compreensão de alguns professores de que a Libras seja um

recurso para o ensino do Português, o que contraria a concepção de que, por ser uma língua,

requer melhor conhecimento e desenvolvimento de estratégias de ensino apropriadas

(FERNANDES, 2006)

Na tabela 4 pode-se levantar hipóteses de como os professores consideram que deva

ser a proposta de bilingüismo para o surdo:

TABELA 4 – COMO DEVE SER A PROPOSTA DE BILINGUISMO PARA O SURDO?

Libras como primeira língua e só depois Português falado e/ou escrito 12

Uso do Português (fala) e Libras simultaneamente 2

Libras e depois o português leitura e escrita 12

Uso de Libras e em seguida português como tradução ou reforço 2

Uso do português com ouvintes e Libras com surdos 2

Libras a primeira língua e contato simultâneo com português, fala ou escrita 5

Há um empate quanto à compreensão de como deve acontecer o ensino bilíngüe para

os surdos, pois são doze os professores que consideram que se deva ensinar Libras como

primeira língua e só depois Português falado e/ou escrito e a mesma quantidade deles

consideram que da mesma forma que primeiro deve ocorrer o ensino da Libras e depois o

português leitura e escrita. Apenas cinco professores consideraram valido o ensino de Libras a

primeira língua e contato simultâneo com português, falado ou escrito.

Todos os professores consideram importante o ensino bilíngüe para o surdo em

consonância com a visão atual de que a experiência bilíngüe precoce atende a uma

necessidade psicolingüística e é adquirida de forma natural pelo surdo em contato com

pessoas que fazem uso dela. Favorece a ampliação das inter-relações pessoal que organizam o

funcionamento cognitivo e afetivo e criam bases da subjetividade (QUADROS, 1997; GÓES,

1999; SKLIAR, 2000).

17

A Tabela 5 focaliza a compreensão de como deve ser o trabalho pedagógico com a

pessoa surda.

TABELA 5 – COMO VOCÊ ACREDITA DEVA SER O TRABALHO PEDAGÓGICO COM A CRIANÇA SURDA?

Atividades de calendário, notícias, estruturação de texto 13

Repetição do vocabulário que foi ensinado para fixação 9

Conceitos escolhidos antecipadamente apresentados em seqüência pré-estabelecida 9

Do mais simples para o mais complexo 12

Importante ampliar o vocabulário 15

Usando figuras e filmes 17

Usando recursos visuais em contexto significativo 15

Conceitos escolhidos antecipadamente apresentados a partir das relações estabelecidas na interação 8

Apresentar notícia que a criança trouxe fazendo com que nomeiem 11

Conversação sobre a notícia que a criança trouxe 14

Avaliação logo depois de trabalhar o conteúdo 7

Criar estratégias, de desequilíbrio, para introduzir o conteúdo 5

Avaliação dos momentos interativos que se estabelecem 12

Valorizar a resposta da criança 16

Criar situações para que se estabeleça conversação 13

Incentivar a conversação entre os colegas 12

Fazer as mesmas perguntas para todas as crianças 5

Aproveita a resposta da criança, favorecendo interação 14

Procura diferentes formas de questionamento 14

Contextualiza sempre que tem início uma nova atividade 14

Incentivar a expressão espontânea da criança 14

Quadro com palavras trabalhadas 9

Corrige a fala imediatamente após a emissão 7

A criança precisa ficar quieta, prestando atenção 6

Não pode conversar com os colegas durante a aula; 2

Reforça o comportamento de interação da criança 11

Na Tabela 5 pode-se constatar que dezessete professores consideram importante o

uso de figuras e filmes. Dezesseis consideram importante valorizar as respostas da criança.

Quinze acham importante ampliar o vocabulário e usar recursos visuais em contexto

significativo. Quatorze professores consideram boa estratégia o aproveitar a resposta da

criança, favorecer interação entre elas, procurar desenvolver diferentes formas de

questionamento, contextualizar sempre que tem início uma nova atividade, incentivar a

expressão espontânea da criança e conversar sobre a notícia que a criança trouxer. Treze

consideram importante atividades de calendário, notícias, estruturação de texto e criar

situações para que se estabeleça conversação. Doze professores consideram necessário

desenvolver os conteúdos do mais simples para o mais complexo, acreditam que se deva fazer

18

a avaliação dos momentos interativos que se estabelecem e incentivar a conversação entre os

colegas. Onze valorizam reforçar o comportamento de interação da criança e apresentar

notícia que a criança trouxe fazendo com que nomeiem.

Ao focalizar o como deva acontecer o trabalho pedagógico com a criança surda,

pode-se observar grande ênfase no uso de recursos visuais e ampliação de vocabulário no

entanto não se pode perder de vista o aspecto limitador dessa forma de atuação que inibe o

desenvolvimento do pensamento abstrato (VYGOTSKY, 1995; JOHNSON, 2001).

Constata-se ainda que alguns professores referem atividades e formas de intervenção

que indicam tendência a controlar os elementos a serem apresentados que limitam a ação da

criança no processo de aprender e desenvolver linguagem (WOOD, 1992)

Agora será focalizada a parte três do questionário que se relaciona à visão de como o

professor considera estar à aquisição de linguagem de seus alunos.

QUADRO 2 – COMO SEUS ALUNOS SE COMUNICAM COM VOCÊ?

SEMPRE (1) QUASE

SEMPRE (2) ÀS VEZES

(3) POUCO (4) NUNCA (5)

GESTOS 5 2 --- 4 1

APONTAR 1 --- 6 3 1

LEVA ATÉ O QUE QUER

---

---

4

4

2

FALA --- 1* 3 6 ---

FALA E FAZ GESTOS

---

3

3

4

1

FALA E FAZ SINAIS

---

3

6

3

---

LIBRAS 8 2 --- 1 ---

ESCRITA 1 8 2

MIMICA --- 2 3 3 3

ANULADOS**

O número de professores que respondeu esta questão foi dezoito, pois uma das professoras não atuava diretamente com alunos. *Obs.: Se for oralizado ou tiver bom resíduo. ** Sete professores anularam a resposta, seis deles fizeram a observação de que os alunos são muito diferentes entre si e um deles de que depende do nível de comunicação do surdo.

No Quadro 2 pode-se observar que oito professores consideram que seus alunos

fazem uso de Libras sempre, cinco que seus alunos usam gestos sempre, apenas um professor

19

considera que seu aluno use o recurso de apontar, sempre. Oito professores consideraram que

são poucos os que utilizam a escrita, e seis a fala.

Estes dados sugerem haver um distanciamento entre o que se propõe quanto ao

processo educativo e a prática, uma vez que se observa que não há necessariamente

comunicação compartilhada, pois mais de cinqüenta por cento dos alunos não fazem uso da

Libras ao comunicar-se com o seu professor. Pesquisas têm demonstrado que a relação entre

criança surda e educadores ouvintes dificultam o acesso à língua, em decorrência de elevado

controle, o que cria frustrações mútuas e uma aprendizagem social restrita (VYGOTSKY,

1995; SOUZA, 1998; SKLIAR, 1999; SOARES, 2000).

No quadro três pode-se verificar como os professores consideram entender seus

alunos:

QUADRO 3 – VOCÊ ENTENDE SEUS ALUNOS?

Sempre (a) Quase sempre (b) Às vezes (c) Pouco (d) Nunca (e) 10 6 --- 1 ---

Obs.: A esta questão responderam apenas dezessete professores. Justificativa:

a) Quando não entendo peço que explique novamente e com calma; Pelo conhecimento gramatical – oral e Libras.

b) Nem todos usam Libras, alguns aprendem a se comunicar na escola.

Dez professores consideram sempre entender seus alunos e seis quase sempre. Apenas

um professor entende pouco o seu aluno.

Wood (1990; 1992), considera que uma das principais dificuldades que o ouvinte

encontra ao comunicar-se com crianças surdas é o controle excessivo (over control), e que

características de comunicação dos professores, que facilitam mútuo entendimento e

aprendizagem, são essencialmente as mesmas para crianças surdas e ouvintes.

No Quadro 4 pode-se verificar se os professores se sentem entendidos por seus

alunos:

QUADRO 4 – OS SEUS ALUNOS ENTENDEM VOCÊ? Sempre (a) Quase sempre (b) Às vezes (c) Pouco (d) Nunca (e)

7 10 --- --- --- Obs.: A esta questão responderam apenas dezessete professores. Justificativa:

a) Uso de Libras e da fala; b) Prestam atenção sim! Mas são muito dispersos...; Quando termino de passar alguma informação

ou conteúdo, questiono se entendeu, se não explico quantas vezes forem necessárias para que compreenda; Pela expressão facial; Depende do aluno.

Dez professores consideram que quase sempre são entendidos por seus alunos, e

justificam o fato referindo que embora prestem atenção são muito dispersos. Um deles refere

20

que procura explicar ao seu aluno quantas vezes forem necessárias para que ele entenda, e faz

refere que o entendimento vai depender do aluno. Sete professores consideram sempre

entender seus alunos, sendo que um diz que o entendimento se da com o uso de Libras e fala.

Para melhorar o processo interativo o adulto, deverá contribuir para uma conversação

na qual a criança seja ativa (LINDHOLM, 1986; WOOD, 1992; DE LEMOS, 1995) e estar

consciente de seu papel de modo a impedir as possíveis rupturas na comunicação do surdo

que gerem frustrações (GUARINELLO, 1994). Isso enseja o que Johnson (2001) assinala ao

afirmar a necessidade de modificações nas interações iniciais através da teoria da Experiência

de Aprendizagem Mediada (EAM), a qual descreve a qualidade da interação entre um

aprendiz e uma pessoa, que é chamada de “mediador” (FEUERSTEIN, 1997b).

Na Tabela 6 verifica-se o como o professor intervem quando percebe não ser

entendido por seu aluno:

TABELA 6 – COMO VOCE ATUA COM A CRIANÇA QUANDO NÃO É ENTENDIDO?

Explica de novo do mesmo jeito 6 Explica de novo de outra forma 17

Mostra figura 12 Dramatiza 12 Usa a escrita 7 Usa desenho 11 Possibilita que o colega auxilie 13 Obs.: A esta questão responderam apenas dezessete professores.

Todos os professores que responderam a esta questão procuram outra forma para

explicar o conteúdo ou informação quando não é entendido, porém há uma contradição uma

vez que seis professores referem explicar de novo da mesma forma. Doze deles procura fazer

uso de recursos visuais e dramatização. Onze referem utilizar o desenho para se fazer

entender.

Nesse contexto é importante considerar os princípios universais do processo de

aprender, intencionalidade/reciprocidade, significado e transcendência conforme proposto por

Feuerstein (1997b).

Na Tabela 7 os professores indicam algumas formas que os alunos reagem quando

não são entendidos por eles:

TABELA 7 – COMO AS CRIANÇAS REAGEM QUANDO NÃO SÃO ENTENDIDAS?

Tenta outra forma para se fazer entender 14 Fica irritada 6

21

Isola-se 2 Chora 3 Dispersa-se 4 Fica indiferente 3 Conversa com colegas 8 Desiste 3 Anulada 1 Obs.: A esta questão responderam apenas dezessete professores.

Na Tabela 7 quatorze professores consideram que as crianças tentam outra forma

para se fazer entender. Oito professores consideram que os alunos desistem e passam a

conversar com os colegas e seis mostram-se irritados por não se fazerem entender. Quatro se

referem à dispersão quando não são entendidos.

Embora a maioria segundo os professores procurem outra forma para se fazer

entender, observa-se que um numero significativo tem reações não se ater a situação

evidenciando a necessidade de organizar o ambiente de tal forma de criar na criança a

necessidade da linguagem a partir das vias de interesse dela (VYGOTSKY, 1995;

FEUERSTEIN, 1997a).

Os quadros 5, 6, 7 e 8 referem-se ao como os alunos se relacionam entre si e com o

espaço da escola

No Quadro 5 os professores respondem a questão se seus alunos costumam fazer

perguntas a eles e de que forma o fazem:

QUADRO 5 – SEUS ALUNOS FAZEM PERGUNTAS A VOCÊ? DE QUE FORMA

Sempre (a) 13 Libras 17

Quase sempre (b) 1 Fala 6

Às vezes (c) 2 Mímica 5

Pouco (d) --- Gestos próprios 7

Nunca (e) 1 Apontando 5

Obs.: A esta questão responderam apenas dezessete professores.

Treze professores afirmam que seus alunos sempre lhes fazem perguntas e todos eles

referem que as perguntas são feitas em Libras, sete professores observam que os alunos usam

também gestos próprios.

Há uma contradição entre a resposta a esta questão e as anteriores, uma vez que neste

contexto a maioria deles utiliza Libras para fazer perguntas.

22

No Quadro 6 procura-se saber do professor se seus alunos fazem perguntas aos seus

colegas:

QUADRO 6 – SEUS ALUNOS FAZEM PERGUNTAS AOS COLEGAS?

Sempre (a) Quase sempre (b) Às vezes (c) Pouco (d) Nunca (e)

9 5 1 1 1

Obs.: A esta questão responderam apenas dezessete professores.

No quadro 6 observa-se que nove professores consideram que seus alunos sempre

fazem perguntas aos colegas e cinco que quase sempre.

No quadro 7 os professores respondem sobre se seus alunos fazem referencia a

situações externas a sala de aula e de que forma isso ocorre:

QUADRO 7 – SEUS ALUNOS SE REFEREM A FATOS EXTERNOS À SALA DE AULA? DE QUE FORMA? Sempre (a) 6 Libras 16

Quase sempre (b) 7 Fala 6

Às vezes (c) 3 Mímica 6

Pouco (d) --- Gestos próprios 5

Nunca (e) 1 Apontando 4

Obs.: A esta questão responderam apenas dezessete professores.

No quadro 7 foram sete os professores que entendem que seus alunos quase sempre

se referem a fatos que o correm fora da sala de aula e seis que compreendem que sempre isso

ocorre e dezesseis professores consideram que seus alunos o fazem utilizando Libras.

QUADRO 8 – SEUS ALUNOS PERGUNTAM SOBRE FATOS QUE ACONTECEM EM OUTROS AMBIENTES DA ESCOLA? DE QUE FORMA?

Sempre (a) 9 Libras 16

Quase sempre (b) 4 Fala 6

Às vezes (c) 3 Mímica 6

Pouco (d) 1 Gestos próprios 7

Nunca (e) 1 Apontando 5

Obs.: A esta questão responderam apenas dezessete professores.

Segundo nove professores seus alunos sempre perguntam sobre fatos que ocorrem

em ambientes fora da sala de aula, utilizando-se de Libras.

As respostas às questões 5, 6, 7, e 8 denotam que o meio preferencial de

comunicação é a Libras e existe interesse dos alunos sobre o espaço da escola e outros

espaços. Uma língua alto referenciada favorece a comunicação entre eles (VYGOTSKY,

1995)

23

Objetivando conhecer o nível de linguagem das crianças atendidas nas etapas iniciais

de desenvolvimento, foi observado como se encontrava a expressão em Libras de seis

crianças, tanto em situações espontâneas como em observação estruturada através da

apresentação de fotos de animais, meios de transporte, alimentos, partes do corpo, utensílios e

outros.

Visando garantir o sigilo em relação às crianças observadas, as mesmas serão

identificadas como FL1, FD2, FK3, MG4, MK5 e MR6. Todas elas apresentam surdez

profunda bilateral e iniciaram na escola a mais de dezoito meses quando da observação nos

meses de setembro e outubro de 2009. Frequentam a escola em período integral.

No Quadro 9 encontra-se um demonstrativo de identificação das seis crianças

observadas e conhecimento de vocabulário básico de Libras.

QUADRO 9 – DEMONSTRATIVO GERAL DOS SUJEITOS OBSERVADOS

Sexo Idade

Escolaridade

Inicio na Escola

Expressão em Libras

N 70 Atributo Função Apontar

Ausente ou desconhece

FL1 F/ 5 anos Pré II - EF Março/2008 16 3 10 3 38

FD2 F/6 anos 1ª Série EF Set./2007 55 5 3 --- 6

FK3 F/5 anos Pré II - EF Março/2008 40 5 15 --- 10

MG4 M/4 anos Pré II - EF Fev./2008 19 6 16 --- 29

MK5 M/6 anos Pré II - EF Março/2005 56 3 5 --- 6

MR6 M/8 anos 2ª Série EF Outub./2004 57 4 4 --- 5

No quadro 9 pode-se verificar que as crianças menores de 5 anos apresentaram

vocabulário restrito em Libras, dos 70 elementos apresentados identificaram menos de 20.

Tendo em vista ser o vocabulário apresentado voltado a crianças na faixa etária de dois anos a

dois anos e meio Bastos (2000), constata-se atraso significativo nesta aquisição o que indica

necessidade de modificação nas formas de interação buscando responder as questões

apresentadas por Strobel (2006).

Verifica-se neste contexto pouca necessidade por parte das crianças em se expressar

24

através da linguagem formal, sendo os pais e professores os responsáveis em desenvolver este

interesse, procurando modificar o estilo e a qualidade do ambiente lingüístico das mesmas

(WOOD, 1992; VYGOTSKY, 1995).

A falta de um vocabulário básico certamente interfere no desenvolvimento cognitivo

dessas crianças, Capovilla (2008) constata a importância da Libras para o processamento

cognitivo do surdo ao verificar a dependência das propriedades formais dos sinais como

indexadores das palavras para o resgate lexical.

Ao realizar análise qualitativa do desempenho das crianças observadas pode-se

verificar dificuldade quanto aos conceitos que envolvem categorização em uma classe, para os

conceitos cômodos da casa, demonstraram conhecer apenas o sinal banheiro, sendo que FL1,

apontou chuveiro e sinalizou banho. Para sala MR6 apontou para os sofás e sinalizou sentar,

ou nomearam alguns elementos da foto FD2, FK3 e não souberam sinalizar frente a este

estimulo FL1, MG4 e MK5. Para quarto FL1 não soube expressar, FD2 sinalizou alguns

elementos, e FK3, MG4, MK5 e MR6 sinalizaram deitar. Para frutas FL1 não soube sinalizar,

FD2, FK3, MK5 e MR6 nomeiam algumas delas e MG4 sinaliza comer. Para caminhão usa o

sinal dirigir, para batata frita imita morder seu dedo indicador, refrigerante usa o sinal beber,

para bolo sinaliza doce, para meia aponta o pé. Observa-se que todos esses sinais têm um

sinal próprio em Libras.

Diferentes pesquisas voltadas ao desenvolvimento do surdo demonstram essa

dificuldade em categorizar (VYGOTSKY, 1991; 1995; JOHNSON,2001; BOMFIM, 2002).

Tais dados indicam ainda, que a exposição à língua de sinais não tem sido suficiente,

o que pode acarretar dificuldades quanto à capacidade de planejamento diante de situações

problema, pouco controle da impulsividade e limitação na adaptação social (BRITO, 1993).

Considerações Finais

O objetivo do presente estudo foi investigar sobre a visão de professores e

educadores de surdos e as implicações destas, na aquisição da língua de sinais. Na busca de

compreender como os profissionais que atendem a criança surda concebem o processo de

aquisição de linguagem, aprendizagem e bilinguismo em seus primeiros anos de vida.

Ao caracterizar os profissionais que atendem o surdo nesta instituição de ensino,

verificou-se que a maioria deles tem preocupação com a formação continuada, tendo

especialização na área de Educação Especial. Portanto profissionais com bom nível de

25

conhecimento e informação, além do que consideram ter conhecimento intermediário de

Libras, fatores que podem facilitar o processo de mediação de ensino e aprendizagem.

Ao focalizar que concepção de língua/linguagem e bilingüismo permeia a prática de

ensino observou-se que a maioria deles valoriza a participação e contato sistemático da

criança com surdos adultos que façam uso de língua de sinais e desenvolvam comunicação na

qual a criança tenha papel ativo. No entanto constata-se que alguns professores partem de uma

visão comportamentalista na qual o treinamento é concebido como o meio para o

desenvolvimento lingüístico.

Quando questionados sobre as conseqüências da surdez nas etapas iniciais de

desenvolvimento sobressaiu à idéia de que a surdez em si não traz conseqüências negativas ao

desenvolvimento na medida em que a criança tenha contato com surdos que utilizem Libras, e

seja respeitado o seu canal de recepção do mundo, a visão.

A maioria dos professores compartilha a visão de que a língua de sinais constitui-se

como modalidade gestual-visual, com todos os recursos das línguas orais, que se desenvolve

através do contato com surdos que a utilizem. Constatou-se ainda que alguns professores

consideram-na como recurso para aprender o português.

Todos os professores consideram importante o ensino bilíngüe para o surdo, havendo

divergências de como deva ser introduzido. Sendo que apenas cinco professores

consideraram valido o ensino de Libras como primeira língua e contato simultâneo com o

português.

Quanto ao como deva ser o trabalho pedagógico para criança surda percebe-se

grande ênfase no uso de recursos visuais e ampliação de vocabulário. No entanto número

significativo de professores considerou importante valorizar as respostas das crianças,

incentivar a expressão espontânea da mesma. Deve-se levar em conta neste contexto que as

dificuldades comunicativas e cognitivas não têm origem na criança surda, mas sim nas

práticas pedagógicas e no meio social que não favorece acesso à língua de forma eficiente.

Ao focalizar o como ocorre a comunicação entre professor e aluno percebe-se que os

professores não consideram que seja a Libras o principal meio de expressão do aluno,

indicando a não ocorrência de comunicação compartilhada.

Ao observar de forma sistemática o como se encontrava a linguagem de um grupo de

crianças atendidas na escola constatou-se atraso significativo na aquisição de linguagem,

evidenciando pouca necessidade das crianças em se expressar através de linguagem formal,

todas demonstraram dificuldade quanto a conceitos que envolvem categorização,

evidenciando não desenvolvimento da capacidade de pensamento associativo.

26

Conclui-se diante dos dados coletados e analisados, que para que ocorra avanço

lingüístico e cognitivo nestes educandos faz-se necessária mudança significativa nas práticas

pedagógica onde se possibilite situações mediadoras no processo de aprendizagem. Não basta

o conhecimento e/ou informação, mas uma mudança de atitude frente à criança, ampliando os

espaços para que ela desenvolva a necessidade de interagir numa relação dialógica.

Referências

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