a influência da constituição morfológica da forma verbal na ausência de concordância em...

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Rev. Est Ling., Belo Horizonte, ano 4, v. 2, p. 41-67,jul.ldez. 1995 41 A inOuência da constituição morfológica da forma verbal na ausência de concordância em Por- tuguês 1 Eunice Maria das Dores Nicolau Universidade Federal de Minas Gerais Abstract ln this paper I analyse the influence ofthe morphological constitution ofthe verbal form on the absence of agreementbetweenthe verb and the NP subject of 3pp (third person of plural) in the colloquial Brazilian Portuguese. According to the results this absence is significantly more ftequent in the "regular" verbs (falalfalam, comei comem, fazlfazem, etc.) than in the other verbs (i.e. the ''non-regu- lar" verbs). The central claim is that these results are due to the pecu- liar behavior of the ''regular'' verbs where lack of agreement is the result of the interaction between variable processes - a morpho- syntactic synchronic nde and some phonological diachronic proces- ses.

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A influência da constituiçãomorfológica da forma verbal naausência de concordância em Português

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  • Rev. Est Ling., Belo Horizonte, ano 4, v. 2, p. 41-67,jul.ldez. 1995 41

    A inOuncia da constituiomorfolgica da forma verbal naausncia de concordncia em Por-tugus 1

    Eunice Maria das Dores NicolauUniversidade Federal de Minas Gerais

    Abstractln this paper I analyse the influence ofthe morphological constitutionofthe verbal form onthe absence ofagreement between the verb andthe NP subject of 3pp (third person of plural) in the colloquialBrazilian Portuguese. According to the results this absence issignificantly more ftequent in the "regular" verbs (falalfalam, comeicomem, fazlfazem, etc.) than in the other verbs (i.e. the ''non-regu-lar" verbs). The central claim is that these results are due to the pecu-liar behavior of the ''regular'' verbs where lack ofagreement is theresult of the interaction between variable processes - a morpho-syntactic synchronic nde and some phonological diachronic proces-ses.

  • NICOLAU

    l-CONSIDERAOESPRELThnNARES

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    Neste artigo ser. analisada a ausncia de concordncia entre overbo e o sintagmanominal sujeito de terceirapessoa do plural(3PP) no portugus coloquial. Essa anlise constitui uma re-tomada de parte de um trabalho mais ampl02 , atravs do qual sebuscou verificar a influncia de condicionamentos estruturais (cons-tituio morfolgica da forma verbal, ambiente fonolgico que suce-de ao verbo, posio do SN sujeito em relao ao verbo e constitui-o do SN sujeito) e no-estruturais (grupo social, sexo, idade e esti-lo de fala) na ausncia de concordncia registrada na fala de 32belorizontinos pertencentes a quatro grupos sociais diferentes, deambos os sexos, e distribudos em dois grupos etrios distintos.

    Adotando o modelo sociolingistico proposto por LABOV (1972),analisou-se quantitativa e qualitativamente os 1.913 dados obtidosatravs de entrevistas individuais, gravadas. Na anlise quantitativa,utilizou-se o sistema VARBRUL 2, criado por SANKOFF (1975)3 eadaptado pelo CECOMlUFMG.

    De acordo com os resultados encontrados, a ausncia de concor-dncia verbal (que, no presente trabalho, ser tratada como ACV)mostrou-se sensivel aos condicionamentos (estruturais e no-estrutu-rais) considerados e, nos verbos "regulares" (fala/falam, come/co-mem, faz/fazem, etc.), foi significativamente mais freqente do quenos verbos "no-regulares" (as formas de pretrito perfeito doindicativo e os verbos que apresentam terminao tnica). Tendo emvista o comportamento dos fatores no-estruturais, a ACV no portu-gus coloquial de Belo Horizonte foi caracterizada como uma Y.ari::vel estvel que apresenta nitida estratificao social.

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    2 - APRESENTAO DO PROBLEMA

    De acordo com as gramticas nonnativas, a concordncia entre overbo e o sintagma nominal sujeito, na lngua portuguesa, uma re-gra obrigatria, que pode ser assim fonnalizada:

    (1-r- (X) - SN - (Y) - V - (Z) J'Lo [+suj]

    G~~J1 2 3 4 5=;> 1 2

    Em conseqncia dessa obrigatoriedade postulada pela tradiogramatical, a ACV tem sido considerada, principalmente pela escola,um erro grave, prprio dos falantes incultos e de condio socialdesprestigiada. Entretanto, vrios estudos tm demonstrado que aACVconstitui um trao marcante no portugus falado no Brasil e, almdisso, um fato antigo na lngua. Atravs desses estudos, a esse fatotm sido atribudas diferentes explicaes.

    Uma primeira explicao a de que a Regra (1) se aplica, e aACV resultado da simplificao no sistema de flexes. Essa aposio defendida por: MARROQUIM (1934) , NASCENTES(1953), PONTES (1972), MENDONA (1973), RODRIGUES(1974), AMARAL (1976), NETO (1976), ASSIS VEADO (1980) EMELO (1981), de acordo c/ as ref. Bibliogrficas.

    Para outros autores, a Regra (1) consiste numa regra varivel,que ora se aplica ora deixa de se aplicar, devido influncia de dife-rentes condicionamentos. Essa a opinio de NARO E LEMLE(1977), que afirmam o seguinte: a freqncia de aplicao da regramorfossinttica varivel de concordncia verbal em portugus, nasformas de 3PP, diretamente proporcional ao grau de salincia fnicaque estabelece a oposio entre essas fonnas e as de terceira pessoado singular (3PS) correspondentes. Atravs desse principio de sali-

  • NICOLAU 44

    ncia fnica (daqui para frente, PSF), os autores explicam' a maiorfreqncia de concordncia nas fonnas do tipo disse/disseram, fe'Zifizeram, etc. Do que em casos como fala/falaram, come/comem, etc.

    Segundo GUY (1981), a ACV no portugus coloquial do Brasil um exemplo de interao entre processos variveis fonolgicos emorfossintticos. O autor observa que, no portugus padro, o prin-cipal marcador de pluralidade na 3PP a nasalizao das vogais fi-nais (representada ortograficamente por ....:11l e morfofonemicamentepor /IN//), nasalizao essa comumente acompanhada daditongao,resultante do alongamento do ncleo voclico, o que constitui umprocesso bastante difundido nos dialetos portugueses. essa a expli-cao dada por GUY para a presena do ditongo [-ey] nas formasverbais do tipo sabem ['sabey]. Quanto ao ditongo [-mv] das formasverbais de 3PP, o autor acredita ser o resultado da fuso dos finais -AN e -ON do portugus arcaico que, ainda no sculo :xI'V: passarama -o, transformao que GUY formaliza atravs da seguinte regra(regra 29, p. 118):

    {}{}-> [-w]-##

    o autor observa, ainda, o seguinte:

    a) A terminao -em /EN/ algumas vezes se realiza como[], e a terminao -am freqentemente realizada como[-ii] ou [-u].

    b) A ACV mais freqente em dois grupos de fonnas ver-bais. O primeiro desses grupos constitudo dos verbos''regulares'', nos quais a simples ausncia do morfofonema/IN// faz com que as formas de 3PP coincidam com asformas de 3PS (fala/falam, come/comem etc). O segundogrupo compreende as fonnas verbais cuja oposio entresingular e plural pode ser representada por: 0/ [-ey]. Nes-ses casos, a ausncia do morfofonema /IN//. gera formas

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    terminadas na vogal temtica -e, [-i], que atingida porum processo fonolgico registrado ainda na fase inicialdo portugus - o cancelamento dos finais tonos lei e Iiiantecedidos de 11, r, n, 'Zi. Essas duas transformaes le-vam tais formas de 3PP a coincidirem com as formasde 3PS.

    Para explicar a variao mencionada em A, o autor remonta histria das vogais tonas portuguesas e prope que as terminaesverbais sejam o resultado das transformaes sumariadas no QllA=DRO 1, abaixo:

    Transforma~Formas do PortugusFonolgica ~ Arcaico lEI IENI IANIIONI1. Nasalizao voclica2. Ditongao

    a) atravs de alongamento do ncleovoclico

    b) atravs da fuso de nasais3. Reduo do ditongo (conseqente

    converso do glide em [+silbico] )4. Desnasalizao (varivel)5. Alamento i

    ey

    i-i

    i

    ii-u

    Formas do portugus coloquial do Brasil [i] [ey4-i] [iw--u]

    QUADRO 1: Sumrio das transformaes propostas por GUY paraas vogais tonas finais portuguesas.

    Quanto observao registrada em B, GUY conclui que ela seexplica pelo fato de existir uma regra fonolgica varivel dedesnasalizao atuando sobre formas verbais portuguesas; ou seja, o

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    autor acredita que a ACV, nos verbos que ele chama de "regulares"(fala/falam, come/comem, etc) e nas formas verbais do tipo faz/fa-zem, querlquerem, etc, resulta de doi processos sincrnicos:

    l'a no-aplicao da regra morfossinttica varivel de con-cordncia verbal;

    2) a atuao de uma regra fonolgica varivel dedesnasalizao.

    3- HIPTESES DE TRABALHO

    A proposta de GUY que, primeira vista, parece a mais convin-cente, apresenta um ponto bastante vulnervel, pois o autor sustentaque, quando atingida pela regra de desnasalizao, a tenninao ver-bal tona -amrealiza-se como [- - -fi..- -1l] nos verbos "regulares" ecomo [- - -u] nas formas do pretrito perfeito. Em relao a essaproposta, podem ser colocadas as seguintes objees:

    ta) Se, como admite GUY ( 1981: 118-20), o ditongo nasaltono final [- i w] das formas verbais portuguesas resul-ta da fuso de [- i] e [-], no se justifica o fato de esseditongo, atravs da desnasalizao, resultar em diferen-tes realizaes. Se, como o efeito da desnasalizao, ve-rifica-se a transformao falam> fala, era de se esperarque, por exemplo, falaram se transformasse em * falara.Enfim, GUY no explica por que ocorre eles fala no lu-gar de eles falam, e no ocorre eles *falara no lugar deeles falaram. (pretrito perfeito), sendo que, em ambas asformas - falam ['fal w] e falaram [fe 'lar w] -, veri-fica-se, segundo ele, a presena de um mesmo ditongonasal tono final.

    2a) O autor considera presente a marca de pluralidade nasformas do pretrito perfeito em que a terminao se rea-liza como [-] ou [-u], mas no faz o mesmo em relao

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    aos verbos "regulares". Falando mais claramente, se asformas como falatil [f~ 'laro]:falam [f 'laro] continu-am sendo de plural por se distinguirem da forma de sin-gularfalou [f~ 'low], a pluralidade deveria ser conside-radapresente tambm nas formas como1!' ['fal]~['falu]- admitidas por GUY que se distinguiriam da for-ma singular fala ['fal~].

    3&) O autor sustenta a variao [ - - -u] nos verbos "regula-res". De um lado, se essa variao realmente ocorre, aevoluo das vogais tonas finais proposta por GUY plausvel, mas vem reafirmar a primeira objeo aquimencionada; ou melhor, no h justificativa para dife-rentes derivaes do ditongo [ -fi w] ante o efeito da re-gra de desnasalizao. De outro lado, no corpus utiliza-do para a presente anlise, a variao [ -fi w- - - -u]aparece apenas nas formas de pretrito perfeito - falaram[m'lar fi w] -1lar' [f~ 'laro] - 'falam' [ f~ 'laru]; nosoutros tempo, a terminao=..am, realiza-se como[- fiw - ~] - falam ['fal fi w - 'fal ~]. Nesse caso, en~, aevoluo das vogais proposta por GUY absolutamenteinaceitvel. Se o ditongo nasal tono final [ - fi w] estem variao ora com [ - ~], ora com [- ] e [-u] e soessas as variaes encontradas nos dados aqui analisa-dos - parece evidente que tal ditongo seja o resultado detransformaes ocorridas em formas originrias diferen-tes. Dessa maneira, a origem desse ditongo no deve seratribuda fuso das terminaes [ -] e [-], conformepropeGUY

    Quanto evoluo das terminaes verbais, OLIVEIRA (1983),partindo da hiptese de que a regra sincrnica de desnasalizao pos-tulada por GUY no existe, prope que as vogais nasais tonas finaisdo portugus arcaico, [ - fi] - (b) ant), [-e]-ent) e [-] -oot),passaram pelos seguintes processos de transformao: desnasalizao,

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    ditongao, alamento. Desses processos, ordenados, ocorridosprovavelmente antes do sculo XV (quando formas em -aro. no lugarde -om... comeam a ser registradas), teria resultado a evoluo quepassa a ser representada pelo QUADRO 2:

    IDEstgio 2DEst&io 3DEstgio 4DEstgio

    [- i] [- i] - [- u] [- iW] -[ -u] [ - iw] -[- u][- e] [- e] - [- e] [- ey] -[ -e] [- ey] -[- i][- ] [-]-[-o] [ - ] -[ - o] [ - ] -[- u]

    Transforma- Desnasalizao Ditongao Alamentoes~

    QUADRO 2 - Evoluo das vogais nasais tonas fmais do portugusproposta por OLIVEIRA (1983).

    Referindo-se variao [ - iW] - [ -fi ] - [ -u], registrada asformas de 3PP doperfeito do indicativo do portugus do Brasil, OLI-VEIRA conclui que ela se deve somente a processos ocorridos noportugus arcaico, ou seja:

    a) a transformao da vogal nasal tona final do portugusantigo, [ - ] -unt), que passa a [-fi] - [-u] atravs dadesnasalizallo e do alamento;

    b) a criao analgica do ditongo nasal tono final [- iW],baseada nas formas de 3PP do presente e do imperfeitodo indicativo.

    Para OLIVEIRA, as variaes representadas no quarto estgioestilo presentes na lngua h vrios sculos. Sendo assim, a variaoentre [ - cPw] e [- cp] e a variao entre [ - ey] e [ - i ],Jue ocorrematua1mente em formas verbais de 3pp no portugus d Brasil, no

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    resultam apenas da no aplicao da regra varivel de concordnciaentre o verbo e o SN sujeito; elas so, tambm, um resduo histricorefletido na variao sincrnica da nossa lfngua. Em outras palavras,a mais alta freqncia de neutralizao entre as formas 3PS cujo final uma vogal oral tona, [-1r] ou [-i], e as formas de 3PP cujo final um ditongo nasal tono, ([-iW] ou [ -ey], respectivamente), deve-se adois processos diferentes - a no aplicao da regra varivel de con-cordncia verbal e o efeito de transformaes fonolgicas ocorridasainda no portu&us arcaico.

    Com essa anlise, OLIVEIRA (1983:5) rejeita tambm o PSF,proposto por NARO e LEMLE (1977), a respeito do qual aftrma:

    Embora este principio parea funcionar, ele tem,. em minhaopinio, uma implicao algo estranha. Ele altamenteantifuncional, e difIcil imaginar que as pessoas obliteremoposies exatamente nos casos em que aquiloque est sen-do omitido a nica marca para a diferena entre formas dosingular e formas do plural.

    No que se refere evoluo das terminaes verbais portugue-sas, a proposta de OLIVEIRA parece a mais plausvel, uma vez que,alm de no suscitar os problema encontrados na anlise deG~mostra-se coerente com vrios estudos anteriores, que cabem, pois,ser retomados.

    Para LEITE DE VASCONCELOS (1901: 102), a reduo Lat.::Wlt > porto ii ou !l, nos verbos, fenmeno antigo e ainda presenteem Portugal:

    Le lal. - VNT dans les verbes est reprsent en portugaisancien par=.om. Dans la langue de Guimares auxvn sicle,on trouve encore dans des mss.: vierom, despachrom,mandrom. Aujourd'hui 1I = (= =001) se conserve dans unegrande partie du Sud, ou iI alterne avec - et avec=Si.. (-u'); enEntre-Douro-e-minho, Sinfes, et Resende, on ditcouramment =Si.. .(::U). Dans la Beira, de mme qu Tras-os-

  • NICOLAU 50

    Montes, on trouve =y et=lo. Exs.: foI, .fmji, furo, "foram"< 1. *furant fuenmt

    Diz ainda LEITE DE VASCONCELOS (1926:32) que: "Avogalfinal dos verbos tornou-se ditongo: erant > er> ero (escrito hoje=flm). II

    Para BOURCmZ E MEYER-LUBKE (apud. NASCENTES,1953:162), a terminao ::am da 3PP do perfeito do indicativo pro-vm da analogia com a de igual pessoa do imperfeito do indicativo.COUTINHO (1976:281-5), referindo-se passagem das fonuas ver-bais latinas para o portugus, diz sobre o presente do indicativo:

    Na 38 pessoa do plural da primeira conjugao, desenvol-veu-se um -0- paraggico, que deu em resultado um ditongo=lo, grafado ::am por ser tono.

    E, quanto ao perfeito do indicativo, o autor afirma que: "Na 3"pessoa do plural a terminao arcaica era =JJm.: amaram. deverom.punirom".

    MELO (1981:83-117) prope para a terminao verbal de 3PPdo perfeito do indicativo a evoluo: =UIlt> .=om> ::Q(amanmt >amar.o.m > amaro). Sendo assim, da forma arcaica [-] que teriaresultado o [-u] das formas como: 'amam, [e'maru], 'yenderu',[ve'deru], 'partiru' [pu h'Siru], etc. Tambm MARROQUIM (1934:66)refere-se realizao de::am como::o [-u] no portugus atual como apersistncia de uma fonna arcaica da lngua.

    A aceitao da proposta de evoluo das terminaes verbais to-nas portuguesas apresentada por OLIVEIRA (1983) leva a aceitar,tambm, a explicao dadapor esse autor para a maior freqncia deACV encontrada nas fonuas verbais cuja terminao ::am se realizacomo [ - iW - u] e nas fonnas verbais terminadas em -em, que serealiza como [-ey- i]. Conseqentemente o PSF proposto por NAROe LEMLE (1977) passa a ser rejeitado.

    Assim sendo, a anlise da influncia da constituio morfolgicada fonna verbal na ACV em portugus apresentada neste artigo reali-

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    zou-se a partir dos seguintes hipteses:

    Hl - a ACV no portugus coloquial do Brasil resulta, em parte, dano -aplicao da Regra (1), que uma regra varivel;

    H2 - a freqncia de aplicao (ou no) da Regra (1) condicionadapela constituio morfolgica da forma verbal, ou seja, formasverbais estruturalmente diferentes exercem influncia diferentena ACV em portugus;

    H3 .;. a freqncia de ACV em portugus no diretamente proporci-onal ao grau de salincia mnica que estabelece a distino entreas formas de 3PS e as de 3PP;

    H4 - nas formas verbais cuja terminao =anl se realiza como [--ew --'8] e nas terminadas por .::em, que se realiza como [-ey - -i], aACV mais freqente por resultar da interao entre um pro-cesso morfossinttico varivel e alguns processos fonolgicostambm variveis - o primeiro, sincrnico e os ltimos,diacrnicos.

    4 - SOBRE OS PROCEDIMENTOS METODOLOGICOS

    Os 1.913 dados foram submetidos a uma anlise quantitativa,realizada,como se disse, com a utilizao do sistema VARBRUL 2.Em funo dessa anlise os dados foram, ento, codificados de acor-do com uma categorizao estabelecida com base nas diferenas en-contradas entre as estruturas das formas verbais de singular e as dasformas verbais de plural e a partir dos trabalhos de LEMLE e NARO(1977), NARO e LEMLE (1977), NARO (1980), MOITA (1979) eGUY (1981). Nessa categorizao, apresentada no QUADRO 3, aseguir, foi proposta uma escala ascendente com dez gra~ para repre-sentar a gradao das diferenas mnicas entre as formas de 3PS e asde 3PP.

  • Constituio morfolgica da forma verbalDiferenas fanicas

    Cad EstruturaSegmenta! EstnrturaSupra-Segmentaique marcam a Exemplos~~ural

    B 3PS - II + (VT - '-'l GIl II + VT + (SMT - '-'l acento no R ou na VT11a, falava

    3PP - [1l + (VT -/01) + SNP] ou [ll + VT + (SMT -1tI + SNP] acento no R ou na VT[ -111 - fi\t] falam, falavam

    C 3PS -ll+ (VT CIIl SMT - foi) acento no R [-i/-ey] ICOIIlC; Ia.K acento no R ou na VT fiuA:m, fazerem

    G 3PS- (ll + VI) CIIl(ll+VT+wr) acento no VT ou no SMT [ -a 1- l\t] d, est, falar3PP -[(ll + VI) + SNP] GIl [(ll + VT+ wr) + SNP) acento na tenninalo dIo estJQ falmto

    H 3PS-R+SNP monossllabo tnico [- ay I - l\t] vai3PP-R+SNP monossllabo tnico vlo

    J 3PS-R+ (VT-CCIIli) + SNP acento na VT [-w I - ri\t] moII'Cu, partiu3PP-R+fVI'-cCIIljl+ SNP acento na VT morreram Dartiram

    M 3PS + R + (VT - aI-reII + SNP acento na VT [ - 'ow I 'ar i\t] falo.u3"-ll+ fVI' - &l+ SNP acento na VT faJamm

    T 3PS-ll+VTacento no R [ -i I - 'E Yi\t] soube, disse

    3PP+R+VT+SNP acento na VT souberam, disscI:amX 3PS-ROU(ll+VI)

    acento no R r~/r=J C' ~r'.J fez, p&, teYc:JPP -R'+ SNP .... [(ll.+ VI) + SNP] acento na VT fiwam, puseram, tiveram

    y 3PS-R+SNP monossllabo tnico [-y/-ri\t] foi:JPP-R+SNP acento no R fomm3PS-R acento no R [-'is!- - j'ZEIH'] quisW 3PP-R +VT+SNP acento na VT quiseram3PS monossllabo tnico formas distintas Z 3PP-> form8t lUpIeliWI sID

    QUADRO 3: Categorizalo dos fatores em funo da constituio morfolKica da forma m:bal e da conseqente di_o fim.6t.h:a~3lS.e3ff

    ~

    ~

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    5 - ANALISE DOS DADOS

    5.1 - A reJevincia .da diferena fanica .cntr.c singular ~ plural

    Em primeiro lugar, foram calculados as probabilidades de ACVnos dez fatores considerados. Os resultados obtidos atravs dessa ro-dada, designada A, podem ser vistos na TABELA-l :4

    TOTAL ACVFATORES

    DE N % %

    CASOS casos SIMP REL. PROB

    B - fala/falam., etc. 790 500 63 60 .88C - come/comem, etc. 145 92 63 11 .89V - tazltazem, etc. 13U II ~~ ~ JS~G - dldo, etc. 173 34 20 4 .39H - vai/vo, etc. 95 25 26 3 .49J - comeu/comeram, etc. 75 18 24 2 .33M - falou/falaram, etc. 231 39 17 5 .19X - fez/fizeram, etc. 64 6 9 1 .10Y - foi/foram, etc. 35 11 31 1 .51Z - /so, etc. 175 34 19 4 .28TOTAL 1077 836 44 100 -

    TABELA 1: A Ausncia de Concordncia Verbal nos Fatores Inicial-mente Estabelecidos

    Os ndices probabilsticos mostraram que os verbos codificados

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    como B, C, e D comportam-se de maneira bastante diferente dos de-mais; ou seja, apenas esses trs fatores favorecem, e altamente, aACV. Do ponto de vista estrutural, essas formas verbais apresentamsemelhanas, uma vez que nesses casos a oposio singular/pluralocorre apenas nas terminaes, que so tonas. De um lado, o peculi-ar comportamento desses verbos mostra-se tambm evidente nos re-sultados obtidos por LEMLE e NARO (1977:41), NARO (1980:20),MOTTA (1979:87) e GUY (1981:260). De outro lado, esses primei-ros resultados obtidos no confirmam o PSF estabelecido por NAROe LEMLE (1977) para explicar a ACV, pois os valores atribuidos aosfatores considerados no aparecem - como deveriam aparecer, casoesse PSF estivesse atuando - em ordem decrescente; a relao encon-trada foi:

    B D>GJ> M>XZ

    Ante tal fato, buscou-se, ento, estabelecer uma novacategorizao dos fatores, na qual figuraria um nmero mais reduzi-do de graus de salincia fnica.

    Para isso, foram agrupados os fatores que, alm de estrutural-mente muito semelhantes, apresentaram probabilidades bastantespr-ximas. Assim, B, C e D passaram a constituir um nico fator B; emseguida, os fatores J e M ( as formas regulares de pretrito perfeito doindicativo) foram agrupados em J. Desse modo, o nmero de fatoresfoi reduzido, conforme se pode ver atravs da TABELA 2:

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    FATORES TOTAL ACV

    DE N % %casos SIM REL PROB

    CASOS

    B - fala/falam, etc. 1065 669 63 80 .92come/comem, etc.Faz/fazem, etc.G - dldlo, etc: 173 34 20 4 .52H - vai/vo, etc. 95 25 26 3 .62J- comeu/comeram, etc. 306 57 19 7 .49Falou/falaram, etc.X -fez/fizeram, etc. 64 6 9 1 . 10Y - foi/foram, etc. 35 11 31 1 .52Z - /so, etc. 175 34 19 4 .30TOTAL 1077 836 44 100 -

    TABELA 2: A Ausncia de Concordncia Verbal, aps o primeiroagrupamento dos Fatores.

    Esses resultados tambm no se ajustam ao que se deveria espe-rar em termos do PSF. Partindo de GUY (1981), decidiu-se, ento,tratar esses fatores sob uma outra perspectiva: os fatores B, C e Dforam recodificados como R (adotando e estendendo a denominaode "regulares"adotada por GUY); os outros sete fatores inicialmenteconsiderados ( G, H, l, M, X, Y e Z) como N ("no-regulares"). Osnovos resultados obtidos, em termos de LOGLKH evidenciaram altondice de significncia da diferena de comportamento dos doissubgrupos, aos quais foram atribudos os seguintes ndices de proba-bilidades: R = .80 e N = .20. Esse resultado levou deciso de seestabelecer uma categorizao um pouco mais refinada dos fatoresem estudo. Considerou-se, de um lado, o comportamento especfico

  • NICOLAU 56

    das formas codificadas inicialmente como B, C e D (que continua-ram a constituir o fator R) e, de outro lado, a posio do acento nasoutras sete formas verbais. Assim, J, M, X e Y passaram a constituiro fator P (pretritos perfeitos, em que a 3PP apresenta terminaotona), e as formas codificadas como G, H e Z passaram a constituiro fator A (formas em que a 3PP apresenta terminao acentuada). Osresultados encontrados foram: R = .87, P = .22, A = .35. De acordocom tais resultados, parece no existir diferena de comportamentoentre P e A - ambos desfavorecem sensivelmente a ACV, que bas-tante favorecida por R. Buscou-se, ento confirmar essa semelhanaentre P e A. Para isso, foram calculadas as probabilidades de ACVapenas nesses dois subgrupos, aos quais passaram a ser atribuidosvalores bastante diferentes: P =.43 e A =.57. O resultado foi, portan-to, modificado, ou seja, o subgrupo P desfavorece a ACV, que favorecida por A. A esse resultado acrescenta-se, ainda, o fato de, emP, as formas marcadas quanto ao nmero se realizarem como [ -iw --ii - -u], variao essa que no se registra entre as formas de A. Sen-do assim, decidiu-se por manter separados esses dois subgrupos deverbos, e as formas verbais em estudo passaram a constituir trssubgrupos: R ("regulares"), P (pretritos perfeitos) e A (formas determinao acentuada). A partir dai foi testada a relevncia da dife-rena ffinica em dois desses subgrupos R e P o que no pde serfeito em relao ao subgrupo A porque, embora estruturalmente se-melhantes, os fatores desse subgrupo (G, H, Z) no apresentaramvalores que permitissem qualquer reagrupamento.

    Em relao ao subgrupo R, os resultados confirmaram osj obti-dos em rodadas anteriores: as diferenas mnicas registradas entre asformas inicialmente codificadas como B, C e D no exercem qUal-quer influncia sobre ACV.

    Na anlise do subgrupo P, em separado, realizou-se uma primei-ra rodada juntando-se os pretritos perfeitos regulares - J e M. O re-sultado confirmou-se a irrelevncia da diferena ffinica entre essasformas verbais. Numa segunda rodada, X e Y foram agrupados emX, que passaria a codificar todos os pretritos perfeitos irregulares.Mas os resultados mostraram que esses dois fatores - X e Y - com-

  • Rev. Est. Ling., Belo Horizonte, ano 4, v. 2, p. 41-67,jul.ldez. 1995 57

    portam-se diferentemente emrelao ACV; ou seja, entre as formasverbais de pretrito perfeito, a diferena fnica parece ser relevantepara a no aplicao da Regra (1). Apesar disso, no se confirma,nesse subgrupo, a existncia do PSF, pois aos fatores foram atribu-dos os seguinte ndices probabillsticos: M:;: .47, X =.26, Y = .76. E,de acordo com o referido princpio, esses ndices deveriam configu-rar a relao M > X > Y, o que no se verifica. Cabe ressaltar, ainda,que, nesses verbos, o fator Y, que representa as formas mais diferen-ciadas foneticamente, o que apresenta alto ndice de favorecimentodaACV.

    Os resultados at aqui analisados permitem que sejam feitas duasafirmaes quanto ao procedimento das diferentes formas verbais emrelao ACV:

    la) h relao entre a ACV e a estrutura morfolgica doverbo - algumas formas verbais favorecem essa ausn-cia (B =.92, H = .62, G= .52) outras a desfavorecem (X= .10 e Z = .30), e um tipo de formas no exerce qual-quer influncia, positiva ou negativa, sobre o fenmeno(J =.49);

    2a)no h qualquer evidncia de uma relao diretamenteproporcional entre a ACV e o grau de salincia fnicaque distingue as formas de 3PS das 3PP, ou seja, no foiconfirmado o PSF, proposto por NARO e LEMLE(1977).

    S.2 - As formas verbais~ favorecem a ACY

    Uma vez confirmada a relevncia de alguns fatores consideradosna ACV, buscou-se verificar-se entre essesfatores relevantes existe,ou no, alguma semelhana que os distingue dos outros. Consideran-do-se a posio do acento, as formas verbais portuguesas de 3PP po-dem ser distribudas em dois grupos:

  • NICOLAU 58

    a) um grupo constitudo de formas cujas terminaes so tonas: fa::Iam, CQJDetD, faJamm, etc;

    b) um grupo constitudo de formas que apresentam terminaes tni-cas: do, falaro, Yio, so, etc.

    A anlise da ACV, nesses dois grupos de verbos, evidenciou di-ferena que pode ser explicada como resultado de atuao de diferen-tes processos lingsticos.

    5.2.1 - A ACY .mm.o resultado da jDteralo m.tre processosvariveis

    o grupo (a) compreende dois subgrupos que j vm sendo trata-dos aqui como R ("regulares") e P (pretrito perfeito). No subgrupoR, a presena de concordncia implica presena de um ditongo nasalfinal- [- mv] ou [-Y]. Mas, no subgrupo P, a presena das marcasde pluralidade leva as terminaes a se realizarem como [ -mv - -ii-u]. No primeiro caso, verifica-se a ocorrncia apenas da concordn-ciapadro, que, no segundo caso, ocorre ao lado da concordncianopadro. Essa variao registrada entre as forma de pretrito perfeitoevidencia efeitos de processos fonolgicos nessas formas. Surgem,ento, duas questes:

    a) Por que no se verifica, entre as formas do subgrupo R, a mesmavariao [ -mv - -ii - -u], registrada entre as formas do subgrupoP?

    b) Os processos fonolgicos responsveis pelas transformaes ocor-ridas nas formas do subgrupo P no atingiram tambm as termina-es das formas que constituem o subgrupo R?

    Antes, porm! de responder a tais questes, indispensvel, quese observem os resultados contidos na TABELA3:

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    Casos I Porcetagens

    Fatores N de N de %de N % N %c/CV N %CVcasos ACV ACV c/ casos clCV padd.o C/CV no::

    CV com padd.o em rela- DIo padd.oCV oao padd.o em rela

    total oaototal

    R (regulares) 1.065 669 63 396 37 396 37 -- --

    A (terminaIo 443 93 21 350 79 350 79 - -acentuada)

    P (pretrito 405 74 18 331 82 55 14 276 68perfeito)

    TABEI tAJ: Nmero de casos, nmero e porcentagens de ACV, n-mero e porcentagens de casos com CV (padro e no-padro).

    Atravs desses resultados, pode-se observar o seguinte:

    1) em relao ao total de casos com concordncia, existe uma dife-rena considervel entre o comportamento do subgrupo R ("regu-lares") e o subgrupo P (pretrito perfeito) - em R, apenas 37% doscasos observados apresentam concordncia e, em P, marcas depluralidade esto presentes em 82% dos casos analisados;

    2) em relao ao total de casos kOlD..-concordnciapadro, observa-seuma inverso no comportamento dos dois subgrupos em questo -no subgrupo R, os 37% correspondem a casos em que se verifica apresena de ditongo nasal tono final ([ -iW] ou [ -ey] enquanto,no subgrupo P, dos 331 casos com concordncia, apenas 55 apre-sentam o ditongo nasal tono final [ - iW] e os outros 276 casostm a terminao realizada como [ -] ou [ - u]. Reunindo, noscasos analisados, a concordncia padro ocorre em 37% dos ver-bos "regulares" e em apenas 14% das formas de pretrito perfeito.

    Entre o verbos ''regulares", ocorrem, portanto, 37% de casos comconcordncia padro e 63% de formas .sem concordncia. A ACV

  • NICOLAU 60

    nesses verbos, bastante favorecida por todos os fatores consideradoinicialmente, conforme pde ser vista atravs da TABELA 1 (P -): B= .88, C = .89, D = .85.

    J entre as formas de pretrito perfeito, ocorrem 14% de casoscom concordancia padro, 68% de casos com concordncia no-pa-dro e 18% de casos sem concordancia. De acordo com a TABELA2, nesses verbos, trs dos quatro fatores inicialmente consideradosdesfavorecem a ausncia de concordncia, em relao qual o outrofator mostra-se neutro: J = .33, M = .19, X = .10, Y = .51.

    Analisando as formas de pretrito perfeito, verifica-se que a ACV pouco freqente em todos os fatores inicialmente considerados: J =24%, M = 17%, X = 9%, Y = 11%. No entanto, quando se observa aACV nesses verbos, levando-se em conta apenas a realizao dasformas padro,as freqncias encontradas traduzem comportamentobastante diferente por parte desses mesmos fatores; ou seja, se asformas nas quais a terminao se realiza como [ -ii ~ -u], considera-das no-padro, forem excludas da anlise, a freqncia de ACV superior a 50% em todos os fatores: J = 75%, M = 52%, X = 54% eY = 58%. No que se refere concordncia no-padro, se analisadaem relao ocorrncia da realizao padro, mostra-se altamentefreqente em todos os fatores: J = 89%, M = 81%, X = 91% e Y =67%.

    A partir desses resultados que apontam as freqncias de casosCOM concordncia padro (CP) e COM concordncia no-padro(CNP), pode-se afirmar que:

    a) a ACV altamente freqente nos verbos R (fala/falam, come/co-mem, faz/fazem, etc.) - ACV = 63%.;.presena de CV = 37%.;

    b) a ACV muito pouco freqente no grupo P (formas de pretritoperfeito) - ACV = 18%.; presena de CV= 82%.;

    c) quanto ao total de casos com CP, h uma inverso no comporta-mento dos dois grupos de verbos (R = 37% > P =14%); em outraspalavras: no subgrupo R, h apenas 37% de casos COM concor-

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    dncia,sendo que todos esses casos apresentam a CP; no subgrupoP, h 82% de casos COM concordncia, mas essa elevada fteqn-cia inclui apenas 14% de casos que apresentam a CP - a alta fre-qncia de casos COM concordncia nessas formas verbais deve-se, portanto, realizao da CNP =68%.

    A esses fatos acrescentam-se, ainda, estas considraes:

    18 ) em relao posio do acento tnico, verifica-se, entre as formasde 3PP dos verbos "regulares JJ e as formas 3PP do pretrito per-feito, uma semelhana: em ambos os casos, as terminaes sotonas;

    28 ) nos verbos "regulares", os casos que apresentam os traos depluralidade compreendem dois subgrupos de formas - um em queas terminaes se realizam como [ -iW], e outro em que as termi-naes se realizam como [ -ey] - sendo essas duas realizaesconsideradas como padro;

    38) as formas de pretrito perfeito que apresentam marcas depluralidade tm suas terminaes realizadas como [ - mv - -fi --u] - a primeira dessas realizaes consideradapadro, e as ou-tras duas, no-padro;

    48 ) essas formas tidas como no-padro resultam de transfonnaesfonolgicas ocorridas sobre as suas terminaes.

    Dessa maneira, fica, portanto, comprovado que, entre as formasde pretrito perfeito, a no-aplicao da Regra (1) ocorre com poucafreqncia. Diante de tal constatao, torna-se perfeitamente plaus-vel acreditar que, entre os verbos "regulares", a freqncia de no-aplicao da Regra (1) tambm baixa; os "verbos regulares", assimcomo os pretritos perfeitos, foram atingidos por processosfonolgicos, s que, no primeiro, os efeitos desses processos impe-dem que seja percebido o efeito da aplicao da Regra (1), o que no

  • NICOLAU 62

    ocorre em relao ao segundo caso; a explicao para tal fato encon-tra-se na evoluo das tenninaes verbais portuguesas, propostaporOLIVEIRA ( 1983).

    Sendo assim, ficam, de um lado, respondidas as questes pro-postas nesta seco; ou seja, os verbos "regulares" apresentam vari-aes diferentes das apresentadas pelas formas de pretrito perfeitoporque os processos fonolgicos ocorridos no primeiros no foramos mesmos que atuaram sobre as ltimas. De outro lado, explica-setambm o alto favorecimento da ACV pelos verbos "regulares", isto, nesses verbos, os casos sem concordncia representam a soma dasformas em que a Regra (1) deixou de se aplicar e aquelas em que,apesar de tal regra ter se aplicado, as marcas de pluralidade forameliminadas por processos fonolgicos, ocorridos no passado. Enfim,fica confirmada ahiptese de que a maior freqllncia de neutralizaoentre a 3PS e a 3PP, verificada entre os verbos "regulares", resulta dainterao entre processos variveis - uma regra morfossintticasincrnicas e alguns processos fonolgicos diacrnicos.

    5.2.2. Verbos 1lOI.quais a~ resulta apenas .da nio-aplicaio.da Regra(l)

    Nas fonnas de pretrito perfeito e nos verbos que apresentamterminaes tnicas (formas que vm sendo tratadas como P e A,respectivamente), a ACV reflete exclusivamente a no-aplicao daregra morfossinttica varivel- Regra (1). Numa rodada em que fo-ram tambm considerados os verbos "regulares", os fatores inclu-dos em P e A apresentaram as seguintes probabilidades de no - apli-cao da referida regra: G = .52, H =.62, J =.49, X =.10, Y = .52, Z= .30. Analisados numa rodada na qual se excluram os verbos "regu-lares" e foram mantidos separados os fatores J e M, obtiveram-se osseguintes valores: G =.58, H =.68, J=.53, M =.38, X =.19, Y =.74,Z = .44. Em seguida observou-se a ACV nesses verbos reconside-rando sua distribuio em dois subgrupos P e A. Os resultados en-contrados podem ser vistos na TABELA 4:

  • Rev. Est Ling., Belo Horizonte, ano 4, v. 2, p. 41-67,jul.ldez. 1995 63

    TOT. ACVFATORES CA- CA.. % %

    SOS SOS SIM REL PROB

    SUB- J - comeu/comeram, etc. 75 18 24 11 .57GRUPO M- falou/falaram, etc. 231 39 17 23 .43P X - fez/fizeram, etc. 64 6 9 4 .25

    Y - foi/foram, etc. 35 11 31 7 .75

    SUB- G - d/do, etc. 173 34 20 20 .49GRUPO H - vai/vo, etc. 95 25 26 15 .64A Z - /so, etc. 175 34 19 20 .37

    TOTAL 848 167 20 100 -

    TABELA 4: A no-aplicao da Regra (1) nos verbos "no-reiWa-res" distribudos em dois subgrupos, P e A.

    Para que a existncia do PSF estabelecido por NARO e LEMLE(1977) fosse confirmada pelo menos nesses subgrupos, deveria ha-ver, entre os valores probabilsticos atribudos aos fatores do subgrupoP, a relao que seria fonnalizada como J > M > X > Y e, entre osvalores probabilsticos atribudos aos fatores do subgrupo A, a rela-o que seria formalizada como G > H > Z. No entanto, as relaesencontradas nesses subgrupos foram: subgrupo P = Y > J > M > X;subgrupo A = H > G > Z.

    A partir desses resultados e das diferenas estruturais registradasentre as formas de 3PS e as formas de 3PP dos verbos em questo, possvel afirmar apenas o seguinte: as formas de 3PP que apresentamradicais segmentalmente e/ou supra-segmentalmente diferentes dosradicais apresentados pelas formas de 3PS correspondentesdesfavorecem a no-aplicao da Regra (1): Lso, soube/souberam,fezlfizeram etc.

  • NICOLAU

    CONCLUSO

    64

    No portugus coloquial de Belo Horizonte, o verbo que se referea sujeito de 3PP nem sempre aparece no plural, como prescrevem asgramticas. A ACV, nesse caso, favorecida por alguns tipos de for-mas verbais e desfavorecida por outros. Tais constataes corrobo-ram os estudos de NARO e LEMLE (1977), LEMLE e NARO (1977),MOTTA (1979), NARO (1980) e GUY (1981).

    Entretanto, o PSF proposto por NARO e LEMLE (1977) no seconfirmou na presente anlise, pois no se verificou qualquer evi-dncia de relao entre a ACV e o grau de salincia fnica que dife-rencia as formas de 3PS das de 3PP.

    Os mais altos ndices de ACV foram atribudos aos verbos "re-guiares", que apresentam terminaes tonas, .=am e ::em. As outrasformas verbais que tambm apresentam a terminao tona .=am - ospretritos perfeitos do indicativo desfavorecem a ACV, mas, nessasformas, verifica-se que a concordnciano-padro apresenta freqn-cias muito superiores s apresentadas pela concordncia padro.

    O peculiar comportamento dos verbos "regulares" pode, ento,ser explicado pelo resultado da evoluo das terminaes verbais to-nas proposta por OLNEIRA (1983): nessas formas, a maior :freqn-cia de ACV decorre do fato de, ao lado da no-aplicao da Regra(1), registrarem-se formas de plural com terminaesno-padro quese realizam como formas de singular; isso no se verifica em relaoao pretrito perfeito do indicativo porque, nessas formas, a marca depluralidade preservada nas terminaes que se realizam comomonotongos. .

    Enfim, os resultados obtidos atravs da presente anlise permi-tem afirmar que, no portugus coloquial do Brasil, a freqente ausn-cia de concordncia entre o verbo e o sujeito de 3PP significativa-mente influenciada pela constituio morfolgica da forma verbal.

  • Rev. Est. Ling., Belo Horizonte, ano 4, v. 2, p. 41-67,jul.ldez. 1995 6S

    NOTAS

    acima de 50 - favorece a ausncia de concord&ncia;abaixo de 50 - desfavorece ausncia de concordAncia;igual a. 50 - nIo exerce influncia, positivaounegativa, sobre a ausncia de

    concordAncia.

    A signiticincia, ou nIo, de cada fator considerado foi obtida tendo-se em vista arelalo entre o fndice atribudo a esse fator e os fndices atribudos aos outrosfatores do mesmo grupo.

    4As tabelas includas neste artigo correspondem, total ou parialmente, a algumasdas apresentadas na Dissertalo; por isso, sedo renumendas.

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