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A imigração Portuguesa em SP

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  • Associao Nacional de Histria ANPUH XXIV SIMPSIO NACIONAL DE HISTRIA - 2007

    A imigrao portuguesa em So Paulo: trabalho, identidade, tenses e gnero

    Maria Aparecida Macedo Pascal1*

    Resumo: Este trabalho de pesquisa discute como a questo do trabalho no Brasil converteu-se num dos grandes desafios em fins do sculo XIX. Em So Paulo, a soluo implementada foi o imigrantismo. Para tanto, a poltica imigratria deveria ser familiar, subsidiada, e contnua. Governo e elite paulista fizeram um grande esforo para atrair a mo-de-obra livre europia, contornando crticas e fazendo muita propaganda nos pases europeus. As tenses europias facilitaram a vinda de imigrantes portugueses em funo de questes polticas, relaes capitalistas no campo, fuga do servio militar e crescimento populacional. No imaginrio social portugus, o Brasil era o pas das possibilidades. Analisa-se tambm os fluxos imigratrios e financeiros, as redes sociais, o mutualismo, a historiografia sobre a imigrao portuguesa e sobretudo a presena feminina no processo imigratrio. Palavras-chave: Portugueses Gnero - Tenses Abstract: This work of research argues as the question of the work in Brazil has become into one of the great challenges in ends of century XIX. In So Paulo, the implemented solution was the immigration. For in such a way, the immigratory politics would have to be familiar, subsidized, and continuous. Both Government and So Paulos upper classes had made great efforts to attract the european free hand labour, avoiding criticism and making advertising in the European countries. The European tensions had facilitated the coming of Portuguese immigrants due to the politic issues, capitalist relations in the rural areas, escape of the military service and population growth. In the Portuguese social imaginary, Brazil was the country of the possibilities. One also analyzes the immigratory and financial flows, the social nets, the mutualism, the historiografy of Portuguese immigration and over all the feminine presence in the immigratory process. Keywords: Portuguese Gender Conflicts

    No Brasil, a questo do trabalho converteu-se num dos grandes desafios em fins do

    sculo XIX. Em So Paulo, a soluo implementada foi o imigrantismo. No outro lado do

    Atlntico, a modernizao agrcola e as tenses polticas, o crescimento populacional e a

    mudana nos direitos de acesso terra constituiram os maiores fatores de expulso de

    emigrantes, dentre eles os portugueses que se dirigiram para o Brasil. Fugindo desse contexto,

    esses emigrantes buscavam novas oportunidades, no encontradas no continente europeu.

    Aps a emancipao brasileira, uma srie de confrontos de interesse alterou as

    relaes entre brasileiros e portugueses, em alguns momentos criando situaes de aberto

    conflito.

    1 *Profa. Dra. Maria Aparecida Macedo Pascal, Universidade Presbiteriana Mackenzie, Agncia Mackpesquisa.

  • 2

    O imigrante portugus era visto como explorador, atrasado, acusado de s se

    interessar em juntar economias e voltar para sua terra. No era bem-quisto pela populao

    nacional, que muitas vezes o tratava de modo ofensivo e grosseiro. Alm disso, era acusado

    de s oferecer trabalho aos patrcios, discriminando os trabalhadores brasileiros e

    monopolizando o comrcio de retalho ou varejo.

    No caso de So Paulo, at 1900, os portugueses representavam 10% das entradas

    de imigrantes no estado. Aps o Decreto Prinetti (1902), o crescimento da imigrao lusa foi

    extraordinrio, sobretudo entre 1910 e 1914. A imigrao nesta fase era familiar, crescendo

    conseqentemente a presena feminina, que na segunda dcada do sculo atingia 40% das

    entradas dessa corrente imigratria.

    As baixas nos preos do caf, a instabilidade e os conflitos com fazendeiros

    levaram os portugueses a se fixarem nos ncleos urbanos, dando preferncia a So Paulo e

    Santos. Alguns vieram diretamente para as cidades, provavelmente avisados por compatriotas

    acerca das pssimas condies no campo, e dirigiram-se para o comrcio ou para atividades

    artesanais que exigiam qualificaes, alm de trabalhos assalariados na indstria e obras

    pblicas.

    Os servios pblicos tambm demandavam muita mo-de-obra: dentre os

    trabalhadores braais desse sector em 1912 na capital havia 871 nacionais e 1408

    estrangeiros, dos quais 865 eram portugueses. Muitos lusitanos se engajaram no setor

    de transportes na Companhia Light and Power, empresa encarregada do fornecimento

    de energia eltrica para a cidade de So Paulo e que tambm monopolizava o servio

    de bondes nos quais os portugueses eram a maioria dos cobradores e condutores.

    (MATOS , 2004: 221)

    Os portugueses eram trabalhadores preferidos nas obras do porto de Santos e na

    construo de ferrovias. Em outros setores o fato tambm se repetia, sendo oferecida primazia

    aos lusitanos para funes como acendedores de lampio, bombeiros, vigilantes e guardas.

    Na indstria txtil, segundo o Departamento Estadual do Trabalho, 84,4% dos

    trabalhadores eram estrangeiros. Destes, os portugueses constituam 12,5%, prevalecendo a

    mo-de-obra feminina, que se acrescentada tecelagem de juta, chegava a 22% do total. Em

    1912, na indstria Santa Chantal, os portugueses compunham 38% do operariado.

    A presena feminina portuguesa era forte tambm nas indstrias de cigarros,

    chocolates, camisas, malharias e tamancos, sendo menos expressiva nos setores de cermica,

    vidro e metalurgia.

  • 3

    A poltica imigrantista mantinha um alto contingente de trabalhadores atravs dos

    fluxos imigratrios contnuos. Essa estratgia mantinha nveis salariais baixos e desemprego

    constante e, ainda, algumas indstrias tinham carter sazonal, aumentando a instabilidade

    desses trabalhadores e gerando conflitos e tenses em funo dessas condies de vida.

    Constantes solicitaes de assistncia jurdica e reclamaes consulares tornavam

    claros os motivos para enfrentamentos. Multas por atraso, erros de contas, reteno de

    pagamentos, acidentes de trabalho e resciso de contratos eram questes que demandavam

    organizao coletiva e capacidade de resistncia, ambas evidentes no comportamento dos

    imigrantes portugueses diante dessa realidade.

    Os conflitos tnicos em So Paulo eram freqentes, constituindo-se num dos

    problemas vividos pelo movimento operrio que atingia a prpria coeso de classe. Cita-se a

    ocorrncia de tenses entre italianos e portugueses. Os lusos eram considerados furadores de

    greve e desprovidos de conscincia social, generalizaes que necessitam ser ponderadas.

    Ressalta-se o fato de que muitos portugueses chegaram tardiamente, faltando-lhes

    qualificaes profissionais e experincia. Estes enfrentaram duras e desiguais condies na

    luta pela sobrevivncia, elementos invocados para explicar suas reaes. Sabe-se, contudo,

    que nas listas negras do patronato da poca, os trabalhadores portugueses, tanto quanto os

    espanhis e italianos, figuravam com destaque, sendo considerados indesejveis.

    Notcias de jornais e processos criminais davam conta que imigrantes portugueses

    eram demitidos por sabotagens, boicotes e, sobretudo, pela militncia no movimento operrio.

    As participaes lusas nas greves ocorreram por reivindicaes vrias, desde a reduo

    da jornada de trabalho para oito horas sem o rebaixamento do nvel salarial e a

    abolio de multas, que por vezes reduziam muito o ganho dos trabalhadores, at a

    melhoria dos salrios. (MATOS, 2004: 223)

    Percebe-se que em So Paulo, embora no constituindo a maior colnia de

    imigrantes, os portugueses participaram ativamente das lutas sociais do perodo. Outro aspecto

    que provocava enfrentamentos eram as relaes entre contramestres e operrias nas fbricas.

    Estas eram assediadas constantemente por capatazes e at por patres.

    (...) Registra que nos jornais e nas falas dos lderes operrios, as mulheres eram

    representadas da mesma forma que os homens, como vtimas do capitalismo; porm

    frgeis e menos combativas que eles. Alm disso, eram vistas como presa fcil dos

    conquistadores baratos que povoavam as fbricas. (RODRIGUES, 1997: 54)

  • 4

    Essa passividade pde ser contestada pelas inmeras greves organizadas nas

    tecelagens, nas quais a maioria da mo-de-obra era feminina, sendo parte dela formada por

    imigrantes portugueses. Santos concentrou um grande nmero de imigrantes lusos, que

    trabalhavam na construo do porto, nos armazns de caf, nas docas e em atividades

    variadas: carroceiros, pedreiros, estivadores, ensacadores, entre outras. A regio converteu-se

    num grande centro de agitao operria e recebeu o codinome de Barcelona do Brasil.

    Os sindicatos e associaes de Santos eram dominados pela liderana de imigrantes

    portugueses. Neste caso, a identidade tnica serviu como fator de coeso, sendo que em outros

    episdios os conflitos tnicos retardaram a solidariedade de classe. Estes fatos abrem novas

    revelaes sobre a participao dos portugueses em So Paulo nas lutas sociais e no

    movimento operrio.

    Muitas vezes o imigrante portugus foi convertido em bode expiratrio. Foi

    acusado de aumentar o preo dos aluguis, j que muitos eram proprietrios, alm de controlar

    o comrcio de retalhos, provocando a carestia e concorrendo no mercado de trabalho com os

    nacionais. Tais fatos seriam causadores do antilusitanismo.

    O jornal O Jacobino acusava os portugueses em todo o pas de monopolizarem

    algumas atividades, descrevendo-os como especuladores e ladres de pesos e medidas,

    associando a imagem negativa do Imprio sua origem portuguesa. A Repblica representava

    o progresso, interesses nacionais em oposio herana lusa e monarquia.

    De certa forma, o antilusitanismo desviava a ateno da crise econmica e das

    revoltas, transformando o portugus no bode expiatrio e o identificando ao velho Brasil,

    em oposio civilizao, ao progresso e modernidade. Utilizando esteretipos, referncias

    e representaes sociais, o antilusitanismo atribua ao imigrante portugus a culpa pelo atraso

    e pelas dificuldades econmicas vividas pelos nacionais.

    O sentimento antilusitano teve seu perodo de evoluo no incio da Repblica,

    mas atravessou o sculo XX com piadas de portugus, vistas como uma maneira mais

    branda de divulgar o mesmo esteretipo.

    Os portugueses atuavam como condutores de bondes, transformando-se em figuras

    da vida cotidiana de So Paulo no incio do sculo XX. Constituam, ainda, a maioria dos

    caixeiros, serviais domsticos, operrios da construo civil e em Santos ocupavam as vagas

    de estivadores nas docas.

    Por outro lado, em funo da baixa qualificao, alguns desses jovens imigrantes

    foram submetidos a duras condies de vida e acabaram transformando-se em ladres,

  • 5

    mendigos e doentes. Embora fossem retratados como alheios ao movimento social, a maioria

    deportada participava ativamente das lutas operrias.

    Perfil Social de Militante Anarquista Portugus, expulso do Brasil em 1921. Portugus

    de Vila Beira Alta, A.V. Coutinho era casado, alfabetizado e padeiro por profisso.

    Membro do Conselho Geral do Trabalho, operrio na Federao dos Trabalhadores,

    tinha 24 anos quando foi expulso, aps vrias detenes por sua participao no

    movimento grevista. (MENEZES, 1996: 111-112)

    No final do sculo XIX, a presena anarquista no mundo do trabalho urbano

    brasileiro era decorrente mais da superexplorao dos trabalhadores do que da presena de

    imigrantes estrangeiros. Este fato era evidenciado pela participao expressiva dos padeiros e

    operrios da construo civil nesse movimento. Nesse sentido, os padeiros, que trabalhavam

    no perodo noturno sem regulamentao, bem como o desemprego e a recesso na rea da

    construo civil, explicavam o grande nmero de militantes.

    Segundo alguns estudos, a liderana operria atribuda aos estrangeiros causou o

    fortalecimento do movimento e, posteriormente, foi razo do seu declnio. Este estudo

    examinou a liderana do movimento sindical de 1890 a 1920, identificando 119 lderes

    destacados nas diretorias de sindicatos, federaes e outras organizaes. Nesse grupo, 24

    eram italianos, 23 portugueses e 22 espanhis. Os portugueses representavam 27% da

    liderana.

    O mesmo estudo analisa que os conflitos tnicos prejudicavam a organizao da

    luta operria, citando os casos da greve dos pedreiros italianos em So Paulo, em 1914, no

    apoiada por portugueses e espanhis, e o caso dos chapeleiros italianos, que excluram da

    organizao brasileiros, portugueses e alemes por divergncias tnicas. Cabe lembrar, ainda,

    a paralisao dos grficos em So Paulo de 1890 e a de 1913, em virtude de conflitos tnicos

    internos.

    A represso ao movimento operrio cresceu a partir de 1907, com a Lei Adolfo

    Gordo, que autorizava a expulso de indivduos que perturbassem a ordem pblica e

    cometessem atos criminosos, com exceo dos que fossem casados com brasileiras ou vivas

    com filhos nascidos no Brasil. Esses fatos foram minando as lideranas e as bases operrias,

    prejudicando sua organizao.

  • 6

    Em 1912, as isenes foram revogadas, e em 1921 permitia-se a excluso dos

    estrangeiros j deportados em seus pases de origem que tivessem tentado impor

    qualquer seita religiosa ou poltica e que fossem julgados perigosos para ordem

    pblica e para a segurana no Brasil. A lei isentava os estrangeiros com cinco ou mais

    anos de residncia, mas os termos no eram categricos. Sheldon Maran levantou um

    total de 556 deportados entre 1907 e 1921. O mximo alcanado em 1907 depois das

    grandes greves de 1906. Nmeros relativamente altos so alcanados em 1912 e 1913,

    sendo o primeiro desses anos de intensificao do movimento operrio e, em 1919,

    1920, 1921, em decorrncia das greves gerais de 1918 e 1920; 181 portugueses foram

    deportados, 121 italianos e 103 espanhis. Os portugueses em menor nmero que os

    italianos, tiveram maior nmero de deportados, apesar de serem acusados de pouco

    participantes por estes. Os espanhis foram o principal alvo da perseguio

    governamental.(LOBO,2001: 49)

    A presena significativa dos portugueses no movimento operrio e as retaliaes

    sofridas por esses imigrantes tornam evidentes sua participao nas lutas sociais em So

    Paulo. Quando se verifica que, entre 1890 e 1913, ocorreram quinze registros de greve entre

    carroceiros, estivadores, ferrovirios, alfaiates e carpinteiros, categorias nas quais o

    contingente de portugueses era elevado, confirma-se a tese de que a participao por melhorias

    salariais e lutas sociais era expressiva.

    No perodo compreendido entre 1917-1920, os sindicatos ganharam maior

    representatividade. A disputa entre lideranas anarquistas e comunistas contribuiu para o

    enfraquecimento do movimento operrio. A anlise do final do sculo XIX at as primeiras

    dcadas do sculo XX, permite verificar que em So Paulo foi expressiva a participao dos

    portugueses, desde a criao de associaes mutualistas e sindicais, at sua incluso nas listas

    negras do patronato em funo dos movimentos grevistas, fatos que mais uma vez

    demonstram seu papel nas lutas operrias do perodo.

    Assim, questiona-se a leitura historiogrfica que considerava pouco importante a

    presena portuguesa nas lutas sociais da Primeira Repblica no Brasil. O perfil desses

    imigrantes fica bem claro nesses relatos, assim como toda sua trajetria at a expulso

    confirma os fatos j mencionados e esquecidos nos caminhos do progresso e da modernidade.

    Hostilizados pelos nacionais, muitos imigrantes lusos terminaram repatriados, expulsos ou

    morrendo no Brasil, sem fazer a Amrica e longe de alcanar o sonho de vida melhor que

    vieram buscar.

  • 7

    IMIGRAO E GNERO

    As rgidas leis portuguesas de emigrao exigiam a emisso de passaportes e, no

    caso da emigrao feminina, as mulheres dependiam da autorizao de pais e maridos para

    emigrar. Acompanhando os dados estatsticos, percebe-se que a imigrao feminina foi

    sempre bem menor que a masculina, sofrendo um rpido crescimento a partir de 1890.

    Em Portugal, quando tem incio a imigrao para o Brasil, a situao feminina

    bastante contraditria. Com a partida dos homens, que na sociedade portuguesa eram vistos

    como aventureiros e dominadores, caber mulher, que sempre viveu numa situao de

    subalternidade, a responsabilidade e a preservao de tudo. Portanto, ela passaria a cuidar dos

    filhos, da propriedade e da casa, casebres de pedra ou quintas em decadncia. Estas mulheres

    teriam que desenvolver todo o trabalho produtivo, o sustento dos filhos e ainda defender os

    interesses frente aos exploradores. Essas vivas de vivos, vivendo a desintegrao geogrfica

    das famlias, no podiam dissolver os laos conjugais, muitas vezes j desfeitos por maridos

    com novas famlias no Brasil, j que a legislao da poca no permitia o divrcio e restringia

    a sada de mulheres casadas para o estrangeiro. Esse quadro era favorvel a Portugal e s se

    manteria pela permanncia dos laos conjugais e manuteno da famlia no pas de origem,

    pois os fluxos financeiros e remessas enviadas pelos imigrantes eram essenciais para o

    equilbrio do pas.

    De facto a emigrao destes pases, predominantemente jovem e masculina insere-se

    num projecto de regresso, que determina uma forte corrente de remessas de divisas.

    So as remessas dos emigrantes que permitem equilibrar uma balana de pagamentos

    de outro modo deficitria e encobrem uma subordinao externa, que contribuem

    assim para acentuar (...). nesse novo contexto scio-econmico que se insere a

    emigrao portuguesa para o Brasil, destino preferido pela esmagadora maioria dos

    portugueses at muito recentemente.(PEREIRA, 1981:11-12)

    No Brasil, as imigrantes perceberam que as tarefas habituais em suas pequenas

    comunidades deveriam mudar. Outras atividades fora do mbito domstico as esperavam, tais

    como tomar conta de bares, padarias, quitandas, pequenos negcios, aprender a lidar com

    emprstimos, trabalhar como operrias, lavadeiras, costureiras, bordadeiras, floristas. Dessa

    forma, estas imigrantes descobriram no incio do sculo a jornada dupla, sendo obrigadas a

    misturar o pblico com o privado para sobreviver. Alm de cuidar da casa e dos filhos,

    mandando-os escola, introduzindo-os nos ofcios artesanais e educando-os, essas mulheres

  • 8

    teriam que reforar o oramento familiar produzindo quitutes, bordados e partilhando com os

    maridos todo o desafio de viver numa nova terra.

    Embora a imigrao portuguesa fosse prioritariamente individual e masculina, a

    imigrao familiar e feminina cresce cerca de 41% em 1891-1899, e 36% em 1910-1919. As

    mulheres que emigraram neste perodo, em sua maioria, eram casadas, j que poucas partiam

    ss. Sobre estas se fazia aluses, ligando-as prostituio. Na indstria txtil, em So Paulo,

    os portugueses representavam 12% da mo-de-obra, que era basicamente feminina. Em outros

    segmentos industriais, tais como fiao, tecelagem, malharias, produo de chapus, fsforos,

    chocolates e cigarros, os lusos atingiram 22% dos trabalhadores, com predomnio tambm

    feminino.

    As crises econmicas, o desenvolvimento tecnolgico e a poltica de

    intensificao de fluxos imigratrios faziam crescer o nmero de trabalhadores e geravam

    intensa instabilidade, conflitos entre patres e empregados, produzindo tenses e misria entre

    estes imigrantes.

    Em Santos, a mo-de-obra feminina portuguesa era utilizada como catadora de

    caf nos armazns do porto, recebendo como pagamento uma pequena parte do caf

    recolhido, que posteriormente era revendida no varejo. Alm disso, essas trabalhadoras

    costuravam a sacaria utilizada para acondicionar o produto. As mulheres portuguesas, alm de

    desempenharem os trabalhos domsticos, complementavam a renda com atividades como

    esta.

    O trabalho de verdureira um caso tpico de complementao da renda familiar, nus

    de mulher, alm dos encargos domsticos, muitas vezes apareciam como ambulantes

    eventuais, dependiam e estavam presas s flutuaes do excedente disponvel, das

    sobras da produo para o consumo prprio. Na possibilidade de concentrar a

    produo e a comercializao, os lusos tambm dominavam o comrcio nos mercados

    francos ou feiras livres, o que permitia obter melhores preos para suas mercadorias

    (MATOS,1994: 169)

    No intuito de conciliar os trabalhos da casa com atividades de ganho

    desenvolvidas no prprio lar, labutavam como costureiras, bordadeiras, lavadeiras e doceiras.

    As especialidades da cozinha portuguesa, salgadas ou doces como os famosos pastis de

    Santa Clara e Belm, eram vendidas pelos filhos menores nos parques e logradouros pblicos,

    tais como teatros, igrejas, e no Jardim da Luz. Sem possuir o registro exigido pelas

  • 9

    autoridades, muitas vezes enfrentavam o poder pblico tentando comercializar leite de vacas e

    cabras.

    As portuguesas eram as preferidas para a ocupao de cargos de empregadas

    domsticas, pois eram consideradas trabalhadeiras e honestas. Muitas vezes, vrios membros

    da famlia trabalhavam na mesma casa em vrias atividades: copeiras, cozinheiras,

    jardineiros, motoristas. Alguns empregadores preferiam empregadas brancas, discriminando

    as negras e mulatas, consideradas por preconceitos ignorantes e instveis no trabalho.

    Morando com os patres, evitavam os gastos com aluguel e alimentao, mas submetiam-se a

    jornadas interminveis e ausncia de privacidade. As mulheres casadas, para obterem uma

    sobre-renda, lavavam e engomavam roupas para fora.

    Minha me passou a lavar roupa para ajudar meu pai que era padeiro. Naquele tempo

    So Paulo tinha uma friagem, uma garoa gelada. Apanhou um resfriado de tanto ir do

    tanque para o calor do fogo. A tosse no passava e converteu-se numa tuberculose na

    laringe. Assim morreu minha me, Tereza Domingues, com apenas 36 anos, deixando

    a mim e trs irmos rfos. (Depoimento Carminda Domingues)

    Em 1906, as lideranas da Associao das Costureiras de Sacos convocavam as

    companheiras para reivindicar a reduo da carga horria daquelas que trabalhavam nas

    oficinas, alm de aumento de preo pago pela costura e organizao de um sindicato.

    Na greve de 1901, na fbrica de tecidos SantAnna foi deflagrada tendo por causa

    imediata a introduo de uma nova tabela de remunerao que implicava em

    rebaixamento dos salrios reais (...). Foram 700 trabalhadoras paradas e organizadas

    em piquetes o que no impediu do jornal socialista Avanti, as chamassem de dbeis e

    indefesas. (PENA, 1981: 186)

    Mesmo na imprensa operria era intenso o preconceito pelo trabalho domiciliar e

    suas formas de resistncia. Em 1919, as costureiras de carregao finalmente criaram sua

    organizao, a Unio das Costureiras de Carregao, gerando admirao em outros segmentos

    operrios.

    Nos Boletins do Departamento Estadual do Trabalho, surgiam novas denncias

    acerca das pssimas condies do trabalho domiciliar. Com a ecloso de epidemias aparece

    uma nova preocupao do poder pblico: as doenas, sobretudo a tuberculose e o perigo da

    contaminao atravs deste tipo de atividade nos domiclios.

  • 10

    Copeira ou arrumadeira oferece-se moa portuguesa de 17 anos para casal

    estrangeiro ou pequena famlia de tratamento. Praa da Repblica, 13, quarto

    24.Oferece-se senhora portuguesa para dama de companhia, governante ou roupeira,

    dando as melhores referncias. Rua Santa Luzia n 34. (Documentos para a Histria da

    Imigrao Portuguesa no Brasil (1850-1938 p. 56-57)

    Trabalhando nas mais variadas atividades (cozinheiras, ama-de-leite, copeiras,

    damas de companhia, lavadeiras), embora com poucos rendimentos, as imigrantes

    portuguesas viam nestes trabalhos a vantagem de receber casa e alimentao. As redes sociais

    e relaes familiares empregavam os recm chegados em casas de conhecidos ou parentes.

    O perfil dessas mulheres era de companheiras incansveis, devotadas famlia e

    sonhando com a educao e uma vida melhor para os filhos. As imigrantes portuguesas

    estiveram em todas estas atividades, lutando para sobreviver e vencer a precariedade no

    mundo do trabalho, muitas vezes resistindo e enfrentando conflitos e desafios na nova terra

    que abraaram.

    BIBLIOGRAFIA LOBO, Maria Eullia Lehmeyer. A Imigrao Portuguesa no Brasil. So Paulo, Ed. Hucitec, 2001. MATOS, Maria Izilda Santos de. Entre o Lar e o Balco. Anais do 2 Colquio PPRLB- Relaes Luso-Brasileiras. Deslocamentos e Permanncias- Real Gabinete de Leitura, 2004. ____________.Cotidiano e Cultura. Histria, Cidade e Trabalho. Bauru, Ed.Edusc, 2002. MENEZES, Len Medeiros de. Os Indesejveis: Desclassificados da Modernidade. Protesto, Crime e Expulso na Capital Federal (1890-1930). Rio de Janeiro, Ed. Eduerj, 1996. PASCAL, Maria Aparecida Macedo. Portugueses em So Paulo: a face feminina da imigrao. So Paulo, Ed. Expresso &Arte, 2005. PENA, Maria Valria Juno. Mulheres Trabalhadoras: Presena Feminina na Constituio do Sistema Fabril. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1981. PEREIRA, Miriam Halpern. A Poltica Portuguesa de Emigrao (1850-1930). Lisboa, 1981.