a história de sorte de londrina com a fotografia

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127 A história de sorte de Londrina com a fotografia La história de la suerte de la ciudad de Londrina con la Fotografía Paulo César BONI 1 Resumo: Este artigo trata da história da fotografia em Londrina, cidade do norte do estado do Paraná, e de sua importância para a recuperação de dados históricos e para a preservação da memória da cidade. Por um viés inédito, narra dois momentos de sorte de Londrina com relação à fotografia. O primeiro foi o de sua utilização como estratégia de publicidade da Companhia de Ter- ras Norte do Paraná, responsável pelo empreendimento imobiliário que deflagrou o processo de colonização no norte do Paraná; o segundo foi o da imigração estran- geira, pois os estrangeiros chegavam profissionalmente capacitados para o exercício de ofícios especializados, entre eles o da fotografia. Estes dois lances de sorte pro- piciaram a produção de fartos registros fotográficos que documentam os primórdios da história de Londrina. Palavras-chave: História de Londrina (PR). História da fotografia em Londrina. Companhia de Terras Norte do Paraná. Fotografia e Memória. Resumen: Este artículo trata de la história de la foto- grafía en Londrina, una ciudad ubicada en el Norte de la Província brasileña de Paraná, y de su importancia para la recuperación de datos históricos y para la preservación de la memória del lugar. Por medio de una mirada ori- ginal, el texto cuenta dos momentos de Londrina en su relación con la Fotografía. El primero fue su uso como estrategia publicitaria de la Companhia de Terras Norte do Paraná, responsable por el proyecto que desencadenó el proceso de colonización del Norte de la Província. El segundo instante fue la inmigración extranjera, ja que los de otras naciones llegavan bien capacitados profesional- 1 Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP). Líder do Grupo de Pesquisa Comunicação e História do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Coordenador do Curso de Especialização em Fotografia: Práxis e Discurso Fotográfico da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Editor da revista Discursos Fotográficos. E-mail: discursosfoto@ uel.br mente para el ejercicio de oficios especializados, como la capacidad de fotografar bien. Esos dos eventos fueron la base de una gran producción de registros fotográficos que documentan la historia del início de Londrina Palabras clave: História de Londrina. História de la Fo- tografía en Londrina. Companhia de Terras Norte do Paraná. Fotografia y memória. O início da colonização do norte do Paraná Até as duas primeiras décadas do Século XX, a região norte do estado do Paraná, especialmente a área que se estende de Jataizinho (à época Jatahy), às margens do rio Tibagi, à divisa com os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul e com o Paraguai, na extremidade oeste do estado, delimitadas pelos rios Paranapanema e Paraná, era uma imensa área virgem de Mata Atlântica. O governo sabia da necessidade premente de ocupar esta área para garantir a extensão territorial do estado, mas isso exigiria tempo, estratégias de ocupação e, principal- mente, investimentos. Ou seja, na essência, por falta de recursos para investimento neste projeto, o norte do Pa- raná permaneceria desocupado. Esta realidade começou a mudar quando uma comissão de investidores do Reino Unido, denominada Missão Montagu, visitou o Brasil em busca de oportuni- dades de investimentos. O maior interesse dos compo- nentes dessa missão era o algodão, matéria prima essen- cial para movimentar a emergente indústria inglesa, neste momento trabalhando a todo vapor por conta da Revo- lução Industrial. Um de seus integrantes, Lord Lovat, vi- sitou o norte do Paraná (região hoje denominada como Norte Pioneiro) a convite de fazendeiros cafeicultores que estavam, por conta própria, construindo uma estrada de ferro entre Ourinhos (SP) e Cambará (PR), para ga- rantir o escoamento da safra até o porto de Santos (SP). Lovat ficou impressionado com o potencial pro- dutivo da região e começou a costurar um projeto que despertasse o interesse de investidores britânicos na re- gião. Seu projeto seria comprar uma larga extensão de terras na inóspita região norte do Paraná para plantar algodão e lotear a área para a venda de terrenos. Para viabilizar e explorar esse empreendimento, foi criada em 1925, em Londres, a Paraná Plantation Ltd. Na sequência imediata, os investidores britânicos entraram em contato com o governo do estado do Paraná, que respondeu com muito interesse à proposta de compra da área, pois isso significaria a resolução do problema de ocupação que o

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A história de sorte de Londrina com a fotografiaLa história de la suerte de la ciudad de Londrina con la Fotografía

PauloCésarBONI1

Resumo:EsteartigotratadahistóriadafotografiaemLondrina,cidadedonortedoestadodoParaná,edesuaimportância para a recuperação de dados históricos eparaapreservaçãodamemóriadacidade.Porumviésinédito,narradoismomentosdesortedeLondrinacomrelaçãoà fotografia.Oprimeirofoiodesuautilizaçãocomo estratégia de publicidade daCompanhia deTer-rasNortedoParaná,responsávelpeloempreendimentoimobiliárioquedeflagrouoprocessodecolonizaçãononortedoParaná;o segundo foioda imigraçãoestran-geira,poisos estrangeiros chegavamprofissionalmentecapacitados para o exercício de ofícios especializados,entreelesodafotografia.Estesdoislancesdesortepro-piciaramaproduçãodefartosregistrosfotográficosquedocumentamosprimórdiosdahistóriadeLondrina.

Palavras-chave:HistóriadeLondrina(PR).HistóriadafotografiaemLondrina.CompanhiadeTerrasNortedoParaná.FotografiaeMemória.

Resumen:Esteartículo tratade lahistóriade la foto-grafíaenLondrina,unaciudadubicadaenelNortedelaProvínciabrasileñadeParaná,ydesuimportanciaparalarecuperacióndedatoshistóricosyparalapreservaciónde lamemóriadel lugar.Pormediodeunamiradaori-ginal,eltextocuentadosmomentosdeLondrinaensurelaciónconlaFotografía.ElprimerofuesuusocomoestrategiapublicitariadelaCompanhiadeTerrasNortedoParaná,responsableporelproyectoquedesencadenóelprocesodecolonizacióndelNortedelaProvíncia.Elsegundoinstantefuelainmigraciónextranjera,jaquelosdeotrasnacionesllegavanbiencapacitadosprofesional-

1Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de SãoPaulo(USP).LíderdoGrupodePesquisaComunicação e História do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico(CNPq). Coordenador do Curso de Especialização em Fotografia:Práxis e Discurso Fotográfico da Universidade Estadual de Londrina(UEL).EditordarevistaDiscursos Fotográficos.E-mail:[email protected]

menteparaelejerciciodeoficiosespecializados,comolacapacidadde fotografarbien.Esosdoseventos fueronlabasedeunagranproducciónderegistrosfotográficosquedocumentanlahistoriadeliníciodeLondrina

Palabras clave:HistóriadeLondrina.HistóriadelaFo-tografía en Londrina. Companhia de TerrasNorte doParaná.Fotografiaymemória.

O início da colonização do norte do ParanáAtéasduasprimeirasdécadasdoSéculoXX,a

regiãonortedoestadodoParaná,especialmenteaáreaqueseestendedeJataizinho(àépocaJatahy),àsmargensdo rioTibagi, à divisa comos estadosde SãoPaulo eMatoGrossodoSulecomoParaguai,naextremidadeoestedoestado,delimitadaspelosriosParanapanemaeParaná,eraumaimensaáreavirgemdeMataAtlântica.Ogovernosabiadanecessidadeprementedeocuparestaáreapara garantir a extensão territorial do estado,masissoexigiriatempo,estratégiasdeocupaçãoe,principal-mente,investimentos.Ouseja,naessência,porfaltaderecursosparainvestimentonesteprojeto,onortedoPa-ranápermaneceriadesocupado.

Esta realidade começou amudar quando umacomissãodeinvestidoresdoReinoUnido,denominadaMissãoMontagu,visitouoBrasilembuscadeoportuni-dadesde investimentos.Omaior interessedoscompo-nentesdessamissãoeraoalgodão,matériaprimaessen-cialparamovimentaraemergenteindústriainglesa,nestemomentotrabalhandoatodovaporporcontadaRevo-luçãoIndustrial.Umdeseusintegrantes,LordLovat,vi-sitouonortedoParaná(regiãohojedenominadacomoNorte Pioneiro) a convite de fazendeiros cafeicultoresqueestavam,porcontaprópria,construindoumaestradadeferroentreOurinhos(SP)eCambará(PR),paraga-rantiroescoamentodasafraatéoportodeSantos(SP).

Lovatficouimpressionadocomopotencialpro-dutivodaregiãoecomeçouacosturarumprojetoquedespertasseointeressedeinvestidoresbritânicosnare-gião. Seuprojeto seria comprar uma larga extensãodeterras na inóspita região norte do Paraná para plantaralgodão e lotear a área para a venda de terrenos. Paraviabilizareexploraresseempreendimento,foicriadaem1925,emLondres,aParaná Plantation Ltd.Nasequênciaimediata,osinvestidoresbritânicosentraramemcontatocomogovernodoestadodoParaná,querespondeucommuitointeresseàpropostadecompradaárea,poisissosignificariaaresoluçãodoproblemadeocupaçãoqueo

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governovinhapostergandohá tempos, principalmenteemrazãodaconstruçãodaestradadeferroquecortarianosentidodelesteaoestearegiãonortedoestadodoParaná.Comasnegociaçõesadiantadas,paraatenderalegislaçãobrasileira,queproibia avendade terrasparaestrangeiros, foi criada emSãoPaulo aCompanhia deTerrasNortedoParaná, com99,86%docapital socialsubscritopelaParaná Plantation Ltd. e 0,14%de capitalnacional. Também para atender a legislação brasileira(Constituiçãode1891),apresidênciadaCTNPteriaqueserexercidaporumbrasileiro.Paratanto,foinomeadoAntônioMoraesBarros.Legislaçãocumprida,negóciosefetivados:

Emdoisanos(de1925a1927),aCTNPcomprou515.000alqueirespaulistasdeterras(cadaalqueirepaulistacorrespon-dea24.200m2)paradar inícioaopro-jeto de colonização. Localizadas entreos rios Paranapanema, Tibagi e Ivaí, amaior parte dessas terras – cerca de450.000 alqueires eram consideradosterras devolutas (desocupadas e desa-bitadas)–foiadquiridadiretamentedogovernodoestadodoParaná,apreçosrelativamentebaixos.Obaixovalordasterras se justificava pelo interesse dogovernoemocuparedesenvolveroes-tado.Para tanto, eranecessáriodesma-tar áreas nativas, transformando-as emprodutivas,para,comisso,atrair inves-timentos e desbravadores dispostos afincar raízes em áreas ainda inóspitas.Outrofatorquepesounanegociaçãofoiocompromissoqueacompradoraassu-miudeconstruiraestradadeferroquecortariatodaaregião,ligandoCambaráaGuaíra.(BONI,2004,p.32).

Negóciofechado,aCTNPdeuinício,em1929,aoprojetodecolonizaçãodaregiãonortedoestadodoParaná.Aprimeiraprovidênciafoienviarparalocalida-deumacaravana,maistardehistoricamentedenominadade “caravana dos desbravadores”, responsável por de-marcar as terras e começar a construir a infraestruturanecessáriaparaqueolocalpudessereceberseusprimei-roscompradoresdeterras.AcaravanaerachefiadaporGeorgeCraigSmith,brasileiro,filhodeingleses,àépocacom apenas 20 anos de idade, e trazia um engenheiro

agrimensor,orussoAlexandreRazgulaeff,eumauxiliardeagrimensura,SpartacoPrincipeBambi,brasileiro,fi-lhodeimigrantesitalianos.Apresençadosprofissionaisdaagrimensuraera imprescindível,poiseraprecisodarinícioaodemoradoeexaustivotrabalhodedemarcarasterrasadquiridas.Tambémcompunhamacaravanadoismateiros,AlbertoLoureiroeJoaquimBarbosa,emprei-teiros responsáveispelo iníciodaderrubadadamata epeloiníciodopreparodaterraocultivodelavouras.Porfim,umcozinheiro,ErwinFröhlich,eumauxiliardeser-viços,GeraldoPereiraMaia.

George Craig Smith, Alexandre Razgulaeff eSpartacoPrincipeBambipartiramdeOurinhos(SP)paraCambará(PR),dia20deagostode1929,emumcami-nhãoFordcarregadodeferramentas,arreios,utensíliosdomésticos emantimentos.EmCambará, conhecida àépocacomoa“bocadosertão”,acaravanafoireforçadapelostrabalhadoresbraçais(mateiros,cozinheiroeauxi-liardeserviços)eseguiu,novelhocaminhãoFord,atéJatahy(hojeJataizinho–PR),porumaestradadeterraque,detãoprecária,maispareciauma“picada”namata.Jataizinhoeraofimdalinha.DeláparaalocalidadeondecomeçavamasterrasdaCTNP(hojeLondrina),erapre-cisoatravessarorioTibagieseguiroscercade20quilô-metrosabrindopicadasafoiceefacãonamatafechadaque cobria a região.O transportede carga, apartirdeentão,passouaseremlombodecavaloseburros.Saíramde Jataizinho namadrugada de 21 de agosto de 1929.NofinaldomesmodiachegaramaolocalquebatizaramdeTrêsBocas,emrazãodastrêsnascentesdeáguaqueencontraram.

Descarregaramastralhas,amarraramosanimaise,imediatamente,começaramaabrirumapequenaclarei-ranamata,naqualconstruíramdoisranchosdepalmito,consideradosasprimeirashabitaçõesdeLondrina.Ge-orgeCraigSmithhaviatrazidoumacâmerafotográficaefezumatomadadaclareiracomosranchosdepalmito(Figura1).Estafotografiaéconsideradaumaespéciede“certidãodenascimento”deLondrina,poisfoiaprimei-ratomadanolocaldafuturacidade.

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Figura 1 –AprimeirafotografiadeLondrina

Fotografia:GeorgeCraigSmithFonte:AcervodoMuseuHistóricodeLondrinaPadreCarlosWeiss

Comachegadademaistrabalhadorescontrata-dos,aCTNPcomeçouacriarainfraestruturabásica,mí-nimanecessária,parareceberosinteressadosemcomprarterrasnaregião.Nestesentido,emumprimeiromomen-to,foiprecisoabrirumaestradadetransporterodoviá-rioentreJataizinhoeLondrina,com22quilômetrosdeextensão,parapossibilitar a chegadadoscompradores;construirumhotel,parahospedarealimentarosclienteseseusprópriosfuncionários(Figura2);econstruirumescritório,parageriroempreendimentoerealizarastran-saçõesimobiliárias.Emumsegundomomento,jácomavendade lotesemandamento,tantononúcleourbanoquantonazonarural,foiprecisodarprosseguimentoàsobrasdeinfraestruturae,principalmente,dotaronúcleourbanodealgunsserviços,comoabastecimentodeágua,transporteparadeslocamentos,fornecimentodeenergiaelétrica,estruturaçãodeserviçosdesaúdeeoutros.

Figura 2 –HotelCampestre,inauguradoemjaneirode1930

Fotografia:GeorgeCraigSmithFonte:AcervodoMuseuHistóricodeLondrinaPadreCarlosWeiss

Publicização da CTNP: o primeiro lance de sorte de Londrina com a fotografia

No inícioda colonização, fotograficamente fa-lando,Londrina– e,por extensão, toda a regiãonortedoestadodoParaná–teveseuprimeirolancedesorte.ACompanhiadeTerrasNortedoParanáprecisavapu-blicizarseuempreendimentonosestadosmaisdesenvol-vidosdopaísenoexteriorparaatrairinteressados.NoBrasil,elaqueriaatingirpotenciaiscompradoresdeterrasnosestadosdeSãoPaulo,RiodeJaneiro,MinasGeraiseBahia.Noexterior,notadamenteospaíseseuropeus.

Para publicizar o empreendimento, ela adotouafotografiacomoprincipalestratégiadeconvencimen-to.Ouseja,osagenciadores(vendedores)deterrasquecortavam o país oferecendo “oportunidades de bonsnegócios”nonortedoParaná levavamconsigoumál-bumcomfotografiasque“comprovavam”afertilidadedosolodaregiãoesuacapacidadederespostarápidaàslavouras,comaltíssimaprodutividade.Umadasprimei-rasfotografiasproduzidascomesteintuitofoiadeumafigueira branca, provavelmente centenária, cujo diâme-trodocauleeradetamanhadimensãoqueseriaprecisoumadezenadehomenscombraçosabertoseesticadosparaabraçá-la.Nesta fotografia (Figura3), tomadaporJoséJuliani,várioshomensempéousentadosnaparteexternadesuasraízesservemdereferênciaparaqueoleitortivesseumanoçãodamagnitudedaárvore.OutrafotografiabastanteutilizadanosálbunsdaCTNPfoiade umpioneiro, com indisfarçável ar de satisfação, se-gurandoduascabeçasderepolhodetamanhoacimadecabeçasde repolhonormais (Figura4). Imagenscomoestas, àépoca,eram“documentoscomprobatórios”dafertilidade do solo; eram um convite quase irrecusávelparainvestimentosnaregião.

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Figura 3 –Amagnitude da figueira branca atestava afertilidadedosolo...

Fotografia:JoséJulianiFonte:AcervodoMuseuHistóricodeLondrinaPadreCarlosWeiss

Figura 4 –....que,preparadoparaaslavouras,renderiaótimascolheitas

Fotografia:JoséJulianiFonte:AcervodoMuseuHistóricodeLondrinaPadreCarlosWeiss

Paraproduzir asprimeiras imagensde seusál-buns fotográficos, aCTNPcontratava fotógrafos,nor-malmentevindosdeSãoPaulo,paraaexecuçãodosser-viços.OprimeirodoscontratadosfoiTheodorPreising,fotógrafoalemão,queemigrouparaaArgentinaem1920,depoisdehavercombatidonaPrimeiraGuerraMundiale,em1923,trocouaArgentinapeloBrasil,tendosees-tabelecidocomofotógrafoevendedordeequipamentosfotográficosemSãoPaulo.Em1924começouaprodu-zir cartõespostaisdasprincipais cidadesbrasileiraseaqualidadeplásticadeseutrabalhochamouaatençãodosdiretoresdacolonizadora,queocontratouparaproduzirfotografias,“tipocartãopostal”,donortedoParaná.AsfotografiasdePreising,normalmenteretratandofamíliasinstaladasemsuasterras(Figura5)lavourasrecém-plan-

tadas e o resultado das primeiras colheitas (Figura 6),foramutilizadascomopeçaspublicitáriasparavenderaimagemdeumaregiãofértil,prósperae,principalmente,promissora. “A formação de lavouras acabou se trans-formandonograndenichopublicitário.Aterradaregiãoera,defato,muitofértileassimqueasprimeiraslavou-rascomeçaramaproduzir,aprodutividadeeaqualidadeencheramosolhosdossatisfeitosprodutores.”(BONI;SATO,2009,p.258).

Figura 5 – Famíliaemsuapropriedaderural,produzindocereais,frutaseverduras

Fotografia:TheodorPreisingFonte:AcervodoMuseuHistóricodeLondrinaPadreCarlosWeiss

Figura 6 –Resultadodacolheitademilho

Fotografia:TheodorPreisingFonte:AcervodoMuseuHistóricodeLondrinaPadreCarlosWeiss

Em suas visitas posteriores, Theodor Preisingfotografouaconstruçãodecasas residenciaisecomer-ciais,aaberturadeestradas,asbenfeitoriasemchácarasesítios,acriaçãodesuínosebovinose,sempre,osre-sultadosdecolheitas.Tudooquepudesserepresentaraspotencialidadesdaregiãoeserutilizadoparaacriaçãode umimagináriocoletivodepaz,segurançaeoportunida-

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desnonortedoParanáerafotografadoecriteriosamen-teutilizadocomoestratégiadepublicizaçãopelaCTNP,que,alémdaideiadeumnovoEldoradoedaoportuni-dadedeenriquecimentorápido,vendiasuaidoneidadeea segurança do empreendimento, totalmente desemba-raçadojudicialmente,como“garantia”debomnegócio.

OsvendedoressabiamqueaidéiadeumÉdenterrestreatrairia,afinaldecontas,compradores desejososde adquirir umfragmento do paraíso. [...] Sabiam osvendedores que, em um contexto davidanacionalpovoadodeconflitosso-bre questões de domínio, inclusive noParaná,agarantiadetítulosseguroseraumgrandeatrativoparapossíveiscom-pradores.(ARIASNETO,1998,p.29).

Garantia de segurança e a visãodoÉden.Eraexatamente isso que a CTNP queria passar para seuspotenciaiscompradores.Agarantia,pela idoneidadedaempresaepelosdocumentosemordemdoempreendi-mento;avisãodoÉden,pelasfotografiasproduzidases-pecificamenteparaestafinalidade.Ouseja,noprocessodedesbravamentoecolonizaçãodonortedoParaná,afotografia constituiu-se emumamídia de fundamentalimportância.

O segundo fotógrafo, contratado esporadica-mente,foioaustríacoHansKopp.Asinformaçõessobreesteimportantefotógrafoque,depoisdemuitaperegri-nação,radicou-seemRolândia(PR),ondefaleceueestáenterrado, eram poucas e, não raro, imprecisas. Entre2008e2009,CássiaMariaPopolin,entãoestudantedoMestradoemComunicaçãodaUniversidadeEstadualdeLondrina descobriu descendentes seus, que guardavamcaprichosamenteseusdocumentosepertencesfotográ-ficos(câmerasfotográficas, lentes,negativosdevidroeceluloseemuitasfotografiasimpressas).Apartirdeen-tão,ahistóriadeHansKoppeaimportânciadesuasfo-tografiasparaarecuperaçãohistóricadonortedoParanápassouaserrecontada,destafeitacomprecisão,exatidãodedetalhesedocumentaçãocomprobatória.Porém,asdatasdetomadadealgumasfotografiasaindacontinuamimprecisas.

A exemplo de Theodor Preising, Hans KopptambémhaviacombatidonaPrimeiraGuerraMundial,experiênciaqueimpulsionousuaemigraçãoparaoBra-sil,pois,duranteoconflito,alémdematar,passoupormuitas agruras e sofrimentos. Decidiu que não queria

issoparaseusfilhoseresolveuemigrarparaalgumpaísquenãoseenvolvesseemguerra.

Mas foi a Primeira Guerra Mundial(1914-1918)quemudouorumodesuahistória e marcou sua vida. Em 1917,foi convocado para participar da guer-ra.Comolança-chamas,viudepertoohorror:morte,destruiçãoefome.Comofimdaguerra,foi levadopresojuntocom outros soldados para um campodeconcentraçãona Itália.Enfrentouorigorosofrioeuropeueafome.Muitossoldados não resistiram e morreram.Todasasmanhãs,amesmacena:corposde soldados sendo recolhidos e enter-rados numa vala comum. (POPOLIN,2010,p.20).

HansKopp, alémde fotógrafo eramúsico,ouseja,suasensibilidadeeraduplamenteestimulada.Foiumgrandefotógrafodefamíliaecotidianoeumdocumenta-dor ímpardocrescimentodecidadesnorteparanaenses,especialmenteRolândia eLondrina,pelo fatodehaverintroduzidoo“registroaéreo”nadocumentaçãoicono-gráfica.Nãosetratavaespecificamentedefotografiaaé-rea,masdeumainovaçãosuapararegistrosaéreos.Elesubiaemárvoresparafazerastomadas.Pregavatábuasno caule para serviremde degraus, comouma escada.Noaltodaárvore,construíaumaplataformademadeiraparaapoiarotripéeacâmerafotográfica.Então,doalto,fazia seus “registros aéreos”. Foi uma inovação para aépoca.

Nãohámuitas fotografias suas disponíveis noMuseuHistóricodeLondrinaounoMuseuMunicipalde Rolândia. Infelizmente, boa parte de seus registrosforamentreguesaoscontratantesdeseusserviçoseseperderamcomotempo.OacervorecuperadoporCássiaPopolinrefere-semaisaoqueseconvencionouchamar“álbum de família”, riquíssimo, aliás.De suas imagensdeLondrina,provavelmenteasmaisreproduzidassejamduasvistaspanorâmicasdacidade,tomadasemmeadosdadécadade1930(Figuras7e8).Semconfirmaçãoofi-cial,tudolevaacrerqueessasduastomadastenhamsidofeitasdoaltodeárvores.

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Figura 7 –NúcleourbanodeLondrina,provavelmenteem1934

Fotografia:HansKoppFonte:AcervodoMuseuHistóricodeLondrinaPadreCarlosWeiss

Figura 8 – Vista panorâmica de Londrina, provavelmente

em 1935

Fotografia: Hans KoppFonte:AcervodoMuseuHistóricodeLondrinaPadreCarlosWeiss

Porém,semdúvida,omaisprodutivoeconhe-cido fotógrafo contratado pela CTNP para produzirimagensdecaráterdocumentalepublicitáriodoempre-endimentofoiJoséJuliani.VindodointeriordeSãoPau-lo,JulianichegouaLondrinaem11demarçode1933,entãocom37anosdeidade,casadoepaidecincofilhos.HaviaaprendidooofícioemNovaEuropa(SP),comumfotógrafoalemão,quelhevendeuoequipamentoaoseaposentardaprofissão.

JulianiveioparaLondrinaparatrabalharcomocarpinteiro,afinalacreditavaquehaveriamuitomaisde-mandaporconstruçãodecasasemumlugarqueestavacrescendo,queporfotografiaemumlugarondetodosestavam interessados em“fazer a vida” enão empre-servaramemória.Contudo,montouumestúdioemum

“puxadinho”emsuacasaeafixounaparedeexternaumletreiro:Photo Studio.Tãologohaviaafixadooletreiro,oacasocomeçouatrabalharaseufavor:

Em1933,oSr.ErnestRosemberg,en-genheiro da CTNP, precisava de umafotografiado saltodo ribeirãoCambe-zinho(nomeatual),queficanoParqueArthur Thomas (nome atual) para en-viar à Inglaterra.O escritório de Lon-drina havia solicitado a construção deumaturbinageradoradeenergiaelétricapara viabilizar, num primeiro momen-to,o fornecimentodeeletricidadeparao próprio escritório e as casas de seusdiretores.Os estudos para o empreen-dimento estavam sendo desenvolvidospelamatriz, emLondres, que solicitouumafotografiadosaltodoribeirãoparasaberdaviabilidade–ounão–dopro-jeto.(BONI,2004,p.253).

OfotógrafoquehaviasidocontratadoemSãoPauloparafazerestafotografianãocompareceunadatamarcadaeoengenheiroRosembergfoiavisadoporumauxiliarque,agora,haviaumfotógrafoemLondrina.Fo-ramaté a casade José Juliani epedirampara ele fazeroserviço.Elefoi,fezeagradou(Figura9).Apartirdeentão,aCTNPdeixoudebuscar fotógrafosemoutrascidadesepassouacontratarJulianiparasuas inúmerasdemandas.Nestecontexto,éinteressantenotaraimpor-tânciadeumafotografiaparaasoluçãodeumadúvida:LondrespediuumafotografiaparaavaliaraviabilidadeounãodeumprojetoemLondrina,dooutro ladodoOceanoAtlântico.

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Figura 9 –SaltodoribeirãoCambezinho,primeirotrabalhodeJulianiparaaCTNP,em1933

Fotografia:JoséJulianiFonte:AcervodoMuseuHistóricodeLondrinaPadreCarlosWeiss

Nesse momento, Londrina já era um eferves-cente núcleo urbano. No final de 1934 emancipou-secomo município e ganhou autonomia administrativa.Em decorrência dessa conquista política e econômica,váriasobrasdeinfraestrutura–partedecaráterpúblico,partede caráterprivado,pois a colonizadora ainda eraresponsávelporserviçosessenciaisfornecidosàcidade–foramcontratadaseisso,evidentemente,contribuiriademaneiraaindamaisdecisivaparaosucessodoempreen-dimentodaCTNP.Emoutraspalavras, seriaprudentedocumentartodaessaefervescênciaurbana,econômicae administrativa: inauguração de casas residenciais im-ponentes,decasascomerciais importantes,deagênciasbancárias,dehotéis,deserviçoscoletivos,daorganiza-çãodesegmentosdasociedade,devisitasdepolíticoseautoridadesdoestadoedopaís,enfimtudooquepu-desseserimageticamenteutilizadoparaaconstruçãodoimagináriocoletivoderegiãopróspera.

Assim,coubeaJoséJulianitransformar-se,porcontadosserviçosprestadosàCTNP,nomaiorfotógra-fo documentador das transformações urbanas e rurais

deLondrinaedonortedoParanáentreasdécadasde1930e1940,sejaocrescimentodonúcleourbano(Fi-gura10),ainstalaçãodenovasindústrias(Figura11)ouaorganizaçãopolíticadorecém-emancipadomunicípio(Figura12).

Figura 10 –VistapanorâmicadeLondrina,provavel-menteem1934

Fotografia:JoséJulianiFonte:AcervodoMuseuHistóricodeLondrinaPadreCarlosWeiss

Figura 11 –Sededeumanovamadeireira,comseus

veículosetrabalhadores,emLondrina

Fotografia:JoséJulianiFonte:AcervodoMuseuHistóricodeLondrinaPadreCarlosWeiss

Figura 12 –PossedoprefeitoWillieDavids,em20dejaneirode1936

Fotografia:JoséJulianiFonte:AcervodoMuseuHistóricodeLondrinaPadreCarlosWeiss

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OpioneirismodeGeorgeCraigSmithempro-duzirasprimeirasimagensdeumaregiãoaindainóspita–naqualseriaplantadaeedificadaamaisimportanteci-dadedonortedoParaná–,paradocumentaraocupaçãoe desbravamento do empreendimento da CompanhiadeTerrasNortedoParaná;acompetênciadeTheodorPreisingemproduzirasprimeirasfotografiasdecaráter“publicitário”doempreendimento–ousadoepioneiro–parapublicizá-lonoBrasilenomundo;asaventurasdeHansKoppemproduzirimagenspanorâmicas“aéreas” einéditas,doaltodeárvores,paradocumentarocresci-mentodascidadesnonorteparanaense;oprofissiona-lismodeJoséJulianiemdocumentarastransformaçõesurbanaseruraisdeLondrinaeregiãoparaaprovaçãodeprojetos,relatóriosdegestãoepublicidadeduasdécadasda história de Londrina foram de fundamental impor-tânciaparapreservaçãodamemóriadacidadeedonortedoParaná e caracterizamoprimeiro lancede sortedafotografiaemLondrina.

Avidaeobradessesfotógrafos–esuasimpor-tantescontribuiçõesparaapreservaçãodamemóriadonortedoParaná–têmsidocontinuamenterecuperadasgraçasaesforçosdesprendidospelaUniversidadeEsta-dualdeLondrina,seja,pormeiodedoisdeseusprogra-masdepós-graduação,oMestradoemComunicaçãoeoMestradoemHistóriaSocial,sejapormeiodedoisdeseusórgãossuplementares,oMuseuHistóricodeLon-drinaPadreCarlosWeisseoCentrodeDocumentaçãoePesquisaHistórica(CDPH).Enãosemjustacausa,poisjáémoedacorrenteque“ahistóriadeLondrina–tantoquantoahistóriadamaioriadosmunicípiosbrasileiros,notadamenteosfundadosapartirde1840–nãoseriatãoconsistentesemosimportantesdocumentosiconográfi-cosrepresentadospelafotografia”.(BONI,2008,p.108).

Muitas das imagens da SegundaGuerraMun-dial, hojedisponíveis, especialmente asdos camposdeconcentraçãoedoholocausto,foramobtidasporqueosalemãeseraminstruídosarelataraevolução(eatrocida-des)desuamáquinadeguerraparaprestarcontas,pormeio de relatóriosminuciosamente detalhados e farta-mentedocumentadosfotograficamente,desuasaçõesaoIIIReich,emBerlim.Adocumentaçãodaevoluçãodoempreendimento daCTNP, longe de ser comparada àdisciplina alemãdeprestaçãodecontasdodesenvolvi-mentodaguerra,tambémfoidefundamentalimportân-ciaparaqueimagensdosprimórdiosdaregiãonortedoestadodoParaná,especialmentedeLondrina,pudessem,hoje,estardisponíveisparaestudantes,professores,pes-quisadoresehistoriadores.

Imigração estrangeira: o segundo lance de sor-te de Londrina com a fotografia

Osegundo–e importante– lancedesortedeLondrinacomafotografiadeu-seemrazãodesuacolo-nizaçãopor imigrantes estrangeiros.ACTNP tambémpublicizavaseuempreendimentonaEuropa,ondeman-tinhaescritóriosderepresentaçãoemdiversascapitais.Apublicidadeatingiaváriospaíseseuropeus,notadamenteAlemanha, Áustria, Espanha, Itália e Portugal, algunspaísesdoLesteEuropeuedoOrienteMédioe,timida-mente,aÁsia.NaÁsia,poroutrascircunstâncias,aopor-tunidadedecompradeterraschamouaatençãodosja-poneses.Explica-se:osprimeiroscompradoresdeterrasnonortedoParanáforamosimigrantesjaponesesquejáresidiametrabalhavamnaslavourasdecafédoestadodeSãoPaulo.Suaseconomias,noentanto,nãoeramsufi-cientesparacomprarumlotedeterrasnoestadovizinho,onde,emrazãodoelevadoníveldedesenvolvimentoospreçoserammuitoaltos,maseram,sim,suficientesparacomprarumbompedaçodeterrasnestenovoempreen-dimento.Foramessesprimeiroscompradoresjaponesesos principais responsáveis pela divulgação do projetono Japão,pormeiodecorrespondênciascomparenteseamigos.

Nosprimeirosanosdesuacolonização,deinícioameadosdadécadade1930,onortedoParaná,recebeuimigrantesdemaisde20diferentesnacionalidades.Al-gunsfugiamdapobrezadeseuspaísesdeorigem,muitosfugiamdaperseguiçãoqueAdolf Hitlerhaviadesenca-deadocontraosjudeus,outrosfugiamdosconflitosqueestavamporestourar,comoaGuerraCivilEspanholaeaSegundaGuerraMundial.UmrelatóriodaCTNP,comosdadosdevendadelotesentre1930e1935demonstraopredomíniodapresençaestrangeiranacolonizaçãodaregião(Gráfico1).

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Gráfico 1–VendadelotesdeterraspelaCTNPde1930a1935

Demeadosdadécadade1930aofinaldadécadade 1940, em razão da eclosão de grandes conflitos naEuropa,inclusivecomoenvolvimentodaÁsia,porumlado,edapazeprosperidadequeoempreendimentobri-tânicorepresentavanonortedoParaná,poroutrolado,o número de imigrantes estrangeiros cresceumuito.ACTNP,sabendodavontadeoudanecessidadedeemi-grar,desenvolviaestratégiasparaatrairalemães,italianos,japonesesejudeusquedesejassemfugirdafome,perse-guiçõeseconflitoseseradicaremnonortedoParaná.

Comoaemigraçãodealemãeseracrescentedes-deaascensãodeHitleraopoder,em1933–eseacen-tuoucomo iníciodoconflitomundial–, aAlemanha,paraevitaroêxodo,proibiuasaídadopaíscomgrandessomas em dinheiro ou jóias. Isso, claro, provocou umarrefecimentonoprocessoemigratório.Porém,aCTNPencontrouumabrechanaleiproibitivaepassouaofere-cerpermutaaosalemãesdispostosavirparaonortedoParaná:elescomprariam–epagariam–naAlemanha,trilhos e parafusos que a colonizadora precisava paraconstruiraestradadeferroquecortariaonortedoPa-ranánosentidoleste-oeste.Ovalorqueosinteressadosgastassemnacompradessesprodutosseriatransforma-doemterrasnoempreendimento.ACTNPserespon-sabilizavapelaretiradaeotransportedessasmercadoriasdaAlemanha para Londrina.Assim, os alemães pode-riamemigrardaAlemanhacomopouquíssimodinheiroque a lei permitia que, ao chegarem a Londrina, rece-

beriamsuasterrascomosdocumentosdepropriedadedevidamenteregularizados.

Atéachegadadosestrangeiros,onortedoPa-ranávinhasendohabitadoporpessoaspouco letradas,umamaioriadeanalfabetoscontratadaparaostrabalhosbraçaisnocampo(derrubadadematasepreparodosoloparaoplantio lavouras)ounúcleourbano (construçãocivil)daslocalidadesquesurgiam.Nestesentido,oses-trangeirosrepresentaramumganhoeducacional,culturaleprofissionalparaaregião,poisvinhamdeseuspaísesde origem educacionalmente formados, culturalmentetalhadoseprofissionalmentequalificados.Nenhumaes-tranheza,portanto,emsaberqueasduasprimeirasesco-lasconstruídasemLondrinaforamasdascolôniasalemãeajaponesa.

Como os estrangeiros chegavam profissional-mente qualificados, coube a eles o exercício de deter-minados ofícios hoje conhecidos como prestação deserviços.Entreeles,paraa sortedamemóriaedahis-tóriadeLondrinaeregião,oofíciodefotógrafo.Váriosfotógrafos estrangeiros se estabeleceram profissional-mente emLondrina e cidades vizinhas, principalmentealemãese japoneses,entreelesCarlosStender(alemão,estabelecido emLondrina, comoFotoEstrela), Sueji-roYasunaka (japonês, estabelecidoemLondrina, suce-deuCarlos Stender no FotoEstrela),Antonio José deMello(espanhol,estabelecidoemLondrina,comoFotoMello),MinesoMatsuo(japonês,estabelecidoemLon-drina,comoFotoNippon),HaruoOhara(japonês,fo-tógrafoamador,cujoacervo,hoje,éadministradopeloInstitutoMoreiraSalles),ArthurAdolphoEidam(filhode imigrantes alemães, estabelecidoemCambé, comoFoto Arthur), Hans Kopp (austríaco, estabelecido emRolândia,comoFotoElegância)eoutrosqueestãosen-dopesquisadosparaaproduçãodeumlivro,cujotítuloseráFotógrafos pioneiros.

O fato de haver fotógrafos estabelecidos emum lugar onde a prioridade era “vencer”ou, nomíni-mo, “sobreviver” economicamente, foi imprescindívelparagarantirosregistrosdefamília,doseventossociais(principalmentefestasreligiosasepopulares,casamentoseformaturas),docotidianoedodesenvolvimentodaci-dade(construções,reformas,ampliações,inaugurações).Mesmoproduzidosemessaintenção,edecarátermaisindividualquecoletivo,osregistrosfotográficosdospri-meirosanosdonortedoParanásão,hoje,desumaim-portânciaparaarecuperaçãodedadoshistóricosepre-servaçãodamemóriadaregião.“AhistóriadeLondrina–tantoquantoahistóriadamaioriadosmunicípiosbra-sileiros,notadamenteosfundadosapartirde8140–não

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seria tão consistente sem os importantes documentosiconográficos representados pela fotografia.” (BONI,2008,p.107).

Esse segundo lancedesortedeLondrinacomrelaçãoàfotografia–ofatodetambémhaversidocolo-nizadaporimigrantesestrangeiros–ganharelevânciasecompararmosariquezaimagéticadoiníciodesuacolo-nização(décadade1930)comapobrezadocumentaldemunicípiosmaisrecentes,quandoasfacilidadesdefoto-grafarerammuitomaioreseoscustosmuitomenores.AlgunsmunicípiosdonortedoestadodeMatoGrosso,comoSinop,AltaFlorestaeSorriso,porexemplo,cercade 40 anosmais novos que Londrina, possuemmuitomenos documentos iconográficos de seus primórdios.Omotivo?Ésimples.Elesnãoforamcolonizadoscomobjetivos de fixação de residência pelos compradoresdeterras,massimabertoscomoexpansãodasfrontei-rasagrícolasparaexploraçãocomercial.Osinvestidoreschegavam,tomavampossedasterras,desmatavam,pre-paravamosolo,plantavam,colhiam,vendiam,lucravam,plantavamnovamenteeassimsucessivamente.Nãoha-viapreocupaçãoemgerarregistrosparaapreservaçãodamemória.A prioridade era lucrar. Sinop, por exemplo,éasigladeSociedadeImobiliáriaNortedoParaná,ouseja,iniciativadeumgrupodeagricultoresparanaensesinteressadosemexpandirsuasfronteirasagrícolas.

Considerações finaisLondrina,nonortedoestadodoParaná,como

tantasoutrascidades,utilizaafotografiapararecuperardadoshistóricos,preservaramemóriaedemocratizarosconhecimentos sobre suahistória.Noentanto, emseuprocessodecolonização,Londrinapassouporduaspe-culiaridadesquepodemserconsideradascomolancesdesortedacidadecomrelaçãoàfotografia.

OprimeirolancedesortefoianecessidadedeaCompanhiadeTerrasNortedoParanápublicizaroem-preendimento imobiliário quedeflagrouoprocessodecolonizaçãononortedoParaná,paraatrairinvestidorespara uma região ainda inóspita.Para tanto, usou farta-menteamídiafotografiacomoestratégiadepublicidade.Nestesentido,eparaeste intuito,contratoufotógrafosparaaproduçãodefotografiasque“vendessem”aserie-dadedoempreendimento,asensaçãodesegurançaparaoinvestidor(poistodososdocumentosestavamjudicial-mentedesembaraçados) e,principalmente, a fertilidadedosoloesuaprontarespostaaoplantiodelavouras,comaltíssimaprodutividade.Daproduçãodefotografias,emumprimeiromomento,comfinalidadepublicitária,res-

taram centenas de registros que documentam todas asetapasdosprimórdiosdeLondrina.

Osegundolancedesortefoiavindadeimigran-tesestrangeirosnoiníciodeseuprocessodecolonização.Normalmentefugindodapobreza,perseguiçõesétnicasoureligiosas,oudeconflitosemseuspaísesdeorigem,essesimigranteschegavamcomqualificaçãoprofissionalpara o exercício de ofícios específicos, entre eles o dafotografia.Graças a eles, serviços fotográficos sempreforamumaconstanteemLondrina.Mesmoconsideran-doasespecificidadesdasdemandas,maisindividuaisquecoletivas, eles produziram registros familiares e sociaisimportantíssimosparaarecuperaçãodamemóriaecons-truçãodahistóriadacidadeeregião.

Essesdois lancesde sorte, portanto, contribu-íramdecisivamenteparaaproduçãodefartadocumen-taçãodoiníciodacolonizaçãodeLondrinaedeoutrascidadesdonortedoestadodoParaná.Muitosdessesdo-cumentosimagéticosestãodisponíveisparapesquisaeminstituiçõespúblicas,principalmenteoMuseuHistóricodeLondrinaPadreCarlosWeiss.Outrostantosestãoemprocessodehigienização,catalogaçãoedigitalizaçãopelomuseueposteriormentetambémserãodisponibilizados.Afotografiatemsidoumamídiafundamentalparapes-quisadores somarem conhecimentos no processo deconstruçãohistóricadacidadedeLondrinaedaregiãonortedoestadodoParaná.

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Recebido:13/04/2013Aprovado:02/05/2013