a ilustração (1884-1892)- algumas questões teórico-metodológicas

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1 A Ilustração (1884-1892): algumas questões teórico-metodológicas Tania Regina de Luca UNESP/CNPq Esse texto tem por objetivo colocar alguns problemas de ordem teórico- metodológica a respeito da revista Ilustração, quinzenário que somou 184 números, publicados entre maio de 1884, data do seu lançamento, e fevereiro de 1892, último exemplar editado. A seguir apresentam-se informações básicas sobre o periódico, essenciais para a discussão de sua trajetória. Tabela I - Ilustração: sistematização das informações essenciais Período Título e subtítulo Responsável Redação Impressor 05 a 12/1884 A Ilustração: revista quinzenal para Portugal e o Brasil Mariano Pina (diretor) Maio/Junho 7, Rue de Parme, Paris Julho/Dezembro 6, Rue de Saint- Pétersbourg, Paris Imprimerie P. Mouillot 13, Quai Voltaire, Paris 01 a 11/1885 12/1885 A Ilustração: revista universal impressa em Paris ou sem subtítulo A Ilustração: revista de Portugal e do Brasil Mariano Pina (diretor) Mariano Pina (proprietário) Janeiro/Novembro 6, Rue de Saint- Pétersbourg. Paris Dezembro 13, Quai Voltaire, Paris Imprimerie P. Mouillot 13, Quai Voltaire, Paris 01 a 12/1886 A Ilustração: revista de Portugal e do Brasil Mariano Pina (proprietário) 13, Quai Voltaire, Paris Imprimerie P. Mouillot 13, Quai Voltaire, Paris 01 a 07/1887 08 a 12/1887 A Ilustração: revista de Portugal e do Brasil A Ilustração Mariano Pina (proprietário) 13, Quai Voltaire, Paris Imprimerie P. Mouillot 13, Quai Voltaire, Paris 01 a 12/1888 A Ilustração Mariano Pina (proprietário) 13, Quai Voltaire, Paris Imprimerie P. Mouillot 13, Quai Voltaire, Paris 01 a 12/1889 A Ilustração Mariano Pina (proprietário) 13, Quai Voltaire, Paris Imprimerie P. Mouillot 13, Quai Voltaire, Paris 01 a 12/1890 A Ilustração Mariano Pina (proprietário) 13, Quai Voltaire, Paris Tipografia da Cia Nacional Editora, Largo do Conde Barão, 50, Lisboa 01 a 12/1891 A Ilustração Mariano Pina (proprietário) 13, Quai Voltaire, Paris Tipografia da Cia Nacional Editora, Largo do Conde Barão, 50, Lisboa 01 a 02/1892 A Ilustração Mariano Pina (proprietário) 13, Quai Voltaire, Paris Tipografia da Cia Nacional Editora, Largo do Conde Barão, 50, Lisboa

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Importante trabalho historiográfico que busca apresentar novas contribuições para os estudos históricos. O autor colabora para a memória da imprensa do Brasil, contribuindo para os estudos sobre a imprensa e seus caráteres.

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Page 1: A Ilustração (1884-1892)- Algumas Questões Teórico-metodológicas

 

A Ilustração (1884-1892): algumas questões teórico-metodológicas Tania Regina de Luca UNESP/CNPq

Esse texto tem por objetivo colocar alguns problemas de ordem teórico-

metodológica a respeito da revista Ilustração, quinzenário que somou 184 números,

publicados entre maio de 1884, data do seu lançamento, e fevereiro de 1892, último

exemplar editado. A seguir apresentam-se informações básicas sobre o periódico, essenciais

para a discussão de sua trajetória.

Tabela I - Ilustração: sistematização das informações essenciais

Período Título e subtítulo Responsável Redação Impressor

05 a 12/1884 A Ilustração: revista quinzenal para Portugal e o Brasil

Mariano Pina (diretor)

Maio/Junho 7, Rue de Parme, Paris

Julho/Dezembro 6, Rue de Saint-

Pétersbourg, Paris

Imprimerie P. Mouillot 13, Quai

Voltaire, Paris

01 a 11/1885 12/1885

A Ilustração: revista universal impressa em Paris ou sem subtítulo A Ilustração: revista de Portugal e do Brasil

Mariano Pina (diretor)

Mariano Pina (proprietário)

Janeiro/Novembro 6, Rue de Saint-

Pétersbourg. Paris Dezembro

13, Quai Voltaire, Paris

Imprimerie P. Mouillot 13, Quai

Voltaire, Paris

01 a 12/1886 A Ilustração: revista de Portugal e do Brasil

Mariano Pina (proprietário)

13, Quai Voltaire, Paris Imprimerie P. Mouillot 13, Quai

Voltaire, Paris 01 a 07/1887 08 a 12/1887

A Ilustração: revista de Portugal e do Brasil A Ilustração

Mariano Pina (proprietário)

13, Quai Voltaire, Paris Imprimerie P. Mouillot 13, Quai

Voltaire, Paris

01 a 12/1888 A Ilustração Mariano Pina (proprietário)

13, Quai Voltaire, Paris Imprimerie P. Mouillot 13, Quai

Voltaire, Paris 01 a 12/1889 A Ilustração Mariano Pina

(proprietário) 13, Quai Voltaire, Paris Imprimerie P.

Mouillot 13, Quai Voltaire, Paris

01 a 12/1890 A Ilustração Mariano Pina (proprietário)

13, Quai Voltaire, Paris Tipografia da Cia Nacional Editora, Largo do Conde

Barão, 50, Lisboa 01 a 12/1891 A Ilustração Mariano Pina

(proprietário) 13, Quai Voltaire, Paris Tipografia da Cia

Nacional Editora, Largo do Conde

Barão, 50, Lisboa 01 a 02/1892 A Ilustração Mariano Pina

(proprietário) 13, Quai Voltaire, Paris Tipografia da Cia

Nacional Editora, Largo do Conde

Barão, 50, Lisboa

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Algumas questões se impõem de imediato: por que lançar em Paris uma revista

destinada à circular em Portugal e no Brasil? Que condições permitiram a realização da

empreitada? Quais as características e objetivos do quinzenário? Que peculiaridades o

mesmo apresentava frente aos congêneres existentes nos países de destino? Como explicar

a longevidade do empreendimento? Pelo menos parte dessas indagações pode ser

respondida a partir da análise sistemática dos números publicados, que permitem discernir

responsáveis, principais colaboradores, temáticas, estruturação do conteúdo, formas de

utilização e lugar reservado à imagem, anunciantes, além de informar sobre a localização

da redação, impressores, distribuidores, representantes, preço, enfim uma miríade de dados

que remete tanto para as condições técnicas disponíveis no momento de circulação quanto

para demandas de ordem social. O mergulho nos exemplares, que nada tem de simples,

requer a construção de instrumentos analíticos capazes de quantificar, ordenar e discernir as

modificações que ocorreram ao longo de quase oito anos de circulação. A indexação não

tem sentido em si mesma e constitui-se no passo inicial, indispensável para apreender

permanências e mudanças.

Esse olhar microscópico, que esquadrinha e tenta decifrar o objeto a partir de

indícios presentes em suas páginas, combina-se com outro que introduz questões

relacionadas à temporalidade. Em primeiro lugar, o tempo longo da diacronia, que convida

a precisar o lugar ocupado pela publicação na história da imprensa e das técnicas de

impressão, sem perder de vista os meios de transporte e de difusão da informação

disponíveis num momento particular, esforço que se desdobra em abordagem que tenta

apreender a historicidade do periódico. É à luz dessa localização espaço-temporal precisa

que os dados provenientes da análise interna podem ganhar novos sentidos, não

perceptíveis caso o questionamento se detivesse no âmbito estrito do conteúdo e sua forma

de apresentação que – não custa lembrar – também estão submetidos às possibilidades e

solicitações de sua época.

Contudo, jornais e revistas são, na maioria das vezes, projetos coletivos, “ponto de

encontro de itinerários individuais unidos em torno de um credo comum”,1 e podem ser

                                                            1 L. Plet-Despatin, “Une contribution a l’histoire des intellectuels:les revues”. In: N. Racine & M. Trebitsch (dir.), Cahiers de l’Institut d’Histoire du Temps Present. Sociabilites intellectuelles. Lieux, milieux, réseaux, Paris, n. 20, p. 126, mars 1992.

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encarados como espaços agregadores de indivíduos que compartilham leituras de passado e

de futuro. Mesmo que distantes dos embates do mundo da política no sentido estrito, os

periódicos sempre remetem aos dilemas do seu tempo e dialogam com outros impressos

que lhes são contemporâneos e com os quais compartilham o espaço público. A diacronia,

outra dimensão da temporalidade, remete para a reconstrução do quadro no qual a

publicação se inseria, o que colabora para compreender as tarefas assumidas pelos

propugnadores, também expressas na escolha do título, nas declarações dos textos

programáticos, nos editoriais ou escritos que cumprem tal função.

O projeto que particulariza a revista e lhe confere identidade é produzido, portanto,

no confronto com outras propostas, leituras e interpretações elaboradas por grupos com os

quais guarda relações de proximidade e afeto ou de distanciamento e ruptura, não raro

motivadas por fatores de ordem circunstancial, mas que não se dissociam das características

vigentes no campo intelectual. Daí a importância estratégica das correspondências,

memórias, depoimentos e arquivos relativos ao impresso e/ou seus responsáveis, que

ajudam a esclarecer aspectos nem sempre explícitos nas páginas da publicação.

Esta forma de abordagem, que conjuga a análise verticalizada dos exemplares e de

outros materiais disponíveis com as dimensões diacrônica e sincrônica, implica em tomar o

título, a um só tempo, como fonte e objeto da pesquisa. Tais os procedimentos que balizam

a análise da Ilustração.

Ilustração: potencialidades analíticas.

A Ilustração começou a circular em maio de 1884, momento em que o processo de

produção dos periódicos na França já deixara para trás o “antigo regime tipográfico”,

designação utilizada por Roger Chartier para caracterizar as práticas de impressão correntes

até as primeiras décadas dos oitocentos. Daí em diante, as transformações aceleram-se

graças às sucessivas gerações de prensas mecânicas e às alterações, bem mais tardias, na

composição, devidas à linotipia.2 De outra parte, à medida que se avança na centúria,

espaços comuns de trocas e de circulação ganharam densidade, graças ao sistema de

                                                            2 Para uma análise da questão, consultar: Gilles Feyel, “Les transformations technologiques de la presse au XIXe siècle”, In: Dominique Kalifa (dir), La civilisation du journal. Histoire culturelle et littéraire de la presse française au XIXe siècle, Paris, Nouveau Monde Éditions, 2011, pp. 97-139.

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ferrovias e à navegação a vapor. Nas palavras de Hobsbawm, “os trens alcançavam o centro

das grandes cidades (...) e as mais remotas áreas da zona rural, onde não penetrava nenhum

outro vestígio de civilização do século XIX”, sendo que em 1882, “quase dois bilhões de

pessoas viajavam por ano pelas ferrovias”, enquanto mais de 22 mil navios cruzaram mares

e oceanos. O historiador bem destacou que o mundo “estava se tornando demograficamente

maior e geograficamente menor e mais global – um planeta ligado cada vez mais

estreitamente pelos laços dos deslocamentos de bens e pessoas, de capital e comunicações,

de produtos materiais e ideias”3.

Ideias que viajavam em diferentes gêneros de impressos – livros, revistas, jornais,

folhetos, estampas, panoramas, propagandas ou cartazes – produzidos em escala industrial,

isto é, cada vez mais baratos e atraentes, graças à incorporação da imagem, novidades de

grande alcance e que propiciava inéditas experiências de visualidade. É bom ter presente

que, entre nós, as atividades ligadas à impressão datam da transferência da Família Real

portuguesa, em 1808. Tal situação, aliada ao escravismo, escassa urbanização e diminuto

público leitor, permite compreender porque o mundo das tipografias, com suas prensas,

prelos, artistas do traço em suas diversas modalidades (xilogravura, talho doce, litografia)

era um território dominado, em grande parte, por estrangeiros, observação igualmente

válida para editores e livreiros.

Se, por um lado, esta presença evidencia as limitações do meio e a falta de mão de

obra especializada, aspectos tão bem explorados pela bibliografia especializada, por outro

convida a pensar sobre as experiências de deslocamentos de indivíduos que, por motivos os

mais diversos, decidiram exercitar seus talentos e habilidades além-mar, com desfechos

variáveis – permanência no país, constantes idas e vindas, retorno definitivo ao lugar de

origem, com experiência, capital e/ou material que asseguravam novas oportunidades de

reinserção. Circulação facilitada e mesmo banalizada pelos meios de transportes, mas que

imprimiu suas marcas e deixou rastros nas modalidades de diálogo e apropriação da escrita,

da imagem, das referências e, de forma mais ampla, na cultura urbana. Deste lado do

Atlântico, insiste-se no exemplo paradigmático de Araujo Porto-Alegre (1806-1879), cuja

                                                            3 Eric J. Hobsbawm, A era dos impérios (1875-1914), Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988, pp. 48 e 31, respectivamente.

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estadia em Paris foi tão significativa para as atividades que empreendeu,4 mas igualmente

caberia acompanhar os desdobramentos que a estadia nos trópicos trouxe, por exemplo,

para a trajetória de Rafael Bordalo Pinheiro, para ficar somente num exemplo.

As noções de recepção passiva e influência, as metáforas associadas ao espelho e ao

reflexo e mesmo o ideário dos modelos parecem incapazes de dar conta de interações que

configuravam estradas de mão dupla. E se é fato que o tráfego foi muito mais intenso num

dado sentido, isso não deve impedir a percepção de outras trajetórias, mais modestas, ainda

que não menos significativas. Nesse sentido, são inspiradoras as análises de Sergio Miceli a

respeito das concessões feitas pelo pintor Fernand Léger ao gosto de seus potenciais

clientes, entre os quais estava Paulo Prado.5 A própria existência de uma publicação

impressa e com redação em Paris, capitaneada por um português, que lá se encontrava a

serviço de um jornal brasileiro, e que tinha em mira, sobretudo, leitores em Lisboa e no Rio

de Janeiro, remete para o grau de internacionalização alcançado pela imprensa e convida a

pensar em termos de trocas e intercâmbios, em diferentes direções e sentidos.

O nome de Mariano Pina (1860-1899) sempre esteve ligado à Ilustração e, como se

vê na Tabela I, ele passou de diretor a proprietário do empreendimento a partir de dezembro

de 1885. Sua presença em Paris expressava as novas demandas das empresas jornalísticas

nas décadas finais do século XIX, assim como as possibilidades descortinadas para

indivíduos que, já desfrutando de reconhecimento e sucesso no mundo letrado – ou

ambicionando alcançá-los –, fossem capazes de responder às necessidades da indústria da

informação.

A ligação telegráfica entre Brasil e Europa por cabo submarino em 1874 logo tornou

obsoleta a fórmula “soube-se, pelo último paquete...”, substituída pelas ágeis notas

telegráficas provenientes de agencias especializadas. Em 1877, o Jornal do Comércio (RJ)

publicou os primeiros informes desta natureza, distribuídos pela Reuter-Havas: “Londres,

30 de julho às 2 horas da manhã – Faleceu ontem...”.6 Entretanto, um jornal que se queria

moderno, como a Gazeta de Notícias, fundada no Rio de Janeiro em 1875 por Ferreira

                                                            4 Sobre o impacto da vivência europeia de Porto Alegre, consultar a instigante pesquisa de Heliana Angotti Salgueiro, A comédia humana: de Daumier a Porto-Alegre, São Paulo, MAB FAAP, 2003. 5 Sergio Miceli, Nacional estrangeiro. História social e cultural do modernismo artístico em São Paulo, São Paulo, Companhia das Letras, 2003, especialmente pp. 9-16. 6 Nelson Werneck Sodré, História da imprensa no Brasil, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966, p. 247.

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Araújo, Henrique Chaves, Manoel Carneiro e Elísio Mendes, precisava ir além e contar

com testemunhas oculares. Assim, no início dos anos 1880, o matutino remunerava nomes

destacado da literatura portuguesa para atuarem como correspondentes na Europa: Eça de

Queirós (Inglaterra), Ramalho Ortigão (Portugal), e Guilherme de Azevedo (França)

remetiam textos para o diário carioca.

Em oito de abril de 1882, em Paris, faleceu Azevedo e foi exatamente nesse mesmo

dia que Henrique Chaves enviou, do Rio de Janeiro, carta a Mariano Pina, na qual se lê: “A

tua proposta foi aceita com prazer. Estás nomeado correspondente da Gazeta de Notícias

em Paris. Não deves essa nomeação senão ao teu trabalho e talento. A mim nada tens que

me agradecer”.7 O excerto, além de sugerir que Guilherme já se afastara de suas atividades,

quiçá por motivo de doença, deixa patente que coube a Pina tomar a iniciativa de se

apresentar para o cargo. E aqui se abre um aspecto importante da pesquisa: quais as

credenciais, no âmbito jornalístico e literário, e que trunfos, em termos de redes de

sociabilidade, Pina, então nos seus vinte e poucos anos, mobilizou para preencher o posto

de representante em Paris de um periódico impresso na capital do Império do Brasil? Não

cabe ensaiar aqui a resposta, mas tão somente apontar um caminho promissor de

investigação, uma vez que permite articular, em âmbito transnacional, escritores

portugueses e a atividade jornalística carioca, bem como acompanhar a resposta de autores

locais, que não deixaram de questionar o fato de o cargo de correspondente não ser ocupado

por brasileiros, isso num momento em que começava a se delinear entre nós, de forma

ainda tímida, um campo intelectual autônomo.

Na carta citada também se estipulavam as obrigações do contratado e detalhavam-se

as dimensões dos textos, seus diferentes gêneros, os que deveriam conter assinatura,

periodicidade e formas de remessa. Cartas posteriores trazem instruções detidas sobre o que

escrever e como fazê-lo, revelando que nem sempre as expectativas do contratante estavam

em harmonia com as nutridas pelo escritor. E parece razoável supor que esses embates

pesaram na decisão de demiti-lo, em março de 1886, depois de quase quatro anos de

                                                            7 Algumas das cartas do espólio de Pina, sobretudo as relativas às suas atividades na Gazeta de Notícias e na Ilustração, foram reproduzidas em Elza Miné, “Mariano Pina, a Gazeta de Notícias e A Ilustração: histórias de bastidores contadas por seu espólio”, Revista da Biblioteca Nacional, Lisboa, v. 7, n. 2, p. 23-61, jul/dez. 1992. Texto republicado em Elza Miné, Páginas flutuantes. Eça de Queirós e o jornalismo no século XIX, São Paulo, Ateliê Editorial, 2000, pp. 195-242.

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colaboração. O rompimento deu-se por carta lacônica de Elísio de Carvalho e os

desdobramentos do fato ajudam a compor o círculo de amizades de Pina que, ao que tudo

indica, atuou tanto por ocasião de sua entrada nos quadros da Gazeta de Notícias quanto

após a sua saída.

As relações entre a Gazeta de Notícias e A Ilustração demandam especial atenção.

A julgar pelos dados constantes na revista, o matutino era o seu representante no Brasil,

tarefa desempenhada até dezembro de 1885, quando foi assumida pela filial carioca da Casa

David Corazzi, empresa que já fazia a distribuição da Ilustração em Portugal. Chama

atenção a proximidade entre a demissão de Pina da Gazeta (março de 1886), o fato dele se

tornar proprietário da publicação (dezembro de 1885) e a mudança do distribuidor no Brasil

(janeiro de 1886). A questão toma rumos mais complexos quando se analisa a

correspondência trocada entre Pina e Elísio Mendes que, conforme destacou Elza Miné,

portava-se como se fosse o dono da revista, emitindo ordens que Pina deveria cumprir.

Somente a consulta ao conjunto do espólio de Mariano Pina, depositado na Biblioteca

Nacional em Lisboa, poderá ajudar a esclarecer o processo de fundação e a trajetória da

publicação, assim como as possibilidades de ganho financeiro vislumbradas pelos

envolvidos e as motivações para não tornar público os interesses da Gazeta no quinzenário.

Já a pesquisa no matutino carioca entre abril de 1882 e março de 1886, período no

qual Pina manteve-se vinculado ao mesmo, é essencial e deverá responder algumas

questões, além de colocar várias outras. Espera-se que aspectos relativos à recepção no

Brasil, ausentes na historiografia sobre a história da imprensa, possam ser contemplados,

sobretudo quando se tem em vista que a necessidade de abrasileirar a revista foi tema da

correspondência entre Pina e Elísio.

É provável que a decisão de editar a revista em Paris fosse uma estratégia para

assegurar um produto com qualidade de impressão sem similar no Brasil e em Portugal e

com custos de produção suficientemente modestos para compensar aqueles envolvidos no

transporte até Lisboa e o Rio de Janeiro. A republicação de material iconográfico já

estampado em periódicos franceses propiciava considerável economia, como revelam

contratos selado com a P. Mouillot, conservados no espólio de Pina. A decisão de imprimir

a revista em Lisboa, tomada nos seus momentos finais, ou seja, entre janeiro de 1891 e

fevereiro de 1892, ainda demanda explicações.

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Em Portugal, a Ilustração era representada pela casa David Corazzi. Não foi

possível precisar se a editora encarregava-se apenas da distribuição ou, tal como parece ter

sido o caso da Gazeta, também investiu na publicação. O fato é que Corazzi foi um editor

muito importante e sua famosa Biblioteca do Povo e das Escolas, iniciada em 1881,

também era vendida no Brasil, onde ele montou uma filial, situada na Rua da Quitanda, n.

38, Rio de Janeiro, que se encarregou de responder pelos interesses da Ilustração depois

que o jornal de Elísio deixou de fazê-lo (janeiro de 1886). Em 1889, a partir da fusão da

Casa Corazzi e da Editora Justino Guedes, surgiu a Companhia Nacional Editora, que

continuou a prestar serviços para Pina e sua Ilustração, com filial na mesma Rua da

Quitanda, agora no número 40.8

A análise da revista em si, com suas dezesseis páginas, sete ou oito das quais

ocupadas por imagens, está em curso e tem revelado que o seu conteúdo foi se tornando

mais complexo à medida que se caminha por nos volumes. No primeiro ano, destaca-se a

ausência de publicidade, o que parece significar que a manutenção do empreendimento

estava ancorada tão somente na venda aos leitores, situação que se alterou a partir de 1885.

Foi também neste ano que novas seções textuais surgiram, ainda que o espaço reservado à

iconografia tenha permanecido inalterado. As relações entre imagem e texto merecem

especial atenção, sendo de se destacar a presença da seção Nossas gravuras, que

explicitavam a parte iconográfica e guiavam o olhar do leitor. O rol de colaboradores

diversificou-se, mas é sintomático que as temáticas ligadas à França continuassem a

sobrepujar as relativas a Portugal e ao Brasil.

Em síntese, a sistematização do conteúdo textual (seções, temáticas, gêneros dos

textos, colaboradores) e imagética (temas, autores) adentra o terceiro ano de circulação e

em breve terá início a consulta sistemática ao acervo de Mariano Pina e aos exemplares da

Gazeta de Notícias (1882-1886), novas fontes a partir das quais se espera tornar mais densa

“a reflexão”.

                                                            8 Sobre Corazzi e sua coleção, ver: Manuela D. Domingos, Estudos de sociologia da cultura. Livros e leitores do século XIX, Lisboa, Centro de Estudos de História e Cultura Portuguesa, 1985.

Page 9: A Ilustração (1884-1892)- Algumas Questões Teórico-metodológicas

 

Bibliografia

DOMINGOS, Manuela D. Estudos de sociologia da cultura. Livros e leitores do século

XIX. Lisboa: Centro de Estudos de História e Cultura Portuguesa, 1985.

FEYEL, Gilles. "Les transformations technologiques de la presse au XIXe siècle”. In:

KAFIFA, Domonique (dir). La civilisation du journal. Histoire culturelle et littéraire de la

presse française au XIXe siècle. Paris, Nouveau Monde Éditions, 2011, pp. 97-139.

HOBSBAWM, Eric J. A era dos impérios (1875-1914). Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988.

MICELI, Sergio. Nacional estrangeiro. História social e cultural do modernismo artístico

em São Paulo. São Paulo, Companhia das Letras, 2003.

MINÉ, Elza. “Mariano Pina, a Gazeta de Notícias e A Ilustração: histórias de bastidores

contadas por seu espólio”. Revista da Biblioteca Nacional. Lisboa, v. 7, n. 2, p. 23-61,

jul/dez. 1992.

MINÉ, Elza. Páginas flutuantes. Eça de Queirós e o jornalismo no século XIX. São Paulo,

Ateliê Editorial, 2000.

PLET-DESPATIN, J. “Une contribution a l’histoire des intellectuels:les revues”. In:

RACINE, N & TREBITSCH, M. (dir.). Cahiers de l’Institut d’Histoire du Temps Present.

Sociabilites intellectuelles. Lieux, milieux, réseaux. Paris, n. 20, p. 126, mars 1992.

SALGUEIRO, Heliana Angotti. A comédia humana: de Daumier a Porto-Alegre. São

Paulo, MAB FAAP, 2003.

SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização

Brasileira, 1966.