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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
LUIZ RENATO VALLEJO
A INFLUÊNCIA DO “LITTER” NA DISTRIBUIÇÃO DAS
ÁGUAS PLUVIAIS
RIO DE JANEIRO Abril/1982
LUIZ RENATO VALLEJO
A INFLUÊNCIA DO “LITTER” NA DISTRIBUIÇÃO DAS ÁGUAS PLUVIAIS
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências.
Orientação: Profa. Dra. Maria Regina Mousinho de Meis
Rio de Janeiro, 1982
Vallejo, Luiz RenaA influência
1982. (revisão em mVIII, 88 p., 2Programa de
Tese – UniveGeociências
1. Estudo sisde infiltraçãosubsuperficialevantamentocampo e labo“flumes”. I. I
FICHA CATALOGRÁFICA
to do “litter” na distribuição das águas pluviais, aio/2005)
9,7 cm (Instituto de Geociências UFRJ, M.Sc., Pós-Graduação em Geografia, 1982)
rsidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de
temático do papel do litter florestal nos processos e escoamento lateral (superficial e l). Os estudos foram realizados através do de dados em campo e experimentações de ratório com auxílio de simulador de chuvas e G/UFRJ, II. Título (série)
Para meus pais e
Marisa Sanche
AGRADECIMENTOS
Inicialmente, quero agradecer à orientação da Profra. Maria Regina Mousinho de
Meis pelo companheirismo e transmissão de um valioso espírito crítico em torno da
aquisição de novos conhecimentos e realização dos trabalhos.
Pelas valiosas sugestões e assessoria dentro de suas especialidades:
Prof. Jan De Ploey – Universidade Católica de Leuven, Bélgica
Prof. Armand Chauvel – Universidade de São Paulo
Prof. João José Bigarella – Universidade Federal do Paraná
Profra. Ana Luiza Coelho Netto – Universidade Federal do Rio de Janeiro
Biologista Henrique F. Martins – Deptº de Conservação Ambiental da
Fundação Estadual de Engenharia do meio Ambiente
(DECAM/FEEMA)
Pelo suporte financeiro sem o qual não seria possível a realização deste
trabalho:
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq
Financiadora de Estudos e projetos – FINEP
CEPG – UFRJ
Pela realização das microfotografias das amostras de solo:
Biol. Ney Hamilton Porfiro – Centro de tecnologia Mineral – CETEM
Pela colaboração em todas as etapas da pesquisa:
Marisa Sanche
Pela colaboração em diferentes fases da investigação:
Alexandre Antônio de Mello Santos
Eliomar Pereira da Silva Filho
Luiz Jorge Cardoso da Silva
Marcos Ribeiro Martins
Agradeço ainda a todos aqueles que, direta ou indiretamente, colaboraram para
que este trabalho fosse realizado.
i
Sumário
Sumário....................................................................................................................... iListagem de Figuras ................................................................................................. iiFichas de avaliação micromorfológica ................................................................... iiListagem de Quadros ................................................................................................ iiListagem de Fotos ..................................................................................................... iiiResumo ...................................................................................................................... ivAbstract ...................................................................................................................... v1 - Introdução ............................................................................................................. 12 - Metodologia...........................................................................................................
2.1 – Observações de campo..............................................................................2.2 – Experimentações de campo .......................................................................2.3 - Experimentações de laboratório .................................................................
2.3.a – Simulador de chuvas........................................................................2.3.b – Os “flumes”.......................................................................................2.3.c – Os experimentos..............................................................................
10121617172327
3 – Caracterização da área de estudo 3.1 – Aspectos gerais e topografia.......................................................................3.2 – As variações texturais na matriz superficial................................................3.3 – Vegetação ..................................................................................................3.4 – Distribuição e composição do “litter”...........................................................
33373842
4 – O “litter” e a hidrologia de superfície 4.1 – “Litter”: capacidade de retenção e intercepção ..........................................4.2 – As variações de umidade do “litter” e as implicações sobre a distribuição de umidade na superfície do solo........................................................................4.3 – A influência do “litter” na infiltração e escoamento lateral: experimentos de laboratório.......................................................................................................
4.3.a – “Flume” nº 1 .....................................................................................4.3.b – “Flume” nº 2 .....................................................................................4.3.c – Análises micromorfológicas..............................................................
48
51
58596570
5 – Considerações finais e diretrizes....................................................................... 79
Bibliografia ................................................................................................................. 84
ii
Listagem de Figuras
Figura 1 - Esquema estrutural e funcional do Simulador Leuven, utilizado nos experimentos de laboratório.................................................................. 19
Figura 2 - Distribuição percentual de gotas de diferentes chuvas (Segundo Laws e Pearsons, 1943) comparada com as gotas do Simulador Leuven .................................................................................................. 22
Figura 3 - Localização da área de estudo na Bacia Experimental do Rio Cachoeira, Parque Nacional da Tijuca, RJ............................................ 34
Figura 4 - Perfil topográfico da Vertente do Archer (Maciço da Tijuca, RJ) e localização dos domínios vegetais e pontos de amostragem............... 35
Figura 5 - Variações texturais entre amostras do topo e 5 cm representadas através do índice G/F............................................................................ 37
Figura 6 - Variações de umidade do “litter”após dois períodos chuvosos consecutivos.......................................................................................... 52
Figura 7 - Variações de umidade do solo relativas ao Quadract I ........................ 55Figura 8 - Variações de umidade do solo relativas ao Quadract II........................ 56Figura 9 - Variações de umidade do solo relativas ao Quadract III....................... 57Figura 10 - Composição textural do solo utilizado nos experimentos...................... 59Figura 11 - Dados de infiltração e umidade do solo nos experimentos com
“flume” nº 1 (Ângulo = 0º)...................................................................... 61Figura 12 - Dados de infiltração e umidade do solo nos experimentos com
“flume” nº 1 (Ângulo = 8º)...................................................................... 63Figura 13 - Dados de infiltração e umidade do solo nos experimentos com
“flume” nº 1 (Ângulo = 15º).................................................................... 64Figura 14 - Experimento I (8º e 30 mm/h)................................................................ 66Figura 15 - Experimento II (15º e 30 mm/h)............................................................. 66Figura 16 - Experimento III (8º e 75 mm/h).............................................................. 68Figura 17 - Experimento IV(15º e 75 mm/h)............................................................ 68
Fichas de avaliação micromorfológica Experimento 2 ......................................................................................................... 71Experimento 3 ......................................................................................................... 72Experimento 5 ......................................................................................................... 73Experimento 6 ......................................................................................................... 74Experimento 7 ......................................................................................................... 75Experimento 10 ......................................................................................................... 76Experimento 12 ......................................................................................................... 77 Listagem de Quadros
Quadro 1 - Capacidade de retenção do “litter”........................................................ 48Quadro 2 - Dados de capacidade de intercepção do “litter”.................................... 50
iii
Listagem de Fotos
Fotos 1 e 2 Visão geral do Simulador Leuven ................................................. 20Fotos 3 e 4 Visão geral do “flume” nº 1 ........................................................... 24Fotos 5 Detalhe do sistema de medição de infiltração do “flume”nº 1....... 25Foto 6 Aspecto geral do “flume” nº 2........................................................ 26Foto 7 Detalhes dos coletores de água de infiltração (esquerda) e
escoamento superficial (direita) no “flume” nº 2............................ 26Foto 8 Visão panorâmica do “flume” nº 2, destacando-se o
preenchimento dos compartimentos com a amostra de solo normalizado (escuro) e areia grossa (claro).................................. 27
Fotos 9 e 10 Vista geral das áreas de forte inclinação do Domínio I. O “litter”é composto, principalmente, por folhas de palmeiras com elevado potencial de canalização de fluxos................................................ 43
Fotos 11 e 12 Detalhes da distribuição do “litter” sobre o solo nas áreas de forte declive (Domínio I). Existe descontinuidade na acumulação dos detritos, além da presença de superfícies canalizadoras....... 44
Foto 13 Troncos e galhos posicionados perpendicularmente à encosta, podem funcionar no “represamento”de detritos. As superfícies à juzante estão desprovidas de maior proteção.............................. 44
Fotos 14 e 15 Detalhes da composição e estrutura do “litter”nas áreas do Domínio III. As folhas de bambu (Gen. Chusquea) formam uma estrutura favorável ao escoamento superficial hipodérmico....... 45
Fotos 16 e 17 A grande rugosidade das camadas de “litter” no Domínio IV, possibilita um elevado potencial de armazenamento e promoção de fluxos verticais.......................................................................... 46
Fotos 18 e 19 Aspectos gerais da deposição do “litter” nas áreas com menor declividade do Domínio IV............................................................. 47
iv
Resumo
O presente trabalho teve por objetivo o estudo da atuação do “litter” florestal na
distribuição das águas pluviais. Este trabalho é parte integrante das pesquisas iniciadas
em 1976 numa sub-bacia do Rio Cachoeira, Maciço da Tijuca/RJ.
Inicialmente procurou-se caracterizar a cobertura do “litter” numa área pré-
selecionada no interior da referida bacia, considerando-se ainda aspectos da
vegetação e da topografia. Estudos sobre a capacidade de retenção da umidade pelo
“litter” foram realizados em diversas amostras, visando também uma avaliação
preliminar de seu potencial de intercepção da chuva. Estes resultados mostraram
valores bastante elevados e superiores aqueles encontrados por outros autores em
ambientes florestais temperados.
O levantamento das características texturais dos primeiros centímetros do solo
(“top soil”) na área indicou que o “litter” pode favorecer os movimentos verticais da
água. Estudos de campo com a delimitação de “quadracts” demonstraram ainda que o
“litter” desempenha um importante papel na manutenção da umidade dos primeiros
centímetros do solo.
Paralelamente, foram realizadas pesquisas em laboratório com o uso de
simulador de chuvas e “flumes”, tendo por objetivo a melhor compreensão das relações
entre o “litter” e a distribuição da água para o solo. Os resultados demonstraram que o
“litter” reduz sensivelmente a ação direta das gotas de chuva sobre a superfície do
terreno, mantendo condições propícias à infiltração e reduzindo as taxas de
escoamento superficial e subsuperficial. Este aspecto foi parcialmente confirmado
através de análises micromorfológicas efetuadas em amostras do solo superficial
obtidas no decorrer dos experimentos. Observou-se que a remoção do “litter” da
superfície do solo acarretou, principalmente, a destruição dos agregados e a redução
da permeabilidade das amostras.
v
Abstract
The goal of this thesis is to investigate the relatioships between the forest litter
and the water distribution in top soil. This research is one part of a comprehensive
study, wich began in 1976, on erosion activity in a small catchment of the Cachoeira
River (Maciço da Tijuca, RJ)
The initial step was a description of litter cover on a selected slope profile,
considering the properties of local vegetation and topography. Studies on the moisture
retention capacity of litter were realized and the results showed elevated values. These
values are higher than the existing data concerning extra-tropical regions.
The observed textural features of the top soil in the profile implied that the forest
litter may favour a vertical movement of the infiltration waters. The field observations
within selected plots confirmed the importance of litter as one factor that mantains high
humidity levels in the top soil of the forest.
The second step of the research was to experiment with a model system of soil-
litter-rain in the laboratory in order to understand better the relationship between litter
and the water distribution in the soil. The results of experiments point out that the litter
reduces significantly erosive activity of the rain, mantains conditions favorable for
infiltration and reduces the rate of surface and subsurface runoff.
Some micromorphological analysis showed that the absence of litter cover
promoted destruction of soil aggregates and reduced surface permeability when the
model soil was subjected to diretc rainfall.
1
A INFLUÊNCIA DO “LITTER” NA DISTRIBUIÇÃO DAS ÁGUAS
PLUVIAIS
1 – INTRODUÇÃO
A exploração dos recursos naturais em vista do desenvolvimento da civilização
moderna, tem interferido, em muitos casos, no próprio potencial de utilização destes
recursos. É caso, por exemplo, das práticas de desmatamento, cujos reflexos podem
ser exemplificados pela intensificação dos processos erosivos e pela alteração das
características hidrológicas locais, afetando as condições climáticas e o regime hídrico
dos rios (Prandini et alii, 1976). Tendo em vista as características pluviométricas dos
trópicos úmidos, elemento atuante no desencadeamento dos processos erosivos, estes
reflexos tornam-se ainda mais evidentes.
Assim sendo, é indispensável conciliar a exploração dos recursos florestais com
os processos que regem o equilíbrio natural e isto só poderá ocorrer a partir de um
conhecimento aprofundado sobre a dinâmica destes sistemas. Entretanto, face à
escassez de dados, ainda subsistem controvérsias na literatura quanto ao papel
ambíguo das florestas na estabilização das encostas e o problema intensifica-se devido
a um certo desconhecimento de seu funcionamento, principalmente em regiões
tropicais.
Alguns autores como Erhart (1955), Cailleux (1959) e Douglas (1969), acreditam
que as taxas de denudação sob as coberturas florestais são bastante reduzidas.
Rohdenburg (1970) e Tricart (1975), assinalam que as áreas recobertas por vegetação
pluvial tropical, principalmente na Amazônia, apresentam-se morfodinamicamente
estáveis, pois a densa cobertura vegetal dificulta qualquer remoção substancial de
material. Domingues et alii (1971), baseando-se na atuação da floresta, impedindo a
ação direta da chuva sobre o terreno e mantendo as condições de infiltração dos solos,
2
consideram a sua remoção como uma das responsáveis pelo desencadeamento de
movimentos de massa. Por outro lado, Rougerie (1960) e Young (1972) mencionam
importantes atividades erosivas sob a cobertura florestal. Dentre os processos mais
atuantes citam a ocorrência de solifluxão em áreas tropicais de forte declive – superior
a 30º (Behrmann, 1927; Sapper, 1914 e 1934; Wenthworth, 1928 e Ruxton, 1967).
Lewis (1974) e De Ploey (1979) demonstraram que a ação das raízes é um dos fatores
relacionados com a ocorrência de movimentos lentos (“creep”) e deslizamentos
(“landslides”) em áreas tropicais, principalmente nas camadas superficiais do solo. Este
efeito é mais comum durante os períodos mais chuvosos, pois o sistema radicular
intensifica a infiltração e os fluxos superficiais (“throughflow”) podendo ocasionar a
saturação e superar os limites de coesão entre as camadas do solo. Ruellan (1953)
considera a floresta como elemento de retardamento da ação das chuvas sobre a
superfície dos solos, entretanto, sob chuvas intensas, os troncos e raízes podem
contribuir para a atividade erosiva direcionando fluxos e removendo material,
principalmente nas superfícies de contato com o manto decomposto. Deste modo, a
ação de enxurradas, mesmo em áreas de recobrimento florestal, não é desprezível.
Portanto, permanecem algumas dúvidas sobre a real participação na floresta na
estabilização das encostas e, ao que tudo indica, este aspecto está relacionado à
compreensão da natureza e intensidade dos processos atuantes. Surge, então, a
necessidade de se desenvolver estudos para melhor entendimento do funcionamento
interno dos sistemas florestais, principalmente quanto à dinâmica da água e suas
implicações nos processos erosivos.
O processo de infiltração em solos florestais consiste numa das etapas desta
dinâmica e sua compreensão, assim como os fatores condicionantes, é um importante
subsídio ao entendimento das relações clima-flora-maciço. A infiltração, segundo
3
Horton (apud Ward, 1967) significa a entrada de água através das camadas superficiais
do solo e a intensidade deste processo está condicionada à capacidade de infiltração
no terreno.
A capacidade de infiltração de um solo constitui a taxa máxima na qual a chuva pode ser absorvida pelo terreno e está relacionada à textura da porção mais superficial além de outras características físicas. A percolação das águas no meio poroso se processa numa proporção direta a carga hidrostática e inversa ao comprimento da camada de solo saturado, ou seja, a taxa de infiltração pode variar na medida em que o solo se aproxima da saturação, tornando-se gradativamente mais lenta até atingir valores constantes. A desproporção entre a intensidade da precipitação e a taxa de penetração das águas no solo pode determinar o escoamento superficial. Caso a intensidade da precipitação seja inferior ou igual à capacidade de infiltração, a água infiltra em proporções diretas. Caso a intensidade de precipitação ultrapasse a capacidade de infiltração, a taxa excedente tende a escoar superficialmente (Horton, 1933).
Entre os condicionantes da manutenção da capacidade de infiltração em solos
florestais, a literatura tem ressaltado a atuação do “litter” como elemento de
intercepção, armazenamento de água e condicionador de fluxos superficiais. “Litter”,
“serapilheira” e “manta morta” são alguns dos termos atribuídos à cobertura do solo
formado, basicamente, por resíduos vegetais depositados. Esta camada de detritos é
considerada como Horizonte Orgânico do solo podendo diferenciar-se de acordo com o
seu estado de fragmentação e decomposição. Segundo Lemos e Santos (1976) e Foth
(1978), a camada superficial é composta por folhas íntegras sem sinais aparentes de
modificação quanto à sua estrutura original (Horizonte O1), enquanto a camada inferior
já apresenta sinais de alteração física e bioquímica (Horizonte O2).
4
A presença do “litter” está diretamente associada ao ritmo de deposição de
folhas pelos estratos florestais e inversamente às taxas de decomposição e transporte.
Day (1940), Helvey e Patric (1955) citam que a formação do “litter” (“Forest floor”) é uma função da queda anual de folhas que propicia a formação do húmus, sendo que ambos os fatores estão relacionados às condições locais. Bray e Gorhamm (1964), Rodin e Brazilevk (1964) mencionam que a produção de “litter”, dependendo das condições locais, pode ser contínua ou sazonal. Em áreas tropicais há uma certa uniformidade de produção durante o ano, enquanto em regiões temperadas, acentuam-se as quedas de folhas em períodos restritos. Fournier e Castro (1973) reforçam isto ao mencionarem que sua produção depende, em certo grau, do comportamento ecofisiológico das espécies que compõem as florestas e varia, portanto, com a intensidade das variações climáticas locais. Quanto às taxas de decomposição, Shanks e Olson (1961) e Auten (1933) expressam que sua acumulação depende de vários fatores, entre eles: declividade do terreno, umidade, temperatura e facilidade de decomposição do material (relacionada com a espécie). Nos trópicos, o “litter” não acumula excessivamente, principalmente pelas altas taxas de decomposição associadas às elevadas temperaturas e umidade. Nas regiões temperadas, a acumulação é sensivelmente superior, pois a dificuldade de decomposição das folhas é maior.
A influência do “litter” sobre o comportamento hidrológico pode ser analisada
inicialmente como importante elemento de interceptação da água da chuva (Helvey e
Patric, 1965). Este processo envolve o amortecimento e dispersão da energia das
gotas impedindo sua ação direta sobre o solo (Musgrave, 1947).
Ekern (1950) expõe que o potencial de uma chuva pode ser caracterizado pelo somatório da energia cinética das gotas. A massa e a velocidade de queda ajudam a determinar a energia cinética da chuva. De acordo com Laws e Pearsons (1943), a relação entre a distribuição
5
dos tamanhos de gotas com a intensidade da chuva é a seguinte: Dm= 2,23 . I.182, onde Dm é o diâmetro da gota de chuva em mm e I é a intensidade de precipitação (pol/hora). Ekern (1950) e Bertoni (1967) assinalam que no processo erosivo a ação das gotas corresponde à primeira fase, pois acarreta o desprendimento das partículas do solo.
A presença do “litter” impede a compactação superficial do solo e a ruptura dos
agregados, que por sua vez ocasiona a liberação de partículas finas (“splash erosion”).
Estas partículas estariam sujeitas ao transporte superficial e também à formação de
lacres (selagem) dificultando o processo de infiltração. Isto já foi evidenciado através de
alguns trabalhos experimentais em que amostras de diferentes naturezas texturais
sofreram alterações quando expostas à ação de chuvas artificiais (Duley, 1939; Arend
e Horton, 1942; Ekern, 1950 e McIntyre, 1958).
Quanto à infiltração, a literatura tem ressaltado a importância do “litter” como
uma das variáveis atuantes no processo. Auten (1933), Kittredge (1938), Arend (1941)
e Johnson (1941) estudaram, de forma indireta, o desempenho do “litter” na
manutenção da capacidade de infiltração em solos florestais. Eles compararam os
valores de infiltração dos solos entre áreas florestais e áreas de cultivo. A comparação
também foi feita no interior das próprias áreas florestais, removendo-se numa delas a
cobertura de detritos superficiais. Os dados mostraram reduções entre 18 e 38% nas
taxas de penetração da água para as áreas alteradas. As razões atribuídas às
reduções foram a exposição do solo à ação direta das gotas de chuva e o incremento
das taxas de escoamento superficial, decorrente das alterações estruturais do topo do
solo.
Outros autores estudaram o papel do “litter” na infiltração utilizando-se de dados
sobre escoamento superficial. É o caso do trabalho de Lowdermilk (1930), em que
6
foram detectadas importantes variações, tanto nas taxas de escoamento superficial,
quanto na carga de sedimentos erodidos em canaletas (“flumes”) com e sem
recobrimento de detritos vegetais. No primeiro caso, os valores foram sensivelmente
inferiores em relação ao segundo e as diferenças acentuaram-se na comparação entre
amostras de características texturais distintas. Nas amostras texturalmente finas e sem
recobrimento de detritos, as taxas de escoamento e transporte foram superiores às
amostras arenosas, visto que a selagem superficial desenvolveu-se com maior
intensidade, limitando a infiltração. Baseado nestes resultados, o autor concluiu que a
eficiência do “litter” na redução das taxas de erosão é maior em solos texturalmente
finos, onde mantém as características estruturais da superfície do terreno.
A ação do “litter” relaciona-se também à retenção e armazenamento de
importantes parcelas de água que ultrapassam os estratos florestais superiores
(“throughfall”). A literatura tem apresentado diversos valores de retenção obtidos em
várias regiões do mundo e as variações observadas envolvem, principalmente,
aspectos qualitativos relacionados ao tipo de material (Lowdermilk, 1930; Sternberg,
1949 e Blow, 1955).
O armazenamento de umidade se reflete também na manutenção de altas taxas
de infiltração em solos florestais. Isto é explicado pela liberação gradativa de água para
o solo, impedindo alterações bruscas nas características físicas superficiais do terreno.
As observações de Ponçano et alii.(1976), Soares et alii.(1975) e Prandini et alii.
(1976), mostraram que a infiltração efetiva, ou seja, a parcela real de água que infiltrou
no terreno tendendo a saturá-lo, é menor em áreas florestais, pois importantes frações
de água são subtraídas antes de chegar ao solo mineral. Esta subtração significa um
retardamento na chegada da água ao solo mantendo a infiltrabilidade, mesmo que a
intensidade pluviométrica exceda os limites de absorção da camada superficial. Resta
7
saber, entretanto, se atingido o limite de saturação do “litter”, haverá a ocorrência de
fluxos superficais, principalmente sob a ação de chuvas intensas.
Pierce (1967), Prandini et alii. (1976) e Voight e Walsh (1976) discutem sobre a
existência de escoamentos superficiais direcionados pela camada de “litter” que
desviariam parte da água que atingiu o terreno, retardando a infiltração local e
impedindo, conforme a intensidade da precipitação, a criação de condições críticas de
saturação do solo. A ocorrência deste fenômeno estaria relacionada à declividade do
terreno, condicionante do processo de acumulação e da ocorrência de fluxos.
Em síntese, a literatura tem mostrado que o “litter” atua nos processos
hidrológicos superficiais em solos florestais. A proteção contra a ação das gotas de
chuva, o armazenamento de umidade e a canalização de fluxos, têm implicações
diretas na manutenção da capacidade de infiltração do solo. A natureza e a intensidade
destes processos dependem de certas características do material ligadas à própria
vegetação local, tais como: tipo de material, forma, estrutura e capacidade de
armazenamento. A espessura das camadas e a forma de distribuição espacial são
funções ligadas à vegetação e suas características fenológicas1, além da topografia.
Deste modo, foram estabelecidas as seguintes hipóteses básicas para
realização do presente trabalho:
1. A presença do “litter” representa um importante fator na manutenção da
capacidade de infiltração dos solos florestais ao promover o
amortecimento e dispersão das gotas de chuva;
2. O “litter” influi diretamente na manutenção dos gradientes verticais de
umidade do solo favoráveis à infiltração, armazenando e liberando
gradualmente a umidade para o solo mineral, além de reduzir a
possibilidade de geração de escoamentos superficiais e subsuperficiais;
1 As características fenológicas da vegetação, isto é, sua fenologia, estão associadas aos ritmos sazonais que interferem nas quedas de folhas, produção de flores, frutos e sementes.
8
3. A intercepção pelo “litter” representa também um importante papel no
armazenamento temporário da água dentro do ambiente florestal e na
conservação da umidade do solo, mesmo após o término da chuva;
4. O desempenho do “litter”, quanto aos processos hidrológicos superficiais,
varia sensivelmente nas áreas tropicais florestais, face à própria
heterogeneidade florística existente. A vegetação e a topografia são
importantes fatores que interferem neste desempenho.
Considerando que as informações relativas aos ambientes tropicais florestados
ainda são escassas, torna-se imprescindível o levantamento de dados sobre o “litter” e
o estabelecimento de relações com o comportamento da água na superfície dos solos.
O presente trabalho integra-se a um projeto mais amplo de investigação científica da
atividade erosiva desencadeada pelas chuvas em uma sub-bacia do Rio Cachoeira no
Maciço da Tijuca, RJ. A área em questão apresenta um recobrimento de natureza
florestal (Parque Nacional da Tijuca) em que os fortes desnivelamentos são típicos. De
uma forma geral, os estudos iniciados por Coelho Netto (1979) possibilitaram o
levantamento das características locais e a identificação dos possíveis condicionantes
dos processos erosivos. Dentre estas condicionantes, enfatizou-se a existência de
importantes relações entre os diversos elementos da cobertura florestal (copas, troncos
e “litter”) e a dinâmica da água no interior da vegetação. Este reconhecimento permitiu
o estabelecimento de diversas diretrizes de trabalho, entre as quais destacou-se a
necessidade de compreensão do comportamento da água da chuva no interior da
floresta como, também, sua capacidade de intercepção e armazenamento. Trata-se,
neste caso, de uma investigação detalhada do comportamento de certas variáveis e
que possibilitará, no futuro, uma tentativa de elucidação da dinâmica do sistema
florestal como um todo.
9
Os objetivos específicos estabelecidos para o presente estudo são listados a
seguir:
a) investigar o papel do “litter” florestal em relação à distribuição das águas
pluviais, incluindo a manutenção das condições de penetrabilidade dos
solos;
b) obter e analisar dados sobre a retenção de água pelo “litter” e as
implicações sobre a umidade do solo;
c) avaliar a influência da topografia na acumulação de detritos orgânicos e os
possíveis reflexos na ocorrência de processos erosivos pela água das
chuvas.
Os objetivos prendem-se a obtenção de informações de caráter qualitativo que
visam subsidiar, na medida do possível, a compreensão da dinâmica hidrológica e
erosiva dos sistemas florestais tropicais, tendo como área–laboratório a sub-bacia do
Rio Cachoeira, RJ.
10
2 – METODOLOGIA
O estudo do papel do “litter”, conforme os objetivos estabelecidos, representa
uma tentativa de compreensão da hidrologia de superfície em áreas tropicais florestais.
Neste caso, pretende-se obter informações sobre o comportamento da água da chuva
após a transposição pelos estratos florestais subsidiando, na medida do possível, o
entendimento da dinâmica erosiva na floresta. Para atingir os objetivos propostos,
optou-se pelo desenvolvimento de um trabalho envolvendo:
a) observações em campo;
b) experimentações em campo e
c) experimentações em laboratório.
A integração destes três níveis de pesquisa justifica-se pelas dificuldades
inerentes ao estudo dos sistemas naturais, principalmente quanto aos aspectos de sua
dinâmica.
As observações de campo foram consideradas como capazes de fornecer
importantes subsídios, de ordem qualitativa, sobre a influência do “litter” na hidrologia
de superfície. Entretanto, a tentativa imediata de estabelecer relações, com base
nestas observações, torna-se limitada pela interferência conjunta dos inúmeros fatores
envolvidos no processo de infiltração. Além disso, nem todos os aspectos envolvidos
nas relações entre o “litter” e a distribuição das águas puderam ser analisados através
destas informações.
Tentando compensar as dificuldades encontradas, foi desenvolvida uma
metodologia de caráter experimental através de estudos de campo e laboratório. A
experimentação em campo e em laboratório é justificada pela necessidade de
empreender maior controle sobre as variáveis envolvidas no processo. Deve-se
11
destacar, entretanto, que as experimentações promovem um certo grau de afastamento
das condições naturais. Em campo, a experimentação promoverá mudanças em certos
elementos do sistema, possibilitando a observação de alterações ocorridas e o
estabelecimento de algumas correlações. Estas alterações serão comparadas com os
resultados de uma “situação controle” utilizada como referencial dos experimentos.
Mesmo assim, as correlações entre o “litter” e a infiltração do solo não serão precisas,
pois diversos outros fatores ainda permanecerão fora do controle experimental.
No laboratório, empreende-se uma redução do número de variáveis envolvidas,
assim como o controle sobre seus comportamentos. É gerado, então, um modelo
simplificado da realidade permitindo estabelecer, com maior precisão, o sentido das
relações entre os elementos do sistema. Neste tipo de estratégia, pode-se repetir e
modificar os experimentos para melhor compreensão do desempenho das variáveis e
processos envolvidos. Segundo os argumentos de De Ploey e Gabriels (1980)
“...mesmo que a simulação das condições naturais seja imperfeita, pode-se adquirir
importantes conhecimentos da interação de fatores específicos e de macanismos”.
Apesar do artificialismo envolvido nas experimentações, as informações geradas
podem ser testadas e comparadas com as observações e dados de campo. Certos
problemas podem surgir por conta das experimentações, tais como a escala e os
limites (“boundary conditions”) do modelo experimental. Isto reforça a necessidade de
se manter constantemente contato com os dados de campo e a teoria existente.
Portanto, o procedimento metodológico adotado envolve a obtenção de dados
sob diferentes níveis de controle desde a observação direta em campo até a
experimentação de laboratório. Cada um destes níveis de análise apresenta vantagens
e limitações, porém, os dados obtidos ao longo do processo deverão compor um
12
quadro de informações que se complementam, suprindo eventuais deficiências
individuais.
2.1 – Observações de campo
Os estudos de campo se concentraram numa área selecionada no interior de
uma sub-bacia experimental do Rio Cachoeira no Maciço da Tijuca, RJ. Trata-se de
uma vertente com cerca de 170 m de extensão situada na posição centro-oeste da
bacia experimental (Figura 3). As informações obtidas através dos estudos preliminares
desenvolvidos por Coelho Netto (1979) permitiram estabelecer os principais critérios
para seleção da área, tais como: representatividade da área enquanto feição
morfológica do maciço, informações preliminares já obtidas, e diversidade vegetal
existente.
A importância de se avaliar a representatividade da feição de relevo em relação
à morfologia do maciço possibilita a geração de modelos a partir dos resultados. Eles
poderão ser testados em outras áreas dentro e fora da bacia experimental. Mesmo não
sendo um objetivo concreto do presente trabalho, poderá contribuir para
desenvolvimento de outras pesquisas.
Os estudos preliminares, principalmente sobre os solos, representam elementos
de controle sobre as características ambientais da área de estudo, sendo um
importante subsídio à compreensão dos processos hidrológicos superficiais.
A diversidade vegetal constitui-se em outra razão para escolha da área, pois a
acumulação de “litter” sobre o piso florestal está intimamente relacionada com as
características da vegetação.
13
As observações e medições na área foram orientadas pela seleção de alguns
fatores que intervém ou estão relacionados com a presença do “litter” e,
conseqüentemente, com os processos hidrológicos superficiais (geometria do relevo,
vegetação, “litter” e textura da matriz superficial). A caracterização geométrica do
relevo através do perfil topográfico foi realizada considerando-se as relações com a
acumulação do “litter” e com a distribuição da água no solo.
Shanks e Olson (1961) e Auten (1933) assinalam que a acumulação do “litter” depende, entre outros fatores, da declividade do terreno. Van Zon (1980) expressa a tendência de maiores taxas de movimentação das folhas nas encostas mais íngremes, principalmente na camada superficial (O1). Estes movimentos podem intensificar-se nos períodos secos pela menor umidade do “litter”, o que facilitaria a remoção pelo vento.
Numa certa medida, a topografia pode também ter implicações indiretas sobre a
acumulação do “litter”. Conforme as informações preliminares, existe uma nítida
variação da vegetação ao longo das vertentes (Coelho Netto, 1979). Esta variação
pode estar relacionada, além de outros fatores, à redução da espessura dos regolitos,
podendo constituir-se numa limitação à ocupação de certos vegetais. Logo, podemos
supor que a produção do “litter” varia com o declive, proporcionando maior ou menor
proteção à superfície do solo contra os agentes erosivos.
O levantamento da vegetação local foi preponderante à compreensão das
características do “litter”. Os aspectos considerados como mais importantes para
atender os objetivos foram a identificação das espécies e respectivos domínios
vegetais e a densidade de cobertura aérea em função das variações topográficas.
A cobertura do “litter” foi estudada em função dos domínios vegetais e da
topografia. Dados como a densidade da cobertura, tipo de material e espessura das
14
camadas, foram obtidos durante os levantamentos. A documentação das informações
ocorreu por meio de descrições e registro fotográfico.
Conforme a literatura (Lowdermilk, 1930; Blow, 1955; Voigt e Walsh, 1976 e
outros), um dos aspectos mais importantes no desempenho hidrológico do “litter” está
na sua capacidade de armazenamento de umidade. Para isso, foram realizadas
amostragens ao longo da vertente, considerando os domínios vegetais descritos
anteriormente. Para calcular a capacidade de armazenamento empregou-se a técnica
descrita por Blow (1955). Depois de imersas em água por um período de 90 minutos,
as amostras foram depositadas em bandejas para escoamento dos excedentes por 30
minutos. Cada amostra, após a pesagem de 50 g de material úmido, foi colocada para
secagem em estufa (100ºC) até obtenção de peso seco constante. O teor de umidade
armazenado foi calculado em função do peso seco final, de acordo com a seguinte
fórmula:
(PI – PF) x 100 = Teor de umidade armazenado
PF
Onde PI = peso úmido inicial e PF = peso seco final
Os cálculos foram realizados para as camadas O1 (não decomposta) e O2
(parcialmente decomposta), supondo-se que existem diferenças nas capacidades de
retenção em função do grau de decomposição das folhas. Posteriormente novas
amostragens foram realizadas para estudo prévio da sua capacidade de intercepção.
Neste caso, as amostras foram coletadas em pequenas áreas pré-selecionadas (400
cm2) através do uso de “quadracts” de 20 x 20 cm. As amostragens foram feitas
apenas nas camadas compostas por folhas, não havendo preocupação inicial quanto à
representatividade dos dados gerados nestas análises em relação à área florestal. O
procedimento para determinação da capacidade de intercepção é igual ao anterior
15
descrito. Entretanto, para os cálculos foi feita a conversão do peso d’água (em gramas)
para altura de precipitação (em mm) por meio da fórmula empírica I = 0,12 r, onde I é a
intercepção por unidade de área (em mm) e r é a retenção (em gramas de água). A
fórmula foi definida pós a realização de ensaios laboratoriais com uso de bureta
graduada (cm3) e de uma proveta pluviométrica (mm). Considerando que 1 cm3
corresponde à 1 g de água, os dados foram plotados e calculou-se a regressão linear.
A correlação encontrada entre valores foi de 0,98, sendo significativa ao nível de
99,9%.
Como contribuição à definição das condições de permeabilidade dos solos sob a
cobertura florestal, amostras de solo foram caracterizadas texturalmente ao longo da
área de estudo. Neste caso, optou-se pela amostragem dos primeiros centímetros de
solo em função do papel que esta camada exerce nos índices de permeabilidade.
As condições de permeabilidade são definidas, em grande parte, pelas características físicas dos solos, destacando-se a distribuição granulométrica e a estrutura dos perfis. A capacidade de infiltração (Horton, 1933), que constitui a taxa máxima na qual a chuva pode ser absorvida pelo solo, está relacionada com a textura da porção mais superficial e a cobertura do solo.
Além disso, observações diretas realizadas em campo mostraram variações na
composição textural entre as camadas superficiais sob o “litter”. Nestas observações,
as atenções convergiram para a existência de grandes concentrações de grãos de
quartzo lavados nas zonas de contato entre o solo mineral e o “litter”. Logo abaixo,
notou-se a elevação nas concentrações de finos a partir da própria variação na
coloração dos materiais. Acreditando-se que estas variações estejam relacionadas aos
movimentos verticais lentos da água, optou-se pela realização de amostragens no topo
do solo e a 5 cm de profundidade em diversos pontos selecionados na área de estudo.
16
Foram coletadas 44 amostras em 22 pontos ao longo da vertente (Figura 4) e as
análises texturais seguiram o Método de Folk (1968). Para comparação entre as
amostras de cada ponto calculou-se a razão entre o percentual de grosseiros
(cascalhos e areias) e finos (silte e argila). A utilização deste índice, além de facilitar a
comparação entre amostras, baseou-se na bimodalidade encontrada na maior parte
das distribuições granulométricas estudadas.
2.2 – Experimentações de campo
Esta etapa do estudo foi direcionada para obtenção de dados sobre o
armazenamento de umidade pelo “litter” e os reflexos na distribuição da água nos
primeiros centímetros do solo sob condições naturais. Os resultados possibilitam uma
avaliação preliminar do problema e sua importância justifica a continuação dos estudos
na área. Os métodos e técnicas aplicados foram testados como procedimento de
estudo.
As medições de campo ocorreram no interior de “quadracts” delimitados ao
longo da vertente (1 x 1 m). Foram utilizados 3 pares de “quadracts” distribuídos em 3
dos 4 domínios vegetais existentes considerando-se também o tipo de “litter” e a
declividade. A delimitação dos “quadracts” ocorreu em pontos em que a cobertura
vegetal dificultava a penetração de luz solar direta. Procurou-se, então, minimizar os
efeitos da radiação na evaporação do solo e do “litter”. Num dos “quadracts” de cada
um dos pares, foi removida a camada de detritos superficiais. Desta forma, foi possível
realizar comparações entre a umidade dos primeiros 10 cm do solo em cada um dos
dois “quadracts” delimitados. As amostragens foram individualizadas em topo, 5 e 10
cm, sendo realizadas após dois períodos chuvosos consecutivos.
17
A técnica de coleta do material incluiu a raspagem superficial e uso de um
pequeno trado cilíndrico (Ø ¾ pol) graduado a 5 e 10 cm para coleta das amostras
subsuperficiais. O uso da técnica, mesmo não sendo considerada a forma mais
apropriada para estudos de umidade do solo, permite a uniformização e comparação
entre as amostras. A umidade das amostras foi obtida pelo cálculo entre peso inicial
(úmido) e final (seco), após secagem em estufa a 100º C. Os dados foram plotados
permitindo-se a análise das variações entre “quadracts” durante dias sucessivos após o
término das chuvas.
2.3 – Experimentações de laboratório
Vários experimentos foram desenvolvidos em laboratório com o objetivo de se
obter informações adicionais acerca das relações entre o “litter” e a infiltração dos
solos. Para este fim foram construídos modelos simplificados com uso de simulador de
chuvas e “flumes”. A possibilidade de realizar observações e estabelecer relações mais
precisas entre fatores selecionadas corresponde à principal vantagem dos
experimentos, mesmo considerando que existe um distanciamento da complexidade
ambiental pela supressão de outras variáveis. A seguir, são fornecidas as principais
informações técnicas sobre as características do simulador de chuvas e dos “flumes”
utilizados nos experimentos.
2.3.a – Simulador de chuvas
O sistema utilizado corresponde ao modelo Leuven, desenhado e construído
pelo Prof. Jean De Ploey no Laboratório de Geomorfologia Experimental da
Universidade de Leuven, Bélgica. Entre as vantagens de seu uso, citamos:
18
controle sobre a intensidade e duração das chuvas simuladas;
altura regulável permitindo o controle sobre a energia das gotas
produzidas;
com base no conhecimento de suas características, pode-se avaliar o
nível de significância das chuvas simuladas em relação às chuvas
naturais.
Como pode ser observado pela Figura 1 e pelas Fotos 1 e 2, funcionalmente o
simulador compreende 3 unidades básicas: 1)unidade de suprimento de água; 2)
unidade de distribuição e controle de intensidade das chuvas; e 3) unidade de geração
de gotas (“dropmaker”). A água bombeada para o pequeno reservatório suspenso
(“container”) é distribuída para a unidade de geração de gotas. A formação das gotas
ocorre por pressão dentro das colunas d’água formadas por tubos de PVC (estrutura
em “U”). Depois disso, esta pressão é transmitida sobre cerca de 360 capilares que
promovem o gotejamento. As intensidades das chuvas são definidas pelas diferenças
de altura entre o “container” e a unidade de geração de gotas (“dropmaker”), pois
quanto maior a diferença de altura entre as partes, maior será a altura da coluna d’água
nos tubos de PVC. A manutenção da intensidade das chuvas ocorre quando a água
atinge um nível constante no interior do “container” e o excedente inicia um fluxo de
retorno para o reservatório localizado na parte baixa do sistema. A manutenção do
fluxo é mantida pela freqüência do bombeamento.
19
Legenda: 1 – Unidade de suprimento
de água 2 - Unidade de distribuição
e controle de intensidade das chuvas
3 - Unidade de geração de
gotas
Figura 1 – Esquema estrutural e funcional do Simulador Leuven, utilizado nos experimentos de laboratório.
20
Fotos 1 e 2 – Visão geral do simulador de chuvas Leuven.
21
As gotas formadas pelos capilares apresentam diâmetros em torno de 5 mm e,
depois de transpor a peneira (3 mm) localizada abaixo do “dropmaker” (1,70 m),
passam a ter diâmetros que variam entre 0,1 e 4,5 mm. Sua distribuição ocorre sobre
uma superfície aproximada de 1m2 . A figura 2 apresenta a distribuição percentual das
gotas de chuva formadas pelo simulador (segundo Jean De Ploey), podendo-se
comparar com as diferentes distribuições estudadas por Laws e Pearsons (1943) para
chuvas naturais. O diagrama mostra que o tipo de gotas produzidas, assim como sua
distribuição, é sempre constante para qualquer intensidade utilizada, enquanto nas
chuvas naturais ocorrem variações. As gotas mais freqüentes produzidas pelo
simulador situam-se entre 2 e 3 mm de diâmetro (41,35%), o que, na média, se
aproxima das chuvas naturais entre 15 e 40 mm/hora.
As variações de altura da unidade de geração de gotas acarretam modificações
nos valores energéticos das mesmas.
A energia cinética das gotas é uma função da massa e da velocidade de queda (Bertoni, 1967). As gotas de chuva na queda podem alcançar uma velocidade máxima, isto é “velocidade terminal”, a partir da qual o movimento é uniforme. Esta velocidade constante é atingida quando a resistência oposta à queda é igual ao peso do corpo menos o empuxo para cima. Segundo Laws (1941), gotas entre 2 e 3 mm (gotas mais freqüentes produzidas pelo simulador) adquirem 95 % de sua velocidade terminal após a queda de uma altura entre 5,0 e 7,2 m, respectivamente.
A altura máxima do simulador durante os experimentos foi, aproximadamente,
de 6,50 m, o que permite trabalhar com elevados percentuais de velocidade terminal
das gotas. O potencial energético de uma chuva é caracterizado pelo somatório da
energia cinética das gotas, conforme sua massa e velocidade (Ekern, 1950). A energia
das chuvas naturais é diretamente proporcional à sua intensidade (Wischmeir e Smith,
22
1958). A razão dessa proporção está no incremento dos diâmetros das gotas, assim
como na elevação da freqüência de queda, considerando um mesmo espaço de tempo.
Nas chuvas simuladas a distribuição das gotas é sempre constante, portanto, o
incremento energético ocorre em função da intensidade e com o aumento da
freqüência de gotejamento.
e Pe
relac
inten
prim
Figura 2 – Distribuição percentual de gotas de diferentes chuvas (Segundo Laws
arsons, 1943) comparada com as gotas produzidas pelo simulador Leuven.
Em resumo, as principais diferenças entre as chuvas naturais e simuladas estão
ionadas à distribuição das gotas e à razão de proporcionalidade entre a
sidade e a energia da chuva, sendo que o segundo aspecto é conseqüência do
eiro.
23
2.3.b – Os “flumes”
Os “flumes”, também chamados de canaletas, são caixas experimentais
desenvolvidas em função dos objetivos traçados. Neste caso, sua construção baseou-
se na possibilidade de medição das taxas de infiltração em amostras de solo durante a
exposição às chuvas simuladas. Eles foram desenhados e construídos por equipes do
Instituto de Geociências da UFRJ, projeto “Impacto diferencial da erosão pluvial em
solos tropicais”. O primeiro deles apresenta as seguintes dimensões internas: 70 cm de
comprimento, 40 cm de largura e 15 cm de altura, sendo que a parte frontal foi
dimensionada com apenas 13 cm (Fotos 3 e 4). A definição das medidas baseou-se na
área de atuação do simulador (+1 m2), sendo que a altura foi arbitrada. Como as taxas
de infiltração estão condicionadas às características superficiais (Horton, 1933),
consideramos a altura satisfatória para a execução dos experimentos. A altura da parte
frontal (13 cm) corresponde à espessura da amostra e, deste modo, a água resultante
do escoamento superficial flui sobre a parte frontal, reduzindo o efeito de borda comum
em experimentos dessa natureza.
A coleta da água de infiltração foi possível através da colocação de duas telas
(uma de nylon e outra de arame) no fundo do “flume”. A primeira impede a saída das
partículas maiores, enquanto a segunda funciona como elemento de sustentação da
amostra. Depois de ultrapassar o fundo permeável, a água é coletada por um funil de
alumínio nas mesmas dimensões do “flume” sendo canalizada até uma bureta
graduada situada logo abaixo (Foto 5). As medições foram realizadas por
cronometragem do tempo de preenchimento do volume da bureta (25 cc), sendo
posteriormente convertidos em cc/min.
24
Fotos 3 e 4 - Visão geral do “Flume” nº 1
25
estim
subs
segu
com
com
(sup
água
textu
do “
prim
reco
grad
pelo
Foto 5 – Detalhe do sistema
de medição de infiltração do
“Flume” nº 1
A análise crítica dos primeiros resultados experimentais com este “flume”,
ulou a construção de um segundo modelo (Fotos 6, 7 e 8), porque os fluxos
uperficiais tendem a elevar os valores de infiltração nas amostras inclinadas. No
ndo “flume” as dimensões de largura e altura são as mesmas, porém, o
primento foi ampliado em 30 cm. Este aumento resultou da criação de um segundo
partimento com o objetivo de medição dos valores de escoamento lateral
erficial e subsuperficial). Para isto foi instalado um segundo funil para coleta da
decorrente destes fluxos. Este compartimento foi preenchido com sedimentos de
ra elevada (areia grossa) enquanto a amostra de solo foi posicionada no restante
flume”. Neste modelo, ocorreram duas coletas de água infiltrada, sendo que a
eira mediu o movimento vertical na amostra e a segunda, os fluxos laterais
lhidos pela parte arenosa. Por razões técnicas, não foram utilizadas buretas
uadas, fixando-se o tempo de 1 minuto para preenchimento dos volumes coletados
s respectivos funis.
26
Foto 6 – Aspecto geral do “Flume” nº 2
Foto 7 – Detalhes dos coletores de água de medição de infiltração
(esquerda) e escoamento superficial (direita) no “Flume” nº 2
27
a com
de so
de “lit
norma
cavad
infiltra
os pe
de pre
ausên
Foto 8 – Visão panorâmica do
“Flume “ nº 2, destacando-se o
preenchimento dos compartimentos
com a amostra de solo normalizado
(escuro) e areia grossa(claro)
A manutenção das dimensões iniciais do compartimento das amostras, permitiu
paração entre os resultados nos dois “flumes”.
2.3.c – Os experimentos
O roteiro das experimentações baseou-se no registro da infiltração em amostra
lo (bloco alterado) antes e após o recobrimento da superfície com uma camada
ter”. Foi utilizada uma amostra normalizada de solo coletada na área de estudo. A
lização, neste caso, envolveu a retirada de elementos como raízes, animais
ores, etc que participam, junto com o “litter”, na manutenção das taxas de
ção dos solos. A estrutura original da amostra foi alterada mantendo-se apenas
quenos agregados orgânicos. Deste modo, pode-se estabelecer, com certo grau
cisão, que as modificações na infiltração ocorreram por conta da presença ou
cia do “litter”.
28
No presente trabalho, apenas um tipo de solo foi utilizado nas experimentações
e, conforme os levantamentos preliminares, não se pode considerá-lo como o mais
representativo da área. Entretanto, ao considerar os objetivos experimentais, a
representatividade do solo tornou-se secundária. Como as características texturais e
estruturais do substrato interferem nos processos estudados, existe a pretensão futura
para se utilizar outros topos de solo.
Os estudos do comportamento da infiltração em função da presença do “litter”
envolveram a análise da ação de diferentes intensidades de chuva sobre superfícies
com diferentes declividades. Foram escolhidas 4 intensidades para realização dos
experimentos (15 30, 45 e 75 mm/h). A altura do simulador foi fixada em 4,6 m entre os
capilares e os “flumes”, o que significa uma energia de impacto das gotas de 79,4% de
sua velocidade terminal. Nestas circunstâncias, para cada milímetro de precipitação
têm-se 20,7 joules/m², segundo cálculos feitos por Jean De Ploey. Partiu-se da
hipótese de que o aumento da intensidade tem influência direta sobre as alterações
estruturais na superfície do solo e, portanto, sobre sua capacidade de infiltração (Arend
e Horton, 1942; Musgrave, 1947; Ward, 1967 e outros).
As declividades da amostra foram 0º, 8º e 15º, sendo que para cada declividade
foram realizados 4 experimentos com as intensidades acima listadas totalizando 12
experimentos com o primeiro “flume”.
A seguir, são apresentadas as diversas etapas da rotina experimental
empregada. Esta rotina corresponde a uma adaptação dos estudos experimentais
realizados por Duley (1939).
1ª fase:
1. recobrimento da superfície da amostra com uma camada de “litter” (cerca
de 2 cm de altura) com folhas íntegras (Camada O1). Foram empregadas
29
folhas com comprimento entre 5 e 7 cm e largura entre 3 e 5 cm
coletadas na própria área de estudo (Domínio 4 da Vertente do Archer,
ver figura 4).;
2. fixação da intensidade da chuva simulada e da inclinação do “flume”;
3. início do experimento com medições sucessivas (intervalos de 2 minutos)
dos valores de infiltração pela cronometragem de preenchimento do
volume da bureta. Esta etapa prolongou-se durante 60 minutos para
todos os experimentos.
2ª fase:
1. remoção do “litter”
2. reinício das medições por período de tempo variável, tomando-se como
critério a observação do comportamento da própria infiltração2.
Durante os experimentos, foram realizadas observações diretas da ocorrência
de escoamento superficial, alterações da estrutura superficial da amostra, ação externa
de outras variáveis, etc. As conclusões sobre a influência do “litter” ocorreram por
comparação entre os comportamentos das curvas de infiltração nas duas etapas
relacionadas. A explicação do comportamento das curvas foi auxiliada pela seleção de
dois indicadores das condições de infiltração da superfície do solo. O primeiro deles foi
o grau de umidade no topo em comparação com a umidade subsuperficial (5 cm).
De acordo com o modelo clássico de Horton (1933), a entrada de água no solo depende das condições superficiais (capacidade de infiltração). A infiltração ocorre em proporções diretas à precipitação, se a intensidade da chuva for inferior ou igual à capacidade de absorção do solo. Sendo superior, surge um excedente de umidade que tende a escoar superficialmente. Baseado nisto, as condições e umidade dos primeiros centímetros podem refletir as
2 A segunda etapa dos experimentos teve duração média de 80 minutos.
30
proporções entre precipitação e entrada de água no solo.
As medições de umidade ocorreram em amostras retiradas antes dos
experimentos iniciarem e no final das primeiras e segundas fases. As diferenças
registradas serviram como base de compreensão parcial do comportamento das
curvas.
O segundo indicador das alterações considerou as análises micromorfológicas
de amostras do solo durante os experimentos. Sua finalidade foi observar
microscopicamente eventuais alterações estruturais do topo do solo ao longo dos
experimentos, juntamente como material utilizado para medição da umidade.
Segundo Brewer (1972) o emprego da análise micromorfológica tem tido larga aceitação nos estudos sobre a história e processos de desenvolvimento de perfis de solo, pois permite mostrar o arranjo dos constituintes edáficos por meio de uma escala bastante reduzida. Num dos níveis de interpretação dos dados micromorfológicos, certos processos como a iluviação de argilas, selagem de poros, compactação, etc, podem ser detectados, evidenciando-se as razões da alteração nas taxas de infiltração no solo.
As análises micromorfológicas foram precedidas pelas seguintes etapas:
amostragem, impregnação e laminação. A amostragem foi realizada promovendo-se o
mínimo de alterações na estrutura. Para isto, foram utilizados pequenos cilindros de
alumínio (5 cm de altura) dotados de corte longitudinal que possibilita sua abertura para
remoção da amostra3. O material foi colocado em pequenas formas de alumínio e seco
ao ar por 10 dias. Após a secagem, inicia-se a impregnação da amostra com uso de
3 Após a retirada das amostras de solo para medição de umidade e análise micromorfológica, houve recomposição dos espaços pela adição de material.
31
resina Polylite T 208 (transparente e pré-acelerada) numa concentração de 65%. Os
35% restantes são constituídos por Monômero de Estireno (diluente) mais a adição de
algumas gotas de catalizador. O diluente promove a diminuição da viscosidade da
resina, facilitando a sua penetração pelos poros da amostra. O processo é realizado
em etapas pela adição gradual da resina em condições de baixa pressão atmosférica
no interior de um dessecador de vidro. A formação de vácuo no interior do dessecador
facilita a penetração da resina na amostra acondicionada em recipiente de alumínio. O
procedimento foi repetido por, pelo menos, 3 dias sucessivos até que a resina
adicionada ultrapassasse a superfície da amostra. A secagem ocorreu num período de
20 dias, o que reduz a possibilidade de alterações estruturais devido a uma secagem
muito rápida.
Depois da secagem, os pequenos blocos foram cortados no sentido horizontal
da coleta e a laminação realizou-se na parte mais superficial (topo). As análises
microestruturais nas lâminas ocorreram com ajuda de microscópio (35 x) acoplado a
uma máquina fotográfica.
As técnicas de impregnação e laminação se basearam nos trabalhos de Kelly,
Chapman e Pettifer (1970), Hanrion (1976) e nas orientações teórico-práticas do Dr.
Armand Chauvel do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP) que
também assessorou as análises micromorfológicas das lâminas.
Os experimentos com o segundo “flume” seguiram a mesma rotina de trabalho
empregada no primeiro. Neste, foram realizados apenas 4 experimentos sendo dois
deles com declividade de 8º e os restantes com 15º. As intensidades de chuva
selecionadas foram 30 e 75 mm/h. Foram registrados os valores de infiltração e
escoamento lateral através dos coletores já descritos. Dados de umidade também
foram registrados, mas não foram realizadas amostragens para estudo
32
micromorfológico, já que os experimentos com este segundo “flume” tiveram o objetivo
maior de corrigir algumas distorções das medidas de infiltração constatadas no
primeiro.
33
3 – CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO
3.1 – Aspectos gerais e topografia
A área de estudo se localiza no interior de uma sub-bacia formadora do Rio
Cachoeira no Maciço da Tijuca. Em 1976, foi implantada uma Estação Experimental
pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFRJ. Os detalhes de sua
localização e das principais características estão descritas no trabalho de Coelho Netto
(1979).
Conforme a autora, a sub-bacia do rio Cachoeira abrange uma área de 3,45 km² numa configuração triangular e seu perímetro atinge 8,1 km. A topografia é marcada por um relevo montanhoso onde sobressaem os pontões rochosos. Entre eles, destaca-se o pico da Tijuca (1022 m), ponto central do Maciço da Tijuca, além do Pico do Papagaio (983 m), Pedra do Conde (821 m), Pedra do Elefante (863 m) e Pedra do Archer (800 m). Os declives mais freqüentes na sub-bacia ocorrem entre 12 e 22º (50%), havendo uma redução bastante significativa em direção aos valores extremos. Os declives superiores a 39º apresentam uma freqüência total de apenas 6%, enquanto as áreas com declividade inferior a 6º são pouco freqüentes (2,5%). O substrato rochoso, de idade pré-cambriana, é constituído predominantemente por gnaisses diversos (microclina, biotita e granitóides) e algumas intrusões de granitos. Em termos pedológicos, sobressai a ocorrência de grandes extensões de latossolos. A profundidade dos regolitos é bastante variável e parece altamente relacionada com as feições topográficas, pois no fundo das depressões espessam-se e são mais delgadas nos esporões. Texturalmente, os colúvios apresentam teores de siltes e argilas inferiores, em geral, às concentrações de cascalhos e areias (35,7% em média). Sobre a precipitação, os totais anuais mais freqüentes, com base nos dados obtidos durante 9 anos (1967 a 1975), apresentam-se entre 2000 e 2500 mm. O período anual mais chuvoso corresponde ao verão havendo um pequeno decréscimo durante o inverno. A cobertura vegetal é formada por Mata Latifoliada Perene, onde se destaca a grande
34
diversidade de espécies. Existem 3 estratos principais na mata (arbóreo, arbustivo e herbáceo) além da grande quantidade de epífitas, lianas (cipós) e escandentes (trepadeiras). As espécies encontram-se em estágio de recomposição florestal (sucessão) em função de diferentes usos submetidos ao solo até o fim do século XIX (1860).
Para desenvolvimento do presente estudo, as informações foram centralizadas
numa vertente situada na porção centro-oeste da sub-bacia nas proximidades da Pedra
do Archer (Figuras 3 e 4).
Parque Nacional da Tijuca/RJ
Figura 3 – Localização da área de estudo na Bacia Experimental do Rio Cachoeira,
Parque Nacional da Tijuca, RJ
35
Figura 4 – Perfil topográfico da Vertente do Archer (Maciço da Tijuca, RJ) e localização
dos domínios vegetais e pontos de amostragem.
36
A vertente compreende um interflúvio que se desenvolve desde as proximidades
de um paredão rochoso (Pedra do Archer) e que se prolonga por cerca de 170 m
(Figura 4). Nas imediações do paredão, a declividade é bastante acentuada (acima de
20º; com média de 25º), abrangendo 60% da extensão total. As áreas com declividade
inferior a 10º (média de 6º) compreendem 28% do total. Estas características
topográficas podem ser consideradas como representativas da própria bacia
experimental, respaldadas nos levantamentos de Coelho Netto (1976).
Dados de campo mostram uma nítida variação do substrato ao longo da vertente
que acompanha as mudanças topográficas. Litologicamente, a encosta é formada por
um substrato de microclina-gnaisse recoberto por uma formação superficial de
espessura variável (6 metros ou mais). Na base do paredão rochoso ocorrem grandes
concentrações de blocos embutidos numa matriz fina quartzosa mal selecionada
(feição de talus). Mais abaixo, uma formação coluvial passa a recobrir este depósito
passando a predominar a matriz fina, enquanto os blocos passam a ser encontrados
esporadicamente. Nas áreas menos íngremes, os blocos praticamente desaparecem.
Esta sucessão tem sido descrita por alguns autores para certas regiões serranas do
sudeste brasileiro.
A estrutura desses materiais denuncia uma gênese ligada a processos de movimentos de massa dos regolitos alterados. Literatura, os depósitos grosseiros observados na base do paredão são definidos como típicos e decorrem de fenômenos como corridas de lama ou avalanches de detritos (Bigarella et alii, 1965 e Troll, 1969). Um excesso de água parece ter possibilitado a ultrapassagem do limite de liquidez destes materiais durante o Quaternário. Do ponto de vista paleohidrológico, estes depósitos testemunham antigos eventos da alta energia. A sua gênese e a preservação de partículas finas entre as mais grosseiras sugerem uma posterior redução na importância destes impulsos climáticos responsáveis pela “mise em place” dos depósitos.
37
Face à importância desses movimentos de massa, pequenas bacias de recepção e reentrâncias podem apresentar sinais de deposição próximos aos divisores de água.
3.2 – As variações texturais na matriz superficial
Com o objetivo de caracterizar texturalmente a matriz superficial, principalmente
em função das relações com a permeabilidade do solo, foram analisadas 44 amostras
obtidas em 22 pontos ao longo da vertente. De cada ponto, tem-se informações
texturais do topo e de 5 cm de profundidade. A localização destes pontos encontra-se
na Figura 4 e os dados texturais, representados pelo cálculo dos índices entre
grosseiros e finos (G/F), são apresentados na Figura 5.
a
0
0,5
1
1,5
2
2,5
3
3,5
4
4,5
5
0 5 10 15 20 25
Amostras
Gro
ssei
ros/
Fino
s (G
/F)
topo 5 cm
Figura 5 - Variações texturais entre amostras do topo e 5 cm representadas través do índice G/F.
38
Observa-se que a relação G/F decresce nas amostras subsuperficiais (5 cm)
significando que os teores de siltes e argilas são mais baixos no topo do solo. Em 8
amostras (36,4 %) as diferenças foram maiores que 100%. Em 12 casos (54,5%), elas
se apresentaram menores que 100% e em apenas 2 casos (9,1%), o topo apresentou
valores de materiais finos ligeiramente mais elevados que a 5 cm (amostras 15 e 16).
Inicialmente não se pode tirar qualquer conclusão definitiva, mas existem
indícios de que a porção superficial dispõe de maior permeabilidade. A proteção
exercida pelo “litter” contra o impacto direto das gotas de chuva e a gradual liberação
de umidade para o solo, pode ser um dos responsáveis pela presença de materiais
mais finos a 5 cm. Neste caso, os movimentos de percolação (verticais) estariam
prevalecendo em relação aos movimentos laterais superficiais, promovendo a lavagem
e o transporte dos sedimentos mais finos para baixo.
3.3 – Cobertura vegetal
Na área de estudo observa-se uma cobertura florestal tipicamente secundária e
em processo de sucessão.
A literatura destaca que até meados do século XVII, a densa mata primitiva permaneceu praticamente intocada (Atala, 1966). Entretanto, depois disso, desencadeou-se a ação antrópica na região acarretando sucessivas transformações decorrentes da exploração efetiva de seus recursos. Inicialmente, desenvolveu-se uma fase extrativista, seguindo-se então a fase agrícola. Após a remoção da vegetação para exploração de madeiras e o abate de árvores para lenha e carvão, a região foi utilizada para plantio de cana de açúcar (baixadas) e posteriormente, atividade cafeeira (encostas) Diversos problemas decorrentes do uso indiscriminado dos solos, especialmente aqueles envolvendo o abastecimento de água para a população, levaram o governo a tomar medidas visando a recuperação dos mananciais. Sendo assim, foi iniciado o reflorestamento das encostas,
39
principalmente do Maciço da Tijuca com o uso de espécies regionais e de outras áreas. Esta atividade foi mais expressiva durante o período compreendido entre 1860 e 1880.
Entre as características atuais da vegetação está a existência de grande
quantidade de espécies arbóreas em estágios de crescimento nos estratos inferiores
(herbáceo e arbustivo). A pequena densidade de cobertura aérea, em comparação com
as florestas primitivas, corresponde a outro indicador de sua condição de mata
secundária. A presença de exemplares de “Imbaúba” (Gen. Cecropia) na composição
da mata é outra indicação desta condição, sendo comum em toda bacia experimental4.
Ao longo da vertente existe uma nítida variação na composição florística e na
densidade da cobertura aérea. Para poder caracterizar a vegetação local, foram
reconhecidos quatro domínios principais (ver Figura 4) e que serão descritos em
seguida. A identificação da vegetação ocorreu com a assessoria técnica do Biologista
Henrique F. Martins (DECAM/FEEMA - Departamento de Conservação Ambiental da
Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente).
DOMÍNIO I
Abrange uma área com cerca de 12 metros de extensão localizada nas
proximidades da Pedra do Archer. A vegetação é pouco densa e a cobertura das copas
abrange 40%, em média. A vegetação arbustiva é escassa e são observados diversos
troncos caídos sobre o solo. A ação do vento, aliada a forte declividade do terreno
(25º), parece interferir nesta fisionomia.
4 As espécies de Imbaúbas são consideradas indicadoras da matas secundárias pelo fato crescerem mais rapidamente que as demais espécies quando ocorre o desmatamento, sendo beneficiadas pela maior insolação.
40
A vegetação dominante é composta por indivíduos das famílias Palmae (Gen
Atalea, Geonoma e Euterpe), Annonaceae (Gen. Xilopia) e Graminae (Gen. Merostax e
Chusquea). Também foram encontrados indivíduos do Gen. Cecropia (“Imbaúba”).
DOMÍNIO II
A cobertura torna-se mais densa, seja pela maior freqüência de exemplares
arbóreos, seja pelo incremento de outros extratos intermediários. A densidade
estimada da cobertura é de 60% e o domínio atinge cerca de 22 m em área com
declividade de 20º. No estrato arbustivo predominam os indivíduos da família Palmae
(Gen. Euterpe e Geonoma). Também foram encontrados indivíduos das famílias
Euphorbiaceae (Gen. Hyeronymia), Legumminosae (Gen. Copaifera), Guttiferae (Gen.
Kyelmeyera), Myctaginaceae (Gen. Pisonea), Malphighiaceae (Gen. Bunchosia),
Rubiaceae (Gen. Psychotria), Polygalaceae (Gen. Polygala) e Bignoniaceae (Gen.
Tabebuia).
DOMÍNIO III
Neste domínio registrou-se grande freqüência de Gramíneas (bambus) dos Gen.
Chusquea e Merostax. Na medida em que ocupam a área ocasionam o entrelaçamento
da vegetação e o aumento da cobertura (cerca de 80%). A extensão é de
aproximadamente 60 m e a declividade oscila em torno de 15º.
Na composição florística foram encontrados indivíduos das famílias Cyperaceae
(Gen. Scleria), Polygonaceae, Vochysiaceae (Qualea glaziovii), Proteaceae (Gen.
Roupala), Rubiaceae (Gen. Psycotria), Lauraceae (Ocotea teleiandra), Solanaceae
(Gen. Brunfelsia) e Palmae (Gen. Geonoma e Euterpe).
41
DOMÍNIO IV
Como no caso anterior, este domínio ocupa área representativa na vertente com
uma extensão total de 68 m e densidade de cobertura por volta de 80%. A declividade
média é de 9º, a menor de toda vertente. A diversidade vegetal é grande, ocorrendo
espécies já encontradas em outros domínios e algumas outras, principalmente
arbóreas, específicas da área. Não foi constatada a predominância de qualquer
espécie.
As principais famílias identificadas foram: Meliaceae (Gen. Guarea e Cabralea),
Rubiaceae (Psycotria hancorniaefolea e P. leiocarpa), Palmae (Gen. Geonoma,
Euterpe e Astrocaryum), Myctaginaceae (Gen. Pisonea), Guttiferae (Clusia criuva),
leguminosae ( (Gen. Machaerium), Proteaceae (Gen. Roupala), Cochysiaceae (Qualea
glaziovii), Bignoniaceae (Gen. Tecoma), Melastomataceae (Gen. Miconia), Gramínea
(Gen. Chuesquea), Tiliaceae (Gen. Trirninfetta), Malphighiaceae (Gen. Bunchosia e
Heteropteres) e Polygalaceae (Polygala lauréola).
3.4 – Distribuição e composição do “litter”
A composição e distribuição do “litter” florestal acompanham as variações
topográficas e da vegetação. Nas áreas mais íngremes, sobretudo no Domínio I, o
“litter” apresenta-se disposto de forma descontínua. Em muitos locais a superfície não
apresenta cobertura, provavelmente devido aos pequenos movimentos das folhas
sobre o terreno íngreme. Nos demais domínios vegetais, o “litter” apresenta-se
uniformemente distribuído superficialmente. Sua composição varia conforme o tipo de
vegetação encontrada nas áreas. No primeiro domínio descrito, prevalecem as folhas
de palmeiras (Gen, Geonoma e Euterpe) e de árvores que compõem os estratos mais
altos. Existem muitos troncos e galhos sobre a superfície, sendo que os troncos
42
pertencem aos indivíduos do Gen. Cecropia. Quando estão posicionados
perpendicularmente ao comprimento da encosta, funcionam como elementos de
“represamento” das folhas e outros detritos. À montante ocorre um acúmulo de material
e à juzante, o solo apresenta-se praticamente nu. Blocos de pedras também exercem
efeito semelhante (Fotos 11, 12 e 13).
O tipo de folhas encontrados no “litter” neste primeiro domínio apresenta, em
geral, comprimento acentuado em relação à largura (folhas de palmeiras), além de ser
um material composto por fibras longitudinais e de difícil decomposição microbiana
(Fotos 9 e 10). A existência deste tipo de folhas em maior quantidade, além dos troncos
e galhos, sugere a ocorrência de fluxos superficiais intensos, principalmente sob
condições de saturação. Por outro lado, a canalização promovida pelas folhas e
troncos, poderia promover erosão nas áreas desprovidas de cobertura, mesmo que de
forma descontínua. A espessura destas camadas apresenta-se entre 2 e 3 cm, mas,
nas áreas de “represamento” pode atingir 10 cm.
No Domínio II, além das folhas de palmeiras, encontramos diversos tipos de
materiais, juntamente com a diversificação florística. A espessura das camadas situa-
se entre 3 e 4 cm, podendo haver trechos com maior acumulação. Os galhos são
encontrados, mas em menor quantidade que no caso anterior. As taxas de
decomposição têm um significado maior e isto se reflete na presença de um Horizonte
O2 mais definido. A maior diversidade vegetal também contribui para a ação dos
microrganismos. A estrutura e o tipo de material encontrado sugerem também a
existência de um elevado potencial de canalização de fluxos sob condições de
saturação, porém numa escala supostamente menor.
43
Fotos 9 e 10 – Vista geral das áreas de forte inclinação do Domínio I. O “litter” é
composto, principalmente, por folhas de palmeiras com elevado potencial de
canalização superficial de fluxos.
44
Fotos 11 e 12 – Detalhes da distribuição do “litter” sobre o solo nas áreas de
forte declive (Domínio I). Existe descontinuidade na acumulação dos detritos, além da
presença de superfícies canalizadoras.
Foto 13 – Troncos e galhos
posicionados perpendicularmente
à encosta, podem funcionar no
“represamento” de detritos. As
superfícies à juzante estão
desprovidas de maior proteção.
45
Nas áreas do Domínio III, o material é composto basicamente por folhas de
gramíneas (Gen. Chusquea) com formato lanceolado5 bastante proeminente. Variações
nesta composição são observadas em função da presença de outros tipos de vegetais,
porém em quase toda a área predominam as características acima citadas (Fotos 14 e
15). Nestas áreas, observamos certas peculiaridades na estrutura do “litter”,
diferentemente das demais. As folhas, dispostas em camadas resultantes dos
sucessivos ritmos de queda, estão interligadas pela presença de fungos filamentosos
(hifas) propiciando uma estrutura compacta e pouco permeável. O formato das folhas e
sua distribuição segundo um único plano, favorece esta estruturação e acredita-se que
isto também favoreça a ocorrência de fluxos superficiais.
Fotos 14 e 15 – Detalhes da
composição e estrutura do
“litter” nas áreas do Domínio
III. As folhas de bambu (Gen.
Chusquea) formam uma
estrutura favorável ao
escoamento superficial
hipodérmico
5 Lanceolado - em forma de lança
46
O Domínio IV é caracterizado pela presença de folhas lanceoladas com
comprimento levemente superior à largura, aproximando-se do formato elíptico. São
provenientes dos diversos tipos de vegetais, principalmente árvores existentes na área
(Fotos 18 e 19). A disposição sobre o solo se dá em diversos planos, principalmente
pelas rugosidades observadas nas folhas (Fotos 16 e 17). Ao contrário do domínio
anterior, a superfície apresenta-se bastante rugosa, além de conter diversas superfícies
de acumulação de água. A espessura média das camadas está em torno de 3 cm.
Nestas condições, acredita-se que os movimentos verticais de água devem predominar
em relação aos horizontais, considerando ainda que a declividade do terreno é a menor
no âmbito da vertente.
Fotos 16 e 17 – A grande
rugosidade das camadas de
“litter” no Domínio IV, possibilita
um elevado potencial de
armazenamento e promoção de
fluxos verticais.
47
Um detalhe observado ao longo de toda a vertente é a presença de uma camada
de raízes finas densamente distribuídas na interface com o solo mineral–folhas,
assumindo, muitas vezes, uma aparência esponjosa. Sua presença pode ser
decorrente de outras formas de vegetação que já ocuparam a área e/ou associada à
própria vegetação herbácea atual. Esta camada de raízes tem, certamente, um papel
hidrológico importante no que se refere a canalização de pequenos fluxos para o solo.
A presença de grãos de quartzo lavados associados a esta camada fortalece a idéia de
um transporte seletivo intenso nesta zona.
Fotos 18 e 19 – Aspectos
gerais da disposição do
“litter” nas áreas com
menor declividade do
Domínio IV
48
4 – O “LITTER” E A HIDROLOGIA DE SUPERFÍCIE
4.1 – Capacidade de retenção e intercepção
Foram analisadas 11 amostras, sendo 5 para estudo específico do potencial de
retenção e 6 para o potencial de intercepção. Os dados de capacidade de retenção
(Camadas O1 e O2) estão no Quadro 1. A numeração das amostras corresponde à
ordem de coleta na vertente de cima para baixo (Figura 4).
Quadro 1 – Capacidade de retenção do “litter”
Camadas (%) Amostra O1 O2
1
2
3
4
5
134
294
213
320
278
260
268
335
323
302
Conforme os dados, os valores obtidos são bastante elevados, mas ocorreram
variações em função do tipo de material. A amostra 1 é a que apresentou menor
capacidade (Domínio I) enquanto que a amostra 4 teve os valores mais elevados
(Domínio III). Em algumas amostras estes valores aproximaram-se ou ultrapassaram
300% de retenção, ou seja, para cada 100 g de material a retenção pode chegar a 300
g de água. Blow (1955), utilizando-se da mesma técnica, encontrou valores entre 200 e
250% para o “litter” em florestas de carvalho no Tennessee (EUA). Lowdwermilk (1930)
registrou valores em torno de 180% nas amostras coletadas em florestas de pinheiros
da Califórnia. Sternberg (1949), em estudos realizados na área do Itatiaia (RJ),
menciona valores de até 300%. Em linhas gerais, os valores aqui encontrados superam
os registros de pesquisas realizadas nas regiões extra-tropicais.
49
Os dados também mostraram que a camada O2 apresentou potenciais de
retenção mais elevados que a camada O1. As diferenças observadas entre as amostras
estão relacionadas às características particulares de cada material, tais como: relação
superfície/peso, estrutura foliar, constituição orgânica, etc (Voight e Walsh, 1976). No
caso da camada O2, o maior grau de desagregação e decomposição possibilita o
aumento da superfície específica implicando, portanto, em maior potencial de retenção
de água.
Conforme a discussão empreendida por Voight e Walsh (1976), a retenção de umidade está relacionada com fenômenos de absorção e adsorção (ou adesão) superficial. A absorção depende, principalmente, da porosidade, ou seja, da possibilidade de penetração de água nos poros do material. A adsorção depende de diversas características das folhas, tais como: área superficial, estrutura, relevo, forma, relação superfície/peso e composição orgânica. A relação superfície/peso-seco constitui-se num dos melhores indicadores quantitativos das diferenças de retenção entre vários tipos de folhas. Por exemplo, folhas com o mesmo peso seco podem ter superfícies diferentes, o que poderá refletir nos fenômenos de absorção e adsorção.
Para avaliação qualitativa preliminar da capacidade de intercepção do “litter”, ou
seja, do potencial de retenção de chuva (em mm), foram analisadas 6 amostras obtidas
nos pontos assinalados na Figura 4. Os resultados estão assinalados no Quadro 2 e
demonstram que existe uma proporcionalidade direta entre a capacidade de
intercepção das amostras e seu peso seco acumulado, o que não ocorreu com os
valores de retenção.
50
Quadro 2 – Dados de capacidade de intercepção do “Litter”
Amostra Peso seco (g) * Cap. Retenção (%) Cap. Intecepção (mm)*
I
II
III
IV
V
VI
104,1
88,8
60,2
74,7
56,0
81,1
227
241
244
285
174
216
28,4
25,8
17.5
25,6
11,8
21,2 *Valores expressos para amostras coletadas em áreas de 400 cm²
A amostra I apresentou o maior valor de intercepção, mas seu potencial de
retenção não é o mais elevado, sendo inferior às amostras II, III e IV. A amostra IV tem
maior potencial de retenção (285%) apesar de que seu peso seco é inferior à amostras
I, II e VI, mas sua capacidade de intercepção é bem elevada (25,6 mm). As amostras II
e IV diferem em 14 g no peso seco, porém, a capacidade de intercepção é
praticamente a mesma. Entre ass amostras I e IV os pesos secos diferem em torno de
30 g, mas a diferença entre seus potenciais de intercepção é de apenas 2,8 mm. Logo,
os valores de intercepção encontrados são bastante elevados, sendo que a retenção
da água precipitada não está na dependência apenas do peso seco acumulado, mas
das características individuais de cada tipo de material e do estado de decomposição
do “litter”. As diferentes quantidades de material acumulado no chão da floresta podem
interceptar volumes semelhantes de precipitação interferindo, possivelmente, em
distintas formas de comportamento hídrico.
Como já explicado na metodologia, os valores encontrados correspondem às
diferenças entre o peso seco e o peso úmido das amostras saturadas artificialmente. A
manipulação das amostras implica na mudança da estrutura original das camadas.
Mesmo com a imprecisão dos resultados em relação às condições naturais, existe uma
51
certa proporcionalidade que permite avaliar qualitativamente determinadas funções
hidrológicas do “litter”.
4.2 - Variações na umidade do “litter e as implicações na distribuição de
umidade na superfície do solo
Os estudos experimentais de campo sobre o comportamento da umidade do
“litter” e do solo superficial ocorreram após dois períodos chuvosos, intercalados por 10
dias.Deste modo, as variações de umidade foram acompanhadas antes e após as
precipitações durante todo o mês de julho e início de agosto de 1981. Os dados são
mostrados através da Figura 6, onde se pode visualizar também os volumes
precipitados diariamente, assim como as oscilações de temperatura ocorridas durante
todo o processo. Estes dados foram obtidos nas estações climatológicas da Capela
Mayrink e Alto da Boa Vista, respectivamente a 1300 e 1900 m da área estudada.
O primeiro período apresentou um volume total de 65,5 mm distribuídos em 5
dias. Deste total 65% (42,6 mm) precipitou no 1º dia, enquanto os 35% restantes
distribuiu-se de forma decrescente nos 4 dias posteriores. Nestes, a distribuição da
chuva foi irregular com poucas horas de efetividade (20 h) em relação ao período total.
No segundo período, o volume total foi de 32,1 mm, distribuídos em dois dias.
Deste total, 93% (29,7 mm) precipitou no 1º dia e os 7% restantes, no 2º dia durante 6
h. Entre o 1º e 2º dia houve um intervalo de 24 h.
52
Figura 6 - Variações na umidade do “litter” após dois períodos chuvosos consecutivos
Sobre os dados de temperatura, nota-se que entre o término da primeira e início
da segunda chuva há um crescimento gradual dos valores, atingindo 28,4º C. Após o
término da segunda chuva, o comportamento foi diferente do período anterior,
principalmente pelo fato de que a nebulosidade nestes dias foi bastante elevada. Logo,
os dois períodos estudados apresentaram-se de forma diferente, sendo o primeiro com
céu aberto e temperatura ascendente e o segundo, com elevada nebulosidade e
temperaturas oscilantes (altas e baixas).
53
As amostragens ocorreram pós o término dos dois períodos, sempre no horário
entre 11 e 13 h e as variações de umidade nos 3 “quadracts” delimitados em campo
(ver localização na Figura 4) estão caracterizadas na Figura 6.
As aparências das curvas de umidade são bastante semelhantes entre si,
observando-se apenas algumas diferenças numéricas, provavelmente decorrentes da
composição dos materiais e das condições microclimatológicas locais (temperatura,
evaporação, etc). As diferenças nos primeiros dias de coleta também podem estar
relacionadas aos volumes interceptados pelos estratos florestais superiores. Pode-se
supor que nas áreas de maior intercepção pelas copas, a umidade armazenada pelo
“litter” apresenta valores inferiores às áreas de menor intercepção. Entretanto, este
raciocínio só é valido para condições de não saturação das amostras.
No primeiro período de amostragem, a umidade manteve-se superior a 100% do
peso seco durante os 3 primeiros dias, decrescendo até cerca de 26% no 9º dia. No
segundo período, a manutenção da umidade acima dos 100% prolongou-se até o 5º
dia, só chegando a 25% depois de 14 dias e 20 % no 19º dia. As diferenças entre os
dois períodos de amostragem podem ser explicadas pelas variações térmicas
registradas no gráfico. No primeiro período houve uma elevação contínua das
temperaturas e as condições de evaporação devem ter sido mais favoráveis. No
segundo, as taxas de evaporação foram menores o que ajudou a manter a umidade do
“litter” mais elevada por um prazo relativamente maior.
A comparação entre os dois períodos mostra ainda, que os valores de umidade,
logo após o fim da primeira chuva, foram inferiores aos valores do início do segundo
período, mesmo que o volume precipitado tenha sido superior. As possíveis razões
parecem situar-se na análise das características das chuvas. No primeiro período, a
descontinuidade da chuva observada durante os 5 dias propiciou condições às copas
54
de interceptarem grande parte da água, promovendo menor contribuição de umidade
para o interior da floresta. Aliado a isto, as condições de evaporação entre os intervalos
das chuvas no primeiro período contribuíram para redução dos valores de umidade
inicialmente retida pelo “litter”. No segundo caso, a concentração da chuva num
período menor não permitiu o estabelecimento das mesmas condições de evaporação
supostamente ocorridas no período anterior.
Um detalhe importante a ser observado nos gráficos é a variação média de
umidade nas amostras entre o fim do primeiro e o início do segundo período. Houve
uma variação de cerca de 184%, o que significa que as amostras retiveram cerca de
160% de seu peso após a segunda chuva. (descontando a umidade antecedente de
26%). Os dados indicam um elevado percentual de intercepção, principalmente em
função dos baixos valores registrados antes do início do segundo período de
amostragem.
O comportamento dos valores de umidade nos primeiros 10 cm de solo foi
estudado nos 3 pares de “quadracts” delimitados na área (3 com “litter” e 3 sem) e são
mostrados nas Figuras 7, 8 e 9. Nos gráficos, observa-se que nos “quadracts” com
cobertura a umidade apresentou-se mais elevada na maioria das vezes. As diferenças
foram maiores entre as amostras do topo do solo, ocorrendo em 90% das amostragens
(nos 3 “quadracts”). Em relação aos 5 e 10 cm, nem sempre a umidade do solo sob o
“litter” foi superior, ocorrendo entre 67 e 70% dos casos, respectivamente. Isto indica,
em princípio, que o “litter” atua de forma mais significativa em relação à umidade das
camadas mais superficiais do solo. Blow (1955) em estudos desenvolvidos nas
florestas de carvalho, menciona que os 10 primeiros centímetros do solo sob a
cobertura do “litter”, apresentam-se 20% mais úmidos do que naqueles sem proteção.
55
Figura 7 – Variações de umidade do solo relativas ao Quadract I
56
Figura 8 – Variações de umidade do solo relativas ao Quadract II
57
Figura 9 – Variações de umidade do solo relativas ao Quadract III
58
Sobre as variações temporais, existe uma proporcionalidade inversa entre o teor
de umidade do solo e o número de dias após a chuva para todos os “quadracts”.
Entretanto, nas curvas relativas às amostras com cobertura, a redução da umidade é
mais gradual mantendo-se, em alguns casos, praticamente constante nos primeiros
dias após o término das chuvas. Este comportamento é mais nítido no topo do solo,
mas também foi observado nos Quadracts I e II à 5 e 10 cm. Quando não existe
cobertura, a queda dos valores ocorreu de forma mais acentuada em muitos casos. As
diferenças observadas nas curvas podem denotar a ocorrência de um lento processo
de liberação de umidade para o solo nos primeiros dias e também a redução das taxas
de evaporação. Esta hipótese é reforçada pelo fato de que o início da redução nos
valores praticamente coincide com o final dos períodos em que a umidade do “litter”
manteve-se acima de 100%.
4.3 – A influência do “litter” na infiltração e escoamento lateral; experimentos de
laboratório
Para realização dos experimentos em laboratório com o uso dos “flumes”, foi
utilizado um tipo de solo cuja caracterização textural está representada na Figura 10.
Na composição do material prevalece a fração arenosa (72,4%), havendo um elevado
teor de matéria orgânica (12,2%). A fração orgânica confere ao solo uma estrutura
caracterizada pela grande quantidade de agregados orgânicos (grumos). A
normalização da amostra manteve os agregados menores que 1 cm, para observação
das modificações estruturais durante os experimentos. A seguir serão apresentados os
resultados obtidos com os “flumes” 1 e 2.
59
Areias72,3%
Siltes e Argilas10,8%
Matéria orgânica
12,1%
Grânulos4,8%
Figura 10 – Composição
textural do solo utilizado
nos experimentos
4.3.a – “Flume” nº 1
Os resultados dos 12 experimentos são mostrados nas Figuras 11, 12 e 13.
Cada figura apresenta os dados de infiltração (antes e após a remoção do “litter”) para
experimentos de quatro intensidades de chuva (15, 30, 45 e 75 mm/h), com inclinação
fixa.
Os resultados da Figura 11 (∝ = 0º) indicam que existe uma proporcionalidade
direta entre os valores de pluviosidade e infiltração. Para uma chuva de 15 mm/h, a
infiltração oscilou entre 25 e 30 cc/min ao longo do experimento. Quando a intensidade
atingiu 75 mm/h os valores elevaram-se para níveis em torno de 250 cc/min (com
cobertura de “litter”). Observa-se também, que a presença do “litter” nos primeiros 60
minutos manteve uma certa estabilidade nas taxas de infiltração, mas o fato não se
repetiu após a sua remoção nos experimentos com 45 e 75 mm/h. No experimento com
45 mm/h a redução da infiltração variou de 140 para cerca de 90 cc/min, ou seja,
menos 35,7% após a retirada dos detritos. No experimento com 75 mm/h as alterações
60
foram mais intensas e rápidas, variando de 250 para menos de 50 cc/min após 50 min
da retirada do “litter”, ou seja, 80 % menor. Os dados de umidade obtidos durante estes
dois experimentos indicam que as diferenças entre o topo e 5 cm aumentaram no final.
Ao final da 1ª fase, a umidade das camadas situava-se em torno de 38% (75 mm/h) e
36% (45 mm/h), elevando-se para 46% no topo, em ambos os casos. Os dados
indicam que a umidade concentrou-se no topo do solo e não infiltrou
proporcionalmente, contribuindo para a alteração da estrutura superficial. Isto se
explica pelo fato de que a saturação favorece a perde de coesão entre as partículas.
Estas, por sua vez, passariam a obstruir os poros maiores, reduzindo a capacidade de
infiltração da amostra. As fortes intensidades e a condição plana da superfície, aliado
ao fato de que não havia uma proteção de amortecimento das gotas de chuva e
liberação gradual da água, ajudam a explicar os resultados obtidos.
No caso das chuvas menos intensas (15 e 30 mm/h), o comportamento da
infiltração não obedeceu ao mesmo padrão observado anteriormente. Após a remoção
dos detritos ocorreram elevações nas taxas de infiltração durante algum tempo até o
início de um processo de queda muito gradual. Nos dois casos, os dados de umidade
indicam que o topo do solo tornou-se ligeiramente mais úmido no final, mas sem
grandes diferenças em relação aos 5 cm de profundidade. Segundo estes resultados,
acredita-se que a capacidade de infiltração do solo, mesmo após a retirada do “litter”,
manteve-se elevada e em condições de absorver o volume de chuva precipitado. Estas
chuvas mais fracas não chegaram a produzir efeitos tão significativos na estrutura do
topo do solo a ponto de alterar a sua capacidade de infiltração durante o período de
experimentação, ao contrário do que ocorreu com os experimentos realizados com
intensidades maiores.
61
Infil
traç
ão (c
c/m
in.)
Declividade = 0º
0
50
100
150
200
250
300
5 15 25 35 50 60 70 80 90 100 110 120 130 140
Tempo (min.)
15 mm/h 30 mm/h 45 mm/h 75 mm/h
Sem “litter”Com “litter”
Figura 11 – Dados de infiltração e umidade do solo nos experimentos com o Flume nº 1 (Ângulo = 0º)
20
25
30
35
40
45
50 75 mm/h
Valores em % de umidade do solo
Fases de Amostragem: 1 – Inicial 2 – Intermediária 3 – Final
20
25
30
35
40
45
50
1 2 3
Topo 5 cm
15 mm/h
20
25
30
35
40
45
50 30 mm/h
20
25
30
35
40
45
50 45 mm/h
62
Os resultados dos experimentos com declividades de 8º e 15º (Figuras 12 e 13),
também mostraram alterações no comportamento da infiltração após a remoção do
“litter”, porém, foram observadas algumas peculiaridades. Como na Figura 11, as
chuvas de 45 e 75 mm/h foram responsáveis por alterações mais significativas na
infiltração. Entretanto, logo após a remoção dos detritos, houve um aumento nos
valores até o início de um processo de declínio mais acentuado. Nestes casos, não
foram observadas diferenças marcantes de umidade entre o topo e 5 cm como aquelas
registradas nos experimentos sem declividade. Acredita-se que ângulo da amostra
possibilitou a ocorrência de fluxos laterais, reduzindo a permanência da umidade nos
primeiros centímetros. Isto contribuiu para que os valores de infiltração aumentassem
rapidamente logo após a retirada do “litter”. Entretanto, os fluxos laterais subsuperficiais
se defrontaram com o limite frontal do “flume” somando-se às águas de infiltração. Tal
fato, denominado como “efeito de borda”, é comum em experimentos dessa natureza
onde os limites laterais obstruem o livre trânsito da água.
Nos experimentos com 30 mm/h (∝ = 8º e 15º), a remoção do “litter” foi
acompanhada por pequena elevação nas taxas de infiltração durante cerca de 50
minutos até iniciar uma fase de declínio. Esta foi mais acentuada no ângulo de 15º.
Já nos experimentos com 15 mm/h, a infiltração aumentou após a remoção do
“litter” mantendo-se assim ao longo de todo o período analisado. As condições de baixa
energia relativas a estas chuvas não foram suficientes para modificar a estrutura
superficial e comprometer a capacidade de infiltração do solo.
63
Declividade = 8º
0
50
100
150
200
250
300
5 15 25 35 50 60 70 80 90 100 110 120 130 140
Tempo (min.)
Infil
traç
ão (c
c/m
in.)
15 mm/h 30 mm/h 45 mm/h 75 mm/h
Sem “litter”Com “litter”
20
25
30
35
40
45
50
75 mm/h
Valores em % de umidade do solo
20253035404550
1 2 3
Topo 5 cm
15 mm/h
Fases de Amost1 – Inicial 2 – Int
Fases de Amostragem: 1 – Inicial 2 – Intermediária 3 – Final
ragem:
ermediária 3 – Final
20253035404550 30 mm/h
20253035404550 45 mm/h
Figura 12 - Dados de infiltração e umidade do solo nos experimentos com o Flume nº1 (Ângulo = 8º)
64
Infil
traç
ão (c
c/m
in.)
Declividade = 15 º
0
50
100
150
200
250
300
5 15 25 35 50 60 70 80 90 100 110 120 130 140
Tempo (min.)
15 mm/h 30 mm/h 45 mm/h 75 mm/h
Sem “litter”Com “litter” Valores em % de umidade do solo
20253035404550
1 2 3
Topo 5 cm
20253035404550
20
25
30
35
40
45
50
20
25
30
35
40
45
5075 mm/h
45 mm/h
30 mm/h
15 mm/h
Fases de Amostragem: 1 – Inicial 2 – Intermediária 3 – Final
Figura 13 - Dados de infiltração e umidade do solo nos experimentos com o Flume nº 1 (Ângulo = 15º)
65
4.3.b – “Flume” nº 2
Como os experimentos realizados no “flume” nº 1 apresentaram resultados sob
influência do “efeito de borda”, marcadamente nos casos com declividade da amostra,
foram desenvolvidos outros quatro experimentos com o “flume” nº 2. Neste caso, os
comportamentos das taxas de infiltração e de escoamento lateral foram avaliados de
forma mais individualizada. Os resultados encontram-se nas Figuras 14, 15, 16 e 17.
Em linhas gerais, o comportamento das curvas em todos os experimentos teve
aspectos comuns, a saber:
nas primeiras fases (com “litter”) nota-se uma certa estabilidade dos
valores de infiltração e de escoamento lateral;
ao longo da segunda etapa dos experimentos, a infiltração sofreu
redução, enquanto os fluxos laterais aumentaram.
Nas Figuras 14 e 15 são mostrados os resultados dos experimentos realizados
com a mesma intensidade de chuva (30 mm/h), mas sob diferentes declividades (8 e
15º). No primeiro experimento a taxa de infiltração foi 4,6% menor em relação aos
níveis registrados no final da primeira fase com “litter”. Enquanto isso, as taxas de
escoamento lateral cresceram cerca de 36,4%. Não ocorreram diferenças significativas
de umidade entre o topo do solo e 5 cm de profundidade no final, havendo um aumento
da umidade das respectivas amostras de 28 para 30%. Isso significa que a presença
do “litter” exerceu um controle sobre a chegada da água no solo. Já no experimento
com declividade de 15º (Figura 15), a infiltração caiu 55,8% ao final, enquanto os
escoamentos cresceram 95,8%, demonstrando que nas declividades maiores, para
uma mesma intensidade de chuva, a ação protetora do “litter” foi mais efetiva no
controle sobre os fluxos laterais.
66
DI
0
20
40
60
80
100
120
140
5 15 25 35 45 55 65 75 85 95 105 115 125 135Tempo (min)
taxa
s (c
c/m
in)
Infiltração Escoamento lateral
Sem litter Com litter
eclividade = 8º ntensidade = 30 mm/h
Declividade = 8º Intensidade = 30 mm/h
0
5
10
15
20
25
30
35
1 2 3
Um
idad
e (%
)
topo 5 cm
Figura 14 – Experimento I (8º e 30 mm/h)
0
Declividade = 15º Intensidade = 30 mm/h
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
5
Taxa
s (c
c/m
in.)
Figura 15 -
Com litter Sem litter
15 25 35 45 55 65 75 85 95 105 115 125 135
Tempo (min.)
Infiltração Escoamento lateral
05
101520253035
1 2 3
% d
e um
idad
e
topo 5 cm
Experimento II (15º e 30 mm/h)
67
Nos experimentos com 75 mm/h foram observados comportamentos
semelhantes aos anteriores, mas com taxas mais elevadas e na razão direta do
aumento da intensidade da chuva. Na declividade de 8º, a infiltração diminuiu 16,7% e
os escoamentos aumentaram 81,8% ao no final do experimento. Em 15º, a taxa de
infiltração caiu 32,4%, enquanto os escoamentos cresceram 137%, confirmando que
em declives mais acentuados o papel controlador do “litter” é ainda mais importante. As
diferenças de umidade entre topo do solo e 5 cm não foram muito acentuadas nestes
dois últimos experimentos, havendo apenas uma elevação dos valores ao final do
processo.
As mudanças de comportamento nos volumes de infiltração e escoamentos após
a remoção do “litter” podem estar relacionadas com modificações estruturais ocorridas
no topo do solo, além do próprio efeito atribuído à declividade da amostra. Sem a
proteção das folhas, um volume maior de água passou a elevar os valores de umidade
da amostra que, sob certa declividade e tendo excedido os limites de transmissão
vertical, permitindo a ocorrência de fluxos laterais. Esta hipótese é baseada na
argumentação de Ward (1967) de que a geração de fluxos laterais acontece quando a
condutividade hidráulica lateral é substancialmente superior à vertical. Sob condições
de chuvas fortes e prolongadas, a água entrará na porção superior do perfil mais
rapidamente do que a passagem vertical através das camadas inferiores, acumulando
e fluindo na direção da maior condutividade hidráulica. As elevações no teor de
umidade das amostras superficiais, mesmo que não tenham sido detectadas grandes
diferenças entre o topo e 5cm ao final dos experimentos, reforçam a hipótese baseada
na argumentação do autor.
68
0
35
Declividade = 8º Intensidade = 75 mm/h
50
100
150
200
250
300
5 15 25 35 45 55 65 75 85 95 105 115 125 135
Tempo (min.)
Taxa
s (c
c/m
in.)
Infiltração Escoamento lateral
Com litter Sem litter
0
Sem litter
Declividade = 15º Intensidade = 75 mm/h
20
40
60
80
100
120
140
160
5 15 25 35 45 55 65 75 85 95 105 115 125 135
Tempo (min)
Taxa
s (c
c/m
in.)
Infiltração Escoamento lateral
Com litter Com litter Sem litter Sem litter
Entre os gráficos pode-se notar que as modificações nFigura 17 - Experimento IV (15º e 75 mm/h)
0
5
10
15
20
25
30
1 2 3
% u
mid
ade
topo 5 cm
Figura 16 - Experimento III (8º e 75 mm/h)
05
101520253035
1 2 3
% d
e um
idad
e
topo 5 cm
as curvas ocorreram
69
A comparação entre os valores de umidade do solo nestes experimentos e
naqueles realizados com o primeiro “flume”, mostra que a saturação superficial foi
menor, o que demonstra que o “efeito de borda” diminuiu também. O segundo
compartimento, preenchido com areia grossa, capturou os fluxos laterais canalizando-
os para um medidor individualizado. Pode-se afirmar que as elevações nos valores de
infiltração ocorridas após os términos da primeira fase dos experimentos com o
primeiro “flume” foram decorrentes do incremento das taxas de escoamento lateral.
Estes últimos experimentos demonstraram que o “litter” manteve as taxas de
infiltração no solo, confirmando as constatações realizadas nos trabalhos de Duley
(1939). Experimentalmente, o autor observou reduções na infiltração da ordem de 0,95
pol/h após a retirada de uma camada de palha sobre a superfície do solo. Em estudos
de campo, Johnson (1940) registrou valores de infiltração 39,5% mais elevados em
“plots” com “litter”. Arend (1941) observou valores de infiltração em torno de 18% a
menos em solos sem cobertura de “litter” no Missouri. Logo, existe um consenso de
que a presença do “litter” reduz a compactação e a selagem superficial, processos
responsáveis da intensificação dos escoamentos laterais.
No intuito de se tentar detectar as razões que levaram às alterações no
comportamento dos fluxos, foram realizadas análises micromorfológicas em amostras
coletadas no “flume” 1, conforme os dados apresentados no próximo item do trabalho.
70
4.3.c – Análises micromorfológicas
Durante o processo de impregnação e laminação das amostras ocorreram
alguns problemas que inviabilizaram a análise de todas as lâminas produzidas a partir
dos experimentos laboratoriais. Dos 12 experimentos realizados com o “flume” nº 1,
foram obtidas 36 lâminas do topo do solo sendo que 17 lâminas foram perdidas
(47,2%) e não puderam ser analisadas. Para cada experimento existe uma seqüência
de 3 laminações relativas ao início, final da primeira fase e final da segunda fase.
Mesmo com os problemas técnicos, as análises foram executadas buscando-se
informações complementares à compreensão dos resultados experimentais. Os
resultados estão disponíveis nas fichas de avaliação micromorfológica apresentadas
nas próximas páginas.
71
Experimento nº: 2 Inclinação do Flume = 0º Intensidade da Chuva = 30 mm/h Fase Imagem da lâmina Legenda
Início
Não disponível
Final 1ª
Final 2ª
A – Agregados (grumos) Q – Grãos de quartzo P - Poros
Avaliação Microm
mudanças estrutura
orfológica: A comparação entre as lâminas não indicou
is significativas entre elas.
72
Experimento nº: 3 Inclinação do Flume = 0º Intensidade da Chuva = 45 mm/h Fase Imagem da lâmina Legenda
Início
Não disponível
Final 1ª
Final 2ª
A – Agregados (grumos)
Avaliação Micromo
amostras, entretan
lâmina do final do
ligeiramente mais a
Q – Grãos de quartzo P - Poros
rfológica: Não existem grandes diferenças estruturais entre as
to podem ser notados alguns indícios de desagregação na
experimento. No final da 1ª fase os agregados encontram-se
rredondados em comparação ao final da 2ª fase.
73
Experimento nº: 5 Inclinação do Flume = 8º Intensidade da Chuva = 15 mm/h Fase Imagem da lâmina Legenda
Início
Final 1ª
Final 2ª
Avaliação Micromo
pois os agregados
lâminas.
A – Agregados (grumos) Q – Grãos de quartzo
P - Porosrfológica: Sem modificações evidentes de alteração estrutural,
e a porosidade permaneceram sem alteração evidente nas três
74
Experimento nº: 6 Inclinação do Flume = 8º Intensidade da Chuva = 30 mm/h Fase Imagem da lâmina Legenda
Início
Final 1ª
Final 2ª
Avaliação Microm
diferenças significa
dos grumos predom
grãos de quartzo a
à primeira, onde el
apresenta evidênc
cercados por mate
diversas arestas.
seguida por reduçã
A – Agregados (grumos)
Q – Grãos de quartzo P - Porosorfológica: As duas primeiras lâminas não apresentam
tivas, prevalecendo uma elevada porosidade e uma morfologia
inantemente arredondada. Um detalhe diferenciador é que os
presentam-se mais limpos na segunda lâmina em comparação
es aparecem envolvidos por material orgânico A terceira lâmina
ias de redução da porosidade. Os grãos de quartzo estão
rial orgânico e os grumos passaram a ter formato irregular com
As evidências indicam que houve desagregação do material
o da porosidade.
75
Experimento nº: 7 Inclinação do Flume = 8º Intensidade da Chuva = 45 mm/h Fase Imagem da lâmina Legenda
Início
Final 1ª
Final 2ª
A – Agregados (grumos) Q – Grãos de quartzo P - Poros
Avaliação Micromorfológica: Há evidências de lavagem dos grãos de quartzo na
segunda lâmina em relação à primeira. Na terceira lâmina, os grumos deixaram de
apresentar formato mais arredondado apresentando muitas arestas. Neste caso,
os grãos de quartzo estão envolvidos por material orgânico. As diferenças de
porosidade não ficaram evidentes neste caso.
76
Experimento nº: 10 Inclinação do Flume = 15º Intensidade da Chuva = 30 mm/h Fase Imagem da lâmina Legenda
Início
Final 1ª
Final 2ª
Avaliação Micromorfol
redução da porosidad
indícios prováveis de
da primeira fase, os g
no início do experimen
A – Agregados (grumos) Q – Grãos de quartzo
P - Porosógica: A lâmina do final do experimento apresenta nítida
e e os agregados perderam o formato arredondado. São
impacto causado pelas gotas de chuva. Na lâmina do final
rãos de quartzo apresentam evidências de lavagem, já que
to eles se apresentavam envolvidos por material orgânico.
77
Experimento nº: 12 Inclinação do Flume = 15º Intensidade da Chuva = 75 mm/h Fase Imagem da lâmina Legenda
Início
Final 1ª
Final 2ª
A – Agregados (grumos) Q – Grãos de quartzo P - Poros
Avaliação Micromorfológica: Existem evidências de desagregação dos grumos no
final do experimento, onde a porosidade ficou bastante reduzida. Nas duas
primeiras lâminas os agregados estão mais arredondados e a porosidade mais
elevada que na terceira.
78
Das seqüências de lâminas analisadas, as alterações estruturais mais evidentes
ocorreram nos experimentos 6, 7, 10 e 12, quando as intensidades de chuva foram
iguais ou maiores que 30 mm/h. Nos experimentos 2 e 5, respectivamente com 30 e
15 mm/h, não foram verificadas alterações sensíveis. No experimento 3 (45 mm/h)
foram notados alguns indícios de alteração estrutural, mas sem mudança sensível na
porosidade da amostra. Em quase todos os casos, foi possível observar a presença de
grãos de quartzo lavados nas lâminas relativas ao fim da 1ª fase, juntamente com os
grumos individualizados (sem a formação de estrutura plásmica). O fato pode estar
associado ao predomínio dos movimentos verticais lentos da água, pois, se
prevalecesse o escoamento superficial, estes mesmos grãos estariam envolvidos com
material orgânico proveniente do transporte lateral. É importante destacar que nos
experimentos de laboratório citados nos trabalhos de Duley (1939) e McIntyre (1958),
também foram documentadas alterações estruturais no topo do solo semelhantes às
observadas na presente pesquisa.
O grande número de lâminas danificadas trouxe prejuízos a uma avaliação mais
consistente sobre as alterações micromorfológicas. Para se obter novas amostras,
haveria necessidade de proceder a repetição dos experimentos e desenvolver todas as
etapas necessárias à obtenção de novas lâminas. Os dados relativos a estas análises
passaram a ser considerados apenas como subsídios adicionais às demais
informações levantadas pela pesquisa, mesmo sem pleno valor comprobatório.
.
79
5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS E DIRETRIZES
O levantamento de informações em campo e as experimentações realizadas
possibilitaram a formulação de algumas considerações sobre a atuação do “litter” na
distribuição das águas pluviais. Em geral, estas considerações confirmam as
informações adquiridas através dos trabalhos já realizados anteriormente, além de
mostrar alguns aspectos novos do problema.
No âmbito da discussão da hidrologia de superfície, os resultados evidenciaram
que o “litter” desempenha um importante papel na manutenção da infiltrabilidade do
solo. Os experimentos mostraram que enquanto o “litter” recobria a superfície das
amostras, as taxas de infiltração se mantiveram relativamente estáveis e elevadas,
decrescendo após a sua remoção. Concomitantemente, houve aumento nos valores de
escoamento lateral. As análises microestruturais do topo do solo não se constituíram
em prova definitiva, mas forneceram indícios para confirmação do fato. A presença de
agregados orgânicos (grumos) inalterados inicialmente indica que o “litter” protegeu a
superfície do solo contra a ação destrutiva das gotas de chuva, especialmente em
relação às intensidades maiores. A presença de grãos de quartzo lavados nas
amostras de solo sob o “litter”, indica que prevaleceram os movimentos verticais da
água.
Os resultados mostraram que o “litter” mantém as condições de condutividade
hidráulica vertical, retardando a chegada da água para o solo. Na sua ausência, o solo
é submetido a um maior volume de água, facilitando a ocorrência de fluxos superficiais.
Experimentalmente, o evento tornou-se mais evidente quando as amostras foram
submetidas às chuvas mais intensas.
Como os experimentos ocorreram com apenas um tipo de solo, caracterizado
por elevada concentração de matéria orgânica, torna-se necessária a realização de
80
estudos com amostras texturalmente distintas. Deste modo, a avaliação da importância
do “litter” em relação a outros tipos de substrato tornar-se-á mais abrangente.
Na tentativa de evidenciar esta atuação nas áreas naturais florestais, observou-
se que existem variações texturais importantes entre o topo do solo e a 5 cm de
profundidade na área experimental da Floresta da Tijuca. Os materiais grosseiros
prevaleceram nas amostras do topo e isto pode estar relacionado, entre outras
possibilidades, ao intenso processo de lavagem e remoção de finos para as camadas
imediatamente inferiores. As observações diretas em campo detectaram a presença de
grãos de quartzo lavados nas zonas de contato entre o “litter” e o solo, reforçando a
tese do predomínio de altas taxas de infiltração. Entretanto, como se trata de uma área
ocupada por vegetação secundária e portadora de uma história de sucessivos usos
agrícolas até o final do século XIX, torna-se problemático, ainda, estabelecer relações
tão diretas.
Face à existência desta questão, propõe-se a realização de novos
levantamentos texturais em outras vertentes da bacia experimental do Rio Cachoeira e
sob outras formações florestais naturais. O emprego das técnicas de estudo
micromorfológico em amostras de campo pode ajudar como instrumento auxiliar na
verificação dos movimentos verticais de sedimentos.
A manutenção da infiltrabilidade pelo “litter” prende-se também às suas
características de retenção de umidade. A conservação de umidade após a
precipitação ajuda a manter a umidade superficial do solo, seja pelo fornecimento
gradual de água, seja pela redução das taxas de evaporação. Os valores encontrados
no presente trabalho, tanto em laboratório como em condições naturais, demonstraram
a existência de elevados potenciais de armazenamento superiores aos valores
encontrados por outros autores em formações florestais extra-tropicais. As camadas
81
parcialmente decompostas (horizonte O2) apresentaram índices mais elevados, o que
caracteriza a importância da atividade microbiana nos ambientes tropicais para o
estabelecimento de condições favoráveis ao armazenamento. Sob condições naturais,
observou-se que a retenção de umidade pelo “litter” (intercepção) é mais expressiva
quando as condições antecedentes assim o favorecem, tais como: temperaturas
elevadas e baixa umidade.
Existem variações nos índices de retenção de umidade em relação aos
diferentes tipos de “litter”. Conforme a vegetação predominante e os ritmos de
acumulação, as propriedades podem mudar, assim como o comportamento hidrológico.
As folhas de palmeiras (Gen. Euterpe e Geonoma), por exemplo, apresentaram valores
de retenção mais reduzidos quando comparados com amostras formadas por outros
tipos de folhas. Além disso, acredita-se no estabelecimento de comportamentos
hidrológicos distintos. Alguns materiais que compõem o “litter” (troncos, galhos, folhas
de palmeiras, etc) apresentam propriedades mais favoráveis à canalização superficial
(escoamento hipodérmico), especialmente se localizados em áreas de forte inclinação.
Em áreas ocupadas por gramíneas (Gen. Chusquea e Merostax), mesmo com valores
elevados de retenção, as condições são favoráveis ao escoamento hipodérmico. A
disposição longitudinal das fibras foliares e sua acumulação sobre a superfície do solo,
forma uma estrutura de baixa rugosidade e pouco permeável. Nas outras áreas, como
no Domínio Vegetal IV, a elevada rugosidade das camadas de “litter” cria superfícies de
armazenamento representadas pelas reentrâncias das folhas. Em casos como este, o
escoamento hipodérmico parece ser descontínuo e tendem a prevalecer os
movimentos verticais.
As hipóteses sobre estes diferentes comportamentos hídricos merecem ser
testados no futuro através do emprego de simuladores de chuva, tanto em campo
82
como em laboratório e, para este fim, devem ser considerados os diferentes tipos e
estruturas de “litter”.
Em linhas gerais, o “litter”, enquanto parte componente da estrutura florestal,
assume grande importância no controle da hidrologia superficial. A proteção contra o
impacto das gotas de chuva, o armazenamento e a possibilidade de geração de
escoamentos hipodérmicos, explicam sua importância no amortecimento do potencial
erosivo das chuvas. Entretanto, a intensidade desta atuação parece ser bastante
variável no contexto das áreas tropicais florestais, principalmente em virtude de sua
heterogeneidade florística. Variações topográficas e suas implicações sobre a
vegetação e acumulação do “litter” reforçam a hipótese de uma grande variabilidade no
comportamento da água. Os escoamentos hipodérmicos tendem a ser maiores nas
áreas de forte declive. Eventuais superfícies desprovidas de cobertura estariam sujeitas
a uma ação erosiva mais pronunciada, mesmo não tendo sido encontradas evidências
de erosão pronunciada na área experimental. Acredita-se que estas situações sejam
localizadas no contexto dos ambientes florestais e não representem riscos significativos
para a estabilidade das áreas. Entretanto, não se pode ignorar a possibilidade de
ocorrência de condições críticas de precipitação, na forma de eventos de elevada
intensidade e freqüência.
No presente trabalho, a preocupação básica prendeu-se ao levantamento de
dados sobre a natureza da atuação do “litter” na distribuição das águas pluviais. A
intensidade dos processos envolvidos nesta atuação só poderá ser avaliada através da
realização de estudos integrados, uma vez que o “litter” é apenas uma das variáveis
componentes de um sistema bastante complexo. Estudos integrados com processos de
intercepção florestal e distribuição de umidade no solo ajudarão numa melhor avaliação
da representatividade do “litter” no contexto da própria bacia experimental.
83
Portanto, não se pode considerar o tema esgotado, uma vez que muitas
questões ainda permanecem pendentes. Entretanto, acredita-se que as informações
apresentadas e a metodologia empregada tragam importantes subsídios à
compreensão e formulação de outros projetos de pesquisa sobre a dinâmica
hidrológica das áreas tropicais florestais.
84
BIBLIOGRAFIA
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