a influência da publicidade na formação de valores durante a infância

8
A influência da publicidade na formação de valores durante a infância Thyago Caminha B. de Oliveira¹ RESUMO Este trabalho discute a forma como a publicidade e a propaganda se fazem presente no cotidiano das crianças, e o papel significativo que elas têm ocupado em seu desenvolvimento e sistema de valores, levantando o debate em torno da regulamentação do meio publicitário, que vem se mostrando capaz de firmar valores dentro da sociedade, os quais, nem sempre, estão compromissados com o bem- estar social e com a dignidade do cidadão. Constante incentivo ao consumo, disseminação de hábitos alimentares não- saudáveis, erotização precoce são alguns dos temas discutidos neste trabalho. Palavras-chave: Desenvolvimento infantil. Consumo. Criança. Publicidade. ¹ Aluno graduando em Comunicação Social Publicidade e Propaganda da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN. email: [email protected]

Upload: thyago-oliveira

Post on 13-Mar-2016

212 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Artigo Científico

TRANSCRIPT

Page 1: A influência da publicidade na formação de valores durante a infância

A influência da publicidade na formação de

valores durante a infância

Thyago Caminha B. de Oliveira¹

RESUMO

Este trabalho discute a forma como a publicidade e a propaganda se fazem

presente no cotidiano das crianças, e o papel significativo que elas têm ocupado em seu

desenvolvimento e sistema de valores, levantando o debate em torno da

regulamentação do meio publicitário, que vem se mostrando capaz de firmar

valores dentro da sociedade, os quais, nem sempre, estão compromissados com o bem-

estar social e com a dignidade do cidadão.

Constante incentivo ao consumo, disseminação de hábitos alimentares não-

saudáveis, erotização precoce são alguns dos temas discutidos neste trabalho.

Palavras-chave: Desenvolvimento infantil. Consumo. Criança. Publicidade.

¹ Aluno graduando em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte - UFRN. email: [email protected]

Page 2: A influência da publicidade na formação de valores durante a infância

2

Introdução

O sistema econômico capitalista moderno tem como principal objetivo o

lucro gerado pelo consumo da produção. Tudo o que é produzido deve ser, de

alguma forma, consumido, sob a ameaça de colapso do sistema.

Alguns estudiosos e profissionais do ramo mostram-se preocupados com o

mundo fantástico, materialista e propagador de individualismo entre as pessoas, criado

pela publicidade, e com seus efeitos na formação do caráter e da personalidade

das crianças, no qual demonstra o real interesse de boa parte do ramo

publicitário: lucrar, sem grandes preocupações éticas, em cima de seres humanos que

ainda não possuem seu discernimento crítico totalmente maduro.

Atualmente a mídia e em particular a publicidade assume um papel central na

formação de valores das crianças brasileiras. As crianças do Brasil são as que mais

passam tempo em frente à TV em todo o mundo. A principal causa desta situação,

segundo os pesquisadores, tem sido a violência que domina atualmente todas as

sociedades e obrigam de certa forma as crianças a ficarem em casa. Fora este motivo, o

que também ocorre é o chamado “babá eletrônica” onde os pais que em sua maioria

vivem muito ocupados, acabam colocando a criança para ver TV e não

incomodá-los nas tarefas diárias.

As crianças, desta forma, se tornam alvo de uma infinidade de peças

publicitárias que anunciam desde telefones celulares até produtos de limpeza,

passando por produtos alimentícios e brinquedos. E enquanto descobrem novos

produtos e marcas, as crianças também recebem importantes informações sobre os

padrões culturais de nossa sociedade, tendo a formação de seus valores bastante

influenciada por este tipo de conteúdo (publicidade). Sabe-se que bastam 30

segundos para uma marca influenciar uma criança e que canais com programação

direcionada exclusivamente ao público infantil, como o Discovery Kids possuem uma

média de 9:50 minutos de peças publicitárias por hora .

Ainda que muitos produtos não sejam tipicamente do universo infantil ou usados

por crianças, é bastante comum que a publicidade dos produtos e serviços se

utilize de recursos de fantasia, animação, personagens licenciados, músicas

infantis, dentre outros recursos atrativos aos pequenos. Esta estratégia contribui

Page 3: A influência da publicidade na formação de valores durante a infância

3

para induzir crianças a ambicionarem, incessantemente, diversos produtos,

criando-se desejos e necessidades constantes.

Incentivo ao consumo

Sociedade de consumo é uma expressão utilizada para se referir à sociedade

contemporânea. Consumir, seja para a satisfação de "necessidades básicas" e/ou

"supérfluas", é uma atividade presente em toda e qualquer sociedade humana. Para

alguns autores, a sociedade de consumo é definida por um tipo específico de consumo.

Para outros, englobaria características sociológicas, como a presença de moda,

sentimento permanente de insaciabilidade.

Zygmunt Bauman em seu livro “Vida para consumo” vai dizer que o jogo do

mercado é fabulado por três regras: a primeira, prediz que todo produto é vendável e

visa ser consumido; a segunda, que esse consumo se vincula a satisfação de desejos; por

fim, o valor a ser pago é dependente direto da confiabilidade da “promessa de

satisfação’’ e “intensidade de desejos”. Nesse sentido, diz ele, “a sociedade dos

consumidores se distingue por uma reconstrução das relações humanas a partir das

relações entres os consumidores e os objetos de consumo” (BAUMAN, 2008, p.18 e

19).

O mercado anunciante e agências publicitárias, espertamente, não deixam de

investir pesadamente em comunicação mercadológica dirigida a crianças, na

medida em que com apenas uma ação podem influenciar até três mercados:

atuam diretamente sobre as crianças, indiretamente sobre seus pais (quando os filhos

demandam os pais, influenciam sobremaneira as decisões de compra da família) e

inconscientemente os futuros consumidores que as crianças se tornarão. Com isso, em

uma única ação de marketing atinge-se o mercado atual e projetam-se inserções para

um mercado futuro, cativando desde a infância crianças que podem se tornar

consumidores fiéis por toda a vida.

Neste cenário, o que se observa é que a publicidade não é mera informação

sobre o produto ou serviço, mas é, antes de tudo, um instrumento de convencimento

e indução ao consumo – haja vista ser mensagem puramente venal – que se vale

de apelos emocionais para vender, muito além de bens, padrões de consumo e

hábitos de vida. No que concerne à infância, nota-se que a publicidade tem se

Page 4: A influência da publicidade na formação de valores durante a infância

4

mostrado um fator propulsor da formação de uma infância extremamente

consumista e com valores distorcidos.

A publicidade voltada ao público infantil chega a ser abusiva e ilegal, pois viola

o disposto nos artigos 36 e 37 do Código de Defesa do Consumidor como também as

regras de defesa dos direitos da criança postas na Constituição Federal e no Estatuto da

Criança e do Adolescente. Mas é notório que elas existem, e com muito mais força em

datas festivas como no Natal e principalmente no Dia das Crianças, que foram criados

com a intenção puramente comercial. As crianças são alvos publicitários fáceis de

convencer. O segmento infantil é atrativo para a publicidade também pelo fato de que

80% das crianças detêm o poder de compra dentro de suas casas.

Ao entrarem em contato com as mercadorias, quer seja diretamente, quer seja

por meio da publicidade, as crianças aprendem as regras de convívio social. Cada vez

mais, se enfatiza a importância do “ter” em detrimento do “ser”. Os valores que situam

as pessoas de um modo único e singular no âmbito de uma coletividade mais ampla vêm

perdendo espaço frente ao processo de homogeneização da cultura de massa. Com

muita freqüência temos observado como os encontros entre crianças e adultos estão

empobrecidos, porque, a cada dia que passa, são cada vez mais demarcados por

experiências de acesso aos bens de consumo. Ir ao “shopping” se transformou em

comportamento de lazer e entretenimento das massas, pois mesmo que não se compre

nada, estar entre as mercadorias é manter acesa a chama do desejo para não se deixar de

consumir em um futuro muito próximo. Possuir determinados objetos significa agregar

prestígio e reconhecimento entre pessoas. Ao consumir, as pessoas exercitam

comportamentos de disputa e exclusão.

A busca por prazeres individuais articulada pelas mercadorias oferecidas hoje

em dia, uma busca guiada e a todo tempo redirecionada e reorientada por campanhas

publicitárias sucessivas, fornece o único substituto aceitável – na verdade, bastante

necessitado e bem-vindo – para a edificante solidariedade dos colegas de trabalho e para

o ardente calor humano de cuidar e ser cuidado pelos mais próximos e queridos, tanto

no lar como na vizinhança (BAUMAN, 2008, p. 154).

O parágrafo acima pode ser encarado como a chave de leitura do livro de

Bauman, pois aponta como as relações humanas, a partir do que ele vai chamar de

sociedade de consumidores, constituem-se. De um lado, a mercadoria como centro das

Page 5: A influência da publicidade na formação de valores durante a infância

5

práticas cotidianas. De outro, uma constante orientação para que o modelo de conduta

seja sempre articulado através do ato de consumir.

A vulgarização da sexualidade

Quem já não viu na TV um apresentador perguntando a uma criança exposta ao

seu auditório: “Você está namorando?” E quem já não ouviu uma celebridade apelar,

em um comercial de maquiagem para crianças: “Fique linda como eu!”. Sem atentar

para a gravidade do abuso, assistimos, sem denunciar, a este atropelamento explícito da

infância.

O Brasil é o 3ª mercado de beleza do mundo. As crianças brasileiras estão

consumindo cada vez mais produtos de beleza, fato que está acelerando o

desenvolvimento precoce. Frequentemente vemos na TV, comerciais com mulheres

seminuas com exagerado apelo sexual, e nossas crianças assistem a isso, alimentando a

idéia de que o papel das mulheres é servir aos homens. Infelizmente, ajudamos a

banalizar a sexualidade quando elogiamos esse tipo de comercial onde as mulheres

representam garrafas de cerveja servidas às dúzias. E perdemos a noção do horror

quando achamos graça no comercial de celular onde uma garotinha de sete anos discute

sua relação amorosa.

O impulso sexual, se não for devidamente administrado, pode provocar graves

estragos. No entanto, quanto mais se encurtar a infância a fim de transformar

rapidamente a criança em consumidora, menos tempo ela terá para desenvolver as

barreiras psíquicas necessárias à contenção do instinto. E quanto mais ela for

convencida de que a felicidade está nos produtos e serviços anunciados e não em seus

próprios valores, mais fácil será trocar sua genuinidade por uma “pedra falsa, um sonho

de valsa ou um corte de cetim”, tal como diz a música.

Mas não é só o consumo excessivo de bens e serviços que é

insistentemente anunciado às crianças. Padrões de comportamento, estereótipos de

gênero que reforçam papéis tradicionais de homens e mulheres em nossa sociedade

também são anunciados por meio da publicidade.

Enquanto peças publicitárias para crianças do sexo masculino geralmente

exploram a violência e a agressividade como metáforas para uma identificação

com padrões de masculinidade, as dirigidas a meninas apostam na construção de

Page 6: A influência da publicidade na formação de valores durante a infância

6

uma imagem de feminilidade baseada na delicadeza feminina e maior interesse por

questões ligadas à moda, aparência, beleza etc.

Comerciais para crianças do sexo feminino em geral apresentam cenários de

princesas, universo da moda ou ambiente doméstico. Muitas vezes, tais anúncios

apresentam também padrões únicos de beleza, sendo comum que as bonecas e as

crianças aliem destaque não representem a diversidade étnico-racial brasileira, por

exemplo, mas se concentre no modelo ocidental europeu: cabelos loiros, olhos

claros, pele clara.

A disseminação de um padrão de beleza único e inatingível para a maioria da

população, desde a infância, é um fator altamente preocupante.

Disseminação de hábitos alimentares não-saudáveis

A TV é o meio de comunicação que desperta sensações, emoções e

alegria nas crianças e através dela, podem viver perigosas aventuras, um grande

romance ou até mesmo se divertir com os desenhos animados sem sair de casa. O que

ocorre é que, com o grande tempo de exposição a esta mídia, as crianças também se

encantam com os produtos divulgados nos intervalos dos programas como:

brinquedos, salgadinhos, bolachas, refrigerantes e outros produtos que em sua

maioria ainda contam com personagens fantásticos que deixam as crianças

maravilhadas. Cada vez mais, os comerciais chamam atenção das crianças,

despertando desejo, pois são bem trabalhados, com criações fortes que mexem

com suas imaginações e encantam inclusive aos adultos.

Durante o tempo que a criança passa assistindo seus programas, ela fica exposta

a milhares de comerciais, principalmente os do segmento alimentício, que são em média

10 por hora, e é aí que se inicia a propensão à obesidade.

Poderíamos dizer que a obesidade relacionada às crianças tem sua origem

parcialmente numa desestruturação familiar gerada pela sociedade de consumo pós-

industrial a qual, neste percurso de desacordo social e educacional, encontrou-se com as

indústrias produtoras de mídias como aliadas no caos. Infelizmente, tais indústrias não

se inserem promovendo o bem comum ou gerando algum tipo de conscientização social,

Page 7: A influência da publicidade na formação de valores durante a infância

7

mas tão somente buscando seus interesses econômicos – os quais compõem hoje uma

esfera autoritária e perversa em nossa sociedade - e gerando um passivo social. Este

sistema transforma crianças em alvos de consumo e adolescentes em dependentes

ansiosos e obesos, porque tem em sua infelicidade o desejo de obter uma satisfação

ainda que momentânea, no ato de comer.

O fato é que é muito complicado proibir a veiculação de propagandas num

segmento tão diverso como o setor alimentício, pois nem todos os produtos são

prejudiciais. Diferente da proibição das propagandas de cigarro, por exemplo, onde foi

comprovado o malefício de seu uso, independente de idade do consumidor ou

quantidade consumida.

Conclusão

Os estudos e análises de propagandas direcionadas às crianças, veiculadas na

televisão, demonstraram a forte influência ao consumismo infantil. Crianças são fáceis

de serem convencidas e, por permanecerem muito tempo em frente à televisão, são

bombardeadas com comerciais nos intervalos dos desenhos e programas a que assistem,

e a maioria destes comerciais evidenciam claramente o desenvolvimento precoce das

crianças para vida adulta, estimulando a vaidade, o glamour, o culto ao corpo e à

aparência perfeitos (cabelos, roupas e acessórios), de forma a inseri-los e torná-las

aceitas pela sociedade. A influência negativa dos apelos vinculados na TV provoca

também a formação de crianças egoístas, individualistas, chantagistas e manipuladoras.

Pais e educadores já não têm mais controle sobre os pequenos e acabam sendo

manipulados pelo desejo dos filhos de possuírem os objetos, brinquedos e alimentos por

eles almejados.

Mas essa preocupação com a infância e o seu desenvolvimento saudável não

deve ser preocupação exclusiva dos familiares, mas sim também, responsabilidade

partilhada por sociedade e Estado, devendo ser a proteção das crianças prioridade

absoluta por todos.

Ao Estado cabe a imposição de limites , bem como o desempenho de

atividades de garantia e promoção dos direitos fundamentais das crianças. Já a

Page 8: A influência da publicidade na formação de valores durante a infância

8

sociedade deve-se encarregar de respeitar os direitos infanto-juvenis em toda a sua

extensão, abstendo-se de praticar atos que os infrinjam e também atuando

positivamente para assegurá-los. À família cumpre o dever, principalmente, de

prover à criança proteção, apoio e o resguardo de todos os seus direitos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo. Rio de janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008

LINN, Susan. Crianças do Consumo: a infância roubada. São Paulo:

Instituto Alana, 2006.

BARBOSA, Lívia. Sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.

SAMPAIO, Inês Silva Vitorino. Televisão, Publicidade e Infância. São Paulo: Annablume;

Fortaleza: Secretaria de Cultura e Desporto do Estado do Ceara, 2000.

ANÚNCIOS de televisão difundem maus hábitos alimentares. Disponível em:

www.canalciencia.ibict.br

COMERCIAIS de TV determinam alimentação das crianças. Disponível em:

www.cienciahoje.uol.com.br