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ISSN 2176-1396
A IMPORTÂNCIA DO USO DO SOROBAN POR ALUNOS CEGOS E
COM BAIXA VISÃO NO PROCESSO DE INCLUSÃO
Fábio Garcia Bernardo1 - IBC
Grupo de Trabalho – Diversidade e Inclusão
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
A inclusão de alunos com deficiências na rede regular de ensino e o papel das instituições
especializadas nesse processo são temas centrais nas discussões e políticas educacionais do
momento. O trabalho tem por objetivo apresentar a professores do Ensino Básico uma proposta
de utilização do soroban como aliado ao ensino de matemática para alunos cegos e com baixa
visão, incluídos em escolas regulares. O instrumento é utilizado, regularmente, pelos alunos
cegos do Instituto Benjamin Constant (IBC), escola especializada no ensino de alunos com
deficiência visual e centro de referência na área, onde o trabalho foi desenvolvido. De acordo
com os pressupostos teóricos de Cerqueira e Ferreira (2000), a utilização de recursos didáticos
é importante para um aprendizado mais eficaz. O uso do soroban, conforme assevera Lavarda
(2009), ainda hoje é utilizado em classes regulares na China e no Japão. Conforme documentos
oficiais, como os PCN: Matemática, instrumentos como o soroban são fundamentais para a
compreensão dos conceitos matemáticos para pessoas com deficiência visual. A motivação para
este trabalho surgiu ao notarmos a dificuldade dos alunos com baixa visão nas operações
fundamentais. Então, o soroban aparece como uma alternativa a essas barreiras, pois os alunos
cegos não apresentam dificuldades nesses conteúdos e utilizam o instrumento desde a
alfabetização. Portanto, introduzimos as técnicas operatórias da multiplicação a serem
trabalhadas no soroban como uma proposta de utilização do instrumento por alunos de baixa
visão. As atividades foram trabalhadas em dupla, e os alunos cegos tiveram um papel
fundamental nesse processo, pois participaram ativamente das aulas, auxiliando os alunos com
baixa visão. Obtivemos resultados significativos, as aulas com o soroban foram dinâmicas,
sempre esperadas pelos alunos e possibilitaram o aprendizado desejado. Apresentamos aqui
uma ferramenta e uma metodologia com grandes potencialidades para serem utilizadas em
escolas regulares com alunos cegos e com baixa visão.
Palavras-chave: Deficiência visual. Inclusão. Soroban.
1 Mestre em Ensino de Ciências e Matemática pelo Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da
Fonseca (CEFET/RJ). Licenciado em Matemática pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor
de Matemática do Instituto Benjamin Constant (IBC) – Departamento de Educação (DED). Membro do comitê
editorial da revista Benjamin Constant. E-mail: [email protected].
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Introdução
É comum observarmos nas salas de aula das inúmeras instituições de ensino de nosso
país uma rejeição à matemática por parte dos alunos. Para muitos, ela é considerada uma
disciplina complexa, desconectada do mundo real, constituída de regras que não fazem sentido,
cujo ensino resume-se em copiar, memorizar, fazer contas e encontrar as respostas, utilizando
fórmulas de maneira mecânica (BERNARDO; GARCEZ, 2014).
Essa visão equivocada da matemática talvez seja motivada pela grande quantidade de
atividades presentes em livros didáticos, e muitas vezes reproduzidas nas salas de aulas, cuja
resolução se dá seguindo um modelo inicial. O ensino, quando ocorre exclusivamente dessa
forma, é extremamente prejudicial ao aluno. Segundo Damico:
[...] a ênfase exagerada nos procedimentos algorítmicos e o treinamento exaustivo por
intermédio de extensas listas de exercícios repetitivos e descontextualizados
acarretam, muitas vezes, um distanciamento entre as operações e a compreensão do
cálculo realizado. (2007, p.87)
É importante destacar que a utilização dos algoritmos não constitui um mal em si, pois
em alguns momentos o seu uso será necessário. Infelizmente, muitos estudantes apropriam-se
deles não como mais uma estratégia para a resolução de um problema, e sim como o único meio
para solucioná-lo. O ensino de um algoritmo precisa estar intrinsecamente ligado a sua
compreensão. Quando o aluno se apega à mecanização do processo, sem o entendimento
devido, ele se torna um mero reprodutor do conteúdo, deixando de compreender o caminho que
o conduziu a determinado resultado.
Nesse sentido, o uso do soroban para trabalhar as operações de multiplicação possibilita
o entendimento dos processos e não se limita a encontrar o resultado final. Ao trabalhar com
alunos cegos, esse instrumento torna-se fundamental para o desenvolvimento dos conceitos
básicos de número, representação, sistema de numeração decimal, operações fundamentais e as
demais que se seguem. Com as efervescentes discussões sobre o processo de inclusão e o
trabalho com alunos incluídos nas escolas regulares, é importante que o professor tenha acesso
a recursos, habilidades, competências, técnicas e métodos que o auxiliem no processo de ensino
e aprendizagem desses alunos.
A Educação Inclusiva é atualmente a política educacional oficial do país, amparada pela
legislação em vigor, além de diversos outros documentos discutidos internacionalmente,
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podendo ser convertida em diretrizes para Educação Básica dos sistemas federal, estadual e
municipal de ensino. Conforme a Resolução CNE/CEB N° 2 de 2001:
Art. 2° Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas
organizar-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais
especiais, assegurando às condições necessárias para uma educação de qualidade para
todos (BRASIL, 2001, p. 69).
Segundo as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica:
Todos os alunos, em determinado momento de sua vida escolar, podem apresentar
necessidades educacionais, e seus professores, em geral, conhecem diferentes
estratégias para dar respostas a elas. No entanto, existem necessidades educacionais
que requerem da escola uma série de recursos e apoio de caráter mais especializado,
que proporcionem ao aluno meio para acesso ao currículo. Essas são chamadas
necessidades educacionais especiais. (...), trata-se de um conceito amplo: em vez de
focalizar a deficiência da pessoa, enfatiza o ensino e a escola, bem como as formas e
condições de aprendizagem; em vez de procurar, no aluno, a origem de um problema,
definiu-se pelo tipo de resposta educativa e de recursos e apoios que a escola deve
proporcionar-lhe para que obtenha sucesso escolar; por fim, em vez de pressupor que
o aluno deva ajustar-se a padrões de “normalidade” para aprender, aponta para a
escola o desafio de ajustar-se para atender à diversidade de seus alunos (BRASIL,
2001, p.33).
Entre os principais documentos que defendem uma educação inclusiva podemos
destacar a Declaração dos Direitos Humanos (UNESCO, 1948), a Declaração de Educação para
Todos (UNESCO, 1990), a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), as linhas de Ação
sobre as necessidades especiais (UNESCO, 1994), a Política Nacional de Educação Especial
(BRASIL, 1994), na Lei de Diretrizes e bases da Educação Nacional - Lei n°. 9394/96
(BRASIL, 1996), as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica
(BRASIL, 2001) e a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva (BRASIL, 1994). De forma geral, os documentos versam sobre o acesso, a
participação e a aprendizagem dos alunos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas escolas regulares, bem como orientam
os sistemas de ensino a promoverem respostas às necessidades educacionais especiais,
garantindo a transversalidade da educação especial desde a educação infantil até a educação
superior.
Sendo assim, acreditamos que o IBC deve ter um papel fundamental nesse processo,
não só como centro de referência na área da deficiência visual, mas também como uma
instituição que pode formar, capacitar profissionais e “exportar” recursos, métodos e
experiências para lidar com alunos incluídos. Este trabalho, fruto de um processo empírico,
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propõe-se então a trazer ferramentas e técnicas para o trabalho do conteúdo de multiplicação
nas aulas de matemática, como uma alternativa ao professor e/ou ao futuro professor para o
desenvolvimento de uma aprendizagem menos excludente ao aluno com baixa visão, incluído
em uma turma regular.
Todas as etapas da pesquisa foram discutidas, desenvolvidas e aplicadas no Instituto
Benjamin Constant, uma escola especializada no ensino de alunos cegos e com baixa visão,
entretanto propõe-se, também, uma alternativa ao trabalho desses alunos em classes regulares
de ensino, contemplando os ideais da inclusão. A proposta é a utilização do soroban nas aulas
de matemática visando possibilitar o entendimento, a compreensão e a consolidação das ideias
da operação de multiplicação, fundamental para o desenvolvimento pleno do aluno no que se
refere aos conteúdos que dependem dessa operação matemática.
Grande motivação para este trabalho surgiu ao notarmos que ao chegar ao sexto ano a
grande maioria dos alunos cegos do IBC demonstram presteza e habilidade na
operacionalização do soroban. Não apresentam grandes dificuldades em fazer cálculos e
resolver problemas, mesmo que estes envolvam multiplicações com números de dois ou três
algarismos. Para esses alunos, o instrumento é ferramenta indispensável ao seu cotidiano
escolar, proporcionando não só o registro e a execução dos cálculos, como também situações
de raciocínio e reflexão.
Notamos ainda que o desempenho dos alunos com baixa visão na resolução de
problemas e execução de cálculos multiplicativos ficava muito aquém da presteza demonstrada
pelos cegos. Os alunos apresentavam grandes dificuldades e poucos realizavam os cálculos de
forma correta, o que causava grande descompasso nas aulas, tornando-se evidente que havia
necessidade de uma intervenção didática. Ao buscar as causas dessas dificuldades, percebeu-se
que no Ensino Fundamental I o uso de soroban era uma necessidade dos cegos, porém
facultativo aos estudantes com baixa visão, que optavam pelos métodos tradicionais utilizados
nas escolas regulares, priorizando algoritmos e atividades repetitivas para o aprendizado de
certos conteúdos. Os alunos apresentavam dificuldades na resolução de problemas, na
interpretação e na organização dos dados, dificuldades naturais e comuns a todos, porém os
alunos de baixa visão, após superar essas etapas, esbarravam ainda nos cálculos e
multiplicações exigidos pelos problemas.
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A utilização do soroban para o ensino da matemática
Antes de discutirmos o soroban como ferramenta didática, primeiramente definimos o
conceito de recursos didáticos, sob a visão de Cerqueira; Ferreira (2000, apud SEGADAS et al.
2010, p.10): “[...] todos os recursos físicos utilizados com maior ou menor frequência em todas
as disciplinas, áreas de estudo ou atividades que visam auxiliar o educando a realizar sua
aprendizagem de maneira mais eficaz [...]”.
O uso de materiais e recursos manipuláveis para desenvolvimento do raciocínio
matemático está em concordância com os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998).
Recursos como o ábaco, o geoplano e o multiplano, entre outros, assim como a adaptação e
criação de recursos táteis, são fundamentais para a compreensão dos conceitos matemáticos
tanto para videntes (termo usado para aqueles que enxergam na área da deficiência visual) como
para deficientes visuais.
Neste trabalho, utilizamos um tipo de ábaco japonês chamado soroban, muito utilizado
por alunos cegos devido à impossibilidade no registro das operações matemáticas em tinta por
parte desses alunos. O soroban é importante para o desenvolvimento do raciocínio, estimulando
a criação de habilidades mentais (BRASIL, 2009), sendo muitas vezes confundido, de forma
equivocada, com uma calculadora, mas é importante destacar que o instrumento não é o
responsável pelos cálculos, mas sim o praticante. Sendo assim, esse material revela-se
fundamental para o desenvolvimento das estratégias para o ensino das operações fundamentais,
entre outras funcionalidades, para alunos cegos e de baixa visão.
Historicamente falando, o homem iniciou seus primeiros cálculos utilizando os 10 dedos
das mãos, dando origem assim ao sistema decimal de numeração utilizado até os dias de hoje.
Contudo, à medida que as sociedades foram se transformando, a vida também passou a exigir
cálculos mais complicados, e a primeira máquina de calcular, ou seja, os dedos, foi dando
espaço à outra máquina de calcular, o ábaco ou quadro de contar, conforme enuncia Lavarda
(2009):
No Brasil, o soroban foi introduzido pelos imigrantes Japoneses, no ano de 1908, que
o consideravam indispensável para cálculos matemáticos. Sua divulgação só ocorreu
em 1956, com a chegada do professor Fukutaro Kato. A fim de apresentar formas
alternativas a serem utilizadas por pessoas cegas, possibilitando a essa clientela
adquirir conhecimentos acadêmicos, o soroban foi adaptado para uso dos cegos, desde
1949, pelo brasileiro Joaquim Lima de Moraes (LAVARDA, 2009, p.3).
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O surgimento dos primeiros ábacos remonta a períodos anteriores à era cristã, mas
somente por volta da década de 40 do século passado é que adquiriram caráter didático para o
ensino de deficientes visuais no Brasil, por meio do professor Joaquim Lima de Moraes.
Segundo Fernandes (2006, p.17), o principal divulgador do soroban no Brasil, Fukutaro Kato
(1934 – 1988), foi um defensor deste instrumento no âmbito educacional, como uma ferramenta
capaz de contribuir para o desenvolvimento das estruturas mentais.
Com relação ao uso do soroban, destacam-se ainda estes objetivos, que vão além da
apropriação das técnicas para as quatro operações fundamentais: relacionar e classificar objetos
quanto ao seu tamanho, maior, menor, mais pesado; estabelecer relações posicionais;
antecessor, sucessor; sequências numéricas, ordenação, valor absoluto e relativo; compreender
o conceito de números pares e ímpares; correspondência numérica; além de trabalhar os
conceitos de classes e ordens.
A prática do soroban em sala de aula
De acordo com Fiorentini e Lorenzato (2006), os primeiros estudos sobre a prática
pedagógica em sala de aula procuravam analisá-la em sua negatividade, isto é, pelas suas
carências ou confirmações em relação ao modelo teórico prévio que a idealizava. Para a
pesquisa educacional não é suficiente descrever e descobrir fatos.
É preciso buscar as explicações que permitem compreendê-los e elucida-los. Isso
requer uma interação dialética entre pesquisador e realidade física ou social, de modo
que a primeira explique a segunda, pois pesquisar não significa uma simples
reprodução da realidade, mas, sim, uma reconstrução baseada nos conhecimentos e
significados do pesquisador (FIORENTINI; LORENZATO, 2006, p. 33).
Nesse sentido, este trabalho assume uma perspectiva teórica, exploratória e descritiva.
Teórica no sentido de que é importante fazer uma revisão da literatura que envolve as questões
relacionadas ao ensino e aprendizagem de matemática de pessoas com deficiência visual;
exploratória na perspectiva de levantar dados mais esclarecedores e consistentes sobre a
maneira como os deficientes se apropriam dos conceitos relacionados ao campo conceitual
multiplicativo; e descritiva por enunciar uma prática simples e eficiente que responde aos ideais
da inclusão, no sentido de proporcionar situações reflexivas que colocam os alunos deficientes
visuais como autores de suas práticas, sujeitos participativos e atuantes, mesmo quando estão
inseridos em um contexto de sala regular de ensino. Considerando que a educação matemática
é uma prática social, o trabalho de campo torna-se uma opção importante, pois fornece
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elementos que nos permitem compreendê-la e, então, transformá-la. Além disso, são as
informações, estudos e pesquisas, orientados pelas questões e hipóteses levantadas, por meio
de um processo interativo que nos levam a criar e desenvolver conhecimentos nos métodos e
caminhos a serem trilhados.
A pesquisa foi realizada em turmas do sexto ano do Ensino Fundamental do IBC. As
duas turmas analisadas possuem 5 e 11 alunos e são compostas por alunos cegos e/ou com baixa
visão. O uso do soroban, natural para os cegos, foi introduzido aos demais em três aulas de
cinquenta minutos. Em seguida, foram trabalhadas as técnicas para a adição, subtração e
problemas relacionados ao campo conceitual aditivo, que totalizaram mais seis encontros de
cinquenta minutos. Após essa etapa, iniciou-se o trabalho com as técnicas de multiplicação e,
por conseguinte, os problemas do campo conceitual multiplicativo. Esta etapa, mais extensa e
demorada, foi desenvolvida em dez encontros de 50 minutos. As turmas apresentam uma carga
horária semanal de cinco tempos de aula de matemática e, semanalmente, dedicamos um desses
tempos ao trabalho com o soroban, retomando conteúdos essenciais para a formação
matemática dos alunos.
Diferentemente dos algoritmos, comumente usados nos livros didáticos para o trabalho
com as operações fundamentais, o soroban proporciona um melhor entendimento do sistema
decimal de numeração e a técnica utilizada aqui, do menor valor relativo, exige grande
concentração e sugere ainda a compreensão de todo o processo e mecanismos das operações.
Para os alunos cegos, como dito anteriormente, o uso do soroban torna-se necessário para o
registro das operações, porém são comuns os casos em que um aluno com baixa visão, em
decorrência da enfermidade, termina por ficar cego após algum tempo. Quando isso ocorre, é
possível observar o reflexo de um ensino que não privilegiou as várias estratégias de atuação
ao vê-lo deparar-se com cálculos mais elaborados. Nesses casos, nota-se um isolamento por
parte do aluno, e a possibilidade de o mesmo ficar excluído do processo de ensino e
aprendizagem.
A técnica da multiplicação no soroban
Para elucidar o trabalho desenvolvido, apresentamos um recorte da metodologia
aplicada em sala de aula e demonstramos as etapas de uso do soroban especificamente para a
operação da multiplicação. Iniciamos com a apresentação do soroban (Figura 1).
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Figura 1: Modelo de soroban utilizado nas aulas
Fonte: Disponível em: http://www2.td.utfpr.edu.br/semat/AS.pdf
Em que podemos destacar:
contas: pequenos “círculos” que podem ser deslocados verticalmente;
eixos: hastes verticais que contém as contas e representam as ordens;
régua de numeração: haste horizontal, com seis pontos que divide o soroban em
classes, é atravessada pelos eixos que separa o soroban em dois retângulos;
é ela que vai determinar o número escrito no soroban;
no retângulo inferior temos quatro contas e cada uma dessas tem valor 1 (um);
no retângulo superior temos uma só conta, cujo valor é 5 (cinco).
A maneira como a multiplicação é realizada no soroban pode ser melhor descrita
conforme os exemplos a seguir:
Um algarismo por dois algarismos, digamos 8x24
I) Represente o número 8 (multiplicando), à esquerda, na ordem das unidades da 7ª classe.
II) O número 24 será registrado à direita e sua disposição dependerá do número de algarismos
do multiplicando, ou seja, deve-se contar a quantidade de algarismos que possui e somar uma
unidade a essa quantidade. Esse resultado é o número de ordens que devem ser ignoradas para
que se escreva o multiplicador.
No exemplo, temos: o 8 possui apenas um algarismo, 1 + 1 = 2, logo, devemos pular
duas ordens para escrever o número 24. Assim, este deve estar escrito com o 2 na primeira
ordem da 2ª classe e o 4 na terceira ordem da 1ª classe.
III) Deve-se registrar também o 24 (multiplicador), no centro do soroban, na 4ª classe, para que
o aluno não se esqueça dos números que estão sendo multiplicados, já que o 24, registrado à
direita, dará lugar ao resultado da multiplicação (Figura 2).
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Figura 2 - Identificação e registro da operação 8x24 no soroban
Fonte: O autor.
IV) Com a mão esquerda no algarismo 8, unidade do multiplicando, onde permanecerá durante
toda a multiplicação, e a mão direita na unidade do multiplicador (número 4), efetuando: 8 x 4
= 32; apague o número 4 e anote o produto 32, primeiro produto parcial, a sua direita, isto é,
com o 3 na dezena da 1ª classe e com o 2 na unidade da 1ª classe (Figura 3).
Figura 3 – Registro do produto parcia 8x4
Fonte: O autor.
V) Desloque a mão direita para a dezena do multiplicador, ou seja, algarismo 2 (unidade da 2ª
classe), efetuando o produto 8 x 2 = 16; apague o 2 e anote o produto 16 a sua direita, com o 1
na centena da 1º classe e o 6 na dezena da 1ª classe, adicionando este ao número 3 que ali já se
encontrava, obtendo o resultado 192 (Figura 4).
Figura 4 – Registro do resultado da operação 8x24 no soroban
Fonte: O autor
Dois algarismos por dois algarismos, digamos 36 x 52
I) Represente o número 36 (multiplicando), à esquerda, na 7ª classe.
II) O número 52 será registrado à direita e sua disposição dependerá do número de algarismos
do multiplicando, ou seja, deve-se contar a quantidade de algarismos que possui e somar uma
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unidade a essa quantidade. Esse resultado é o número de ordens que devem ser ignoradas para
que se escreva o multiplicador. No exemplo, temos: o 36 que possui apenas dois algarismos, 2
+ 1 = 3, logo, devemos pular duas ordens para escrever o número 52. Assim, este deve estar
escrito com o 2 na primeira ordem da 2ª classe e o 4 na segunda ordem da 2ª classe.
III) Deve-se registrar também o 52 (multiplicador), no centro do soroban, na 4ª classe, para que
o aluno não se esqueça dos números que estão sendo multiplicados, já que o 52, registrado à
direita dará lugar ao resultado da multiplicação (Figura 5).
Figura 5 – identificação e registro da operação 8x24 no soroban
Fonte: O autor.
IV) Desloque a mão esquerda para a dezena do multiplicando, algarismo 3, e a direita na
unidade do multiplicador, algarismo 2, primeira ordem da 2ª classe, efetuando: 3x2=06; apague
o 2 e anote a sua direita o produto 06, com o 0 na centena da 1ª classe e o 6 na dezena da 1ª
classe, onde deve permanecer a mão direita.
V) Desloque a mão esquerda para a unidade do multiplicando, algarismo 6, efetuando 6x2 =
12; 1, dezena do produto, é adicionado ao 6 que ali estava, ficando o algarismo 7 na dezena da
1ª classe e o 2, unidade do produto 12, deve ser registrado à direita do 7, na unidade da 1ª classe,
ficando representado o produto parcial 72 (Figura 6).
Figura 6 – Registro do resultado parcial do produto 36x52
Fonte: O autor.
VI) Desloque a mão esquerda para a dezena do multiplicando, algarismo 3, e a direita para a
dezena do multiplicador, algarismo 5, dezena da 2ª classe, efetuando 3 x 5 = 15; apague o 5 e
registre a sua direita o produto 15 com 1 na dezena da segunda classe e 5 na centena da 1ª
classe, permanecendo com a mão direita sobre o 5.
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VII) Desloque a mão esquerda para o algarismo 6, unidade do multiplicando, efetuando: 6 x 5
= 30; 3, dezena do produto, deve ser adicionado ao 5, centena da 1ª classe, registrando então o
algarismo 8, e 0 (zero) unidade do produto 30 deve ser adicionado à direita do 8 ao 7, na dezena
da 1ª classe, permanecendo assim 0 + 7 = 7.
Observe que à direita do soroban está representado o número 1872, resultado da
multiplicação entre 36 x 52, figurados na 7ª e 4ª classes, respectivamente (Figura 7).
Figura 7 – Registro do resultado final da operação 36x52 no soroban
Fonte: O autor.
Resultados e discussões
As técnicas aplicadas sugerem o uso contínuo e sistemático do raciocínio dos alunos, bem
como possibilitam o entendimento de que os algarismos são registrados no soroban, respeitando
seu posicionamento, de acordo com os produtos estabelecidos.
Queremos justificar com isso que o resultado de uma operação entre unidades e dezenas
gera dezenas, assim como o resultado de operações entre dezenas gera centenas. Dessa forma,
as operações com reservas, ou seja, com o “famoso vai um” podem ganhar um significado para
o aluno, no sentido de que este pode notar que se devem registrar unidades, dezenas e centenas
nas suas respectivas classes. Trocar a posição e o registro dos números nos algoritmos escritos
é um erro comum entre os alunos em processo de aprendizagem, que foi bastante minimizado
após a utilização do soroban.
Salienta-se que o trabalho com o soroban vem sendo desenvolvido ao longo das aulas,
como um recurso didático, desde o início do ano letivo de 2015, com a introdução e manuseio
do instrumento, bem como com as primeiras operações, atividades e problemas do campo
conceitual aditivo.
As técnicas aqui propostas (multiplicação) foram trabalhadas diferentemente da
abordagem tradicional desse conteúdo. Notou-se grande dificuldade por parte dos alunos de
baixa visão na compreensão das mesmas, porém os cegos foram fundamentais nesse processo,
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visto que puderam auxiliar os demais no processo de ensino e aprendizagem e, assim, consolidar
o seu aprendizado. Com o passar das aulas, os alunos puderam notar a importância e os
processos de construção da tabuada, necessários à utilização das técnicas aqui trabalhadas.
Com o passar do tempo, pode-se observar a independência e a autonomia adquirida
pelos alunos de baixa visão, peculiar aos cegos, na utilização do soroban e na presteza em
realizar cálculos e resolver problemas com a ferramenta (Figura 8).
Figura 8 – Alunos do IBC utilizando o soroban nas aulas de Matemática
Fonte: O autor
O soroban passou a fazer parte da rotina de todas as aulas e, aos poucos, os alunos
começaram a fazer cálculos mais simples com recursos mentais, demonstrando a importância
do processo reflexivo, incessantemente utilizado e trabalhado nas técnicas de utilização do
soroban. Um exemplo disso pôde ser notado quando um aluno, ao fazer a multiplicação 12x11,
mentalmente, multiplicou 12 por 10 e, em seguida, adicionou 12 ao resultado, processo
utilizado ao fazer o cálculo no soroban. Foram propostas também atividades investigativas que
se remetem a assuntos posteriores ao sexto ano de escolaridade, tais como: encontrar o número
que deve ser substituído pelas letras para que as igualdades se tornem verdadeiras:
a) A x 8 = 144 b) 12 x B = 156 c) 11 x C + 4 = 169
As atividades podem sugerir a resolução de equações, porém direcionamos os alunos a
caminhos que os levem a investigar e experimentar números que satisfaçam as igualdades.
Pôde-se observar que, com a sucessão das aulas e o amadurecimento das ideias, alguns alunos
puderam notar que se dividissem o 144 por 8 ou se subtraíssem 4 de 169 e em seguida
dividissem o resultado por 11 encontrariam os números pedidos. Esse processo demonstra um
grande encaminhamento para as operações de divisão e revelam ainda o quão interligadas estão
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a multiplicação e a divisão, comumente trabalhadas de forma isoladas em livros didáticos. Mais
do que pensar em técnicas e/ou procedimentos para encontrar os números da atividade,
sugerimos um processo de busca e experimentações que irão proporcionar reflexões e os
resultados esperados.
Considerações Finais
Grande parte do trabalho foi proposta com atividades em dupla, o que favoreceu bastante
a exploração do tema transversal que se refere à ética. Trabalhamos valores, respeito às
diferenças, e os alunos cegos ganharam importância e notoriedade, no sentido de que foram
fundamentais nas aulas. Foram feitas algumas atividades de avaliação, mas todas no âmbito
qualitativo, sem a preocupação com notas e resultados. As avaliações tinham como objetivo
fazer com que os alunos fizessem atividades e praticassem a utilização do soroban não só
durante as aulas. Notamos que os alunos se sentiam motivados e desafiados a realizar as
operações e a resolver os problemas de forma correta. As aulas ganharam outra conotação e
usar o soroban passou a ser momento de descontração, trocas e interação. O espírito
competitivo, inerente ao ser humano, possibilitou que os alunos se esforçassem em busca dos
melhores resultados e tornaram as aulas investigativas, dinâmicas e prazerosas. Pretende-se
agora trabalhar problemas e introduzir as técnicas de divisão, bem como prosseguir com outras
operações e atividades que também podem ser trabalhadas com o soroban, tais como
decomposição de números em fatores primos, cálculo do Mínimo Múltiplo Comum e Máximo
Divisor Comum, essenciais para operações com frações. O soroban mostrou-se uma importante
ferramenta para o aprendizado de matemática, em especial o conteúdo de multiplicação, bem
como ajudou a trabalhar a concentração e o raciocínio dos alunos. Assim, sugerimos e
indicamos seu uso por todos, com deficiência ou não, também nas salas das escolas regulares.
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