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A INFLUÊNCIA DA CULTURA EMPREENDEDORA NO EMPREENDEDORISMO DOS PAÍSES DO BRICS: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Área temática: Gestão Estratégica e Organizacional Pedro Henrique Drummond Pecly [email protected] Priscilla Cristina Cabral Ribeiro [email protected] Resumo: Pode-se observar diversas similaridades entre os países do BRICS, principalmente relacionado ao desenvolvimento econômico e o estágio de mercado emergente de cada um deles. Devido à atual situação em que esse grupo se encontra, é possível questionar o quanto a cultura empreendedora de cada um dessas potências emergentes leva à criação de empreendimentos que gerem ganhos econômicos e sociais para os membros desse grupo. Assim, o objetivo geral contemplado por este artigo é analisar a cultura empreendedora dos BRICS por meio das dimensões culturais de Hofstede, de Trompenaars e Hampden-Turner, de Hall e de Schwartz. O estudo foi realizado mediante uma pesquisa bibliográfica sobre o empreendedorismo em cada um dos BRICS a fim de definir as dimensões culturais e valores presentes em cada nação, para, então, justificar a cultura empreendedora nacional. Como resultado, percebeu-se que a orientação empreendedora de uma população é, de fato, influenciada pelos traços culturais dessa nação. Palavras-chaves: ISSN 1984-9354

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A INFLUÊNCIA DA CULTURA EMPREENDEDORA NO

EMPREENDEDORISMO DOS PAÍSES DO BRICS: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Área temática: Gestão Estratégica e Organizacional

Pedro Henrique Drummond Pecly

[email protected]

Priscilla Cristina Cabral Ribeiro

[email protected]

Resumo: Pode-se observar diversas similaridades entre os países do BRICS, principalmente relacionado ao

desenvolvimento econômico e o estágio de mercado emergente de cada um deles. Devido à atual situação em que esse

grupo se encontra, é possível questionar o quanto a cultura empreendedora de cada um dessas potências emergentes

leva à criação de empreendimentos que gerem ganhos econômicos e sociais para os membros desse grupo. Assim, o

objetivo geral contemplado por este artigo é analisar a cultura empreendedora dos BRICS por meio das dimensões

culturais de Hofstede, de Trompenaars e Hampden-Turner, de Hall e de Schwartz. O estudo foi realizado mediante uma

pesquisa bibliográfica sobre o empreendedorismo em cada um dos BRICS a fim de definir as dimensões culturais e

valores presentes em cada nação, para, então, justificar a cultura empreendedora nacional. Como resultado, percebeu-se

que a orientação empreendedora de uma população é, de fato, influenciada pelos traços culturais dessa nação.

Palavras-chaves:

ISSN 1984-9354

XI CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 13 e 14 de agosto de 2015

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1. Introdução

BRICS é o acrônimo que se refere aos cinco países com as maiores economias nacionais

emergentes: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Esses países possuem similaridades em seus

desenvolvimentos econômicos, marcados por uma industrialização tardia e por seu estágio de mercado

emergente. Além de grandes e crescentes economias, os BRICS possuem influência significativa em

âmbito regional e global, dando aos cinco um posto no G-20 (BBVA EAGLEs Annual Report, 2012).

A soma da população dos BRICS, em 2014, consistiu em, aproximadamente, três bilhões de

indivíduos, representando cerca de 40% da população mundial. O PIB combinado desses países foi de

US$16.039 trilhões, representando cerca de 18% da economia mundial (IMF WORLD ECONOMIC

OUTLOOK, 2014). Atualmente, a sigla “BRICS” tem sido muito utilizada como um símbolo que

indica uma alteração no poder econômico global, visto que aproxima as economias emergentes das

desenvolvidas, os membros do G-7.

Devido ao rápido e grande crescimento econômico presenciado nos últimos anos por esses

países, pode-se questionar até que ponto a cultura empreendedora dessas nações contribuiu para esse

crescimento, por meio da ação e presença dos empreendimentos locais e o quanto essa ascensão

econômica favoreceu e motivou a criação e consolidação de novos empreendimentos. Nesse caso,

torna-se necessário analisar a cultura empreendedora de uma nação para justificar a participação,

criação e consolidação de empreendimentos no contexto vivido pelos BRICS visto que, apesar da

conjuntura econômica semelhante entre eles, os traços culturais característicos de cada país podem

tornar um ambiente propício ou não para o ato de empreender.

Assim, o principal objetivo deste estudo foi analisar a cultura empreendedora dos países do

BRICS por meio das dimensões culturais de Hofstede, de Trompenaars e Hampden-Turner, de Hall e

de Schwartz, a fim de se constatar como a cultura empreendedora afeta o desempenho empreendedor

de cada um dos BRICS. O artigo foi estruturado em seis partes, a primeira, essa introdução, apresentou

o artigo, o problema e a justificativa do tema; a segunda parte, o método empregado; a terceira parte

será constituída pela revisão teórica; e, por fim, as conclusões e referências bibliográficas.

2. Cultura Empreendedora e Dimensões culturais

2.1 Cultura Empreendedora

A cultura empreendedora de uma nação representa a essência do empreendedorismo e sua

manifestação pode ocorrer de diversas maneiras, como, por exemplo, por meio do perfil

empreendedor, do empreendedorismo coletivo, da gestão empreendedora, entre outras formas

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(SCHMIDT e DREHER, 2008). A existência e a combinação de algumas dessas e outras

manifestações é o que, de fato, constroi uma cultura empreendedora (DREHER, 2004). Essa cultura,

por sua vez, possui um papel essencial no que diz respeito a tornar indivíduos de uma população mais

ou menos propensos a identificar novas oportunidades de negócio e os meios necessários para

capitalizá-las e elaborar uma estrutura que seja a mais próxima da ideal para aproveitar essas

oportunidades identificadas (STEVENSON e GUMPERT, 1985).

O efeito que a cultura empreendedora gera ao estimular as atividades desse segmento em

diversas regiões e países pode ser explicado pelo fato de que, desde o momento em que o

empreendedorismo surgiu, já era esperado que toda a conjectura e contexto cultural em que um

indivíduo se via presente causasse um impacto no desenvolvimento de atividades empreendedoras.

Isso explica o porquê de as tendências e características do empreendedorismo variarem ao se

analisarem locais com culturas distintas: cada uma influenciará a cultura empreendedora local a

possuir determinados traços, que nem sempre convergirão (SAFFU, 2003).

2.2 Dimensões Culturais

Com a globalização obteve-se, até certo ponto, um desaparecimento das fronteiras geográficas

e culturais, tão rígidas outrora (CANEN e CANEN, 2005). Devido a esse fato, tornam-se cada vez

mais comuns situações em que indivíduos de locais com culturas consideravelmente distintas devem

interagir e saber lidar com as diferenças do outro e, via interações comerciais, pode-se presumir que

aqueles que conseguem lidar de forma positiva com as diferenças culturais encontradas podem ser

beneficiados por tal feito (LACERDA, 2011).

Nesse contexto, pode-se analisar as características culturais de uma determinada região por

meio de dimensões culturais, que tentam explicar diversos traços e comportamentos da população que

lá habita. Dos diversos modelos de dimensões culturais existentes, quatro dos mais difundidos e

citados até os dias de hoje serão utilizados neste artigo. Eles são os modelos de Hofstede, de

Trompenaars e Hampden-Turner, de Hall e de Schwartz. A aplicação de diversos modelos se faz

necessária, visto que cada um deles foca em elementos culturais diferentes em sua maioria, o que

contribui para uma análise mais abrangente acerca das culturas dos países analisados neste estudo

(NARDON e STEERS, 2009).

2.2.1 Dimensões culturais de Hofstede

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As pesquisas realizadas por Geert Hofstede tinham como finalidade levar à elaboração de um

modelo de dimensões culturais e tinham como enfoque “desenvolver uma terminologia comumente

aceitável, bem definida e empiricamente fundamentada para descrever culturas” e “analisar os dados

coletados de forma sistemática e sobre um significativo número de culturas, ao invés de utilizar apenas

impressões” (LACERDA, 2011, p. 1288). As dimensões culturais propostas por Hofstede serão

apresentadas a seguir, conforme a Tabela 1:

Tabela 1 – Dimensões culturais de Hofstede

Fonte: Adaptado de Lacerda (2011)

Hayton et al. (2002) propõem que, ao relacionar o nível de empreendedorismo de uma nação

com as dimensões culturais de Hofstede, percebe-se que culturas marcadas pela baixa distância do

poder, pela baixa resistência à incerteza, pelo individualismo e pela masculinidade favorecem esse

nível. Isso ocorre pelo fato de que uma alta resistência à incerteza e predominância de grande distância

do poder tendem a gerar obstáculos à inovação. A predominância do individualismo e da

masculinidade em uma cultura, por outro lado, fomentam atividades empreendedoras, sendo

responsáveis por uma maior tendência à abertura de novos negócios.

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2.2.2 Dimensões culturais de Trompenaars e Hampden-Turner

Fons Trompenaars e Charles Hampden-Turner acreditavam que para compreender uma cultura,

um indivíduo deveria compreender que o elemento principal que as difere é a maneira única que cada

uma delas busca soluções para solucionar problemas. Segundo os autores, existem três tipos de

problemas: aqueles provenientes do relacionamento entre pessoas, os provenientes da passagem do

tempo e aqueles oriundos da relação com o ambiente (LACERDA, 2011). Com base nessas questões,

Trompenaars e Hampden-Turner elaboraram sete dimensões de cultura, apresentadas na Tabela 2:

Tabela 2 – Dimensões Culturais de Trompenaars e Hampden-Turner

Fonte: Adaptado de Dias (2012)

Ao relacionar orientação empreendedora com as dimensões culturais de Trompenaars e

Hampden-Turner, Lee e Peterson (2000) sugerem que aquela é fortalecida pelo individualismo, pela

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orientação à realização e pelo universalismo, que são responsáveis por gerar traços como

competitividade, autonomia e propensão à tomada de riscos em uma sociedade. Com base no estudo

dos mesmos autores, as demais dimensões não contribuem consideravelmente para o desenvolvimento

da orientação empreendedora.

2.2.3 Dimensões culturais de Hall

O modelo de dimensões culturais de Edward T. Hall foi proposto em 1959, com base em

estudos feitos em países como Alemanha, Japão, Estados Unidos e França. Esses estudos analisavam a

comunicação interpessoal, o uso pessoal do espaço, a percepção do tempo e a velocidade com que

mensagens são transmitidas em uma sociedade em cada um dos países observados (HALL e HALL,

1990). Com base nesses elementos pesquisados, as dimensões culturais deste modelo serão

apresentadas na Tabela 3:

Tabela 3 – Dimensões Culturais de Hall

Fonte: Adaptado de Nardon e Steers (2009)

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De acordo com Steers (2005), os países mais empreendedores, logo, com uma cultura

empreendedora mais concretamente estabelecida, são marcados pelo baixo contexto, noção territorial

do espaço e abordagem monocromática do tempo, o que sugere que culturas com dimensões mais

próximas das indicadas tendem a ser mais empreendedoras do que as demais.

2.2.4 Dimensões culturais de Schwartz

Por meio de uma abordagem tendendo para o lado psicológico dos valores sociais que

permeiam uma cultura, Shalom Schwartz identificou valores humanos universais presentes em

qualquer cultura, que representam as necessidades universais da existência humana (NARDON e

STEERS, 2009). Com base nos valores universais identificados, Schwartz construiu seu modelo de

dimensões culturais que será apresentado na Tabela 4:

Tabela 4 – Dimensões Culturais de Schwartz

Fonte: Adaptado de Schwartz (2012)

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Como sugerido por Godói-de-Sousa et al. (2014) e ao adaptar os argumentos de Lee e Peterson

(2000) e Hayton et al. (2002) para o âmbito das dimensões de Schwartz, pode-se perceber que alguns

fatores que fomentam o empreendedorismo em uma sociedade são o individualismo, marcado pela

autonomia de agir e pensar dos indivíduos, e a baixa distância do poder, existente em sociedades

igualitárias. No quesito Domínio-Harmonia, ambos podem colaborar para o empreendedorismo, porém

enquanto um motiva a busca por inovações, o outro incentiva o uso de ideias já difundidas.

3. Metodologia

Esse artigo tem uma pesquisa de caráter qualitativo, devido à análise e interpretação de

elementos culturais dos países do BRICS para alcançar o objetivo do estudo. Esse tipo de pesquisa foi

o mais adequado para a realização do estudo, pois os fenômenos estudados estão diretamente

relacionados com elementos da cultura de um país, dificilmente analisado através de uma abordagem

de análise puramente quantitativa. Segundo Vieira e Zouain (2006), uma pesquisa qualitativa apresenta

confiabilidade em relação ao que foi analisado e às informações obtidas e geradas e, também,

conclusões palpáveis e coerentes com os dados estudados.

Quanto ao tipo de pesquisa, nesse artigo foi utilizada a pesquisa bibliográfica e a documental.

Em relação à primeira, houve uma estruturação da revisão bibliográfica por meio do levantamento de

informações teóricas já analisadas e publicadas em meios escritos ou eletrônicos e documental, pelo

trabalho se valer de fontes mais diversificadas sem um tratamento analítico (SILVEIRA e CÓRDOVA,

2009).

Desse modo, como a pesquisa apresentada por este artigo, além de expressar conhecimento

racional e científico, possui papel informativo, não houve interferência nas interpretações e conclusões

por parte dos pesquisadores, nem utilização de expressões ambíguas (AMBONI, 1997).

4. Discussão e Análise dos Resultados: Empreendedorismo no BRICS

A realização de análises e estudos acerca da atividade empreendedora de países pode ser,

muitas vezes, imprecisa e subjetiva. Entretanto, a criação do Global Entrepreneurship Monitor (GEM)

tornou o acesso a dados precisos e atualizados sobre o empreendedorismo de diversas nações mais

simples e fácil. (FONTENELE et al., 2011).

Quanto à análise do desempenho empreendedor dos países, o Global Entrepreneurship Index

(GEI) é outra fonte e, apesar de possuir semelhanças com o GEM, possui a vantagem de organizar

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diversos fatores cruciais para a avaliação do empreendedorismo de uma nação em apenas um,

fornecendo uma pontuação para cada país a partir do Desempenho Empreendedor.

A Tabela 5, além de apresentar o desempenho dos países do BRICS em relação ao quesito explorado

pelo GEI, indica, de maneira geral, o nível de empreendedorismo dessas nações:

Tabela 5 – Empreendedorismo no BRICS

Fonte: Adaptado de Ács et al. (2015), Amorós e Bosma (2013), Herrington e Kew (2013), Matos (2013) e Nogami e

Machado (2010)

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5. Análise das culturas empreendedoras dos países dos BRICS

As Tabelas 6, 7, 8 e 9 reúnem as informações referentes à análise da cultura empreendedora dos

BRICS, a partir das dimensões culturais de Hofstede, de Trompenaars e Hampden-Turner, de Hall e de

Schwartz, respectivamente:

Tabela 6 – Dimensões culturais de Hofstede aplicadas aos BRICS

Fonte: Adaptado de De Beer (1997), Hofstede (2015a, 2015b, 2015c, 2015d) e Smit et al. (2004)

No Brasil, a grande discrepância na distribuição do poder pela população faz com que seja

proporcional poder do indivíduo e benefícios que ele detém. Na resistência à incerteza, o Brasil

assume um comportamento semelhante à maioria dos países latino-americanos, marcados por um alto

grau de aversão às situações ambíguas. Quanto ao individualismo e coletivismo, no Brasil as pessoas

tendem a estar integradas a grupos por fortes ligações desde o nascimento, principalmente à família,

onde seus integrantes se protegem em troca de lealdade. Isso demonstra que a sociedade se encontra

em uma posição intermediária no quesito masculinidade/feminilidade (HOFSTEDE, 2015a). A cultura

brasileira é orientada ao longo prazo.

Na Rússia a distribuição de poder na sociedade ocorre de forma bastante desigual. Em relação à

aversão à incerteza, os russos tendem a se sentir ameaçados por situações ambíguas. Para evita-las,

além de terem o costume de planejarem detalhadamente as ações, estabeleceram uma das burocracias

mais complexas do mundo. Esse fato não impede que a sociedade russa esteja disposta a adaptar suas

tradições a novas tendências, visando um futuro próspero. Apesar da importância do status para os

russos, eles consideram família, amigos e até mesmo vizinhos importantes para os desafios do dia-a-

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dia, por isso tendem a se apegar e fortalecer os grupos aos quais pertencem (coletivismo)

(HOFSTEDE, 2015b).

A sociedade indiana demonstra um apreço pela hierarquia, muitas vezes como consequência do

regime de castas, que é uma realidade no país. A comunicação ocorre de cima para baixo e o

verdadeiro poder é altamente centralizado. A aversão à incerteza é baixa em seus habitantes porque o

país é marcado pela aceitação à imperfeição e as regras impostas são burladas via soluções criativas

para contornar problemas. Um fator que intensifica ainda mais a busca por sucesso individual são

alguns princípios do hinduísmo, religião predominante no país, que prega um ciclo de morte e

renascimento, sendo este dependente de como o indivíduo viveu a vida anterior. O País é muito

masculino, em termos de sucesso e poder. Como contraponto a esse fenômeno, os indianos dão grande

valor à família, fazendo com que eles busquem aliar suas conquistas individuais com aquelas que

levarão benefícios ao grupo como um todo (HOFSTEDE, 2015c). Contudo, devido ao conceito de

“karma”, os indianos premeditam muitas de suas ações, temendo os impactos que seus atos podem

causar, por isso o tempo não é linear e, portanto, não é tão importante quanto para sociedades

ocidentais.

A sociedade chinesa aceita as desigualdades entre as pessoas, tendo a relação entre

subordinados e superiores polarizada e o abuso de poder é um fenômeno frequente. Quanto à aversão à

incerteza, os chineses tendem a não se importar com situações ambíguas. Pode-se perceber que

questões referentes ao bem comum dos que pertencem a ele são consideradas mais importantes do que

o sucesso individual de um de seus membros, indicando que a cultura chinesa é altamente coletivista.

Apesar disso, o sucesso individual, tanto no trabalho quanto nos estudos, ainda é de grande

importância na sociedade e um dos principais motivadores dos indivíduos, indicando um caráter

masculino dessa cultura. Isso se reflete na adaptação de tradições às novas condições, mostrando que a

cultura está em constante mudança rumo ao futuro (HOFSTEDE, 2015d).

O caso da África do Sul se mostra mais complexo do que os demais analisados, visto que os

efeitos do Apartheid ainda contribuem para que o país possua uma cultura dividida: de um lado a

afrocêntrica e, do outro, a eurocêntrica, como destacado por De Beer (1997) e Smit et al. (2004). A

cultura afrocêntrica é marcada por uma aceitação das desigualdades, os indivíduos são coletivistas,

essa cultura de caracteriza como feminina e há uma maior orientação ao presente.

A cultura eurocêntrica também aceita as desigualdades, mas, diferentemente do caso anterior,

gera um caráter individualista na população cujo objetivo consiste em crescimento e sucesso pessoal,

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demonstrando o caráter masculino dessa cultura, os indivíduos agem no presente com foco em um

futuro mais próspero. Além disso, há uma baixa aversão a situações ambíguas por parte da população.

Tabela 7- Dimensões culturais de Trompenaars e Hampden-Turner aplicadas aos BRICS

Fonte: Adaptado de De Beer (1997), Chan (1999), Gilbert (2001), Overgaard (2010), Smit et al. (2004) e Trompenaars e

Hampden-Turner (1997)

Há outras características que devem ser explicitadas relacionadas à cultura brasileira, segundo

os autores apresentados na Tabela 7, como a aplicação de regras gerais somente para alguns, fazendo

com que relações pessoais e particularidades de cada situação alterem as normas vigentes. A abertura

para indivíduos expressarem seus sentimentos em público, a mistura frequente da relação profissional

e pessoal no ambiente de trabalho e, finalmente, o sentimento de que não se deve tentar controlar o

ambiente e a natureza, apenas se deixar levar por eles (TROMPENAARS e HAMPDEN-TURNER,

1997).

Em relação à Rússia, há foco no particularismo (apesar de regras e normas rígidas), no

comportamento afetivo em locais públicos, na mistura de relações pessoais e públicas em situações

variadas, e em não tentar controlar a natureza e o ambiente. Além disso, a cultura russa é marcada pela

atribuição, onde a condição financeira e família de origem de um indivíduo são fatores de grande

importância (GILBERT, 2001).

A cultura indiana é baseada fortemente em atribuição, devido ao regime de castas do país. As

relações pessoais e profissionais se misturam em situações diversas do dia-a-dia dos indivíduos, regras

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e normas podem ser alteradas, dependendo de cada situação e os indianos apenas observam a natureza;

não tentam controlá-la. A definição entre cultura afetiva e neutra, entretanto, é difícil de ser indicada

nesse caso, visto que o comportamento dos indianos ocorre de uma maneira intermediária aos dois

extremos (OVERGAARD, 2010).

Na China há a separação entre relações pessoais e profissionais em locais de trabalho, pelo

cumprimento das regras de forma igual, pela repressão dos sentimentos e emoções em locais públicos,

pela maior importância dada a atribuição do que a conquistas e, finalmente, pela submissão em relação

à natureza (CHAN, 1999).

Na África do Sul, segundo De Beer (1997) e Smit et al. (2004), os indivíduos são

particularistas, ou seja, normas e regras variam de caso a caso e têm seu foco no bem-estar, mostrando

que essa cultura de caracteriza como feminina. Esse fator explica a maior abertura que essas pessoas

têm para expressar seus sentimentos em locais públicos e também a mistura de relações pessoais e

profissionais que ocorrem em situações diversas. Além disso, o status de uma pessoa é julgado pelas

realizações desse indivíduo e não tenta controlar o ambiente e a natureza, sendo apenas guiada por

eles.

Tabela 8 - Dimensões culturais de Hall aplicadas aos BRICS

Fonte: Adaptado de Fernandes (2008), Gelfand e Brett (2004), Iacob e Dumitrescu (2012), Lewis (1999), Nishimura et al.

(2009) e Steers (2005)

Enquanto as culturas brasileira, russa e indiana são marcadas pelo alto contexto de suas

comunicações, pela noção comunal de espaço e pela abordagem policromática do tempo

(FERNANDES, 2008; STEERS, 2005; GELFAND e BRETT, 2004; LEWIS, 1999 e NISHIMURA et

al., 2009), a cultura chinesa é marcada pelo alto contexto de suas comunicações, pela noção territorial

de espaço e pela abordagem monocromática do tempo (FERNANDES, 2008). A cultura sul-africana

afrocêntrica é caracterizada pelo alto contexto, pela noção comunal de espaço e pela abordagem

policromática do tempo, ao passo que a eurocêntrica é marcada pelo baixo contexto, pela noção

territorial de espaço e pela abordagem monocromática do tempo (IACOB e DUMITRESCU, 2012).

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Tabela 9 - Dimensões culturais de Schwartz aplicadas aos BRICS

Fonte Adaptado de De Beer (1997), Nardon e Steers (2009) e Smit et al. (2004)

Ao analisar a Tabela 9, percebe-se que todas as culturas são caracterizadas pelo

conservadorismo, por estruturas hierárquicas e por ser baseada na harmonia, com exceção da cultura

eurocêntrica da África do Sul.

6. Conclusão

Os BRICS vêm obtendo notoriedade global devido ao seu crescimento de suas economias

locais e relevância geopolítica. Ao relacionar as dimensões culturais de cada um dos BRICS com as

dimensões ideais para a prática empreendedora em um país, percebe-se que esses países possuem

características culturais que os distanciam das ideais.

Os elementos culturais de um país - abordados por meio dos modelos de dimensões culturais

utilizados neste artigo - contribuem para justificar a cultura empreendedora de uma nação,

corroborando a ideia de que atitudes empreendedoras são afetadas por traços culturais de um local, que

exercem influência sobre os indivíduos inseridos nesse ambiente.

Tendo como base essa informação, deve-se ressaltar, mais uma vez, as baixas pontuações,

levando a baixas colocações dos BRICS no ranking dos países mais empreendedores do GEI 2015,

indicando uma cultura empreendedora ainda pouco desenvolvida nesses locais. Das nações aqui

analisadas, a África do Sul foi a que obteve melhor posição no ranking, sendo ela, justamente, o país

do BRICS com características culturais mais próximas do considerado ideal para a existência de uma

orientação empreendedora em um país, mas com pontuação consideravelmente inferior aos primeiros

colocados.

Finalmente, constatou-se que os BRICS que possuíam dimensões culturais mais distantes das

consideradas ideais tiveram pior desempenho no ranking dos países mais empreendedores do GEI,

enquanto que a África do Sul, país com dimensões mais similares às ideais, obteve o melhor

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desempenho. Portanto, com base no estudo e na análise realizados, pôde-se perceber o importante

papel que elementos culturais possuem na formação da cultura empreendedora de uma nação,

indicando que atitudes empreendedoras em uma sociedade são afetadas pelos traços culturais que lá

existem.

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