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A Iniciação ao sacramento do matrimónio A missão do acompanhador Por Christian Salenson

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A Iniciação ao sacramento do matrimónio A missão do acompanhador

Por Christian Salenson

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Sommaire

«A iniciação ao sacramento do matrimónio» .................................................... 2

A missão do acompanhador .............................................................................. 3

O fim da preparação ....................................................................................... 4

A iniciação ....................................................................................................... 5

Pedagogia da iniciação .................................................................................. 6

A experiência ............................................................................................... 6

A leitura das Escrituras ............................................................................... 8

Os ritos ......................................................................................................... 8

O Cristo iniciador ............................................................................................ 9

Um mistério que se declina em quatro pilares ............................................. 10

O lugar dos acompanhadores ...................................................................... 12

Iniciar-se a si mesmo................................................................................. 12

O que é acompanhar ? disposições … ........................................................ 13

A oportunidade da missão ............................................................................ 15

«A iniciação ao sacramento do matrimónio»

…………………………………….por Christian Salenson Se a preparação para o matrimónio, como diz o papa Francisco « não consiste em expor-lhes o catecismo nem em saturá-los com demasiados temas, pois não é o facto de saber muito que enche e satisfaz a alma mas o facto de saborear as coisas interiormente », qual é então a atitude pedida aos animadores para desenvolver uma pedagogia apropriada?

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A missão do acompanhador

Qual é a missão de um animador num CPM ? Tal é a pergunta que nos é colocada e à qual devemos tentar responder. Para isso dispomos de um bem precioso que é a vossa experiência. De uma certa maneira já respondeis a esta questão. Assim, procuraremos compreender e provar o que vós viveis, entender o seu sentido e isto deveria permitir a cada um enriquecer e/ou renovar o seu caminho.

Dispomos também da longa tradição da Igreja e também da reflexão recente de toda a Igreja, não apenas dos bispos e dos teólogos mas também dos fiéis de Cristo leigos, homens e mulheres que, durante os dois anos sinodais, puderam exprimir-se sobre estas questões que lhes são tão próximas. Dispomos de dois sínodos que balizaram o início dum caminho de conversão da Igreja para uma maior fidelidade à sua missão de guardiã do mistério da família e para ser um testemunho mais corajoso da misericórdia. Temos finalmente à nossa disposição a exortação apostólica do papa Francisco : Amoris Laetitia, a alegria do amor como se traduz em português corrente mas que literalmente se poderia traduzir por « a vivacidade do amor », título que exprimiria ainda melhor a alegria espiritual na leveza do Espírito Santo.

E acima de tudo, mais do que a reflexão da Igreja, dispomos do Evangelho que estará sempre acima do que a Igreja entende hoje em dia, acima das suas práticas e das suas disciplinas até ao dia em que « o Espírito nos terá conduzido à verdade total1 ». Que significa ser um animador num centro de preparação para o matrimónio ? Os organizadores deste colóquio desejaram que se respondesse a esta questão tendo em vista a responsabilidade da evangelização. Devemos antes de mais levantar uma ambiguidade em torno do termo evangelização2. Este termo designa duas coisas : se for no sentido restrito e muito recente, a evangelização designa o anúncio explícito de Cristo3 ; se for no sentido clássico mais alargado, a evangelização designa o conjunto da missão da Igreja. O anúncio profético4, faz parte da missão da Igreja mas nem mais nem menos do que a missão sacerdotal de louvor, de adoração e de intercessão. A Igreja recebeu a missão de rezar « pela glória de Deus e a salvação do mundo ». O anúncio profético faz parte da missão da Igreja do mesmo modo que a missão real de transformação do mundo na justiça, sobre a qual em última análise se joga o julgamento final da missão : « tive fome e destes-me

1 Jo 16, 7. 2 Dictionnaire œcuménique de missiologie, Cerf, Labor et Fides, 2001, art. Évangélisaion, p. 125. Paul VI, encyclique Evangelii Nuntiandi, nº 18. 3 Este termo, nesta acepção restrita, impôs-se sob a influência do pentecostismo protestante e católico. 4 O anúncio faz parte da função profética da Igreja a qual, com a função sacerdotal e a função real, é uma das três funções da missão da Igreja.

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de comer …5 ». Evitaremos, pois, sacrificar a uma deriva frequente do nosso tempo e a reduzir este termo ao seu sentido restrito de anúncio explícito.

O que é então evangelizar para um animador num CPM ? Para responder a esta pergunta, tentaremos primeiro dizer em que consiste a preparação para o matrimónio, a sua finalidade e o seu conteúdo e depois, num segundo momento, interrogar-nos-emos sobre as atitudes apostólicas e pastorais dos que acompanham os casais com vista ao sacramento do matrimónio.

O fim da preparação

Não nos devemos equivocar sobre a finalidade da preparação para o

matrimónio. Digamo-lo claramente ! Nós não preparamos noivos para a celebração do matrimónio ! Nós preparamo-los para o matrimónio. Não os preparamos para receber um rito sacramental, preparamo-los para viver um sacramento, quer dizer, para viver o matrimónio como cristãos. Com efeito, um sacramento não é apenas o ritual no qual é celebrado ! O sacramento do matrimónio é o ritual sacramental celebrado no dia do matrimónio, e também a realidade duma vida de casal vivida no dia-a-dia e enfim o mistério de aliança que está presente na vida e é revelado no ritual. Qual é o mistério do matrimónio ? De que é feito este mistério de encontro e de aliança entre um homem e uma mulher que se dão um ao outro para toda a vida ? De que é feito este mistério de fecundidade do qual os filhos são certamente o sinal privilegiado mas não o único ? Se preparássemos casais unicamente para viver um rito sacramental, então é provável que isso terminasse na noite do primeiro dia. Assim, mesmo a preparação específica da celebração não teria outro fim senão introduzir a esta realidade a longo prazo e ao seu mistério divino… Podemos aliás perguntar-nos se a palavra « preparação » é conveniente para designar este tempo de encontro com casais : pode induzir em erro e é provavelmente uma palavra pouco forte face ao objectivo perseguido.

Como fazer para introduzir os casais no mistério do matrimónio ? Um dos meios poderia consistir em ministrar ensinamentos. Com efeito ouvimos muitas vezes dizer, sob a forma de “jeremíadas” – talvez vós mesmos num dia sombrio tenhais sacrificado a estas lamentações ? - que os jovens de hoje não sabem nada. Sossegai, cada geração disse a mesma coisa da geração precedente ! Pessoalmente a minha fé no Espírito diz o contrário ! A preparação para o matrimónio seria então uma boa ocasião para lhes dar catequese e lhes ensinar a fé, salvo que isto nem é o que eles nos pedem, nem o fim da preparação para o sacramento do matrimónio, nem o que pede a Igreja ! Cito a exortação apostólica Amoris Laetitia : « Não se trata de lhes

5 Mt 25, 42.

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expor o Catecismo nem de os saturar com demasiados temas ». E o papa prossegue com o sentido pastoral que lhe conhecemos « porque não é o facto de saber muito que enche e satisfaz a alma mas o facto de sentir e de saborear interiormente as coisas6 ». A preparação para o matrimónio não consiste pois em ensinar o catecismo mas em sentir e em saborear o mistério de amor que une dois seres até à sua profundidade divina… O fim é « uma iniciação ao sacramento do matrimónio que lhes traga os elementos necessários para poder recebê-lo com as melhores disposições e começar com uma certa determinação a vida familiar ».

Retenhamos a fórmula : o fim é « a iniciação ao sacramento do matrimónio ». O papa falou de iniciação. Não fala nem de formação, nem de ensino, nem de catequese, nem de preparação mas de iniciação. Esta palavra não está lá por acaso. Assim o fim dos CPM seria uma iniciação ao sacramento do matrimónio.

A iniciação

Etimologicamente : ser iniciado é ser posto a caminho. Em pedagogia7, a iniciação é um modo de transmissão dos conhecimentos. Quando se quer transmitir qualquer coisa a alguém, pode-se-lhe propor uma aprendizagem. Aquele que aprende pelo modo de aprendizagem – a condução automóvel, por exemplo – exercita-se com um formador. Alguns conhecimentos só se adquirem pelo modo de aprendizagem. Outros aprendem-se pelo ensino. O mestre ensina o aluno que escuta, memoriza e constrói o seu saber. Outras coisas só se aprendem pela iniciação. É-se iniciado na pintura, na música, nas artes em geral. Pode-se praticar a pintura mas não é suficiente. Pode-se aprender a história da pintura mas também não é suficiente. É preciso ter-se sido iniciado a apreciar um quadro ou uma obra de arte… A iniciação é o modo de transmissão que corresponde melhor à descoberta das artes, mas também da fé cristã8.

Com efeito, quando alguém pede para ser introduzido na fé cristã, é-lhe proposto um percurso de iniciação9. O catecumenato é uma iniciação à fé cristã. É feito segundo uma pedagogia que se chama a pedagogia da iniciação10: « Uma pedagogia que se baseia na iniciação é uma diligência que procura reunir as condições favoráveis para ajudar as pessoas a deixarem-se

6 Papa Francisco, Amoris Lætitia, nº 207, citação de Inácio de Loyola, exercícios espirituais, anotação 2. 7 Fala-se também de iniciação em etnologia, em particular a propósito dos ritos de passagem pelos quais os jovens adultos evoluem da idade indiferenciada da infância à pertença ao mundo dos adultos, particularmente para os rapazes. Van Gennep, Les rites du passage, Paris, 1909, 1981. 8 A linguagem das artes e a linguagem religiosa são uma e outra linguagens simbólicas. Sobre este assunto, Paul Tillich, Théologie de la culture, Denoël, p. 67 e s. 9 Ritual de Iniciação Cristã dos Adultos. 10 Sobre esta questão reportar-nos-emos ao texte national de l’orientation de la catéchèse en France que é rico numa bela reflexão muito pouco conhecida e inspirada pelo le directiore de la catéchèse.

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iniciar por Deus que a elas se comunica »11. A iniciação faz-se pelos sacramentos, ditos de iniciação cristã, que são o baptismo, a confirmação e a eucaristia. Quando o papa fala de iniciação ao sacramento do matrimónio, estabelece pois uma ligação com os sacramentos da iniciação cristã. A preparação para o matrimónio seria, duma certa maneira, o catecumenato do matrimónio. Contrariamente a uma deriva frequente, o catecumenato não é o tempo da aquisição de conhecimentos mas de alguma forma o noviciado da existência cristã no decurso do qual o catecúmeno aprende a abrir as Escrituras, a estabelecer uma relação pessoal com Cristo, a viver um caminho de conversão. Da mesma forma que se é iniciado na fé cristã pelos sacramentos da iniciação cristã, é-se iniciado no matrimónio pelo sacramento do matrimónio. Mas devemo-nos perguntar agora em que consiste a iniciação.

Pedagogia da iniciação

A iniciação ao matrimónio tem por fim entrar no mistério da aliança duma vida de casal. A iniciação como método de transmissão – e é uma das suas características – faz apelo não só à razão mas a toda a pessoa, o seu corpo e o seu espírito, a sua sensibilidade e a sua inteligência, as suas emoções e os seus conhecimentos. Do mesmo modo que aquele que é iniciado na música sentiu, nalgumas ocasiões, até no seu corpo, um fragmento de música e entreviu a sua beleza intangível, aquele que é iniciado no sacramento do matrimónio provou em certos momentos a profundidade divina do amor. Saboreou o seu sentido divino. Não basta comprometer-se no matrimónio, é preciso ter apercebido parcialmente a sua profundidade oculta.

A experiência

A iniciação faz apelo à experiência. Esta é uma condição necessária. Na preparação para o matrimónio, a experiência é convocada. Ela tem necessidade de se dizer. Com efeito, Deus revela-se na história concreta dos homens. Ele próprio fala através de sinais, de encontros, de acontecimentos12 . Quando o amor irrompe entre dois seres humanos, Deus está presente. Ubi Caritas et amor Deus ibi est13 ! « Onde há caridade e amor, Deus está presente ». Mas para que esta história se torne e seja reconhecida como uma história santa, ela tem necessidade de ser lida e relida, de tomar forma numa narrativa. Não há iniciação sem releitura da experiência. Não há evangelização sem relato da história vivida. A preparação para o matrimónio deve permitir e acompanhar esta releitura, em particular dando alguns pontos de atenção para estruturar esta releitura.

11 Texte national, p. 65. 12 A fé na revelação que Deus faz de si mesmo é decisiva para os fundamentos conciliares da teologia da missão. Alguns teólogos desenvolveram-na. Podemos citar, entre outros, Karl Rahner, que qualifica esta revelação de autocomunicação de Deus, Traité fondamental de la foi, Centurion, p. 139. 13 Hino litúrgico cristão muito antigo.

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Convidar-se-á a prestar uma atenção particular a tudo o que, nesta história, veio apanhá-los de surpresa. Poder-se-á aí reconhecer com eles um sinal da graça, um presente que lhes é dado. Prestar-se-á uma atenção particular a tudo o que os transformou, por vezes vindo perturbar a sua vida. Encorajá-los-emos a actualizar carências ou feridas pessoais. A exortação apostólica chama a nossa atenção para este ponto. Convém com efeito não tapar os olhos perante fragilidades para que possa germinar no seu seio uma novidade de vida. O amor desmascara as fragilidades, tanto as alheias como as próprias. Devemos relativizá-las rapidamente ou silenciá-las quando fazem apelo a uma tomada em conta pessoal e comum. As dificuldades dum casal, por vezes a sua ruptura, provêem mais frequentemente das feridas escondidas de um ou do outro que da própria vida do casal.

Na releitura desta experiência, poder-se-á voltar ao consentimento que eles se vão dar um ao outro. Como surgiu o sim que eles aprendem a dizer-se mutuamente ? Quais são as resistências, os receios, as dúvidas ? Mas também que experiência retiram da força deste consentimento mútuo, do seu poder transformador para cada um e para o próprio casal…

Ao contrário de uma ideia largamente espalhada, e apesar das correntes de pensamento que ao longo da história e ainda hoje desconfiaram da sexualidade14, o corpo e a sexualidade na revelação cristã não são desprezados. Pelo contrário, como diz Péguy, só o que é carnal é espiritual15 . A linguagem do corpo e da sexualidade celebra o que só as palavras não poderiam enunciar do próprio mistério da aliança. O direito faz da consumação do matrimónio uma condição necessária para a sua validade. Não se trata somente do enunciado duma norma jurídica mas também duma afirmação de fé. O dom mútuo dos corpos, inseparável do sim do consentimento, é constitutivo do acto mesmo da celebração do matrimónio. E o que é inaugurado sacramentalmente no dia do matrimónio tem vocação para se inscrever na história do casal como celebração actualizada. A linguagem do corpo é « a continuidade ininterrupta da linguagem litúrgica » pela qual « a vida conjugal se torna num certo sentido liturgia »16 , como diz a exortação apostólica. O corpo é o símbolo fundamental de toda a pessoa humana, ele completa-se no dom: « oferecei os vossos corpos, eis o verdadeiro culto17 » diz Paulo. O sentido desta oferta, vivida e celebrada no matrimónio, está representado em toda a celebração eucarística e retomada na oferenda de Cristo: « Tomai, isto é o mau corpo ».

14 Desde a segunda geração cristã, Paulo deve chamar os cristãos à moderação na continência conjugal e combater o encratismo dos Coríntios, Peter Brown, Le renoncement à la chair, virginité, célibat et continence dans le christianisme primitif, NRF Gallimard, 1995. 15 Charles Péguy, Eve, Œuvres poétiques complètes, La Pléiade, Gallimard, édition de 1975, p. 1041. 16 João Paulo II, catequese, 4 de Julho de 1984, citado na Amoris Lætitia, nº 215. 17 Rm 12, 1.

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A leitura das Escrituras Se o regresso à experiência é uma necessidade, não é contudo

suficiente. É preciso também « abrir as Escrituras18 ». Esta expressão é utilizada no Evangelho de Lucas para caracterizar a pedagogia de Jesus com os discípulos de Emaús19 . Compete ao acompanhador propor a leitura de passagens das Escrituras. Como se lê a vida, lêem-se as Escrituras. Elas não pertencem ao acompanhador, nem mesmo à Igreja ! Elas estão vocacionadas para se tornarem Palavra de Deus. As suas interpretações são múltiplas e ninguém pode ler os textos no lugar dos noivos. Convém deixá-los ler, familiarizarem-se com um texto e dizerem o que compreendem. Por vezes será necessário, mas somente num segundo momento, à semelhança do diácono Filipe com o funcionário etíope nos Actos dos Apóstolos, completar esta leitura, ou dar-lhe algumas pistas20.

O acompanhador que abre as Escrituras acredita que estas Escrituras são santas. Sabe por experiência que elas estão vocacionadas para se tornarem Palavra para aquele que se dispõe a escutá-las. Sabe que estas Escrituras santas não estão ao mesmo nível da sua palavra pessoal. Não pode reduzir a sua interpretação ao que ele compreendeu delas nesse dia. Acredita que Deus fala através das Escrituras e tem fé nesta Palavra. Não a domina. Muitas vezes mesmo a sua fecundidade permanecerá escondida aos seus olhos, mas tem fé que esta palavra não retorne a Deus sem ter pouco ou muito fecundado a terra21 .

Os ritos

Por fim, no tempo de preparação para o matrimónio é importante rezar juntos e celebrar. Os tempos de celebração vêm enriquecer a releitura da experiência e a abertura das Escrituras. Nada pode substituir a linguagem dos ritos e dos símbolos. Nas breves e significativas celebrações podem-se viver aspectos essenciais da iniciação ao mistério da aliança fecunda do matrimónio. Provavelmente falta-nos confiança na linguagem da ritualidade, há demasiado tempo suspeita ou prisioneira do ritualismo. Nós estamos em deficit de criatividade para propor tempos de celebração específicos. Os ritos dão o sentido. Para desencriptar este sentido, a antiga tradição da Igreja que redescobrimos hoje recusava explicá-los antes da celebração. Este tempo de comentários dos ritos tinha lugar após a celebração, após ter feito a sua experiência. O ritual da iniciação cristã revestiu este último tempo de iniciação, retomando o mesmo termo usado na antiguidade cristã, a mistagogia. Provavelmente falta-nos a imaginação para inventar tempos de encontro pós-celebração do matrimónio que inauguraria um eventual acompanhamento dos

18 Podemo-nos referir com proveito ao que diz o Texte national pour l’orientation de la catéchèse en France sobre o gesto de abrir as Escrituras, p. 50-51. « A meditação dum texto bíblico alimenta a experiência do diálogo que Deus não cessa de querer estabelecer com os homens ». 19 Lc 24, 27. 20 Actos dos Apóstolos, 8, 24-40. 21 Isaías, 55, 11.

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primeiros anos de matrimónio. A pedagogia da iniciação nunca está acabada. Ela vai « de começo em começo como os começos que não têm fim22 », segundo a bela expressão de Gregório de Niceia.

A releitura da experiência, a sós ou em grupo, a leitura das Escrituras e os tempos de celebração podem tomar formas diversas nos tempos do CPM, segundo a variedade dos grupos mas são os três tempos incontornáveis de toda a iniciação cristã em geral e da iniciação ao sacramento do matrimónio em particular.

O Cristo iniciador

Quando acompanhamos, temos a preocupação de nos colocarmos no lugar certo. Não somos nós que trazemos Cristo. Deus revela-se a Si mesmo, como quer e quando quer, no íntimo das pessoas. O concílio Vaticano II enunciou-o com veemência : « agradou a Deus revelar-Se a Si mesmo e falar aos homens como a amigos23 ». Toda a pastoral que não integrou este enunciado de fé perde-se no voluntarismo, no desgaste dos seus agentes e no fruto amargo do desespero. A bem dizer, participamos na iniciação mas o único iniciador é Cristo no segredo da revelação. Ele é O caminho. Ele está no caminho do encontro de dois seres que se amam, como o Ressuscitado acompanha os discípulos de Emaús sem que eles saibam. Ele fala ao coração dos homens, está presente nas relações, está no amor que dois seres dão um ao outro, porque « Deus é amor24 ». Ninguém faz a experiência perturbante de um amor humano sem fazer a experiência de Deus. Como diz de uma forma tão bela Martin Buber, filósofo judeu, « Quando um homem e uma mulher se amam, o sopro das colinas eternas envolve-os25 ».

Talvez os noivos não tenham palavras para o dizer. Talvez a sua representação de Deus esteja desfigurada ao ponto de os impedir de reconhecer o Seu rosto. Mas, como diz Martin Buber, « aquele que tem horror a este nome e que se julga sem Deus, no dia em que, no impulso de todo o seu ser, se dirige ao Tu da sua vida, a esse Tu que ninguém pode limitar, esse invoca Deus26 » . As pessoas hoje em dia preferem frequentemente outras invocações ao nome de Deus. Se o nome de Deus é único, inúmeras são as palavras para O designar. Compreendo ainda Julie que depois de me ter contado as suas dúvidas sobre Deus, confessa perante mim com entusiasmo que o que ela vivia com o seu companheiro era verdadeiramente divino ! Como acompanhadores, aprendemos esta linguagem não convencional da fé que aprendemos a decifrar.

22 Gregório de Niceia, Hoimilia sobre o Cântico dos Cânticos, 8. 23 Constituição dogmática Dei Verbum, nº 2. 24 1 Jo 4, 7-10. 25 Martin Buber, Je et Tu, dans La vie en dialogue, Aubier, p. 77. 26 Martin Biber, p. 58.

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Estamos aqui no âmago do mistério de Cristo. Santo Agostinho diz que na vida, « não há outro mistério senão o mistério de Cristo27 » . O que é o mistério de Cristo verdadeiro homem e verdadeiro Deus ? O mistério de Cristo é o mistério da união do humano e do divino. Designa a presença do divino no humano, do humano no divino. Compreendemos então que a experiência humana do amor entre dois seres e da sua fecundidade é, no seu carácter incondicional, a própria experiência de Cristo. O mistério de Cristo é o mistério divino do amor humano.

Um mistério que se declina em quatro pilares

Este mistério aprofunda-se através do que se costuma chamar os quatro pilares, a saber: a liberdade, a indissolubilidade, a fecundidade, a fidelidade… Mas nenhum deve ser reduzido a uma condição jurídica de validade do matrimónio, nem conduzido a um simples compromisso. Cada um designa um aspecto do mistério de Deus connosco, do mistério da aliança de Deus que ocorre no âmago da relação conjugal e que se vai descobrir porque « cada matrimónio é uma história de salvação » na qual cada um aprende a viver com os próprios limites e os limites do outro. Não são ideais inacessíveis. A liberdade, a indissolubilidade, a fecundidade e a fidelidade são menos pilares sólidos ou bens que se possuiria e que seria necessário conservar do que caminhos a percorrer de mão dada.

O primeiro deles é a liberdade. A liberdade não é apenas a ausência de constrangimentos exteriores ou interiores que tornariam o matrimónio inválido. Sendo a liberdade uma das condições do amor e do compromisso, o matrimónio tem vocação para permitir a cada um crescer em liberdade. Deus revelou-se na História como aquele que liberta o seu povo e que oferece a cada um viver na liberdade dos filhos de Deus. A liberdade é um caminho que se percorre do Egipto da servidão à terra prometida a cada um. A liberdade adquire-se. É uma experiência espiritual. Passa por muitos combates. A liberdade não é nem um dado adquirido, nem um estado. É o dom duma conquista. O casal tem vocação para ajudar cada um num trabalho de libertação dos seus entraves interiores herdados das carências afectivas duma educação, dos acidentes da vida, ou das feridas que ele próprio se infligiu nos desvios anteriores. Quanto mais alguém cresce na liberdade mais é capaz de amar. Por receio que a liberdade seja mal compreendida, como uma espécie de livre-arbítrio, inconsistente, não se diz talvez suficientemente que a liberdade é um dos fins do matrimónio porque um dos fins da vida cristã consiste em tornar-se homens e mulheres livres. Como diz São Paulo na carta aos Gálatas, « Cristo libertou-vos para que sejais verdadeiramente livres28 ». Esta libertação recebe-se por um lado na relação com o outro e esta liberdade

27 Santo Agostinho, epístola 187. 28 Gálatas 5, 1.

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vive-se sob a sua guarda e sob o seu olhar. Por vezes, pelo contrário, ela viver-se-á numa resistência e num combate relativamente a formas degradadas da vida do casal. Poder-se-ia dizer coisas semelhantes para a fidelidade. Ela não é um estado que fosse necessário conservar mas uma longa aprendizagem. A fidelidade não se limita ao facto de não existirem aventuras extraconjugais. Pode-se ser perfeitamente infiéis sem isso ! As amantes e os amantes podem tomar toda a espécie de rostos. Pode-se ser perfeitamente infiel ao outro sacrificando demasiado à sua empresa, ao seu trabalho ou mesmo aos seus filhos. Ela tem então bons álibis, incluindo aos seus próprios olhos! A fidelidade não se define pela ausência de infidelidade sexual mas caracteriza positivamente o conjunto da relação. Como indica a etimologia, ela é da ordem da fé. É a fé vivida no outro, cada dia renovada e é também a experiência de se receber a fé do outro e a sua confiança. Não se é fiel, torna-se fiel. Torna-se fiel numa partilha constante, numa fé mútua repetidamente dada, num olhar sobre o outro que lhe permita crescer e desdobrar-se. E por vezes será preciso continuar a acreditar nela e a esperar contra toda a esperança… Será ainda fidelidade. A aceitação de gerar filhos faz parte das condições jurídicas da validade do matrimónio mas não tem em conta o mistério da fecundidade. Porque não basta aceitar ter filhos e de se interrogar sobre a paternidade/maternidade responsável. O conjunto da vida do casal é chamado à fecundidade. O matrimónio faz experimentar este estranho mistério da fecundidade. Ninguém é fecundo sozinho. A fecundidade não é a eficácia. Na fecundidade o contributo pessoal não é suficiente. Ela depende também do outro e vive-se através do outro. É mesmo preciso renunciar a si mesmo para que uma fecundidade seja possível. A concepção dos filhos é o símbolo por excelência da fecundidade dum casal. Mas casais que não tenham filhos podem também ser fecundos. A totalidade da vida conjugal é chamada a ser vivida num registo de fecundidade. Um entrega-se ao outro e recebe de e pelo outro a força de que necessita para realizar a sua vocação única. Este laço que dois seres estão em vias de contrair e que se enriquecerá pela sua fecundidade, é indissolúvel. O que ensina a Igreja encerra finalmente uma constatação da experiência. Quando um homem e uma mulher se amam, contraem uma aliança, trazem ao mundo filhos, o laço que contraem é indissolúvel e seria mesmo uma ilusão acreditar que pudesse ser dissolvido. Mesmo se esse laço devesse ser quebrado um dia, ficaria sempre presente porque não se apaga a história entre dois seres, gravada na carne, selada na fecundidade. Este laço não é solúvel, mesmo quando tudo é feito para o esquecer. Ninguém refaz jamais a sua vida. Porque dois seres que se amam escrevem através do seu corpo uma história indelével que mesmo a morte não

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pode apagar. Eis porque é que cada um vela para que este laço não se rompa mas que ao longo dos anos se torne mais sólido. Temos necessidade de não coisificar estes grandes eixos que atravessam uma vida de casal e de família e de os agarrar simultaneamente no movimento evolutivo da existência concreta e sobre o horizonte infinito da vida divina. Convém ao mesmo tempo não os idealizar porque « uma das causas que conduzem a rupturas matrimoniais é ter expectativas demasiado elevadas sobre a vida conjugal29 ».

O lugar dos acompanhadores

Mas então o que fazem os acompanhadores ? Nem vós, nem eu, somos

detentores dum saber sobre o matrimónio e ainda menos sobre o mistério do amor. Em verdade, o que é que compreendemos do mistério do amor, do mistério da fidelidade, do mistério da fecundidade, etc.? Nós entrevimo-lo e provámos dele e a nossa alegria é grande. Mas saberíamos darmo-nos conta dele ou comunicá-lo ? Felizmente não é isso que nos é pedido. Deus revela-se a Si mesmo30 . Só Deus actua na profundidade das existências e na originalidade de itinerários pessoais que nos surpreenderão sempre porque cada um é único e única é também a relação de Deus com ele. E se a pessoa não conhece Deus, ou mais exactamente não O reconhece, Deus conhece-o há muito tempo. Então o que fazem os acompanhadores ? Criam « as condições favoráveis31 » para que a acção de Deus na vida dos casais e das pessoas se manifeste, para que o que está latente venha ao de cima, pois « não há nada escondido que não deva tornar-se visível ». Permite à vida ser dita, abre as Escrituras, convida a celebrar…

Iniciar-se a si mesmo

Para participar nesta iniciação no nosso modesto lugar, foi preciso ter-se iniciado a si mesmo. Foi preciso ter sido deslumbrado pelo que nos aconteceu. Foi preciso sentir-se interpelado perante o mistério do encontro com o outro, ter sido abanado e transformado, ter conhecido felicidades imensas, ter feito a experiência do perdão… Contudo, a experiência pessoal e os conhecimentos sobre o ensino da Igreja a respeito do matrimónio não chegam. Esquecendo o caminho percorrido, de acordo com as recomendações de Jesus aos seus apóstolos de todos os tempos, é preciso pegar no cajado de peregrino, sem nada levar para o caminho, entrar na casa do outro a seu convite e acompanhar este casal onde ele está, com as suas alegrias e também os seus medos, na ambivalência irredutível de todas as

29 Amoris Lætitia, nº 221. 30 Concílio Vaticano II, Constituição dogmática, A revelação divina, Dei verbum, nº 2. 31 Texto nacional sobre a catequese em frança.

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relações e na ambiguidade à sombra da qual o espírito abre32. A experiência matrimonial do acompanhador é necessária. Eis porque há um lugar único para os cristãos leigos neste trabalho de iniciação ao sacramento do matrimónio33. Os conhecimentos são úteis e a preparação dos encontros indispensável mas o encontro permanecerá sempre único. Como sabeis, nos encontros com os noivos, as coisas nunca acontecem como previsto. O apostolado e a pastoral nunca são programáveis! A iniciação de alguém faz-se caminhando. O próprio Jesus deu-se ao trabalho de caminhar longamente ao lado dos discípulos de Emaús para os iniciar no mistério pascal34 . Aquele que acompanha não começa por dizer o que sabe mas por interrogar e dar a palavra ao outro : « de que faláveis no caminho ? ». O que é que vos aconteceu ? Ele refaz o caminho com cada um e certamente o caminho não voltará a ser o mesmo.

A preparação para o matrimónio faz com que o próprio acompanhador compreenda que não está ainda totalmente iniciado pois entre o que ele entrevê hoje do matrimónio através da sua experiência conjugal e parental e o mistério de amor que é o próprio Deus, há caminho a percorrer ! Ninguém mediu ainda o comprimento, a largura, a altura e a profundidade do amor de Deus35 … Certamente que provámos dele e isso teve por consequência atiçar ainda mais a nossa sede, e nós acreditámos nele… é por isso que nós falamos36 ! Mas nós recebemos apenas o sinal e aspiramos à sua plenitude.

O que é acompanhar ? disposições …

Eis porque somos humildes ! Mais do que modestos, humildes ! Deus é

humilde. Ele tomou a nossa humanidade. Humus, humildade e humanidade têm a mesma etimologia. Estamos nos encontros com a nossa humanidade e estamos prontos a fazer uma caminhada. Àquele que nos pede para caminhar uma milha com ele estamos prontos a caminhar duas … porque a mesma sede conduz-nos ao mesmo poço.

O acompanhador não está lá em nome próprio ainda que esteja totalmente ele mesmo. Está em situação eclesial. Não se autoproclamou mas, em princípio, foi chamado para trazer a sua contribuição. Exerce uma responsabilidade pastoral e por isso gasta tempo para se formar, para reler a sua experiência na fé, para ler as Escrituras. Quando Jesus envia os discípulos, envia-os dois a dois. Em situação eclesial, o acompanhador vive a sua responsabilidade em casal e também em relação com outros casais.

32 Paul Tillich. 33 O papa Francisco diz também com audácia e novidade que há uma palavra a receber dos padres casados católicos de tradição oriental. 34 Lc 24, 13-35. 35 Efésios 3, 19. 36 2 Cor 4, 13.

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Para acompanhar é preciso a fé viva e não somente crenças, porque se

acompanha na e pela fé viva. Não se pode estigmatizar casais dizendo que não sabem nada ! Quem dissesse isso confessaria secretamente a sua falta de fé e a sua incapacidade para reconhecer em todos esses outros a presença que os habita. O acompanhador crê que Deus fala e que Ele é Amor. Tem fé nesse homem e nessa mulher que se amam. Acredita que eles fazem a experiência humana do amor divino. O acompanhador crê no Espírito que é como o vento, que sopra quando quer e onde quer37 e que pode suscitar uma infinidade de caminhos variados, por vezes mesmo um pouco estranhos. Por isso ele não tem nenhuma pretensão para balizar uma única maneira de viver mas permanece aberto para o imprevisível do Espírito.

O acompanhador é um homem/mulher que acompanha na liberdade. Parte ao encontro sem saber o que se vai passar. Fiel ao ensinamento de Jesus, « não leva nada para o caminho38 ». Tudo o que aprendeu até esse dia, o que leu do ensinamento da Igreja, a sua própria experiência, tudo isso o alimenta mas ele não procura dizer a todo o custo o que sabe ou o que julga ter compreendido. Não leva nada para o caminho para estar livre no encontro com o outro, com estes casais que ainda não conhece.

O acompanhador acredita que o Espírito não esperou por si. Sabe que existe uma relação vital entre Cristo e cada pessoa, mesmo quando as pessoas não têm disso consciência. Por isso avança com respeito. Tal Moisés perante o fogo do amor no sinal da sarça ardente, tem o cuidado de descalçar as sandálias porque também ele ouve dizer perante a vida das pessoas : « o lugar em que estás é uma terra santa39 ». A terra duma existência humana não se devassa, entra-se nela com precaução, ao ritmo das portas que o outro deseja abrir. À semelhança do diácono Filipe, é preciso que o outro vos faça entrar no seu carro.

Esta disposição de fundo não conduz o acompanhador a uma escuta silenciosa. Esta escuta não é a de um psicólogo mudo mas de uma testemunha da fé. Como Jesus com os discípulos de Emaús, depois de ter escutado o relato dos discípulos, toma a palavra e diz o que escutou à luz da sua fé, alimentada pela sua experiência.

Todo o acompanhamento pastoral tem vocação para ser espiritual. Para

isso é bom não começar um encontro, uma jornada de formação, sem que o acompanhador tenha tido tempo para se colocar nesta disposição espiritual, só ou em casal. Convirá da mesma maneira que no final do encontro recolha no silêncio o que viu e ouviu e que o inclua numa oração confiante.

37 Jo 3, 8. 38 Lc 10, 1-12. 39 Êxodo 3, 5.

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A oportunidade da missão

São Paulo diz: « Ai de mim se eu não evangelizar40 ». Curiosamente

sempre ouvi esta frase na sua versão positiva e traduzo espontaneamente: « Que felicidade para mim anunciar o Evangelho ! » Conheço por experiência a alegria da missão. A alegria do apóstolo não tem nada de ingénua. Cada um sabe que um grupo se pode revelar complicado, que ele próprio pode ter apreensões ou receios antes de um encontro, que a vida que é partilhada pode ser atravessada por provas duras… tudo isto não retira nada a uma alegria mais profunda.

Há uma condição prévia: não podemos reivindicar nada para nós

próprios em termos de competências ou de eficácia. Os apóstolos e os pastores não são gerentes, mesmo se a tentação é forte neste momento na Igreja! Isto faz parte das condições da felicidade apostólica, saber e de aceitar o não controlar o que se passa no coração do outro. Quem sou eu para que ele partilhe comigo uma página da sua vida?

Digo muitas vezes a mim mesmo e repito-o aos leigos com

responsabilidade pastoral com quem trabalho, a frase de Jesus aos seus discípulos: « muitos profetas e reis quiseram ver o que vedes e não o viram, ouvir o que ouvis e não o ouviram!41 ». Aprendemos a ver e a ouvir. Assim sendo, enriquecemo-nos muito no encontro pastoral. A pastoral em geral e a preparação para o matrimónio não fogem à regra, colocam-nos em lugares onde se jogam aspectos decisivos da vida humana. O facto de encontrar homens e mulheres que se amam, que aceitam o risco de uma vida conjugal, suscita a nossa admiração. A capacidade de se maravilhar diante dos caminhos da vida, mesmo quando são inevitavelmente marcados por ambiguidades inerentes à vida, é fonte de alegria.

Gosto muito do que Jesus diz aos seus discípulos que envia em missão.

Diz-lhes: « comei do que vos derem ». Jesus convida assim o discípulo a alimentar-se do que vê e do que escuta.

Enfim, sei por experiência que se não me considero um técnico da

relação ou da preparação para o matrimónio nem um gerente, mas se estou neste serviço pastoral com a minha própria história, serei eu mesmo estimulado no caminho caótico do dom da minha própria vida. Ouço então Jesus dizer aos discípulos de regresso da missão, e repeti-lo hoje aos acompanhadores do CPM, depois de os ter escutado: « alegrai-vos por tudo o que vistes e ouvistes ! » e ainda : « alegrai-vos, principalmente, por estarem os vossos nomes escritos no Céu42 ».

40 1 Cor 9, 16. 41 Lc 10, 24. 42 Lc 10, 20.

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