a insustentável teoria da sustentabilidade
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Universidade Estadual Paulista
Faculdade de Filosofia e Cincias
Campus de Marlia
ERIKA BATISTA
A INSUSTENTVEL TEORIA DA SUSTENTABILIDADE
IDEOLOGIA E REIFICAO NO DISCURSO EMPRESARIAL DA
RESPONSABILIDADE SOCIAL NO BRASIL
MARLIA2013
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ERIKA BATISTA
A INSUSTENTVEL TEORIA DA SUSTENTABILIDADEIDEOLOGIA E REIFICAO NO DISCURSO EMPRESARIAL DA
RESPONSABILIDADE SOCIAL NO BRASIL
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao emCincias Sociais da Faculdade de Filosofia eCincias, da Universidade Estadual Paulista UNESP Campus de Marlia, para a obteno dottulo de Doutor(a) em Cincias Sociais.rea de Concentrao: Cincias SociaisOrientador: Prof. Dr. Antonio Carlos Mazzeo
MARLIA
2013
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Batista, Erika.B320i A insustentvel teoria da sustentabilidade. Ideologia e
reificao no discurso empresarial da responsabilidade
social no Brasil / Erika Batista. Marlia, 2013.257 f. ; 30 cm.
Tese (Doutorado em Cincias Sociais) UniversidadeEstadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Cincias, 2013. Bibliografia: f. 230-253
Orientador: Antonio Carlos Mazzeo.
1. Responsabilidade social da empresa. 2. Ideologia. 3.Sustentabilidade. 4. Alienao (Psicologia social). I. Autor.II. Ttulo.
CDD 371.9.
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ERIKA BATISTA
A INSUSTENTVEL TEORIA DA SUSTENTABILIDADE
IDEOLOGIA E REIFICAO NO DISCURSO EMPRESARIAL DA
RESPONSABILIDADE SOCIAL NO BRASIL
Tese para obteno do ttulo de Doutor(a) em Cincias Sociais, da Faculdade deFilosofia e Cincias, da Universidade Estadual Paulista UNESP Campus de Marlia, na
rea de concentrao Cincias Sociais.
BANCA EXAMINADORA
Orientador: Prof. Antonio Carlos Mazzeo, Livre-docente em Cincias Sociais, UNESP.
2 Examinador: Prof Francisco Luiz Corsi, Doutor em Cincias Sociais, UNESP.
3 Examinador: Prof Newton Duarte, Livre-docente em Psicologia da Educao, UNESP.
4 Examinador: Prof Carlos Eduardo Montao Barreto, Doutor em Servio Social, UFRJ.
5 Examinador: Prof. Mauro Luis Iasi, Doutor em Cincias Sociais, UFRJ.
Marlia, 11 de maro de 2013.
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Para aquele que viveu a agonia e o xtase junto.Meu amigo, meu companheiro e meu amor, Alexandre Adas.
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AGRADECIMENTOS
Perdi a conta de quantas vezes me imaginei chegando at aqui. E o aqui aqui
mesmo, nos agradecimentos. Porque significava que tinha acabado, tudo. E ficava me
perguntando o que seria o tudo quando este dia chegasse. E fiz muitas verses para este
tudo. Verses de amor, humor e horror. Muita coisa se viveu durante estes ltimos quatro
anos, mas ainda h tanto o que se viver que o tudo s uma pequena parte do que ainda est
por vir. Peo licena e me adianto a dizer que hoje este tudo representa a minha catarse e
vou escrever tudo.
Foi um processo longo e cheio de surpresas, que trouxe desafios, alegria e desiluso. E
muita gente passou, acompanhou ou viveu partes deste processo junto comigo, conferindo
significado ao que muitas vezes careceu de sentido. E se eu fosse buscar aqui todo mundo
estes agradecimentos ficariam maiores do que a prpria tese. E como ningum agenta mais
isso (inclusive eu), me antecipo a pedir desculpas pelos que fatalmente ficaro de fora. No
porque eu sou ingrata, mas porque eu no consigo mais forar a minha cabea. Tambm me
permitirei rasgar o protocolo e agradecer de forma pessoal como a Erikinha, a Erikucha, a
Eriko, a Keka, a Keko, a Rere e a Cigana fariam.
Numa das infinitas verses eu estava muito brava com um certo algum, e ficava me
perguntando como que eu iria agradec-lo. Foram muitas idas e vindas, muitas brigas e
risos, muitos porres e palavres, muito choro e gargalhada, afinal faz 15 anos que esta estria
comeou. Era o primeiro protesto da minha vida, na Assemblia Legislativa de So Paulo,
organizado pelos estudantes das universidades pblicas paulistas para acompanhar a votao
da LDO em 1998. Foi o dia em que eu percebi que aqueles caras no estavam l para nos
representar e que a polcia no estava l para nos defender. Estava com 19 anos e era meu
segundo ms na Unesp de Marlia, cursando o primeiro ano de Cincias Sociais, morando em
outra cidade, dividindo repblica e em So Paulo sem que meus pais soubessem, lgico.O tumulto comeou quando ns j estvamos l dentro e a rapaziada fez contagem
regressiva para invadir a plenria. O cordo da Polcia Militar j estava pronto, Mazzeo pedia
calma aos estudantes, mas ns achvamos que faramos a revoluo e que quem sabe faz a
hora no espera acontecer. E aconteceu: cacetadas, chaves de brao, socos e pontaps. Fiquei
imprensada numa porta de vidro e s sa quando ela se espatifou em cima de mim e de outros
estudantes. Na hora eu nem me dei conta que meu brao estava sangrando. Foi a minha irm-
de-teto Laura Daniel que percebeu. Quem me conhece sabe que eu sou uma pamonha quandotem sangue na parada. Quando vi que no era um s um cortinho s pensava que a minha
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me iria me matar, que eu no tinha que ter ido e que era uma imbecil com um corte no brao
coberto por uma folha de caderno.
Mazzeo providenciou meu atendimento ali mesmo na Assemblia. Levei os primeiros
pontos da minha vida, dados por um mdico grosso que s faltou me dizer bem-feito.
Mazzeo me esperou e me levou para registrar um boletim de ocorrncia. Levamos o maior
ch de cadeira na delegacia, j era noite e o pessoal da Unesp estava nos esperando l fora.
Eram trs nibus vindos de Marlia, o famoso campus vermelho. Registramos o BO e
seguimos para o Instituto Mdico Legal. Lembro dos nibus seguindo o carro que o Mazzeo
tinha arranjado e do pessoal nas janelas dando uma fora fazendo palhaadas. Sentados a
espera do mdico legista eu disse: Meu, at aqui estes putos tratam a gente como querem?
Isso aqui no democracia, isso ditadura! Ditadura mascarada! Eu quero estudar isso, vocme orienta professor? E foi a que tudo comeou. Lembrando agora de tudo isso at
engraado, mas na hora foi bem tenso.
Mazzeo me orientou durante os anos de graduao e quando eu fui convocada pelo
Banco do Brasil no finalzinho do curso para trabalhar em So Paulo, me preparando para
tentar o mestrado na Unespinha, ele foi uma das poucas pessoas que me disse vai, depois
voc volta, alm da minha me e do Alexandre (o estudante de jornalismo por quem eu
estava perdidamente apaixonada). Parecia unnime para todo o resto que se eu abandonasse obarco naquela hora nunca mais voltaria a estudar e certamente engavetaria o diploma. A
independncia financeira era uma necessidade, j que eu estava esfregando o umbigo no
balco de uma loja de shopping. Alexandre disse que se eu viesse ele tambm viria e foi assim
que viemos morar juntos em So Bernardo do Campo pela primeira vez.
Durante os quase quatro anos em que permaneci no banco a ideia de me programar para
pedir as contas e voltar a estudar era uma loucura para muita gente, menos para Mazzeo e
Alexandre. Mazzeo estava sempre por perto, acompanhando minha trajetria e perguntandoquando eu achava que daria para voltar, enquanto Alexandre fazia as contas junto comigo e
me ajudava a decidir o melhor momento para a empreitada. Foi em 2005 que eu sa do Banco
do Brasil e entrei no mestrado com um projeto de bancrios e o Mazzeo de orientador. Queria
entender porque tanta gente boa, inteligente e guerreira ia trabalhar quando tinha greve e
porque tinham tanto medo do gerente.
Alexandre foi transferido e nos mudamos para Londrina em 2006. Comecei a dar aulas
no incio de 2007 e defendi a dissertao em dezembro do mesmo ano. Jurei para mim mesma
que no faria doutorado to cedo, pois havia comeado a dar aulas nas faculdades da regio. E
aqui abro outro parnteses para agradecer duas grandes mulheres que me ajudaram muito
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nesta poca: as professoras Ileizi Fiorelli e Angela Maria de Souza Lima. Como eu havia me
formado somente no bacharelado, aproveitei para me matricular na UEL e cumprir as
disciplinas referentes licenciatura. Foi quando tive o prazer de cruzar com estas duas
guerreiras. A primeira me influenciou muito com a sua militncia e carinho com os alunos, e a
segunda com a sua dedicao incansvel e profissionalismo, sem contar que foi ela quem me
ensinou a dar aula, literalmente falando. Muita gratido a vocs, suas queridas!
Bom, cuspi para cima muito rpido e logo caiu na minha cara, pois em 2008 eu j estava
tentando entrar nessa. Bati na porta errada duas vezes e recuei, certa de que eu realmente j
tinha chegado longe demais como aquelas senhoras da Unicamp me fizeram acreditar. Afinal,
eu era filha de mais um nordestino que tinha vindo tentar a vida em So Paulo, feito Senai e
ficado rico trabalhando de operrio na estamparia das indstrias Ford. Minha me tambmera Maria ningum, a 11 dos 13 filhos daquele casal pernambucano que veio para c na
dcada de 1930 e que tambm tinha ficado rica trabalhando de bancria na Caixa Federal.
Eu tinha curso superior e um mestrado, j estava bom demais para algum da minha origem.
Foi difcil me resgatar do limbo da baixa-estima. Mazzeo, minha amiga Maria Izabel
Lagoa e Alexandre tiveram bastante trabalho, mas conseguiram. Em 2009 l estava eu
batendo na porta da Unespinha velha de guerra. Enquanto Mazzeo estava de licena na Itlia
eu entrei no doutorado com a ajuda de muita gente: Maria Izabel me emprestou seus textospara estudar, meu primo Gustavo Madeiro corrigiu as tradues do francs, professora Ftima
Cabral e professor Marcos Del Roio ajudaram com dicas para o projeto, a reviso foi feita por
minha irm Karen Batista e pelo colega Anderson Deo, enquanto o professor Jair Pinheiro
assumiu minha orientao como barriga de aluguel. Obrigada a todos vocs!
Eu estava dentro e o sonho de ser uma professora pesquisadora fazia todo o sentido.
Havia comeado a dar aulas na Universidade Estadual de Maring como professora
colaboradora (lgico), no precisava mais brigar para receber meu salrio no dia combinado eos alunos no faziam abaixo-assinados contra mim porque eu estava dando aula de verdade (e
no apenas fingindo). Alis, aproveito para mencionar a chefia do Departamento de Cincias
Sociais da UEM naquela ocasio, pois os professores Walter Praxedes e Geovneo Rossato
fizeram o que puderam para adequar minha carga horria ao ritmo insano que estes dois anos
me impuseram. Agradeo s secretrias do DCS, Flora e Denise, pela pacincia e ajuda com a
burocracia, e aos colegas de departamento que de alguma forma me acolheram por l,
especialmente aos professores Meire Mathias e Antonio Oza. Igualmente quero mencionar
mais dois colegas de trabalho que tornaram minhas estadias em Maring muito mais
divertidas, os professores Fbio Viana (que gentil e alegremente dividiu a sala comigo) e
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Zuleika Bueno (com quem tomei muito caf da tarde no final das 6s-feiras). Dei muita
risada com vocs e tenho muita saudade. Agradeo por ainda trocarmos figurinhas sobre as
coisas da vida.
Nunca me senti to respeitada por fazer o meu trabalho e segura de minha escolha
como nesta poca. Foram dois anos muito bons, apesar de muito corridos. Eu viajava 800 km
por semana para dar aulas em Maring e cumprir os crditos em Marlia enquanto morava em
Londrina, mas no tinha importncia porque Alexandre e eu havamos comprado nosso carro
zero e nos casado de papel passado. Ah, aproveito para lembrar aqui os colegas de
Programa que se tornaram queridos amigos durante as viagens a Marlia, Andr Siqueira e
Fernanda Laubstein, os fiis integrantes da caravana de Londrina.
Bem, como nem tudo so flores, a tormenta comeou quando eu matei o carro zeronum acidente de carro viajando para Maring, Alexandre foi demitido, o contrato na Uem
acabou e a tese era um punhado de artiguinhos medocres. Decidimos voltar para So Paulo
para correr atrs do mardito e viemos morar em So Bernardo do Campo pela segunda vez
no final de 2011. Alexandre iniciou um novo trabalho e eu estava to desconectada da tese
que fiz as contas para devolver o dinheiro da bolsa Capes e acabar com a tortura que era ter
que fazer a tese. Queria ir atrs de aulas, queria ter um filho, queria tudo menos dar conta da
tese. Acho que foi a nica vez que vi Mazzeo realmente preocupado que eu poderia dar pratrs e dar trabalho.
Foi necessria uma nova operao de resgate, desta vez conduzida pela professora Clia
Tolentino da Unesp. Encontramo-nos ainda naquele ano, eu chorei as pitangas e ela me
ajudou a acreditar que ainda dava tempo de aprumar. Fizemos um novo cronograma de
atividades, ela me ajudou a conceber os instrumentos de coleta e eu fui em frente. Como a
tese estava parada h quase um ano e eu precisava qualificar em dez meses, o esforo foi
grande: pesquisa bibliogrfica, documental, emprica, anlise de dados e o texto propriamentedito ao mesmo tempo. Mais um grande amigo participou deste momento reunindo fontes
bibliogrficas que foram fundamentais para a discusso ecolgica da tese. Meu muito
obrigada a vocs, Celinha e Leandro Belini.
Enquanto isso, minha santinha Maria Izabel estava nos bastidores cuidando para que
meus textos fossem lidos e corrigidos por aquele certo algum. Tambm contei com a ajuda
providencial de minha sogra Maria Lcia Adas, que literalmente cuidou da minha casa e da
gente enquanto eu finalizava o texto. Acabou sobrando at para minha cunhada Sandra Adas,
que praticamente formatou as capas iniciais do trabalho porque eu j no enxergava mais e o
relgio andava rpido. Minha irm Karen assumiu seu posto de revisora de textos novamente,
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enquanto Alexandre cuidava da apresentao que eu utilizaria na qualificao. Consegui
concluir o texto de qualificao a tempo e sou muito grata a vocs todos por isso.
Agradeo banca de qualificao por ter sido generosa comigo, apesar de meu
nervosismo comprometer bastante minha apresentao. Os professores Mauro Iasi e Neusa
Dal Ri foram muito respeitosos e as respectivas consideraes fundamentais para o
direcionamento da concluso deste trabalho. Agradeo especialmente ao professor Mauro, por
aceitar prontamente nosso convite ciente da saga que chegar em Marlia e por ter
pacientemente aturado minha insistncia com solicitaes de bibliografias aps o exame.
Como as consideraes da banca pareciam razoveis para o prazo que tnhamos at a
defesa, assumi as aulas de Mazzeo na Unesp durante o segundo semestre de 2012 e l estava
eu viajando 900km semanais novamente para trabalhar. Sair do isolamento foi essencial parao amadurecimento da tese. Agradeo aos alunos da turma de Cincia Poltica II pelos debates
de igual para igual que travamos, especialmente aos alunos Rafael Pompei e Yuri Cunha.
Tambm agradeo aos colegas e professores do Programa de Ps-graduao em Cincias
Sociais da Unesp de Marlia: Anderson Deo, Marcelo Lira e Rodrigo Belli pela companhia
agradvel e pelas sesses de angstia com cerveja, aos professores Ftima Cabral, Clia
Tolentino e Jair Pinheiro (novamente), juntamente aos professores Jayme Gasparotto e Paulo
Cunha, pelos bate-papos que muitas vezes foram orientaes informais. Ao professor MarcosDel Roio, muito obrigada pela contribuio terica desde a graduao e pelo respeito durante
todos estes anos mesmo eu sendo desbocada e sem pavio.
O semestre acabou e comecei a correr atrs das observaes da banca, que em dezembro
j no eram razoveis, e sim assustadoras. O tempo gasto com as viagens e preparao de
aulas me custaram caro e eu me perdi de novo. Quanto mais eu lia o que faltava mais eu
entrava em pnico que no ia dar tempo porque o buraco se mostrava cada vez mais embaixo.
E desta vez a fora tarefa necessria ao resgate foi maior, porque eu realmente estava de sacocheio e questionando o sentido de tudo isso. O reencontro com a rotina acadmica permitiu
que eu entrasse em contato com uma realidade que eu ainda no tinha acompanhado de perto.
O fetichismo da produo cientfica era mais profundo do que eu tinha ouvido falar e as
concesses realizadas em seu nome no estavam restritas aos departamentos de sempre. Os
acordos velados, o individualismo mascarado, o carreirismo disfarado, a ditadura da
burocracia e do produtivismo haviam tomado conta da universidade at na minha
Unespinha.
Fiquei triste, fiquei puta, briguei, chorei e amaldioei. Mas, como o processo das
construes mediativas que nos permitem desvendar os fenmenos contraditrio, eu tinha
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uma tese para terminar. Desiludida e enfraquecida em minhas convices fui resgatada
novamente por um time de peso, ainda que muitos ignorem que cumpriram este papel. Mesmo
sem saber, as lutas individuais e os exemplos de conduta de vocs foram estmulo para que eu
rangesse os dentes e fechasse a cara (como dizia um amigo quando treinamos para a So
Silvestre) para encarar a subida rumo ao fim desta saga como se fosse a subida da Brigadeiro.
Santa Maria Izabel Lagoa liderando a torcida, ao lado de Karen Batista, Roseane
Madeiro dos Santos, Laura Daniel, Virgnia Spsito, Rita Salmaso, Nair Soares, Ana Lis
Soares, Fernanda Laubstein, Tathiana Guimares, Carusa Gabriela, Marcos Xex, Fabiana
Andrade, Lvia Moraes, Rbia Martins, Priscila Ohira, Maurcio Grilli, Mariana Silveira,
Maria Regina Grilli, Hlcio Grilli, Grupo Angolinha de Capoeira (Rudge Ramos), Kelly
Estrela, Lourdes Possatto e Dalton Roston, gratido pela contribuio nica de cada um devocs.
Minha gratido Fora da natureza. Por me ajudar a reconhecer minha prpria fora e
pela companhia das nossas queridas filhas felinas, Kaya Maria e Maria do Cu. Agradeo aos
meus pais Jos Benedito Batista e Dolizete Fialho Batista, pelos exemplos de coragem e luta.
Pelas lies de humildade e responsabilidade, que tantas vezes foram difceis para ensinar e
aprender. Pai, lamento no ter sido a doutora que voc imaginou. Me, sinto por at hoje
no ter sido capaz de expressar a voc o que as minhas escolhas representam para mim.Tambm quero mencionar os professores Carlos Montao, Newton Duarte, Francisco
Corsi e Mauro Iasi, que aceitaram prontamente o convite para compor a banca avaliadora
desta tese e, principalmente, por no desistirem quando a ciranda das datas comeou. Sei
que todos vocs abriram mo de compromissos e das raras horas de descanso que a carreira
acadmica proporciona para assumir este papel, de modo que registro aqui meu sincero muito
obrigada. Agradeo tambm s funcionrias do Programa de Ps-graduao em Cincias
Sociais, Ana Paula Rodrigues e Tatiana Fonseca, por me ajudarem com as pendengasadministrativas e por resistirem como podem frieza do burocratismo. Meu muito obrigada a
todos os depoentes que participaram da pesquisa atravs da concesso de entrevistas e
preenchimento dos questionrios. Sem vocs esta tese no teria sido possvel.
Enfim, eis-me aqui com a tese pronta e prestes a ser defendida. Ganhei trs quilos, uma
coceira na cabea que mdico nenhum sabe da onde vem, descobri o caf e o psiquiatra.
Porm, duas coisas valeram muito durante este longo processo de auto-conhecimento. A
primeira ter descoberto a constante que acompanhou 15 anos de amizade, mesmo em meio a
tanta contradio, para poder agradecer aquele certo algum. Mazzeo, obrigada pela confiana
que voc depositou em mim durante todos este anos, apesar de tudo e de todos. Eu no fui um
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exemplo de orientanda, assim como voc tambm sabe que no foi um exemplo de orientador.
Mas, como diria o Alexandre, cada um tem o orientador e a orientanda que merece. Sendo
assim, agradeo por voc ter apostado em mim quando muita gente duvidou e por ter
acreditado que eu era capaz de superar as dificuldades da minha formao para chegar at
aqui. Muito obrigada por voc nunca ter me cobrado favores de nenhuma natureza, por nunca
ter me pressionado para produzir ou se aproveitado da minha produo em benefcio prprio e
por ter me aceitado do jeito que eu sou. Por mais que eu mande esta vida de merda merda,
me lembrarei sempre desta constante quando eu mesma duvidar que sou capaz de fazer algo
novo.
A segunda por me sentir to amada, apoiada e respeitada por voc meu amor, mesmo
diante das minhas inmeras ausncias, infinitos chiliques, diversas grosserias e de toda aloucura e intensidade que viver do meu lado. Passamos por poucas e boas neste processo e
voc foi muito guerreiro para segurar o rojo em todas delas e me ajudar a reagir. No so
dois pargrafos, mas a gratido de todo o meu ser. Te amo muito e no vejo a hora de gritar
positivo. Agora vai!
Ah, j ia me esquecendo de mencionar que esta tese contou com o auxlio financeiro da
Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (Capes) durante 24 meses no
perodo de 2011 a 2013 na forma de bolsa e que absolutamente insuficiente para impor queum estudante se dedique integralmente pesquisa e produza com qualidade, o que ainda
mais contraditrio considerando-se a esquizofrenia do produtivismo cobrado pelas agncias
de fomento e programas de ps-graduao.
So Bernardo do Campo, 17 de fevereiro de 2013.
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s vezes, seu mooMe sinto to encolhidoCom meu corao sentido
Sem poder evitar
Tenho vontadeDe gritar pro mundo inteiro
Que a vida no s dinheiroNo s discriminar
verdade seu moo
Nossa vida um colossoMas pra mim vale amizadeDo que dinheiro no bolso.
Cantiga de Capoeira
Se a igualdade entre os homens que busco e desejo for o desrespeito ao ser humano, fugirei dela.
Graciliano Ramos
Deixa-me dizer-lhe, com o risco de parecer ridculo,que o revolucionrio est guiado por grandessentimentos de amor.
Che Guevara
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ResumoDadas as condies de explorao e esgotamento dos recursos naturais e sociais criadas pelomodo de sociabilidade capitalista contemporneo, uma nova tentativa de reestruturaoprodutiva avana na direo de novas fontes de reproduo da acumulao do capital
configurando um novo modelo organizacional: o da sustentabilidade. Articulado sobre trspilares o desenvolvimento sustentvel, a governana corporativa e a responsabilidade socialempresarial esta teoria organizacional est presente de diferentes formas no cotidiano dasprticas sociais, atuando diretamente na formao da subjetividade social para alm dosespaos organizacionais de trabalho. Tal modelo julga oferecer uma alternativa de superaos condies assinaladas por meio de concepes que qualificam o capitalismo como verde,moralizado e responsvel, ocultando os fundamentos objetivos destas condies por umadeterminada viso de mundo que se encontra limitada pelas perspectivas que compem ohorizonte da classe burguesa. O objetivo geral deste trabalho decompor a teoria dasustentabilidade em seus pilares constituintes a fim de caracteriz-la como uma das formas deideologia capitalista, enquanto o objetivo particular compreende aprofundar o estudo dodiscurso da responsabilidade social empresarial no Brasil como um novo padro deinterveno social. Os resultados que sero apresentados parecem comprovar que tal padrose origina de determinada frao da classe burguesa, denominada de burguesia empresarialengajada e representada, sobretudo, pelo grupo que fundou o Instituto Ethos de Empresas eResponsabilidade Social no Brasil, alm de indicar que esta entidade permanece atrelada teia de articulaes global que visa consolidar esta ideologia como um novo movimento dereestruturao produtiva do capital. O objeto desta investigao concentra-se nos projetosorganizacionais de responsabilidade social empresarial desenvolvidos por determinadasorganizaes associadas ao Instituto Ethos e nas respectivas prticas singulares dos sujeitossociais envolvidos por estes projetos no mbito de suas atividades profissionais. por meio
da investigao deste objeto e da realizao de seus objetivos geral e especfico que estetrabalho tentou contribuir para a construo de uma teoria marxista da subjetividade. Para issohouve a realizao de entrevistas bem como a aplicao de questionrios, que foram osinstrumentos de coleta utilizados para a produo direta de dados empricos. As consideraesaqui relatadas parecem demonstrar que h a formao de uma subjetividade social reificadaque convm reproduo da ideologia da sustentabilidade, dinamizando o processo dedemocratizao burguesa no Brasil. Entretanto, esta formao parece ocorrer de formaheterognea, indicando nveis de reificao que podem orientar a crtica ao fenmeno daresponsabilidade social empresarial e a ideologia da sustentabilidade como um todo. Anatureza deste trabalho qualitativa e parte de pesquisa de fontes bibliogrficas, documentaise institucionais para a apropriao do referencial epistemolgico que caracteriza o materialista
histrico.Palavras-chave: teoria da sustentabilidade; responsabilidade social empresarial; ideologia;
reificao; subjetividade social.
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AbstractDue the conditions of exploitation and depletion of natural and social resources created by thecontemporary capitalist mode of sociability, a new attempt to productive restructuring movestowards new sources of capital accumulation reproduction setting up a new organizational
model: the sustainability. Articulated on three pillars - sustainable development, corporategovernance and corporate social responsibility - this organizational theory is present indifferent forms in everyday social practices, working directly in the formation of socialsubjective beyond the organizational labor spaces. This model considers offering anovercome alternative to the conditions indicated by conceptions that qualify capitalism as"green", "moralized" and "responsible", hiding the main objectives of these conditions by aparticular worldview that is limited by the perspectives that make up the horizon of thebourgeois class. The overall objective of this study is to decompose the theory ofsustainability into their constituent pillars in order to characterize it as a form of capitalistideology, while the particular purpose includes further study the discourse of corporate socialresponsibility in Brazil as a new pattern of social intervention. The results presented hereseem to confirm that this arises from certain fraction of the bourgeois class, called "engaged"entrepreneurial bourgeoisie and represented mainly by the group that founded the EthosInstitute of Business and Social Responsibility (Instituto Ethos de Empresas eResponsabilidade Socia) in Brazil, besides indicating that this entity remains tied to the globalweb of joints which aims to consolidate this ideology as a new movement of productiverestructuring of capital. The object of this research focuses on organizational projects ofcorporate social responsibility developed by certain organizations associated with the EthosInstitute and by the respective unique practices of the social subjects involved by theseprojects in the context of their professional activities. It is through this study and theachievement of its objectives specific and general work that this sought to contribute to the
building of a Marxist theory of subjectivity. For this it was conducted interviews as well asquestionnaires, which were the collect instruments used to the direct production of empiricaldata. The considerations reported here seem to show that there is a formation of a socialreified subjectivity that proper to the ideology of sustainability, streamlining the process ofbourgeois democracy in Brazil. However, this formation seems to occur heterogeneously,indicating levels of reification that can guide the critique of the phenomenon of corporatesocial responsibility and sustainability ideology as a whole. The nature of this study isqualitative and it is based on bibliographical, documental and institutional sources for theappropriation of the epistemological reference that characterizes the historical materialist.Keywords: sustainability theory, corporate social responsibility, ideology, reification, socialsubjectivity.
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Lista de Abreviaturas e Siglas
ABI Associao Brasileira de ImprensaAbiquim Associao Brasileira da Indstria Qumica
ABNT Associao Brasileira de Normas TcnicasABONG Associao Brasileira de Organizaes No GovernamentaisABRINQ Associao Brasileira dos Fabricantes de BrinquedosADOC Associao dos Opositores ao CrescimentoALN Aliana Nacional LibertadoraANVISA Agncia Nacional de Vigilncia SanitriaBctA Business Call to ActionBID Banco Interamericano de DesenvolvimentoBIRD Banco Internacional para Reconstruo e DesenvolvimentoBM Banco MundialBNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e SocialBSR Business for Social ResponsibilityCEBs Comunidades Eclesiais de BaseCEO Chief Executive OfficerCIESP Centro das Indstrias do Estado de So PauloCIVES Associao Brasileira de Empresrios pela CidadaniaCNBB Confederao Nacional dos Bispos do BrasilCNI Confederao Nacional da IndstriaConsed Conselho Nacional de Secretrios de EducaoCUT Central nica dos TrabalhadoresCVM Comisso Mobiliria de Valores
DORT Distrbio Osteo-muscular Relacionado ao TrabalhoDS Desenvolvimento sustentvelEAESP Escola de Administrao de Empresas de So PauloEC Escola ClssicaECA Estatuto da Criana e do AdolescenteEco-Eco Economia EcolgicaEM Ensino MdioERH Escola de Relaes HumanasESV Escola Social do VarejoEUA Estados Unidos da AmricaFAPESP Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo
FASFIL Fundaes Privadas e Associaes sem Fins LucrativosFAT Fundo de Amparo ao TrabalhadorFEBRABAN Federao Brasileira de BancosFED Federal ReservFGTS Fundo de Garantir do Tempo de ServioFGV Fundao Getlio VargasFHC Fernando Henrique CardosoFIESP Federao das Indstrias de So PauloFIRJAN Federao das Indstrias do Rio de JaneiroFIS Fundao Ita SocialFMI Fundo Monetrio Internacional
G7 Grupo dos Sete PasesGC Governana corporativaGEE Gases de efeito estufa
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GIFE Grupo dos Institutos, Fundaes e EmpresasGRES Grupo Referencial de Empresas em SustentabilidadeGRI Global Reporting InitiativeGvces Centro de Estudos em Sustentabilidade
IBAD Instituto Brasileiro de Ao DemocrticaIBASE Instituto Brasileiro de Anlises SociaisIBGC Instituto Brasileiro de Governana CorporativaIL Instituto LiberalIPE Instituto de Pesquisas EcolgicasIPEA Instituto de Pesquisa Econmica AplicadaIPES Instituto de Pesquisas e Estudos SociaisISEE Sociedade Internacional de Economia EcolgicaISSO International Organization for StandardizationISP Investimento social privadoIU Instituto Unibanco
IW Instituto WalmartJEC Juventude Estudantil CatlicaJIT Sistema Just-in-timeJOC Juventude Operria CatlicaJUC Juventude Universitria CatlicaLaSSu Laboratrio de Sustentabilidade em Tecnologia de Informao e ComunicaoLER Leso por Esforos RepetitivosMBA Master in Business AdministrationMCI Movimento Comunista InternacionalMCP Movimento Campons PopularMDL Mecanismo de Desenvolvimento LimpoMMA Ministrio do Meio-ambienteMOC Movimento dos Opositores do CrescimentoMORHAN Movimento de Reintegrao das Pessoas Atingidas pela HansenaseMR-8 Movimento Revolucionrio 8 de OutubroMST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem TerraNEO New Employment OpportunityOAB Ordem dos Advogados do BrasilOCB Organizao das Cooperativas BrasileirasOCDE Organizao para Cooperao e Desenvolvimento EconmicoODM Objetivos do Desenvolvimento do Milnio
OMC Organizao Mundial do ComrcioOMS Organizao Mundial da SadeONG Organizaes no-governamentaisONU Organizao das Naes UnidasOSCIP Organizao da sociedade civil de interesse pblicoPCB Partido Comunista BrasileiroPCBR Partido Comunista Brasileiro RevolucionrioPCUS Partido Comunista da Unio SoviticaPFL Partido da Frente LiberalPG Pacto GlobalPIB Produto Interno Bruto
PJF Programa Jovem de FuturoPMEs Pequenas e mdias empresasPNBE Pensamento Nacional das Bases Empresariais
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PNUD Programa das Naes Unidas para o DesenvolvimentoPPLD Partido em Prol do DecrescimentoPRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura FamiliarPSDB Partido da Social Democracia Brasileira
PSOL Partido Socialismo e LiberdadePSTU Partido Socialista dos Trabalhadores UnificadosPT Partido dos TrabalhadoresPTB Partido Trabalhista BrasileiroPV Partido VerdeRSC Responsabilidade social corporativaSER Responsabilidade social empresarialAS Sociedades AnnimasSBEE Sociedade Brasileira de Economia EcolgicaSBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da CinciaSEBRAE Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas
SENAI Servio Nacional de Aprendizagem IndustrialSESC Servio Social do ComrcioSESI Servio Social da IndstriaSimproquim Sindicato de Indstrias Qumicas de So PauloSNA Sociedade Nacional de AgriculturaSRB Sociedade Rural BrasileiraSUS Sistema nico de SadeTGA Teoria Geral da AdministraoTIC Tecnologias de Informao e ComunicaoUFRJ Universidade Federal do Rio de JaneiroUndime Unio dos Dirigentes Municipais de EducaoUNICAMP Universidade de CampinasUSP Universidade de So Paulo
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SUMRIO
Apresentao _____________________________________________________________ 20
Captulo 1 - Capitalismo e formas organizacionais de controle social ______________ 28
1.1 Mundializao financeira, neoliberalismo e crise ___________________________________ 29
1.2 A esteira de montagem das ideologias organizacionais _______________________________ 48
Captulo 2 A insustentvel teoria da sustentabilidade __________________________ 58
2.1 O desenvolvimento (in)sustentvel do capitalismo verde ___________________________ 59
2.2 A (des)governana corporativa do capitalismo moralizado __________________________ 71
2.3 A (ir)responsabilidade social do capitalismo humanizado ___________________________ 81
2.4 A sustentabilidade da ideologia _________________________________________________ 97
Captulo 3 Responsabilidade social empresarial no Brasil _____________________ 120
3.1 Do assistencialismo ao colaboracionismo ________________________________________ 121
3.2 Da emergncia das ONGs ao arranjo neoliberal ___________________________________ 133
3.3 Da filantropia empresarial formao do Instituto Ethos ____________________________ 142
3.4 Da profissionalizao do novo padro ao ethos sustentvel_________________________ 158
3.5 A base material da subjetividade social reificada __________________________________ 181
Consideraes finais ______________________________________________________ 221
Referncias _____________________________________________________________ 230
Fontes bibliogrficas ___________________________________________________________ 230
Fontes em meio eletrnico _______________________________________________________ 244
Outras fontes _________________________________________________________________ 253
Anexo A Termo de Consentimento Livre e Esclarecido _______________________ 254
Anexo B Pauta das Entrevistas ___________________________________________ 255
Anexo C Questionrio de RSE e Sustentabilidade ____________________________ 256
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Apresentao
Este trabalho reflete a trajetria de um objeto de pesquisa iniciado com a
dissertao de mestrado A fantstica fbrica de dinheiro na trilha do empowerment: odiscurso gerencial do Banco do Brasil, defendida em dezembro de 2007 nesta mesma
universidade e programa de ps-graduao. Atravs da investigao sobre as reestruturaes
bancria e organizacional ocorridas especificamente no Banco do Brasil, verificou-se como a
vida dos trabalhadores atingidos por estas reestruturaes havia sido afetada no cotidiano de
trabalho e nos demais espaos de socializao desta categoria.
Para compreender o objeto foi realizada uma pesquisa de campo com estes
trabalhadores para a coleta de dados empricos que trouxe um novo e complexo elemento paraa anlise: o componente subjetivo dos trabalhadores. Tal componente foi tratado nos limites
de uma dissertao de mestrado, de modo que a inquietao para com ele permaneceu. As
pesquisas preliminares para a formulao do projeto de pesquisa que originou esta tese de
doutorado se deram na direo de buscar alternativas a esta inquietao, dando continuidade
pesquisa iniciada naquele momento.
O trabalho aqui apresentado reflete a tentativa de tratar de forma mais profunda as
complexidades de uma categoria que cada vez mais influi sobre as determinaes da atual
fase da sociabilidade capitalista: a produo e reproduo da subjetividade social. Esta
categoria ser afrontada pelo conjunto de mediaes estabelecido pelo objetivo geral e o
objetivo especfico desta pesquisa, que compreendem decompor a teoria da sustentabilidade
em seus pilares constituintes a fim de caracteriz-la como uma ideologia cuja base material
consiste em mais uma tentativa de reestruturao do capital, e aprofundar o estudo do discurso
da responsabilidade social empresarial (RSE) no Brasil como um novo padro de interveno
social, respectivamente.
O objeto desta investigao constitui-se pelos projetos organizacionais de
responsabilidade social empresarial desenvolvidos por determinadas organizaes e pelas
respectivas prticas dos sujeitos sociais envolvidos por estes projetos no mbito de suas
atividades profissionais. por meio da investigao deste objeto e da realizao de seus
objetivos geral e especfico que este trabalho tenta contribuir para o debate sobre a categoria
da subjetividade social atravs da perspectiva materialista, oferecendo observaes que
possam somar-se aos esforos empreendidos para a construo de uma teoria marxista da
subjetividade e individualidade.
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A tese pressuposta a de que a teoria da sustentabilidade compreende mais um
modelo organizacional que tenta lanar as bases de um novo movimento de reestruturao
produtiva para o controle social pelo capital. Constituindo-se em trs pilares fundamentais o
desenvolvimento sustentvel, a governana corporativa e a responsabilidade social
empresarial esta teoria se reproduz enquanto ideologia na medida em que pretende este
movimento a partir da viso de mundo burguesa e dos limites de sua falsa conscincia.
Tal ideologia se materializa na construo de um novo padro de interveno social, que por
sua vez assume formas e funo bem definidos sob o pilar da responsabilidade social
empresarial e demonstra sua influncia sobre os processos de alienao e reificao da
subjetividade social. O resultado destes fenmenos a legitimao de um novo modelo que
representa mais uma forma do processo de democratizao burgus no Brasil e no mundo.
Partindo-se do pressuposto de que os objetos cientficos das Cincias Sociais no
devem ser apreendidos como elementos autnomos e tampouco construdos de maneira
isolada ou ideal, o tratamento metodolgico dedicado a estes objetos para comprovar esta tese
e dar conta de seus objetivos partiu da categoria da totalidade com a anlise das
determinaes econmicas, polticas e sociais do capitalismo contemporneo, passando s
formulaes mais particulares da teoria da sustentabilidade atravs de seus trs pilares
fundamentais.
O primeiro captulo Capitalismo e formas organizacionais de controle social
apresenta um breve retrato desta totalidade histrico-social a partir da descrio de tais
determinaes na atual fase de desenvolvimento da sociabilidade capitalista, profundamente
marcada pela lgica da mundializao financeira que tem caracterizado a acumulao de
capital e as crises sociais das ltimas dcadas, conforme a leitura realizada por Franois
Chesnais e Edmilson Costa, seguida pelo debate com outros autores, como David Harvey ePerry Anderson.
A partir desta caracterizao mais geral do neoliberalismo, as concepes
neoliberais so tratadas como funcionais manuteno deste padro social econmico,
poltico e ideolgico. Como componentes orgnicos desta fase, tais concepes assumem
importante papel para a conduo desta dinmica de acumulao e preservao da hegemonia
de classe burguesa, de modo que tanto formulaes neoliberais mais ortodoxas como as de
Friedrich Hayek, quanto as formulaes neoliberais de cunho socialdemocrata como as deAnthony Giddens, serviro para acomodar este padro.
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Os modelos organizacionais de gerenciamento produtivo e da fora de trabalho
como o fordista, taylorista e toyotista acompanharam o movimento de constituio da
mundializao financeira e das polticas neoliberais, de modo que suas trajetrias histricas e
funo social foram trazidas tona com o objetivo de pontuar as reverberaes destes
modelos para a ampliao do controle social pelo capital. As teorias organizacionais
produzidas em srie durante o sculo XX funcionaram como poderosos instrumentos
ideolgicos que perpassaram o espao de trabalho e construram o consenso de legitimao
destes modelos para alm deste espao, conferindo-lhe forma social e uma base material
concreta.
No fim desta esteira de montagem encontra-se a teoria da sustentabilidade,
como representao da ideologia organizacional que surge nas ltimas dcadas do sculo XX
traduzindo-se numa espcie de boa nova que marca a nfase dos discursos organizacionais
para o sculo XXI. Pressupondo-se como uma proposta societal substancialmente nova, esta
teoria se expressa, sobretudo, como tentativa de um novo movimento de reestruturao
produtiva do capital na direo de construir mais um ciclo virtuoso e criar mais uma
alternativa s crises cclicas de acumulao.
Constitudo de trs grandes frentes de ao ou pilares fundamentais o
desenvolvimento sustentvel, a governana corporativa e a responsabilidade social
empresarial este movimento prope parmetros de reestruturao produtiva que podem ser
questionados objetivamente pelo limites prprios lgica de funcionamento da sociabilidade
capitalista e que obedecem ordem dialtica da dinmica social independentemente da
vontade de seus maestros conforme demonstrado no segundo captulo A insustentvel
teoria da sustentabilidade.
No incio deste captulo esto presentes as principais discusses tericas
pertinentes ao tratamento analtico destes pilares, bem como um conjunto de dados
institucionais e documentais que demonstram a objetividade deste modelo ao final do
captulo. Foram fundamentais obras do prprio Marx e de Lnin, bem como as interpretaes
de Lukcs e alguns de seus mais reconhecidos estudiosos como Istvn Mszros, Ester
Vaisman e Jos Paulo Netto para comprovar a sustentabilidade desta teoria enquanto mais
uma das formas da ideologia capitalista. Tambm integram este captulo os dados coletados
por meio de entrevista pautada concedida pela Superintendente de Sustentabilidade do Grupo
Ita-Unibanco pesquisa, elemento que foi fundamental para a compreenso desta teoria
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como mais um modelo organizacional que acompanha uma proposta de reestruturao
produtiva do capital.
Apesar do tratamento analtico dado aos trs pilares em geral neste captulo, a
nfase da abordagem se concentrar nas formulaes que permitem analisar o objeto
particular da pesquisa, o pilar da responsabilidade social empresarial. Ainda que neste
momento o tratamento do objeto se realize no plano terico, atravessar discusses
fundamentais para contextualiz-lo frente s suas manifestaes concretas no interior na
realidade brasileira. Formulaes como as de Estado, sociedade civil e cidadania foram
analisadas no mbito das concepes neoliberais, cujo debate ainda que apresentado
brevemente e a ttulo de introduo ao tema entre as premissas elaboradas por Antony
Giddens e Jrgen Habermas foi confrontado com as formulaes marxianas a partir doprprio Marx e de Lnin, juntamente as de Antonio Carlos Mazzeo, Ivo Tonet e Haroldo
Abreu.
A partir deste tratamento analtico foi possvel situar o objeto especfico em suas
determinaes particulares a fim de apresent-lo no terceiro captulo Responsabilidade social
empresarial no Brasil. As sees que compem este bloco trouxeram os fundamentos
histrico-sociais de um fenmeno que adquiriu o statusde novo padro de interveno social
sob o comando de uma frao burguesa denominada aqui de burguesia empresarialengajada. Considerando-se as condies histricas brasileiras para o surgimento deste
fenmeno, a trajetria do fenmeno responsabilidade social empresarial foi analisada desde a
sua origem com o colaboracionismo entre as classes que marcou o industrialismo at culminar
como importante ator do processo de democratizao burgus, sobretudo a partir dos
governos de Fernando Henrique Cardoso no Brasil.
Foi neste perodo que as formas e a funo deste pilar da teoria da
sustentabilidade se tornaram mais evidente, expondo como a teia de relaes construda pelaideologia da responsabilidade social empresarial se articulou no pas. Um importante agente
poltico e ideolgico da burguesia empresarial engajada emergiu como grupo dirigente
neste processo, desempenhando papel fundamental para a articulao das diversas entidades
de representao desta burguesia junto ao movimento da sustentabilidade global: o Instituto
Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, que na condio de intelectual orgnico desta
frao de classe ser um dos grandes responsveis pelo desenvolvimento e consolidao deste
novo padro de interveno social no Brasil.
Para a devida caracterizao do Instituto Ethos enquanto agente deste padro foi
realizada uma extensa pesquisa documental realizada junto s fontes do prprio Instituto e
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demais instituies empresariais relacionadas, ao lado de uma pesquisa bibliogrfica sobre os
temas que circundaram a atuao deste agente, como o das organizaes no-governamentais
e terceiro setor, principalmente. Para esta tarefa, a pesquisa contou com a colaborao de
reconhecidos trabalhos como os de Carlos Montao, Virgnia Fontes, Andr Martins e Joana
Coutinho, dentre outros. Alm disso, foi solicitado diretamente ao Instituto acesso para a
realizao de entrevistas e/ou aplicao de questionrios junto aos seus funcionrios que, no
entanto, no foi obtido por falta de agenda da Organizao, segundo a resposta
encaminhada. Mesmo com a ausncia do acesso direto foi possvel a coleta de dados por meio
de uma entrevista pautada concedida por um(a) funcionrio(a) do grupo alocado(a) no
Uniethos, unidade de educao corporativa do Instituto.
O aprofundamento do estudo do fenmeno da responsabilidade social empresarialno Brasil por meio da atuao do Instituto Ethos permitiu a identificao do objeto particular
a partir de determinadas dimenses ontolgicas do ser social que foram utilizadas para
conferir materialidade ao novo padro de interveno social, como as tico-morais. Tal
identificao se demonstrou essencial para percorrer o caminho ao encontro da categoria de
subjetividade social, de modo que trabalhos como os de Maria Lcia Barroco, Mauro Iasi,
Paulo Silveira e Newton Duarte foram bastante importantes alm das formulaes de
Lukcs, Guido Oldrini e Istvn Mszros para que este percurso fosse enriquecido com aideia de ethos sustentvel.
A ltima sesso deste captulo traz os resultados desta elaborao, apresentados
junto ao cruzamento dos dados empricos documentais e institucionais bem como de
dados coletados diretamente por meio da realizao de entrevistas e aplicao de
questionrios junto a indivduos envolvidos concretamente com a realizao das prticas de
responsabilidade social empresarial no Brasil. Atravs da anlise de projetos de interveno
desenvolvidos por organizaes empresariais e seus respectivos institutos e fundaes todosvinculados ao Instituto Ethos de alguma maneira que foi possvel concluir o objetivo
especfico da pesquisa, trazendo as principais relaes identificadas entre os processos de
objetivao e subjetivao contidos nos projetos particulares de RSE e nas prticas singulares
dos agentes que materializaram estes projetos.
Esta etapa da pesquisa emprica se estruturou sobre como o papel de difusor do
novo padro de interveno social protagonizado pelo Instituto Ethos ocorre praticamente
junto aos seus associados, avaliando em primeiro lugar em que medida as orientaes dadas
s organizaes desencadeiam projetos e aes concretos, e em segundo qual a influncia que
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os parmetros utilizados por este padro possuem no processo de formao da conscincia dos
sujeitos sociais que viabilizam o conjunto de aes de responsabilidade social empresarial.
A preparao, tanto da pauta utilizada nas entrevistas quanto do questionrioaplicado, foi elaborada de modo a privilegiar a narrativa da trajetria e das atividades
desenvolvidas pelos prprios participantes da forma mais livre possvel, servindo somente
como um guia para a aplicao destes instrumentos de coleta. O objetivo desta metodologia
foi o de criar uma atmosfera agradvel para que os participantes no se sentissem
constrangidos e pudessem relatar suas experincias na rea de RSE e sustentabilidade de
forma espontnea e verdadeira. As entrevistas foram realizadas de forma presencial, via
telefone e via Skype, enquanto os questionrios foram disponibilizados de forma eletrnica
em uma plataforma do Google Docs. Foram analisados os projetos e as atividades
desenvolvidos por indivduos que estavam atuando (ou atuaram) nas seguintes organizaes:
Fundao Ita Social, Instituto Unibanco, Novartis Biocincias, Sandoz, Vale, Diagonal,
Instituto Walmart e Unimed do Brasil1.
O contato obtido com a superintendncia de sustentabilidade do Grupo Ita-
Unibanco permitiu o acesso direto Fundao Ita Social, que foi realizado a partir de uma
entrevista pautada concedida pelo funcionrio responsvel pela rea de Comunicao dafundao. J com o Instituto Unibanco o contato se deu de forma indireta, visto que aps uma
aceitao inicial da proposta de pesquisa o acesso foi negado quando a metodologia da coleta
de dados foi especificada a realizao de entrevistas ou aplicao de questionrios
diretamente com funcionrios do Instituto. Apesar da negativa, houve a aplicao do
questionrio junto a dois representantes do Instituto Unibanco, um(a) na ativa e outro(a) que
havia sido demitido da organizao.
Com relao ao Grupo Novartis, o acesso se deu por meio de duas entrevistas
concedidas por funcionrios(as) que tambm representavam as reas de Comunicao da
Novartis Biocincias do Brasil e Sandoz do Brasil, respectivamente. O primeiro(a)
participante ainda atuava na empresa quando houve a realizao da entrevista, enquanto o
segundo(a) tambm havia sido demitido do Grupo. Nos dois casos os resultados das
entrevistas foram complementados com as polticas formais de responsabilidade social
empresarial disponibilizadas pelo material institucional do Grupo.
1Tanto a superintendente de sustentabilidade do grupo Ita-Unibanco como o(a) participante do grupo Ethos-Uniethos citados concederam as entrevistas atravs desta mesma metodologia e a partir da mesma pauta utilizadacom os demais participantes.
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No caso de empresas como a Vale e Diagonal Urbana foram aplicados os dois
instrumentos de coleta. Na Vale o contato se deu com um(a) gestor(a) de sustentabilidade
sediado em uma planta da mineradora localizada em Moambique na frica, que respondeu
ao questionrio eletrnico. J pela empresa Diagonal prestadora de servios sociais
contratada pela Vale o contato se deu tanto via questionrio, com o preenchimento
eletrnico por trs participantes envolvidos em projetos de responsabilidade social
empresarial tambm na frica, como via entrevista, concedida por um(a) participante nas
mesmas condies.
Tambm houve contato com o Grupo Walmart atravs de entrevista concedida
pelo presidente do Instituto Walmart entidade que centraliza as aes de responsabilidade
social empresarial do grupo no Brasil e com o Grupo Unimed do Brasil, que tambm
centraliza as polticas e diretrizes deste pilar da teoria da sustentabilidade para as demais
unidades associadas no pas. Neste caso, o acesso se deu por meio de entrevista concedida por
um(a) funcionrio(a) que atua junto a formulao e execuo destas polticas e diretrizes ao
mesmo tempo em que tambm ocupa o papel de agente assistido pelas prticas de RSE na
condio de portador de deficincia visual.
Os dados empricos coletados nesta etapa da pesquisa superaram as expectativasda tese, de modo que muitos aspectos dos depoimentos no foram suficientemente esgotados
ou includos neste texto. Outra observao importante a de que todas as entrevistas que
foram concedidas bem como os questionrios preenchidos foram aplicados com a anuncia
dos participantes ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que disponibilizou a
opo sobre a divulgao dos nomes dos participantes com a respectiva associao s
empresas, institutos e fundaes de atuao. As identidades foram ou no preservadas
mediante a opo assinalada pelos participantes no referido termo, da a maioria destasreferncias estarem sob o tratamento de gnero indefinido. A pauta das entrevistas, o
questionrio e o termo de consentimento constam como anexos deste texto.
Como pode ser percebido nesta apresentao, o trajeto percorrido para a
elaborao da pesquisa foi orientado pela perspectiva materialista histrica, de forma que os
resultados aqui apresentados juntamente aos seus questionamentos possuem um
posicionamento intelectual que ao mesmo tempo poltico. Tal posicionamento marca mais
ou menos alguns trechos deste texto, que foram escritos com mais ou menos intensidade deentusiasmo, angstia ou esperana, e preciso ressaltar que esta habilidade humana de se
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posicionar diante dos fatos traduzida pelos maestros que orquestram a cincia burguesa
como ideologicamente no-cientfica no exclui necessariamente o compromisso com os
procedimentos analticos e metodolgicos necessrios para a execuo da tarefa cientfica.
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Captulo 1 - Capitalismo e formas organizacionais de controle social
Diante do aprofundamento das condies de explorao do capital sobre o
trabalho e esgotamento dos recursos naturais e sociais provocado pelo modo de produocapitalista a acumulao de capital encontra-se em fase predominantemente financeira e os
efeitos devastadores de sua reproduo atingem fortemente as condies de reproduo
objetiva e subjetiva da fora de trabalho, sua organizao e, sobretudo, suas possibilidades de
resistncia e luta.
Este captulo apresenta o pano de fundo no qual figura a produo da teoria da
sustentabilidade, descrevendo as tendncias econmicas e polticas da atual fase da
sociabilidade capitalista marcada pela lgica da mundializao financeira. O crescimento da
financeirizao aparece na mesma proporo em que o aumento do desemprego de modo que
a migrao da acumulao de capital da esfera produtiva para a esfera financeira delineia
novos limites para que este mesmo fluxo possa se reproduzir.
A configurao do neoliberalismo neste contexto ocorre como parte integrante da
lgica da mundializao financeira, assumindo faces aparentemente distintas em virtude dos
projetos polticos da classe burguesa e da presso exercida pelas lutas populares em suas
respectivas especificidades histricas, ora mais ortodoxa ora mais social. Porm, observando-
se a essncia da configurao das polticas neoliberais possvel perceber o mesmo ncleo
que fomenta as polticas econmicas que concretizam a acumulao predominantemente
financeira de capital e de reificao da vida social.
Este processo de reproduo do capital no acontece sem crises sistmicas
provocadas pela natureza anrquica e paradoxal tpicas do seu metabolismo, embora estes
momentos de crise venham sendo administrados pelos gestores do capital a partir das
reestruturaes produtivas que acompanham este processo. Os modelos organizacionais de
gerenciamento produtivo e da fora de trabalho reverberam as condies desta reproduo e
delineiam os aspectos do controle social necessrio para a explorao de todos os potenciais
da fora de trabalho e natureza para a manuteno da lgica do capital.
As teorias organizacionais produzidas ao longo do sculo XX representam esta
articulao entre as formas de explorao do capital e as formas sociais de controle e
como numa esteira de montagem que opera com processos de ruptura e continuidade
produzem ideologias que atravessam o espao de trabalho e constroem o consenso social
reificado que sustenta os modelos produtivos que permitem a reproduo de uma lgicasocietal destrutiva e anrquica.
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A teoria da sustentabilidade representa a ideologia organizacional que marca o
sculo XXI, alm de uma nova tentativa de reestruturao produtiva do capital em busca de
novas fontes de acumulao para a construo de mais um ciclo virtuoso. Da a necessidade
da reflexo sobre esta teia de relaes econmicas, polticas e sociais, para que as
possibilidades de luta e resistncia no interior deste contexto se ampliem em totalidade,
objetiva e subjetivamente.
1.1 Mundializao financeira, neoliberalismo e crise
O capitalismo tem apresentado humanidade novos desafios que reverberam
sobre as dimenses econmica, poltica, ideolgica e cultural da sociedade. Cada vez mais algica paradoxal de sua reproduo se torna evidente, tornando-se ntida a partir do
acirramento do processo de migrao de capital da esfera produtiva para a esfera financeira e
as conseqentes, e recorrentes, crises sistmicas. A mundializao das polticas neoliberais
funcionou como o pilar de sustentao deste modelo que, ancorado na fico do dinheiro que
gera dinheiro, resulta numa acumulao capitalista de natureza predominantemente
financeira2.
O processo de reproduo do capitalismo contemporneo caracteriza-se
fundamentalmente pelo que Chesnais (1999) denominou de mundializao financeirae, mais
tarde, quando do aperfeioamento do conceito, financeirizao (2005), que consiste num
regime de acumulao mundial cujo desenvolvimento delineado por um crescimento veloz
da esfera financeira e pelo papel destacado das maiores instituies financeiras transnacionais,
ambos articulados no contexto poltico caracterizado pelo neoliberalismo.
Este processo tambm recebe outras denominaes, tais como financeirizao da
economia, globalizao financeira, mundializao financeira e regime da acumulao
financeira, todos ressaltando o carter do momento predominante do capital financeiro da
atual fase do capitalismo e vinculando-o de alguma forma ideologia poltica neoliberal.
Fontes (2010) argumenta sobre a necessidade de um conceito mais elstico sobre o capital
2 A inter-relao entre a esfera produtiva e financeira deve ser apreendida num contexto de totalidade dasrelaes sociais de produo a fim de que suas singularidades sejam identificadas na relao com as categorias
particulares e universais. Utiliza-se a relao de momento predominante no mbito de interaes complexas,como desenvolvido por Lukcs (1979), ou seja, a prioridade da categoria universal da produo material eminterao com momentos predominantes particulares de consumo, distribuio e circulao. desta perspectivaque tratamos o processo de acumulao financeira.
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contemporneo e suas crises, capaz de destacar a flexibilidade da expanso imperialista tpica
da constituio histrica capitalista, chegando ao conceito de capital-imperialismo3.
importante frisar que tal dinmica de acumulao tem se intensificado durante
as trs ltimas dcadas, quando se articulou o projeto de fortalecimento do capital privado,
industrial e, sobretudo, financeiro, como tentativa de sanar as dificuldades de valorizao
originadas na esfera produtiva, no qual as polticas de liberalizao e desregulamentao das
economias foram os agentes fundamentais, lanando novas bases para o fluxo de reproduo
do capital em totalidade.
Chesnais (2005, p. 37) esclarece que a acumulao financeira consiste na
centralizao em instituies especializadas de lucros industriais no reinvestidos e de rendas
no consumidas, que tm por encargo valoriz-los sob a forma de aplicao em ativosfinanceiros (...) mantendo-os fora da produo de bens e servios. O autor tambm afirma
(2005, p. 35) que o capital portador de juros busca fazer dinheiro sem sair da esfera
financeira, sob a forma de juros de emprstimos, de dividendos e outros pagamentos
recebidos a ttulo de posse de aes e, enfim, de lucros nascidos de especulao bem
sucedida.
Como em umafantstica fbrica de dinheiro4 pois mesmo que a valorizao do
capital tenha origem direta na esfera da produo, no processo do capital produtor de jurosesta valorizao aparece como se fosse produzida pelo capital-dinheiro o processo de
valorizao ocorre aparentemente de forma independente do processo produtivo sem a
mediao do trabalho e fetichizando as relaes sociais de produo. Lenin (2002) j havia
chamado ateno para a natureza imperialista do capital financeiro, tpica da fase
monopolista, assim como Marx (1985, p. 451- 452):
O capital em sua marcha completa unidade de processo de produo e decirculao, proporcionando por isso determinada mais-valia em perodo
3Segundo a autora (2010, p. 146): As trs caractersticas do capital-imperialismo que assinalamos o predomniodo capital monetrio, expressando a dominao da pura propriedade capitalista e seu impulso avassaladoramenteexpropriador resultaram em modificaes profundas do conjunto da vida social, que atravessam o universo dasempresas, o mundo do trabalho, a forma da organizao poltica, a dinmica da produo cientfica, a cultura;enfim, o conjunto da sociabilidade. No entanto, aprofundam um trao intrnseco, permanente e devastador docapital, desde seus primrdios: sua necessidade imperativa de reproduo ampliada, sua expanso em todas asdimenses da vida social. Neste mesmo trabalho, Fontes polemiza com Harvey (2011) sobre o conceito deacumulao por espoliaoproposto pelo autor em contraposio acumulao por reproduo expandida, quesegundo Fontes carrega diferenas fundamentais se comparado ao tratamento das externalidadesdo capital nobojo de seu conceito de capital-imperialismo, j que a autora utiliza o termo acumulao por expropriao. possvel explorar as teses do autor em Harvey (2011), enquanto o debate terico travado por Fontes (2010) pode
ser acompanhado no Captulo I deste trabalho da autora, uma vez que o aprofundamento desta questo no objeto desta tese.4Conforme termo utilizado por Batista (2007) para caracterizar o processo de valorizao do capital produtor de
juros no setor de servios bancrio brasileiro.
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dado. Na forma do capital produtor de juros, esse resultado aparecediretamente, sem a interveno dos processos de produo e de circulao. Ocapital aparece como fonte misteriosa, autogeradora de juro, aumentando a simesmo. (...) A relao social reduz-se relao de uma coisa, o dinheiro,consigo mesma.
O processo de mundializao financeira ocorre h sculos, quando ainda no
processo de acumulao primitiva de capital, especialmente com as grandes navegaes,
Marx (1981) observou os registros de sistemas primrios de crdito e compra de ttulos dos
governos monrquicos, conforme apontam Moraes e Batista (2012). Porm, nunca antes esta
forma de acumulao fora predominante como agora, conforme demonstram os investimentos
nos chamados ativos futuros, que passaram a circular em aproximadamente 250 trilhes de
dlares em 2005 (a produo total mundial foi ento de apenas 45 trilhes de dlares), comoapontam os dados de Harvey (2011, p. 26).
Inevitavelmente, um mercado descentralizado e desregulamentado de capital
financeiro se consolidou, no qual novas fontes de investimento para o excedente de capital
foram criadas e ampliadas, tais como a privatizao de bens e servios em setores essenciais
como energia, transportes, comunicao, educao, sade e habitao que por sua vez
fortaleceu a especulao, sobretudo imobiliria acompanhada pelo aumento da produo de
bens tecnolgicos, contribuindo para o aprofundamento de uma cultura de massa do
desperdcio e ultraconsumista, alm de estender os limites de precarizao do trabalho, dentre
outras fontes.
A ortodoxia neoliberal cuidou de garantir as bases tericas, polticas e ideolgicas
para que este mercado, propcio financeirizao, se consolidasse com a reestruturao
produtiva da dcada de 1970. Friedrich Hayek, j em 1944, seguido por Milton Friedman e
seus Chicago boys, iniciaram um forte movimento de atualizao da teoria liberal para
evitar que a civilizao da liberdade diga-se o modelo do capital imperialista
embarcasse no projeto keynesiano que marcou o interstcio dos anos 1945-1974. Na verdade,
as tese de Hayek (1990) buscavam barrar o avano da socialdemocracia de vis trabalhista na
Inglaterra afirmando que tal projeto poltico e econmico conduziria ao mesmo erro do
nazismo, o que denominou de servido moderna.
Contudo, o capital passava por um ciclo virtuoso tambm chamado de Perodo
Glorioso de acumulao com altas taxas de crescimento e lucro, possibilitado pelo elevado
ndice de extrao da mais-valia absoluta e relativa que marcou este ciclo de reestruturao
produtiva, sobretudo nas dcadas de 1950 e 1960, ndice este suficiente para financiar o
processo de reproduo social nas palavras de Abreu (2008, p. 184). Ou seja, a explorao
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do capital sobre o trabalho atingiu um nvel em que foi possvel gerar excedente aos
detentores do capital na forma de lucro e ceder s presses dos movimentos sociais
redistribuindo parte deste excedente na forma de salrios e direitos sociais obtidos com o
repasse de impostos ao Estado. Neste contexto, as teses da Sociedade de Mont Plerin grupo
formado por Hayek e demais adversrios polticos e ideolgicos do Estado de bem-estar
europeu e do New Deal norteamericano como Karl Popper, Lionel Robbins, Michael Polanyi,
dentre outros inimigos da socialdemocracia, tanto trabalhista quanto socialista limitaram-
se ao plano terico, como aponta Anderson (1995, p. 9-10).
Apesar de conservar as bases do modo de produo capitalista e sua lgica, o
Perodo Glorioso iniciou uma nova fase para a acumulao e reproduo social do capital, em
que reformas significativas para o movimento popular organizado em partidos, sindicatos,associaes e outras organizaes bem como para o capital, foram levadas adiante. O
Welfare State, como tambm ficou conhecido este interstcio, demonstrou uma grande
inspirao pelo Estado providncia bismarckiano do fim do sculo XIX5e funcionou com o
objetivo de atenuar o descontentamento popular e agitao social que permeavam pases
europeus como Inglaterra, Blgica, Holanda, Dinamarca, Sucia e Noruega desde o primeiro
ps-guerra todos marcados pela tradio de um representativo movimento operrio e por um
Estado liberal que dispunha de excedentes econmicos passveis de serem redistribudos naforma de direitos restituveis conforme argumenta Abreu (2008, p. 171-172).
O autor tambm aponta que esta configurao, guardadas as devidas
particularidades histricas, tambm se deu fora da Europa em pases como Canad, Austrlia
e Nova Zelndia (naes vinculadas ao imperialismo britnico), enquanto em Estados de
industrializao tardia e tradio conservadora no-liberal como Alemanha, ustria e Itlia
no houve condies para que a tendncia do Estado de bem-estar se colocasse antes do
segundo ps-guerra e se desenvolvesse como nos primeiros casos. De forma diferente ocorreunos Estados Unidos e Frana, pois enquanto o primeiro no contava com um forte e
organizado movimento operrio capaz de forar a redistribuio dos lucros capitalistas
auferidos da extrao de mais-valia por meio de pactos sociais, o segundo reproduziu um
pacto conservador apesar da tradio de luta do movimento operrio francs.
5 Tal comparao pressupe que o Welfare State promoveu mudanas sociais em benefcio da classetrabalhadora a fim de frear o movimento comunista. O Estado alemo de Bismarck tambm promoveu ajustes
sociais que visavam melhoramentos para os trabalhadores nesta mesma lgica, de oferecer benefcios queobstaculizassem o crescimento do sindicalismo alemo ento nascente. Para aprofundar esta tese consultar ParteIII (Allemagne) em Hege e Dufour (1992) juntamente ao Cap. I de Brunhoff (1982). Sobre o carter docapitalismo na Alemanha, ver tambm Introduo de Lukcs (1972) e Herf (1990).
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De toda forma, o reconhecimento das classes burguesas dirigentes de que no era
mais inteligente ignorar as necessidades evidenciadas pelos diversos movimentos sociais em
luta contra a opresso econmica, poltica e cultural como o operrio-campons, feminista,
negro e demais setores subalternos reprimidos diante da ofensiva socialista promovida pela
reverberao das conquistas alcanadas pela Revoluo Russa que permitiu que as teses
keynesianas se consolidassem na forma do Estado liberal de bem-estar.
O modelo de produo em massa fordista foi universalizado e combinado com as
tcnicas de administrao cientfica tayloristas, ao passo que foram ampliados diversos
direitos de natureza restitutiva qualificados como proteo social. claro que tais direitos
no foram viabilizados pela benevolncia do Estado, e sim por uma ttica de conter o risco
social representado pelas presses exercidas pelos trabalhadores atravs das lutas sociais porprevidncia social, seguro desemprego, sade pblica, dentre outros direitos, alm da
existncia da URSS que tambm pressionava os Estados capitalistas s polticas de bem-estar
social, o que suavizou temporariamente o conflito inerente relao capital-trabalho.
O Estado keynesiano funcionou como mediador de um pacto conciliatrio6
entre capitalistas e trabalhadores, necessrio para a reconstruo do mundo capitalista
destrudo pelas duas grandes guerras. O Estado arrecadava os impostos, provia e assegurava
certos direitos sociais, o patronato se comprometia com o pagamento dos altos salriosinspirados nos five dollars a day de Henry Ford e os trabalhadores suportavam as pesadas
formas de explorao do trabalho fordistas-tayloristas. At 1973-74 este modelo garantiu um
ciclo virtuoso de crescimento com baixas taxas de desemprego, dando margem inclusive ao
retorno da teoria do pleno emprego das foras produtivas no plano terico econmico.
Na medida em que a produo capitalista se internacionalizava e a concorrncia
imperialista pelos mercados se acirrava, a tentativa de manter os ganhos de produtividade se
chocava com as barreiras protecionistas criadas pelo prprio Perodo Glorioso, da anecessidade de buscar formas alternativas que viabilizassem mais um ciclo de acumulao e
expanso7. A crise deste modelo econmico se completou em 1973, quando praticamente todo
o mundo capitalista entrou em profunda recesso e, pela primeira vez, os senhores do capital
6 A idia de compromisso ou pacto pode ser verificada nas formulaes de Bihr (1998), Braga (1995) eAntunes (2002b), dentre outros.7Antunes (2002, p. 31) aponta que: Como resposta sua prpria crise, iniciou-se um processo de reorganizaodo capital e de seu sistema ideolgico e poltico de dominao, cujos contornos mais evidentes foram o adventodo neoliberalismo, com a privatizao do Estado, a desregulamentao dos direitos do trabalho e a desmontagem
do setor produtivo estatal, da qual a era Thatcher-Reagan foi expresso mais forte; a isso se seguiu tambm umintenso processo de reestruturao da produo e do trabalho, com vistas a dotar o capital do instrumentalnecessrio para tentar repor os patamares de expanso anteriores..
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assistiram ao movimento fatal de baixas taxas de crescimento, combinadas com a consequente
queda da taxa de lucro e aumento da inflao. Neste cenrio de desordem capitalista o
retorno ao liberalismo de mercado ou neoliberalismo pareceu uma alternativa coerente,
da a redefinio do Welfare Statea partir de teses como as de Hayek e sua turma.
O argumento central da Sociedade de Mont Plerin era o de que as razes da
recesso que assolava os pases capitalistas mais representativos decorriam do poder
demasiado dos sindicatos e do movimento operrio que pressionava os salrios juntamente
aos gastos sociais promovidos pelo Estado prejudicando as taxas de crescimento e lucro
capitalistas, que por sua vez desencadeavam o processo inflacionrio que caracterizava a
crise, de acordo com Anderson (1995). Diante de tal diagnstico o coquetel-salvador
tornava-se claro: represso sobre sindicatos e partidos operrios e reduo drstica deimpostos sobre altos rendimentos e gastos do Estado com proteo social.
Uma das teses de Hayek (1990, p. 107) a de que liberdade e igualdade so
premissas opostas e que somente a primeira a liberdade constitui um valor supremo que
deve ser perseguido, enquanto todas as iniciativas e instituies que perseguirem outro valor
que no este ou ainda que questionarem este valor supremo devem ser eliminadas. O autor
no s combate a noo de igualdade como valor como a substitui pela de desigualdade,
segundo ele um mecanismo natural de estmulo s capacidades humanas, e, portanto, dodesenvolvimento social e econmico. O intervencionismo estatal, a justia social e a
igualdade so afrontas liberdade econmica que constitui o requisito prvio de qualquer
outra liberdade.
A essncia do projeto terico e poltico das teses de Hayek est na defesa de um
sistema social organizado a partir do mercado concorrencial, o nico princpio capaz de
garantir a liberdade e regular a sociedade. As nicas tarefas de um Estado verdadeiramente
democrtico, segundo este argumento, so garantir a estrutura para o funcionamento domercado concorrencial e o provimento dos servios que o mercado ainda no dispe,
enquanto as polticas pblicas sociais devem ser utilizadas de forma focalizada e somente
como instrumento emergencial durante os perodos de recomposio do mercado, da a idia
do Estado mnimo8.
8Como afirma Mazzeo (1995, p. 59), (...) utilizando a crise da experincia socialista, a burguesia prope uma
aparente reformulao do Estado, baseada na idia do Estado mnimo. Essa idia que, em seu aspecto formal,tem a proposta de uma estrutura estatal mais gil, constitui-se, de fato, na privatizao de todas as instnciasfundamentais do Estado, coerentemente alojada dentro da viso globalizadora neoliberal, que busca transferir asatribuies do Estado para as grandes corporaes privadas.
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O projeto hayekiano contemplou as bases tericas, polticas e ideolgicas desta
primeira fase do neoliberalismo que foi seguida por pases capitalistas expressivos como
Inglaterra e EUA nas respectivas figuras de Margareth Thatcher em 1979 e Ronald Reagan
em 1980, aps o esgotamento do caminho keynesiano que caracterizou o Perodo Glorioso,
segundo Hayek (1990) o caminho da servido responsvel por desviar os princpios liberais
de seus postulados clssicos.
Anderson (1995, p. 11-12) destaca que ao final da dcada de 1970 outros pases
capitalistas que contavam com um governo social liberal como Alemanha, Dinamarca e quase
todos os pases do norte da Europa ocidental tambm assumiram o programa poltico do
neoliberalismo, mas o modelo ingls foi o mais pioneiro e mais puro. A estabilizao
monetria na Inglaterra foi perseguida por meio da conteno da emisso de moeda, aumentodas taxas de juros, reduo de impostos sobre altos rendimentos, abolio de controle sobre os
fluxos de capital financeiro, privatizao dos setores de habitao, energia, gs e gua. Sem
contar, claro, a nova legislao anti-sindical e o desemprego massivo9.
Nos pases europeus em que coalizes de direita foram eleitas para pr fim ao
modelo do Estado de bem-estar houve um neoliberalismo que Anderson (1995, p. 13)
classificou como mais cauteloso e matizado que as potncias anglo-saxnicas, mantendo a
nfase na disciplina oramentria e nas reformas fiscais, mais do que em cortes brutais degastos sociais ou enfrentamentos deliberados com sindicatos. Outra caracterstica apontada
pelo autor a de que enquanto eram eleitos governos de direita ao norte do continente
europeu, pela primeira vez eram eleitos governos da esquerda socialdemocrata ao sul durante
a dcada de 1980 chamados de eurosocialistas como os de Franois Mitterrand na Frana,
Felipe Gonzlez na Espanha, Mrio Soares em Portugal, dentre outros pases como Grcia e
Itlia.
Todavia, esta caracterstica no assegurou que o programa neoliberal no fosseaplicado por estes governos. Excetuando-se, ainda segundo Anderson (1995), os governos
francs e grego em que houve inicialmente uma tentativa de combinar poltica de deflao e
redistribuio com pleno emprego e proteo social os mercados financeiros internacionais
9O autor distingue o modelo neoliberal ingls do que foi empreendido pelos Estados Unidos, uma vez que quaseno existia um Estado liberal de bem-estar a ser destitudo. Deste modo, o foco do neoliberalismonorteamericano se deu na direo da competio militar com a URSS, enquanto a poltica interna de Reaganreduzia os impostos sobre os altos rendimentos, elevava as taxas de juros e reprimia os movimentos sociais.Entretanto, Anderson (1995) assinala uma diferena crucial entre estes modelos e que mais tarde ser decisivo
para a ecloso da crise sistmica iniciada em 2008 sobre a disciplina oramentria. Ao contrrio de Thatcher, ogoverno de Ronald Reagan gastou somas altssimas com a corrida armamentista, o que ocasionou um dficitpblico enorme.
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foraram o programa neoliberal ortodoxo em todos os pases capitalistas. Tanto que pases
como Austrlia e Nova Zelndia, em que ascenderam sucessivos governos da
socialdemocracia trabalhista, por exemplo, levaram as polticas anti-sociais e fiscais do
modelo ao extremo, desmontando o Estado de bem-estar muito mais completa e ferozmente
do que Thatcher na Inglaterra, como afirma o autor (1995, p. 14).
A tendncia neoliberal triunfou na dcada de 1980 e no revelou somente que as
foras ortodoxas do programa elaborado por Hayek estavam no comando. Mais importante foi
o fato ressaltado por Anderson de que a hegemonia alcanada pelo neoliberalismo se deu no
plano ideolgico, uma vez que pouco importou a tradio socialdemocrata trabalhista ou
socialista dos partidos que assumiram os governos de pases representativos no intercmbio
do capital imperialista. Se na primeira fase o neoliberalismo foi praticado por governos dadireita liberal assumidos, neste segundo momento qualquer governo poderia se autoproclamar
de esquerda e assumir o programa neoliberal sem o menor constrangimento. Conforme
sintetiza o autor (1995, p. 14), o neoliberalismo havia comeado tomando a socialdemocracia
como sua inimiga central (...) provocando uma hostilidade recproca por parte da
socialdemocracia. Depois, os governos socialdemocratas se mostraram os mais resolutos em
aplicar polticas neoliberais.
Como o modelo do Estado de bem-estar estava ancorado materialmente naproduo de excedente proveniente das condies da extrao de mais-valia, que por sua vez
mantinha um nvel adequado s altas taxas de crescimento e lucro e a regulao da reproduo
social, a incapacidade de evitar a queda destas taxas determinou o fim do pacto social
firmado entre capitalistas, trabalhadores e Estado, aprofundando as contradies latentes entre
a gesto do trabalho, a reproduo do capital e da fora de trabalho que, apenas
aparentemente, permaneceram em stand bydurante o Perodo Glorioso.
A ofensiva ortodoxa neoliberal produziu o consenso hegemnico de que areproduo social com bem-estar s era possvel com a expanso capitalista via mercado
concorrencial e reestruturao das formas de gesto do trabalho, o que envolvia a destituio
de direitos sociais concedidos durante o Estado do bem-estar, como parte do sacrifcio de
cada um, e o arrocho das condies de trabalho. Em contrapartida, a euforia capitalista com a
dinmica da especulao financeira assumia propores cada vez mais incontrolveis e a
perspectiva paradisaca da obteno de lucros fceis sem os constrangimentos da esfera
produtiva tornava-se irresistvel10.
10Galbraith (1992, p. 12) explica a natureza dos processos especulativos destacando uma lgica comum entreaqueles observados pelo autor na histria das crises financeiras. Segundo o autor tais processos iniciam-se em
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Costa (2009) chama ateno para o incio dos processos especulativos ocorridos
com a dinmica da acumulao capitalista predominantemente financeira, sobretudo nos
Estados Unidos, e explica como se deu a constituio da chamada nova economia durante a
dcada de 1990. Parte significativa do complexo industrial norteamericano foi transferida para
a sia, Mxico, Amrica Latina e Central em busca de mo-de-obra barata, o que possibilitou
a implantao do monetarismo nestas regies como um gestor poltico do sistema
socioeconmico enquanto o grande capital estadunidense realizava o que o autor denomina de
fuga para frente a partir da estruturao de uma economia de servios ancorada na criao
de riqueza por meio do desenvolvimento do capital fictcio. De acordo com o autor (2009, p.
136), o objetivo era construir um sistema financeiro sofisticado e hierarquizado a partir das
instituies norteamericanas, capaz de capturar parte da mais valia mundial e consolidar asrelaes socioeconmicas mundiais a partir dos interesses dos Estados Unidos.
Contudo, tal reestruturao no ocorreu sem nus para a economia estadunidense
que se viu imersa em um conjunto de problemas estruturais cujos elementos centrais foram o
dficit crescente na balana comercial, a elevao da dvida externa, do endividamento das
famlias e empresas e, principalmente, de um sistema financeiro altamente especulativo. Este
conjunto aliado s polticas neoliberais de reduo de impostos sobre altos rendimentos e os
gastos com a corrida militar travada com a ex-URSS posteriormente transferida para ospases rabes tornaram-se os antecedentes da crise sistmica que atingir boa parte da
economia mundial a partir dos anos 2000.
Seguindo o movimento j prenunciado por Marx (1985) o capital sempre sai em
busca de novas fontes de rentabilidade para restabelecer seu fluxo de acumulao quando as
taxas de lucro e valorizao comear a cair. Como as condies que permitiram o ciclo
virtuoso do capital durante o Perodo Glorioso havia se esgotado e resultado no decrescimento
das taxas de acumulao, o capital realizou seu movimento em busca destas novas fontes. Adesregulamentao financeira que caracterizou o neoliberalismo foi a sada econmica que
viabilizou a dinmica da especulao, aumentando o descolamento entre as esferas produtiva,
de circulao e consumo do fluxo de acumulao.
um setor aleatrio da economia capaz de gerar uma inovao financeira, que por sua vez atrai o capital fictciopara a perspectiva de ganhos fceis, entrando em colapso quando a bolha especulativa desinfla. Nas palavras doautor: Algum acontecimento novo e desejvel toma conta da mente financeira. O preo do objeto daespeculao dispara. Ttulos, terrenos, objetos de arte, ou outros bens adquiridos hoje passam a valer mais
amanh. Este aumento e a esperana de novos aumentos atraem novos compradores; os novos compradoresgarantem novos aumentos. Outros tantos so atrados e outros tantos tambm compram. E o movimento altistacontinua: a especulao alimenta-se de si mesma e confere a si mesma o seu prprio mpeto.
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A despeito de todos os esforos dos gestores do capital para a defesa do livre
mercado concorrencial a expanso da mundializao financeira viabilizada pelo programa
neoliberal trouxe consigo a estagnao do crescimento econmico. Mesmo nos pases
capitalistas centrais as taxas diminuram, juntamente com as de investimento direto na
produo e comrcio internacional. Plihon (1999, p. 100) demonstrou que a taxa de
crescimento mdio anual do PIB dos pases do chamado G711era de 3,6% na dcada de 1970,
2,8% na de 1980 e 2% at a primeira metade nos anos 199012. Em 2009, o comrcio global
internacional teve queda de 1/3, alterando as balanas comerciais de pases exportadores
como Alemanha e Brasil, bem como a de pases produtores de petrleo como Rssia e
Venezuela, que assistiram a uma grande queda de preos, segundo Harvey (2011, p. 13).
Paralelamente, houve o crescimento do desemprego, sendo as taxas de 3,7% nadcada de 1970, 8,8% nos anos 1980 e 9,5% de 1990-95 nos pases do G7, conforme Plihon
(1999, p. 102). Em contrapartida, o autor demonstrou o crescimento vertiginoso das finanas
internacionais em relao esfera real a partir do volume das transaes transnacionais com
ttulos, representado pelo Produto I