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___________________________________ ¹ Acadêmica do curso de Museologia; do Centro de Artes, Humanidades e Letras; na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). A INFÂNCIA NO MUSEU E A AUSÊNCIA DE SUA PARTICIPAÇÃO CRIATIVA DENTRO DO PROCESSO MUSEOLÓGICO BRASILEIRO ¹ Maria de Fátima Pombo de Barros "Grandes olhos de madeira, porque olham para mim?" Collidi, Pinocchio Foto 1: Júlia, 2 anos brinca com papel. Dez. 2011. Foto Fátima Pombo. A biografia do artista espanhol Pablo Picasso, de Maria José Mas Marques, coordenado por Juan-Ramón Tríade Tur, professor titular de História da Arte da Universidade de Barcelona, Espanha diz que o Picasso, expôs sua arte pela primeira vez, com quatro anos de idade. Suas pinturas foram expostas na sala de visita da sua casa, por seu pai, que era professor de Artes no Liceu de Artes e Ofícios, na sua cidade natal, Málaga, para ser usufruída pelos familiares e amigos da família. Com quatorze anos Picasso tinha seu atelier de pintor, fora da sua casa. Marqués diz que:

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___________________________________ ¹ Acadêmica do curso de Museologia; do Centro de Artes, Humanidades e Letras; na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).

A INFÂNCIA NO MUSEU E A AUSÊNCIA DE SUA PARTICIPAÇÃO

CRIATIVA DENTRO DO PROCESSO MUSEOLÓGICO BRASILEIRO

¹ Maria de Fátima Pombo de Barros

"Grandes olhos de madeira, porque olham para mim?" Collidi, Pinocchio

Foto 1: Júlia, 2 anos brinca com papel. Dez. 2011. Foto Fátima Pombo.

A biografia do artista espanhol Pablo Picasso, de Maria José Mas Marques, coordenado

por Juan-Ramón Tríade Tur, professor titular de História da Arte da Universidade de

Barcelona, Espanha diz que o Picasso, expôs sua arte pela primeira vez, com quatro

anos de idade. Suas pinturas foram expostas na sala de visita da sua casa, por seu pai,

que era professor de Artes no Liceu de Artes e Ofícios, na sua cidade natal, Málaga,

para ser usufruída pelos familiares e amigos da família. Com quatorze anos Picasso

tinha seu atelier de pintor, fora da sua casa. Marqués diz que:

Picasso preservou poucas lembranças de sua Málaga natal. Entre elas, que aprendeu

a andar empurrando uma caixa de biscoitos Oliver; que ia a uma escola onde se

aborrecia muito, ainda que lhe permitissem levar uma pomba. Suas únicas obsessões

eram pintar, desenhar, e escutar as conversas sobre arte que mantinham os amigos

do seu pai. Dessa época infantil pertencem uma vista do porto e um picador de

touros. (Marqués, 2007. p.7).

Com esta leitura foi possível fazer uma reflexão com o que acontece nos nossos museus

brasileiros, em cujos discursos a infância se encontra ausente, quando o assunta trata da

expressão artística criada por crianças de diferentes infâncias. Em alguns museus

existem ações educativas, cujos trabalhos produzidos pelas crianças nem sempre são

expostos para que as próprias crianças os contemplem, nas exposições nos próprios

espaços dos museus aonde se desenvolveram as ações educativas. A ação educativa é

sempre uma determinação do mundo do adulto, sobre temas e discursos determinados

pelos próprios adultos, sem participação das crianças. Como lembra Amalhene Baesso

Reddig e Maria Isabel Leite, “Por esse motivo, buscamos refletir/pensar de que forma a

infância esta representada nos espaços museais. Isso passa por investigar a abertura que

os museus dão a infância." (Reddig e Leite, 2009, p 33).

Neste projeto desenvolvido durante a disciplina Educação Patrimonial, em 2011 no

Sexto Semestre da graduação no Curso de Museologia na Universidade Federal do

Recôncavo da Bahia, Centro de Artes Humanidades e Letras UFRB/CAHL, um dos

objetivos é fazer com que as crianças criem e se vejam nestes espaços museais, sintam

atração para visitar os museus e entendam os significados deles. Atraindo as crianças

para atividades manuais, através da arte, exercitando seus potenciais imaginativos,

criativos e valorizando suas produções certamente poderemos dar a eles um futuro

melhor. Porque é na infância que se inicia todo o nosso processo de contemplação,

como dizem Reddig e Leite:

Exercitamos o pensamento guardado na memória e lá procuramos o que trazemos da

infância e por quê. Ao abrir esses baús de saudade, várias lembranças que nos são

caras vêm à tona - em especial, os percursos exploratórios pelas vizinhanças, com

toda sua riqueza e ritmos variados, como a lentidão a lentidão do interior e o frenesi

da megalópole. Nesse conjunto de “coisas” guardadas, as coleções que criávamos,

inventávamos e reuníamos nos são nobres. Quase tudo o que fazíamos nos grandes

espaços da rua do jardim, nos edifícios, quintais e arredores tinha a ver com reunir,

classificar, organizar e expor os achados particulares. Referimo-nos principalmente a

material colhido na natureza, como ovos de passarinhos de todos os tamanhos,

besouros, pedrinhas, cigarras secas e sementes, mas também de nossas elaboradas

produções, como animais e bonecos de argila, carros de pedra, pelotas de barro,

desenhos de carvão nas paredes, cabanas feitas de folhas e galhos, traquinagens e

peraltagens, entre outros. (Reddig e Leite, 2007, p.32-33).

Foto 2: Desenho do Harijan Dias, 8 anos. Búzios, RJ 1993.

No desenvolvimento deste projeto, junto às crianças faz-se necessário dar todas as

informações sobre o museu, desde o seu inicio até os dias atuais com diferentes

linguagens, isto é, através de historinhas, contos, imagens fotográficas e pictóricas. E

com isso haver uma compreensão melhor do que nos diz Myrian Sepúlveda dos Santos:

A partir da definição básica de museu como instituição permanente, que adquire,

conserva, pesquisa, transmite e expõe testemunhos materiais do homem e do seu

meio ambiente, diversos adendos foram realizados, ampliando a diversidade do que

se compreendia por museu, assim como seus vínculos e responsabilidades em

relação à sociedade. Atualmente podem ser consideradas instituições museais não só

monumentos, jardins botânicos e zoológicos, aquários, galerias, centros científicos,

planetários, reservas naturais, como também centros culturais, práticas culturais

capazes de preservar legados inimagináveis e atividades criativas do mundo

digital. (Santos, 2004, p. 57-58).

Foto 3: Desenho e colagem de Harijan Dias, 8anos em Búzios, RJ, 1993.

Todas as práticas citadas por Santos fazem parte do mundo infantil, sendo o mundo

digital a que mais vem atraindo-os, dia a dia.

Neste momento podemos voltar no tempo e falar da história do museu, de forma

simples e lúdica para que a criança capte o sentido intelectual do mesmo. A história dos

museus remonta a idade clássica grega. Conta-se que, Museu era filho de Orfeu, o

primeiro poeta/musico. Orfeu desce ao inferno para resgatar sua amada Eurídice,

tocando com a sua lira transcendental; o som é tão maravilhoso que Perséfone, a guardiã

do inferno deixa Orfeu levar Eurídice, com apenas uma condição: que ele não olhe para

trás. Mas ele desobedece, e Eurídice se transforma em uma estátua de sal. Orfeu fica

amargurado e triste, deixa de tocar sua lira e cantar suas poesias. Recusa-se a se

envolver com as Mênades, que o esquartejam e espalham as partes de seu corpo. Assim

Museu sai em busca dos pedaços do pai, recria-os colando tudo e expõe no Templo. O

nosso museu se cria a partir da metáfora desse Museu mítico grego. E chegamos à Idade

Média, quando, como diz Michel Platini Fernandes da Silva, “a Igreja e os governantes

acumularam tesouros de relíquias, vasos de luxo, joias, objetos como chifres de

unicórnio ou outras criaturas lendárias”. (Silva, 2010, p.33).

Na época dos "Gabinetes de Curiosidades", registrem registros de haviam índios e

africanos, fazendo parte destas coleções como elementos "exóticos", complementando

com as palavras de Philip Blom:

Desses tesouros, surgiu uma forma mais privada de apreciação o studíolo, um

estúdio especialmente construído para abrigar objetos antigos, pedras preciosas e

esculturas, popular na Itália entre homens de recursos e conhecimentos, a parttir do

século XIV. Oliviero Forza, em Treviso foi dono do primeiro studíolo de que há

registro, em 1335. Colecionar obras de arte e objetos esculpidos em pedras e metais

preciosos tornou-se passatempo de príncipes, diversão que às vezes beirava a paixão

avassaladora. (Blom, 203, p. 33)

Como é que a criança está representada dentro dos espaços museológicos brasileiros? A

sua invisibilidade, todavia como um agente criador é uma realidade, e a pergunta

merece de todos nós uma reflexão.

Assim, se o museu sempre apresenta um discurso (ideológico), sua comunicação se

efetiva por meio dos objetos (códigos) musealizados. As "palavras" desse discurso são

os próprios objetos. O Sujeito, histórico, social e cultural, precisará deter-se

criticamente para, a partir de sua constituição, decodificar e problematizar esse

objeto/discurso. Diferentes sujeitos, diferente público contemplador. (...) Assim, se esse

público pode se deparar com exibições que estimulam fruição, lazer, afirmação de

poderes, pesquisa, diálogo, ponte entre culturas, espaço político-crítico, também o

museu pode ser lugar para suas infâncias e suas representações. (Reddig e Leite, 2007,

p.36 - 37)

E complementando com o pensamento do filósofo alemão Walter Benjamin: "Como

alguém que executa o giro na barra horizontal, assim também giramos, quando jovens, a

roda da fortuna, da qual então, cedo ou tarde, sairá a sorte grande. Pois somente o que já

sabíamos e que exercitávamos aos 15 anos representará um dia os nossos atrativos".

(Benjamin, 1994, p. 103).

Em parceria com a diretora e professoras da Escola Municipal Ana Neri, situada à Praça

Central, Cidade da Cachoeira criaremos oficinas semanais, entre os meses de abril e

maio com as crianças na faixa etária entre seis e onze anos, durante um período de nove

semanas. E terminando em Junho com a exposição. Com a data prevista assim: de 12 de

abril a 31 de maio, exposição em junho de 2012, com a data em aberto.

A exposição acontecerá em uma galeria de um espaço cultural, no centro da cidade de

Cachoeira, recôncavo baiano onde que está sendo agendada. Outro objetivo deste

projeto é convidar as crianças das outras escolas da cidade, para que possam fruir das

obras dos seus amiguinhos e também se sentirem atraídos para esse mundo mágico do

saber e da arte.

As crianças produzirão suas artes, ou seja, pinturas, desenhos, instalações, esculturas

com materiais reciclados, trazidas de seu cotidiano doméstico. Os poucos materiais que

serão utilizados, como colas, tintas e fitas adesivas serão oferecidas por patrocinadores

do comércio local. Sem custo financeiro. É de fundamental importância promover

autonomias nas crianças, em seus temas e escolhas de expressões, sem interferir em

seus momentos de criação, dando, portanto liberdade para o processo criativo de cada

um. Como tão bem nos diz Walter Benjamin: "Nada parece ser mais agradável,

descompromissado e leve do que uma brincadeira com curiosidades". (Benjamin, 1984,

p.101).

A partir da nossa observação de que a criança, ou seja, a infância, está ausente nos

museus brasileiros de forma ativa, como agente criador dos objetos que serão

carregados de significâncias em que o público busca referências de história e cultura de

suas próprias vidas, faz-se necessário abordar o assunto de forma acadêmica. Os

estudiosos da pedagogia Alberto Lopes, Luciano Mendes de Faria Filho e Rogério

Fernandes dizem o seguinte: "Nas interações com os adultos, medidas por produtos

culturais a ela dirigidos, a criança recebe, significa, introjecta e reproduz valores e

normas tidos como expressões da verdade”. (Lopes Faria Filho e Fernandes 2001, p. 17)

Para além da participação da infância como agente criador nos museus brasileiros

(sabemos que os museus americanos, europeus, israelenses e japoneses criam esquemas

paralelos de exposições cujos artistas são crianças, das variadas infâncias) são vários os

museus que podemos citar aqui para exemplificar: o Museu do Vidro em Seatle, EUA,

Museu de Arte Contemporânea de Tel Aviv, em Israel, O Museu de Altamira, em

Espanha, Museu do Brinquedo, Sintra, em Portugal, Tropenmuseum, Roterdam em

Holanda, etc.

E ainda podemos nos perguntar através dos questionamentos levantados por Reddig e

Leite: "(...) de que infância estamos falando? São os museus espaços privilegiados de

memória, identidade e cultura das diferentes infâncias? Que museus abrigam esse tipo

de acervos? " (Reddig e Leite, 2007, p. 33).

Segundo análises psicopedagógicas, pesquisadas por Lopes, Faria Filho e Fernandes:

(...) a criança constrói o mundo num momento de seu desenvolvimento biográfico,

definido como socialização primária, mediado por relações afetivas, em que os

valores transmitidos pelos adultos são introjeCtados como verdadeiros frutos da

autoridade moral conferida pelo agente socializador. Ou seja, analisar as produções

infantis significa considerar uma estereotipia característica. (Lopes Faria Filho e

Fernandes, 2001, p.2)

Continuando a acreditar nas potencialidades da criança, uma boa definição de Moysés

Kuhlmann Jr. diz o seguinte:

Se a história da criança não é passível de ser narrada na primeira pessoa, se a

criança não é nunca biografia de si própria, na medida em que não toma posse da

sua história e não aparece como sujeito dela, sendo o adulto quem organiza e

dimensiona tal narrativa, talvez a forma mais direta de percepcionar a criança,

individualmente ou em grupo, seja precisamente tentar captá-la com base nas

significações atribuídas aos diversos discursos que tentam definir historicamente o

que é ser criança. (Kuhlmann, 2004, p.77).

As oficias serão ministradas no espaço interno da escola, com a presença das

professoras de cada classe presentes, pois elas pediram para compartilhar esse

momento. Todas as crianças da escola foram convidadas. O método de trabalho será:

primeiro, uma explicação de como será dada a oficina, falar da arte, das suas várias

expressões, ou seja, pintura, desenho, colagem, escultura, instalação e todos os

processos serão documentados através de fotografias. Em seguida debater sobre os

materiais a serem utilizados, e separar por grupos de crianças, devido ao número de

crianças quais as preferências de cada grupo de crianças, distribuir o material para

todos. As melhores fotos das oficinas estarão expostas, em conjunto com as obras das

crianças, para elas se reconhecerem como artistas.

A ideia inicial de trazer as crianças aos espaços museológicos, não somente como seres

contemplativos, mas também como autoras de obras de arte, tem também a meta de

levar a todas as outras escolas da cidade de Cachoeira ao mesmo desejo, já que esse

projeto está direcionado a Escola Municipal Ana Nery. Fomentar a arte de forma

dinâmica e direta a todos para todos.

Os desenhos que ilustram esse artigo são de autoria do artista carioca, Harijan Pombo,

atualmente ilustra livros, páginas de desenhos em quadrinhos, faz storyboard, desenhos

para publicidade e cursa Belas Artes na Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ.

Bibliografia:

BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas: rua de mão única. 7 °ed. São Paulo:

Brasiliense, 1994.

BLOM, Philip. Ter e Manter. Uma história íntima de colecionadores e coleções. Rio

de Janeiro: Record, 2003.

KUHLMANN, Moysés. Infância e Educação Infantil. São Paulo: Editora Mediação

2004.

SANTOS, Myrian Sepúlveda, Museus brasileiros e política cultura l.RBCS vol.19N°

55 junho 2004

REDDIG, Amalhense Baesso, LEITE, Maria Isabel. O lugar da infância nos

museus. Revista Musas, N°3, 2009.