a historiografia da revolução francesa - perspectiva de uma polêmica sem fim

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A HISTORIOGRAFIA DA REVOLUÇÃO FRANCESA - PERSPECTIVA DE UMA POLgMICA SEM FIM Francisco José Calazans Falcon PRÓLOGO A Jaistoriosrafia. entendida como conjunto, tanto das atividades voltadas para a produção do conhecimento histórico, quanto dos seus resultados - os textos c-, 1140 se dissocie das condições que, em cada tempo/lugar preciso', presidem ao trabalho historiogrMico. Desse modo, a historiografia é também hist6rica, pois, na sua produção interagem fatores gerais e especfficos os mais diversos; se os primeiros são os condi- cionante. históricos mais evidentes, o. segundo. vêm a ser as concepções teóricas e metodológicas que defínern e orientam o trabalho historiador, sejam ou D40conscien- tes, tanto em relação ao recorte do seu objeto quanto ao método da sua investigação. Enquanto expressões epocais de uma cultura e da respectiva sociedade, tais fatores se articulam na produção do respectivo paradigrua hístoríogrãfíco, iDclulda uma certa idéia de história. A historiografia é a expressão, a nível do trabalho historiador, desse COD- junto de condicionamentos sociais e individuais que lhe dão existência concreta e con- ferem à história da história suas especificidades propriamente "históricas". Dada a cir- constância de assumir o produto do trabalho-historiador, na imensa maioria dos.cases, uma forma textual, seria válido também afirmar que ele resulta, principalmente, da di- nâmica da interação textual, smcrõnica e diacrônica, em função'da qual se delimita o campo das possibilidades reais da historiografia num dado momento da sua história Deduz-se, portanto, que a premissa básica do estudo historiográfico que vise um mfuimo de rigor metodológico é a de sempre abordar a historiograflll "sob spe- cie temporis" ainda que em o fazendo possa incorrer nas criticas daqueles que insístem em abordá-la "sub specíe aetemitatis." (I) "l come to bury Caesar, not to praise him" (W. Shakespeare> "Iuüus Caesar' Anál•• Conl., B.lo Horizonte. y.4 • n,Os 2 • 3 _ Molo/Dezembro/1989 265

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A HISTORIOGRAFIA DA REVOLUÇÃO FRANCESA ­

PERSPECTIVA DE UMA POLgMICA SEM FIM

Francisco José Calazans Falcon

PRÓLOGO

A Jaistoriosrafia. entendida como conjunto, tanto das atividades voltadaspara a produção do conhecimento histórico, quanto dos seus resultados - os textos c-,1140 se dissocie das condições que, em cada tempo/lugar preciso', presidem ao trabalhohistoriogrMico. Desse modo, a historiografia é também hist6rica, pois, na sua produçãointeragem fatores gerais e especfficos os mais diversos; se os primeiros são os condi­cionante. históricos mais evidentes, o. segundo. vêm a ser as concepções teóricas emetodológicas que defínern e orientam o trabalho historiador, sejam ou D40conscien­tes, tanto em relação ao recorte do seu objeto quanto ao método da sua investigação.Enquanto expressões epocais de uma cultura e da respectiva sociedade, tais fatores searticulam na produção do respectivo paradigrua hístoríogrãfíco, aí iDclulda uma certaidéia de história.

A historiografia é a expressão, a nível do trabalho historiador, desse COD­

junto de condicionamentos sociais e individuais que lhe dão existência concreta e con­ferem à história da história suas especificidades propriamente "históricas". Dada a cir­constância de assumir o produto do trabalho-historiador, na imensa maioria dos.cases,uma forma textual, seriaválido também afirmar que ele resulta, principalmente, da di­nâmica da interação textual, smcrõnica e diacrônica, em função' da qual se delimita ocampo das possibilidades reais da historiografia num dado momento da sua história

Deduz-se, portanto, que a premissa básica do estudo historiográfico queviseum mfuimo de rigor metodológico é a desempre abordar a historiograflll "sob spe­cie temporis" ainda que em o fazendo possa incorrer nas criticas daqueles que insístemem abordá-la "sub specíe aetemitatis." (I)

"l come to bury Caesar, not to praise him"(W.Shakespeare> "Iuüus Caesar'

Anál•• Conl., B.lo Horizonte. y.4 • n,Os 2 • 3 _ Molo/Dezembro/1989 265

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INTRODUÇÃO - BALANÇOS E COMEMORAÇÕES

Nossas considerações sobre a historiografia em seu sentido geral apli­cam-se também. evidentemente, às historiografias particulares, ou seja, àquelas que sedefinem a partir de determinados recortes temáticos ou cronológicos, tal como é exa­lamente o caso da "Revolução Francesa de 1789". Apesar da enorme riqueza textual eda complexidade desta historiografia, não nos parece válido supor que ela deva consti­tuir uma exceção à regra, pois a ela também se aplica a afirmação de J. Bouvier: "A es­crita da história é Iilha de seu tempo, não há historiadores inocentes",

Convém todavia assinalarmos desde o início que, em relação'a historiogra­fia da Revolução Francesa. existe um aspecto que lhe é específico ou, pelo menos, in­comum: é a conotaçlo poUtico-idco16gica que a envolve desde seus começos. Essaconotação constitui umaespécie de cargaexplosiva que dificultasempre.em escala ím­possfvel de avaliar-se, a análise historiográfica propriamente dita, até tal ponto ela pa­rece "colada" a essa historiografia. Apenas para que se tenha uma idéia, bastaria com­pará-la, por exemplo, à historiografia da Revolução Inglesa na qual, nem de leve,acharemos algo que se compare à historiografia da Revolução Francesa em matéria deconotações político-ideológicas.

Desde 1789, praticamente, cada período da história francesa mirou-se nogrande espelho da "Revolução" e nele contemplou, ou imaginou contemplar, as ima­gens contraditórias do sonho ou do pesadelo mais identificadas com alguns dos seuspróprios desejos e afeições, ou com seus temores e ódios. Desse modo, os diversos"presentes" produziram idéias e construíram visões relativas à "Revolução" que sãomuito mais fIéis a eles mesmos do que à Revolução propriamente dita. Assim, o per­correr essa historiografia poderá ser uma forma de tentar-se conhecer a Revolução,mas será. certamente um meio muito mais eficaz paraconhecermoscada umadas épo­cas em que se escreveu a históriada Revolução.

OS BALANÇOS HISTORIOGRÁFICOS

As inúmeras hist6rias geraisou parciais da Revolução Francesa, os levan­tamentos das suas fontes documentais e bibliográficas, levaram, em diferentes épocas, atentativas de balanços histórico-críticos capazes de orientarem o trabalho do historia­dor a partir de uma visualização mais ou menos abrangente do esforço já realizado: Énesse sentido que se pode perfeitamente distinguir, pelo menos, três momentos princi­pais da realização de tais balanços:

l~ - No rmal do Kc. XIX e infciOB do aluai. registra-se a produçãode diversos trabalhos historiográficos e bibliográficos-documentais de grande impor­tância,dentre os quais podemos citar os elaborados por Gabriel Monod, Alphonse Au­lard e Lord Acton, em 1910, e o de Paul Caron, em 1912. Pertencem também a esta é­poca as publicações sistemáticas de documentos da Revolução, onde se destaca o tra­balho infatigável de A. Aulard, tanto à frente da "Comíssão de História Econômica daRevolução" (criada em 1903, por iniciativa de Jean Jaurês), quanto da Comissão es­pecffica para a Revolução, que foi criada no âmbito da Seção de História Moderna eContemporânea do "Comité de Trabalhos Históricos".(2)

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2" - No período situado entre as dnas guerras mundiais. sobretudona década de 1930, intensificaram-se os estudos historiográficos e os levantamentosdocumentais relativos à Revolução, com a participação de Georges Lefebvre, Pb. Sag­nac e Louis Villat, além de vários outros historiadores. Contando com forte apoio ins­titucional, 08 especialistas puderam editar importantes volumes de documentos revolu­cionários, cabendo ainda lembrar que foi no ano de 1937 que G. Lefebvre fundou o"Instituto de História da Revolução", na Sorbonne. Contrastando com a tónica damaioria das avaliações dessa época, Daniel Halevy publicou, em 1939, a controvertida"Histoire d'une Histoire" .(3)

3" - No período posterior ao t6rmino da Segunda Guerra Mun­dial. reativou-se muito o trabalho institucional voltado para a publicação de noVOS do­cumentos revolucionários, paralelamente à- retomada dos estudos sobre a historiografiada Revolução. Surgiram, então, estudos e avaliações historiográficas com perspectivasdiferentes e instigantes, como as de G. Lefebvre, Alfred Cobban, S. Mellon, PiterGeyl, J. MacManoers, apenas para mencionar os principais. Jacques Godechot, em1963, e Alice Gérard, em 1967, publicaram, embora com características e objetivosbem distintos, estudos historiográficos atualizados da Revolução.(4)

Quanto ao panorama atnal do debate historiográfico sobre a RevoluçãoFrancesa, pode-se destacar o livro excelente de Jacques Solé - "A Revolução emQuestões", e o crítico e bastante polêmico "Dicionário Crítico da Revolução France­sa", de François Furet e M. Ozouf. Constata-se nesses trabalhos a tendência atuaI defazer O balanço e analisar a produção historiográfica em conexão com problemas es­pecíficos da historiografia da Revolução, ficando em segundo plano as chamadas hís­t6rias gerais ou interpretações globais.

AS COMEMORAÇÕES DA REVOLUÇÃO

No ano do bicentenário da Revolução Francesa parecem acirrar-se as po­sições antagônicas acerca do grande evento, fenômeno que apenas reproduz outrosmais ou menos semelhantes ocorridos por ocasião de comemorações idênticas. Nova­mente nos deparamos com o conflito aberto entre os partidários da comemoração eseus adversários, inclinados a lançar um verdadeiro anátema sobre a história da Revo­lução. Entre esses dois grupos, o historiador, desejoso de apenas conhecer a Revolução,parece perdido na "terra de ninguém" e fica a indagar consigo mesmo porque nãoes­colheu o Renascimento, a Revolução Industrial ou outro tema "mais ameno" para ob­jeto de seus estudos.

No entanto, nem a comemoração, nem a contra-comemoração são pro­priamente novas. Cada "aniversário da Revolução" contou também com uma espéciede "contra-aniversário", senão, vejamos:

a) Em 1839, Cinquentenúio da Revolução, a disputa se deu em torno da questãode se saber qual teria sido de fato a "verdadeira Revolução" - a de 1789 ou a de 1793?Para os liberais moderados, como Thiers, Guizct, Thíerry, etc., a verdadeira havia sidoa de 1789. "autenticamente popular e necessária"; para os radicais, como Raspai],Marrast e Cavaígnac, e os socialistas, como Buchez e Lapponeraye, a Revolução ver­dadeira teria sido a de 1793, por haver tentado realmente "realizar a igualdade"; daftambém o culto devotado a Robespierre e à visão da Revolução como promessa a con­cretizar-se ainda no futuro.

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Simultaneamente, foi nessa mesma ocasião que a "lenda bonapartista"atingiu o apogeu, pois, em 1840, com o retomo das cinzas de Napoleão I, entusiasma­ram-se todos aqueles que ainda ansiavam pelo retomo do bonapartismo. Segundo A.Gérard, a "lenda revolucionária", crescida à sombra da lenda bonapartista, será a her­deira do conteúdo messiânico desta última, além de «tomar sobre si todas as febres doromantismo numa década de intensa fermentação". A grande data - 1789 - viu-se co­locada então no meio de um intenso fogo cruzado: da burguesia que, na fala de Guizot,considerava a Revolução já terminada - houve Revolução sim, foi grandiosa, roas nãohá mais; reação monarquista, sobretudo legitimista, que não podendo riscá-la, esforça­va-se por denegri-la; dos segmentos sociais pequeno-burgueses e proletários que acultuam na convicção de serem seus herdeiros e como tais predestinados a recomeçá-lae conclui-Ia efetivamente.tô)

b) Em 1889, Centenmo da Revolução. a polarização de forças a favor e contra acomemoração assumiu feições mais definidas. Finalmente vitoriosa, a República (Ter­ceira) empenha.seem comemorar o triunfo definitivo dos ideais de 1789. Comemoran­do a Revolução e transformando-a em objeto de autêntico "culto nacional", a Repúbli­ca comemora e cultua a si mesma. Não foi portanto por acaso que, em 1886, foi criadoum curso de História da Revolução, na Sorbonne, transformado em cátedra, em 1891,cujo ocupante, até a sua morte, em 1928, foi Alphonse Aulard, que exerceria durantetodo esse tempo uma verdadeira liderança sobre o ensino e a pesquisa da "sua Revolu­ção". Em oposição a tudo isso manifestaram-se os monarquistas, os legitimistas emparticular, os católicos em geral, duplamente irritados: com a comemoração em si ecom a liderança que a esquerda radical assumiu nos festejos. Daí promoverem os des­contentes diversas manifestações que sublinham o caráter sanguinário e violento do"Terror" e o ateísmo de "Robespierre e seus sequazes",(6)

c) Em 1939, momento do Sesquicentenmo da Revolnção. admiradores e de­tratores do evento voltam a enfrentar-se em meio ao clima sombrio que reinava entãona Europa (Depressão, Nazi-Fascismo, etc.). Enquanto a maior parte da burguesiafrancesa se retraía, dividida entre o "perigo vermelho" e as suas próprias hesitações emrelação ao nazi-fascismo, deixando à "esquerda" a tarefa de apresentar-se como her­deira do jacobinísmo, os setores mais conservadores, ou "reacionários", criticam e de­nunciam a comemoração como manobra dos "comunistas" e "ateus". Profundamentedivididos, os franceses manifestam-se contraditoriamente em relação ao acontecimentofundador por excelência da "Nação" - a Revolução de 1789. Às vésperas do segundoconflito mundial, em meio às festividades oficiais, essa divisão adquire uma significaçãofundamental.

Mesmo assim, convém lembrar que houve durante a década de 1930 umesforço continuado e crescente voltado para as pesquisas e estudos revolucionários,afirmando-se já a partir dai a liderança de G. Lefebvre.(7)

I - DIVISÃO DO TRABALHO

Diante da riqueza e variedade dessa historiografia, inúmeras são nossas li­mitações. Juigamos importante oferecer ao leitor uma visão global da história dessahistória mas precisamos nos precaver para os limites naturais de um trabalho como es­te. Dai havermos preferido sintetizar as grandes linhas que marcam o desenvolvimento

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do assunto, sem jamaisesquecermos nossa inserção nesse presente que é o nosso, aquieagora, lugar onde o debate historiográfico ainda continua, como sempre, envolto porconotações políticas e ideológicas.

Não nos parece fácil, no entanto, definir o nosso próprio caminho. De­ver/amos, por exemplo, optar por uma das tendências atualmente existentes e olimpi­camente ignorarmos a existência de outra ou outras tendências? Quem sabe então. senão seria preferível fazer como tantos outros. ou seja, desqualificar, logo de saída, aposição contrária, acusando-a de errada, mentirosa. "ideológica", já que, com todacerteza, nossa posição é a única certa, verdadeira e "científica"?

Entretanto, do nosso ponto de vista tais alternativas são igualmente equi­vocadas. Julgamos que a atitude mais adequada é a de tentarmos estabelecer certosmarcos ou indicadores que permitam uma compreensão mais objetiva da historiografiarevolucionária, isto é, precisamos contextualizar-lhe os debates a fim de distinguirmoso circunstancial do permanente para construir um espaço de discussão racional capazde viabilizar uma reflexão científica sobre o próprio debate em curso.

As dificuldades inerentes a uma tal proposta são inúmeras, bemo sabemos.Contra sua concretização conspiram dois tipos de fatores: a riqueza e densidade daprodução historiográfica sobre a Revolução; o teor emocional, não raro permeado poridiossincrasias pessoais, que perpassa todo o debate historiográfico da Revolução epermanece vivo ainda hoje. Os fatores do primeiro tipo irão impor limites físices aonosso trabalho. Já os fatores do segundo tipo nOS fazem duvidar da possibilidade mes­ma da discussão objetiva de um tema tão carregado de preconceitos político-parti­dários. ideológicos e personalistas. Não estaremos forçados "a priori", dada a naturezado debate, a nele assumirmos, uma posição predeterminada antes mesmo de começar­mos a tentar analisã-Io? Se estivéssemos certos que assim é, nosso trabalho seria inútil.

o desenvolvimento deste texto focalizará então em duas partes a historio­grafia da Revolução sintetizando-se, na primeira, a parte mais longa e quantitativa­mente mais rica, e, na segunda, a parte relativamente mais recente: A - Principais fasesda historiografia revolucionária das origens a 1945; B - A historiografia revolucionáriaposterior a 1945 e as novas características dapolêmica,

II - DIMENSÕES DA POLÍ!MICA

o retorno periódico da Revolução Francesa ao altar da consagração nacio­nal. ou ao banco dos réus, pode constituir-se em motivo de curiosidade ou de simplesespanto. Para o historiador, no entanto. é sobretudo um sério obstáculo ao avanço doconhecimento e da reflexão crítica: como ficar imune aos admiradores e aos adver­sãrios da Revolução?

Para os cultuadores da Revolução, 1789 identifica-se com a comemoraçãode uma herança,que é necessário reafirmar e revivenciar como um autêntico mito fun­dador. Para os inimigos da Revolução, essa comemoração não passa de inominável be­resia ao perpetuar a lembrança de um absurdo que conviria esquecer.

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Não devemos então nos admirar se, na opinião de diversos historiadores, aRevolução permaneceu sempre, ao longo de dois séculos, como uma espécie de questãonão resolvida, quer política quer ideologicamente, pelos franceses.

Daí certamente deriva que as comemorações revolucionárias tenham sido econtinuem a ser momentos de clímax de todos os antagonismos acumulados e cristali­zados a partir da própria Revolução de 1789.

Lutas partidárias e preconceitos herdados estão presentes, desde o início.nessa historiografia, tanto nas suas interpretações de cunho mais ou menos jornalístico,quanto nas amplas conclusões das histõrías gerais do evento. Pouco importa. no caso, aexistência de uma significativa massa de pesquisas realizadas, de estudos sérios sobreeste ou aquele aspecto, pois o trabalho acadêmico pouco conseguiu realizar diante daschamadas "Interpretações de conjunto".

Parece que não há um meio termo possível entre o culto e a rejeição. Cui­tuar, revigorando periodicamente o mito fundador, é afirmar a perenidade: a Revolu­ção é; comemorar, fortalecendo a identidade do presente com as origens primordiaisdesse mesmo presente, significa mais uma vez proclamar as verdades emblemáticas ­Liberdade, Igualdade, Fraternidade - que ligam o presente ao passado e projetam-se nofuturo, enquanto promessa que a lógica da história assegura a realização.

Mas há a também a outra face da comemoração. Para os que rejeitarame rejeitam a Revolução, o seu culto se converte em acinte e deve ser denunciado comoengodo; a comemoração precisa ser exorcizada e condenada enquanto tal,pois mantémartificialmente vivo o fantasma de ummito que se converteu na pesadelo cuja Jembran­ça apenas serve para dividir a nação. Seria melhor esquecer de vez a Revolução, parabenefício de todos, em vez de assegurar uma sobrevivência artificial através de panto­mimas periódicas chamadas de "comemorações".

Nas linhas precedentes, procuramos esboçar um desenho talvez algo iróni­co do forte conteúdo emocional 'que sempre acompanhou as interpretações da Revolu­ção Francesa de 1789. destacando. inclusive. os momentos de maximização de tal con~

teúdo - as comemorações. Situada entre os que admiram e os que detestam. entre oscultuadores festivos e os inimigos "enragés" a tarefa do historiador da historiografianão é com certezadas mais fáceis.

Segundo MacManners, a Revolução teve, historicamente. três tendênciasinterpretativas básicas: direitista, republicana e socialista. A visão direitiJta varia en­tre o elogio de Luís XVI, os emigrados, Napoleão, ou até mesmo o Comitê de SalvaçãoPública. Entre os republicanos, o "Terror" ora é visto como a desgraça de seus pró­prios ideais, ora como uma necessidade. Jáos socialistas oscilam entre Robespierre eHébert e vacilam entre a simpatia e o ódio em relação à burguesia. Tais escolhas nãosão apenas políticas e, ainda que o fossem. haveria casos em que se poderia apontar adivergência entre a lógica e o sentimento no seio da mesma filiação política. No caso da

Yioleocia e da sua legitimação, por exemplo, as predisposições psicológicas pesamtanto ou mais que as opções político-partidárias: por outro lado, o patriotismo atuaem muitas ocasiões como agente unificador, em oposição ou divisionismo político.(8)

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Ao contrário de Alice Gérard, que nos deixa supor a possibilidade dedistinguir entre os "fatos" e as interpretações, MacManners alerta-nosparao perigo deimaginannos que exista uma espécie de "terra de ninguém" do "fato", uma vez que asopiniões pessoais mais sedimentadas de um historiador não constituem apenas umaes­pécie de "viés" a ser devidamente descontado. Não raro, esse viés representa a basefundamental da originalidade da visão do historiador.

o maior problema, no entanto, é que a questão transcende o nível do de­bate acadêmico, pois há muito mais coisas em jogo. São visões de mundo distintas quese defrontam, são posições politicas conflitantes, são ideologias irreconciliáveis. Emsuma, trata-se de formas de ser e de pensar irredutíveis na sua essência. A polêmicaabrange, ao menos num certo sentido, toda a história contemporânea e não apenas ahistória francesa. Os que se situam historicamente "a favor" da Revolução, ainda quepossam cultivar divergéncias interpretativas ou explicativas, ou até ênfases distintasa respeito dos vários momentos do processo revolucionário, caracterizam-se pela ade­são à ideologia do progresso e à uníversalidade da "Declaração dos Direitos do Homeme do Cidadão", de 1789. Socialmente, suas fileiras abrangem os segmentos da burgue­sia liberal e republicana, fortemente anti-clerical, bem como os socialistas em geral. Éverdade que, aos poucos, estes últimos foram se tornando mais reticentes, produzindo­se variados tipos de divergências entre eles e os republicanos com relação a avaliaçõeshistóricas sobre os heróis, as etapas e a natureza da Revolução de 1789. No séculoatual, essa tendência acentou-se, concentrando-se as discrepâncias em torno do pro­blema do destino da Revolução: para a burguesia a Revolução aparece como uma reali­zação típica do passado, uma conquista que deve ser preservada; para os socialistas, aRevolução burguesa foi apenas a etapa necessária ao advento de uma outra Revolução.Portanto, entre a visão cristalizada e acabada que eterniza uma revolução sempre iguala si mesma, e a visão prospectiva e teleológica que afirma a revolução como um vir aser permanente, o ccmpromísso tende a ser progressivamente mais dificil.

Mas, apesar de tais divergências internas, os defensores da Revoluçãopossuíram sempre algo em comum - o caráter "progressisfa" das suas posições. Para onosso argumento, eles podem ser pensados como um verdadeiro bloco historiográfico epolitico. Afinal, eles se pensam como "progressistas" e também são pensados por seusadversários como integrantes de um todo homogéneo e consistente - os membros dehistOriografia ude esquerdan.

Contrapondo-se a esse "bloco", nadando contra a corrente da História,segundo seus adversários, situam-se todos aqueles que formam a longa tradição que,durante o século XIX e o aluai, afirmou incessantemente que a Revolução teria sidoum grande e lamentável erro, talvez o equívoco maior da modernidade. Socialmente,seus integrantes foram. a princípio, os aristocratas emigrados e os setores clericais, es­pecialmente os "padres refratãríos"; aos poucos vamos ter os legitimistas e os cat6licosem geral, ferrenhos defensores do "trono e do altar", integrando a corrente contra-re­volucionária; a partir da segunda metade do oitocentos, as fileiras dos adversários daRevolução foram engrossadas pela adesão dos burgueses partidários da "ordem" desi­ludidos com o liberalismo, OU preocupados com o socialismo. Temos aí uma das conse­quências do desenvolvimento do conservadorismo, ou até de um certo reacionarismo,entre segmentos sociais burgueses desencantados com a substituição da mitologia do"Terceiro Estado" pela realidade do "Quarto Estado", reveladora de uma luta de clas­ses não mais no passado mas no presente e no futuro.

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A estas correntes mais antigas. <éticas ou reticentes quanto à realidade daRevolução, vieram agregar-se aos poucos, desde os começos do nosso século, os gru­pos e os intelectuais burgueses preocupados ou insatisfeitos com as implicações damassificação social, da radicalização da luta de classes e dos "avanços" do materialismoe do ateísmo. Tal estado de espírito se fez acompanhar, com uma certa frequência, deverdadeiras "dúvidas existenciais", que se traduziram em críticas aos valores habitual­rrente associados ã ciência e ao progresso. Na França, desde fins do sec. XIX, a partirII) "Caso Dreyfus' e suas seqüelas e da difusão das teorias racistas, o conservadorismotomou-se insuficiente para muitos, propiciando o climaintelectual e emocional favorá­vel ao.proto-fascismo da "Action Française" e. mais tarde, ao fascismo propriamentedito.

Em síntese, os inimigos da Revolução, ao mesmo tempo críticos do pro­gresso e céticos em relação à democracia, constituem a tradição historiográfica que,embora englobando eoonnes diferenciações internas, sempre tendeu a ser apreendidaem bloco por seus oponentes "progressistas" que a rotularam de conservadora ou "rea­cionãria". No calor da polémica historiográfica de hoje essas posições tendem a serrotuladas simplesmente de "interpretações de direita".

Apesar das perspectivas otimístas de alguns historiadores que acreditam napossibilidade de já ter sido bá muito superada a oposição entre os dois grupos acima,estamos convencidos de que a distinção ainda existe e funciona na prática. estabelecen­do uma dicotomia maniqueísta entre historiadores "de esquerda" e historiadores "dedireita". Não parece haver uma terceira posição. Ou comemoramos ao lado dos pro­gressistas, ou apostrofamos ao lado dos reacionãrios, Se comemoramos, podemos sen­tir-nos gratificados em sermos identificados como progressistas; se apostrofamos, de­vemos correr o risco de sermos repudiados e denunciados como reacionários.

Diante dessa divisão. como pensarmos na possibilidade de escapar a essesrótulos se a divisãoque conotam é bem mais antiga do que todos nós?

Talvez um possfvel caminho seja o de tentarmos examinar um pouco maisde perto o conceito básico presente ao longo de toda essa diseussão interminável - oconceito de "revolução". Não se trata porém de encaminhar uma discussão conceituaInos mesmos termos já propostos por Furet, mas de nos darmos conta da forte impreci­são conceituai presente em muitasdas discussões entre interpretações ditas "de esquer­da" e "de direita".

De fato, são muito poucos os historiadores que se dão ao trabalho de defi­nir. previamente, o sentido que atribuem, nos seus textos. à palavra "revolução". Nun­ca sabemos se aí o sentido está referido à idéia de revolução no interior de um determi­nado espaço te6rico-metodoI6gico, ao(s) sentido(s) que a palavra possuía para os con­temporâneos da Revolução de 1789 ou, ainda, para os intelectuais ilustrados do sete­centos antes da queda da Bastilha.

Tal imprecisão, semântica e teórica, faz-se acompanhar em geral de umaconfusão também complicadora: a não dissociação entre proposições de natureza em­plrica e proposições de cuobo propriamente teórico - que pressupõem a utilização decategorias cuja validade explicativa/interpretativa está condicionada aos pressupostosconstitutivos de uma determinada teoria. Mesmo conscientes do caráter construído das

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evidências empíricas, os historiadores partem do pressuposto de que estão pesquisandoum processo que realmente aconteceu - num certo tempo e lugar - ao qual associam,ainda que provisoriamente, certos "acontecimentos". Mas, salvo no caso do historiadortipicamente empirista, tais "evidências" não existem nem, principalmente, significampor si mesmas. É o historiador que irá dar sentido a essas evidências, ao transformarseus documentos em monumentos em função dos seus pressupostos teõnco-metodolõ­gicos.

Se os fatos são construções do historiador e suas evidências só "evi­denciam" (significam) algo em função do campo de significações que nada mais são se­não a teoria assuntida pelo historiador, seria ingenuidade nossa acreditar na existênciade alguma coisa como um "território empírico comum", ideologicamente neutro, dadoa todos os historiadores quaisquer que possam ser as suas opções teõrícas concretas.Somente na historiografia dita "positivista" podemos ter esse encontro entre o histo­riador, os dados (evidências) e o respectivo sentido ou significação.

A partir destas considerações, afigura-se para nós bastante óbvio que nãohá o menor sentido em tentar invalidar uma determinada explicação ou interpretação apartir de supostas evidências produzidas noutro espaço teórico e que não significamcoisa alguma no âmbito do território teórico que se pretende invalidar. Enfim, é emfunção do conceito de "revolução" que ele utiliza que o historiador terá os fatos ouevidências correspondentes, jamais ao inverso. Dois conceitos de "revolução" terãoassim, naturalmente, seus próprios fatos ou evidências, diferentes em maior ou menorescala. Portanto, são sempre os conceitos ou categorias que utilizamos, definidos deacordo com nossas próprias opções teóricas e metodol6gicas, que constituem os "nos­sos fatos", além, é claro, já que somos seres sublunares, como escreve Paul Veyne, dosnossos preconceitos e determinações mais ou menos "presentistas".

III - O DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA POLaMICA

A - Das origens atI! o {"mal da Segunda Guerra Mundial

Há uma tradição historiográfica que se habituou em estabelecer uma dis­tinção básica entre uma primeira fase, marcada pelos trabalbos de historiadures não­proflssionaís-políticos, jornalistas, filósofos, etc., que iria até à década de 1880, e umasegunda fase, caracterizada pela institucionalização da pesquisa e a especialização dosprofissionaís de história, quaodo teria ocorrido a profissionslização da produçáo-histo­riográfica. No entanto, não se pode afirmar que o advento da história erudita tenha re­presentado a superação de todos os mitos - .. se entendermos como tais ... uma vi­são global e transfigurada, mais viva por deitar raízes no subconsciente e correspondera uma necessidade de crer para agir" (uma vez que) "o mito está a princípio na própriaRevolução antes de se ver inscrito na mentalidade coletiva" (A. Gérard). Segundo G.Lefebvre, o mito já estava presente nos começos da Revolução e representa a origemdos messianismos sociais e políticos do século XIX, em estreita união com a crença no"progresso>? tendo como seu contraponto a mística contra-revolucionária.(9)

Tanto a Revolução Francesa como a sua historiografia representaram du­rante longo tempo o duplo papel de fatores de uoiio e de divisão da sociedadefrancesa. União quaodo se trata da guerra travada pela Revolução contra seus adver-

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sários externos, situação na qual o patriotismo mobiliza o sentimento nacional; divisãoenquanto guerra civil e transformação profunda da sociedade, a produzir a oposição deinteresses e de posições políticas inconciliáveis. Estas. divergências refletiram-se nastentativas dos que escreveram sobre a Revolução para esclarecer-lhe as origens, os ru­mos e a natureza, marcando sua presença na historiografia através de noções como "a­cidente", "necessidade", "imprevisto", entre outras.

Durante os seus primeiros 150 anos, a hístoriografia revolucionária for­mulou e consolidou temáticas e problemas que se tomaram quase obrigatórios. Simul­taneamente às oposições polltic_o.-ideo)ógicascentradas no fenômeno revolucionário,cristalizaram-se algumas "teorias explicativas" mais ou menos recorrentes, como. porexemplo, a respeito das "origens" da Revolução: a "teoria da conspiraçio", e aUteoria das CirCUDltiDciaa", ou seja, a explicação voluntarista e a determinista.

Na teoria da conspiração, nascida com os Emigrados franceses da épocarevolucionária, embora variem os pormenores da explicação - maquinações de indiví­duos ou grupos, projeto politico-ideológico ou simples ambição de uma minoria - o quesempre se faz presente é a convicção de que "alguém" (indivíduo ou grupo) "fez a Re­volução". Tal interpretação transformou-se, com o passar do tempo, na "interpretaçãopadrão da direita sobre a Revolução" (MacManners), repetindo-se sempre em obrascada vez mais sofisticadas.(IO)

A teoria da circunstância tem característica de possuir partidários à direitae à esquerda, conforme se entendam essas circunstâncias como fatalismo providencial.ou como destino ou fatalidade histórica - a chamada "força das coisas".

Se a primeira teoria julga poder indicar o(s) culpado(s) perante o tribunalda História, a segunda prefere jostamente evitar a imputação de responsabilidades hu­manas.

a) A fue de 1189 a 1815

Praticamente desde seus começos os acontecimentos ocorridos a partir de1789 na França foram vividos e interpretados pelos seus contemporâneos como cons­tituindo de fato uma "revolução". A partir dessa representação coletiva, tremenda­mente real para os que participaram ou foram envolvidos pelos acontecimentos, opensamento "revolucionário" procurou marcar suas próprias distâncias em relação atudo que lhe havia precedido - daí a noção de ..Ancien Régime" - e tentou discernir ascircunstâncias originárias do evento e as características capazes de demonstrar suacoerência intrínseca.

As primeiras histórias da Revolução foram escritas por pessoas que vive­ram ou estavam ainda vivendo o processo revolucionário em curso. Todos eles parti­lham de um pressuposto comum - o da realidade da "revolução". Favoráveis ou hostisa tudo aquilo que presenciaram ou de que tiveram notícias imediatas e contemporâneas,tais historiadores, como os "Dois Amigos da Liberdade", Rabaut Saínt-Etienne, Tou­longeon, Lacretelle, entre outros. partilham da exaltação reinante, asswnem posiçõespró ou contra este ou aquele grupo ou personagem. enfim, oferecem fontes preciosaspara o conhecimento das mentalidades do período. Dentre todos, destaca-se o Abade

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Barruel, com suas "Memoires pour servir a l'histoire du Jacobinisme" (1797/9), emtrês volumes, texto clássico da "teoria da conspiração". Aliás, segundo o autor, umadupla conspiração: dos ímpios filõsofos maçons e Jacobinos e da Providência a fim decastigar a perversidade dos homens. As duas idéias estavam destinadas a um prósperoporvir.

o que mais impressiona porém neste período é a profusão de textos unidospelo traço comum das "considerações" e "reflexões" acerca do fenômeno revolucio­nário, obras bem mais filoséficas que propriamente históricas, escritas a partir de defi­nições apriorfsticas, usando e abusando de juízos de valor, analogias, profissões de fé,para criticar ou defender a Revolução de 1789. Dentre todas estas obras a mais famosa,e também uma das melhores, foi a "Considerações sobre a Revolução em França", deBdmundo BllI'te. a quallbe custou uma histórica polémica com o americano ThomasPayne. Nestes escritos, especialmente em Burke, já estão bem nítidas as linhas de opo-.sição entre o racionalismo e o bistoricismo. Para o racionalismo a Revolução pertenceao genêro humano pois visa concretizar os ideais inerentes à humanidade como um to­do, daí resultando seu caráter universal e totalitário, fundado em pressupostos racionaisimanentes. Para o hístoricismo não há legitimidade possível numa revolução que sepretende afumar às expensas da continuidade, da permanência e da organicidade de ca­da ente coletívo, com suas tradições e formas de existência lentamente construídas esedimentadas.

Enquanto os historicistas afirmam os direitos da evolução lenta e defen­dem a singularidade de cada povo, os racionalistas revolucionários proclamam princí­pios de validade eterna e universal em relação aos quais a história sígnífíca apenas acomprovação da sua verdade intrínseca, Empirismo britânico "versus" idealismo ger­mânico, segundo A. Gérard, choque entre o livre-arbítrio e o determinismo represen­tados, respectivamente, por Kant e Fichte, de um lado. e Burke, do outro. Logo, noentanto, o romantismo germânico viria reforçar sobremaneira a posição defendida porE. Burke. O romantismo, como veremos. rejeitou radicalmente as abstraçóes raciona­listas do Durninismo ao afirmar o primado do individual e do orgânico, da tradição his­tórica, do sentimento e da intuição.

As muitas avaliações do fenômeno revolucionário de 89 produzidas du­rante esta fase são ao mesmo tempo ricas em reflexões fJ.lOSÓf1C8S e pobres em conteü­do histórico propriamente dito. Os autores oscilam muitas vezes entre os ressentimen­tos ou entusiasmos pessoais e a intenção de refletir serenamente sobre o acontecimento.Os católicos, em geral legitimistas. hesitam entre a idéia de conspiração, que os isenta, ea do castigo divino, que os incrimina, ao menos em parte. Para J. de MaiI_. porexemplo, a Revolução fora um flagelo de Deus, simultaneamente divina e satânica,Para outros, igualmente hostis à Revolução, ou a algumas de suas fases, o evento nãodeixava de possuir uma espécie de lógica secular, em conexão com erros ou tendênciaspresentes no "Antigo Regime". Situam-se nesta última perspectiva os textos de Senacde Meilhan, Chateaubriand, De Bonald e do já citado de Maistre, até certo ponto.

Constrói-se então lentamente, uma explicação do acontecimento revolu­cionário centrada na idéia de "fatalidade" como sendo alguma coisa "imanente e extra­humana" em geral resumida como "la force des choses". Tal foi o caso, por exemplo.de MUlet du Pan, referindo-se constantemente à "força imperativa das coisas" ou ao

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"curse fatal dos acontecimentos". Tal perspectiva, de essência idealista, tornar-se-ja,durante o século XIX, nas mãos dos liberais, a explicação padrão da Revolução. Cu­riosamente, há também uma espécie de fatalidade cíclica, como é o caso de Toulongeone Chateaubriand, a partir de alusões às "leis cíclicas das revoluções", leis que tomariamas revoluções um fenômeno periódico e inevitável.(ll)

Além das chamadas "teorias" explicativas denominadas "da conspiração"e "das circunstâncias", os escritores desta fase já antecipam também duas outras ques­tões destinadas a uma longa história: "" questOOs do patriotismo e da Yiol4!ncia.

A associação praticamente indissolúvel entre "patriotismo" e Revoluçãoestá presente em interpretações que, analisadas sob outros prismas, são radicalmenteopostas entre si. Temos aí uma espécie de "território comum" aos revolucionários econtra-revolucionários. De Maistre, por exemplo. execrado por suas teses "direitistas",condenou acerbamente os Emigrados COmo traidores e escreveu palavras de elogio aosJacohinos e a Napoleão pelo fato de haverem repelido a invasão estrangeira, salvandoassim a "unidade nacional", Deduz-se daí que era possível ser visceralmente hostil aos"princípios de 93" e, ao mesmo tempo. favorável aos exércitos da Revolução e do Im­pério, Segundo MacManners, o fato é que, "sob a bandeira tricolor, fora a 'França' quehavia marchado para a vit6ria em defesa da 'Pátria' - o pedaço de chão, o túmulo, o lu­gar de nascença de cada francês".

Nessa época, tal como hoje. a violência revolucionária, no caso presentesimbolizada pelo "Terror" e materializada pela "Guilhotina", se constitui num eternodivisor de águas da consciência burguesa. É em função da violência que ela irá definir,aos poucos, duas revoluções: a "boa" e a "má". Assim, observa-se que, tanto emMaistre quanto em Chateaubriand, o Terror representa a síntese da Revolução, querentendido como a ação que significou "a poda da árvore do Senhor de seus ramos apo­drecidos", quer como o fruto de uma necessária depuração imposta por "um longoperíodo de crise moral". Nestas visões fatalistas, Robespierre, Saint-Just, Coutlon, setransformam em "anjos saídos do Inferno".

Progressivamente porém, a burguesia iria tender a excluir da sua interpre­tação do período revolucionário a fase da Convenção, sobretudo os anos de 1793/4,ídentíficados com a ditadura da Montanha e o "despotismo de Robespierre". Tal é ocaso, por exemplo, de Mme. de Staêl e de B. Constant, ao tentarem salvar os princípiosdo racionalismo iluminista contra os ataques da reação direitista através da rejeição deum período da Revolução que parecia representar um "desvio" ou uma "traição" à­queles princípios. Consolidar-se-ia então, aos poucos, a interpretação, muito cara àburguesia liberal, de que houvera uma Revolução boa, filosófica, humanista, a qual foidesviada dos seus "verdadeiros rumos" pelasambições, oportunismo. sede de sangue, eviolência sem freios dos "Jacobinos" liderados por Robespierre. Dentro dessa linha deraciocínio o "Termídor" adquire uma importância crucial: teria sido o momento a partirdo qual a Revolução "boa" e "verdadeira" teria começado' a retomar seu autênticodestino. Não será difícil ao leitor reconhecer nesta interpretação os ruídos longíquos deoutras versões, muito atuais, igualmente centradas na idéia de um rumo supostamentelógico da Revolução que teria sido, infelizmente, "atropelada" pelos Jacobinos, ou vi­timada por uma "derrapagem" completamente imprevista.

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A conclusão natural desta concepção que tenta apagar da "memória nacio­nal" o "lado negativo" dos anos revolucionários viria a ser a visão unitária do aconte­cimento, a "Revolução-bloco", uma forma de apreensão da realidade que concilia, noseio da consciência burguesa, o culto às origens revolucionárias e a abominação moralem face da violência doravante circunscrita aos "celerados jacobinos".(l2)

Em suma, a tônica desta fase repousa numa relação, tida como decisiva,entre idéias e acontecimentos históricos, embora se admita também aqui e ali, a in­fluência de determinadas paixões e sentimentos tais como a "ambição", o "egoísmo", a"sede de poder" , etc.

b) A fue situada entre a Restauração de 181S e o fracasso dasRevoluções de 18481SO

Ao longo de toda esta etapa, a historiografia da Revolução Francesaacompanhou muito de perto os mimetismos políticos liberais associados aos movimen­tos de 30 e 48, ao mesmo tempo que era utilizada como importante arma polftico­ideológica nas mãos dos selares liberais mais empenhados em promover ou evitar.conforme o caso, uma "outra revolução". A crise, então em andamento, entre os líbe­rais moderados e os radicais faz-se acompanhar de interpretações divergentes sobreeste ou aquele aspecto da Revolução de 1789. Simultaneamente, os liberais empreen­deram uma ofensiva contra os escritores tradicionalistas e conservadores, animados queestavam estes com a Restauração de 1815. Era então essencial contrapor aos argu­mentos legitimistas uma visão legitimadora da Revolução e de seus valores fundamen­tais. Exemplo dessa polémica foi a réplica de Bonald a Mme. de Stãel, em 1818.

Os intelectuais cODservadores, hostis à Revolução e fortalecidos pelavoga do Romantismo, deram sequência às críticas historicistas endereçadas às idéias eaos acontecimentos revolucionários, procurando sublinhar a todo momento as incon­gruências e contradições de um movimento que iniciado em nome da liberdade e daigualdade. levara os franceses ao "despotismo sanguinário" do Terror e desaguara fi­nalmente no autoritarismo napoleônico.

Tais críticas, sublinhadas pela ironia, tocam no "calcanhar de Aquiles" dabistoriografia liberal dessa época - a divisão entre os que sentem necessidade depensar a Revolução de 89 como um todo homogéneo e os que mais e mais a dividem em"duas revoluções" com o objetivo, precisamente, de excluir da Revolução propria­mente dita, a revolução convencional jacobina. Mm«:. de StaeJ. por exemplo, nãoconsegue ocultar sua ambivalência: a Revolução de 1789 fora necessária e legitima­va-se à luz do direito natural e histórico. mas, por outro lado, ficara como que dilace­rada pelo dualismo entre a face voltada para a liberdade e uma outra, igualitária, cons­purcada pela plebe manobrada pelos jacobinos; daí, segundo ela, que a ênfase que emvão se deu à luta contra os privilegiados acabou por comprometer a liberdade, ao ofus­car os descaminhos despóticos do Terror, (associados a Robespierre e seu grupo) epreparar. sem que disso tivessem consciência, o caminho que conduziria ao fim e ao ca­bo à ditadura militar (Napoleão 1). No entanto, para outros liberais, a argumentação deStaêl era prejudicial aos ideais revolucionários, pois havia necessidade de manter-se oprincípio da unidade do processo revolucionário, nele incluída a Convenção jacobina,pois, como o fruto de uma necessidade histórica, a Convenção fizera o mais importante:salvar a França dos seus inimigos.

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Uma característica da historiografia dessa época, durável por sinal, é a im­portáncia decisiva atribuída pelos seus autores à ação das idéias e das representaçõesmentais coletivas tanto nas origens quanto no curso mesmo dos acontecimentos revolu­cionãrios. Quando muito, a discussão interessa-se em determinarse essa influência dasidéias teria sido "positiva" (B. Constant, Mme. de Staêl, etc.) ou "negativa" (J. deMaistre, de Bonald, etc.). O núcleo do debate tende.então a ser constituído pela verifi­cação da existência de uma oposição de tipo contraditório, aparentemente insolúvel,entre o que se denomina de "princípio da liberdade" e de "princípio de igualdade".Neste ponto convergiam as opiniões, sob outros aspectos tão diversas, de Chateau­briand, Royer-Collard, Mme. de Staêl, de Bonald e diversos outros.

A oposiçio entre liberdade e ignaldade tendia então, em consonânciacom a ideologia liberal, a ver no igualitarismo dos revolucionários radicais algo essen­cialmente utópico e "mau": uma espécie de "desvio" de rota da Revolução provocadopela convergência, num dado momento, das paixões e ressentimentos da "plebe" e dasambições pessoais e falta de escrúpulos dos chefes jacobinos. Como consequência,ter-se-la produzido um tipo de sociedade onde, desaparecidos os valores e a hierarquiastradicionais, sem que fossem substituídos por outros, houve uma atomização absolutaque converteu essa sociedade num aglomerado de indivíduos completamente isoladosentre si, impotentes parafazer facé à anarquia e ao despotismo.

Bem sabemos como esse debate é ainda atual. A possibilidade de compati­bilizar-se a liberdade com a igualdade continua a ser uma questão fundamenta! nomundo contemporâneo, daí derivando, provavelmente, a atualidade de Tocqueville.Para o período que estamos examinando, a questão da igualdade, reconhecida cornopoderosa força revolucionária, trazia à tona a questão da importáncia das tensões so­ciais na gênese e DO desenvolvimento da Revolução Francesa, como flcou evidenciadonos trabalhos de S. Simon (a propósito dos "legistas" do Antigo Regime) e de Roede­rer (sobre a reivindicação burguesa de igualdade perante a lei). Mas foi principalmentea afumação da importáncia que teve a presença ativa de uma "classe média" em as­censão que marcou o encontro historiográfico entre a geração de 1789 e a de 1820: asironias de A. Thierry e de Gnizot a propósito das afumações de Montlosier sobre oslegítimos direitos da aristocracia enquanto herdeira dos antigos "Francos", levaram àafmnação oposta - a Revolução teria sido legítima precisamente porque constituíra avigança vitoriosa de um "Terceiro Estado" revoltado contra as injustiças de mais detreze séculos de opressão.(l3)

Mas esta época ostenta ainda uma outra face historiográfica, pois ela foi omomento por excelência da construção do "mitonapoleônico", em estreitaassociaçãocom o "mito revolucionário" e sobre O solo comum do patriotismo. "Herdeiro"da Re­volução, o "maior dos seus filhos", Napoleão I era então, após SantaHelena,umtemapatriótico e unificador para os "verdadeiros franceses". Identificado com o sentimentonacional, pedra de toque do romantismo, o ciclo revolucionário reúne então as duas"epopéias" - a republicana e a imperial- numa espécie de única e gloriosa epopéia mi­�itar simbolizada por Bonaparte. Essa tônica patriótica é um traço comum aos roman­cistas, poetas e historiadores do período - Stendhel, Balzac, V. Hugo, Migoet, Thiers eGuizot. Diversas "memórias". "documentos históricos" e manuais de históriamateria­ijzam a nível textual a simbiose da revolução liberal com o bonapartismo.(l4)

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A produção historiográfica, ao menos até 1830, teve como seus doismaiores autores Thiers e Mignet,. seguidos de perto por GuizOL Estes jornalistas epolíticos Iíberaís produziram então a imagem "séria" de uma Revolução global e ne­cessária. Com âpublicação, em 1823 e 1824, do primeiro volume de Thiers e do livrode Mignet inicia-se umadasetapasmais duráveis da historiografia revolucionária.

Tbiers e Mignet, auto-didatas, pretendem justificar a Revolução de­monstrando a sua necessidade histórica. As forças do determinismo explicamos êxitose os insucessos das grandes personagens, inclusive de seus ídolos - Mirabeau, La Fa­yette, os girondínos, Na "História" de Miguet não há quase espaço para a influênciadas idéias já que a Revolução teria sido a consequência inevitável do processo de as­censão econômica e intelectual do "Terceiro Estado" em sua luta pela igualdade pe­rante a lei; fora somente a resistência dos privilegiados, com a Emigração e o cisma re­ligioso, que havia conduzido à republicanização de uma Revolução que, de outro modo,teria levado a umamonarquia constitucional à inglesa. Nessa mesmalinhade raciocínio,Mignet afmna que a guerra, sobretudoa externa, foi a únicaresponsável pelo adventodo "Terror".

Na obra de Thiers, tal como na de Miguet, é a data de IOde agosto queassinala a passagem de uma revolução da "classe média", aliada à monarquia constitu­cional, para uma "revolução popular", a partir da insurreição da multidão (Mignel) oudo "populacho viI"(fhiers). Assumindo o oomando da Revolução, a "plebe" impôs aopaís uma administração "tristonha e raivosa", escancarando todas as portas à crueldadedas "massas ignorantes". Em 1789, o "povo estava no seu lugar" (sob a tutela da bur­guesia educada) mas, em 1792/3, ele assumiu o poder numa espécie de ültímo recursopara salvar a França da agressão externa. Portanto, foi por culpa da reação aristocráti­ca, em conluio com os monarcas estrangeiros, que se inviabilizou a Revoluçâo burguesaliberal e houve o advento do "Terror". Em todas estas interpretações percebe-se facil­mente a intenção de defmir um "curso normal" para o processo revolucionário resul­tante da ascensão predestinada de uma "classe média" - o Terceiro Estado. Ao mesmotempo, porém, define-se o período do "Terror" e do governo popular oomo um desvio,sim, mas um desvio necessário, embora imprevisto. decorrente das exigências da guerracontra os adversários da Revolução (aristocratas emigrados e governos estrangeiros) osquais, em última análise, foram os verdadeiros responsáveis pelo que então ocorreu naFrança.

Na visão desses historiadores, Luís XVI foi parar na guilhotina e NapoleãoI em Santa Helena única e exclusivamente por culpa das suas decisões erradas - pode­riam ter escolhido a alternativa correta. Mas, os horrores associados à Revolução fo­ram de fato da responsabilidade do "populacho". A burguesia esclarecida não foi res­ponsável por nenhuma dessas "tragédias". Logo, ela estava em condições de retomar opoder do qual fora afastada pela Restauração. Thiers e Mignet utilizam a "teoria dascircunstâncias" para inocentar a burguesia e afirmar o seu compromisso com as "ver­dadeiras idéias:' do liberalismo.(l5)

Por volta de 1830, as "Histórias" de Thiers e Mignet tinham uma grandedivulgação, e oontribuíram para difundir entre as hostes liberais uma concepção "bur­guesa" da Revolução no mesmo momento em que começavam a aumentar publicaçõessobre a Convenção e Robespierre tendentes a resgatar o significado igualitário do pro-

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jeto jacobino, exatamente o aspecto menos trabalhado por aqueles dois historiadores.Foi fundamental nesse sentido a publicação, em 1828, por Buonarriti, de um livro quenarrava as açõese projetos de Graeo Babeuf.(l6)

A partir das "jornadas de julho" de 1830 a historiografia revolucionáriapassou por um processo de radicalízação que levariaà divisão dos liberais entre duastendências rivais: o "movimento" e a "resistência", Nesta irá prevalecer a perspectivaque proclama o "roo da História" (Thiers e Guizot) onde se expressa a visão de umaburguesia agoranovamente DO poder, cadavez maisconservadora, quando não reacio­nária, diante da irrupção do proletariado e da luta de classes. Os historiadores irão dis­tinguir com ênfase crescente a "boa" da "má" Revolução, isto é, a Revolução liberalburguesa, da ditadura terrorista da plebe parisiense. Os textos de Thiers e de Miguet,este ültimo em termos,são agoraincorporados pela "resistência",

Entre os historiadores identificados com o "movimento" a tendência do­minante, comum aos "radicais" e "socialistas", é a exaltaçãodo "93" o auge da Con­venção Jacobina. Destacam-se principalmente os socialistas como Buchez, Laponnera­ye, Pourier, Esquims, CabeI e, sobretudo, Lollia Blanc, o maior historiador dentretodos eles. Robespierre passa ao primeiro lugarentre os heróis revolucionários e, comele, é todo o período do "Terror" que se ilumina. O livro de Buonarriti contribuiu po­derosamente paraisso por conduzirseus leitoresa umaincipiente teoriada ditadura doproletariado, prontamente assumida, na prática política do período, por BJanqui. Era aperspectiva sentimental igualitária da Revolução de 89, "interrompida" pelo Tennidor,e quecumpririaagoraser retomada.

Em oposição a essa linha interpretativa dos acontecimentos revolucio­nários, S. Simon e A. Comte desenvolvem outra análise: a Convenção teriasido semdúvida a épocamãxima da Revolução e as "demolições" por ela realizadas eram polfti­ca e socialmente necessárias; o mal teriasido o fato da Convençãonão haverconsegui­do discernir sua meta verdadeira e durável. Os dois pensadores destacam Diderot comoo "cérebro" original e criativo das idéias revolucionárias e apontam Danton como oherói e gênio prático que tentou aplicar os princípios do "mestre".

Nascia então a oposição entre os historiadores partidários, respectivamen­te, de Robespierre e de Dantonque marcaria, já em começos do nosso século, a rupturaentre Aulard e Mathiez.(J7)

Mas o período que se inicia em 1830 foi também a épocapor excelência doapogeu romântico na França e Inglaterra. Um romantismo que, ao contrário do germâ­nico, tomou-se de grande entusiasmo pelaRevolução Francesa, vista como berço do li- .beralismo e do nacionalismo mas ao mesmo tempo fascinante pelo seu carátereminen­temente "popular". Será. exatamente este aspecto - a presençado "povo"- que os es­critores romãnticos irão destacar (V. Hugo, Lamennais, H. Martin, Lamartine, Carlyle)e o que receberia, na obra de Míchelet, a sua consagração definitiva.

Em 1837, Carlyle celebra liricamente o "povo" 80 evocar a Paris revolu­cionária e exaltar Danton; para ele, a violência fora uma reação natural do povo e im­posta pelos aristocratas conspiradores, padres dissidentes e a agressão de toda a Euro­pa. Em 1847, em sua "História dos Girondinos", LamartiDe faz da Revolução uma

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verdadeira novela, brilhante e generosa, na qual ele exalta a harmonia - todos os quemorreram, morreram em prol da posteridade da nação francesa. Sua sensibilidade ro­mântica deplora as crueldades praticadas pelos revolucionários mas o seu senso de ne­cessidade não é capaz de deixar de reconhecer nesses atas o seu caráter inevitável. ParaLamartine, o importante parece ser a afirmação, contemporânea, da inevitabilidade darevolução social mundial, pacífica, sem violências.(18)

Na opinião de A. Gérard, a historiografia romântica da Revolução desen­volveu as seguintes características gerais: o sincretismo idealista diluidor das origensque são substituídas por um começo absoluto na ordem temporal; a mística do povo,uma versão democrática do Terceiro Estado, sobretudo em Michelet e Lamartine; overbalismo compulsivo, especialmente quando se trata de abordar o tema, crucial, daviolência revolucionária; o messianismo universal que afirma a redenção do gênerohumano pelo sangue francés.(I9)

A culminação dessa historiografia é a "História da Revolução" escrita porMichelet. Nela o "povo", conceito místico, indefinido, mas infinitamente emotivo, en­controu talvez o seu intérprete maior.

Para Michelet fazer a História da Revolução é essencialmente produziruma evocação espontânea e generosa que s6 tem um herói - o "povo". Trata-se aí deuma noção sentimental e coletiva que reúne num só bloco os mais diversos segmentossociais. Mas, segundo ele, foi esse povo que, enquanto portador da idéia de justiça,constitui-se na força espontânea do desenvolvimento histórico, sempre em busca de li­berdade colctiva. A História, para Michelet, nada mais é que a luta eterna entre neces­sidade e liberdade tendo como fundamento a bondade inata do homem, como havia en­sinado Rousseau.

Tornando-se anticlerical em 1843, Michelet não aderiu nem ao fatalismonem ao socialismo de outros escritores contemporâneos. Daí talvez a razão de nãoaceitar a "teoria da salvação pública" tão comum à época para explicar/justificar oshorrores revolucionários. Na sua concepção a Revolução era em si mesma uma novareligião e a Declaração de Direitos o verdadeiro "Credo" de uma nova época da his­tória da humanidade. A Revolução tinha sido "uma igreja em si mesma" e Voltaire eRousseau os seus profetas.

Em Michelet, o "povo" é na verdade a expressão coletiva do nacionalismoque estava presente na totalidade do "Terceiro Estado" em 1789. Mas a Corte, a no­breza e a igreja, eivadas de vícios, traíram d "povo" generoso e o obrigaram a empre­ender uma "guerra sublime" em defesa da "França". Todavia, ao mesmo tempo em queexalta "89" e os voluntários de "92", Michelet não poupa críticas à "seita" que, em"93", tomou o lugar da "nação" embora não tenha conseguido apagar o messianismorevolucionário. De fato, perseguindo o ideal de "ressuscitar a Revolução", Micheletcriou e entronizou dois mitos destinados a uma longa permanência na hístoriografía daRevolução: O "POVO" e a "FRANÇA".

No entender de MacManners, Michelet foi um autor que permaneceu co­mo fonte inspiradora da historiografia revolucionária até o sec, XX. Seu evangelho foiconvertido em ortodoxia pela III República.

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Republicano e patriota, devotado a uma "religião da humanidade", Mi­chelet constrói uma visão dos acontecimentos revolucionários que resulta tanto de seuspróprios ideais quanto da sua concepção sobre o lugar da Revolução Francesa no desti­no de toda a hmnanidade. Como historiador, ele tem o mérito de ter sido, provavel­mente, O primeiro que demonstrou um conhecimentosistemático dos arquivos aos quaisse refere muitas e muitas vezes como o local predileto dos seus trabalhos. Tendo sidonomeado diretor da Seção Histórica dos Arquivos Nacionais, beneficiou-se, também,do fato de ter vivido numa época em que se tornaram numerosas as publicações de do­cumentos existentes em arquivos departamentais e municipais.(20)

c) A fase entre o fracasso das UIlS6e. de 1848 e a consolidaçio daRepdblica (1880)

Após a derrocada das íhisões despertadas pelos eventos de 1848 - a res­surreição aparente do "89" logo seguida pela retomada do "93" (fevereiro e junho de1848), a nova "reação termidoriana" levou rapidamente à "farsa" do novo "18 Bru­mário" de Luis Napoleão Bonaparte (1851).

Para os intelectuais em geral e os historiadores em particular, as decepçõescausadas pela frustração das esperanças de 1848 significaram a volta, ao primeiro planodas suas reflexões, do dilema entre a liberdade e a igualdade (democracia). Mais umavez esta éltíma fica em desvantagem, pois é agora associada ao despotismo plebiscitárioimperial. Assim, uma vez desfeita a utópica esperança romântica de superar o dilemapor intermédio da "fraternidade" a tendência será a de salvar "pelo menos" a liberda­de. Não poderia ser de outra forma, em se tratando de uma época marcada pelo "rea­lismo" e influenciada pelos avanços do positivismo.

o prestígio crescente do positivismo tende a pôr em relevo a noção decontinuidade que servirá para privilegiar as chamadas "servidões da História", colo­cando em segundo plano as rupturas e lançando o descrédito sobre o voluntarismo ro­mântico e seus "heréís", As explicações de cunho determinista conquistam ares decientificídade e os estudos psicológicos e sociológicos, direcionados para as formas deexistência ccletiva, resultam no reconhecimento da importância da duração e das forçasinerciais da sociedade. Temos aí uma crítica "científica" aos mitos e tradições veicula ..dos por toda uma historiografia construída a partir das representações da Revoluçãoa respeito de si mesma.

o s rápidos progressos da erudição influenciada pela escola histórica alemã,desqualificam o verbalismo eloqUente e vazio assim como o gosto romântico pela "mi­sen-scêne" e, simultaneamente, alertam os histcriadores para os perigos de uma leituraacrítica dos textos oficiais produzidos pela Revolução com seus discursos e representa­ções que são apenas a consciência possível de uma época acerca dos seus próprios mo­tivos, percepções e objetivos.

Mas a historiografia continua ainda a desempenhar um papel político deprimeira linha. A historiografia da Revolução volta a ser uma forma liberal de contes­tação ao regime autoritário. Este, por sua vez, produziu também suas versões doseventos revolucionários: bonapartista, com A. Granier de Cassagnac- 1850160; legiti­mista, como Poujoulat; católico, como LePlay, Cretineau-Joly,S égur e d'Aurevilley.

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"Direitistas" todas elas, tais obras historiográficas dividem entre si o território comumda "teoria da conspiração", sublinhando os valores monárquicos e cristãos e incrimi­nando como sempre a Franco-Maçonaria.

Diante dessa historiografia direitista, a historiografia liberal apresenta-sedividida entre várias tendências nas suas avaliações da Revolução de 1789: em 1851,Prosper de Barante, na sua História da Convenção, elogia os homens de "89" mas negaqualquer mérito à Convenção, exceto o de haver defendido a "Nação". Com poucasvariações, serão do mesmo tipo as avaliações de Renan, do Thierry de 1853, de Monte­gut, de Rémusat e de Laboulaye, Em alguns, como Renan, o saldo é negativo, mas acaracterística que predomina é sempre o elogio ao "liberalismo à inglesa" pretendidopelos revolucionários de 1789 mas que se viu frustrado pelo desvio ocorrido em179213. Em sua essência, os liberais do período tendem a consagrar a "teoria das duasrevoluções".(21'

. Vamos destacar aqui os três principais historiadores dessa fase: A. deTocqueville. H. Taine e E. Qainet.

Alexis de Tocqueville escreveu o livro que, na opinião de Georges Le­febvre foi "o melhor da historiografia revolucionária" e, acrescentamos, o mais origi­nai e significativo de toda a historiografia liberal.(22)

"O Antigo Regime e A Revolução" foi puhlicado em 1856, vinte anosapós "A Democracia na América", do mesmo autor. Em sua essência, trata-se de umestudo da França do Antigo Regime no limiar da Revolução de 1789, no qual Tocque­ville retoma o tempo todo o tema da liberdade numa crítica sutíl e indireta ao cesarismode Napoleão 111. A partir da análise de MacManners, é possível distinguir-se nesse li­vro três níveis distintos: 1"l o panfleto político. Ao contrapor a sociedade multifa­cetada da França do setecentos ao quadro monótono da sua pr6pria sociedade contem­porânea, Tocqueville contrasta os múltiplos pesos e contrapesos que asseguravam oequillhrio entre direitos e deveres do Antigo Regime e a frágil superflcie igualitária dasua pr6pria sociedade que permitia o exercício do poder, livre e irresponsável, a partirdo servilismo universal, a um ditador, por toda uma nação reduzida a um aglomeradode indivíduos isolados entre si. 2") um ensaio de sociologia e teoria política. Tra­ta-se de uma ilustração "patológica" do processo por ele já analisado em "A Democra­cia na América" - os múltiplos mecanismos que são necessários à defesa da liberdadenuma sociedade que avança a largos passos para a igualdade absoluta, mas com umadiferença: na França, o desejo de liberdade nasceu após o de igualdade, apesar de tersido o primeiro a morrer, pois, no afã de serem livres os franceses fortaleceram tanto opoder estatal que acabaram tendo como única opção a igualdade sob as ordens de ummesmo amo e senhor; 3") bistclria. Aqui a perspectiva de Tocqueville é um tanto am­bivalente: sintetiza generalizações mais ou menos brilhantes, produzidas pela bistorío­grafia da Revolução, tanto liberal quanto conservadora, a começar pela dialética da li­berdade e da igualdade no seio da Revolução, mas, ao mesmo tempo formula hipótesesque têm como ponto-de-partida as questões formuladas pelo Autor à sua pr6prfa so­ciedade e que, a seguir, o conduzem às fontes arquivísticas em busca das respostas. Ar.sãoas estruturas administrativas e de classes do Antigo Regime que o atraem. Ao con­trário de Burke, ele afirma que era a igualdade e não a liberdade que contava a seu fa-

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vor com todas as forças do passado. Quanto à liberdade, somente no final do sec,XVIII os franceses se apaixonaram por ela e isso foi extremamente perigoso uma vezque nlio tinham qualquer experiência em lidar com ela.

Assim como Montesquieu, Tocqueville, viana suaprópria classe, a aristo­cracia, a barreira ideal contra o despotismo. Todavia, analisando a sociedade do AntigoRegime, ele viu-se forçado a reconhecerque a aristocracia tinhacavadoum fosso entreela e a nação por causa de seus privilégios.convertendo-se numa"casta". Desse modo,ao contrário da aristocracia britânica, a francesa, DO setecentos, nem governava nem"formava a opinilio pública".

Tocquevil1e, talvez de fato "o mais sereno e imparcial dentre os ,historia­dores da Revolução", pôs em relevo o período de 178719, isto é, a chamada "revoluçlioaristocrática" ou "pré-Revolução"; contrariando a visãode Michelet que associara asorigens da Revolução à miséria do "povo" francês, ele analisou longamente as trans­formações havidas durante o século XVIII, uma "revolução da prosperidade", afir­mando que a prosperidade crescente de importantes segmentos sociais havia sido umaforça muito mais poderosa que sua suposta miséria. Foi necessário quase um séculopara que esta última concepção viesse a ser devidamente estudada e documentada porE. Labrousse.

A história de Tocquevil1e é essencialmente analftica, fugindo à narrativida­de que identifica a quase 'totalídade dos historiadores do oitocentos que abordaram aRevoluçlio. Também em ccntrsposição a estes, que em geral haviam escrito suas inter­pretações sempre voltados para o futuro da Revolução, Tocqueville procurou inter­pretá-Ia em funçlio do passado. Mas um passado que se identifica com a "longa dura­ção" e revela que um longo movimento histórico vinha há muito tempo conduzindoa sociedade francesa rumo à igualdade; o velho ediffcio social estava já condenado eteria ruldo mais cedo ou mais tarde. Esta afirmação foi lida por. alguns como signifi­cando que a Revoluçlio fora inútil, o que aproximaria o Autor dos historiadores direi­tistas, fato "evidente" para os críticos que se preocupam apenas com as origens e a si­tuaçlio social de Tocqueville.

o Antigo Regime é uma história ao mesmo tempo administrativa, social eeconómica que foge no entanto aos padrões historiográficos então vigentes (e a algunsdos atuais). Nela não há muito lugar para os indivíduos, pois as tensões sociais silo ana­lisadas no interior da estrutura de classes)sendo estas homogeneizadas, é certo, de umaforma algo excessiva ou mecânicaem grupos sociais mais ou menos padronizados nosquais não há lugar para as ínümeras diferenças então existentes das camadas sociaismais baixas, principalmente DOSmeios rurais franceses. No entanto, ao proclamar "Jeparle des classes, elles seu1es doivent occuper I'histoire" - Tocqueville introduz umaperspectiva essencialmente "moderna" em sua análise.(23)

A influencia de Tocqueville foi e é considerável, apesar de bastante ambí­gua ou mesmo contraditória em determinados casos: a direita por exemplo, leu 00 seulivro apenas um elogio à monarquia do Antigo Regime e às instituições tradicionais,mas fez vista grossa sobre tudo que ele escreveu a respeito do avanço inexorável dademocracia; a esquerda, os socialistas em particular, elogiaram-no pelo fato de haveratribuído à luta de classes um papel essencial no processo histórico. E, no entanto,

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afirma MacMWlDers, a üníca obra importante diretamente inspirada em Tocquevílle foia que escreveu Albert Sorel- "A Europa e a Revolução Francesa" (1885-1904), porironia, uma história diplomática, Umdos géneros que Tocqueville sempre evitou.(24)

Hipólito Tainc, com sua hist6ria das "Origens da França Contemporâ­nea", disputa a Tocqueville a g16ria de maior historiador do período ora em estudo. Aocontrário de Tocqueville, historiador da década de 50, Taíne escreve na diflcil décadade 70, ap6s a Comuna e a perda da Alsácia e da Lorena. Sua postura é cética e científi­cista e sua indagação objetiva encontrar respostas para os dramas contemporâneos.Assim, a Revolução Francesa surge para Taine como uma espécie de fase crucial dahistória nacional, capaz de revelar-lhe o âmago da mentalidade francesa - um campoprivilegiado para suas observações "psicologícas''.

Liberal e materialista, Taine escreveu a obra que se constitui DO maior ata­que à Revolução de 89, desde Edmundo Burké. No seu entender, a França era uma na­ção doente e, com o seu darvinismo determinista e radical ele não hesita em apontar asorigens desse mal - o século XVIII dos "fitõsofos", Segundo Taíne, desde 1789 osfranceses não fizeram senão agir e pensar ora como crianças, ora como loucos. já quefalharam à sua evolução "natural" em 1789 - "Nós perdemos nossa evolução naturalem 1789". Naquela ocasião havia ainda dois caminhos possíveis mas infelizmente todoserraram em suas escolhas: a Monarquia, a Revolução e o Império.

Fil6sofo-historiador, adepto da psicologia social em moda, concentra-seno diagnóstico do "mal". Trata-se a bem dizer de vários males: a luta de classes, a mi­noria de transviados (os jacobinos) que, como agentes do "espírito revolucionário" esob a bandeira do Contrato Social (Rousseau) utilizaram-se dos "rebotalhos da socie­dade" para atingir seus fins; as abstrações fílosõficas difundidas pelos seus discípulos,todos presos nas malhas do "espírito clássico" - um espírito destruidor da vida pois na­da mais é do que O argumento abstrato da razão pura que produziu o dogma da sobera­nia popular(Rousseau), o qual, em chegando ao alcance dos "selvagens das ruas" aluoucomo "germe mórbido" no sangue de uma sociedade doente, dominada pela multidão"epílétíca e escrofulosa", provocando-lhe os delírios e convulsões que chamamos deRevolução, isto é, "8 ascensão da escória social" responsável pelos excessos revolucio­nários. Dai o sem sentido da própria Revolução.

Dessa análise de Taíne depreende-se uma visão pessimista que as vio­lências da Revolução apenas ilustram: a natureza humana é má e o povo, enquanto es­cória dessa natureza, é potencialmente monstruoso. Somente a ciência pode contrapor­se à razão corrosiva dos filõsofos iluministas. Mas, apesar de tudo isso, ele exalta seumétodo hist6rico como essencialmente "científico": pesquisas documentais (influênciada erudição historicísta germânica), classificação rigorosa dos tipos sociais (a exemplode Cuvier), atenção constante aos fatos do quotidiano (como um Balzac ou um Sten­dha1) e capacidade de ressuscitá-los (como em Michelet e Carlyle). É assim que, a partir"dos pequenos fatos bem escolhidos" Taíne pensa encontrar as chaves para as amplasfórmulas interpretativas nas quais não há lugar para causas múltiplas ou níveis explica­tivos diferenciados. Os acontecimentos se movem num meio homogéneo e sua inter­pretação é monelítica, reduzindo-se a complexidade das situações a uma f6rmula l1nicae original.

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o escritor Taine empresta ao seu realismo cientifico uma forma que é denatureza artIstica e literária equivalente, para a história, ao que Flaubert, Zola e Mau­passant foram para a literatura da mesma época. Sua importância Iústoriográfica maiorreside nas indicações que fez sobre as imensas possibilidades, ainda quase inexploradas,presentes em fontes que não os jornaise os documentosoficiais, existentes em arquivosparisienses e departamentaís. Deve-se-lhe também reconhecer o mérito de ter chamadoa atenção dos historiadores para a violéncia quase anárquica que se verifica nas diver­sas "províncias" durante a Revolução, sobretudoas "jacqueries".

No entanto, em que pesem leituras que alguns fizeram de sua obra, Tainenão foi propriamente um defensor do Antigo Regime, nem tampouco-deixou-se con­taminar pelos viés patriótico de tantos dos seus oolegas. Sua condenação da Revoluçãonão provém de algum tipo de posição legitímista ou bonapartista, pois, embora à suamaneira, ele era um liberal que acreditava num governo esclarecido, descentralizado,sob a responsabilidade das elites sociais. Assim, do seu ponto de vista, foi a Monarquiaquem cavou sua própria sepultura; a partir daí, tendo os "teóricos" demolido as últimasbarreiras da civilização, o "esgoto" fez valer a sua vontade; coube então a um tiranoperceber que havia chegado a sua oportunidade; "assim foi a Revolução Francesa".(25)

Taine representa uma verdadeira ruptura oom a tradição Iústoriográlica li­beral da Revolução Francesa, pois, seu niilismo tende a aproximá-lo da direita, fato quetalvez explique a grande aceitação que teve entre os grupos conservadores france­ses.(26) Para os republicanos, pelo contrário, o livro de Taine representou um verda­deiro desafio, talvez o maior até então lançado.

• •É possível que, em relação ao clima político e mental da década de 70 na

França, Taine constitua um caso-limite. No entanto, houve muitas outras críticas en­dereçadas à Revolução durante essa época, se bem que menos amargas e contundentes,Na reslidade, desdeos anos 50, Lamartine (1856) e Quinet (1855) baviam empreendidosua autocrítica enquanto historiadores da Revolução. Afinal de contas, tantoo roman­tismo quanto o bonapartismo haviam ficado para trás, substituídos pelo autoritarismonapoleôníco, e os republicanos mais e mais estavam divididos entre a democracia "le­gal" e a democracia "social", igualitária.

Como expressão desses novos tempos, a controvérsiaentre Quinete Pe­yrat, em 1866, opõe duas interpretações republicanas da Revolução: Quinet desmistifi­ca a Revolução e analisa o '"93" como tendo sido a presença da contra-revnlução nopróprio centro da Revolução ao concretizar a ruptura entre a igualdade civil e a liber­dade; contra-argumentando, Peyrat, oomo bom militante jaoobino que era, sublinba quea Revolução é um todo, indivisível, e é assim que se deve aceitá-la.(27)

Para os historiadores republicanos moderados os receios pareciam bastanteoportunos uma vez que identificam os jacobinos e os socialistas como membros de umsó bloco. Micbelet, em 1867, afirmou que a liberdade continuava a ser a questão fun­damental (em sua crítica a Peyrat, "esse doutrinador do Terror"); em 1869, em "LeTyran", Michelet ataca Robespierre e contribui para fortalecer os partidários de Dan-

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ton e Hébert. A reabilitação de Danton, às custas de Robespierre, transforma-o no no­vo herói da escola positivista Na verdade, Robespierre já fora rejeitado por Proudhon(1867) que não lhe perdoava o ataque ao federalismo, e também por Blanqui, admira­dor de Hébert e dos "sans-culottes", traídos pelo "Incorruptível", no seu entender. A"queda da Montanha" trouxe de volta a Giconda ao primeiro plano da historiogra­fia.(28)

d) A fase dos anos 1880 aUl 1945

Com o triuufo da III Rep6blica, a qual significa, segundo Clémenceau,a afirmação da continuidade da Revolução de 1789, a mística revolucionária está agorano poder mas "corre o perigo de se converter em engrenagem ideológica do regime eficar soterrada sob as honcas oficiais e as celebrações arqueológicas". Enfim, a Revolu­ção Francesa institucionaliza-se e se converte na doutrina oficial da Universidade, seulugar, de agora em diante, de ensino e pesquisa sob o patrocínio do Estado.(29)

Unidos "sobre o solo comum da Revolução" os historiadores republicanosestão unidos também na adesão aos princípios da "escola mct6dica", denominada pormuitos de "positivista", cujos "papas" eram Langlnis e Seígnobos. Segundo estes, acientificidade da hist6ria repousa essencialmente no seu método, inspirado na erudiçãocrítica germânica que remontava a Ranke. Logo, fazer história é uma ciência e como taldeve ser ensinada e aprendida em nível superior. "L'Hístoire n'est que la mise en oeu­vre des documents", ou seja, Os fatos precisam ser estabelecidos a partir das evidênciasdocumentais e organizados segundo o seu padrão original. Fiel à erudição critica, a es­cola metódica faz fincapé na imparcialidade do historiador a qual resulta da eliminaçãoda sua subjetividade. Até os anos 30, quando os "Annales", fundados em 1929, come­çaram a irradiar sua influência renovadora, 08 historiadores da Revolução sedio discí­pulos mais ou menos fiéis dos princípios cientificistas dessa escola.

Durante essa fase, o grande expoente da hísteríografía revolucionária foiAlphouse Aulard. Tendo ocupado a cátedra de História da Revolução criada na Sor­bonne desde sua fundação, ele organizou ou coordenou a publicação de dezena's de vo­lumes de documentos sobre a Revolução, inspirou discípulos da estatura de Mathiez,Cahen, Renouvin e Pariset e realizou ou supervisionou uma autêntica revolução na or­ganização da produção hístoriogréfica sobre a Revolução Francesa.

Tanto a segurança de Aulard, presente nos seus trabalhos, quanto as certe­zas algo belicosas de Mathiez, repousam num domínio fantástico das fontes. Suas defi­ciências são devidas à confiança, talvez algo excessiva, que depositaram nas virtudes do"método científico" positivista.

Defensor da neutralidade do historiador diante dos fatos que estuda Au­lard afirma porém uma exceção: "Para compreendê-la (a Revolução) é preciso amá­la". Afinal. para ele. o período revolucionário foi o seu principal "leit motiv", a vidatoda. No seu entender, a Revolução identificava-se com a "Declaração dos Direitos doHomem", de 1789 e com todas as tentativas posteriores no sentido de tomá-la efetiva.Assim, em Aulard a Revolução era uma nova religião, laica e humanitária, finalmentevitoriosa através do triunfo da República laica sobre o "princípio teocrático". Na visãode Aulard sobre a Revolução Francesa, o espírito revolucionário mais autêntico estaria

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no "espírito da Federação", nos "exércitos do Ano II", na figura de Danton, o heróipragmático. progressista e patriota, sendo portanto inadmissível, para AuIard, a "su­posta corrupção de Danton",

Em Aulard a noção de "povo", tão cara a Michelet, cede lugar a gruposprecisos e organizados: nas municipalidades patrióticas, na Guarda Nacional, nosexércitos da Revolução. Foi buscar em Tbiers a "teoria das circunstãocias" a fim deexaltar o patriotismo racional e humanitário dos revolucionários franceses, estabele­cendo a ligação com o seu próprio presente - a necessidade de recuperar as "provínciasperdidas". Em relação a quase todos os historiadores que o precederam, AuJard tem aenorme vantagem de documentar com precisão seus argumentos em favor do papel das"circunstâncias" DO desenvolvimento do processo revolucionário, aí incluído o "Ter­ror".

Pouco propenso a valorizar o papel das idéias no curso da Revolução, Au­!ard, também deixou de fazer a crítica dos níveis de significação ideológica presentesnos textos por ele utilizados, ou seja, não atentouparao fato de que, em muitoscasos,suas "fontes" nada mais eram do que expressões de idéias, tomadas de consciência erepresentações dos agentes revolucíonãríos acerca do significado das respectivas ações,suas razões e visões de mundo. Ora, tendo utilizado principalmente, além de jornais, acorrespondência dos "representantes da missão", os papéis da burocracia revolucio­nária, 08 anais de assembléias, os registrosdas reuniões de clubese municipalidades, emresumo, documentos "oficiais", é f§CU concluirmos que suas informações reproduzemou se identificam. freqüentemente, com "8 visão da Revoluçãoa respeitode si mesma".

Segundo Aulard, a coroação de Napoleão I significa o fim da Revolução er: vit6ria da "traição" e da contra-Revolução. em conseqüência daruptura entre os tra­balhadores parisienses, famintos, e a burguesia republicana sequiosa de "ordem". Da­taria daí a cisão entre os liberais e o "povo" que estaria nas raízes das reflexões quepostulam uma absoluta incompatibilidade entre a democracia (sufrágio universal) e a li­berdade individual. Assim, uma vez "traído o principio laico" e consumada a quebra daunidade do "povo", a Revolução estava terminada.(30)

Politicamente, A. AuJard foi um republicano moderado, sempre com res­trições variadas aos socialistas, sobretudo em se tratando da Revolução Francesa, umavez que os aspectos admirados pelos socialistas na Revolução eram para ele de impor­

tância secundaria que os atribuía a expedientes ditados por situações de emergência.

Os socialistas, nesse período que se estende até à primeira Guerra Mundial,ostentavam grandes divergências internas, inclusive quanto à interpretação de algunselementos básicos da Revolução Francesa Se ainda era fllcil distinguir "esquerda" e"direita" na historiografia revolucionaria, pois bastaria indagar sobre a aceitação ou re­cusa do "89", numerosos indíciosapontavam para a dificuldade cada vez maior que iriater a burguesia em apropriar-se da "sua revolução burguesa", principalmente a partirdos trabalhos de J. Jaurês e A. Mathiez. Esta situação agravar-se-ia ainda muitomais, por força da Revolução Russa de 1917, que haveria de levar de roldão a "teoriada revolução ooa".(31)

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No entanto, por algum tempo ainda, até pelo menos 191417, foi possívelaos republicanos defenderem o princípio do "bloco revolucionário", apesardos dissi­dentes e chamando, quando necessário, Comte e Micbelet em seu socorro. As escara­muças então havidas em tomo do dantonismo patri6tico de Aulard, no qual é admitidoMirabeau mas onde não havia lugar para Robespierre. não chegaram a comprometer omais importante - a visão republicana globalizadora do grande evento.(32)

A "Bejle Époque" foi o período em que chegaram ao auge os esforços re­publicanos destinados a promover a elirninação da historiografia da imagem radical daRevolução. Através de uma síntese entre a Revolução dos antepassados e a Repúblicaradical, fundada no anticlericalismo e na solidariedade republicana. tentou-se minimizara luta de classes e a violência revolucionária a fim de que se produzisse uma históriasem grandes conflitos ou divergências e capaz de fundamentar a imagem idealizada daGrande Revolução reverenciada pela burguesia triunfante.(33)

A "Hist6ria Socilllista da Revoluçio Francesa" foi publicada porJean Jauras em 1901 e 1905. Nesse texto ele tenta responder aos dilemas principaisque ainda marcavam as atitudes dos intelectuais socialistas perante a história da Revo­lução de 1789. Contra o papel determinante das idéias, recorrente entre os historiado­res burgueses, Jeurês coloca em relevo a importância da ascensão da burguesia 80 po­der político numa época em que a luta de classes era ainda incipiente. Aliás, foi emvirtude dessa verdadeira especificidade que as "classes médias" tiveram condições parainstituir a propriedade .como fundamento da liberdade, expressando uma convicçãoque, como afuma Jaurês, era houesta e ajustada às circunstâncias. Bom pacifista, Jau­rês lamenta que os revolucionários não tivessem conseguido evitar a guerra, como po­deriam ter feito, pois, em função do conflito perdeu-se a grande oportunidade de con­verter o mundo a partir do belo espetáculo de uma revolução pacífica.

Em não poucos aspectos, inclusive quanto à sua qualidade, a obra de Jau­rês pode ser comparada à de Tocquevil1e. Para Jaurês, em função do seu humanismo deinspiração marxista, a Revolução constituía um ensinamento vivo para a classe operáriae foi visando essa ped~gia revolucionária que empreendeu a elaboração da sua"História".

o principal objeto de Jaurês é a história econôrnica e social da Revolução,o setor menos trabalhado pela historiografia. Interessou-se também pelas repercussõesinternacionais da ideologia e da expansão revolucionárias. Sintomaticamente, seus"heróis" eram Mirabeau e Babeuf, mas não deixou de reconhecer a importância de Ro­bespierre. Além da sua "História Socialista", Jaurês marcou sua presença decisiva nahistoriografia revolucionária a partir dos esforços incessantes que realizou em prol dolevantamento sistemático das fontes econômícas e sociais da Revolução através da cria­ção de uma Comissão para tal fun em 1903.(34)

•• •

Com Albert Mathicz, o lado socialista dos estudos revolucionários pas­sou a poder contar com seu apoio que representa a nova erudição científica da Univer­sidade. É conveniente que, logo de início, fixemos um fato: Mathiez não era marxista

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tal como Janrês também não o era. Sua ênfase, como o demonstra sua tese de doutora­menta, é o papel das idéias e de determinados indivíduos no processo histórico. Daí seuchoque, poder-se-la até dizer, seu duplo choque com seu mestre, Aulard, sobre a im­portãncia dos movimentos intelectuais e das personalidades revolucionárias.

Em sua tese, sobre as relações entre os cultos revolucionários e o movi­mento ideológico, Mathiez demonstra-lhes a importância intrínseca, muito diversaportanto do carãter de meros expedientes ligados à defesa nacional que Aulard lhesatribula. A mesma linha de reflexão leva-o ao resgate de Robespierre e à condenaçãode Danton. Quanto ao primeiro, ele afumaria,mais tarde: "nós o amamos, pelos ensi­namentos de sua vida e pelo símbolode sua morte"; quantoao segundo, nadamaisevi­dente: "era um corrupto". Seu rompimento com Aulard tomou-se inevitável e a lutaentreeles duraria 25 anos. Para Mathiez, a Revolução deve serinterpretada em termosde classes e forças econôrnícas maiiilincadeve-ser menosprezado o papeldas "idéias"(ideologias, mentalidades) que se conectam a essas classes e "forças".

Fiel aos ideais de Jaurês, falta-lhe a mesma serenidade do mestre ao pro­ferir seus pr6prios julgamentos: acusa a burguesia de ludibriar o povo e ter criado aGuarda Nacional apenas para defender seu património. No fundo, segundo Mathiez, aRevolução real foi obra de um punhado de idealistas, completamente isolados e incom­preendidos até mesmo por aquelesaos quaispretendiam servir.os deserdados sociais, alutarem como desesperados contra uma humanidade corrupta e visandoapenasinstau­ror o reinado da justiça social. Na sua visão, a guerra haviasido prejudicial à Revoluçãomasesse julgamento não o conduz a condenaçãodo Terror, pelo contrário, afirmaquea ConvençãoJacobina fora a verdadeira "forjada futurademocracia".

Encarada como um todo, talvez sua visão da Revolução Francesa tendaa ser algo destrutiva com referênciaao mito do "Povo" tão caro a Michelet e Aulard,Sob um certo prisma, Mathíez se assemelha a "um Taíne de esquerda" ao recuperar omundo da "jacquerie" e mergulhar no submundo de Pariscom sua multidão de espiões,empresários desonestos,jornalistas venaís, contratadores do exército e vigaristas políti­-COSo Mas há uma grande diferença: se a direita, ao mergulhar nesse caos social, ia embusca da "conspiração", a esquerda agora,com Mathiez, preocupa-secom as conspira­ções reaise múltiplas dos egoísmos "que vicejavam como fungos nos recantossombriosde uma época de desordern'Xôô)

Apesar dos seus começos acadêmicos, Mathiez dirigiu suas pesquisas maise mais para os aspectos econômicos e sociais. Havia, é claro, alguns precedentesà suadisposição: Proudhoh, Tocqueville, e, principalmente, Levasseur, Loutchisky e o pro­prio Jaurês, Em 1908, fundou a Sociedade de Estudos Robespierristas. Sua "Históriada Revolução Francesa", comprova que ele nunca se deteve no exame maisprofundoda França camponesa (direitos feudais, estrutura fundiária). lá no final de sua vida, emparte por influência da própria Guerra Mundial, dedicou-se ao estudo dos bastidoreseconõmicos da guerrae do Terrordurante a Revolução.

Intelectual engajado nas lutas do seu próprio tempo, Malhiez foi acima de •tudo um cidadão de esquerda decepcionado com a República e que de certa maneiratransferiu para o passadorevolucionário sua indignação. Daí que, sob sua õtíca, Dantonfosse o símboloda corrupção e da podridão parlamentar por ele tão execrada, enquantoRobespierre personificava seu prõprio idealde virtude cívica.

290 Anél. a Conj., Belo Horizonte, v." _n.O, 2 e 3 . MOlo/Dezembro/1989

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2) A bistoriograr.. conservadora 011 de "direita"

Quase ao mesmo tempoem que se desenrolavam as contendas no interiorda historiografia republicana e socialista, e enquanto Aulard e Mathiez divergiam e dis­putavam a primazia sobre o "feudo" da Revolução, uma historiografia conservadoraproduzia interpretações da Revolução nitidamente hostis ao evento e opostas às con­clusões da historiografia de "esquerda".

A Ação Francesa, sob a liderança de eh. Maurràs, invoca a questão da or­dem para atacar Michelet e à "nova Sorbcnne" (1905) denunciando a existência de uma"doutrina oficial da Universidade". De fato, impedidos de competir com os profíssío­nais da Universidade republicana os conservadores buscam consolo e prestígio atravésda proteção da Academia Francesa A tónica entre tais historiadores é a afirmação po­sitiva do Antigo Regime e a denúncia de "89" como a negação dos valo..... nacionais. Éa tese do chamado "erro de 1789" a qual condena o parlamentarismo e prega o nacio­nalismo integral, apropriando-se de Taine mas sem o "espírito clássico".

Em 191 I, L. Madelin foi premiado por sua "História da Revolução Fran­cesa" com o Grand Prix Gobert. Mudelin foi um conservador esclarecido, preocupadocom a vertente patriótica da Revolução e que se utilizou dos trabalhos de A. Sorel,Também P. Gaxotte e I. Bainville vieram a ser acolhidos pela Academia. tendo o pri­meiro publicado uma História da Revolução, em 1928, e o segundo um estudo históri­co-bíogrãflco sobre Napoleão, em 1931. Nessa época, apôs 1918, havia uma forte de­manda do público por esse tipo de história vulgarizada e coube principalmente a histo­riadores de "direita" atendê-la através de manuais brilhantemente escritos. Emboraeles acentuem em suas interpretações o lado patriótico da Revolução, tais historiadoresnão deixam de criticar "erros". "traições" e "fatalidades" prejudiciais à França".

Talvez sejainteressante notaraqui a existênciade umareferência comum ealgo inquietante entre os historiadores conservadores da Revolução: a visão de Toe­queville sobre o Antigo Regime. Esta é a chave que permite reabilitar a velha sociedadee fundamentar as propostas de um Estado organizado em grupos funcionais e regiõesorgânicas (La Tour du Pin, Lo Play, Durkheim, Duguit, Mistral). Esses verdadeiros"escritores antiquários" exaltam a rica diversidade social do Antigo Regime e. reto­mando a idéia da "revolução da prosperidade", enunciada por Tocqueville e retomadapor Jaurês e Matbiez, tentam estender suas evidências à vida rural como um todo,afirmando, inclusive, que o camponês não era um miserável, como queria a esquerda.mas, sim. um tipo esperto que sabia esconder muito bem sua riqueza para escapar aoscobradores de impostos. Seguindo outra ordem de argumentação. também muito co­mum nessa vertente historiográfica, tais autores tecem elogios à Bastilha e às "lettresde cachet" considerando-as até benignas e humanas se comparadas às realidades poli­ciais e penitenciárias contemporâneas.

Somos levados então, naturalmente. a perguntar: como emergiu uma Re­volução assim violenta de um clima tão harmonioso e benigno? A resposta é muitosimples: a Revolução resultou da fermentação de ideologias maléficas e inquietas noseio de uma minoria de conspiradores profissionais. Não é esse, afinal, o padrão típico,na atualidade (primeiras décadas do nosso século), da prática bolchevista? Aliás, já em1904, E. Faguet havia afirmado que os "Cahiers" de 1789 constitulam a prova evidentede que os tão decantados "princípios de 1789" jamais haviam existido como tais DO seioda população francesa.

I\nól. I Conl., lIelo Horizonte, v..... n,O, 2 e 3 _ Molo/Dezembro/1989 291

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Assim, aos poucos, a historiografia direitista iadesenvolvendo sua própriavisão de 1789. Para ela, a idéia da intervenção revolucionária de um "povo" unido.espontâneo era apenas um mito insustentável historicamente. A Revolução fora obra deminorias sim, mas a velha tese conspiratória devia ser retocada, pois, no fundo, a culpade "tudo" coube às intrigas políticas dos orleanistas e estrangeiras e da multidão decarreiristas levados apenas pelo seu egoísmo. A Revolução fora o resultado de todo umconjunto de interesses os mais diversos a partir das inúmeras manobras de grupos epessoas, uma disputa política enfim, funcionando as idéiascomo simplespretextos.

Auguste Cocbin

Entre 1905 e 1907, A, Aulard publicou vários textos críticos em relação aobra de H. Taine, provavelmente porque a apropriação deste pelos historiadores de di­reita causava-lhe uma profunda irritação. Mas surpresa veio em 1909, com a crítica àcrítica de Aulard feita por um jovem historiador, A, Cochin, que publicou "A crise dahistória revolucionária, Taine e o Sr. Aulard", Formado pela École des Charles, umerudito que conhecia profundamente os arquivos, A. Cochin foi de fato quem cunhouas expressões que resumem as duas principais posições sobre as origens da Revolução(utilizadas por nós desde o início do presente trabalho): a "tese das circunstâncias" e a"tese da conspiração", Utilizando-se dos trabalhos de Ostrogorsky e Durkheim sobregrupos de pressão, ele dedicou-se a analisar processos eleitorais- daí um trabalho ma­gistral sobre as eleições para os Estados Gerais na Borgonha (1904) - e os clubes re­volucionários, notadamente os clubes dos jacobinos - de onde se originou sua obra maisfamosa, embora póstuma, publicada em 1925 - "Les sociétés de pensée et la Révolu­tion en Bretagne".

Para A. Cochin, a Revolução não pode ser explicada por nenhuma daque­las duas "teses" mas, sim como protótipo do poder coletivista, da tirania impessoal das"sociedades de pensamento" que manipularam e enganaram o verdadeiro povo. Na suavisão, para que o historiador possa referir-se a algo assim como uma "conspiração"seria necessário tomá-la num sentido sociológico amplo e não à maneira do AbadeBarruel. Segundo MacManners, Cochin inverteu a posição de Taine pois em lugar domedo diante da multidão, foi ao seu encontro -, ao mesmo tempo em que ia buscar emTocqueville suas idéias sobre o perigo sempre iminente da tirania que ronda perpetua­mente os movimentos democráticos. É ar que entra Ostrogorsky - o trabalho das má­quinas políticas por detrás da fachada eleitoral. Assim, segundo Cochin, nas lojas ma­çônicas, nas sociedades literárias, em milhares de grupos e associações locais, é possível-fetectar-se a propagação da doutrina revolucionária e certos rudimentos de organiza­ção que arrebanharam a maioria dos eleitores dos Estados Gerais. O importante, se­gundo ele, é o historiador localizar o ponto ou o momento a partir do qual as idéiasatuam efetivamente sobre as classes sociais e sobre os acontecimentos. Foi assim que seobteve a "aparente" unanimidade de 1789, no interior de uma sociedade tão divididacomo a francesa às vésperas da Revolução.

Morto em combate durante a Primeira Guerra Mundial, A. Cochin tornou­se um historiador pouco lido, apesar de citado, talvez porque sua interpretação da Re­volução, particularmente das origens da ditadura jacobina, tenha desagradado à "es­querda" que rapidamente o arrolou entre os adeptos da vellía "teoria da conspiração",aquela mesma que ele tanto criticou. Apenas em anos recentes, F. Furet dedicou-lhe

292 An61.• Cent., Selo Horizonte, v.4 . n."1 2 e 3 . Malo/Dezembro/1989

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um longo estudo no qual põe em relevo a originalidade interpretativa e a visão renova­dora do historiador. No entanto, bem o sabemos, tal "resgate" não contribuiu paramelhorar a imagem de A. Cochin junto Jlbísteríografia.de esquerda...(36)

3) Após 1914, duas experiéncias históricas fundamentais vieram introduzir-se no de­bate historiográfico sobre a Revolução Francesa: a guerra, com suas variadas reper­cussões, e os efeitos da Revolução Russa. A primeira trouxe de volta o patriotismo daRevolução - AuIard e Mathiez exaltam o "patriotismo da liberdade" contra o naciona­lismo germânico e Malhiez, levado pela observação das contingencias impostas peloconflito, começa suas pesquisas sobre "A carestia e o movimento social sob o Terror",no qual se detém sobre a política do governo revolucinnário às voltas com os problemasdoabastecimento.

A Revolução Russa leva de imediato a diferentes 'indagações sobre as rela­ções entre ela e a Revolução de 89. A filiação aparece como algo "evidente" para es­querdistas e direitistas, apesar de acompanhada de avaliações "evidentemente" antagõ­nicas. Enquanto os bolcbevistas se orgulham de afirmar e reverenciar a continuidaderevolucionária que os une a "89", não poucos historiadores franceses estabelecemanalogias e similitudes entre as duas revoluções numa espécie de anacronismo político.Mathiez afirma essa identidade fundamental e na sua "História" ele parte para a rejei­ção das interpretações republicanas a fim de destacar os aspectos qoe aproximam a Re­volução Francesa da Revolução Bolchevista - o papel das minorias ativas e das suasestratégias. Em posição exatamente oposta, Pierre Gaxotte empenha-se em invertercada uma das teses de Mathiez através de uma verdadeira contra-leitura das duas re­voluções. Por último, AuIard, sem compartilhar obviamente das posições direitistas deGaxotte, nega qualquer parentesco entre as duas revoluções escudado na tese de quea idéia da violência era totalmente estranba ao espírito legalista e jurídico da Revoluçãode 1789.

4} O iJúcio de uma nova fase historiogrifiea - a d6eada de 1930

Fatores e circunstâncias muito diversos contribuíram decisamente para atransformação da historiografia da Revolução a partir do final dos anos 20. Uns de or­dem pessoal - o falecimento de A. Aulard, em 1928, o assassinato de A. Mathiez em1932, e as características de natureza pessoal e prnflssional dos que a partir de entãoassumem a liderança do ensino e da pesquisa da História da Revolução: G. Lefebvre,Ph. Sagnac e E. Labrousse. Por outro lado, desde janeiro de 1929, surgem os "AnnaIesd'histoire eeonomíque et sociale", sob a direção de Marc Bloch e Lucien Febvre, comoprincipal carro-chefe da luta que seus diretores e associados empreendem contra achamada "escola metódica>?

Do lado das pessoas, apesar de todos OS novos líderes lerem sido discípulosde Aulard e admirarem Mathiez, tanto Lefebvre quanto Sagnac, apesarde suas dife­renças político-ideológicas, não eram temperamentos inclinados às querelas pessoais.Na visão de MacManners, Lefebvre "trouxe cortesia à controvérsia e nuances de ar­gumento às sínteses". Ph. Sagnac sucedeu ao mestre na Sorbonne (1924) e, mais tarde,na presidência da "Sociedade" e na díreção da revista "A Revolução Francesa". Suaorientação continuou a ser mais voltada para a históris política da Revolução, o papeldas grandes idéias iluministas e um dantonísmo discreto. Importante, de fato, foi aorientação interdisciplinar, inclusive em nível internacional, que procurou imprimir aosestudos sobre a Revolução.

Anã!. a Canl., B.lo Horizonte, 't." _n.OI 2 • '3 • Molo/De;r:elllbro/1999 293

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A influencia crescente dos "Annales", hostil à história politica e à históriadas idéias de .tipo tradicional, privilegiando a história econômica e social voltada para asestruturas, a "materialidade do social", visando uma história total construída em funçãodo que se denominava de "história-problema", contou desde o início com a adesão deG. Lefebvre. No caso da Revolução Francesa isso significou retomar a tradição de J.Jaurês como o grande exemplo a ser segnido. Tal fato, aliado à presença de algunspontos aparentemente comuns entre a proposta dos "Annales" e o marxismo? levariamuitos a identificar como marxistas diversos historiadores analistas, a começar porGeorges Lefebvre.

George. Lefcbvrc (1874-1959)

Toda sua obra foi consagrada âHistõria da Revolução Francesa. A exem­plo de vários outros contemporâneos, também discípulos de Aulard e por este levadosao estudo da Revolução, Lefebvre também afirmaria, no entanto: "Foi verdadeira­mente Jaurês o nosso mestre". Um pioneiro. criador de novos métodos, G. Lefebvretrabalhou sempre intensamente e com frequência sozinho mas foi capaz de ampliar 08

conhecimentos existentes e propor soluções DOVas e originais para várias questões dahistoriografia revolucionária. Um grande erudito, sempre a vasculhar os arquivos mastambém atento ao trabalho de seus predecessores e contemporâneos, um historiadorque se notabilizou tanto pelos seus estudos monográficos rigorosos quanto pelas sínte­ses brilhantes. Um grande professor. arrebatador. apaixonado pelo seu assunto e inte­ressado por seus alunos. Um caso raro também, na França, pois foi um historiadorpreocupado com a historiografia e com a filosofia da História.

A obra de G. Lefebvre revela também, segundo Reinhard, uma impressio­nante unidade. Desde 1904 ele se propõe o estudo de "Os Camponeses do Norte du­rante a Revolução Francesa", sua tese de doutorado, concluída em 1924 situando asestruturas sõcio-econõmícas do norte francês, ele aí incluios dados conjunturais. eco­nômicos e políticos, os dados psicológicos coletivos e revela a importância das diferen­tes atitudes camponesas em face da Revolução, suas etapas e problemas. Daí derivariao seu permanente interesse pela "Revolução Camponesa" e a convicção do caráter es­sencialmente social da Revolução e seu comprometimento politicojustamente pelo fatode ter ficado. enquanto realização. a meio caminho na sociedade rural. Ao chamar ocampesinato para O campo da historiografia revolucionária, Lefebvre não o fez comalarde nem de maneira dogmática. "Revolução Camponesa" é somente um rótulo quenão dá conta das diferenças existentes entre os camponeses e também entre eles e asoutras classes, nem tampouco das imensas diversidades que existiam tanto a nível dassituações concretas quanto dos desejos e mentalidades de uma região para outra. Seumétodo também era novo, ele usa a estatísticae sublinha a importância da demografia.

Convidado por M. Bloch e L. Febvre, ele foi para Strasburgo onde setomou um dos primeiros colaboradores dos "Annales". Em 1929, com R. Guyot e Ph.Sagnac publicou uma síntese sobre "A Revolução Francesa", reeditada em 1938 e re­escrita, somente por ele, para a edição de 1951.

Em 1932 publica "O Grande Medo de 1789", obra precursora no campoda futura história das mentalidades coletivas, e as "Questões agrárias na Época doTerror". revista e ampliada na segunda edição em 1954. Artigos, comunicações, di-

294 Anê!. • Coni., Belo Horizonte, .,.4 . n."s 2 e 3 . Malo/Dezembro/1989

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versas obras de sfntese, marcam OS anos 30 para Lefebvre. Em 1939 ele publica umapequena obra prima, apreendida e destruída pelo governo de Vichy masque é editadanos Estados Unidos: "The Coming of lhe French Revolution" (1947).

Desde 1937 G. Lefebvre sucedeu a Ph. Sagnac na cátedra de História daRevolução Francesa, mas foi aposentado em 1941. Continou porém a trabalhar e aproduzir intensamente, além de presidir a "Sociedade de Estudos Robespierristas" e os"Anais históricos da Revolução Francesa" desde 1932. Durante a década de 1950, Le­febvre organizou a publicação dos "Discursos de Maximiliano Robespierre" e a "Co­letânea de documentos relativos às sessões dos Estados Gerais de 1789", dedicando-se,nos seus últimos anos, aos seus "Estudos sobre a história econômica e socia1 de Orléanse do Departamento do Loiret duante a Revolução Francesa".

No centro da problemática de G. Lefebvre estio as classes sociais - ruraise urbanas. É a partir das classes que se definem as estruturas sociais cujo substrato sãoas estruturas econômicas - em particular "a repartição dos capitais produtivos". Ao la­do da classificação econômica impõe-se, segundo ele, uma classificação jurídica e so­cial. Interessaram-lhe principalmente, a par da burguesia, as "classes populares", in­clusive seu "conteúdo mental". Seu maior desejo era pussuir um método capaz de per­ntitir o acesso aos segredos da biologia, do confter e do temperamento do homem. Ascoletividades e 08 indivíduos lhe apareciam como igualmente importantes, sempre ilu­minados pelo "social". Para Lefebvre "Não háhistória sem erudição", "não basta des­crever, é preciso também contar". Mas cabe ao historiador não perder de vista sua pró­pria identidade, não confundir os métodos com a natureza do "métier d'historien" istoé, renunciar à narração quer se trate de um simples mumento quer de um amplo movi­mento social. O indivíduo e o individual devem ser tratados com atenção e carinho masnecessitam de uma constante referência às suas determinações sociais e ã psícologíacoletiva que, afinal, lhes confere seu verdadeiro sentido histórico. Assim, paraLefeb­vre, é necessárioenfocar sempreas classes sociais, a economiae a mentalidade social.

Materialista e portanto "marxista". do ponto de vista da "direita", muitoidealista para o gosto da "esquerda", empirista e subjetivista, segundo muitos, Lefebvrese dizia "racionalista" e sempre atento à complexidade da realidade social.(37)

Eroest Labroo""" (1895-1988)

Trouxe a precisão estatística para a história ecooôntica da Revolução como que se tomou possível articular concretamente a "revolução da fome", cara a Mi­chelet, com a "revolução da prosperidade", de Tocqueville. Foi Labrousse quem reali­zou todas as conseqüências das propostas de François Sinrland para as pesquisas emhistória econôntica. Sua trajetõria intelectual foi muito variada: em 1913 ele é um estu­dante de história que prepara, sob a orientação de Aulard, um DES sobre a história re­volucionária: todavia, seu interesse pela economia politica leva-o à faculdade de direito,em 1919, onde se licencia e prepara sua tese de doutorado. Porém, em 1926, nova mu­dança: retorna à história e elabora sua tese - "Esboço do movimento de preços e ren­dimentos em França no século XVIII" (1932). Sob a influência de F. Sintiand e AlbertAftalion, do qual se tornou assistente, realiza as pesquisas que culminam na obra queiria consagrá-lo perante os historiadores - "A crise da economia francesa no ftm doAntigo Regime" (1943). A partir de 1945 será professor na Sorbonne.

An61. • Conl., Belo Horizonte, 'f." . n.O, 2 • 3 . Malo/Dezembro/1989 295

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A metodologia de Labrousse é analítica, quantitativa. Embora rejeitasseuma filiação marxista, sua vísãç de história tenta integrar as estruturas às questões so­ciais, à luta de classes, sem desprezar a história dos acontecimentos propriamente ditos.Talvez por esse motivo e apesar de ter sido grande entusiasta dos "Annales" desde ocomeço, Labrousse SÓ iria escrever na revista a partir de 1945. Amigo de Lefebvre eBloch, o fato de colocar a política como horizonte da sua abordagem econômica e prí­vilegiar os estudos dos antagonismos de classes, alémde não romper com a história "e,venementielle", fazia com que não parecesse distanciado o suficiente da hist6riatradi­cional aos olhos dos seus amigos. Para uma revista que pretendia ser contra e apolítíca,era inquietante uma afirmação como esta de Labrousse: "Minha história visa princi­palmente o sócio-econômico e o sócio-político".

Um fervoroso e ativo socialista, desde sua juventude, Labrcusse, apesardemuito próximo da historiografia marxista, em função da sua valorização dos conflitossociais, a ela não aderiu, resultando daf uma certa marginalização, muito embora. aospoucos, os "Annales' viessem a empenhar-se em incluí-lo como um dos seus "funda­dores".

Para a historiografia da Revolução seu grande mérito foi de haver articu­lado numa históriaserial os movimentos conjunturais breves e longos, trabalhando coma prod"5ÕO agrícola, os preços, Osrendimentos e a demografia. Sua posição de lideran­ça na "Boole Pratique" permitiu-lhe preparar toda uma geração de pesquisadores fami­liarizados com as novas técnicas e abordagens - história serial e demográfica - centra­das, em geral, no quadro regional, levando aos estudos sobre estruturas sócio-profis­sionais (a partir da famosa comunícação que apresentou em Roma, no Congresso In­ternacional de Ciências Históricas, em 1955), af se destacando, entre muitos outros,Adéline Daumard e François Furet.(38)

CONCLUSÕES DESTA PARTE

Um balanço da historiografia da Revolução Francesa ao redor de 1945 de­verá contabilizar necessariamente aspectos positivos e negativos. Positiva era, porexemplo, a concepção de G. Lefebvre, exposta na sua síntese de 1939, concernente ànecessidade de levar-se em conta a existência não de uma mas de várias revoluções nocontexto da tradicional visão em bloco da Revolução de 1789. Apesar de eventuais cri­ticas endereçadas ao livro de Lefebvre, sobretudo por historiadores norte-americanos,a essência da sua proposta ficou de pé e desempenbou um papel importante e fecundonas pesquisas p6s-45.

Ao mesmo tempo, desde os começos dos anos 30, Lefebvre, Caron G.Zeller, C. Bloch, D. Mornet, entre outros, contribuíram para excluir do debate maissério as questões como a corrupção de Danton (evidente) ou o carãter "socialista" dofobespierrismo, bem como a premeditação dos "massacres de setembro" e a "teoria"da políticarevolucionária das chamadas "fronteirasnaturais".

296 Anál. • Conl., B.lo Horh:ont., v.4 . n,os 2 e 3 . Molo/Dezembro/1989

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Em termos negativos, poder-se-ia citar a recafda patriótica e populista fa­vorecida pela Frente Popular (39), ressuscitando velhos fantasmas e polarizando de 00­

vo as posições politico-ideológicas por ocasião do sesquicentenário, como já foi visto.Assim, em 1936, Tardieu resgatava Taine, no seu ~4La Ré'volution à refaire", ao afirmarque "A Revolução inteira foi uma mentira aos princípios, assim como tudo que se lheseguiu", De outro lado do Reno, E. Cassirer, na "Fílosofía da Ilustração", ao descrevere analisar a imensa complexidade e riqueza do "Iluminismo", como obra colctiva de to­da a intelectualidade européia, compromete a concepção de uma hegemonia francesae leva a que se questione se seria ainda válido associar a "liberdade" exclusivamente àhist6ria francesa. Já estavam presentes então, de maneira incipiente, algumas das ten­dências do pós-guerra.

Historiograficamente, a Revolução Francesa se apresenta agora muitomais matizada. Admitem muitos, mesmo de "esquerda", que camponeses e operáriosnão tinham ainda propriamente uma consciência de classe. Se a burguesia fez a Revolu­ção, ela na verdade acompanhou o movimento iniciado pela "revolta aristocrática.. erealizou vários tipos de alianças com outros segmentos sociais. inclusive com os "sans­culottes", Tal burguesia, vitoriosa. não é a mesma que havia iniciado a luta. Enfim, a"teoria das circunstancias" permanece central, apesar de mais refinada e nuanceada:o terror foi uma luta de classes mas também um choque de ódios pessoais, uma espéciede substituto para a violência desorganizada e possivelmente. também um epifenômeDoda descristianização e solução para uma economia de guerra, ou, provavelmente. umexpediente de defesa nacional associado aos receios de um complô aristocrático.

B - A Intcmacionalizaçio da PolEmica HistoriogrMica

I - Talvez a palavra "intcmacionalizaçio" nau seja a mais adequada, pois, numcerto sentido, a história da Revolução Francesa, desde seus começos, sempre foi objetode ensaios e estudos realizados por autores de outros países, bastando recordar. a títulode exemplos: Burke, Carlyle, Macaulay, Sybel, Lutchisky, Acton, Salvemini. Especial­mente durante o período d'entre-guerras a Revolução passou a ser um tema constan­temente trabalhado pelos historiadores norte-americanos e soviéticos. além dos italia­nos, japoneses e outros.

Entre os historiadores soviéticos destaca-se E. Tarlé, autor de uma obrasobre "Germinal e Prairial" (1937), os últimos grandes levantes populares da Conven­ção, além de uma biografia de Napoleão. Mas a tendência soviética oficial caminha nosentido de identificar como burguesa a Revolução, em todos seus aspectos, contrapon­do-se às interpretações de Mathiez e mesmo dos anarquistas. Apenas alguns "precur­sores". como o Padre Meslier, Marat e Babeuf, são reconhecidos. Fora da URSS, osdissidentes. tanto Rocker, como Deutscher, identificam em "1794" o mesmo processoque condenam a União Soviética - o stalinismo seria um novo tennidorianismo.

Para os italianos. especialmente Gramsci, e os japoneses, tendo em vista a"Revolução Meiji" a questão se situa em termos de discutir as "revoluções inacabadas"ou, inversamente, as "revoluções pelo alto".

Anãl.• Conj., Belo H.orlzonte. v.a , n.... 2 e ] • Malo/Dezembro/1989 297

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Nos Estados Unidos destacam-se os estudos de Sorokin, Gottschalk e so­bretudo Crane Brinton - "Os Jacobinos" (1930) - em que analisa as camadas sociais deorigem dos membros dos Clubes Jacobinos, e Greer, pesquisando a incidência cronoló­gica e social do Terror e da Emigração (1935).

Assim, se D,OS referimos a "internacionalização" é pensandono progressi­vo acirramento do debate historiográfico a partir de críticas e análises produzidas forada França mas que colocam em dúvida algumas das principais conclusões ali assentadaspela "historiografia oficial" da Revolução.

2 - A pvtir de 1945, a historiografia da Revolução continou ainda a ser caracteriza­da pela influência da liderança indiscutível de G. Lefebvre, cuja orientação foi conti­nuada, após sua morte, por Marcel Reinhard, na Sorbonne. Ao mesmo tempo, afir­ma-se a presença das orientações de E. Labrousse e começa a se destacar" prestígio deAlbert Sabou!.

No entanto, ainda havia fogo sob as cinzas. As querelas continuavam agrassar, tradicionais algumas. mais novas outras. Desenvolve-se com grande vigor ahistoriografia marxista da Revolução, mas se continua ainda a tomar posição, contra oua favor, em relaçãoa essa mesma Revolução.

Na verdade, talvez a origem mais profunda dos debates que vieram aocorrer nas décadas posteriores a 1945, esteja relacionada com os desafios lançados aoshistoriadores por Raymood Arou, em 1938, em sua tese "Introdução à Filosofia daHistória". Com efeito, Aron convidou os historiadores a deixarem de lado o "fatalís­mo", implfcito no positivismo (onde está incluído o próprio marxismo, segundo ele) ecogitar aquilo que ele chama de "possibilidade retrospectiva". Ora, para tanto seria ne­cessário abandonar-se a idéia de uma revolução singular e homogênea que havia hip­notizado seus contemporâneos (dela, Revolução) e do procedimento historiográficotradicional de, a partir dar, ir apenas acrescentando, partidariamente, pontos "a favor"ou "contra" nessa totalidade. Além do mais, segundo Aron, dever-sé-ia deixar tambémde lado a concepção de uma espécie de "padrão principal" de eventos "respeitáveis"sobre os quaisas ditas"circunstâncias" teriam caídocomo demônios. Houve muitas re­voluções dentro da Revolução, cada uma com suas próprias "causas". assim como tam­bém há outras "causas" que explicam porque todas essas revoluções foram interrela­cionadas. Cada uma dessas revoluções constitui um processo ao mesmo tempo em si, éuma cadeia causal que se dirige aos demais e com elas entra em choque. São estes cho­ques, imprevisíveis, que constituem o verdadeiro estofo da tragédia pois cada um delesoculta toda uma série de possibilidades, a tragédia daquilo que poderia ler sid... (40)

3 - O. debates de tipo mais00 menol tradicioDllI

A historiografia revolucionária, de 1945 aos nossos dias, continou a estarmarcada pelas controvérsias interpretativas, tanto no âmbito dos historiadores france­ses quanto em nível internacional. A grande novidade foi a escala mundial atingida pelodebate, em função da participação -crescente de especialistas ingleses, norte-america­nos, italianos, soviéticos e japoneses. Simultaneamente, tais participações levam fre-

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quentemente o selo da origem, refletindo as preocupações dos seus autores com as re­lações entre a Revolução e as respectivas histórias nacionais, tanto no passado quantono presente. Afinai, "Revolução" parece ser a palavra chave do séc. XX.

Na opinião de Alice <Jérard, seriam quatro as grandes tendências a partirde 1945:

1 - A tradição conlra-revolucionúia, "de direita", de condenação globale radicaIà Revolução. Seu expoente, na França, é Pierre <JUOlle (1895-1982), escritor po­pular que foi reoebido pela Academia Francesa em 1953. Membro da "Action Fran­çoise", no período d'entre-guerras, publicou várias biografias, especialmente a de LuisXVI. Um outro autor de tendências idênticas é Bernard Fay - "La Grande Revolu­tion" (1715-1815), Paris, Le livre contemporain, (1959). Contestando o vaIor dos do­cumentos oficiais, busca as causas da Revolução nas ações clandestinas de certes in­divíduos ou das sociedades secretas, concentrandç.su",! baterias sobre o Duque D'Or­leans, a nobreza dissoluta e o clero venaI (41). Trata-se apenas de um exemplo, pois, narealidade a lista não é exatamente pequena.

2 - A correnle maniata-leninista. "de esquerda". Herdeira, intelectual e senti­mentalmente de Jaurês e Mathiez, esta é talvez a mais numerosa e influente nos meiosacadêmicos franceses. Não se pense porém que se trata realmente de uma concepçãomarxista em termos rigorosos e homogênos, pois, afinal seus principais expoentes per­tenceram, ou pertencem, antes de tudo, aos ..Annales", Há nesse conjunto muitasnuances e diferenças, a ponto de alguns estudiosos tentarem estabelecer subdivisões,coisa que não vem ao caso neste trabaIbo. O essencial é que bem ou mal esses historia­dores partilbam uma defmição econômico-social da Revolução centrada na luta declasses - burguesia "versus" nobreza - como expressão da passagem do feudalismo aocapitalismo; portanto, tomando-se como critério fundamental o sentido histórico dosacontecimentos de 89 em diante, a Revolução foi "burguesa", anti-feudal, abrindo ca­minbo para a França capitalista do oitocentos.

A partir desse patamar, porém, quantas diferenças! Como situarmos, porexemplo, Georges Lefebvre? um historiador marxista? Talvez possamos fazê-lo,com uma segurança maior, em relação a A. Soboul. com sua tese monumental sobre"Les sans-culottes parisiens eu I'an II" (Paris, Clavreuil, 1958), o seu "Précis d'histoireda la Révolution française" (Paris, Editions Sociales, 1962), resumido em "La Révolu­tion françaíse" (paris, PUF, 1965), e, sobretudo, através de seus inllmeros artigos, co­municações, crítica de publicações de fontes, ensaios, conferências, etc.(42)

Com mais nitidez, em termos marxistas, se situam as análises de M~ Boa­loiaean e Claude Mazanric. O fuudamental, porém, é que as nuances não compro­metem o fundamental: o carãter burguês e democrático, já afumado por Jaurês, reite­rado por G. Lefebvre - "a Revolução é um bloco". Isto significa que a Revolução foi aluta da burguesia contra os privilégios aristocráticos, realizando alianças com gruposcamponeses e urbanos, sob a pressão da crise e da conspiração. Se Lefebvre trouxe àluz um conhecimento preciso sobre o campesinato, Soboul fez o mesmo em relação aos"sans-culottes", Por mais complexas que possam ter sido tais alianças, por maiores quefossem suas variáveis, o fato central permanece. Tampouco se admite "ruptura" ou"derrapagem" - dadas as circunstâncias revolucionárias, o período da Convenção foi a

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única saída para assegurar os interesses burgueses; a radicalização ditatorial, simboliza­da pelo "Terror". não é uma"outra Revolução" nem se contrapõe à Revolução. Claroestá, tais afirmações não significam a negação de outras "revoluções" (a camponesa, ados "sans-culottes", dentro da Revolução, apesar de que esses temas se constituem emoutros tantos problemas ainda hoje. Em A. Soboul, por exemplo, é perceptível a exis­tência de uma divisão, bem mais profunda do que o admitira Lefebvre, entre os "sans­culottes' e a burguesia jacobina, mas sem chegar aos extremos de D. Gu'riD e numainterpretação histórica exatameute oposta à deste 6Itimo.

Na mesma linha de A. Soboul, destacam-se estudos de historiadores in­gleses, como G. Rlld6 - (1910 -) - "The Crowd in lhe French Revolution" (Oxford,Clarendon Press, 1958), Ricbard Cobb (1917 -) - "Terreur et subsístances" (Puris,Clavreuil, 1965) e "Les arrnées revolutionnaires, instruments de la Terreur dans Iesdé­départements" (Puris, Mouton, 196113, 2 vols), e do norueguês Kare TOIlllCUOB­"La défaite des sans-culottes" (Oslo e Puris, Clavreuíl, 1959).(43)

Numa perspectiva global, podemos lembrar, ao lado do texto clássico deG. Lefebvre, já citado, o livro de E. Hobsbawn (1917 -) "The Age of Revolutioa"(Londres, Weideofeld, 1962) e o de G. Rudé - "Revolutiooary Europe" (N. York,Harper, 1964).

3 - A intcrpretaçio marxislB e libertúia. Seu carro chefe é o livro de DanielGuérín - "La Lutte de Classes sous la Prémiêre République. Bourgeois et bras nua(1793-1797)," (Paris, GaIlimard, 1946), cuja interpretação das lutas sociais centradasnos "sans-culottes" em termos de "revolução' permanente ou de proletariado "versus"burguesia, segundo seus críticos, foi criticada tanto por Lefebvre quanto por SabouI.Guérin no entanto, ao analisar a tese de Soboul, em artigo publicado nos Annales"D'une nouvelle interprétation de la Révolution française" (A.E.S.C. 20 (I) 1965 p.84/94) defende-se dos seus críticos e faz severas restrições. por sua vez, tanto a Soboulquanto a Richard Cobb.

4 - O revisioDismo liberal 011 neoliberal

Para começar, desconfiamos muito de tais denominações pois, no caso emexame, ressendem um pouco a "stalinismo". Na verdade, trata-se de tendências muitodiferentes entre si. Talvez o que elas têm em comum seja, exatamente, o fato de fugi.rem aos "padrões estabelecidos", isto é, ao marxismo. Em termos muito gerais, essasnovas concepções, embora já não sejam tão "novas" assim, correspondem a três ouquatro grupos de interpretações;

a - A interpretação de Palmer-Godechotb - Os textos de A. Cobban e N. Hampsonc- As reflexões de H. Arendtd - As críticas de F. Furet e D. Richet

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Vejamos então cada uma delas separadamente:

a - Prosseguindo uma tradição que remonta principalmente aos estudos de L. Gotts­chalk, nOS anos 30, R. R. Palmer associou-se a Jacqucs Godcçhot e, em Roma. em1955, apresentaram uma comunicação sobre "O Problema do Atlântico" (Comitatointeroazionale di Scienze storiche, Xo. Congresso Internazionale, Relazioni, T.V, p.1751239, Firenze, 1956) propondo a idéia de uma "Revolução Atlântica", que abran­geria. durante todo o período de 1770 a 1850, os acontecímentos revolucionários ocor­ridos na Europa e na América. Palmer já produzira, em 1954, um artigo no PoliticaIScience Quaterly intitulado "The WorId Revelution of lhe West, 1763-1801". Em1956, J. Godechot, nos dois volumes de "La Grande Nalion" (Paris, Aubier), refere-seà "Revolução do Ocideote", indagando (1'.15): "Revolução francesa; ou Revoluçãoocidental?" e, em meio a umaenormeerudição bibliográfica em prolde seu argumento,resgata o título do livro de E. Burke - "A Revolução em França" (e não "A RevoluçãoFrancesa"). Mais tarde, R. R. Palmer, publicaria seus dois alentados volumes intitula­dos: "The Age of lhe Democratic Revolutíon" (princeton, University Press, 12 vol,1959,22 voI. 1964).

Jacques Godecbot, em 1963, na NouveDe Clio, no volume "Les Revolu­tions" (Paris, PUF), retomou a tese da "Revolução do Ocidente" e reiterou seus argu­mentos (p. lf5). R. R. Palmer, por sua vez, em 1965, num artigo intitulado "A grandeinversão, a América e a Europa na Revolução do século XVIII" (in: ldeas in Hiatory.Essays presented to Louis Gottschalk by his former studentes, edited by Richard Herrand Harold T. Parker. Duke University Press, Durham) respondeu às crfticas que lhehaviam sido dirigidas em função da concepção de uma "Revolução Atlântica" (ou doOcidente).

As crítícas, de fato, vieram de várias díreções mas, principalmente, doshistoriadores franceses do "métier" revolucionário. Tanto Lefebvre quanto Soboule M. Reinhard não pouparam aos autores da proposta sucessivas crfticas e objeções,a tal ponto, que em diversas outras ocasiões, sobretudo na "Revue Historique" , Gode­chot sentiu-se levado a polemizar em defesa da sua concepção (44). Tais críticas, dadaa situação das relações internacionais dos anos 50160, partiram, de imediato, das su­postas coootações político-ideológicas da pr6pria concepção - uma tentativa de justifi­car, retrospectivamente a "Aliança Atlântica" (OTAN). O problema maior no entanto,além dos aspectos certamente problemáticos inerentes à concepção em si mesma. doponto de vista comparativo, era a descaracterização da prôpría Revolução Francesa.sua diluição num contexto mais amplo que lhe retirava a originalidade e o caráter pio­neiro e "exemplar". Se à primeira crítica ainda foi possível superar, substituindo"Atlântica" por "Ocidental", as demais permanecem. Aliás, os autores da proposta têmsido incansáveis na teotativa de convencer seus críticos que a sua concepção em nadadiminui ou descaracteriza a Revolução Francesa (R. R. Palmer, 1969 - "Les Révolu­tíons de la liberté et de l'égalité").

No entanto, como bem o observa A. Gérard, para a maioria dos historia­dores a quem repugna de certo modo admitir a simples hipótese de algo assim comouma "Internacional democrática", no séc. XVIII, a idéia de uma "Internacional COntra­revolucionária" não tem provocadomaioresarrepios.

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b - o historiador iDgIês Alfred Cobban (1901-1968), professor de História daFrança a partir de 1953, em Londres, autor de trabalhos sobre Burke (1929) eRousseau (1934), politicamente de centro-esquerda, por vezes até algo libertário, pro­vocou, com uma conferência que proferiu em 1954 - "O Mito da Revolução Fran­cesa" -, um debate acirrado dentro e fora da Inglaterra. Nessa conferéncía, Cobbancriticou o "mito" no sentido da interpretação marxista da Revolução,ou seja,a derru­bada do feudalismo e a ascensão da burguesia capitalista. Em 1%2 apresentou um es­tudo bem mais amplo intitulado "The Social Interpretation of lhe French Revolu­tion" (Cambridge, University Press), prolongado, postumamente, pelos seus "collectedpapers" - "Aspects of lhe French Revolution" (Londres, Cape, 1968).

Bom conhecedor da lústoriografia revolucionária, tendo publicado inclusi­ve, em 1950, um trabalho sobre esse assunto - "The Debate on lhe French Revolu­tíon", Cobban inspirou-se, provavelmente, nas suas leituras de Tocqueville e nas crítí­cas dirigidas por Trevor-Roper, Stone Hexter e outros à interpretação marxista da"Revolução Inglesa"; o exame da composição socia1 das assembléias revolucionáriasevidenciaria que 08 supostos revolucionários burgueses não eram capitalistas masape­nas advngados e funcionários. E mais ainda: os homens de 89 constitufam um setor so­cial declinante e não em ascensão e só assentiram em destruir O chamado feuda1ismo(que não mais existia) porque foram violentamente pressionados pelos camponeses. Narealidade, a Revolução Francesa foi um gigantesco choque entre cidade e campo e en­tre ricos e pobres, tendo os seus efeitos características negativas: retardou o desenvol­vimento econômico e beneficiou a classe proprietária fundiária essencialmente conser­vadora.

Apesar de severamente criticado por G. Lefebvre que o acusou de repre­sentar a reação defensiva das classes dominantes, Cobban animou um grande debatenos países anglo-saxônicos, sendo praticamente ignorado na França. Apesar disso, em1966, J. Godechot retomou as críticas às suas teses, nelas denunciando a intenção decrftica a Soboul, e, em 1969, M. Reinbard voltou ao mesmo assunto.(45)

Cobban faz questão de situar sua ioterpretação como sendo de. caráter"social", tanto que rejeitou a concepção que atribui uma iJnportância fundamental aoDuminismo no processo político-ideológico que deságua na Revolução. Mas se afirmoutambém não-marxista. Muitos dos pontos que ele focalizou parecem hoje ultrapassa­dos, inclusive porque, na perspectiva de seus adversários, falta-lhe uma base docu­mentai suficiente, Todavia, a simples postura anti-marxista, capaz de proclamar em altoe bom som que a chamada "revolução burguesa" era apenas um "mito", foi saudada emFrança, nos anos 60, por autores como Richet e Furet cujas inquietações se assemelha­vam em parte ãs do historiador britânico.

Um outro historiador inglês, Nonnan HampsoD, escreveu '0 A SocialHistory of lhe French Revolution" (Londres, Routledge, 1963), elogiado por Gode­chot, salvo quanto à fixação do término da Revolução em 1794. Este mesmo autor es­tudou detalhadameote "Os operários dos arsenais da marinha durante a RevoluçãoFrancesa" (Rev. d'Histoire Ecooouúque et Sociale, 1961, p. 287/329).(46)

Ao orientar suas pesquisas numa direção algo diferente da óe Cobban,apesar de guiado por objetivos semelhantes, o norte-americano G. V. Taylor (1919-)obteve um rápido prestígio como historiador através de alguns artigos nos quais de-

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IDÓDStroU a existência de vários tipos de fortunas, capitalistas e não-capitalistas, na so­ciedade francesa do setecentos, asslm como as relações entre os respectivos grupos so­ciais, revelando a tendêncía, segundo ele, a uma solidariedade de interesses econômicosentre a 'nobreza e a burguesia. Todavia, realizando pesquisas semelban1es em outra re­gião francesa, J. Sentoo. em 1969, cbegou a resultados algo opostos.(47)

c-A. reOex6ea polftico-fil0a6fieu de Hmnah Arendt

Não sendo propriamen1e uma historiadora, Arendt trouxe ao deba1e histo­riográfico algumas importantes sugestões politicas e füosõfícas, especialmente aquelasexpostas em "Da Revolução", uma obra de 1963 mas só traduzida entre nós em 1988.A comparação que ela desenvolve entre a Revolução Americana e a Revolução Fran­cesa é das mais instigantes para o historiador. Ao trabalhar com os conceitos bãsíces de"liberdade" e "igualdade", dissecando-os à luz das idéias e das realidades sociais dosetecentos, sempre fazendo o paralelo entre França e América, Arendt aprofunda nossaprôpría compreendo a respeito do espaço politico público e privado e das várias acep­ções de "li.berdade" - sobretudo a "negativa" e a "positiva", ou participativa - em co­nexão com os problemas teóricos e práticos colocados por aquelas revoluções.

Volta-se então à dialética da liberdade e da igualdade, da! a presença deTocqueville, bem como ao problema que em gruode parte dela se deriva: o potencialtotalitário embutido nas formas de organização e prática politicas assentadas numa de­mocracia de massas.

Pouco frequentada pelos historiadores, sempre preconceituosos sobre tais"especulações filosóficas", Arendt propõe uma análise não-marxísta de fenômenosfundamentais à compreendo dos prilnórdios da modernidade. Sua importância ultra­passa em muito os limites do debate historiográfico sobre a Revolução.

Não menos importante, se bem que igualmente suspeito para os hístoría­dores, é o livro de J. C. Talmon sobre "As origens da democracia totalitária", publi­cado em 1966. Ao explicitar muito do que apenas está sugerido por Arendt, Ta1monconecta a "democracia direta", rousseauniana, materializada em parte à época da Con­venção, com os totalitarismos do séc. XX - motivo suficiente para sei colocado no"Index" marxista, mas, ao mesmo tempo, insliganle para os dois historiadores franee­ses que iremos referir agora - D. Richet e F. Furet,

d - O chamado ureYisioDiamo"

Desde duas décadas pelo menos, o novo.acirramentoda poltmica no cam­po da hísteriografia da Revolução Francesa está associado, fundamentalmente, à publi­cação de "La Révolution françaíse", de autotia de F. F.....I e D. Richel (Paris, Ha­chette, 196516,2 vols.).

Em função das interpretações que esses dois autores propuseram para asvárias questões tradicionalmente inclu1das no "corpus" historiográfico da Revolução,reacenderam-se antigas idiossincrasias, retomaram-se velhas posturas maniquefstas e,rapidamente, o debate acadêmico resvalou para os enfrentamentos político-ideológicose as querelas pessoais.

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A concepção de Faret e Richet parte da verificação, "evidente", de que,em 1789, houve a "telescopagem" de três revoluções: a revolução jurídica e de sentidoliberal das "elites" esclarecidas, a qual seria a verdadeira "revolução das Luzes";a re­volução do campesinato descontente: a revolução dos ressentidos das classes inferioresurbanas. Essencial à compreensão da primeira dessas revoluções é o conceito de "eli­te", englobando os segmentos burgueses e aristocráticos comprometidos com umpro­jeto reformista e juridicamente igualitário (48). Dentro desta perspectiva as noções de"reação aristocrática" e luta entre uma classe feudal e uma classe burguesa além da de­finição "antifeudal" da Revolução, deixam de ter pertinência. Já as duas outras "revo­luções" tenderiam a configurar, especialmente em função da liderança de Paris, urna"revolução popular", ao mesmo tempo violenta e retrógrada, não desejada pela bur­guesia e apenas aceita enquanto imposição "vinda de baixo", apoiada no argumento deforça.

Ao partirem de tais pressupostos, os autores tentaram encontrar respostaspara uma indagaçllo fundamental: como foi possível que a "Revolução de 1789", es­clarecida, de cunho reformista, tenha se transformado na "Revolução de 1793", co­mandada pelos "sans-culottes", dominada pelos ideólogos, a ponto de converter-se na"aberração incompreensível" quefoi o "Terror"?

Segundo Furet e Richet, por culpa da completa falta de inteligência políti­ca da Corte, incapaz de compreender a proposta de uma revolução "pelo alto", refor­mista. comandada pelaselites "esclarecidas". o "cursonormal" dos acontecimentos foiatropelado pela irrupção das massas populares no palco das decisões, o que teria provo­cado urna "derrapagem" acidental da Revolução, cuja maior consequência foi a dita­dura jacobina. Segundo eles, uma ditadura não era nem indispensável ao sucesso doprojeto das elites, nem foi motivada pela "primeira revolução".(49)

Tais interpretações, exatamente por incluírem a rejeição ou retificação deconcepções que alio partes essenciais da interpretação marxista, geraram imediatascontestações (50), ao lado de recensões equilibradas, como a de L. Bergeron (51). Ri­chet e sobretudo Furet responderam a tais críticas, especialmente às de C. Mazauric.Nçste sentido, destaca-se o artigo de F. Furet sobre "O Catecismo Revolucio­nário".(52)

A Revolução Francesa de Furet e Riebet colide ainda com diversas outrasvisões já consolidadas sobre variados aspectos constitutivos do processo revolucio­nário. Em se tratando das "origens", por exemplo, Richet descreve urna situação de"bloqueie econõmico" da França do setecentos, em dissonância, ao menos em parte,com a idéia de "revolução da prosperidade" (focqueville/Labrousse), referida por nósanteriormente. Quanto ao "Terror". aparentemente "incompreensível", Furet vai ten­tar explicá-lo através da leitura das obras de A. Cochin e de A. de TocquevilIe. Combi­nando-os, Furet aventa a hipótese de que, em decorrência do grande avanço da centra­lização estatal à.época da monarquia absoluta, teria havido, a partir da derrocada damonarquia constitucional, ou mesmo antes, umacompleta falência das instituiçõés polí­ticas normais, um vãzio do poder que deixou nas mãos dos ide6logus a realidade dasdecisões.

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Dessa maneira, ter-sé-ia implantado em conexão com o modelo de demo­cracia direta, representado pelo "regime de assembléia", uma verdadeira tirania do dis­curso ideológico, o reino da "opinião" através da fala persuasiva. Nesse dilema entre a"democracia representativa" • posta em xeque, e a "democracia direta", a meio cami­nho, o comando das decisões passou para os ideólogos jacobinos que atuaram atravésdas "socíétés de pensée", particularmente os clubes,veiculadores, conscientemente ounão, das teses de Rousseau sobre a "democracia" e a "vontade geral".(53)

Para Furet, 1794 significa o retomo 80 "cursonormal" e o Termidor, lon..ge de ser a vitória da contra-revolução, é a afirmação dos "princípios de 1789".

Os crfticos do trabalho de Furet e Ricbet acusaram-nos de dar preferênciaa fontes secundárias, quer dizer. de não pesquisarem, ou O fazerem de forma msufi­ciente, o que não nos parece verdadeiro. Talvez se possa dizer que eles dão pouco espa­ço à contingência, ao acaso, e à influência de indivíduos. Porém, pensando bem, istotambém se pode dizer dos "Annales" em geral, Em relação a estes, os nossos autorestalvez. SÓ tenham mesmo uma diferença marcante - a enorme importância queas ideo­logias assumem em sua versão da Revolução.

Em 1978, num livro intitulado "Penser la Revolution française" (Paris,GaIlimard) (54), Furet preocupou-se em apresentar os trabalhos mais expressivos doseu percurso intelectual como historiador da Revolução, a fim de baIizarsuas própriasreferências e mais longamente expor suas dúvidas acerca das concepções sobre a Re­volução presentes na perspectivahistoriográfica. Ao mesmo tempo, ele vai dandores­postas às crfticas dirigidas ao livro que escrevera com D. Richet. Para começar Furet seindaga: Como interpretar esse evento? Pararesponderà pergunta, Furet vai entJo te­cendo a imensa rede de relações político-partidárias e ideológicas que, ao longo dahistoriografia, marcaram as sucessivas "visões" da Revolução. Daí o título do primeirotrabalho do citado livro: "A Revolução Francesa acabou". Não se trata, como algunsdizem. de afumar que "não houve Revolução" mas, sim. colocar a questão de que ja­mais poderemos analisá-la corret.amente enquantomuitos não quiserem,ou não pude­rem, admitir esse fato elementar para um bistoriador - o seu término!

A razão maior da manutenção artificiaI da Revolução, ainda hoje, comocoisa "viva", embora petrificada, no dizer de Furet, vem a ser a sua dupla identidade:J>OT um lado ela se identifica como momento fundador por excelência da "nação" e da"igualdade republicana"; logo, criticã-la é atentar contra os sentimentos nacionaisepatrióticos; do outro lado, a Revolução FrancesaSe transformou simplesmente em "aRevolução", a promessa de uma sociedade mais justa, a garantia do "progresso"; atacá­la, enquanto tal, é incorrer nas iras dos seus guardíães, os marxistas, ou "comunistas",como Furet costuma escrever. justamente aqueles que guardam consigo as chaves docontrole acadêmico e intelectual na França. Enfim, posicionar-se contra essas duasidentidades é ser simultaneamente "antipatriótico" e "reacionãrio" ou "direitista".

o texto todo de "O Catecismo Revolucionário" consiste exatamente nadiscussão e crítica dos críticos das suas posições: A. Soboul e C. Mazauric. Para Pu­ret, há uma distância enorme entre o marxismo-leninismo desses lústoriadores e asconcepções do próprio Marx:

Anãl.• Conj., B.lo Horizonte, v.... n,Os 2 e :3 . Moio/Dezembro/1989 305

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"O drama dos Franceses, tal como dos operários, são as grandes recorda­ções. É preciso que os acontecimentos ponham fim de uma vez por todas aesse culto reactonârio do passado"(Marx. "Carta a Cesar de Paepe", I4 de setembro de 1870)

Se a "Revolução acabou", se a interpretação "oficial" é apenas um textono "catecismo revolucionário", que fazer? Para Furet a resposta só poderá ser uma:analisar os problemas teórico-metodológicos da bist6ria revolucionária, começandopelo próprio conceito de "revolução". No seu modo de ver a verdadeira raiz das distor­ções existentes, afora as questões pessoais, se acha no fato de Dio existir uma explica­ção rigorosa dessa "Revolução" sobre a qual tanto já foi escrito. Uma afirmação semdúvida alguma estranha, pelo menos à primeira vista.

Na verdade, o ponto crocial da discussão, segundo Furet, não se situa nasdiscrepâncias interpretativas. quaisquer que sejam elas. A questão de fundo é a verifi­cação de que. com raríssimas exceções, todos que se prop"""ram a interpretar a Revo­lução fizeram-no sempre a partir de uma ilusão íniciaJ. que cootaminou, a seguir, todo orestantedesses esforços: a ilusão, o erromesmo, teria sido o de tomarem como "reais",no sentido de verdadeiras, as representações e tomadas de consciência dos própriosagentes sociais envolvidos nos acontecimentos revolucionários acerca desses mesmosacontecimentos. As concepções respeitantes às origens da Revolução, sua natureza eobjetivos, produzidas por tais agentes, inclusive os motivos. intenções e justificativasque eles extemaram sobre o sentido das suas ações, ou dos eventos de que foramparti­cipantes, ou testemunhas, constituem. ainda boje, a matéria-prima das hist6rias da Re­volução. Trata-se. portanto, do problema da "ideologia" e, para Furet, nada melhornesse caso do que retomarmos a Marx. Tal é, precisamente, a essência das crfticas queele endereçou a Sobou! e Mazauric.

Portanto, se, como afirma Furet, tudo que temos sobre a Revolução sãointerpretações ideológicas construfdas sobre as representações presentes nos discursosproduzidos pelos próprios revolucionários, elas mesmas não sendo outra coisa senãosignificações também ideológicas, o que de fato possuímos é uma ideologia da ideolo­gia. Quer dizer, nossa idéia da a....oluçto como "revolução" nada mais é do que aideologia de indivíduos ou grupos que viam a si próprios como "revolucionários" nointerior de um processo que eles apreenderam como "revolução", dadasua natureza,para eles, evidente e indiscutível. Aliás, diga-se de passagem, o problema não consistenessas apreensões ou tomadas de consciência "revolucionárias", uma vez que taisagentes sociais operavam dentro dos limites das possibilidades existentes à elaboraçãode suas representações sobre tudo aquilo que estavam vivenciando.(55)

Sendo assim, deduz Furet, se tudo que possuímos a respeito da "Revolu­ção" nada mais é do que a idéia ou consciência de "revolução" daqueles que dela parti­ciparam como elementos político, social e ideologicamente atívos, ou passivos, o únicocaminbo à nossa disposição deverá ser o da construção científica do conceito dessa"Revolução". Neste passo, Furet vai resgatar os livros de A. de Tocqueville e de A.Cocbin haseando-se na convicção de que esses autores foram os únicos que propuse­ram umaconceituaçãorigorosada Revolução Francesa.

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o verdadeiro núcleo argnmentativo de F. Furet não é, portanto, a chamada"tese da derrapagem", nem tampooco a intenção de negar que tenha havido a Revolu­ção Francesa. Os alvos de sua argumentação visam outros pontos: 10) o aspecto meto­dológico tal como tentamos resumi-lo acima;20) o problema ideológico. Quanto a este,é bastante expressiva a comparação feita por Furet entre a diferença de situaç6es queenfrentam os historiadores: uma coisa é estudar os reis Merovlngios, outra, bem di­versa, é querer estudar a Revolução Francesa. No primeiro caso, o historiador enfren­tará os obstáculos naturais do oficio; já no segundo, ele terá primeiro que se "identifi­car".

J. Solé, ao referir-se a Furet "e seusamigos", reconhece a natureza de suaoposição - são contra os defensores das interpretações tradicionais, de umaforma oude outra ligadas ao marxismo. Mas reconhece e proclama que Furet e os demais nuncase limitaram a difundir as teses de A. Cobban e seus seguidores. O que eles pedem,lembra Solé, é apenas que deixemos de comemorar um patrimônio ou proferir um aná­tema em relação a 1789.

"No entanto, seria um erro utilizar sem crítica, para tal trabalho (de de­núncia), as pesquisas recentes sobre a Revolução de 1789. Ao arranharem a superflciedo ícone, elas na verdade só fazem ressaltar sua grandeza e importância, uma vez que,de uma forma ou de outra. boa parte de nossas divisões ideológicas e aspirações políti­cas nasceu nesse espsntoso decénio".(56)

IV - CONCLUSÕES GERAIS

Em linhas gerais, quanto aos aspectos de conteúdo interpretativo da Re­volução Francesa, poderíamos reproduzir a maior parte das conclusões de 1. Solé,acrescentando-lhes apenas as seguintes considerações:

I - O caráter político-ideológico das interpretações, configurando a contradição inso­lúvel entre historiadores "progressistas" e "reacionários", permanece viva e atuante,eclipsando as discussões e até desqualificando, preliminarmente, a discussão que nãoinclua de saída a aceitação de determinados "parâmetros";

2 - Boa parte do debate atual se processa sem um conhecimento preciso dos argnmen­tos em presença, limitando-se a tomadas de posição genéricas e emotivas diante dasimples proposta de colocar a "revolução" como objeto passível de discussão;

3 - Os variados preconceitos de toda ordem que sempre acompanharam a história daRevolução continuam a existir, transformados e adaptados às novas realidades do mun­do atual;

4 - O problema da violéncia revolucionária, sua necessidade e legitimidade, permanececomo um dos grandes divisores de águas, talvez porque se trate de uma questão extre­mamente atual, inclusive sob um prismarevolucionário;

5 - A divisão das interpretações da Revolução entre duas "teorias" - conspiração e cir­cunstâncias - oculta sempre uma outra questão, bem mais ampla: a das premissas cog­nitivas sobre o próprio objeto. Ao tomar-se a Revolução como um "dado", apostando

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em sua "realidade", evidente por si mesma, pomos de lado todas as armadilhas ineren­tes aos níveis de significação ideológica presentes nas práticas discursivas que consti­tuem boa parte do material com que o historiador trabalha;

6 - Praticamente, até os dias atuais, a "Revolução em si" raramente foi posta em dúvi­da. Embora variem as tonalidades das tintas, os ritmos das açóes e os atores privilegia­dos. a Revolução permanece como que indiferente às filigranas e sofístícações historia­doras. Como se o realmente importante fosse apenas "vê-la". enquanto realidade re­volucionária;

7 - A atualídade de Tocqueville, o prestígio de Hannah Arendt, derivam da impor­tância que adquire em suas análises não propriamente a Revolução Francesa em simesma mas a problemática. tremendamente atual, da dialética da liberdade e da igual­dade.

Enfim. uma visão panorãmica do curso seguido na atualidade pelo debatesobre a história da Revolução demonstra que, mais uma vez, tenta-se colocar em açãoos mesmos processos de desqualiflcação daqueles que não comungam da visão oflcialsobre a Revolução: são direitistas e(ou) reacíonérios.

Talvez o problema agora seja ontro. por6m. A discussão tende aconcentrar-se na análise da Revolução em si, sua realidade mesma, não se limitandomais ao estilo tradicional que consistia em tomadas de posição pró ou contra esta ouaquela versão mas onde havia uma base ou substrato mínimo de entendimento - a reali­dade da Revolução de 1789 como "revolução".

Em segundo logar. verifica-se qoe esti tamb6m em jogo a própriamaneira do historiador encarar sua tarefa - o sentido de suas investigações, a naturezae valor de seus pressupostos. explícitos ou implícitos. Em síntese, o debate tende para ocampo teõrico-metodolôgíco, coisa que já se constitui em verdadeira novidade nessahistoriografla.

Em terceiro lugar, evidencia-se com nitidez a inocuidade das posturascríticas tradicionais, com seu viés francamente partidário diante dessas novas perspec­tivas críticas surgidas no ãmbito da historiografia revolucionária. No presente estágioda controvérsia. provavelmente só os espíritos ingénuos ou mal informados. além. ob­viamente. dos sectários. poderão ainda impressionar-se ou levar a sério ataques pura­mente ideológicos acompanhados de argumentos "ad homine". Fica cada vez mais difí­cil destruir as críticas simplesmente acabando com os críticos.

Por tlltimo. njo parece viivel qoe se po." recorrer para a defesa daRevolução (se é que ela precisa ser defendida) aos ve1bosespectros fantasmais da "Da­

ção" ou da "pátria... supostamente agredidos e ameaçados. De ponco valem hoje, eesperamos que possam valer ainda menos no futoro, ai poaturas maniqueístascomo método para solução de problemas que dependem muito menos de fidelidadesafetivas, subjetivas, e, bem roais, de toda uma adequada clarificação de perspectivas epressupostos do próprio estudo e pesquisa da Revolução.

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NOTAS

(I) Barreto, Luís Felipe - C....mhoa do saber 00 Renueimcoto portogoea.Lisboa, Imprensa Nacional, 1986, p. 206.

(2) Monod, Gabriel - Michelet et I'Hútoriograpbie ~volatiollllllire(RevueIntematiooale de I'enseignement, 1910, pp. 414-437). Aulard, A. - Hútoire dela Révolatioo. mi!lhodca et rtallitats (Revue du Mois, 10105/1906 p.538-550). Acton, Lord - Tbe Iitteratare of lhe Revolatioo. Como apêndice:Lectures 00 lhe Freocb Revolution, 1910. Caron, P. - Muael Pratiqae poorI'i!tade de la Révolation Fruçaise, Paris, (1912), 2eme editoo, 1947.

(3) Lefebvre, G. - "Les bUtoriens de la Ilévolatioo Française"" Bulletin de IsFacu1té des Lettres de Strasbourg, 1929/1930, fase. 46 in: Études d'bistoire re­volutionnaire e contemporaine. Lefebvre, G. - "La Révolution françai&e etles paysans"" (Cabiers de Is Revolatíon Française, o" 1, appendice - p. 42-9).Paris, 1924. Sagnac, Ph, - "La Révolatioo de 1789 d'apris Miche1et. Qui­net, Tbiers, etc...," 1934. Villat, L. - La Révolotion et I'Bmpire. vol. 1- Lesassemblées Revolutinnairs (l789-99); Paris, PUF, 1936 - p. XII - LXXII. Rei­nhard, M. - ""L'lnstitote d'bUtoire de la RévolotióD française"" in: RevueHistorique, 1961, v. 226, p. 153-156. Halévy, D. - "Histeire d'une Histoire",pour le troisiême cínquentenaíre de Is Revolutioo française (1939). Martim,A. eWalter G. - Catalogoe de I'bUtoire de la Révolotioo trançaise, Paris,1936-556 vols.

(4) Lefebvre, G. - Coars d'bUtoriographle modeme. Paris, CDU, 1946. Cob­ban, A. Tbe Debate 00 tbe Freoch Revolotion. Londres,{1950). Cobban, A.- Tbe bUtorius ud lhe ca...... of lhe Freocb Révolatioo. Londres,1958. Melloo, S. - The Politicsl ...... ofbUtory. A stDdy of bUtoriansln lhe Freocb. Restoratíon, Stanford University Preso, 1958. Geyl, P. Bo­collDters ln History (Freoch historians for and against lhe Revolulioo). Cle­veland, 1961. MacManners, I. - Tbe bUtoriography of lhe French Revo­latioo. New Cambridge Modem History, vol. VIII, 1965. Godecbot, I. ~ Oa00 cal ea I'bUtoriographle ? in; l'infonnatioo Historique, 1965. Godechot, I.Les Révolations. Paris, PUF, 1965, p. 34-75. Gérard, Alice - A RevoluçioFruceaa - Mitos e lnterpretaç6ea. São Paulo, Perspectiva, sld. Reinhard,M. - Sur I'hUtoire de la Révolatioo française. in: Annale 14 (1959) p,

552-570. Schimitt, E. - R~volacioo Fru""sa, eo Historia '" Marxismo yDemocrscia (Enciclopédia dirigida por C.D. Renníng), Madrid, Rio duero,1975 p. 911115. Walter G. Repertoire de I'bútoire de la Ri!volutioo Fran­çaise. Paris, 1941 - 52 - 2 vol,

(5) Gérard, Alice - op. cito p. 48.

(6) Idem, íbíd., p. 74177.

(7) Idem, ibid. p. 98199.

(8) MacManners, I. - op. cit. p. 618/9.

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(9) Gérard, Alice op. cit. p, 14/15.

(10) MacManners, op, cit. p. 62011.

(11) cf. MacManners, op, cito p. 621 e Gérard, op. cito p. 31 e segs,

(12) cf. idem, ibid. p. 623/4.

(13) cf. Lefebvre, G. La oaisa..ee de I'lüsloriognpbie modeme, Paris, Flama­rion, 1971, p. 163/4.

(14) Gérard, A. op, eit, p. 40.

(15) Auguste Migoel (1790-1884) - Histoire de la Révolulion fr..çaise. Paris,1924; cf. MenOnl, S. The politicai Uses of History (N.Y., Columbia Univ. Press,1958); Adolphe Thiers (1197-1877) - Histoire de la RévolulioD Française(1823-1827); François,Pierre Guillaume Guizot (1787-1874) - COUD·d'bis­loire modeme (1829-1832); cf. MacManners, op. cit. p. 625/8; Lefebvre, G.­op, cito p, 83/4, situa Guizot em I. lugar.

(16) Buonarroti, Filipo M. (1761-1837) - "Coupiralion pour I'éplité, dite deBabeof". Paris, 1928.

(17) cf. MacManners, p. 62819 e Gérard, A. op. cit. p. 46, nota 7.

(18) Louis Blanc (1811-1882) - Histoire de la RévololioD fruçaise(1847-1862); Car1yle, Thomas (1795-1881) - The FrellCh RevolotioD, aHistory (1837) cf. Fueter, Historia de la Historiografia Modema, B. Aires, No­va, 1953, 2. vol., p. 1311136, Lefebvre, G, op, cito p. 25419, 208/9; Gérard, A.op. cit. p, 49.

(19) Gérard, A. op, cit. p. 50/2.

(20) Jules Michelet (1798-1874) - Hisloire de la RévololioD française (publicadaentre 1847 e 1853), 7 vols; "Le People" (1846); Cf. Fueter, Ed. op. cit. p.128/131; Lefebvre, G. op, cito p. 1871204;MacManners, op. cito p. 630/4.

(21) Gérard, A. op. cit. p. 58/60;onde a autora afirma que foi a partir do despertar da"energia popular", em junho de 1848, que se deu toda sua importância à idéia dodesvio de 0693" , consagrando-se o princípio do dualismo revolucionário.

(22) Lefebvre, G. Annales Historiques de la RévolotioD Fruçaise, (A.H.R.F)1955, p. 313/323, e a "Introduçio" ao Tomo II das Oeowes Compl6tesde A. de TocqneyjJJe, Paris, 1952, bem como os estudos de F. Furet,

(23) Toequeville, Conde A1éxis de (1805-1859)-"La Démocratie ea Amériqoc"{l835-1840), "L'Ancien Régime et la RévolutioD" (1856). Cf, LefebvreG., op. cit. p. 209/216; MacManners, op. cito p. 634/638; ''Toequeville é umexemplo padrão para os historiadores do valor das hipóteses preliminares, e daverdade devastadora de que não existe nada que substitua a inteligência".

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(24) cf. MacManners, op, cito p. 638; esta afirmação de MacManners colide com aopinião de G. Lefebvre que associa Sarei a Taine (op. cit. p. 247) o mesmo fa­zendo Fueter (p, 271/2).

(25) Hippolyte Taine (1828-1893) - "Les originos da la Froco CODtcmponi­DO" (1874-1894) 6 vais; cf, Lefebvce, G. op. cito p. 233/247; Fueter, Ed. op. citop. 2621270; MacManners, op. cil. p. 638/640.

(26) Gérard, A. op, cit. p. 72, nota 13.

(27) Edgar Quinet (1803-1875) - "La Revolution" (escrita desde 1854 e publicada em1865); foi também o tradutor de Herder (1827); cf. Lefebvre, G. op. cit. p.206/8.

(28) cf. Gérard, A. op. cit. p. 64/5, nota 6, e p. 68.

(29) Idem, ibíd. op. cito 35/6

(30) Alphonse Aulard Ú849-1828) "Hiatoirc Politique do la R';volatioD fran­çaisc" (1901); Taino, hútoricn de la RévolatioD froçaisc" (paris, Alcan,1907), "La R';volatioD ftulçaisc et lo r<lgimo f6odal" (paris, Alcaa,1919); cf. MacManners, op. cil. p. 643/5; Gérard, A. op. citop. 79.

(31) G. Lefebvre, apud Gérard, A. op. cito p. 74; cf. notas 1 e 2.

(32) Gérard, A. op. cit. p. 78, notas 7 e 8.

(33) "Senhores, estejamos de acordo ou não, a Revolução Francesa é um bloco quenão aceita divisões" (Oémenceau); "É radical aquele que professa para com aRevolução Francesa uma lealdade análoga àquela dos realistas para com seu rei"(Thíbaudet), apud Gérard, A. op. cito p. 80.

(34) Jean Jaurês (1859·1914) Histoirc Socialiste de la R';volation Fruçaisc(paris, 1901/5,4 vais); cf. Gérard, A. op. cit, p. 85, MacManners, op, cito p. 646.

(35) Albert Xavier Émile Matbiez (1874-1932) - Les origines des eultes revola­tionnairos" (paris, Soco Nouv. 1904); La Révolation ot.l'Eglise (paris, A.Colín, 1910), ÉtDdcs robcspiorrlates" (Paris, A. Colín, 191711918,2 vais),La R';volatioD françaisc (paris, A. Colin, 192217, 3 vais), La vic ebjSro otlo moavemoDt social soas la Torrear" (Paris, Pyot, 1927), Girondins etMontagnards {Paris, Didot, 1930), etc.; cf. MacManners, op, cito p.-646I7, onderefere uma frase de L. Febvre sobre Matbiez: "paramentado com suas virtudescfvicas..: como um promotor püblíco Dum filme judicial, ou um Fourquier-Tin­ville de melodrama".

(36) cf, MacManners, op. cito p. 649/50 e Furet F. - Aasaate Cochin: tbc Thcoryof Jacobinism", em: IDterproting tbc Freneh RovolatioD (Cambridge,lJniv.Pcess, 1981,p. 1641204).

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(37) Georges Lefebvre (1874-1959), cf, Falcon, F.J.C. "Apresentação" à edição bra­sileira (2') de O Grande Medo de 1789 (Rio,C ampus, 1989): Reinhard, Mar­eei - "Un biatorien ao XXe. siêcle: Georgflll Lefebvre" em Revue Histo­rique 84 -CCXXlll, 1960, p. 1 a 12; ido "Georges Lefebvre", em Reyged'Histoire &onomiqoe et Contemporaine, VII (1960) 1,p. /10.

(38) ef. Dosse, Pb. "L'Histoire en mieufllI", Paris, La Découverte, 1987, p. 65;MaeMaoners, op. cito p. 650.

(39) Gérard, A. op, cit, p. 96, sobretudo a DOta 26.

(40) cf, MaeMaoners, op. cito p. 651.

(41) cf. Godecbot, J. em Revue Historique, CCXXVII, avriJ, 1962, p. 493/4.

(42) Idem, Revue Historiqne, CCXXXV1, juillet, 1966, p. 204/5, e CCXXVII,avriJ, 1962,p. 50213.

(43) cf. Godechot, J. em Revue Historique, CCXXVII, avril, 1962, p. 50314,idem,CCXXXVI, oct, 1966, p. 41213; Idem, ibid, p. 417..

(44) Lefebvre, G. Á.H.R.F, 1957, p. 27214, Reiubard, M.A.H.R.F, 1960, p. 22013;Godecbot, J. Rene Historique, CCXXXVI, juillet, 1966, p, 199/200 e 204.

(45) Lefebvre, G. em A.H.R.F. 1956, p. 337/345; Reinhard, M. A.H.R.F. 1969, p.145/371: Godechot, J. Revue Historique, CCXXXVI, p. 405/6, Gérard, A.op. cito p. 121 e 125.

(46) Godecbot,l. Rene Historique, CCXXXVI, p. 407 e 413

(47) Os artigos: "Types of capita1ism ia 18th. ceotory France", em: EngliaHistorical Reriew, 79 (1964) 478-497); "Non capita1ist wea1tb and lheorigiDs of lhe Frencb Revolutionu

, em American Historical Review, 72(1967) 469-496; "RevolutiolllU)' and noorevolutiolllU)' COllteDt ia ca­biera of 1789", em Frencb Histurica1 Studies, 7 (1972) 479-502; 1. Sentou,Fortunes et groupes sociaox l Toulouse 1001 la R';volutiOD", apud Ge­rard, A., op. cito p. 129. A dissonâncía teria a ver, inicialmente pelo menos, comas diferenças regionais (Bordeaux X Toulouse).

(48) cf. Richet, Denis - "Autour de la RévolutioD française: afites et despo­tisme", em Annales, E.S. C., 1 (1969) p. 1-23; comparar com Maranini - G.Classe e stato nelle Rivo!uzione francese (Firenze, Vallechi, 1965).

(49) cf. as opiniões de M. Gõhring - Die Grasse Revolution, 1950 - e o prefáciode D. Richet ao livro de Leo Gersboy - L'Europa des princes &lairéI, 1966,bem como nosso livro - "Despotismo Esclarecido" (S.Paulo, Ática, 1986).

(50) Mazauric, Claude "Sur la RévolutiOD française" (Paris, Ed, Sociales, 1970,com Prefácio de A. Soboul),

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(51) Bergeron, L. "Une re1ec:tBrC atcntive et pusioMe de la R6volationfrançaiae" em Annales, E.S.C., 3 (1968) 595-615.

(52) Furet, François - "Le cat6cJlisme de la Revolation françaiae", em Anna­les, E.S.C., 2 (1971) 255-289.

(53) Furet, F. "De T""'Iacville and lhe probtem of lhe Freacb Revolatioa","Aagalte Cocbin: lhe lheory of Jacobiniam", ambos em Interpretioglhe Frencb Revolation,op. cit. p. 132 e 164, respectivamcnte.IH

(54) Utilizamos o livro de Furet em sua edição inglesa, já citada, bem como a ediçãoportuguesa, parcial- Eauiol sobre a RevolBçIo France.. (Lisboa, A Regrado Jogo, 1978) a qual contém um prefácio de F. Puretzsõ agora, 1989, foi edita­da a versão brasileira (Rio, Zahar).

(55) cf. Ozouf, Mona "De Tbermidor i Brumaire: te diacoBrl de la RevolB­tion lar êlle M6mc", em Rev. Hist. jan/mar, 1970, p. 31-66; Maranini, G. op.cit.; e também os trabalhos de Régioe Robin e outros autores preocupados com"liogüistica e história".

(56) Solé, Jacques A RcvolllÇio Franceaa cm Qoeatio (Rio, Zahar, 1989), p.11/16, notas 9 e to,

FRANCISCO JOSÉ CALAZANS FALCON

É professor titular da Universidade Federal Fluminense e livre-docente emHistória Moderna pelamesma Universidade. Ex-coordeaador do curso de Pós-gradua­ção em História, atualmente é Pro-reitor de Pesquisa e Graduação da UFF. Autor dediversos livros, destacando-se, dentre eles, A Época Pombaüna, Polftica Econômica eMonarquia Ilustrada; Mercantilismo e Transição; e O Iluminismo.

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