A igualdade que no veio

A igualdade que no veio

Com o fim da escravido, muitos negros buscaram no trabalho informal uma maneira de sobreviver. Foto de Marc Ferrez de 1899

O ex-escravo chamava-se Hiplito Xavier Ribeiro e era morador do morro da Cachoeirinha, na serra dos Pretos Forros (localizada entre os atuais bairros de Lins de Vasconcelos e Cabuu, na zona norte do Rio de Janeiro). Ao longo de sua vida testemunhou importantes acontecimentos da histria do Brasil, entre os quais a Guerra do Paraguai, da qual participou: Para segurar o filho, agarrando a saia da mame, entregava os escravos. Entregava chorando porque um negro naquele tempo dava dinheiro. Eu fui num corpo de voluntrios quase no fim da guerra, mas ainda entrei em combate em Mato Grosso.

Terminado o conflito, Hiplito presenciaria outro fato marcante de nossa histria: a abolio da escravido, com a assinatura da Lei urea no dia 13 de maio de 1888. Ele ainda se lembrava bem dos festejos um batuque barulhento, sapateado de p no cho, um cateret daqueles, correu de dia e de noite mas a recapitulao do passado foi interrompida pela dura realidade do presente. Quando j havia reunido uma platia na redao que ouvia atentamente as suas histrias, o antigo escravo decretou: Se eu fosse contar tudo o que sei... no acabava hoje. Queria mesmo era ajuda para comprar a passagem, pois o tempo de hoje est pior do que o tempo do imposto do vintm (ver glossrio) e cad dinheiro?, e a p no chego l, de trem no posso ir. E foi-se embora. Um dos jornalistas que ouviu o relato descreveu o velho negro em sua crnica: No obstante a sua idade avanada, apresenta aspecto sadio. um preto alto, espadado, ainda com esforo consegue se empertigar com entusiasmo. Fala com pausa, como a inquirir o pensamento.

O relato de Hiplito Xavier Ribeiro, registrado mais de 40 anos aps a assinatura da Lei urea, um smbolo da memria construda no Brasil em torno da Abolio. Para as elites, a escravido deveria aparecer como resqucio de um passado a ser derrotado, distante, velho e quase nunca alcanado pela memria.

Por que essa tentativa de apagar o passado? Por um lado era preciso fazer vista grossa s promessas no cumpridas de indenizao pelos escravos libertos feitas aos fazendeiros; por outro, era necessrio abafar as expectativas dos negros em ter acesso terra, ao trabalho e educao.

GLOSSRIO

IMPOSTO DO VINTM: Taxa instituda pelo governo imperial em 1880 sobre a passagem de bonde, que previa a cobrana de 1 vintm sobre o preo original.

DEBATE

O que representou o fim da abolio para os negros? Houve melhoria de vida? Por que a tentativa das elites polticas em esquecer a escravido?

OS NEGROS VO GREVEDepois de 1888, diversos trabalhadores negros, muitos deles ex-escravos ou descendentes de escravos, foram trabalhar legalmente nas estradas de ferro baianas. Galdino Calmom foi um deles. Filho de um africano chamado Lzaro Calmon, Galdino nasceu na Bahia por volta de 1867. Em 1894, ele tinha 27 anos, era analfabeto e residia no distrito dos Mares, regio porturia e comercial de Salvador, onde trabalhava como carregador da estrada de ferro. Vivendo em condies precrias, com jornadas exaustivas de trabalho e baixos salrios, Galdino liderou uma importante greve na capital baiana para exigir melhores salrios. Ele e seus companheiros de greve acabaram presos. Assim como Galdino muitos outros operrios negros continuaram a lutar contra a explorao durante toda a Primeira Repblica, apesar da represso policial.

J em 1909, uma srie de greves paralisou quase todo o trfego ferrovirio na Bahia. Os trabalhadores se levantaram para protestar contra as longas jornadas de trabalho, os baixos salrios e as imposies disciplinares (muitas vezes acompanhadas de castigo fsico) que visavam controlar o ritmo de trabalho nas ferrovias. Nessa greve, os trabalhadores expressaram o que entendiam por justia e direitos. Em alguns de seus panfletos, alm de reivindicar reajustes salariais, procuraram distinguir-se da condio de trabalhador escravo.

DEBATE:

Como era a vida dos trabalhadores negros?Os trabalhadores negros resistiram s condies impostas a eles?