a história secreta da raça humana - michael cremo e richard thompson

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Prefácio

PorGrahamHancock

AutordeOMistériodeMarteeDigitaisdosDeuses

É paramim um grande prazer e uma honra apresentar esta versão condensada deArqueologiaproibida.Permitam-medizer,desdelogo,queacreditoqueestelivroéum marco dentre as realizações intelectuais do m do século XX.Os estudiososmaisconservadoresvãodemorarumpoucomais,provavelmentemuitosanos,paraaceitar as revelações que ele contém. Contudo, Michael Cremo e Richardompsondeixaramsuasrevelaçõesàmostraeagoraorelógionãopodevoltaratrás.Maiscedooumaistarde,gostemosdissoounão,nossaespécieterádeseajustaraosfatos documentados de maneira tão impressionante nas páginas que se seguem, eessesfatossãoespantosos.

AtesecentraldeCremoeompsonéque,infelizmente,omodelodapré-históriahumana, cuidadosamente elaborado por estudiosos nos últimos dois séculos, estácompletamenteerrado.Alémdisso,osautoresnãoestãopropondoqueessemodelosejacorrigidocompequenosajusteseretoques.Éprecisoqueomodeloexistentesejajogadopelajanelaequerecomecemoscomamenteaberta,semquaisquerposiçõespreconcebidas.

Estaéumaposiçãopróximadaminha;comefeito,constituiabasedemeus livrosDigitais dos Deuses e O Mistério de Marte. Neles, porém, meu foco se deteveexclusivamentenosúltimosvintemilanosenapossibilidadedequeumacivilizaçãoglobalavançadapossater orescidohámaisdedozemilanos,tendosidoeliminadaeesquecidanograndecataclismoquepôsfimàúltimaEraGlacial.

Em A história Secreta da Raça Humana, Cremo e ompson vão muito além,recuando o horizonte de nossa amnésia não apenas doze ou vinte mil anos, masmilhõesdeanosnopassado,mostrandoquequasetudoquenosensinaramsobreasorigenseaevoluçãodenossaespécieseapóianafrágilbasedaopiniãoacadêmicaeemumaamostra altamente seletivade resultadosdepesquisas.Posteriormente,osdois autores revêemos fatos apresentando todos os outros resultados de pesquisasqueforamretiradosdosregistrosnosdoisúltimosséculos,nãoporquehavianelesalgodeerradooufalso,masapenasporquenãoseencaixavamnaopiniãoacadêmicadaépoca.

DentreasdescobertasanômalasedeslocadasrelatadasporCremoeompsonnestelivro, estão evidências convincentes de que seres humanos anatomicamentemodernos podem ter estado presentes naTerra não apenas há cem mil anos ou

menos (a visão ortodoxa), mas há milhões de anos, e que objetos metálicos dedesenho avançado podem ter sido usados em períodos igualmente antigos. Alémdisso, embora já tenham sido feitasdeclarações sensacionais sobre artefatos foradelugar,anteselasnuncareceberamoapoiodedocumentaçãotãocabaleplenamenteconvincentecomoaqueapresentamCremoeThompson.

Emúltimaanálise,éameticulosaerudiçãodosautoreseopesoacumuladodosfatosapresentadosaquiquenosconvence.Olivroestá,creio,emharmoniacomoatualhumor do público como um todo, que não aceita mais, sem questionar, ospronunciamentosdasautoridadesestabelecidas,eestádispostoaouvir,comamenteaberta,os“hereges”queapresentaremsuascausasdemaneirarazoáveleracional.

Nunca antes a hipótese de reavaliação completa da história da humanidade foidefendidacommaiorveemênciadoqueaqueseapresentanestaspáginas.

GrahamHancock

Devon,InglaterraJaneirode1998

NotaaoLeitorA edição integral deArqueologia proibida tem 952 páginas, representando, assim,um desa o paramuitos leitores. Por isso, Richard L.ompson e eu decidimosapresentar A História Secreta da Raça Humana - uma versão mais curta, maisinteligíveleacessíveldeArqueologiaproibida.

Este livro contém, no entanto, quase todos os casos discutidos em Arqueologiaproibida. Faltam-lhe as citações no texto e as discussões detalhadas dos aspectosgeológicos e anatômicos de muitos dos casos. Por exemplo, aqui, nós podemosapenasa rmarquedeterminadosítioarqueológicoétidocomosendodoPliocenoSuperior.EmArqueologiaproibida,apresentamosumadiscussãodetalhadadarazãoparaisso,bemcomomuitasreferênciasarelatóriosgeológicostécnicosdopassadoedopresente.

MichaelA.Cremo

PacificBeach,Califórnia26demarçode1994

IntroduçãoeAgradecimentosEm 1979, pesquisadores do sítio de Laetoli, Tanzânia, na África oriental,descobrirampegadasemdepósitosdecinzasvulcânicascommaisde3,6milhõesdeanos.MaryLeakeyeoutrosdisseramqueasimpressõesnãosedistinguiamdaquelasdeixadaspor sereshumanosmodernos.Paraesses cientistas,porém, isso signi cavaapenas que os ancestrais humanos de 3,6 milhões de anos atrás tinham pésmarcantementemodernos.

Segundooutrosestudiosos,comooantropólogoR.H.Tuttle,daUniversidadedeChicago,ossosfósseisdospésdeaustralopitecosconhecidosde3,6milhõesdeanosatrás mostram que eles tinham pés nitidamente simiescos. Logo, não eramcompatíveiscomaspegadasdeLaetoli.Emumartigopublicadonaediçãodemarçode 1990 da Natural History, Tuttle confessou que “estamos diante de ummistério”.

Portanto, parece lícito considerar uma possibilidade que nemTuttle nem Leakeymencionaram-adequecriaturascomcorposhumanosanatomicamentemodernos,coerentes com seus pés humanos anatomicamentemodernos, tenham existido há3,6milhõesdeanosnaÁfricaoriental.Talveztenhamcoexistidocomcriaturasmaispróximasdomacaco.Pormaisintrigantequesejaessapossibilidadearqueológica,asatuaisidéiassobreaevoluçãohumanavetam-na.

Porém, entre 1984 e 1992, Richard ompson e eu, com a ajuda de nossopesquisador Stephen Bernath, reunimos um amplo conjunto de evidências quequestionamasatuaisteoriasdaevoluçãohumana.Algumasdessasevidências,comoaspegadasdeLaetoli,sãobemrecentes.MasamaioriadelasfoirelatadaporcientistasnoséculoXIXenoiníciodoséculoXX.

Mesmo semver esse conjuntomais antigode evidências, alguns vãopresumirquedeve haver algo de errado com elas - que os cientistas devem tê-las descartadohámuito tempo por um bom motivo. Richard e eu analisamos a fundo essapossibilidade. Concluímos, no entanto, que a qualidade dessas evidênciascontrovertidas não é nem melhor, nem pior do que as evidências supostamenteincontroversas geralmente citadas a favor das atuais correntes sobre a evoluçãohumana.

NaParte 1deAHistória Secreta daRaçaHumana, analisamosdeperto a grandequantidade de evidências controvertidas que contrariam as atuais idéias sobre aevolução humana. Contamos em detalhes de que modo essas evidências foramsistematicamente suprimidas, ignoradas ou esquecidas, muito embora equivalham

(qualitativa e quantitativamente) às evidências favoráveis às posições aceitasatualmentesobreasorigenshumanas.Quandofalamosemsupressãodeevidências,nãoestamosnosreferindoacientistasconspiradoresexecutandoumplanodiabólicoparaenganaropúblico.Naverdade,estamosfalandodeumprocessosocialcontínuode ltragem de conhecimentos que parece bastante inócuo, mas tem um efeitocumulativoimportante.Certascategoriasdeevidênciasimplesmentedesaparecemdevista,algoque,emnossaopinião,nãoéjustificável.

Essepadrãodesupressãodedadostemestadoativohámuitotempo.Em1880,J.D. Whitney, funcionário do Departamento de Geologia da Califórnia, publicouumalongaanálisedasavançadasferramentasdepedraencontradasnasminasdeourocalifornianas.Os implementos, incluindopontas de lanças, almofarizes e pilões depedra,foramachadosnofundodepoçosdeminassobespessascamadasincólumesde lava, em formações cujas idades variavam entre, nove emais de 55milhões deanos.W.H.Holmes,daSmithsonianInstitution,umdosmaisacerboscríticosdasdescobertasnaCalifórnia,escreveu:“SeaomenosoprofessorWhitneytivesselevadoemcontaoestudodaevoluçãohumanatalcomoelaéentendidahoje,teriahesitadoantesdeanunciaras conclusõesque formulou (adequeoshumanosexistiramemépocas muito antigas na América do Norte), apesar do importante conjunto detestemunhoscomquesedefrontou”.Emoutraspalavras,seosfatosnãobatemcomateoriapreferida, entãoessesfatos,mesmoumasérie importantedeles,devemserdescartados.

Issovemaoencontrodoque,emessência,estamostentandodemonstrarnestelivro,ouseja,quehá,nacomunidadecientí ca,um ltrodoconhecimentoqueimpedeadivulgaçãodeevidênciasmalvistas.Esseprocessode ltragemexistehámaisdeumséculo,econtinuaatéosdiasdehoje.

Além dessa ltragem do conhecimento, parece ainda que há casos de eliminaçãodireta.

No início da década de 1950, omas E. Lee, do Museu Nacional do Canadá,descobriuferramentasavançadasdepedranosdepósitosglaciaisdeSheguiandah,nailha Manitoulin, ao norte do lago Huron. Segundo John Sanford, geólogo daWayne State University, as ferramentasmais antigas encontradas em Sheguiandahtinham pelo menos 65 mil anos, talvez até 125 mil anos. Para aqueles que sepautavamnaposiçãoconvencionalsobreapré-histórianorte-americana, taisvaloreseraminaceitáveis. Supõe-sequeoshumanospisarampelaprimeiraveznaAméricadoNortehácercadedozemilanos,vindosdaSibéria.

omasE.Lee reclamou: “Odescobridordo sítio (Lee) foi afastadode seu cargocomo funcionário público, cando um longo tempo desempregado; canais de

publicaçãoforamcortados;aevidênciafoi interpretadademaneiraequivocadapordiversosautoresderenome[...];toneladasdeartefatosdesapareceramemcaixotesdearmazenamento noMuseuNacional doCanadá; por ter se recusado a demitir odescobridor, o diretor do Museu Nacional, que tinha proposto uma monogra asobreosítio,tambémfoidespedidoebanido;instânciaso ciaisdeprestígioepoderseempenharamemcontrolarapenasseisespécimesdeSheguiandahquenãotinhamsido apreendidas, e o sítio foi transformado em uma estância turística [...]Sheguiandahteriafeitocomqueospoderososadmitissem,envergonhados,quenãoconheciamtudo.Teriaobrigadoosestudiososareescreverquasetodososlivrosqueexistemsobreoassunto.Precisavasereliminado.Foieliminado”.

NaParte2,analisamosoconjuntodeevidênciasaceitasegeralmenteutilizadasparasustentar as idéias - hoje dominantes - sobre a evolução humana. Examinamosespecialmenteostatusdoaustralopiteco.Amaioriadosantropólogosentendequeoaustralopitecoeraumancestraldohomemcomcabeçasimiesca,corposemelhanteaohumano,umaposturaeandadurabípede,humanóide.Masoutrospesquisadoresdefendemdemodoconvincenteumaposiçãocompletamentediferente, a rmandoqueosaustralopitecosesimilareserambastantesimiescos,criaturasqueviviampartedo tempo emárvores e quenão tinhamconexãodireta coma linhagemevolutivahumana.

TambémnaParte2,consideramosapossívelcoexistênciadehominídeosprimitivose humanos anatomicamente modernos, não só no passado distante como nopresente. No século passado, os cientistas acumularam evidências sugerindo quecriaturas humanóides, semelhantes ao gigantopiteco, ao australopiteco, ao Homoerectus e ao Neandertal estão vivendo em várias regiões selvagens do planeta.NaAméricadoNorte,essascriaturassãoconhecidascomoSasquatch.NaÁsiacentral,são chamadas almas.NaÁfrica,China, SudesteAsiático eAméricasCentral e doSul, são conhecidas por outros nomes. Alguns pesquisadores usam a expressãogenérica “homens selvagens” para incluir todos eles. Cientistas e médicos têmrelatadoavistamentosdehomensselvagensvivosemortos,bemcomosuaspegadas.Eles também catalogarammilhares de relatos de pessoas comuns que viram esseshomensselvagens,alémdedescriçõessemelhantesemregistroshistóricos.

Alguns podem questionar omotivo pelo qual zemos um livro comoA históriasecretadaraçahumana,sugerindoqueteríamosummotivosubjacente.Sim,háummotivosubjacente.

RichardompsoneeusomosmembrosdoInstitutoBhaktivedanta,umadivisãodaSociedadeInternacionalparaaConsciênciadeKrishnaqueestudaarelaçãoentreaciênciamodernaeacosmovisãoexpressanaliteraturavédicadaÍndia.Daliteratura

védicaextraímosaidéiadequearaçahumanaémuitoantiga.Comopropósitoderealizar pesquisas sistemáticas sobre a literatura cientí ca disponível acerca daantiguidadedoHomem,expressamosa idéiavédicana formadeumateoria:a dequediversossereshumanóidesesimiescostêmcoexistidohálongotempo.

O fato de nossa posição teórica ter sido extraída da literatura védica não devedesquali cá-Ia.Umateoriapodeserescolhidadentrediversasfontesumainspiraçãopessoal,teoriasanteriores,asugestãodeumamigo,um lme,eassimpordiante.Oque realmente importanão é a fonteda teoria,mas sua capacidadede explicar asobservações.

Em função de limitações de espaço, não conseguimos desenvolver neste volumenossas idéias para uma alternativa às atuais teorias sobre as origens humanas.Portanto, estamos planejando um segundo volume relacionando os resultados denossasextensaspesquisasnessaáreaemfontesvédicas.

Gostaria agora de falar um pouco sobreminha parceria comRichardompson.Richardtemformaçãocientí ca;estudoumatemáticaepublicouartigoselivrosnasáreasdebiologiamatemática,monitoramentoremotoporsatélite,geologiaefísica.Minha formação não é cientí ca. Desde 1977 tenho escrito e editado revistas elivrospublicadospeloBhaktivedantaBookTrust.

Em 1984, Richard pediu que seu assistente Stephen Bernath começasse a reunirmaterial sobre as origens e a antiguidade do ser humano. Em 1986, Richard mepediuparaorganizaressematerialnaformadelivro.

AoanalisaromaterialqueStephenme forneceu, quei espantadocomopequenonúmeroderelatosentre1859,quandoDarwinpublicouAOrigemdasEspécies,e1894, quandoDubois publicou seu relatório sobre oHomem de lava. Curioso,pediaStephenqueconseguissealgunslivrosdeantropologiado mdoséculoXIXeinício do XX.Nesses livros, inclusive em uma das primeiras edições deHomensfósseis,deMarcellinBoule,encontreicríticasbastantenegativasanumerososrelatosdoperíodoemquestão.Estudandoasnotasderodapé,descobriqueamaioriadessesrelatos, escritos por cientistas do século XX, descrevia ossos com incisões,ferramentasdepedraerestosdeesqueletosanatomicamentemodernos,encontradosemcontextosgeológicosinesperadamenteantigos.Osrelatoseramdeboaqualidadee respondiam a diversas objeções possíveis. Isso tambémme estimulou a realizarumapesquisamaissistemática.

Vasculharessasevidênciasliteráriassoterradasexigiumaistrêsanos.StephenBernatheeuobtivemosrarasatasdeconferênciaserevistasespecializadasdomundotodo,ejuntostraduzimosomaterialparaoinglês.Redigiromanuscritoapartirdomaterial

coletado tomou outro par de anos. Durante todo o período de pesquisa e deredação,tivediscussõesquasediáriascomRichardsobreaimportânciadomaterialeamelhormaneiradeapresentá-lo.

StephenobteveboapartedomaterialapresentadonoCapítulo6comRonCalais,que gentilmente nos enviou muitas cópias reprográ cas de relatos originaisencontrados em seus arquivos. Virginia Steen McIntire foi muito gentil e nosforneceu sua correspondência sobre a datação do sítio de Hueyatlaco, México.TambémtivemosreuniõesúteissobreferramentasdepedracomRuthD.Simpson,doMuseudoCondadodeSanBernardino,ecomomasA.Deméré,doMuseudeHistóriaNaturaldeSanDiego,sobremarcasdedentesdetubarãoemossos.

EstelivronãoteriasidoconcluídosemosdiversosserviçosprestadosporChristopherBeetle, formado emciênciada computaçãopelaUniversidadeBrown,que entrouparaoInstitutoBhaktivedantadeSanDiegoem1988.

AsilustraçõesdaFigura12.8sãoobradeMilesTriplett,aquemagradecemosmuito.Beverly Symes,David Smith, Sigalit Binyaminy, Susan Fritz, BárbaraCantatore,JosephFranklineMichaelBesttambémcontribuíramparaaproduçãodestelivro.

Richard e eu gostaríamos de agradecer em especial aos curadores internacionais doBhaktivedanta BookTrust, do passado e do presente, por seu generoso apoio àpesquisa,redaçãoepublicaçãodestelivro.

Finalmente, incentivamos os leitores a chamar nossa atenção para quaisquerevidênciasadicionaisquepossamserdenossointeresse;especialmentepara inclusãoem futuras edições deste livro. A correspondência pode ser endereçada a nós naGovardhanHillPublishing.

PARTEI

1.ACançãodoLeãoVermelho:DarwineaEvoluçãoHumanaEmcertanoite de 1871, uma associaçãode cultos cavalheiros britânicos, osLeõesVermelhos, reúne-se em Edinburgh, Escócia, para um alegre banquete regado acanções e discursos bem-humorados. Lorde Neaves, notório por seus chistesliterários, levanta-se perante os Leões reunidos e entoa doze estrofes por elecompostas sobre “A origem das espécies a IaDarwin”. Entre elas:Um Símio depolegar exívelegrandecérebroConseguiraodomdaloquacidadelograr,Enquantoo Senhor da Criação estabelecia seu reino, O que Ninguém pode Negar! Seusouvintes respondem, como é costume entre os Leões Vermelhos, rugindogentilmenteeabanandoasabasdesuascasacas.Apenas doze anos passados da publicação, por Charles Darwin, em 1859, de Aorigem das Espécies, um número cada vez maior de cientistas e outros eruditosachavaimpossível,defatoridículo,suporseremossereshumanos,nadamaisnadamenos, que descendentes modi cados de uma linhagem ancestral de criaturassimiescas. No próprio A origem das Espécies, Darwin tecia somente brevescomentáriossobreaquestãodosprimórdiosdohomem,a rmando, jánaspáginasnais,que“novaluzserálançadasobreoproblemadaorigemdohomemedesua

história”.Todavia, a despeito da cautela deDarwin, era óbvio que ele não via nahumanidadeumaexceçãoàsuateoriadequeumaespécieevoluideoutra.

DarwinFala

Sóem1871équeDarwinaparececomumlivro(Aorigemdohomem)expressandoseus pormenorizados pontos de vista sobre a evolução humana. Para explicar suademora,Darwinescreveu:“Durantemuitosanos,coligianotaçõessobreaorigemoudescendênciadohomem,semintençãoalgumadepublicaralgosobreotema,senãoque, pelo contrário, com a determinação de nada publicar, por achar que, assimfazendo, estaria apenas contribuindo para os preconceitos contraminhas opiniões.Pareceu-mesu cienteindicar,naprimeiraediçãodeminhaAorigemdasEspécies,que,comestaobra,‘novaluzserálançadasobreoproblemadaorigemdohomemedesuahistória’;eissoimplicaqueohomemdeveserincluídoentreosdemaisseresorgânicosemqualquerconclusãogenéricaquedigarespeitoàmaneiracomoapareceunaTerra”.

EmAOrigemdoHomem,Darwinera explícito aonegarqualquer status especialparaaespéciehumana.“Aprendemos,portanto”,diziaele,“queohomemdescendede um quadrúpede peludo e com cauda, provavelmente de hábitos arbóreos ehabitantedoVelhoMundo.”Eraumadeclaraçãoousada,nãoobstantecarecessedo

tipomais convincente de prova - fósseis de espécies transicionais entre os antigossímioseoshumanosmodernos.

Afora os dois mal datados crânios de Neandertal da Alemanha e de Gibraltar, ealgumas outras descobertas de morfologia moderna pouco divulgadas, não haviadescobertas de restos fósseis hominídeos. Esse fato logo tornou-se munição paraaqueles que se revoltaram com a sugestão deDarwin de que os humanos tinhamancestrais simiescos. Onde, perguntavam eles, estavam os fósseis para provar talteoria?Hoje,contudo,quasesemexceção,ospaleantropólogosmodernosacreditamtersatisfeitoasexpectativasdeDarwinmediantedescobertaspositivasdefósseisdosancestraisdohomemnaÁfrica,naÁsiaeemoutrasregiões.

AparecimentodosHominídeos

Nestelivro,adotamososistemamodernodeerasgeológicas(Tabela1.1).Usamo-locomofonte xadereferênciaparanossoestudodahistóriadosantigoshumanosequasehumanos.Assimo zemosporquestãode conveniência.Reconhecemos,noentanto,quenossasdescobertasexigiriamumasériareavaliaçãodaescaladetempogeológico.

Segundoospontosdevistamodernos,osprimeiros seres simiescos apareceramnoOligoceno, que começou há cerca de 38 milhões de anos. Os primeiros símiosconsideradosantecessoresdoshumanosapareceramnoMioceno,queseestendede5a25milhõesdeanosatrás.Entreeles,estáoDryopithecus.

DepoisveiooPlioceno,duranteoqualdiz-seteremaparecidonoregistrofóssilosprimeiros hominídeos, primatas de andadura ereta e semelhantes a humanos. Ohominídeo mais antigoque se conhece éoAustralopithecus,o símiomeridional,remontandoaquatromilhõesdeanos,noPlioceno.

Essequasehumano,dizemoscientistas, tinhaentre1,20e1,50metrodealtura,euma capacidade craniana de 300 e 600 cc. Do pescoço para baixo, diz-se que oAustralopithecus eramuito parecido comos humanosmodernos, ao passo que acabeçarevelavacaracterísticastantosimiescasquantohumanas.

Pensa-se que uma rami cação do Australopithecus tenha dado origem ao Homohabilis por volta de dois milhões de anos atrás, no princípio do Pleistoceno. OHomo habilis é muito parecido com o Australopithecus, com exceção de suacapacidadecraniana,que,segundoconsta,eramaior,entre600e750cc.

Considera-sequeoHomohabilisdeuorigemaoHomoerectus(aespécieemqueseincluemoHomemde Java e oHomemdeBeijing) cerca de 1,5milhãode anosatrás.OHomoerectus,segundoconsta,tinhaentre1,50e1,80metrodealtura,esua capacidade craniana variava entre 700 e 1.300 cc. Muitos paleantropólogos

acreditam hoje que, dopescoçopara baixo, oHomo erectus era, tantoquanto oAustralopithecus e oHomo habilis, quase igual aos humanosmodernos. A testa,contudo, inclinava-se por trás demaciças arcadas supraorbitais, osmaxilares e osdenteseramgrandes,eomaxilarinferiornãotinhaqueixo.Acredita-sequeoHomoerectusviveunaÁfrica,naÁsiaenaEuropaatécercadeduzentosmilanosatrás.

Os paleantropólogos acreditam que, do ponto de vista anatômico, os humanosmodernos (Homo sapiens sapiens) formaram-se aos poucos a partir do Homoerectus. Por volta de trezentos ou quatrocentos mil anos atrás, diz-se teremaparecido os primeiros Homo sapiens primitivos, ou Homo sapiens arcaicos. Nadescriçãofeitadeles,acapacidadecranianaéquasetãograndequantoadoshumanosmodernos,noentanto,aindamanifestam,emmenorgrau,algumasdascaracterísticasdo Homo erectus, tais como o crânio espesso, a testa recuada e grandes arcadassupraorbitais. Entre os exemplos dessa categoria, temos as descobertas oriundas deSwanscombe,naInglaterra,deSteinheim,naAlemanhaedeFontechevadeeArago,naFrança.Comoesses crânios tambémapresentam,até certoponto, característicasdeNeandertal,tambémsãoclassi cadoscomotipospré-Neandertal.Hoje,muitasautoridadespostulamquetantooshumanosanatomicamentemodernosquantoosneandertaiseuropeusocidentaisevoluíramdehominídeosdostipospré-NeandertalouHomosapiensprimitivo.

No iníciodo séculoXX,alguns cientistasdefendiamopontodevistadequeosneandertais do último período glacial, conhecidos como os neandertais europeusocidentais clássicos, foramosancestraisdiretosdos sereshumanosmodernos.ElestinhamcérebrosmaioresdoqueosdoHomosapienssapiens.Seusrostosemaxilareserammuito maiores, e suas testas cavammais abaixo, inclinando-se por trás degrandesarcadassupraorbitais.Encontram-sevestígiosdeNeandertalemdepósitosdoPleistoceno,comidadesvariandoentre30e150milanos.Noentanto,adescobertadeHomosapiensprimitivosemdepósitoscommuitomaisde150milanostirou,deumavezportodas,osneandertaiseuropeusocidentaisclássicosdalinhadiretadedescendênciadesdeoHomoerectusatéoshumanosmodernos.

O tipo de humanos conhecidos como Cro-Magnon apareceu na Europa háaproximadamente trinta mil anos, e eles eram anatomicamente modernos. OscientistascostumavamdizerqueoHomosapienssapiensanatomicamentemodernoapareceu pela primeira vez por volta de quarentamil anos atrás,mas hojemuitasautoridades,levandoemconsideraçãodescobertasfeitasnaÁfricadoSuleemoutrasregiões,dizemqueelesapareceramcemmiloumaisanosatrás.

Acapacidadecranianadoshumanosmodernosvariade1.000a2.000cc, amédiasendoemtornode1.350cc.Como logosepodeobservarhojeentreoshumanos

modernos, não existe correlação entre o tamanho do cérebro e a inteligência.Existem pessoas inteligentíssimas com cérebros de 1.000 cc e débeismentais comcérebrosde2.000cc.

Exatamente onde, quando ou como o Australopithecus deu origem ao Homohabilis,ouoHomohabilisdeuorigemaoHomoerectus,ouoHomoerectusdeuorigem aos humanos modernos, não é explicado emdescrições atuais das origenshumanas.Entretanto,amaioriadospaleantropólogosconcordaqueapenashumanosanatomicamente modernos vieram para o Novo Mundo. Diz-se que as etapasanterioresdaevolução,doAustralopithecusemdiante,deram-senoVelhoMundo.Aprimeira chegadade seres humanos aoNovoMundo, segundo consta, data decercadedozemil anos atrás, sendoquealguns cientistaspreferemdeterminarumadatade25milanos,equivalenteaoPleistocenoSuperior.

Mesmohoje,sãomuitasaslacunasnosupostoregistrodadescendênciahumana.Porexemplo: há uma ausência quase total de fósseis que vinculem os símios doMioceno, tais como o Dryopithecus, aos ancestrais, atribuídos ao Plioceno, desímios e humanos modernos, especialmente dentro do lapso entre quatro e oitomilhõesdeanosatrás.

Talvez seja verdade que algum dia serão encontrados os fósseis para preencheremessaslacunas.Todavia,eistoéextremamenteimportante,nãohámotivoparasuporqueosfósseisaindaporaparecerserãosustentáculosdateoriadaevolução.Ese,porexemplo,osfósseisdehumanosanatomicamentemodernosaparecessememestratosmaisantigosqueaquelesemqueosDryopithecusforamencontrados?Mesmoqueseconstatasse que os humanos anatomicamente modernos viveram milhões de anosatrás, quatro milhões de anos após o desaparecimento dos Dryopithecus, noMiocenoSuperior,issoseriasu cienteparadesbancarosrelatosatuaissobreaorigemdahumanidade.

De fato, tal evidência já foi encontrada,mas tem,desde então, sido suprimida ouconvenientemente esquecida.Grandepartedessa evidência veio à tonanasdécadasimediatamenteposterioresàpublicaçãodeAOrigemdasEspécies,deDarwin,antesdo que não haviam sido feitas descobertas notáveis, excetuando-se o Homem deNeandertal. Nosprimeiros anosdodarwinismo,quandonão existiaumahistóriabem de nida da descendência humana que precisasse ser defendida, os cientistaspro ssionais zerame registrarammuitasdescobertasquehojenemsequer seriamaceitasnaspáginasdequalquerjornalmaisrespeitávelnomeioacadêmicodoqueoNationalEnquirer.

Amaioriadessesfósseiseartefatosfoidesenterradaantesdadescoberta,porEugeneDubois, do Homem de lava, o primeiro hominídeo proto-humano entre o

Dryopithecus e os humanos modernos. O Homem de lava foi encontrado emdepósitosdoPleistocenoMédio,aosquaisemgeralseatribuioitocentosmilanosdeidade. Essa descoberta tornou-se um marco. Daí por diante, os cientistas nãoesperariamencontrarfósseisouartefatosdehumanosanatomicamentemodernosemdepósitos de idade igual ou maior. Se o zeram (ou alguém mais prudente),concluíramque issoera impossívelearranjaramalgumaformadepôradescobertaemdescrédito, taxando-a de erro, ilusão ou embuste.Antes doHomemde lava,contudo, bem conceituados cientistas do século XIX encontraram uma série deexemplosderestosesqueletaisdehumanosanatomicamentemodernosemestratosantiqüíssimos.Etambémencontraramumgrandenúmerodeferramentasdepedradediversostipos,bemcomoossosdeanimaiscomsinaisdemanuseiohumano.

AlgunsPrincípiosdeEpistemologia

Antesdecomeçarmosnossoexamedasprovaspaleantropológicasrejeitadaseaceitas,esboçaremos algumas regras epistemológicas que temos procurado observar.Segundo de niçãodoWebster’snewworlddictionary,epistemologiaé“oestudoou teoria da origem, natureza, métodos e limites do conhecimento”. Ao nosocuparmos do estudo de evidências cientí cas, é importante termos emmente anatureza,osmétodoseoslimitesdoconhecimento,casocontrário,tendemosacairemilusão.

A evidência paleantropológica tem certas limitações básicas para as quais devemoschamaraatenção.Emprimeirolugar,asobservaçõesqueseenquadramnacategoriadefatospaleantropológicostendemaenvolverdescobertasraras,asquaisnãopodemser duplicadas à vontade. Por exemplo: alguns cientistas dessa área conquistaramgrande reputaçãocombaseempoucasdescobertas famosas, aopassoqueoutros, agrande maioria, têm passado suas carreiras inteiras sem fazer uma só descobertasignificativa.

Emsegundo lugar,umavez feitaumadescoberta,destroem-seelementosessenciaisda evidência, e o conhecimento desses elementos depende exclusivamente dotestemunhodosdescobridores.Umdosaspectosmaisimportantesdeumfóssilé,porexemplo,suaposiçãoestratigrá ca.Noentanto,umavezqueofóssiltenhasidoextraído da terra,destrói-se aprovadireta indicativade suaposição, epassamos adepender apenas do testemunho do escavador para sabermos onde ele ou ela oencontrou.Evidentemente,serápossívelargumentarqueascaracterísticasquímicaseoutrasdo fóssilpodemindicaroseu lugardeorigem.Issoseaplicaaalgunscasos,masnãoaoutros.Eaofazermostaisjulgamentos,temostambémdedependerderelatórios sobre aspropriedadesquímicas edemaispropriedades físicasdos estratosemquesealegaterencontradoofóssil.

Pessoas responsáveis por descobertas importantes não conseguem, às vezes,reencontrar os locais dessas descobertas. Após alguns anos, os locais são quase queinevitavelmente destruídos, talvez pela erosão, pela escavação paleantropológicacompleta ou pelo desenvolvimento comercial (o qual envolve exploração depedreiras, construção civil e assim por diante). Mesmo escavações modernas,mediante as quais se consegue um registro meticuloso de detalhes, destroem aprópria evidência registrada, deixando-nos com nada além do testemunho escritopara corroborar muitas declarações essenciais. E muitas descobertas importantes,mesmo na atualidade, são acompanhadas de registros escassíssimos de detalhesimportantes.

Desse modo, uma pessoa desejosa de conferir registros paleantropológicos acharádi cílimoteracessoaosfatosemsi,mesmoquetenhameiosparaviajaratéolocaldeumadescoberta.E,decerto, limitaçõesde tempoedinheiro impossibilitam-nosdeexaminarpessoalmentemaisdoqueumapequenaporcentagemdatotalidadedossítiospaleantropológicosimportantes.

Umterceiroproblemaéqueraramente(oununca)osfatosdepaleantropologiasãosimples.Digamosqueumcientistadeclarequeosfósseisprojetavam-senitidamentede uma certa camada do Pleistoceno Inferior. Mas essa declaração aparentementesimples poderá depender de muitas observações e argumentos, envolvendo falhasgeológicas, a possibilidade de alguma queda repentina, a presença ou ausência deuma camada de alúvio, a presença de um sulco reenchido e assim por diante. Aoconsultarmosotestemunhodeoutrapessoapresentenosítio,poderemosdescobrirque ela trata de muitos detalhes importantes não mencionados pela primeiratestemunha.

Observadores diferentes às vezes se contradizem, uma vez que seus sentidos ememórias são imperfeitos. Nesse caso, um observador em um determinado sítiopoderá ver certas coisas, mas deixar de ver outras importantes. Algumas delaspoderiam ser vistas por outros observadores, mas isso poderia acabar se tornandoimpossívelpelofatodeosítiotornar-seinacessível.

Outroproblema é a falsi cação. Issopode ocorrer emnível de fraude sistemática,comonocasodePiltdown.Comoveremos,paraumaabordagememprofundidadedesse tipo de fraude, é necessário ter a capacidade de investigação de um superSherlockHolmes, alémde todos os recursos deummoderno laboratório forense.Infelizmente, sempre existem fortes motivos para fraudes deliberadas ouinconscientes,umavezqueafamaeaglóriaacenamparaquemlogradescobrirumancestralhumano.

Afraudetambémpodedar-senoníveldasimplesomissãodoregistrodeobservações

que contrariem as conclusões desejadas por alguém. Como veremos no decorrerdeste livro, houve casos de investigadores que observaram artefatos em certosestratos,masquejamaisregistraramtaisdescobertasporquenãoacreditavamqueosartefatospudessemteraquelaidade.Émuitodifícilevitarisso,poisnossossentidossão imperfeitos e, senosdeparamos comalgo aparentemente impossível, énaturalsupormos estarmos equivocados. Na verdade, isso pode muito bem acontecer.Enganar omitindo observações importantes nada mais é que uma limitação danaturezahumanaque,Infelizmente,podeterumimpactonocivosobreoprocessoempírico.

Osempecilhosdosfatospaleantropológicosnãoselimitamaescavaçõesdeobjetos.Também encontramos empecilhos semelhantes em modernos estudos de dataçãoquímica ou radiométrica. Por exemplo: uma data estabelecida com carbono 14pareceriaenvolverumprocedimentoconfiávelqueproduzumnúmerofinal-aidadedeumobjeto.Porém,estudosconcretosdedataçãocostumamexigirconsideraçõescomplexas relativas à identidade das amostras, além de seu histórico e possívelcontaminação.Podemacarretararejeiçãodecertoscálculospreliminaresdedataseaaceitação de outros com base em complexos argumentos que raras vezes sãopublicadosdeformaexplícita.Ademais,osfatospodemsercomplexos,incompletosebastanteinacessíveis.

Aconclusãoaquechegamosapartirdessaslimitaçõesdosfatospaleantropológicoséque,nessecampodeestudo,estamossobremaneiralimitadosaoestudocomparativodosrelatórios.Emborarealmenteexistaevidênciaconcretasoba formade fósseiseartefatosemmuseus,amaiorpartedaevidênciaessencialquedáimportânciaaessesobjetossóexistesobaformaescrita.

Uma vez que a informação constante nos registros paleantropológicos tende a serincompleta,ecomoatéosmaissimplesfatospaleantropológicostendemaenvolverassuntoscomplexoseinsolúveis,édifícilchegaraconclusõessólidassobrearealidadenesse campo.Quepodemos fazer, então?Sugerimos, comocoisa importante quepossamosfazer,compararaqualidadedediferentesregistros.Emboranãotenhamosacesso aos fatos em si, podemos fazer um estudo direto de diferentes registros ecompará-losobjetivamente.

Umacoletâneaderelatórios ligadosacertasdescobertaspodeseravaliadacombasena inteireza da investigação registrada e na lógica e consistência dos argumentosapresentados. Pode-se considerar se foram ou não levantados e respondidos osdiversos contra-argumentos céticos a uma determinada teoria. Uma vez que asobservações registradas devem ser sempre aceitas com base em algum grau de fé,pode-setambémaveriguaraidoneidadedosobservadores.

Nossa proposta é que, se dois conjuntos de relatórios parecerem igualmentecon áveiscombasenessescritérios,deverãosertratadostambémigualmente.Ambosos conjuntos poderiam ser aceitos, ambos poderiam ser rejeitados, ou poderia-seconsiderarqueambostêmstatusincerto.Seriaerrado,contudo,aceitarumconjuntoderelatóriose,aomesmotempo,rejeitarooutro,e,emespecial,seriaerradoaceitarumconjuntocomoprovadedeterminada teoria e, aomesmo tempo, suprimir ooutro,tornando-o,dessemodo,inacessívelafuturosestudantes.

Optamos por aplicar essa abordagem a dois conjuntos especí cos de relatórios.Oprimeiro conjunto consiste em registros de artefatos e restos esqueletais humanosanomalamenteantigos,muitosdosquaisforamdescobertosem nsdoséculoXIXenocomeçodoséculoXX.EssesregistrossãoexaminadosnaParte1destelivro.Osegundoconjuntoconsisteemregistrosdeartefatoserestosesqueletaisaceitoscomoevidênciaemapoioàsatuaisteoriasdaevoluçãohumana.Essesregistrosvariamemdatadesdeo mdoséculoXIXatéadécadade1980,esãoexaminadosnaParte2.Por causa das Interligações naturais entre as diferentes descobertas, algumasdescobertasanômalastambémsãoexaminadasnaParte2.

Nossa tese é que, a despeito dos diversos avanços feitos no campo da ciênciapaleantropológicaduranteoséculoXX,existeumaequivalênciaessencialemtermosde qualidade entre essesdois conjuntosde relatórios.Portanto, sugerimosnão serapropriadoaceitarumconjuntoerejeitarooutro.Issotrazsériasimplicaçõesparaateoriamodernadaevoluçãohumana.Serejeitamosoprimeiroconjuntoderelatórios(asanomalias)e,emnomedaconsistência,tambémrejeitamososegundoconjunto(evidência aceita atualmente), entãoprivamos a teoriada evoluçãohumanadeboaparte de seu fundamento observacional. Porém, se aceitamos o primeiro conjuntode relatórios, devemos aceitar a existência de seres inteligentes, capazes de fazerferramentas, emperíodos geológicos tão remotos comooMioceno, oumesmooEoceno.Seaceitamosaevidênciaesqueletalapresentadanessesrelatórios,devemosirmais adiante e aceitar a existência de seres humanos anatomicamente modernosnesses períodos remotos. Isso não apenas contradiz a teoriamoderna da evoluçãohumana,comotambémlançasériasdúvidassobretodaanossavisãodaevoluçãodavidamamíferanaeraCenozóica.

2.OssosIncisoseQuebrados:AAuroradaFaláciaOs ossos de animais, cortados e quebrados intencionalmente, compreendem umaparte substancial da evidência da antiguidade humana. Passando a ser objeto desériosestudosapartirdemeadosdoséculoXIX,elescontinuamsendosubmetidosaextensaspesquisaseanálisesaindahoje.

Nas décadas que se seguiram à publicação de A origem das Espécies, de Darwin,muitoscientistasconstataramqueosossosincisosequebradoseramindicativosdapresença humana no Plioceno, no Mioceno e em períodos anteriores. Segundoalguns antagonistas sugeriram, as marcas e rachaduras observadas nos ossos fósseiseramprovocadaspelaaçãodecarnívoros,tubarõesoupelaprópriapressãogeológica.No entanto, aqueles que apoiavam as recentes descobertas apresentavam contra-argumentos impressionantes. Por exemplo: havia ocasiões em que encontravamferramentas de pedra comos ossos incisos, e algumas experiências feitas com essesinstrumentos produziram marcas em ossos frescos exatamente iguais àquelasencontradasnosfósseis.Oscientistastambémseutilizaramdemicroscópiosa mdedistinguiroscortesnosossosfósseisdaquelesquepoderiamserfeitospordentesdetubarõesououtrosanimais.Emmuitoscasos,asmarcaslocalizavam-seempartesdoossoapropriadasparaoperaçõesdeabateespecíficas.

Não obstante, o conjunto de provas cientí cas aceitas hoje exclui os registros deossosincisosequebrados,indicativosdapresençahumananoPliocenoeemépocasanteriores.Tal exclusão não pode, contudo, ser justi cada. A partir do conjuntoincompleto de provas cientí cas levado em conta nos dias atuais, os cientistasconcluíramque os humanos do tipomoderno só vieram a aparecer recentemente.Todavia,emvistadaevidênciaapresentadanestecapítulo,tudolevaacrerqueelesestãoenganandoasimesmos.

St.Prest,França

Emabrilde1863,JulesDesnoyers,doMuseuNacionalFrancês,esteveemSt.Prest,noroestedaFrança,pararecolherfósseis.Doscascalhosarenososelerecuperoupartedeumatíbiaderinoceronte.Reparouqueoossoapresentavaumasériederanhurasestreitas,algumasdasquais,aseuver,pareciamtersidoproduzidascomfacaa adaou com lâminadepederneira.Observou, também,pequenasmarcas circularesquepodiam muito bem ter sido feitas por um instrumento pontudo. Mais tarde,Desnoyers examinou coleções de fósseis de St. Prest nosmuseus deChartres e naEscoladeMineralogiaemParis,eviuquetraziamosmesmostiposdemarcas.DaíresolveurelatarsuasdescobertasàAcademiaFrancesadeCiências.

CertoscientistasmodernosdizemqueosítioarqueológicodeSt.PrestpertenceaoPliocenoSuperior. SeDesnoyers concluiu corretamenteque asmarcas emmuitosdosossoshaviamsidofeitasporinstrumentosdecorte,entãotudolevavaacrerqueseres humanos estiveram presentes na França durante aquela época. Poderia-seperguntar: “Quehádeerradonisso?”Segundooqueentendemosque seja,hoje, apaleantropologia, há algomuito errado.A presença, a essa época e naEuropa, deseres que usavam ferramentas de pedra de forma so sticada, pareceria quase

impossível.Acredita-seque,ao mdoPlioceno,cercadedoismilhõesdeanosatrás,a espécie humana moderna ainda não havia surgido. Apenas na África deveria-seencontrar ancestrais humanos primitivos, os quais, por sua vez, limitavam-se aoAustralopithecuseaoHomohabilis,estetidocomooprimeiroatercapacidadedefabricar ferramentas. Segundo relatórios de outros cientistas, o sítio de St. PrestpoderiaserdeépocamaisrecentequeoPlioceno-talvezcomtãopoucoquanto1,2a1,6milhãodeanos.Masosossosincisoseramanômalosmesmoassim.

Já no século XIX, as descobertas de Desnoyers dos ossos incisos de St. Prestprovocavam controvérsias.Antagonistas argumentavamque asmarcas tinham sidofeitas pelas ferramentas dos operários que as haviam escavado.Desnoyers, porém,demonstrouqueasmarcascortadashaviam cadocobertascomdepósitosmineraistanto quanto as outras superfícies dos ossos fósseis. Sir Charles Lyell, destacadogeólogobritânico,sugeriuteremasmarcassidofeitaspordentesderoedores,masopré-historiador francês Gabriel de Mortillet disse não ser possível que as marcastivessemsidofeitasporanimais.Aocontrário,segundooparecerdele,haviamsidofeitas por pedras a adas atritando contra os ossos por pressão geológica. Ao queDesnoyers replicou: “Muitas das incisões desgastaram-se pela fricçãopós-escavação,fricçãoestaresultantedotransporteoudamovimentaçãodosossosemmeioàareiaeaoscascalhos.Asmarcasdaíresultantessãodeaspectoessencialmentediferentedoaspectodasmarcaseestriasoriginais”.

A nal,quemestava certo,DesnoyersouMortillet?Certas autoridades acreditavamserpossívelsolucionaresseproblemacasosepudessedemonstrarqueoscascalhosdeSt. Prest continham ferramentas de pederneira que fossem comprovadamente demanufaturahumana.LouisBourgeois,umclérigoquetambémhaviaconquistadoareputação dedistintopaleontólogo,exploroucombastantecuidadoosestratosdeSt.Prestàprocuradetaisprovas.Emsuapacienteexploração,acabouencontrandoumasériedepederneirasqueacreditouseremferramentasgenuínas.FezdelasotemadeumrelatórioapresentadoàAcademiadeCiênciasemjaneirode1867.Segundodisse o famoso antropólogo francêsArmanddeQuatrefages, entre as ferramentashavia raspadeiras, furadores e pontas de lança. Nem esse testemunho satisfezMortillet, segundo o qual as pederneiras descobertas por Bourgeois em St. Presthaviam sido lascadas pela pressão geológica. Parece, portanto, que, ao tentarmosresponderaumaperguntaouseja,qualéanaturezadasmarcastalhadasnosossos?-,nosdeparamoscomoutra-asaber,comoreconheceraobrahumananaspederneiraseemoutrosobjetosdepedra?Estaúltimaperguntaseráinteiramenteexaminadanopróximocapítulo.Porora,basta atentarmospara o fatodeque,mesmonosdiasatuais,provocamconsideráveiscontrovérsiasosjulgamentosquantoaoquevenhaaserumaferramentadepedra.É,portanto,logicamentepossívelencontrarrazõespara

questionar a rejeição, por parte de Mortillet, das pederneiras encontradas porBourgeois. Em 1910, o famoso paleontólogo norte-americano Henry Fair eldOsborn fez estas interessantes observações em relação à presençade ferramentas depedra emSt. Prest: “Os vestígiosmais remotos do homem em/estratos dessa eraforamosossos incisosdescobertosporDesnoyers emSt.Prest,pertodeChartres,em 1863. Dúvidas quanto ao possível caráter arti cial dessas incisões forameliminadas pelas recentes explorações de Laville e Rutot, as quais resultaram nadescoberta de pederneiras eolíticas, con rmando plenamente as descobertas doAbadeBourgeoisnessesdepósitosem1867”.

Demodoque,noquedizrespeitoàsdescobertasemSt.Prest, cabastanteevidenteo fato de estarmos lidando com problemas paleontológicos que não podemosresolver rápida ou facilmente. Decerto, não há razão su ciente para rejeitarcategoricamente esses ossos como provas da presença humana no Plioceno. IssopoderianoslevaraquerersaberomotivopeloqualosfósseisdeSt.Prest,eoutroscomo eles, quase nunca são mencionados em livros didáticos sobre a evoluçãohumana, exceto em raros casos de breves notas de péde página, destinadas aridicularizare rejeitar taisdescobertas.Acaso issoacontece realmentepelo fatodeaevidência ser nitidamente inadmissível? Ou estará, talvez, a omissão ou rejeiçãosumáriamaisrelacionadaaofatodeapotencialantiguidadedosobjetosdoPliocenoSuperior contradizer em tão alto grau o registro convencional sobre a origemdohomem? A respeito desse tema, Armand de Quatrefages, membro da AcademiaFrancesadeCiênciaseprofessordoMuseudeHistóriaNaturaldeParis,escreveemseu livro Hommes fossiles et hommes sauvages (1884): “As objeções feitas àexistênciadehumanosnoPliocenoenoMiocenohabitualmenteparecemestarmaisrelacionadasaconsideraçõesdeordemteóricadoqueàobservaçãodireta”.

UmExemploModerno:OldCrowRiver,Canadá

AntesdeprosseguirapresentandomaisexemplosdedescobertasdoséculoXIXquedesa am as idéias modernas sobre as origens do homem, vamos examinar umainvestigaçãomaisrecentedeossosmodi cadosintencionalmente.Umadasquestõesmais controvertidas a confrontar a paleantropologia do Novo Mundo está emdeterminaraépocaemqueoshumanossurgiramnaAméricadoNorte.Segundoopontodevistaconvencional,bandosdecaçadores-agricultoresasiáticosatravessaramo estreito de Bering cerca de dozemil anos atrás. Algumas autoridades preferemestender a data para cerca de trintamil anos atrás, ao passo que umaminoria emexpansão registra a evidência da presença humana nas Américas em fases bemanteriores do Pleistoceno. Examinaremos esse assunto com mais detalhes emcapítulos posteriores. Por ora, contudo, pretendemos nos ater aos ossos fósseisdescobertos em Old Crow River, no território Yukon setentrional, por ser um

exemplocontemporâneodotipodeevidênciaabordadonestecapítulo.

Nadécadade1970,RichardE.Morlan,doInstitutodePesquisaArqueológicadoCanadá e doMuseuNacional Canadense doHomem, realizou estudos em ossosmodi cados provenientes de sítios em Old Crow River. Conforme concluiuMorlan,muitosossosechifresmostravamsinaisdeobrahumanaIntencionallevadaacaboantesdafossilizaçãodoscitadosossos.Estes,submetidosatransporte uvial,foramrecuperadosdeumaplaníciealuvialdosprimórdiosdachamadaEraGlacialdeWisconsin, datando de oitenta mil anos atrás. Isso desa ou e muito as idéiasvigentessobreopovoamentodoNovoMundo.

Porém, em 1984, R. M. orson e R. D. Guthrie publicaram um estudo,demonstrando que a ação do gelo uvial poderia ter provocado as alterações,consideradasfrutodeobrahumanaporMorlan.Maistarde,Morlanrecuouemsuasa rmações de que todos os ossos por ele recolhidos haviam sidomodi cados porobrahumana.Admitiuque30dos34poderiamtersidomarcadosporgelo uvialououtrascausasnaturais.

Mesmo assim, ele ainda acreditava que os outros quatro espécimes traziam sinaiscategóricos de obra humana. Em relatório já publicado, dizia ele: “Os cortes etalhos...sãoindistinguíveisdaquelesfeitosporferramentasdepedraduranteoabateeodescarnamentodacarcaçadeumanimal”.

Morlanenvioudoisdosossosàdra.PatShipman,daUniversidade]ohnsHopkins,umaperitaemossoscortados.Shipmanexaminouasmarcasnosossos,usandoummicroscópiodeexpansãoàbasedeelétrons,ecomparou-asamaisdemilmarcasemosso documentadas. Shipman disse serem inconcludentes as marcas em um dosossos.Mas,naopinião dela,ooutroosso traziaumanítidamarcade ferramenta.MorlanobservouteremencontradoferramentasdepedranaáreadeOldCrowRiverederegiõesaltaspróximas,masnãoemrelaçãodiretacomosossos.

Isso quer dizer que não é fácil descartar os ossos de St. Prest e outros como eles.Provasdomesmo tipo ainda são consideradas importanteshoje, eosmétodosdeanálise são quase idênticos àqueles praticadosno séculoXIX.Os cientistas daquelaépoca podem não ter tidomicroscópios à base de elétrons,mas osmicroscópiosópticosserviram,eaindaservem,muitobemparaessetipodetrabalho.

DesertoAnza-Borrego,Califórnia

Outro exemplo recente de ossos incisos como aqueles encontrados em St. Prest éuma descoberta feita por George Miller, curador do Museu do Imperial ValleyCollegeemElCentro,Califórnia.Miller,falecidoem1989,relatouqueseisossosde mamute escavados do deserto Anza-Borrego apresentam ranhuras do tipo

produzido, por ferramentas de pedra.Datações com isótopodeurânio, realizadaspelo Instituto Americano de PesquisasGeológicas, indicaram terem os ossos pelomenostrezentosmilanos,eadataçãopaleomagnéticaeamostrasdecinzavulcânicaindicaramumaidadedecercade750milanos.

Segundo disse certo acadêmico bem conceituado, a a rmação de Miller é “tãorazoávelquantoomonstrodeLochNessouummamutevivonaSibéria”;Millerreplicou que “essas pessoas se negam a ver sinais do homem aqui porque, se ozessem,suascarreirasiriamporáguaabaixo”.Otemaossosincisosdemamutedo

deserto Anza-Borrego foi levantado numa conversa que tivemos com omasDeméré,umpaleontólogodoMuseudeHistóriaNaturaldeSanDiego(31demaiode 1990).Deméré disse ser cético por natureza em relação a a rmações como asfeitasporMiller.Elequestionouoprofissionalismocomoqualosossoshaviamsidoescavados, e salientouo fatode não terem sido encontradas ferramentas de pedracom os fósseis. Além disso, Deméré sugeriu ser bastante improvável que algo arespeitodadescobertaviesseaserpublicadoemalgumjornalcientí co,porqueosperitosqueexaminamosartigosnãoos aprovariam.Ficamos sabendo,mais tarde,por intermédio de Julie Parkes, curadora dos espécimes de George Miller, queDeméréjamaishaviasequerinspecionadoosfósseisouvisitadoosítiodadescoberta,muitoemborativessesidoconvidadoafazê-Io.

Segundo disse Parks, uma incisão parece continuar de um dos ossos fósseis paraoutro que estaria localizado ao lado do primeiro quando o esqueleto domamuteestava intacto. Isso é um indício de marca de abate. Provavelmente, as marcasacidentais, resultantes domovimento dos ossos na terra após o esqueleto ter sidoquebrado,nãocontinuariamdeumossoparaooutrodessamaneira.

OssosIncisosdeSítiosItalianos

J.DesnoyersencontrouespécimesincisosdemodosemelhanteaosdeSt.Prestnumacoleçãodeossos recolhidosnovaledo rioArno (Vald’Arno),na Itália.Osossosestriados eramdosmesmos tiposde animais encontrados emSt.Prest - incluindoElephas meridionalis e Rhinoceros etruscus. Foram atribuídos à fase do PliocenochamadaAstiana.Issoresultarianumadatadetrêsaquatromilhõesdeanos.Porém,é possível que os ossos datassem de 1,3 milhão de anos atrás, quando o Elephasmeriodinalistornou-seextintonaEuropa.

TambémdescobriramossosestriadosemoutraspartesdaItália.Em20desetembrode 1865, no encontro da Sociedade Italiana de Ciências Naturais em Spezzia, oprofessor Ramorinoapresentouossosdeespéciesextintasdeveadose rinocerontesportando o que ele acreditava serem incisões humanas. Esses espécimes foramencontradosemSanGiovanni,nasproximidadesdeSiena,e,tantoquantoosossos

do Val d’Arno, foram tidos como sendo da fase Astiana do Plioceno. Mortillet,insistindoemsuaopiniãonegativaconvencional,declarouconsiderarqueasmarcasforammais provavelmente feitas pelas ferramentas dos operários que extraíram osossos.

RinocerontesdeBilly,França

Em13deabrilde1868,A.Laussedat informouàAcademiaFrancesadeCiênciasque P. Bertrand lhe havia enviado dois fragmentos do maxilar inferior de umrinoceronte. Provinham de uma escavação perto de Billy, França. Um dosfragmentostinhaquatrosulcosbemprofundos.Estes,situadosnaparteinferiordoosso, eram mais ou menos paralelos. Segundo Laussedat, as marcas de corteapresentavam-senatransversalcomoaquelasfeitasporumamachadinhanumatorademadeiradura.Dessemodo,eleachouqueasmarcashaviamsidofeitasdamesmamaneira, isto é, comum instrumento cortante depedra com suporte para amão,quandooossoestavafresco.ParaLaussedat,aquiloeraindíciodequeoshumanoshaviam sido contemporâneos do rinoceronte fóssil numa época geologicamenteremota.Aantiguidadede taldescobertaé revelada pelo fatodeoossomaxilar tersidoencontradonumaformaçãodoMiocenoMédio,comcercadequinzemilhõesdeanosdeidade.

Teriamasmarcasnoossosidorealmenteproduzidaspor sereshumanos?Mortilletachou que não. Após descartar a idéia de essas marcas terem sido feitas porcarnívoros roedores,eleescreveu:“Nãopassamdeimpressõesgeológicas”.EmboraMortillet possa estar certo, ele não apresentouprovas su cientes para justi car seupontodevista.

LewisR.Binford,antropólogodaUniversidadedoNovoMéxico,emAlbuquerque,é tido, hoje, como grande autoridade em ossos cortados. Em seu livro Bones:ancientmenandmodernmyths,Binforddiz:“Marcasproduzidasporferramentasdepedratendemasercurtas,ocorrendoemgruposdemarcasparalelas”.AsmarcasdescritasporLaussedatenquadram-senessadescrição.

CollinedeSansan,França

Asatasdeabrilde1868daAcademiaFrancesadeCiênciascontêmoseguinterelatode F. Garrigou e H. Filhol: “Temos em nossas mãos provas su cientes que nospermitemsuporaconstataçãodacontemporaneidadedesereshumanosemamíferosdo Mioceno”. Esse conjunto de provas era uma série de ossos de mamíferos,quebrados de forma aparentemente intencional e oriundos de Sansan, França.Foram especialmente dignos de nota os ossos quebrados do pequeno veadoDicroceruselegans.OscientistasmodernosconsideramascamadasósseasdeSansanpertencentesaoMiocenoMédio.Dáparaavaliaroefeitodevastadorqueapresença

de seres humanos há cerca de 15 milhões de anos teria sobre as atuais doutrinasevolucionárias.

Mortillet, como sempre, disse que alguns dos ossos de Sansan quebraram-se porforçade incidentesnaturaisà épocada fossilização, talvezpordessecação,aopassoqueoutrosquebraram-seposteriormenteemvirtudedomovimentodosestratos.

Garrigou,contudo,manteve suaconvicçãodequeosossosdeSansanhaviamsidoquebrados por humanos, durante a extração de tutano. Ele apresentou suas razõesem 1871 no encontro em Bolonha, Itália, do Congresso Internacional deAntropologiaeArqueologiaPré-históricas.Emprimeirolugar,Garrigouapresentouao Congresso uma série de ossos recentes com indiscutíveis marcas de abate equebra. Para efeito de comparação, ele então apresentou ossos do veado pequeno(Dicroceruselegans)recolhidosemSansan.Asmarcaçõesnessesossosigualavam-seàsdosossosmodernos.

Garrigou também mostrou que muitos dos fragmentos ósseos tinham marcas deraspagembem nas,comoaquelasencontradasemossoscomtutanoquebradosdoPleistocenoSuperior.SegundoBinford,oprimeiropassoparaextrairotutanodosossos é retirar a camada de tecido da superfície óssea, raspando-a com umaferramentadepedra.

Pikermi,Grécia

Emum local chamadoPikermi,pertodaplaníciedeMaratona,naGrécia,háumestrato rico em fósseis da era do Mioceno Superior (tortoniana), explorado edescrito porAlbertGaudry,preeminente cientista francês.Duranteo encontrode1872,emBruxelas,doCongressoInternacionaldeAntropologiaeArqueologiaPré-históricas, o barão Von Ducker registrou que os ossos quebrados de Pikermiprovavama existênciadehumanosnoMioceno.As autoridadesmodernas situam,ainda hoje, a área de Pikermi noMioceno Superior, o que conferiria aos ossos aidadedepelomenoscincomilhõesdeanos.

FoinoMuseudeAtenasqueVonDuckerexaminouváriosossosdosítiodePikermipela primeira vez. Ele encontrou 34 partes de maxilar de Hipparion (um extintocavalo detrêsdedos)edeantílope,bemcomodezenovefragmentosdetíbiae22outrosfragmentosdeossosdemamíferosgrandes,taiscomoosrinocerontes.Todosapresentavam vestígios de fraturamento metódico com o objetivo de extrair otutano.SegundoVonDucker,todoselestraziam“vestígiosmaisoumenosdistintosdegolpesdeobjetosduros”.Obarãoobservou,também,centenasde ocosósseosnamesmasituação.

Além disso, Von Ducker observou dúzias de crânios de Hipparion e antílope,

demonstrandoaretiradametódicadomaxilarsuperiora mdeextrairocérebro.Asquinasdasfraturaserammuitoa adas,oqueemgeralpodesertomadocomosinalde quebra por obra dohomem, enãoquebra por obra de carnívoros roedores oupressõesgeológicas.

Maistarde,VonDuckerviajouparaoprópriosítiodePikermiparacontinuarsuasinvestigações. No decurso de sua primeira escavação, encontrou dúzias defragmentos ósseos de Hipparion e antílope, registrando que cerca de um quartodelesapresentavasinaisdequebraintencional.Aesserespeito,deve-seteremmenteadescoberta de Binford quanto ao fato de os conjuntos de ossos quebrados, nodecorrerdaextraçãohumanadetutano,terem,cercade14%a17%deles,sinaisdecortesdeimpacto.“Eutambémencontrei”,a rmouVonDucker,“entreosossos,umapedradetamanhoquepudesseserpeganamão.Épontudadeumlado,estandoperfeitamenteadaptadaparafazerostiposdemarcasobservadasnosossos.”

DentesdeTubarãoperfuradosdeRedCrag,Inglaterra

Em um encontro do Real Instituto Antropológico daGrã-Bretanha e da Irlanda,realizado em 8 de abril de 1872, Edward Charlesworth, membro da SociedadeGeológica,mostroumuitosespécimesdedentesdetubarão(Carcharodon),cadaumcomumori ciovarando-lheo centro, comoo fazemos ilhéusdosMaresdoSulcom o objetivo de confeccionar armas e colares. Os dentes foram recolhidos daformação oriental de Red Crag, Inglaterra, indicando uma idade deaproximadamente2a2,5milhõesdeanos.

Charlesworthapresentouargumentos convincentesquantoaosmotivospelosquaisanimais marinhos como os moluscos perfuradores não poderiam ter feito osorifícios. Duranteodebate,umcientista sugeriu a cárie comocausadosorifícios,mas os tubarões não costumam apresentar esse tipo de problema.Outro cientistasugeriuaaçãodeparasitas,porém,admitiunãoserdeseuconhecimentoapresençadeparasitasemdentesdepeixes.

A essa altura, o dr. Collyer opinou a favor da ação humana. A ata do encontroa rmava: “Com o auxílio de uma poderosa lente de aumento, examinaracuidadosamente os dentes de tubarão perfurados... As perfurações, segundo seupontode vista, foramobrade algumhomem”.Entreoutros, osmotivospara suadeclaração eram “as condições chanfradas das quinas das perfurações”, “a posiçãocentraldosorifíciosnosdentes”e“asmarcasdemétodosarti ciaisempregadosparafazerasperfurações”.

OssoentalhadodosDardanelos,Turquia

Em1874,FrankCalvert encontrou,numa formaçãodoMiocenonaTurlJuia (ao

longodosDardanelos),umossodeDeinotheriumcom gurasdeanimaisentalhadasnele. ObservouCalvert: “Encontrei, emdiversas partes domesmo penhasco, nãomuito longedosítiodoossoentalhado,uma lascadepederneiraealgunsossosdeanimais,fraturadosaocomprido,obviamentepelamãodohomem,comoobjetivodeextrairotutano,segundoapráticadetodasasraçasprimitivas”.

O Deinotherium elefantóide, segundo o parecer de autoridades modernas, teriaexistidodesdeoPliocenoSuperior atéoMioceno InferiornaEuropa.Portanto, ébem possível que estivesse correta a datação, feita por Calvert, do sítio dosDardaneloscomosendodoMioceno.Hoje,diz-sequeoMiocenoseestendede5a25milhões de anos antesdomomentopresente. Segundoo atualpontode vistadominante, apenas hominídeos excessivamente simiescos teriam existido duranteaqueleperíodo.MesmoumadatadoPliocenoSuperior,dedoisatrêsmilhõesdeanosparaosítiodosDardanelos,seriapordemaisprecoceparaotipodeartefatosaliencontrados. Segundo consta, os entalhes do tipo encontrado no osso doDeinotherium são obra de humanos anatomicamente modernos dos últimosquarentamilanos.

EmLepréhistorique,MortilletnãocontestouaidadedaformaçãodosDardanelos.Aocontrário,segundocomentouele,apresençasimultâneadeumossoentalhado,deossosquebradosintencionalmenteedeumaferramentadelascadepederneiraeraquaseperfeitademais,perfeitaapontodelevantardúvidassobreasdescobertas.Issoébastanteextraordinário.NocasodosossosincisosdeSt.Prest,Mortilletqueixou-sedequenosítion:\oforamencontradasferramentasdepedraououtrossinaisdepresença humana.Mas nesse caso, com os itens indispensáveis descobertos com oosso entaIhado,Mortillet disse achar o conjunto “perfeito demais”, insinuando oembustedeCalvert.

No entanto, David A. Traill, professor de literatura clássica da Universidade daCalifórniaemDavis,dáaseguinteinformaçãoarespeitodeCalvert:“Foieleomaisdestacadomembro de uma família de expatriados britânicosmuito conhecida nosDardanelos[...];eletinhaboasnoçõesdegeologiaepaleontologia”.CalvertrealizoudiversasescavaçõesimportantesnaregiãodosDardanelos,alémdeterparticipadodadescobertadeTróia.ObservouTraill: “Tantoquanto tenhopodidoveri car pelomuitoquelidesuacorrespondência,Calvertfoiescrupulosamenteveraz”.

BalaenotusdeMonteAperto,Itália

DuranteoúltimoquartodoséculoXIX,apareceramnaItáliaossosfósseisdebaleiaapresentandomarcasdecorte.Em25denovembrode1875,G.Capellini,professorde geologia daUniversidadedeBolonha, relatouque asmarcas haviam sido feitasquandooossoestavafresco,aparentementecomferramentasdepederneira.Muitos

outroscientistaseuropeusconcordaramcoma interpretaçãodeCapellini.Osossoscom as citadas marcas eram de uma baleia extinta (do gênero Balaenotus) doPlioceno.Algunsdosossoseramdecoleçõesdemuseu,aopassoqueoutrosforamescavadospessoalmenteporCapelliniemformaçõesdoPliocenoaoredordeSiena,emlocaiscomoPoggiarone.

As marcas de corte nos ossos foram encontradas em lugares apropriados paraoperaçõesdeabate,taiscomoassuperfíciesexternasdascostelas.Emumesqueletoda baleia quase completo escavado por Capellini, as marcas de corte só foramencontradas em ossos de um lado da baleia. “Estou convencido de que o animalencalhou na areia pelo lado esquerdo, tendo o lado direito cado, desse modo,exposto ao ataque direto de humanos, comoo demonstramos lugares emque seencontramasmarcasnosossos”,disseCapellini.Ofatodeapenasosossosdeumdos lados da baleia terem sido marcados tende a descartar qualquer explicaçãopuramentegeológica,bemcomoaaçãodetubarõesnofundodomar.Alémdisso,asmarcas de corte nos ossos fósseis de baleia assemelhavam-se exatamente àquelasencontradasemossosdebaleiasnaatualidade.

NoCongressoInternacionaldeAntropologiaeArqueologiaPré-históricas,Capellinirelatou o seguinte: “Próximo aos restos do Balaenotus de Poggiarone, recolhialgumas lâminas de pederneira, perdidas nos próprios depósitos litorâneos”.Acrescentouele:“Comaquelasmesmas ferramentasdepederneirapudereproduzir,emossosfrescosdecetáceos,asmesmíssimasmarcasencontradasnosossosfósseisdebaleia”.EletambémobservouquehaviamencontradorestosesqueletaishumanosnamesmapartedaItália,emSavona(vejaCapítulo7).

ApósorelatodeCapellini,osmembrosdoCongressorealizaramumdebate.Alguns,tais como Sir John Evans, zeram objeções. Outros, tais como Paul Broca,secretário-geral da Sociedade Antropológica de Paris, concordaram comCapelliniquantoaofatodequeasmarcasnosossosdebaleiaforamfeitasporhumanos.Emparticular,Brocadescartouahipótesedequeasmarcasforamfeitasportubarõesedissequeapresentavamtodosinaldeteremsidofeitasporumalâminaa ada.Brocafoiumadasprincipaisautoridadesemfisiologiaósseadesuaépoca.

ArmanddeQuatrefagesestavaentreoscientistasfavoráveisàteoriadequeosossosde Balaenotus de Monte Aperto haviam sido cortados por instrumentos a adosmanuseadospelohomem.Em1884,eleescreveu:“Pormaisquetentemos,usandodiversos métodos e instrumentos de outras matérias-primas, não conseguiremosduplicarasmarcas.Apenasuma adoinstrumentodepederneira,movidoemcertoânguloecombastantepressão,poderiafazê-Io”.

Oassunto foibemresumidoporS.Laing,queescreveuoseguinteem1893:“Os

cortes apresentam curvas regulares, e às vezes quase semicirculares, que apenas ogolpedamãopoderiaterprovocado,einvariavelmentemostramumasuperfíciedecortelimpanoladoexternoouconvexo,contraoqualseaplicouapressãodeumalâmina a ada, com uma superfície irregular ou esmerilhada na parte interna docorte.Oexamemicroscópicodoscortescon rmaessaconclusão,semdeixardúvidadequetenhamsidofeitosporuminstrumentocomoumafacadepedra,segurodeforma oblíqua e pressionado contra o osso ainda em estado fresco, com forçaconsiderável - da forma que um selvagem faria ao retalhar a carne de uma baleiaencalhada. Podemos fazer, hoje, cortes exatamente iguais em ossos frescos usandoessasfacasdepedra,masnãodealgumaoutraformaconhecidaouconcebível.Negaraexistênciadohomemterciário,portanto,maisparecepreconceitoobstinadodoqueceticismocientífico,sesedependerapenasdessecasoespecífico”.

Binford,umaautoridademoderna,declarou:“Époucoprovávelqueumobservadorde osso modi cado confundisse marcas de corte, produzidas durante odesmembramento ouodescarnamentoporobradohomeme seus instrumentos,comaaçãodeanimais”.

Mas os dentes de tubarões (Figura 2.1) são mais a ados que os de carnívorosmamíferosterrestres,taiscomooslobos,epoderiamproduzirmarcasemossomaisparecidas com aquelas que poderiam ser feitas com instrumentos de corte. Apósexaminarmos ossos fósseis de baleia na coleção de paleontologia do Museu deHistóriaNaturaldeSanDiego,concluímosqueosdentesdetubarãopodemdefatofazermarcasbemparecidascomaquelasquepoderiamserfeitascominstrumentos.

Os ossos que vimos eram de uma espécie de baleia pequena com barbatana doPlioceno.Examinamososcortesnoossoatravésdeuma lentedeaumento.Vimosestriamentos longitudinaiseuniformementeparalelosemambasas superfíciesdoscortes.Essas sãoexatamenteo tipodemarcasque seesperariaver feitaspelabordadentada de um dente de tubarão.Também vimos marcas de raspagem no osso(Figura2.2).Elaspoderiamtersidoproduzidasporumgolpeoblíquo,comabordadodentearasparasuperfíciedoossoemvezdecortá-la.

Sabendo-se disso, seria possível reexaminar os ossos de baleia do Pliocenoencontrados na Itália e chegar-se a algumas conclusões bem de nidas sobre se asmarcas nos ossos foramounão feitas por dentes de tubarão.Padrões de estrias esulcos paralelos nas superfícies dos fósseis seriam um sinal quase certo da açãopredatória enecrófagados tubarões.E seoexameminuciosodecortesprofundosem forma de V também revelasse estriamentos longitudinais e uniformementeparalelos, isso deveria ser considerado como prova de que os dentes de tubarõeszeramoscortes.Nãoseriadeesperarqueassuperfíciesdasmarcasfeitasporlâminas

depedrarevelassemestriamentosuniformementeespaçados.

HalitheriumdePouancé,França

Em1867,L.Bourgeoiscausougrandesensaçãoaoapresentar,peranteosmembrosdoCongressoInternacionaldeAntropologiaeArqueologiaPré-históricas,reunidosemParis,umossodeHalitheriumcommarcasquepareciamserincisõeshumanas.Halitheriuméumtipodevacamarinhaextinta,ummamíferoaquáticodafamíliadossirenídeos(Figura2.3).

O Abade Delaunay descobrira os ossos fossilizados do Halitherium no leito deconchas em Barriére, perto de Pouancé, no noroeste da França. Delaunaysurpreendeu-seaover,numfragmentodoúmero,umossodobraço,umasériedemarcasde corte.Alémdeas superfíciesdos cortes teremamesmaaparênciaqueorestantedoosso,erafácildistingui-Iasdequebrasrecentes-indíciodequeoscorteseram bastante antigos. O osso propriamente dito, o qual estava fossilizado, jaziarmementeengastadonumestratointocado,deixandobemclaroqueasmarcasno

ossoeoossotinhamamesmaidadegeológica.Alémdisso,aprofundidadeea nuradas incisões mostravam que elas haviam sido feitas antes de o osso se fossilizar.Algumasdasincisõespareciamtersidofeitaspordoisgolpesinterseccionaisdistintos.

SegundoadmitiuopróprioMortillet, elasnãopareciamserprodutosde raspagensoucompressãosubterrâneas.Porém,elenãoquisadmitirquepudessemserprodutodeobrahumana,principalmenteporcausadaidade, ligadaaoMioceno,doestratoem que foram encontrados os ossos. Em 1883,Mortillet escreveu: “Isso é antigodemais para ter a ver com o homem”. Eis aqui outro exemplo claro de comopreconceitosteóricosimpõemaformadeinterpretarumconjuntodefatos.

SanValentino,Itália

Em1876,numareuniãodoComitêGeológicodaItália,M.A.Ferrettimostrouumosso fóssil de animal apresentando “vestígios de manuseio humano, tão evidentescomo para excluir qualquer dúvida do contrário”. Esse osso, de elefante ourinoceronte,foiencontrado rmementeengastadoemestratosastianosdoPliocenoSuperioremSanValentino(Reggiod’Emilie),naItália.Édeinteresseespecialofatodeoosso fóssil terumorifícioquasequeperfeitamenteredondoemsuaáreamaislarga.SegundoFerretti,oorifícionoossonãofoiobrademoluscosoucrustáceos.

Noano seguinte,Ferretti apresentouaoComitêoutroossocomvestígiosdeobrahumana.EssefoiencontradoemargilaazuldoPlioceno,deidadeastiana,emSanRuffino. Este osso parecia ter sido parcialmente serrado em uma de suasextremidades,edepoisquebrado.

Emumaconferênciacientí carealizadaem1880,G.Bellucci,daSociedadeItalianadeAntropologiaeGeogra a,chamouaatençãodetodosparaasnovasdescobertaSem San Valentino e em Castello delle Forme, perto de Perúgia. As descobertasincluíamossosanimaiscomcortesemarcasde impactode instrumentosdepedra,ossoscarbonizadoseflocosdepederneira.Todasforamrecolhidasdeargilaslacustresdoplioceno,caracterizadasporumafaunasemelhanteàqueladoVald’Arnoclássico.SegundoBellucci,essesobjetosprovavamaexistênciadohomemnoPlioceno.

Clermont-Ferrand,França

Em nsdoséculoXIX,omuseudehistórianaturaIemClermont-FerrandadquiriuumfêmurdeRhinocerosparadoxuscomsulcosemsuasuperfície.Oespécimeforaencontrado num calcário de água doce em Gannat, o qual continha fósseis deanimais típicos doMiocenoMédio.Houvequem sugerisse que os sulcosnoossoforam causados por dentes de animais. Porém, Gabriel de Mortillet discordou,apresentandosuaexplicaçãohabitual-oossohaviasidomarcadopelomovimentodepedrassobpressãogeológica.

MasaprópriadescriçãofeitaporMortilletdasmarcasnoossopõeemdúvidaessainterpretação. Asmarcas de corte locaIizavam-se perto da extremidade do fêmur,próximasdassuperfíciesdaarticulação.SegundoLouisBinford,peritomodernoemossos cortados, essa seria a área em que normalmente se encontrariam marcas deabate. Mortillet também disse que as marcas eram “sulcos paralelos, um tantoirregulares, transversais ao eixo do osso”. Os estudos de Binford revelaram: “Asmarcas de corte de ferramentas de pedra são mais comumente feitas com ummovimentode serragemque resulta emmarcas curtas e freqüentementemúltiplas,masimpetfeitamenteparalelas”.

ConchaentalhadadeRedCrag,Inglaterra

Em1881,numrelatotransmitidoàAssociaçãoBritânicaparaoAvançodaCiência,H.Stopes(MembrodaSociedadeGeológica)descreveuumaconcha,cujasuperfícietrazia o entalhe de um rosto tosco mas inconfundivelmente humano. A conchaentalhadafoiencontradanosdepósitosestrati cadosdeRedCrag,quetementre2e2,5milhõesdeanosdeidade.

Segundo argumentouMarieC. Stopes, lha do descobridor, em artigo publicadoem e Geological Magazine (1912), a concha entalhada não poderia ter sido

forjada: “Observe-se que as partes escavadas são de cor marrom-avermelhada tãoprofunda quanto a do resto da superfície. Isso é um aspecto importante, pois,quandoasuperfíciedasconchasdeRedCragsãoarranhadas,elasmostramumtombrancoporbaixodacor.Repare-se, também,queaconcha,de tãodelicada, cariasimplesmentedespedaçada se tentássemosentalhá-Ia”.Nãodevemosesquecerque,segundoaopiniãopaleantropológicaconvencional,sóvamosencontrarobrasdeartecomoessaapósoperíododointeiramentemodernoHomemdeCro-Magnon,noPleistocenoSuperior,cercadetrintamilanosatrás.

InstrumentosdeossoencontradosembaixodeRedCrag,Inglaterra

No início do século XX, J. Reid Moir, descobridor de muitos instrumentos depederneiraanomalamenteantigos(vejaCapítulo3),descreveu“umasériedeumtipoprimitivo de instrumentosdeossomineraIizados encontradosabaixodo sopédospenhascosdeSuffoIkchamadosRedCrageCorallineCrag”.OtopodeRedCragemEastAngliaéconsiderado,hoje,afronteiraentreoPliocenoeoPleistoceno,epor isso remontaria a cerca de 2 a 2,5 milhões de anos. A área mais antiga deCoralline Crag data do Plioceno Superior e, portanto, teria pelomenos 2,5 a 3milhõesdeanos.OsveiosabaixodeRedCrageCorallineCrag,oschamadosveiosde detrito, contêm elementos com idades variando entre oPlioceno e oEoceno.Logo,osobjetosaliencontradospoderiamterentre2e55milhõesdeanosdeidade!Um grupo de espécimes de Moir é de forma triangular (Figura 2.4). Em seurelatório,Moirdeclarou:“Todosessesespécimesformaram-seapartirdepedaçosdeossoamplos,lisose nos,provavelmentepartesdecostelasgrandes,asquaisforamfraturadasdemaneiraaapresentarema formaespecí caatual.Dequalquermodo,essaformatriangularfoiproduzidapormeiodefraturastransversaisao‘veio’naturaIdoosso”.Tendorealizadoexperiênciasemossos,Moirchegouàconclusãodequeseus espécimes eram “sem dúvida obras do homem”. Segundo Moir, os pedaçostriangulares de osso de baleia fossilizado descobertos nos estratos embaixo deCoralline Cragpoderiamter sidousadosalgumavezcomopontasde lança.Moirtambém encontrou costeIas de baleia que haviam sido transformadas eminstrumentospontudos.

Moireoutroscientistas tambémencontraramossos incisose instrumentosdeossoem diversos níveis, dosmais novos aosmais antigos, doCromer Forest Bed.Osníveis maisnovosdoCromerForestBed têmcercadequatrocentosmil anos;osmais antigos têmpelomenosoitocentosmil anos e, segundo algumas autoridadesmodernas,poderiamteraté1,75milhãodeanos.

Além disso,Moir descreveu um osso descoberto por um certo sr.Whincopp, deWoodbridge emSuffolk, o qual tinha, em sua coleção particular, um “pedaço decostelafóssilparcialmenteserradonosentidotransversalemambasasextremidades”.Esse objeto vinha do veio de detrito embaixo de Reg Crag e era, disse Moir,“considerado, tanto pelo descobridor quanto pelo falecido reverendo OsmondFisher, uma evidência indiscutível de trabalho manual humano”. Indícios deserragemseriamdetodoinesperadosemumossofóssildessaidade.

S.A.NotcuttrecuperouumpedaçodemadeiraserradadoCromerForestBedemMundesley.Amaiorpartedos estratosdeMundesley temcercadequatrocentos aquinhentosmilanosdeidade.

Comentando a respeito do pedaço de madeira cortada, Moir fez as seguintes

observações: “A extremidade lisa parece ter sido produzida por meio de serragemcomuma pederneira a ada, e a certa altura parece ter sido feita uma correçãonadireção do corte (Figura 2.5), como costuma ser necessário quando se começa acortar madeira com um serrote de aço moderno”. Moir observou ainda: “Aextremidadepontudaestáumtantoescurecida,comose tivesse sidoqueimada,eépossívelqueoespécimerepresenteumaprimitivavaretadecavarusadaparaarrancarraízes”.

EmborahajaumaremotaprobabilidadedeseresdotipoHomoerectusteremestadopresentes na Inglaterra durante a época do Cromer Forest Bed, o nível deso sticaçãotecnológicaindicadoporessaferramentademadeiraserradaésugestivodehabilidadesdotiposapiens.Defato,édifícilentendercomosimplesinstrumentosde pedra poderiam ter produzido essa espécie de serragem. Pequenas lascas depederneira instaladasnumcabodemadeira,por exemplo,não teriamproduzidoocorteperfeitoevidentenoespécime,porqueocabodemadeirateriasidomaiorque

osdentesdepederneira.Portanto,nãosepoderiaterabertoumsulcoestreitocomtalinstrumento. A lâminadeum serrote feito apenasdepedra teria sidopordemaisquebradiçaenãoteriaduradoobastantepararealizarsemelhanteoperação.Alémdomais,teriasidoumaproezaetantoconfeccionarsemelhantelâminadepedra.Dessemodo, caparecendoqueapenasumserrotedemetalpoderiaproduzira serragemobservada.Evidentemente,umserrotedemetalháquatrocentosouquinhentosmildeanoséalgobastanteanômalo.

É digno de nota que os ossos incisos, os instrumentos de osso e outros artefatosoriundos dos veios deRedCrag e deCromer Forestmal sejammencionados emmodelares livrosdidáticoseobrasdereferênciadaatualidade. Issoéespecialmentedigno de nota no caso das descobertas em Cromer Forest, muitas das quais, dopontodevistadaidade,atingemolimitedoaceitável,segundoamodernaseqüênciapaleantropológicadeeventos.

Fosso de Elefante emDewlish, InglaterraOsmond Fisher,membro da SociedadeGeológica, descobriu algo interessante no panorama de Dorsetshire - o fosso deelefanteemDewlish.FisherdisseemeGeologicalMagazine(1912):“Estefosso,escavado em giz, tinha 3,60metros de profundidade e largura su ciente para umhomempassarporele.Nãoseencontrana linhadenenhumafraturanatural,eosveiosdepederneiraemcadaladocorrespondementresi.Ofundoeradegizintacto,euma extremidade, tal qual os lados, era vertical.Na outra extremidade, abria-sediagonalmenteemdireçãoaoladoíngremedeumvale.RendeurestosconsideráveisdeElephasmeridionalis,masnenhumoutrofóssil...Essefosso,emminhaopinião,foiescavadopelohomemem nsdoPliocenocomoumaarmadilhaparaelefantes”.OElephasmeridionalis,ou“elefantedosul”,existiunaEuropade1,2a3,5milhõesde anos atrás. Dessa forma, embora os ossos encontrados no fosso de Dewlishpudessem concebivelmente ser de idade equivalente ao Pleistoceno Inferior,poderiamdatar,também,doPliocenoSuperior.

As fotogra as mostram que as paredes verticais do fosso foram cuidadosamentetalhadas como que por meio de um grande cinzel. E Fisher referiu-se a relatosdemonstrandoquecaçadoresprimitivosdostemposmodernosfaziamusodefossossemelhantes.

Noentanto,posterioresescavaçõesdofossofeitaspeloDorsetFieldClub,conformeregistraumabrevenotano jornalNature (de16deoutubrode1914), revelaramque,“emvezdeterminarnumsolodefatoemseufundo,elesedivideparabaixonuma cadeia de tubos estreitos e profundos giz adentro”. Contudo, não éimprovável quehumanosantigos tivessemfeitousodepequenas fendasparaabrirumfossomaiornogiz.Valeriaapenaexaminarosossosdeelefante,encontradosno

fosso,àprocuradesinaisdemarcasdecorte.

Fisher fez outra descoberta interessante. Numa publicação de 1912, escreveu ele:“Quando cavava em busca de fósseis no Eoceno de Barton Cliff, encontrei umpedaço de substância parecida com o azeviche medindo cerca de 25 centímetrosquadradose5,8centímetrosdeespessura...Pelomenosemumdeseuslados,traziaoquemepareceuseremmarcasdamachadadaqueohaviatransformadonuma guraprecisamente quadrada. O espécime encontra-se hoje no Museu Sedgwick, emCambridge”.Oazevicheéumaespéciecompactadecarvãodetomescuroaveludadoque leva uma boa polida e costuma ser usado como jóia. A época do Eocenoremontaacercade38a55milhõesdeanosatrás.

PalavrasdeconclusãosobreossosintencionaImentemodificados

É realmente bastante curioso que tantos investigadores cientí cos sérios do séculoXIXedocomeçodoséculoXXtenham,independenteerepetidamente,registradoque as marcas em ossos e conchas de formações do Mioceno, do Plioceno e doPleistoceno Inferior fossem indícios de obra humana. Entre os pesquisadoresresponsáveis por tais a rmações, guram Desnoyers, Quatrefages, Ramorino,Bourgeois,Delaunay, Bertrand, Laussedat, Garrigou, Filhol, VonDucker,Owen,Collyer,Calvert,Capellini,Broca,Ferretti,Bellucci,Stopes,Moir,FishereKeith.

Estavam enganados esses cientistas?Talvez sim. Mas é muito estranho alimentarilusões sobre marcas de corte em ossos fósseis - elementos nada românticos ouinspiradores. Acaso os pesquisadores supramencionados foram vítimas de umasingularaberraçãomentaldoséculopassadoedoprimeiroquartodesteséculo?Ouseráqueasprovasdaexistênciadecaçadoresprimitivosrealmenteabundamentreosvestígios faunísticos do Plioceno e de períodos anteriores? Supondo-se que taisprovas existam, poder-se-ia questionar por que não são encontradas hoje em dia.Uma ótima razão para isso é que ninguém as tem procurado. Provas de obrahumana intencional emossos facilmentepassariamdespercebidasparaumcientistaquenãoestivesseativamenteprocurando-as.Seumpaleantropólogoestáconvencidodequenãoexistiamsereshumanos fabricantesde ferramentasnoPliocenoMédio,nãoéprovávelqueeledêmuitaatençãoànaturezaexatadasmarcasemossosfósseisdaqueleperíodo.

3.Eólitos:AsPedrasdaDiscórdiaCientistas do século XIX encontraram muitas ferramentas e armas de pedra emestratos do Pleistoceno Inferior, do Plioceno, do Mioceno e em estratos maisantigos. Tais descobertas foram registradas em jornais cientí cos convencionais,tendo sido tema de debate em congressos cientí cos. Mas hoje, praticamente

ninguém ouve falar delas. Categorias inteiras de fatos desapareceram da vista domundo.

Nósconseguimos,contudo,recuperarumavastareservadessasprovas“enterradas”,enossoexamedelasnos levarádesdeascolinasdeKent,naInglaterra,atéovale doIrrawady, em Burma. Alguns pesquisadores de ns do século XX também têmdescobertoindústriasdeferramentasdepedraanomalamenteantigas.

Asindústriasdeanômalasferramentasdepedraqueexaminaremosenquadram-seemtrêsdivisõesbásicas:eólitos,paleólitostoscosepaleólitosavançadoseneólitos.

Segundoalgumasautoridades,oseólitos(oupedrasdaaurora)sãopedrascomquinasnaturalmenteadequadasparacertostiposdeuso.Estas,dizia-se,foramselecionadaspelos humanos e usadas como ferramentas com pouca ou nenhuma modi caçãosubseqüente.Oolhodestreinadonãocostumadistinguirosinstrumentoseolíticosdepedradasrochasquebradascomuns;osespecialistas,porém,desenvolveramcritériosparanelasidenti carsinaisdemodi caçãoeusohumanos.Nomínimo,paraqueseclassiftiqueumespécimecomoumeólito,devehaverapresençade inconfundíveismarcasdeuso.

Nocasode ferramentasdepedramais so sticadas, chamadaspaleólitos toscos, sãomaisóbviosossinaisdemanufaturahumana,incluindoatentativadetransformarotododapedraemferramentadecon guraçãoreconhecível.Asdúvidasacercadessesinstrumentosgiramprincipalmenteemtornodadeterminaçãodesuaidadecorreta.

Nossa terceira divisão, paleólitos avançados e neólitos, refere-se a ferramentas depedraanomalamenteantigasque seassemelhamàs indústriasdepedramuitobemtalhada ou uniformemente polida dos convencionais períodos Paleolítico nal eNeolítico.

Para amaioria dos pesquisadores, os eólitos seriam os instrumentosmais antigos,seguidos,porsuavez,pelospaleólitoseosneólitos.Contudo,usaremosessestermosprincipalmentepara indicarosgrausdeacabamento.É impossível atribuir idades aferramentasdepedrasimplesmentecombasenaformadelas.

EólitosdoPlatôdeKent,Inglaterra

A cidadezinha de Ightham, emKent, ca a cerca de 44 quilômetros a sudeste deLondres. Durante a era vitoriana, Benjamin Harrison tinha um armazém emIghtham. Nos dias de folga, ele perambulava pelas colinas e vales próximos,recolhendo instrumentosdepederneiraque, emborahámuito esquecidos,haviam,durantedécadas,provocadoacirradascontrovérsiasnacomunidadecientífica.

Harrisonrealizouboapartedeseutrabalhosobaorientaçãodeseuvizinho,SirJohn

Prestwich,ofamosogeólogoinglês.Harrisontambémsecorrespondiaregularmentecomoutroscientistasdedicadosàpesquisapaleantropológica,tendotidoocuidadodecatalogaremapearsuasdescobertas,segundoprocedimentosconvencionais.

As primeiras descobertas de Harrison foram artefatos de pedra polida do tiponeolítico.Segundoseacreditahoje,asculturasneolíticasremontamaapenascercadedezmil anos, estando ligadas à agricultura e à olaria.Harrison descobriu neólitosespalhadospelasatuaissuperfíciesdeterranasredondezasdeIghtham.

Mais tarde, ele começou a encontrar paleólitos em antigos cascalhos uviais.Essesinstrumentos paleolíticos, embora mais primitivos que os neolíticos, são mesmoassimfacilmentereconhecidoscomoobjetosdemanufaturahumana.

Quantosanostinhamessasferramentaspaleolíticas?SegundoaopiniãodePrestwiChe Harrison, alguns dos instrumentos de pedra encontrados perto de lghthamdatavamdoPlioceno.GeólogosdoséculoXX,taiscomoFrancisH.Edmunds,doInstituto de Pesquisas Geológicas da Grã-Bretanha, também têm dito que oscascalhos, nos quais muitos dos instrumentos foram encontrados, datam doPlioceno.HugoObermaier, destacado paleantropólogo do começo do séculoXX,declarou que os instrumentos de pederneira recolhidos porHarrison no platô deKentpertencemaoPliocenoMédio.UmadatadoPliocenoSuperioroudoPliocenoMédioparaosinstrumentosdoplatôdeKentconferir-Ihes-iaumaidadededoisaquatromilhõesdeanos.PaleantropólogosmodernosatribuemaoHomoerectusosinstrumentospaleolíticosdaregiãodeSomme,naFrança,remontando-osaapenasquinhentosasetecentosmilanosatrás.Osmaisantigos instrumentosreconhecidoshojenaInglaterratêmcercadequatrocentosmilanos.

Entreos instrumentospaleolíticos recolhidosporBenjamimHarrisonnoplatôdeKent, havia alguns que pareciam pertencer a um nível de cultura mais primitivoainda.Eramelesoseólitos,oupedrasdaaurora(Figura3.1).

OsinstrumentospaleolíticosdescobertosporHarrison,apesardesuaaparênciaumtanto grosseira, haviam sido bastante trabalhados para poderem assumir nítidasformasdeferramentasearmas(Figura3.2).

Osinstrumentoseolíticos,contudo,eram ocosnaturaisdepederneiraapresentandoapenas retoques ao longodasbordas. Tais ferramentas ainda são empregadashojeporpovostribaisprimitivosemdiversaspartesdomundo,osquaispegamumalascade pedra, entalham uma de suas bordas e então usam-na como raspadeira ouinstrumentodecorte.

Segundo certos críticos, os eólitos de Harrison não passavam de fantasias de suaimaginação - nada mais que pedaços de pederneira quebrados. Mas Leland W.Patterson,autoridadeatualemferramentasdepedra,acreditaserpossíveldistinguirmesmo a obra intencional bastante primitiva da ação da natureza. “Seria difícil”,disse Patterson, “visualizar como aplicações aleatórias de força poderiam criarretoquesuniformeseunidirecionais ao longodeumcomprimento signi cativodabordadeumalasca”.

Grande parte dos eólitos recolhidos por Harrison consistia em ferramentasunifacetadas,comentalhesregularesrestritosaumladodeumasuperfície.Segundoo critério de Patterson, eles teriam de ser aceitos como objetos de manufaturahumana. Em 18 de setembro de 1889, A. M. Bell, membro da SociedadeGeológica,escreveuparaHarrison:“Parecehaveralgomaisnotoscomasuniformeentalhedoqueteriaproduzidoummeroatritoacidental[...]Tendochegadoaessaconclusão,euadefendocomtodaconvicção”.

Em2denovembrode1891,AlfredRussellWallace,umdosmaisfamososcientistasdesuaépoca, fezumavisitadesurpresaaBenjaminHarrisonemseuarmazémemIghtham.HarrisonmostrouaWallacesuacoleçãodeferramentasdepedraelevou-oaalgunsdos sítios.Reconhecendoaautenticidadedas ferramentas,WallacepediuaHarrisonqueescrevesseumrelatóriocompletosobreelas.

SirJohnPrestwich,umadasprincipaisautoridadesdaInglaterraemferramentasdepedra, também aceitou como genuína a descoberta de Harrison. Respondendo à

acusaçãodequeoseólitoseramtalvezobrasdanatureza,enãoartefatos,Prestwichdeclarou o seguinte em 1895: “Desa ados a mostrar alguns de tais espécimesnaturais,aquelesque zeramtaisdeclaraçõesnãoconseguiram,apesardejáseterempassado quase três anos desde que foi feito o desa o, apresentar sequer umúnicoespécime [...] Quanto ao fato de a água corrente ter esse poder construtivo, atendênciadelaé,pelocontrário,desgastartodososângulos,reduzindoapederneiraaumseixomaisoumenosarredondado”.

Em outro artigo, publicado em 1892, Prestwich fez a seguinte e importanteobservação: “Mesmo obras de selvagens modernos, tais como os instrumentos depedradosnativosaustralianos,mostram,aoseremprivadasdesuamontagem,umvolumedetrabalhonemmaiornemmaisdistintoqueodessesprimeirosespécimespaleolíticos”.

Portanto, não é preciso atribuir os eólitos do platô a uma raça primitiva deantropopitecos.ComooseólitossãopraticamenteidênticosàsferramentasdepedrafeitaspeloHomosapienssapiens,épossívelqueoseólitos(eospaleólitos)tenhamsido feitos por humanos do tipo inteiramente moderno na Inglaterra durante oPlioceno Médio ou o Plioceno Superior. Conforme veremos no Capítulo 7, oscientistas do século XIX zeram várias descobertas de restos esqueletais de sereshumanosanatomicamentemodernosemestratosdoPlioceno.

É interessante lembrar que peritos modernos aceitam como artefatos humanosgenuínos certas ferramentas exatamente parecidas com os eólitos deHarrison. Porexemplo, as ferramentas de pedra arredondada e de lascas de pedra dos níveisinferioresdodes ladeiroOlduvai(Figura3.3)sãoextremamentetoscas.Porém,oscientistas não questionaram a autenticidade do status delas como objetosmanufaturadosintencionalmente.

Segundo a opinião de certos críticos, mesmo que as ferramentas de Harrisontivessem sido feitas por humanos, elas não poderiam ser do Plioceno. Elas teriamcaídonasformaçõesrochosasdoPliocenoduranteperíodosbastanterecentes.

A m de esclarecer a controvérsia em torno da idade dos eólitos, a AssociaçãoBritânica, sociedade cientí ca de prestígio, nanciou escavações nas formaçõesrochosas da parte alta do platô e em outras localidades próximas a Ightham. Opropósitodetalempreendimentofoimostrar,deumavezportodas,queoseólitospodiam ser encontrados, não apenas na superfície, como também in situ, lá nofundodasformaçõesrochosaspré-glaciaisdoPlioceno.Harrisonjáhaviaencontradoalguns eólitos in situ (tais como alguns oriundos de buracos de postes),mas essaescavação, nanciada pela respeitada Associação Britânica, seriamais conclusiva. AAssociaçãoBritânicaescolheuopróprioHarrisonparasupervisionarasescavaçõesdoplatô, sob a direção de um comitê de cientistas. Em suas anotações, Harrisonregistrou ter encontrado muitos exemplos de eólitos in situ, incluindo “trinta

amostrasconvincentes”.

Em1895,HarrisonfoiconvidadoamostraroseólitosnumencontrodaSociedadeReal. Alguns dos cientistas mantiveram-se céticos. Outros, contudo, carambastanteimpressionados.Entreestes,E.T.Newton,MembrodaSociedadeRealedoInstitutodePesquisasGeológicasdaGrã-Bretanha,escreveuaHarrisonem24dedezembro de 1895 acerca dos instrumentos: “Algunsdeles, para dizer omínimo,demonstramaintervençãohumana[...];foramfeitosintencionalmente,e,portanto,peloúnicoserintelectualqueconhecemos,oHomem”.

Em1896,Prestwichmorreu,masHarrison,naausênciadeseupreeminentepatrono,continuoucomasescavaçõesnoplatô,semdeixardeenfrentarosduvidosos.RayE.Lankester,queeraumdosdiretoresdoMuseuBritânico(HistóriaNatural),tornou-separtidáriodoseólitosdoplatôdeKentencontradosporHarrison.

Poder-se-ia questionar a necessidadedededicar um tratamento tãopormenorizadoaoseólitosdeHarrison.Ummotivoparaissoémostrarqueprovasdessetiponemsempre eram de naturezamarginal e biruta. Eramuito freqüentes provas bastanteanômalasseremocentrodesériaseduradourascontrovérsiasnopróprioâmagodecírculos da elite cientí ca, com defensores detentores de credenciais e posiçõescientí cas tão prestigiosas quanto as de seus adversários.Ao apresentarmos relatospormenorizadosdointercâmbiodeopiniõesdivergentes,esperamosestaroferecendoao leitor uma oportunidade de responder por si mesmo à pergunta crucial - asprovas foram realmente rejeitadas combase emargumentospuramenteobjetivos,outeriamsidodesconsideradaseesquecidaspelosimplesfatodenãoseenquadraremnosparâmetrosdedeterminadasteoriaslimitadas?Harrisonmorreuem1921eseucorpo foi enterrado no terreno da igreja de St. Peter, em Ightham. Uma placacomemorativa, a xada nomuro norte da igreja em 10 de julho de 1926, traz aseguinte inscrição: “IN MEMORIAM. - Benjamin Harrison de Ightham, 1837-1921, o quitandeiro e arqueólogo cujas descobertas de instrumentos eolíticos depederneiraao redorde Ighthamdescortinaramumfrutíferocampode investigaçãocientíficasobreamaiorantiguidadedohomem”.

Contudo,ofrutíferocampodeinvestigaçãocientí casobreamaiorantiguidadedohomem, aberto pelos eólitos do platô de Kent, foi enterrado juntamente comHarrison. Eis o que parece ter acontecido. Nos anos de 1990, Eugene Duboisdescobriuepromoveuofamoso,porémdúbio,Homem-macacodeJava(Capítulo8).MuitoscientistasaceitaramoHomemdeJava,encontradodesacompanhadodeferramentasdepedra,comoumgenuínoancestralhumano.Noentanto,porqueoHomemdeJavafoiencontradoemestratosdoPleistocenoMédio,asamplasprovasdaexistênciadehominídeosfabricantesdeferramentasbemnoiníciodoPliocenoe

noMiocenodeixaramde receber a séria atençãodacomunidadecientí ca.Comopoderiam tais hominídeos fabricantes de ferramentas ter aparecido muito tempoantesdeseusupostoancestral,ohomem-macaco?Talcoisaseria impossível, logo,melhorignorareesquecerquaisquerdescobertasquedestoassemdosparâmetrosdasexpectativasteóricas.

DescobertasdeJ.ReidMoiremEastAnglia

Nossaviagemdeexploraçãoleva-nosagoraparaacostasudestedaInglaterraeparaasdescobertasdeJ.ReidMoir,membrodoRealInstitutoAntropológicoepresidenteda Sociedade Pré-histórica de East Anglia. A partir de 1909, Moir encontrouinstrumentos de pederneira na região de Red Crag e Coralline Crag, tanto nasuperfíciequantoabaixodasuperfície.

A formação de Red Crag, na qual Moir fez algumas de suas descobertas maissigni cativas, compõe-se das areias conchosas de um mar que outrora banhara olitoral de East Anglia. Em alguns locais abaixo de Red Crag, encontra-se umaformaçãosemelhantechamadaCorallineCrag.

Apósestudarmosrelatosgeológicosmodernos,concluímosqueRedCragtempelomenos2a2,5milhõesdeanosde idade.Assim,CorallineCrag seriamais antigo.Debaixo desses penhascos, Red Crag e Coralline Crag, em East Anglia, existemcamadas de detrito, às vezes chamadas leitos ósseos.Tais leitos são compostos deuma mistura de elementos - areias, cascalhos, conchas e ossos derivados de umavariedadedeformaçõesmaisantigas,inclusiveaargiladoEocenodeLondres.

J.ReidMoirencontrounascamadasdedetritodapartesubterrâneadospenhascosdeEast Anglia ferramentas de pedra que apresentavam graus variados de obraintencional (Figura 3.4). Tendo concluído que as ferramentas mais toscasremontavam ao Eoceno, Moir disse “ser necessário reconhecer uma antiguidademuitomaiorparaaraçahumanadoqueaquelasupostaatéagora”.

No mínimo, os instrumentos de Moir datam do Plioceno Superior. Contudo,segundoaatualteoriadaevolução,nãoseriadeesperarencontrarsinaisdehumanosprodutoresdeferramentasnaInglaterradedoisatrêsmilhõesdeanosatrás.

Conforme pensava Moir, os produtores de suas antiqüíssimas e tosquíssimasferramentasdecerto“representamumaetapabrutaleprimitivadaevoluçãohumana”.Porém, aindahoje,existemgrupos tribaismodernosconhecidoscomoartesãosdeferramentasdepedramuitoprimitivas.Épossível,portanto,queseresparecidíssimoscom o Homo sapiens sapiens pudessem ter feito mesmo os mais toscos dosinstrumentosrecolhidosporMoirdascamadassubterrâneasdeRedCrag.

Esses mesmos instrumentos foram motivo de extrema controvérsia na sociedadecientí ca.Muitoscientistasosjulgaramprodutosdeforçasnaturais,enãodeobrahumana.Nãoobstante,Moir tevemuitosdefensores in uentes.Entreestes,Henri

Breuil,queinvestigouossítiosarqueológicosempessoaeencontrou,nacoleçãodeMoir, uma aparente pedra de estilingue oriunda das camadas subterrâneas de RedCrag. Outro respeitado defensor foi Archibald Geikie, geólogo e presidente daSociedade Real. Ainda outro foi Sir Ray Lankester, diretor doMuseu Britânico.Lankester identi cou, entre os espécimes de Moir, um tipo representativo deinstrumentoqueeledenominourostro-carinado.Talexpressãochamanossaatençãoparaduasdestacadascaracterísticasdasferramentas.“Rostro”refere-seàformabicudada parte funcional dos instrumentos, ao passo que “carinado” refere-se à a ada equilhadasaliênciaaolongodepartedesuasuperfíciedorsal.

Lankesterapresentouumaanálisedetalhadadoqueeledenominou“oespécimedetestedeNorwich”(Figura3.5).

Exemplo particularmente bom do tipo rostro-carinado de Instrumento, esseespécimefoidescobertodebaixodeRedCragemWhitlingham,pertodeNorwich.Seoespécime de testedeNorwich fossemesmooriundodaparte subterrâneade

RedCrag, ele teriamaisde2,5milhõesde anosde idade.Oespécimede testedeNorwichaliavaumaboademonstraçãodeobraintencionalcomumanítidaposiçãoestratigrá ca. Em relatório de 1914 do Real Instituto Antropológico, lankesterescreveu:“Nãoépossívelquealguémfamiliarizadocomoartesanatoempederneira,etambémcomaquebranãohumanadelascasdepedra,a rmeserpossível,mesmodaformamaisremota,queotrabalhodeesculpirfeitonestapederneiradetestedeNorwich tenha sido produzido por outro meio que não o humano”. SegundoLankester,ferramentasdessetipodatariamdoMioceno.

UmconjuntoimportantededescobertasfeitasporMoirocorreuemFoxhall,ondeele encontrou ferramentasdepedra (Figura3.6) emmeioà formaçãodoPliocenoSuperiordeRedCrag.Nessecaso,osinstrumentosdeFoxhallteriammaisdedoismilhões de anos. Em 1927, Moir escreveu: “As descobertas consistiam emfragmentosdeartesanato empederneira,e incluíammartelosdepedra,núcleosdeonde haviam sido extraídas lascas, instrumentos bem acabados, inúmeras lascas depedraediversaspedrascalcinadas,asquaisdemonstravamoacenderdefogueirasnolocal[...];seofamosoossomaxilarhumanodeFoxhall,oqualaparentementenãotinhaformamuitoprimitiva,eradefatooriundodaantigasuperfíciedosoloagoraenterrada bem fundo nos penhascos de East Anglia e numa grande espessura doCascalhoGlacial,podemosformar ade nitivaopiniãodequeessespovosantigosnãoerammuitodiferentesdenósnoquedizrespeitoàscaracterísticascorporais”.

OmaxilarmencionadoporMoir temumahistória interessante (vejaCapítulo7).Alguns cientistas que o examinaram consideraram-no semelhante ao de um serhumano moderno. É uma pena que o maxilar de Foxhall não se encontre àdisposição para estudos posteriores, pois isso recon rmaria o fato de que osinstrumentos de pederneira de Foxhall eram de manufatura humana. Contudo,mesmosemomaxilar,asprópriasferramentassãoindíciofortedapresençahumananaInglaterraduranteoPliocenoSuperior,talvez2a2,5milhõesdeanosatrás.

Em1921,opaleontólogonorte-americanoHenryFair eldOsbornpronunciou-sefortementeafavordos instrumentos,alegandoquedatavamdoPlioceno.Segundodisseele,asprovasdaexistênciadehumanosnoPlioceno“agoraestão rmementecon rmadaspelasdescobertasdaspederneirasdeFoxhall,nasquaisaobrahumanaéinquestionável”.ConformeOsborn,entreosespécimesdeFoxhall,haviafuradores,instrumentos com pontas parecidas com as de echas, raspadeiras e raspadeiraslaterais.

Osbom defendeu não apenas as pederneiras de Foxhall, mas também o resto dotrabalho de Moir: “As descobertas de J. Reid Moir das provas da existência dohomem do Plioceno emEast Anglia inauguram uma nova época na arqueologia[...]; trazem provas indubitáveis da existência do homem no sudeste da Grã-

Bretanha,homemestecominteligênciasu cienteparamanufaturarferramentasdepedraefazerumafogueiraantesdoftmdoPliocenoeantesdoadventodaPrimeiraGlaciação”.

OutrocientistaconvencidopelasdescobertasdeFoxhaIlfoiHugoObermaier,antesum rme e eloqüente oponente das descobertas eolíticas. Obermaier era um doscientistasqueacreditavaseremoseólitosproduzidosporforçasnaturaissemelhantesàs forças que atuam em usinas de cimento e de giz. No entanto, em 1924,Obermaierescreveu: “EssadescobertadeFoxhalléaprimeiraprovaquetemosdaexistência do homem terciário”. A época terciária estende-se do Eoceno até oPlioceno.

MoirtambémfezdescobertasnomaisrecenteCromerForestBeddeNorfolk.Essasferramentas teriamentrequatrocentos eoitocentosmil anos.AIgumas estimativasquantoàidadedaparteinferiordaformaçãodeCromerForestBedchegama1,75milhãodeanos.

Porém,muitoscientistascontinuaramanegar-seaaceitarqueosespécimesdeMoirfossem ferramentas genuínas. Segundo argumentavam, os objetos haviam sidoproduzidosporforçaspuramentenaturais.Porexemplo:S.HazzledineWarrendisseque eles foram produzidos pela pressão geológica que comprimiu pedaços depederneira contra leitos duros de giz. Como prova disso, referiu-se a algunsespécimesdepedra lascadadeBullheadBed, um sítio arqueológicodoEocenonaInglaterra.Arespeitodeumdessesobjetos(Figura3.7),disseWarrenemumrelatode1920àSociedadeGeológicadeLondres: “Este,umbomexemplodepontadelasca trabaIhada, éoespécime maisnotáveldogrupo.Consideradopor si só,porseus próprios méritos aparentes e separadamente dos demais objetos e dascircunstânciasdesuadescoberta,suasa nidadesmusterianasdi cilmentepoderiamser questionadas”. O período musteriano caracteriza-se pela já aceita indústria deferramentas de pedra do Pleistoceno Superior. Warren achava impossível que sepudesseencontrarferramentasemestratosdoEoceno.Porém,pessoasisentasdetaispreconceitosnãoseadmirariamseWarrentivesserealmentedescoberto,emestratosdoEocenoemEssex,uminstrumentogenuíno.

No debate que se seguiu ao relato de Warren à Sociedade Geológica, um doscientistas presentes chamou a atenção para o fato de que, em certos casos, asferramentasdeMoirforamencontradasemmeioaleitossedimentaresterciários,enãodiretamentenascamadasdegizduro.Issodescartaria,emparticular,aexplicaçãosobreapressãogeológicadadaporWarren.

A essa altura, a controvérsia sobre as descobertas de Moir foi submetida a umacomissão internacional de cientistas, em busca de uma resolução. A comissão,formadaapedidodoInstitutoInternacionaldeAntropologia,eracompostadeoitodestacadosantropólogos,geólogosearqueólogoseuropeusenorte-americanos.Essegrupo apoiou as conclusões deMoir. Segundo concluíram eles, as pederneiras dosopé de Red Crag, perto de Ipswich, encontravam-se em estratos intocados,remontando pelo menos ao Plioceno.Alémdisso, a lascagemdas pederneiras erasem dúvida de origem humana. Os membros da comissão realizaram, também,quatro escavações na camada de detrito debaixo de Red Crag e pessoalmente

encontraram cinco espécimes típicos. Essas ferramentas teriam pelo menos 2,5milhõesdeanosdeidade.EcomoacamadadedetritocontémelementosdeantigassuperfíciesdeterradoEoceno,asferramentaspoderiamteraté55milhõesdeanosdeidade.

LouisCapitan,membrodacomissão,declarou:“NosopédeRedCrag,emestratosintocados, existem pedras trabalhadas (nós próprios as observamos). Elas foramfeitas nadamais nadamenos que por humanos ou hominídeos que existiram naépoca terciária. Nós, pré-historiadores, consideramos esse fato absolutamentedemonstrado”.

Surpreendentemente,mesmoapósorelatóriodacomissão,osadversáriosdeMoir,taiscomoWarren,persistiramemtentarmostrarqueosinstrumentosdepederneiraeram produto de lascagem por pressão natural. Conforme disse Warren, aspederneiraspodemtersidocomprimidasporIcebergscontraofundodooceanoaolongodacosta.Maspeloquesabemos,ninguémconseguiudemonstrarqueicebergspodemproduzirosinúmerosbulbosdepercussãoearetocagemelaboradarelatadosarespeitodosinstrumentosdeMoir.Alémdisso,muitosdosespécimesdeRedCragjazememmeioasedimentos,enãoemsuperfíciesderochaduracontraasquaisumicebergpoderiatê-Ioscomprimido.Alémdomais,J.M.Coles,arqueólogoinglês,relatouque, emFoxhall, os instrumentos ocorrem em camadas de sedimentoqueparecem representar superfícies de terra, e não depósitos litorâneos. Isso tambémdescartariaaaçãodoicebergimaginadaporWarren.

Após Warren apresentar sua explicação do iceberg, a controvérsia diminuiu. Em1968,Colesescreveu:“Ofatode[...]omundocientí conãoconsideraradequadoaceitarnenhumdosdoisladossemconsiderávelincertezadeveseratribuídoàbemnotávelfaltadeatençãoqueesseproblemadeEastAngliatemrecebidodesdeaépocadacontrovérsiaativa”.Emparte,issopodeserverdade,masexisteoutraexplicaçãopossível - a de que certos elementos da comunidade cientí ca decidiram que osilêncio era uma forma melhor de enterrar as descobertas de Moir do que adiscordância ativa e eloqüente.Na década de 1950, a opinião cientí ca baseava-sesolidamentenateoriadeumcentroafricanodoPleistocenoInferiorparaaevoluçãohumana. Portanto, teria havido pouco motivo, e talvez um certo embaraço eprejuízo, para continuar tentando invalidar provas da teoricamente impossívelexistênciadohomemnoPliocenoda Inglaterra. Isso acabariamantendo ambososladosdacontrovérsiapordemais acesos.Apolíticadosilêncio,deliberadaounão,provou ser realmente bastante exitosa em extirpar as provas de Moir. Não havianecessidadealgumadederrotaralgodequenãosetinhanotícia,etampoucohaviaalgumproveitoemdefendê-Ioouapoiá-Io.

ColesrepresentaumaexceçãoàcorriqueirarejeiçãoinstintivadasdescobertasdeMoir(ou ao completo silêncio a respeitodelas),Ele achava “injustodescartar todo essematerial sem a menor consideração”, tanto que, num relatório de 1968, aceitavahesitantementealgunsdosinstrumentoscomosendogenuínos.

Embora a maioria das autoridades modernas sequer mencione as descobertas deMoir, pode-se encontrar a seguinte e rara nota de repúdio em e Ice Age inBritain,deB.W.SparkseR.G.West:“Noiníciodesteséculo,muitaspederneirasde formações rochosas inferiores do Pleistoceno foram descritas como sendoartefatos,como,porexemplo,asferramentas,algumasdelaslascadasbifacialmente,deRedCrag,pertodeIpswich,eoschamadosrostro-carinadosdosopédeNorwichCrag,pertodeNorwich.Todaselassãotidashojecomoprodutosnaturais.Elasnãosatisfazem às condições de identi cação de uma ferramenta, a saber, que o objetoapresente um padrão estabelecido e regular, que seja encontrado num sítio dehabitação geologicamente possível, preferivelmente comoutros sinais de atividadeshumanas(ouseja,abate,matançaoucemitério),equemostresinaisdelascagemapartirdeduasoutrêsdireçõesemângulosretos”.SparkseWest,daUniversidadedeCambridge,sãoespecialistasemPleistocenonaGrã-Bretanha.

AtítuloderespostasucintaaSparkseWest,podemosobservarqueMoireoutrasautoridades,taiscomoOsborneCapitan,conseguiramclassi carosespécimesCragem tipos distintos de ferramenta (machadinhas, furadores, raspadeiras, etc.),comparáveis àqueles incluídos em indústrias paleolíticas aceitas, inclusive amusteriana.Paramuitasautoridades,osítiodeFoxhall,comomaxilardeFoxhall,representava um sítio de habitação geologicamente possível. ConformeMoir, estafora uma área de o cinas e, segundo observara ele, havia sinais de que haviamutilizado fogueiras ali.Quanto à lascagemapartir dediversasdireções emângulosretos,essenãoéoúnicocritérioquesepoderiaaplicarparajulgarapossibilidadedeobjetosdepedraseremobrahumana.Mesmoassim,M.C.Burkitt,deCambridge,chegouaencontrarlascagemapartirdediversasdireçõesemângulosretosemalgunsdosinstrumentosrecolhidosporJ.ReidMoir.

Burkitt,oqualparticipoudacomissãointernacionalqueexaminouosInstrumentosdeMoirnadécadade 1920, deu-lhes tratamento favorável em seu livroeOldStoneAge,publicadoem1956.

Burkitt couespecialmenteimpressionadocomosítioarqueológicoemoringtonHall,quase4quilômetrosaosuldeIpswich,ondehaviamrecolhidoferramentasdepederneira depósitos rochosos. “Em orington Hall, logo acima dos artefatos,recolheram conchas bivalves com as Juntas ainda intactas [...]; não pode teracontecidonenhumsubseqüentemovimentodiferencialdocascalho,comoumque

tivessecausadofraturamentodaspederneirasnelecontidas,jáqueisso,decerto,teriaocasionadoodespedaçamentodasdelicadasjuntasdessasconchas”.

Então,Burkitt chegouauma surpreendenteconclusãoa respeitodos instrumentosdescobertosdebaixoenasuperfíciedeRedCrag:“AmaiorpartedospróprioseólitosémuitomaisantigaqueosdepósitosdoPliocenoSuperiorondeforamencontrados.De fato, algunsdelespoderiam remontar aperíodosdoPré-plioceno”.Emoutraspalavras, ele estava disposto a aceitar a existência de hominídeos inteligentes eprodutoresdeferramentasnaInglaterrademaisdecincomilhõesdeanosatrás.Porhaver tantas provas, Inclusive restos esqueletais, de que existiamhumanos do tipointeiramentemodernoemépocasdoPré-plioceno,nãohámotivoparadescartar apossibilidadedeosinstrumentosdeMoir,encontradosdebaixodasformaçõesCrag,teremsidofeitospeloHomosapiensmaisdecincomilhõesdeanosatrás.

OutrodefensordasdescobertasdeMoirfoiLouisLeakey,que,em1960,escreveu:“Émaisqueprovávelquehumanosprimitivos tenhamestadopresentesnaEuropadurante oPleistoceno Inferior,damesma formaqueestiveramnaÁfrica.E, comcerteza, uma proporção dos espécimes extraídos de depósitos debaixo de rochedosparecetersidolascadaàmaneirahumana,nãopodendoserconsideradaapenascomoo resultadode forçasnaturais.Os instrumentosoriundosdedebaixodos rochedosnãoremontariam,porém,aoiníciodoPleistoceno(pleistocenoInferior),maspelomenosaoPliocenoSuperior”.

Doisfamososdesmascaradoresdeeólitos

Em paleantropologia, costumamos nos deparar com o chamado relatóriodecisivamente desmascarador, que passa a ser usado toda vez que se faz necessárioinvalidar certas provas.No caso dos eólitos europeus, há dois bons exemplos derelatóriosdecisivamentedesmascaradores.SãoelesoensaiodeH.Breuildeclarandoquepseudo-eólitosforamformadosporpressãogeológicaemformaçõesdoEocenofrancêsemClermont(Oise),eoensaiodeA.S.Barneprocurandodemonstrar,poranálise estatística de ângulos da plataforma de percussão, a origem natural deindústriaseolíticas.

Em 1910,Henri Breuil realizou investigações que, pensou ele, poriam um m àcontrovérsia do eólito. Em seu relatório muito citado, disse ter encontradopederneiras semelhantes a ferramentas de pedra na formação taneciana em Belle-Assise, perto deClermont, França. Essa formação é doEoceno Inferior, dando àspederneiras uma idade de cerca de 50 a 55milhões de anos. Breuil, porém, nãopoderia imaginar que existissem seres humanos no Eoceno.De que forma, então,tinham sidoproduzidos osobjetosdepederneira?Durante suas escavações,Breuilencontrou alguns pedaços de pederneira com ocos separados próximos deles.

Algunsdesses ocos separados apresentavambulbos depercussão.Outros tinhamlascasquelembravamretoques.SegundoBreuil,acausadessesefeitosforaasimplespressãogeológica.

SeráqueapressãogeológicapoderealmentecriarosefeitosobservadosporBreuil?LelandW.Patterson,modernaautoridadeemferramentasdepedra,dizsermuitoraro a lascagem ocorrida sob pressão produzir bulbos de percussão claramentedelineados. Em geral, para isso acontecer, é preciso um golpe desferido de formaintencional.

Provavelmente,Breuil,para ilustrar suateoria,escolheuseusmelhoresexemplosdelascasencontradosemcontatocomorespectivobloco-matrizdepederneira(Figura3.8).

Noentanto,a lascagemea retocagemnelesobservadasémuitomais toscadoquenosnúcleoselascasescolhidosporBreuilcomoexemplosdepseudo-eólitos(Figura

3.9).SegundodisseBreuil,todososefeitoseramresultadodelascagemsobpressãogeológicanatural.Mas só sepoderia justi caro fatodeele ter feito taldeclaraçãocasotivesseencontradoaslascasoriundasdeeólitosmaisbemformadosemcontatocomseusblocos-matrizdepederneira.Eissoelenãoconseguiu.

OcaráterinsatisfatóriodahipótesedepressãogeológicalevantadaporBreuiltoma-seaindamaisclaroaolevarmosemconsideraçãooqueelechamoude“osdoisobjetosverdadeiramente excepcionais, dos quais o sítio de descoberta, no interior dosestratos,éabsolutamentecerto”.

Conforme disse Breuil, o primeiro objeto (Figura 3.10) era virtualmenteindistingüível de uma grattoir azilio-tardenoisiana, ou seja, uma raspadeira deextremidade. Em geral, os cientistas atribuem os instrumentos de pedra azilio-tardenoisianosaoHomosapienssapiensdoPleistocenoSuperiornaEuropa.

Ao descrever o segundo objeto excepcional (Figura 3.11), Breuil comparou-o aferramentasencontradasemLesEyzies,umsítiodoPleistocenoSuperiornaFrança.A lascagem sobpressãogeológicanãoparece ser adequadapara explicar essasduasferramentas,asquaistêmmaisdecinqüentamilhõesdeanos.

OensaiodeBreuilécitado,atéhoje,comoprovadequeoseólitossãoproduçõesnaturais, enãoarti ciais.Esse tipodecitaçãoéumatécnicadepropagandamuitoe caz.A naldecontas,quantaspessoasdar-se-ãoaotrabalhodedesenterraroartigooriginaldeBreuilparaconstatarporelasmesmasseoqueeletinhaadizerrealmentefaziasentido?Orelatóriode nitivopublicadoporBreuilem1910surgiuantesdamaiorpartedasdescobertasdeJ.ReidMoiremEastAnglia.Maistarde,quandoasdescobertas deMoir começaram a chamar a atenção, Breuil foi para a Inglaterra,onderealizouavaliaçõesdeprimeiramão.Surpreendentemente,BreuilapoiouMoir.EleaceitoucomogenuínososinstrumentosdoPliocenodeRedCragemFoxhalledisse, também,que algunsdos instrumentosoriundosdos estratos subterrâneosdeRed Crag eram “absolutamente indistinguíveis de instrumentos de pederneiraclássicos”.AsformaçõessubterrâneasdeRedCragpoderiamterentre2e55milhõesde anos de idade! Aparentemente, Breuil tornou-se evasivo mais tarde. A ediçãopóstumade1965deseulivroMenoftheoldStoneAgea rmavaapenasque“umdeterminadonúmerodelascaspodeseraceitocomoobraarti cial,emboraoângulo

decortedelasemgeralcontrarieessahipótese”.Édequestionarporquenãosefazmenção aos objetos que, segundoBreuil dissera anteriormente, “não erammeroseólitos, senão que absolutamente indistinguíveis de instrumentos de pederneiraclássicos”.

Outro elemento importante na controvérsia em torno dos eólitos foi o teste doângulodaplataforma,promovidoporAlfredS.Bames.Bames,defensordeMoirnadécada de 1920, tomou-se adversário dele mais tarde. Em 1939, desferiu o quemuitasautoridadesaindahojeconsideramogolpemortalcontraoseólitos inglesesdeMoir.Barnes,porém,nãolimitousuaatençãoaMoir.Emseuestudo,intitulado“As diferenças’ entre lascagem natural e lascagem humana em instrumentos depederneira pré-históricos”, Barnes também comentou a respeito de indústrias deferramentadepedradaFrança,dePortugal,daBélgicaedaArgentina.

Segundo costumavam argumentar os defensores dos eólitos, as forças naturais nãopoderiam produzir os tipos de corte observados nos objetos em questão. Barnesprocuroualgumaformamensuráveldedemonstrarseesseeraounãoocaso.Paratanto escolheu o que chamou de marca do ângulo de plataforma. “A marca doângulodeplataforma”,disseele,“éoânguloentreaplataformaousuperficienaqualeradesferidoogolpeouaplicadaapressãoqueseparavaalasca,eamarcadeixadanaferramentaondea lascasehaviaseparado,”Emobrashumanasgenuínas,oânguloseriaagudo.Fraturasnaturais,diziaele,produziriamângulosobtusos.

Nós achamos um tanto ambígüa a descrição de Barnes do ângulo a ser medido.Falamos com peritos em ferramentas de pedra do Museu de San Bernardino, naCalifórnia, inclusive com Ruth D. Simpson, e também eles não conseguiramespecificarexatamentequeânguloBarnesestavamedindo.Dequalquermodo,comamarca do ângulo de plataforma, Barnes acreditava ter encontrado o aspectoobjetivamentemensurávelpormeiodoqualseriapossíveldistinguirocortenaturaldaobrahumana.

Para ser e caz, o processo de mensuração tinha de ser aplicado não apenas a umúnico espécime, mas a uma grande amostragem de espécimes da indústria emquestão. Segundo declarou Barnes, uma amostragem “pode ser considerada deorigemhumanasemenosde25%dosângulosdamarcadeplataformasãoobtusos(90 graus e mais)”. Tendo estabelecido isso, Barnes chegou a uma conclusãodevastadora:nenhumdos eólitospor ele examinados, inclusiveosdeMoir, eradeorigem humana. O interessante é que parece que o próprio Moir tinhaconhecimentodocritériodeBarneseacreditavaqueseusespécimesenquadravam-sena variação de porcentual estipulada. Para Barnes, porém, e para quase todos osdemaismembrosdacomunidadecientífica,acontrovérsiaestavaacabada.

De fato, a controvérsia acerca dos eólitos e de outras indústrias terciárias deferramentasdepedrahaviamuitotinhadeixadodeserumassuntoefervescenteparaoscírculosdecientistasmaisconceituados.ComasdescobertasdoHomemdeJavaedoHomemdeBeijing,acomunidadecientí caconvencera-seaindamaisdequeafase-chave de transição dos precursores simiescos para os humanos produtores deferramentas (proto-humanos) dera-se entre oPleistoceno Inferior e oMédio. IssotransformouassupostasferramentasdepedradoPliocenoedeerasanterioresemumtópicosecundáriodepoucaimportância.Barnes,porém,realizouavaliosa,paranãodizervil,tarefadevarrerdafacedaTerraalgunsrestosinúteisdeprovasirrelevantes.Após tal feito, sempre que acontecia de alguém trazer à tona a questão dasantiqüíssimasindústriasdeferramentasdepedra,comoaindaacontecedetemposemtempos,os cientistaspodiamcitaro conveniente relatóriodeBarnes. Mesmonosdiasatuais,cientistasqueestudamferramentasdepedraaplicamométododeBarnes.

Porém,analisandooassuntomaisdeperto,parecequeo relatóriode nitivamentedesmascarador de Barnes pode estar precisando ser desmascarado. Em 1986, AlanLyleBryan,antropólogocanadense,escreveuoseguinte:“Oproblemadadistinçãoentre obras da natureza e artefatos está longe de ter sido resolvido e exige maispesquisa. A maneira como o problema foi resolvido na Inglaterra, mediante aaplicaçãodométodoestatísticodamensuraçãodosângulosdamarcadeplataforma,método este estabelecido por Barnes, nem sempre pode ser aplicada a todos osproblemas de diferenciação entre obras da natureza e artefatos”. Durante umaconversa telefônica com um de nós em 28 de maio de 1987, Bryan tambémexpressou a crença cautelosa de queBarnes poderia ter ido longe demais ao tentareliminartodasasamostraseuropéiasdeindústriasanômalasdeferramentasdepedra.Dandoatençãoadescobertasmaisrecentes,BryandissehaverferramentasaustralianasdoPleistocenoSuperiorquenãoseenquadramnasespecificaçõesdeBarnes.

OutroexemplodeindústriaqueaparentementenãoseconformacomocritériodeBarnes é a Oldowan, oriunda dos níveis inferiores do des ladeiro OIduvai.Considerando anaturezaextremamente toscadosobjetos,osquais, segundodisseLouisLeakey,eramcomparáveisaosinstrumentosdeMoir,éextraordinárioqueelesjamais tenham sido contestados pela comunidade cientí ca. O provável motivodisso é que a indústria Oldowan corrobora a hipótese africana de evolução dasorigenshumanas,hipóteseestaaceitacomodogma.

EmvistadasopiniõesapresentadasporBryaneoutros, caclaroqueéinjusti cadaarejeiçãoindiscriminadadasindústriasdeferramentasdepedradoperíodoEolíticoedeperíodosanteriorespelaaplicaçãodocritériodeBarnes.

ExemplosrecentesdeinstrumentoseolíticosdasAméricas

AdespeitodosmelhoresesforçosdeBarneseBreuil,aquestãodoeólitocontinuaaperseguir os arqueólogos.Nas Américas, foram descobertas diversas indústrias deferramentasdepedratoscasanomalamenteantigasdotipoeoIítico.

Segundo dizem muitos arqueólogos, caçadores siberianos entraram no Alasca porumapontedeterraqueexistiaquandoaúltimaglaciaçãoabaixouosníveisdaáguadomar.Duranteesseperíodo,ageleiracanadensebloqueouamigraçãoparaosulatécerca de doze mil anos atrás, quando os primeiros imigrantes norte-americanostrilharam uma passagem sem gelo até o que hoje são os Estados Unidos. Essaspessoas eram os chamados caçadores Clovis, famosos por suas pontas de lançacaracterísticas. Estas correspondemaos instrumentosdepedra altamente evoluídosdefinsdoperíodoPaleolíticonaEuropa.

Nãoobstante,muitossítios,escavadoscommétodosarqueológicosmodernos,têmproduzidodatasdepelomenostrintamilanosparaoshumanosnaAmérica.Entreesses sítios arqueológicos, temosEICedral, no norte doMéxico, a ilha de SantaBárbara,nacostadaCalifórnia,eaformaçãorochosadeBoqueirãodoSítiodaPedraFurada,nonortedoBrasil.Outrossítioscontrovertidostêmmuitomaisquetrintamilanosdeidade.

GeorgeCartereosítiodeTexasStreet

Um bom e controvertido exemplo norte-americano de indústria primitiva deferramentasdepedra,que faz lembraroseólitoseuropeus,éaqueledescobertoporGeorge Carter na década de 1950no sítio de escavação deTexas Street, emSanDiego.Nessesítio,CarteralegouterencontradolareirasetoscasferramentasdepedraemníveiscorrespondentesaoúltimoperíodoInterglacial,cercadeoitentaanoventamil anosatrás.Algunscríticos zombaramdessas alegações, referindo-seàs supostasferramentas de Carter como produtos da natureza, ou “cartefatos”, e mais tardeCarter foi publicamente difamado em um curso de Harvard sobre “Arqueologiafantástica”. Entretanto,Carter apresentoucritérios clarosparadistinguir entre suasferramentaseaspedrasquebradaspelanatureza,tendosuasalegaçõessidoendossadasporperitosemanáliselítica,comoJohnWitthoft.

Em 1973, Carter, realizando escavações mais extensas emTexas Street, convidouvários arqueólogos para vir e ver o sítio em primeira mão. Quase ninguémrespondeu.Carterdeclarou:“AUniversidadeEstadualdeSanDiegoin exiveImenterecusou-seaexaminarotrabalhodesenvolvidoemseupróprioterreno”.

Em1960,umeditordeScience,ojornaldaAssociaçãoAmericanaparaoAvançodaCiência,solicitouaCarterqueapresentasseumartigosobrehumanosprimitivosnaAmérica.Carterofez,porém,quandooeditorenviouoartigoparaserexaminado

pordoisacadêmicos,elesorejeitaram.

Ao ser informado do acontecido pelo editor, Carter respondeu o seguinte, numacartadatadade2defevereirode1960:“Possoconcluiragoraquevocênãofaziaamenor idéia da intensidade do sentimento que reina na área. Atualmente, é quaseinútil tentar transmitir alguma idéia acerca do status do Homem Primitivo naAmérica.Apenasatítulodecuriosidade:tenhoumcorrespondentecujonomenãoposso tornar público, pois, apesar de achar que estou certo, ele poderia perder oempregoseodissesse.Tenhooutrocorrespondenteanônimoque,comoestudantegraduado, encontrou provas que demonstrariam que estou certo. Ele e seu colegaenterraramasprovas. Elesestavamcertosdequesuaapresentação lhescustaria seuPhD.Num encontro, um jovem pro ssional aproximou-se demim para dizer oseguinte:‘Esperoquevocêosdesmascare.Euofariasefosseousadoobastante,masisso me custaria o emprego’. Em outro encontro, um jovem rapaz acercou-se demimedisse:‘Naescavaçãox,elesencontraramferramentasdepedraparecidascomassuas,massimplesmentenadapublicaramarespeito’”.

O efeito inibitório da propaganda negativa sobre a avaliação das descobertas deCarter é descrito pelo arqueólogoBryanReeves, o qual, juntamente com seus co-autores, escreveu o seguinte em 1986: “Acaso foram descobertos artefatosverdadeiros em Texas Street, e acaso o sítio realmente data do último períodointerglacial?[...]Porcausadopesoda‘evidência’críticaapresentadaporarqueólogosestabelecidos, o autor sênior (Reeves), comomuitos outros arqueólogos, aceitou aposição dos céticos sem amenor crítica, descartando os sítios e os objetos comofenômenosnaturais”.Noentanto, ao sedarao trabalhodeexaminarasprovas empessoa, Reeves mudou de idéia. Concluiu serem os objetos nitidamente demanufaturahumanaeserosítioemTexasStreetdaidadealegadaporCarter.

LouisLeakeyeoSítiodeCalico

Noiníciodesuacarreira,LouisLeakey,famosomaistardeporsuasdescobertasnodes ladeiroOlduvai,naÁfrica,começouateridéiasradicaissobreaantiguidadedoshumanosnaAmérica.Naquelaépoca,oscientistasachavamqueadatade ingressodos caçadores siberianos no continente americano não passava de cinco mil anosatrás.

Leakeyrecorda:“Nosidosde1929-1930,quandoeulecionavanaUniversidadedeCambridge [...] comecei a dizer ameus alunos que o homemdevia ter estadonoNovoMundohaviapelomenosquinzemilanos.JamaisvouesquecerquandoAlesHrdlicka,aquelegrandehomemdaSmithsonianInstitution,devisitaaCambridge,foi informado pormeu professor (eu era apenas ummonitor) que o dr. LeakeyandavadizendoaosalunosqueohomemdeviaterestadonaAméricahaviaquinze

milanosoumais.Eleinvadiuminhasala-nemchegouamecumprimentar”.

Hrdlicka disse: “Leakey, que negócio é esse? Você está pregando heresia?” “Não,senhor!”,respondeuLeakey.

Hrdlicka replicou: “Está sim! Você está dizendo aos alunos que existiam sereshumanosnaAmérica quinzemil anos atrás.Queprovas você temdisso?”AoqueLeakeyrespondeu:“Nenhumaevidênciapositiva.Provaspuramentecircunstanciais.Mas havendo seres humanos desde o Alasca até o cabo Horn, com muitaslinguagens diferentesepelomenosduascivilizações,nãoépossívelqueohomemtenhaestadopresenteapenaspelospoucosmilharesdeanosquevocêsadmitemhojeemdia”.

Leakey continuou a nutrir visões não ortodoxas sobre esse assunto e, em 1964,empenhou-separaconseguiralgumasprovasdecisivasnosítiodeCalico,nodesertodeMojave,Califórnia.Esse sítioencontra-sepertodo litoraldoagoraextinto lagoManix do Pleistoceno. Por um período de dezoito anos de escavação sob aorientaçãodeRuthD.Simpson,foramrecoIhidos11.400artefatosdotipoeolíticode uma série de níveis. O mais antigo nível apresentando artefatos foi datado deduzentosmilanospelométododesériedeurânio.

Noentanto,talcomoaconteceucomTexasStreet,osarqueólogosdeeliterejeitaramosartefatosdescobertosemCalico,considerando-osprodulosdanatureza,tantoqueosítiodeCalicoéomitidoporcompletoempublicaçõespopularesdearqueologia.SoniaCole,abiógrafadeLeakey,disse:“Paramuitoscolegasquetinhamadmiraçãoe afeição por Louis e sua família, os anos do sítio de Calico eram motivo deembaraçoetristeza”.

Todavia,osartefatosdeCalicotambémtêmosseusdefensores,osquaisapresentamargumentoselaborados,demonstrandoseremelesartefatoshumanosenãogeofatosresultantes de processos naturais. Em 1979, Phillip Tobias, o famoso colega deRaymondDart,descobridordoAustralopithecus,declarou: “Quandoodr.Leakeymostrou-me pela primeira vez uma pequena coleção de peças de Calico [...] deimediato quei convencido de que algumas, embora nem todas, das pequenasamostrasapresentavamsinaisinequívocosdeautoriahumana”.

Ruth D. Simpson declarou em 1986: “Seria di cil a natureza produzir tantosespécimesparecidoscomferramentasunifaciaisfeitaspelohomem,comretoquesdelâmina completamente unidirecionais feitos de maneira orientada e uniforme.Foramencontradas,nosítiodeCalico,muitasferramentasdepedracompletamenteunifaciais com retoque de lâmina uniforme. Entre elas, incluem-se raspadeiras deextremidade, raspadeiras laterais e cinzéis”. Ferramentas de pedra com cortes

unifaciais e unidirecionais, como aquelas encontradas em Calico, são típicas doseólitos europeus. Também se encontram outros exemplares entre as indústriasOldowan,naÁfricaoriental.EntreasmelhoresferramentasencontradasemCalico,estava um excelente cinzel pontiagudo (Figura 3.12). Também há relatos dadescobertadeboleadeiras.

Emgeral,contudo,asdescobertasdeCalicotêmenfrentadoosilêncio,oridículoeaoposição nos meios da paleantropologia de elite. Não obstante, Ruth Simpsondeclarou:“ObancodedadosafavordoprimitivíssimoHomemnoNovoMundoestá crescendo rapidamente, e nãopodemais ser simplesmente ignorado, pois issonãocondiz comosatuaismodelosdePré-histárianoNovoMundo[...]éprecisohaverflexibilidadedepensamentoparagarantirrevisõesimparciaiseminuciosas”.

TocadaEsperança,Brasil

Umadescoberta noBrasil veio rati car a autenticidade das ferramentas deCalico.Em1982,MariaBeltrãoencontrouumasériedecavernascompinturasdeparede

no Estado da Bahia. Em 1985, foi aberta uma vala na Toca da Esperança, eescavações em 1986 e 1987 produziram ferramentas toscas de pedra associadas amamíferosdoPleistoceno.Quandoosossosforamtestadospelométododesériedeurânio,obtiveram-seidadesacimadeduzentosmilanos.Aidademáximafoide295mil anos. A descoberta foi relatada ao mundo cientí co por Henry de Lumley,famosoarqueólogofrancês.

Asferramentas,modeladasapartirdeseixosdequartzo,pareciam-secomaquelasdodes ladeiroOlduvai.Afontemaispróximadeseixosdequartzo caacercade10quilômetrosdaáreadacaverna.

Emseurelatório,Lumleyeseuscolegasdisseram:“Asprovasparecemindicarqueohomemprimitivo entrounocontinente americanomuito antesdoque sepensavaanteriormente”,Prosseguiameles:“EmvistadasdescobertasnaTocadaEsperança,émuito mais fácil interpretar a indústria lítica do sítio de Calico, no deserto deMojave,pertodeYermo,SanBernardino,Califórnia,oqualdatade150a200milanos”.

SegundoLumleyeseuscolegas,oshumanoseosancestraishumanosentraramnasAméricas oriundos da Ásia setentrional diversas vezes durante o Pleistoceno. Osprimeiros migradores, que fabricaram as ferramentas na caverna brasileira, eram,disserameles,Homoerectus.Emboraessepontodevistaestejaemharmoniacomoconsensosobreaevoluçãohumana,nãohárazãoparaqueasferramentasdaTocadaEsperança não pudessem ter sido feitas por humanos anatomicamente modernos.Como já mencionamos diversas vezes, tais ferramentas ainda são fabricadas porhumanosemdiversaspartesdomundo.

MonteVerde,Chile

Outrosítioarqueológicoquetemrelaçãocomaavaliaçãode ferramentas toscasdepedra é o sítio de Monte Verde, ao sul do Chile central. Segundo relato dapublicaçãoMammothTrumpet(1984),essesítiofoipesquisadopelaprimeiravezem 1976 pelo arqueólogoTomDillehay. Apesar de os 12.500 a 13.500 anos deidadeavaliadosparaosítionãorepresentaremumagrandeanomalia,asdescobertasarqueológicas ali reveladas desa am a convencional teoria dos caçadores Clovis. Acultura do povo deMonteVerde era inteiramente distinta daquela dos caçadoresClovis. Embora o povo de Monte Verde zesse alguns instrumentos bifaciaisavançados, na maior parte das vezes eles fabricavam ferramentas de pedra commodi cacoesmínimas.Naverdade,emgrandeparte,elesobtinhamferramentasdepedraselecionandoseixosquebradospelaaçãodanatureza.Algunsdestesapresentamnadamais do que sinais de uso; outros, sinais de retocagem deliberada com umalâminafuncional.Issonosreporta,emuito,àsdescriçõesdoseólitoseuropeus.

Nessecaso,aincômodaquestãoreferenteàcontrovérsiadeartefatosversusobrasdanaturezafoiresolvidaporumacircunstânciafeliz:osítioestálocalizadoemumaáreapantanosa em que houve preservação dematéria animal e vegetal perecível. Dessaforma, encontraram duas ferramentas de seixo xadas em cabos de madeira.Encontraram também doze fundações arquitetônicas, feitas de tábuas de madeiracortadas e pequenos troncos de árvore escorados nelas. Havia grandes lareirascomunitárias, bemcomopequenos fornosdecarvãoemboçadoscomargila.Umaparte da argila armazenada apresentava a pegada de uma criança de 8 a 10 anos.Também encontraram três toscos pilões de madeira, apoiados por estacas demadeira.Descobrirampedrasdeamolar(metates)comosrestosdebatatassilvestres,plantasmedicinais e plantas marinhas com alto teor de sal.No todo, o sítio deMonteVerdeproporcionainteressantesesclarecimentossobreotipodecriaturasqueteriam fabricado e usado toscas ferramentas de seixo durante o Plioceno e oMiocenonaEuropaounapassagemdoPliocenoparaoPleistocenonaÁfrica.Nessecaso, tratava-se de cultura bem equipada com utensílios domésticos feitos commatériaperecível.Longedesersubumano,onívelculturaleraoqueesperaríamosdehumanos anatomicamente modernos de um povoado simples, mesmo naatualidade.

Porumacidentedepreservação,portanto,encontramosemMonteVerdeartefatosrepresentativos de uma cultura avançada acompanhando os mais toscos tipos deferramentasdepedra.Emsítiosmilhõesdeanosmaisantigos,encontramosapenasas ferramentasdepedra,embora,emalgummomento,artefatosperecíveisdo tipoencontradoemMonteVerdepossamtê-Iasacompanhado.

DescobertasrecentesnoPaquistão

Continuam encontrando, em outras partes do mundo que não as Américas,instrumentoseoIíticosquenão se enquadramnosconceitos convenciomais sobreaevoluçãohumana. Exemplodisso sãoalgumasdescobertasbemrecentes feitasporarqueólogosbritânicosnoPaquistão.Essastoscasferramentasdecortetêmcercadedoismilhõesdeanos.Porém,segundoaidéiapredominantenoprópriocontinenteafricano, o ancestral humano daquele período de tempo, oHomo habilis, estariaconfinadoapenasàÁfrica.

Alguns cientistas, ao analisarem as ferramentas do Paquistão, tentaram pôr adescoberta em descrédito. A antropóloga Sally McBrearty queixou-se, em artigopublicado no New York Times, de que as descobertas “não fornecem provassuficientesdequeosespécimessejamtãoantigosassimedequesejamdemanufaturahumana”.Nossaanálisedosinstrumentosdepedraanômalosfaz-nossuspeitardessaespéciedeacusação.Éatitudetípicadoscientistasexigir,paraocasodedescobertas

anômalas, níveis de evidência superiores àqueles exigidos para fatos que seenquadremnosconceitosestabelecidosacercadaevoluçãohumana.

Segundo sugere um artigo de 1987, publicado no jornal britânicoNew Scientist,McBreartyestavasendocéticademais.Quantoàsdúvidasexpressassobreocontextoestratigrá co e a idade das ferramentas de pedra, oNew Scientist declarou: “TaisdúvidasnãoseaplicamaocasodaspeçasdepedraoriundasdovaleSoanasudestedeRawalpindi”,argumentaRobinDennell,diretor-executivodoProjetoPaleolíticodaMissão Arqueológica Britânica e da Universidade de Sheffield. Ele e sua colegaHelenRendell, geólogadaUniversidadede Sussex, relatamque as peças depedra,todas elas de quartzito, “estavam tão rmemente incrustadas num depósito deconglomerado epedradeamolar,conhecidocomooconjuntodeUpperSiwalik,quetiveramdearrancá-Iascomtalhadeiras”.SegundooNewScientist,adataçãofoirealizadausando-seumacombinaçãodeestudospaleomagnéticoseestratigráficos.

EquantoàsugestãodeMcBreartydequeosobjetosdepedranãoforamfeitosporhumanos?ONewScientist apresentouumpontode vistamais equilibrado: “Daspeçasextraídas,Dennellacreditaqueoitosejamartefatoscomcerteza.NaopiniãodeDennell, o artefato menos duvidoso é uma peça de quartzito que um indivíduohominídeo supostamente golpeou em três direções com um martelo de pedra,tirandosete lascasdela(Figura3.13).Essa lascagemmultifacetada,comaaparênciaintocada das marcas deixadas no ‘núcleo’ restante, representa um caso ‘muitoconvincente’deenvolvimentohumano”.

Queestáacontecendo,então,comadescobertadoPaquistão?Segundoaopiniãodecertoscientistas,oHomoerectusfoioprimeirorepresentantedalinhagemHomoadeixaraÁfrica, tendo feito issocercadeummilhãodeanosatrás.Aparentemente,tais cientistas, longe de quererem modi car suas idéias, estavam bastantedeterminadosapôremdescréditoasferramentasdepedraencontradasnoPaquistão,asquaistêmcercadedoismilhõesdeanos.Logo,nãoédifícil imaginarcomoelesreagiriamàsferramentasdepedraencontradasemcontextosdoMioceno.

SibériaeÍndia

ForamfeitasmuitasoutrasdescobertasdeinstrumentosdepedracomcercadedoismilhõesdeanosemoutrossítiosdaÁsia,naSibériaenonoroestedaÍndia.

Em 1961, encontraram centenas de ferramentas toscas de seixo perto de Gorno-Altaisk, no rioUlalinka, na Sibéria. Segundo um relatório de 1984 dos cientistasrussos A. P. Okladinove L. A. Ragozin, as ferramentas foram encontradas emestratosde1,5a2,5milhõesdeanos.

Outrocientistarusso,YuriMochanov,descobriuferramentasdepedrasemelhantesaos eóIitos europeus num sítio que dá vista para o rioLena, emDiringYurlakh,Sibéria.Asformaçõesdasquaisforamrecolhidosessesinstrumentosforamdatadas,pormeiodemétodosdeaplicaçãodepotássio-argônioemétodosmagnéticos,em1,8milhãode anos antesda atualidade.Provas recentes colhidasna Índia tambémnos reportam a cerca de dois milhões de anos atrás. Muitas descobertas deferramentas depedra têmsido feitasnaregiãodascolinasSiwalik,nonoroestedaÍndia.Os Siwaliks derivam seu nome do semideus Shiva, o senhor das forças dadestruição universal. Em 1981, Anek Ram Sankhyam, do Instituto de PesquisasAntropológicas da Índia, encontrou uma ferramenta de pedra perto da aldeia deHaritalyangar, na formaçãoTatrot do Plioceno Superior, que tem mais de doismilhõesdeanosdeidade.Outrasferramentasforamrecolhidasdamesmaformação.

As supramencionadas descobertas siberianas e indianas, com 1,5 a 2,5milhões deanos,nãoseajustammuitobemaopontodevistapadrãodequeoHomoerectusfoi oprimeiro representanteda linhagemHomoa emigrardaÁfrica, tendo feitoisso cerca deummilhãode anos atrás.Eis aqui um exemplodeuma época aindamais remota. Em 1982, K. N. Prasad, do Instituto de Pesquisas Geológicas daÍndia,registrouadescobertadeuma“toscaferramentadeseixodotipomachadinhaunifacial”naformaçãoNagridoMioceno,pertodeHaritalyangar,noscontraforteshimalaicosdonoroestedaÍndia.Emseurelatório,Prasaddeclarou:“Oinstrumentofoirecolhidoinsitu,duranteumaremensuraçãodasucessãogeológicaparaavaliaraespessuraa dos estratos.Tomou-se o cuidado de con rmar a procedência exata domaterial,a mdeeliminarqualquerpossibilidadedeeleterderivadodehorizontes

maisnovos”.

Prasadachouquea ferramenta tinha sido fabricadaporumacriaturabemsimiescachamadaRamapithecus.“Aocorrênciadessaferramentadeseixoemsedimentostãoantigos”, disse Prasad, “indica que hominídeos primitivos, tais como oRamapithecus, modelavam ferramentas, eram bípedes com postura ereta eprovavelmenteutilizavamosinstrumentosparacaçar”.Noentanto,hoje,amaioriadoscientistasconsideraoRamapithecusnãoumancestralhumano,masumancestraldos orangotangos viventes. Esse recém-de nidoRamapithecus decididamente nãoeraumfabricantedeferramentasdepedra.

Quem, então, fez a ferramentadoMioceno registradaporPrasad?Ébempossívelque os seus fabricantes tenham sido humanos anatomicamente modernos queviveram no Mioceno. Mesmo que propuséssemos que alguma criatura primitivacomo o Homo habilis fabricou a ferramenta do Mioceno, isso ainda levantariagrandes dúvidas. Segundo idéias atuais, os primeiros fabricantes de ferramentassurgiramnaÁfricacercadedoismilhõesdeanosatrás.

Quemfezosinstrumentoseolíticos?

Mesmoapósterouvidotodososargumentosafavordofatodeoseólitosseremdemanufaturahumana,argumentosestesquedecertoserãoconvincentesparamuitos,há quem ainda mantenha legitimamente um grau de dúvida. Poderia semelhantepessoa ser perdoada por não aceitar os eólitos? A resposta a esta pergunta é umidôneo sim. A idoneidade é que se deve, então, rejeitar outras indústrias deferramentadepedradenaturezasemelhante.Issosigni cariarejeitarmuitasindústriasjáaceitas,inclusiveasindústriasOldowandaÁfricaoriental,descobertasporLouiseMaryLeakey.AocolocarmosilustraçõesdoseólitosencontradosnoplatôdeKenteem East Anglia lado a lado com aquelas de ferramentas do des ladeiro Olduvai(Figura3.3,p.60),nãopercebemosmuitadiferençaemmatériadeacabamento.

A conclusão mais razoável é que tanto os eólitos europeus quanto as ferramentasOldowandaÁfricaorientalforammanufaturadosintencionalmente.Masporquem?Os cientistas aceitam praticamente sem objeções que os instrumentos OldowanforamfeitospeloHomohabilis,umaespécieprimitivadehominídeos.Nãodeveria,portanto, ser inteiramente inconcebívelparaoscientistascogitarapossibilidadedeuma criatura como o Homo habilis também ter podido fazer os eólitos de EastAngliaedoplatôdeKent,algunsdosquaissãoaproximadamentecomparáveisemidadeàsferramentasOldowan.

Masexisteoutrapossibilidade.MaryLeakeyacitaemseulivrosobreasferramentasde pedra Oldowan: “Um interessante exemplo atual de lascas Irretocadas usadas

como ferramentasde corte foi recentemente registrado a sudoestedaÁfrica, e valemencioná-lo sucintamente. Uma expedição do Museu Estadual de Windhoekdescobriu dois grupos usuários de pedras do povoOvaTjimba, que não apenasfabrica utensílios de corte para abrir ossos e para outros trabalhos pesados, comotambémemprega lascas simples, irretocadas e sem cabos, para cortar e descascar”.Nada,portanto,nosimpededecogitarapossibilidadedehumanosanatomicamentemodernos terem sido responsáveismesmopelasmais toscas ferramentas de pedraencontradasnodesfiladeiroOlduvaienossítioseolíticoseuropeus.

A resposta convencional será que não existem fósseis para provar a presl’nça dehumanosdotipo inteiramentemodernonaquelaépoca,noPleistocenoInferiorounoPliocenoSuperior,aproximadamenteumadoismilhõesdeanosatrás,aopassoque existem fósseis de Homo habilis. Porém, os fósseis de Homo habilis sãobastante raros,mesmo em sítios arqueológicos do Pleistoceno Superior, onde hámuitasferramentasdepedraeoutrossinaisdehabitaçãohumana.

Alémdomais,conformedescritonosCapítulos7e12,cientistasdescobrlramrestosde fósseisesqueletaisde sereshumanosdo tipo inteiramentemodernoemestratospelo menos tão antigos quanto os níveis inferiores do des ladeiro Olduvai, naTanzânla,Entreeles,podem-seenumeraro fóssildeesqueletohumanodescobertoem1013pelodr.HansReck,noEstratoIIdodes ladeiroOlduvai,ealgunsfósseisdefêmureshumanosdescobertosporRichardLeakeynolagoTurkana,noQuênia,numaformaçãoligeiramentemaisantigaqueoEstratoIemOlduvai.

Logo,nãoécorretodizerquenãoexistenenhumaevidênciafóssildeumapresençainteiramente humana nos níveis inferiores do des ladeiro Olduvai. Além daevidência fóssil, temos um relato de Mary Leakey sobre uma controvertidaformaçãocirculardepedrasnosítioDKnoEstratoIinferior.Segundosugeriuela,“elas podem ter sido colocadas como suportes para galhos ou postes ncados nosoloparaformarumquebra-ventoouumabrigotosco”.

“Pelaaparênciageral”, escreveuela, “ocírculoassemelha-sea estruturas temporáriasquepovosnômadesdaatualidadecostumamfazerparaconstruirummurobaixodepedra ao redor de suas habitações, funcionando ou como quebra-vento, ou comobasepara apoiargalhosnaposiçãovertical,osquais são entãovergados e cobertoscom peles ou grama.” Para ilustrar o que dizia, Mary Leakey apresentava umafotogra ade semelhanteabrigo temporário feitopela triboOkombambidaÁfricadoSudoeste(hojeNamíbia).

NemtodosconcordaramcomainterpretaçãodeLeakeyparaocírculodepedra.Noentanto,aceitandoaversãodeLeakey,épossívellevantaraseguintequestão:Seelaacreditava que a estrutura se assemelhava àquelas feitas por povos nômades atuais

comoosOkombambis,porque,então,nãoadmitiaquehumanosanatomicamentemodernos zeram o círculo de pedra de Olduvai 1,75 milhão de anos atrás? Éinteressante observar a existência de provas de que algumas das ferramentas dodes ladeiroOlduvai erambastante avançadas. J.DesmondClark, em seu prólogoao estudo de 1971 de Mary Leakey, escreveu: “Eis aqui artefatos que o usoconvencionalassociatipologicamenteaépocasmuitopostedorcs( nsdoPaleolíticooumesmomaistarde)-formasdiminutasderaspadeiras,sovelas,buris[...]eumapequenapedraarredondada,entalhadaeespicaçada”.Observamos,contudo,queoscientistas modernos consideram ferramentas do tipo encontrado em “ ns doPaleolítico ou mesmo mais tarde”, como sendo especi camente obra do Homosapiens, e não do Homo erectus ou do Homo habilis, Ferramentas de pedraavançadas também aparecem nos conjuntos de eólitos europeus. Poderíamos,portanto,cogitarapossibilidadedehumanosanatomicamentemodernosteremsidoresponsáveisporalgumas,senãotodas,asferramentasOldowaneeolíticas.

Louis eMaryLeakey tamhémencontraram,noEstrato I dodes ladeiroOlduval,boleadeiras e uma ferramenta aparentemente destinada ao trabalho em couro, asquaispoderiamtersidousadasparamodelarcordasdecouroparaasboleadeiras.Ouso de boleadeiras para o jogo de captura de animais parece exigir um grau deinteligênciaedestrezaalémdaquelepossuídopeloHomohabilis.Essapreocupaçãoaumenta em função da recente descoberta de um esqueleto de Homo habilisrelativamente completo, que demonstra ter esse hominídeo sido muito maissimiescodoqueimaginavamoscientistasanteriormente.

Emque camos,então?Nomundodehoje, sabemosquehumanosmanufaturamferramentasdepedradediversosníveisdeso sticação,deprimitivosaavançados.E,como se descreve neste e nos dois capítulos seguintes, também temos provas damesmavariedadedeferramentasnoPleistoceno,noPlioceno,noMiocenoemesmotão remotamente no Eoceno. A explicação mais simples é que humanosanatomicamente modernos, os quais fazem esse espectro de ferramentas naatualidade, também as zeramno passado. Seria possível imaginar, também, quetais humanos coexistiram com outras criaturas humanóides mais primitivas, quetambémfaziamferramentasdepedra.

4.PaleólitosToscosOspaleólitos toscos representamumavançoemrelaçãoaoseólitos.Oscólitos sãopedaçosdepedraquebradosnaturalmenteusadoscomoferramentascompoucaounenhuma modi cação subseqüente. Pode ser que uma lâmina funcional sejaligeiramenteretocadaouqueapenasapresentesinaisdeuso.Ospaleólitos,contudo,costumam ser lascados deliberadamente a partir de núcleos de pedra e sofrem

modificaçõesmaisamplas.

AsDescobertasdeCarlosRibeiroemPortugal

FoibemporacasoquechegouànossaatençãoaprimeiraalusãoàsdescobertasdeCarlosRibeiro.ExaminandoosescritosdeJ.D.Whitney,geólogonorte-americanodoséculoXIX,nosdeparamoscomumafraseouduasarespeitodofatodeRibeiroter descoberto instrumentos de pederneira em formações do Mioceno perto deLisboa,Portugal.

EncontramosoutrasmençõesbrevesnasobrasdeS.Laing,popularescritorcientí code nsdoséculoXIXnaInglaterra.Curiosos,percorremosalgumasbibliotecas,massemencontrarobraalgumadeautoriadeRibeiro,enosvimosnumbecosemsaída.Um pouco mais tarde, o nome de Ribeiro surgiu de novo, dessa vez na ediçãoinglesade1957deFossilmen,deBouleeVallois,osquaisdescartaram,deformaumtantolacônica,aobradogeólogoportuguêsdoséculoXIX.PorintermédiodeBoule e Vallois, contudo, camos conhecendo a edição de 1883 de LePréhistorique,deGabrieldeMortillet,quefez,emfrancês,umregistrofavoráveldasdescobertasdeRibeiro.Compilandoasreferênciasmencionadasnasnotasdepédepágina de Mortillet, aos poucos revelou-se-nos uma abundância de relatóriosoriginais notavelmente convincentes em jornais franceses de arqueologia eantropologiadoúltimoquartodoséculoXIX.

A busca dessas provas enterradas foi muito esclarecedora, demonstrando como ainstituiçãocientí catratarelatóriosdefatosquejánãoseadequemmaisaospontosde vista aceitos. Não esqueça que, para a maioria dos atuais estudantes depaleantropologia, Ribeiro e suas descobertas simplesmente não existem. E precisorecorrer a livros didáticos impressos há mais de trinta anos para encontrar umasolitáriamençãoaele.

Em1857,CarlosRibeirofoinomeadodiretordoInstitutodePesquisasGeológicasde Portugal, e no mesmo ano também seria eleito presidente da AcademiaPortuguesa de Ciências. Durante os anos 1860-1863, ele realizou estudos deinstrumentosdepedraencontradosemestratosquaternáriosdePortugal.Emgeral,os geólogos do século XIX dividiam os períodos geológicos em quatro gruposprincipais: o primário, abrangendo do período Pré-cambriano até o Permiano; osecundário,abrangendodoperíodoTriássicoatéoCretáceo;oterciário,abrangendodo Paleoceno até o Plioceno; e o quaternário, abrangendo do Pleistoceno até osperíodos recentes.No transcursode suas investigações,Ribeiro cou sabendoqueandavam encontrando pederneiras que apresentavam sinais de obra humana emestratosterciáriosentreCanergadoeAlemquer,doispovoadosnabaciadorioTejoanordestedeLisboa.

Deimediato,Ribeirocomeçousuasprópriasinvestigaçõese,emmuitaslocalidades,encontroulascasdepederneiraequartzitotrabalhadosemestratosterciários.Ribeirosentiu,porém,queprecisavaparticiparaodogmacientí codominante,omesmodehoje,ofatodequeossereshumanosnãoerammaisantigosdoqueoquaternário.

Em 1866, nos mapas geológicos o ciais de Portugal, Ribeiro relutantementeatribuiu idades quaternárias a alguns dos estratos comocorrência de instrumentos.Aoverosmapas,ogeólogofrancêsEdouarddeVerneuildiscordoudojulgamentodeRibeiro,chamandoaatençãoparaofatodequeoschamadosestratosquaternárioseramcomcertezadoPliocenooudoMioceno.Enquantoisso,naFrança,oabadeLouisBourgeois, um respeitável investigador, relatara ter encontrado instrumentosde pedra em estratos terciários. In uenciado pela crítica de Verneuil e pelasdescobertas de Bourgeois, Ribeiro passou a registrar abertamente que estavamencontrandoinstrumentoshumanosemformaçõesdoPliocenoedoMiocenoemPortugal.

Em1871,peranteaAcademiaPortuguesadeCiênciasemLisboa,Ribeiroapresentouumacoleçãodeinstrumentosdepederneiraequartzito,incluindoalgunsrecolhidosdasformaçõesterciáriasdovaledoTejo.Em1872,noCongressoInternacionaldeAntropologiaeArqueologiaPré-históricasreunidoemBruxelas,Ribeiroapresentoumaisespécimes,amaiorialàscaspontudas.Aopiniãocientíficaficoudividida.

NaExposiçãodeParisde1878,Ribeiroapresentou95espécimesdeferramentasdepederneiraterciárias.GabrieldeMortillet,oin uenteantropólogofrancês,visitouaexposiçãodeRibeiroedeclarouque22espécimestinhamsinaisinequívocosdeobrahumana. Com seu amigo e colega Emile Cartailhac, Mortillet trouxe outroscientistasparaverosespécimesdeRibeiro,etodosforamdamesmaopinião-boaquantidadedaspederneirasforaindiscutivelmentefeitaporhumanos.

Mortillet escreveu: “A obra intencional ca muito bem demonstrada, não apenaspela forma em geral, que pode ser enganosa, como também muito maisconclusivamente pela presença de plataformas de golpe evidentes e de bulbos depercussão fortemente desenvolvidos”.Os bulbos de percussão também tinham, àsvezes,pequenas lascas removidaspela forçado impacto. AlgunsdosespécimesdeRibeirotambémtinhamdiversaslascascompridaseverticaisremovidasemparalelo,algo que não é provável de ocorrer durante a dani cação aleatória causada pelasforçasdanatureza.

LelandW.Patterson,modernoperitoemferramentasdepedra,édeopiniãoqueobulbo de percussão é o sinal mais importante de obra intencional numa lasca depederneira. Se a lasca também apresenta os restos de uma plataforma degolpeamento, pode-se, então, ter mais certeza de estar diante de uma lasca tirada

deliberadamente de um núcleo de pederneira, e não de um pedaço de pederneiraquebradanaturalmenteequeseassemelheaumaferramentaouumaarma.

A Figura 4.1 mostra uma das ferramentas do Mioceno da coleção de Ribeiro,oriundadePortugal,eparaefeitosdecomparação,umareconhecida ferramentadepedra da fase cultural musteriana do Pleistoceno Superior europeu. Ambascompartilhamascaracterísticastípicasdetrabalhohumanointencionalsobrepedra:aplataformadegolpeamento,obulbodepercussão,pequenas lascasremovidaspelaforçadoimpactoeremoçãoparaleladelascas.

Mortilletobservou,ainda:“Muitosdosespécimes,domesmoladoqueobulbodepercussão, apresentam cavidades com vestígios e fragmentos de arenito aderidos aeles, um fato que comprova sua posição original nos estratos”. Porém, algunscientistas continuavam em dúvida. No encontro de 1880 do CongressoInternacional de Antropologia e Arqueologia Pré-históricas, realizado em Lisboa,Portugal,Ribeiroexpôsmais espécimesdeestratosdoMioceno.Emseu relatório,Ribeiro declarou: Eles foram encontrados como partes integrantes dos própriosestratos.Tinhambordas a adas e bempreservadas, demonstrando não terem sidosujeitosatransporteporlongasdistâncias.Tinhamumapátinasemelhanteemcoràsrochasnosestratosdosquaisfaziamparte.

O segundo ponto é de especial importância. Alguns geólogos declaravam que os

instrumentos de pederneira do Pleistoceno haviam sido arrastados para gretas deestratos do Mioceno por enchentes e torrentes de chuva. No entanto, se aspederneiras tivessem sido sujeitas a tal transporte,muito provavelmente, então, asbordasafiadasteriamsidodanificadas,sóqueissonãoocorreu.

OCongresso nomeou uma comissão especial para examinar os instrumentos e ossítios arqueológicos. Em 22 de setembro de 1880, os membros da comissãoembarcaramnumtremqueoslevoudeLisboaparaonortedePortugal.Duranteaviagem,observaramosantigosfortessituadosnostoposdascolinas,emostraramunsaosoutrososterrenosjurássicos,cretáceoseterciáriosàmedidaqueatravessavamovaledorioTejo.DesembarcaramemCarregado.DalírumaramparapertodeOttae,a dois quilômetros de Otta, chegaram ao Monte Redondo. Nessa altura, oscientistasdispersaram-sepordiversosdesfiladeirosembuscadepederneiras.

EmseulivroLePréhistorique,GabrieldeMortillet fazumrelato informativodoseventos que se sucederam no Monte Redondo: “Os membros do CongressochegaramaOtta,nomeiodeumagrandeformaçãodeáguadoce.Eraofundodeumlagoantigo,comareiaeargilanocentro,eareiaerochasnasbordas.Namargemdesselago,seresinteligentesteriamdeixadosuasferramentas,enessamesmamargemdolagoqueoutrorabanharaoMonteRedondorealizou-seabusca,quefoicoroadadesucesso.OcompetenteinvestigadordeÚmbria(Itália),Sr.Bellucci,descobriuinsituumapederneiraqueapresentavasinaisincontestáveisdeobraintencional.Antesderetirá-Ia,elemostrou-aaalgunsdeseuscolegas.Apederneiraestavafortementeencravadanarocha.Foiprecisousarummarteloparaextraí-Ia.Semdúvida,elatemamesmaidadequeodepósito.Emvezdejazerrentenumasuperfíciesobreaqualpudessetersidorecimentadaporumasegundaveznumadatamuitoposterior,foiencontrada rmemente em seu lugar no lado interno de um veio estendido sobreumaregiãoremovidapelaerosão(Figura4.2).

É impossível desejar uma demonstraçãomais completa para rati car a posição deumapederneiraemseusestratos.Algumasautoridadesmodernasconsideramqueosconglomerados deOtta sejamdoMioceno Inferior, com cerca de quinze a vintemilhõesde anosde idade.Noconjunto,parecehaverpoucosmotivosparaque asdescobertasdeRibeironãodevessemestarrecebendoasériaatençãoquemerecem,mesmonaatualidade.

AsDescobertasdeL.BourgeoisemThenay,França

Em 19 de agosto de 1867, em Paris, L. Bourgeois apresentou ao CongressoInternacional de Antropologia e Arqueologia Pré-históricas um relatório sobre

instrumentos de pederneira por ele encontrados em estratos doMioceno Inferior(com quinze a vinte milhões de anos) em enay, ao norte da França central.Segundo Bourgeois, eles pareciam com os tipos de instrumentos quaternários(raspadeiras,furadores, lâminas,etc.)queencontraranasuperfíciedamesmaregião.EmquasetodososespécimesdoMioceno,eleencontrouosindíciosconvencionaisdeobrahumana:excelenteretocagem,lascagemsimétricaevestígiosdeuso.

NocongressodeParis,apenasunspoucoscientistaschegaramaadmitirqueaquelesfossem artefatos verdadeiros. Inabalável, Bourgeois continuou encontrando maisespécimes e convencendo individualmente paleontólogos e geólogos de que taisespécimes eram o resultado de obra intencional.Gabriel deMortillet foi um dosprimeirosaseconvencerdisso.

Certoscientistasquestionaramaposiçãoestratigrá caemqueaspederneirashaviamsidoencontradas.OsprimeirosespécimesrecolhidosporBourgeoisprovinhamdefragmentosrochososao longodas lateraisdeumpequenovalequecortavaoplatôem enay. Geólogos, tais como Sir John Prestwich, contestaram que aquelaseram, essencialmente, descobertas super ciais.Em resposta,Bourgeois cavouumatrincheira no vale e encontrou pederneiras apresentando osmesmos sinais de obrahumana.

Ainda insatisfeitos, os críticos propuseram que as pederneiras encontradas natrincheirahaviamchegadoàs suasposições atravésde fendasque iamdaI’no topodoplatô,ondeeracomumencontrarinstrumentosdoPleistoceno.Pararefutaressaobjeção,em1869Bourgeoisabriuumacovanotopodoplatô.Duranteaescavação,ele se deparou comuma camadade calcário de 30 centímetros de espessura, semfendas através das quais ferramentas de pedra do Pleistoceno pudessem terescorregadoparaníveisInferiores.

Mais para dentro de sua cova, numa profundidade de cerca de 4,20 metros emestratosdoMiocenoInferior,Bourgeoisdescobriumuitasferramentasdepederneira.Mortillet declarou em Le Préhistorique: “Não havia mais dúvidas quanto àantiguidadeouàposiçãogeológicadessasdescobertas”.

Apesardessademonstraçãotãoevidente,muitoscientistasmantiveramsuasdúvidasirracionais. Uma demonstração clara disso ocorreu em BruxeIas, no encontro de1872doCongressoInternacionaldeAntropologiaeArqueologiaPré-históricas.

Bourgeois apresentou muitos espécimes, cujas guras foram incluídas nas ataspublicadas do Congresso. Descrevendo um instrumento pontudo (Figura 4.3),Bourgeois a rmou: “Eis aqui um espécimeparecido comuma sovela, sobre umabaseampla.Apontadomeiofoiobtidapormeioderetocagensregulares.Esseéum

tipocomumatodasasépocas.Noladooposto,háumbulbodepercussão”.

Bourgeoisdescreveuoutro instrumento,por ele caracterizadocomouma facaouuma ferramenta de corte: “As bordas têm retocagens regulares, e o lado opostoapresenta um bulbo de percussão”. Em muitos de seus espécimes, observouBourgeois,asbordasdapartedaferramentaqueseriapegapelamãomantiveram-seintactas,aopassoqueaquelasdassuperfíciesdecorteapresentavamsinaisdebastanteusoepolimento.

Outroespécime(Figura4.4),Bourgeoiscaracterizou-ocomumapontaprojetíciaouumasovela.Observouapresençaderetoquesnasbordas,feitosobviamentecomaintençãodeafiar-lheaponta.

Bourgeoistambémviu,entreosobjetosporelerecolhidos,umnúcleocomasduasextremidades retocadasdemodoa seremutilizadasparaalgum m.Eleobservou:“A borda mais saliente foi recortada por uma série de golpes arti ciais,provavelmente para evitar desconforto para a mão ao segurar o instrumento. Asoutrasbordascontinuama adas,oquedemonstraqueessalascagemnãoéresultadode alguma rotação”. AFigura 4.5mostra o instrumentodeenaydoMiocenoInferior ao lado de um semelhante e reconhecido instrumento do PleistocenoSuperior.

A m de esclarecer qualquer controvérsia, o Congresso de Antropologia eArqueologiaPré-históricasnomeouumacomissãodequinzemembrosparajulgarasdescobertasdeBourgeois.Umamaioriadeoitomembrosvotouqueaspederneiraseramdemanufaturahumana.Apenascincodosquinzenãoencontraramvestígiosdeobrahumananosespécimesdeenay.Ummembroabsteve-sedeopinareoutroapoiouBourgeoiscomalgumasreservas.

EramrarososbulbosdepercussãonaspederneirasdoMiocenoInferiorencontradasem enay, mas a maioria delas apresentava excelentes retoques das bordas. Osretoquestendiamaconcentrar-seemapenasumladodeumaborda,aopassoqueooutroladopermaneciaintocado-issochama-selascagemunifacial.Mortillet,tantoquantoautoridadesmodernas,acreditavaque,emquasetodososcasos,alascagemunifacial não é resultadode impactos casuais,mas de trabalhodeliberado.Em seulivroMuséePréhistorique,MortilletincluiureproduçõesdealgumaspederneirasdeThenay,asquaisapresentavamretoquesunifaciaisbastanteregulares(Figura4.6).

Segundo comentários de alguns dos críticos de Bourgeois, entre todas as peças depederneira do Mioceno Inferior por ele recolhidas em enay, havia apenas unspouquíssimosespécimesbons,cercadetrinta.Porém,Mortilleta rmou:“Mesmoum só espécime incontestável seria su ciente, e eles têm trinta!” Autoridadesmodernasemferramentasdepedra, tais comoL.W.Patterson,dizemquemarcasparalelasde lascagemcomomesmotamanhoconstituemboas indicaçõesde obrahumana.AsilustraçõesdaspederneirasdeenaydoMiocenoInferiormostramtaismarcasde lascagem.AFigura4.7mostrauminstrumentounifacialdeenay aolado de um semelhante e já reconhecido instrumento unifacial do des ladeiroOlduvai.

Muitas das pederneiras de enay têm superfícies minuciosamente rachadas,indicativasdaexposiçãoaofogo.SegundoconcluiuMortillet,oshumanosusavamofogoparafraturargrandespedaçosdepederneira. Emseguida,as lascasresultanteseramtransformadasemferramentas.

Por intermédio dos escritos de S. Laing, o público leitor inteligente dos países delínguainglesatomouconhecimentodasferramentasdoMiocenoInferiororiundasde Tenay. Laing declarou: “Con rma, e muito, a origem humana dessesinstrumentos adescobertadequeosmincópicosdas ilhasAndamanmanufaturampedrasdeamolar ouraspadeirasquaseidênticasàquelasdeenay,epormeiodomesmoprocessodeusarofogopararacharaspedrasdemodoaobterotamanhoeaformanecessários[...]Emgeral,asprovasafavordessesinstrumentosdoMiocenoparecem bastante conclusivas, ao passo que as objeções não parecem ter outrofundamentoalémdarelutânciaemadmitiragrandeantiguidadedohomem”.

Quemfezosinstrumentosdepederneiradeenay?Segundopensavamalguns,eleshaviamsidofeitosporprimitivosesimiescosancestraishumanos.Noentanto,em1894,S.Laingdisseoseguintearespeitodaspederneirasdeenay:“Otipodelascontinua sem qualquer alteração, exceto algumas super ciaismelhorias sucessivas,durante o Plioceno, o quaternário e inclusive até a atualidade. A raspadeira dos

esquimós e dos ilhéus de Andaman nada mais é que uma edição ampliada eaprimorada da raspadeira do Mioceno”. Se há humanos fazendo tais raspadeirashoje,comcertezaépossívelqueseresidênticos zessemraspadeirassemelhantesnosidosdoMioceno.Ecomoveremosemcapítulosposteriores,naverdadeoscientistasdescobriramrestosesqueletaisdesereshumanosindistinguíveisdoHomosapiensnoterciário.

Dessemodo,torna-semaisclaroporquenãoouvimosmaisfalardaspederneirasdeenay. Em certo ponto da história da paleantropologia, diversos cientistas queacreditavamnaevoluçãorealmenteaceitaramasferramentasdoMiocenodeenay,masatribuíram-nasaumprecursordotipohumano.Apesardeateoriadaevoluçãotê-Ios convencido da existência de tal precursor, nenhum fóssil havia sidoencontrado. Quando os esperados fósseis foram encontrados em 1891, em Java,ocorreram numa formação hoje tida como sendo do PleistocenoMédio. AquilodecertocolocouquaisquerdefensoresdosantropopitecosdoMiocenonumdilema.Oprecursorhumano, a criatura transicional entreos símios fósseis eoshumanosmodernos,havia sido encontradonãonoMioceno Inferior, vintemilhõesde anosatrás segundo as estimativas atuais, mas no Pleistoceno Médio, menos de ummilhãodeanosatrás.Portanto,aspederneirasdeThenay,etodasasdemaisprovasdaexistência de humanos terciários (ou antropopitecos terciários produtores deferramentas), foram tácita e, pelo visto, inteiramente eliminadas do campo deconsideraçãoativa,eemseguidaesquecidas.

Ograndenúmerodeprovasdapresençadehominídeosprodutoresde ferramentasno terciário foi, na verdade, enterrado, e a estabilidade de toda a estrutura dapaleantropologia moderna depende de essas provas permanecerem enterradas. AaceitaçãodeumaúnicapeçadeevidênciadaexistênciadeprodutoresdeferramentasnoMiocenoounoPliocenoInferiorseriasu denteparadesintegrartodooquadrodaevoluçãohumana,alicerçadocomlantocuidadoduranteesteséculo.

InstrumentosoriundosdeAurillac,França

Em1870,AnatoleRoujou registrouqueogeólogoCharlesTardyhavia recolhidoumafacadepederneira(Figura4.8)dasuperfícieexpostadeumconglomeradodoMioceno Superior emAurillac,naFrançameridional.Aodescrever a remoçãodapeça,Roujouusouapalavraarraché,quesigni catersidonecessáriousarumacertaforçaparaextrairapederneira.ComoacreditassequeaferramentadepederneiradeTardy acabara de ser cimentada na superfície do conglomerado do MiocenoSuperior,Mortilletpreferiuconsiderá-lacomosendodoPleistoceno.

Ogeólogo francês J.B.RamesduvidouqueoobjetoencontradoporTardy fossemesmo de manufatura humana. Contudo, em 1877, Rames fez suas própriasdescobertasde instrumentosdepederneiranamesmaregião,emPuyCourny,umsítiopertodeAurillac.EssesinstrumentosforamextraídosdesedimentosquejaziamentrecamadasdematériasvulcânicasassentadasnoMiocenoSuperior,cercadeseteanovemilhõesdeanosatrás.

Em 1894, S. Laing apresentou uma descrição pormenorizada dos sinais demanufaturahumanaobservadosporRamesnaspederneiras:“Osespécimesconsistemem diversos e bem conhecidos tipos paleolíticos, machados pré-históricos,raspadeiras, pontas de lança e lascas, apenasmais toscos emenores que aqueles deperíodosposteriores. ForamencontradosemtrêsIocalidadesdiferentesnomesmoestratodecascalho,eseadequamatodosostestesmedianteosquaissedeterminaaautenticidadedeinstrumentosquaternários,taiscomobulbosdepercussão,fraturas

concoidais e, acima de ludo, lascagem intencional numa determinada direção”.SegundoLaing,oantropólogofraneêsArmanddeQuatrefagesobservou nosriscosparalelosnasbordascortadasdemuitosespécimes,indicandooseuuso.Taismarcasde uso não estavampresentes emoutras bordas não cortadas.Num congresso decientistasemGrenoble,França,osinstrumentosdepederneiradePuyCournyforamaceitoscomogenuínos.

Acerca das ferramentas, Laing também disse: “O depósito cascalhoso em que sãoencontradas contém cinco variedades distintas de pederneiras, das quais todas queparecemserinstrumentoshumanoslimitam-seaumaúnicavariedadeemespecial,aqual, por sua natureza, é peculiarmente adaptada para o uso humano. Como dizQuatrefages,nenhumatorrenteouqualqueroutmcausanaturalpoderiatercausadotaldiscriminação,quesópoderiatersidofeitaporumserinteligente,selecionandoaspedras mais bem adaptadas para suas ferramentas e armas”. Max Verworn, daUniversidade de Göttingen, na Alemanha, mostrou-se inicialmente cético comrelação a relatos dando conta de ferramentas de pedra da época do Plioceno ouanteriores. Assim, em 1905, ele foi a Aurillac realizar sua própria análise dasferramentas de pedra lá encontradas. Verworn permaneceu seis dias em Aurillac,fazendo escavações emum lugar chamadoPuydeBoudeu,nãomuitodistantedePuy Courny. Descrevendo os resultados de seu primeiro dia de trabalho, eleescreveu:“Tiveasortedechegaraumlocalondeencontreiumgrandenúmerodeobjetosdepederneira,cujaindiscutívelnaturezainstrumentallogomedesconcertou.Nãoeraoqueeuesperavaencontrar.Apenasaospoucoséquepudemeacostumarcomopensamentodequetinhaemminhasmãosasferramentasdeumserhumanoqueviveraemépocasterciárias.Levanteitodasasobjeçõesimagináveis.Questioneiaidade geológica do sítio arqueológico, questionei a natureza instrumental dosespécimesatéadmitir,nãosemrelutância,quenemtodasasobjeçõespossíveiseramsuficientesparamodificarosfatos”.

Os objetos lascados de pederneira combordas a adas, aparentemente ferramentas,foramencontradosempequenosgrupos,entrepedrasbastantedesgastadaseroliças.Issosigni cavaqueosobjetosdepederneiranãohaviamsidosubmetidosagrandesmovimentações desde o seu assentamento e que a lascagem visível neles era,portanto, de origem humana, e não geológica. O fato de que as pederneirasinstrumentaisdebordasa adashaviamsidoenconIradasemgrupostambémsugeriaapresençadeáreasparaoficinas.

Verworn passou, então, a estudar a fundo diversas formas de identi car a obrahumana numobjeto de pederneira.Dividiu as provas de tal obra em três grupos:sinaisdepercussãoresultantesdogolpeprimárioqueseparavaalascadeumnúcleo

de pederneira; sinais de percussão resultantes do corte secundário de bordas napróprialasca;sinaisdeusonasbordasfuncionais.

Considerando todas as diversas características de percussão e uso,Verworn sugeriuque nenhuma delas é conclusiva por si só. “A análise crítica de determinadacombinação de sintomas é a única coisa que nos colocará em posição de tomardecisões”,declarouele.

Essa é a mesma metodologia sugerida por L. W. Patterson, moderno perito emferramentasdepedra.Contudo,PattersondámaisimportânciadoqueVerwornaosbulbos de percussão e à lascagem unidirecional ao longo das bordas das lascas,especialmente quando vários espécimes são encontrados num sítio.Os estudos dePattersondemonstraramqueasforçasnaturaisquasenuncaproduzemessesefeitosemquantidadessignificativas.

Emseguida,Verwornapresentouumexemploparailustrarcomosedeveriaaplicarseumétododeanálise:Suponhaqueacabodeencontrar,numextratointerglaciáriodepedra,umobjetodepederneiraqueapresenteumnítidobulbodepercussão,masnenhum outro sintoma de obra intencional. Nesse caso, eu teria minhas dúvidasquantoaofatodeeuterounãodiantedemimumobjetodemanufaturahumana.Suponha,porém,queacabodeencontraraliumapederneiraque,deumdoslados,apresentatodosossinaistípicosdepercussão,aopassoque,dooutrolado,apresentaas impressõesnegativasdeduas, três,quatrooumais lascas retiradasporgolpesnamesma direção. Além disso, suponhamos que uma borda da peça apresenteinúmeras, sucessivas e paralelas lasquinhas removidas, todas dispostas na mesmadireção, e que todas, sem exceção, estejam localizadas nomesmo lado da borda.Suponhamos que todas as demais bordas sejam a adas, sem vestígio algum deimpacto ou rotação. Assim, posso dizer com toda certeza - trata-se de uminstrumentodemanufaturahumana.

Após realizar uma série de escavações em sítios próximos a Aurillac, Verwornanalisou os muitos instrumentos de pederneira encontrados, empregando ametodologia rigorosamente cientí ca descrita acima. Logo, chegou à seguinteconclusão: “Com minhas próprias mãos, eu pessoalmente extraí, dos intocadosestratosemPuydeBoudieu,muitosdessesartefatosInquestionáveis.Essaéaprovainabalável da existência de um ser que trabalhava com pederneiras no MiocenoSuperior”.

Muitos dos instrumentos encontrados por Verworn nos estratos do Mioceno deAurillac eram raspadeiras de diversos tipos. “Algumas raspadeiras” , escreveu ele,“mostramapenasmarcasdeusonabordaderaspagem,aopassoqueasoutrasbordasdamesmapeçasãobastantea adasesemmarcas.Emoutrosespécimes,abordade

raspagem apresenta uma série de lascas intencionalmente removidas na mesmadireção.Esses cortesdemonstramcombastantenitidez todosos costumeiros sinaisdepercussão.Mesmohoje,ashordasdasmarcasdeimpactodegolpesanterioresnapartesuperiordecertosinstrumentossãoperfeitamentea adas.Ametadotrabalhofeitonasbordasénítidaeindubitavelmentereconhecívelcomoaremoçãodocórtexouanecessidadededarumaformaespecí caaoobjeto.Emmuitaspeças,existemáreasclaramentevisíveisparasegurarcomamão,torneadaspelaremoçãodebordasafiadasepontasdepartesondeprovocariamferidasouinterfeririamnomanuseio”.

Sobreoutroobjeto,disseVerworn:“Asmarcasdelascagemnalâminadaraspadeirajazemtãoregularmentepróximasentresideformaparalelaquenosfazemlembrarexemplos paleolíticos ou mesmo neolíticos”. Na seqüênda aceita, as ferramentaspaleolíticaseneolíticassãoatribuídasaoposteriorPleistoceno.

Verworntambémencontroumuitasraspadeiraspontudas(Figura4.9):“Entretodososobjetosdepederneiras,essesmostrammaisclaramenteotorneamentointencionaldeformasdeferramentainquestionáveis,pelomenosnaáreadasbordasfuncionais.Defato,emgeral,aspontassãofeitasdetalmaneiraquesepodefalarinclusivedeum cuidado e uma atenção genuínos na técnica empregada. As bordas foramtrabalhadas por meio de muitos golpes unidirecionais, tanto que a intenção detornearumapontatorna-seinquestionável”.

TambémforamencontradasemAurillacraspadeiraschanfradas(Figura4.10),comaberturas côncavas arredondadas na borda funcional próprias para raspar objetoscilíndricos como ossos ou pontas de lança. Verworn observou: “Namaioria doscasos, as raspadeiras chanfradas são feitas lascando-se uma das bordas com golpesunidirecionaisparaproduzirumaformacurva”.

Verworntambémdescobriudiversasferramentasadaptadasparamartelagem,entalhee escavação. Descrevendo uma dessas ferramentas, Verworn escreveu: “Ferramentapontudaegrandeparacorteouescavação.Éformadaapartirdeumaplacanaturaldepederneiracomoauxíliodeumaponta.Vê-senassuperfíciesdapeçaocórtexdapederneirae,notopo,umapontafeitaapartirdeváriaslascas,amaiorpartedelasremovida na mesma direção”. Quanto à outra ferramenta pontuda, Verworndeclarou:“Essaferramentatem,noladodiretamenteabaixodaponta,umcabofeitomediantearemoçãodasbordasa adasecortantes.Podeter sidoumamachadinhaprimitiva, usada para martelagem ou corte”. Além disso, Verworn encontrouferramentasqueeleachouteremsidoadaptadasparaapunhalar,perfurareesculpir.

Verwornconcluiu:“NoMiocenoSuperiorexistiaaquiumaculturaquenãoestava,conformepodemosverporsuasferramentasdepederneira,nasetapasiniciais,senãoque já passara por um longo período de desenvolvimento [...] Essa população doMiocenodeCantalsabiacomolascaretrabalharapederneira”.

Verwornprosseguia:“Otamanhodos instrumentosapontaparaumserdotadodemãodomesmo tamanhoe formaque anossa, epor issode corpo semelhante aonosso. A existência de grandes raspadeiras e outros instrumentos de corte que se

adaptam às nossas próprias mãos e, acima de tudo, a adaptação perfeita à mãoveri cadaemquasetodasasferramentas,tudoissoparececorroboraressaconclusãono mais alto grau. Ferramentas dos mais diversos tamanhos, que mostram comperfeitaclarezabordasúteis,marcasdeusoecabos,ajustam-senamaioriadoscasosdeformatãonaturaleconfortávelàsnossasmãos,comasoriginaispontasa adasebordasintencionalmenteremovidasdaspartesondeamãoassegura,quesepodeatépensarteremestasferramentassidofeitasdiretamenteparanossasmãos”.

Aseguir,Verworndisseoseguintearespeitodosprodutoresdasferramentas:“Apesardeserpossívelqueessaformaterciáriaestivessemaispróximadosancestraisanimaisdoshumanosmodernosdoquedospróprioshumanosmodernos,quempoderánosdizer que eles já não tinham o mesmo caráter físico básico que os humanosmodernos, queodesenvolvimentode características especi camentehumanasnãoremontava ao Mioceno Superior?” Como explicamos no Capítulo 7, restosesqueletaisfósseisindistinguíveisdaquelesdehumanosinteiramentemodernosforamencontrados no Plioceno, no Mioceno, no Eoceno e mesmo antes. Ao tambémlevarmosemcontaqueoshumanosvivendohoje emdia fazem instrumentosnãomuitodistintosdaquelesextraídosdeestratosdoMioceno naFrançaeemoutroslocais, então a validade da seqüência convencional da evolução humana começa aparecer tênue.De fato, a seqüência convencional só faz sentido quando se ignorauma boa quantidade de boas provas. Ao levar em consideração todas as provasdisponíveis, tanto instrumentais quanto esqueletais, é bastante difícil construirqualquer espéciede seqüência evolucionária.Oquenos resta é a suposiçãodequetem havido diversos tipos de seres humanos e humanóides vivendo ao mesmotempo emanufaturando ferramentas de pedra de vários níveis de so sticação, dasúltimasdezenasdemilhõesdeanosatéhoje.

Noposterioranode1924,GeorgeGrantMacCurdy,diretordaEscolaAmericanadePesquisaPré-históricanaEuropa,deuumparecerpositivonapublicaçãoNaturalHistory a respeito dos instrumentos de pederneira de Aurillac. J. Reid Moirencontrara ferramentas semelhantes na Inglaterra. Segundo argumentaram certoscríticos, forças naturais, tais como osmovimentos daTerra, haviam fraturado aspederneiras pela pressão, criando, desse modo, objetos de pedra parecidos comferramentas.Porém,oscientistasdemonstraramque,naslocalidadesespecí casemqueforamencontradasas ferramentasdepederneiradeMoir,aevidênciageológicanãosugeriaaoperaçãodetaiscausasnaturais.

MacCurdy escreveu: “Não existem condições que favoreçam a atuação de forçasnaturais em certos depósitos de Plioceno em East Anglia, onde J. Reid Moirencontrou pederneiras trabalhadas [...] Pode-se dizer o mesmo das pederneiras

cortadasoriundasdedepósitosdoMiocenoSuperiorpróximosaAurillac(Cantal)?Recentemente, tanto Sollas quanto Capitan deram respostas a rmativas a essapergunta.Capitanencontranãoapenaslascasdepederneiraquesugeremouso,comotambém tipos verdadeiros de instrumentos que seriam considerados comocaracterísticosdecertoshorizontespaleolíticos.Elesocorremereocorrem:furadores,lascas bulbadas, retocadas com cuidado para formar pontas e raspadeiras do tipomusteriano, discos com extremidades retocadas de modo regular, raspadeiras dediversas formas e, nalmente, picaretas. Segundo conclui ele, existe uma totalsemelhançaentremuitasdaspederneiraslascadasdeCantaleosclássicosespécimesdeconhecidíssimos sítiospaleolíticos”. WilliamSollasocupavaa cátedradeGeologiaemOxford,eLouisCapitan, respeitadíssimoantropólogo francês,eraprofessornaUniversidadedaFrança.

DescobertasdeA.RutotnaBélgica

NaBélgica,A.Rutot,curadordoMuseuRealdeHistóriaNaturalemBruxelas,fezumasériededescobertasquetrouxeramàtona indústriasanômalasdeferramentasdepedraduranteocomeçodoséculoXX.AmaioriadasIndústriasidenti cadasporRutotdatavadoPleistocenoInferior.Porém,em1907,acontinuaçãodapesquisade Rutot resultou em descobertas mais surpreendentes em areeiros perto deBoncelles,naregiãodeArdennes,naBélgica,AscamadasportadorasdeferramentaseramdoOligoceno,oquesignificaquetinhamde25a38milhõesdeanos.

Descrevendo as ferramentas, Georg Schweinfurth escreveu na Zeitschrift furEthnologie: “Entre elas, havia machadinhas, pedras de bigorna, facas, raspadeiras,furadores e pedras de atirar, todas apresentando sinais nítidos de obra intencionalqueproduziam formas requintadamente adaptadas aousodamãohumana [...]Ofelizdescobridorteveoprazerdemostrarossítiosa34geólogoseestudantesdePré-história belgas. Todos eles concordaram que não podia haver dúvidas quanto àposiçãodasdescobertas”.

OrelatóriocompletodeRutot sobreasdescobertasdeBoncelles foipublicadonoboletim da Sociedade Belga de Geologia, Paleontologia e Hidrologia. Rutottambém disse que ferramentas de pedra como as de Boncelles haviam sidoencontradas em contextos oligocenos em Baraque Michel e na caverna em BayBonnet. Em Rosart, na margem esquerda do Mosa, também haviam sidoencontradasferramentasdepedranumcontextodoPliocenoMédio.

“Ora, parece”, escreveu Rutot, “que a noção da existência da humanidade noOligoceno [...] tem sido a rmada com tal força e precisão que não se conseguedetectar a menor falha”. Segundo observou Rutot, as ferramentas do Oligocenoencontradas em Boncelles assemelhavam-se quase que exatamente às ferramentas

feitasnosúltimosdoisséculospeloshabitantesnativosdaTasmânia(Figuras4.11e4.12).

Em seguida, Rutot descreveu em detalhes os diversos tipos de ferramentas do

OligocenoencontradasemBoncelles,acomeçarpelaspercuteurs(oumachadinhas).Entre estas, incluíam-se:machadinhas simples,machadinhas a adas,machadinhaspontudaseretocadoras,asquaiseramusadaspararea arasbordasdeusodeoutrosinstrumentos depedra.Todasascategoriasdepercuteursapresentavamcortesparatornaros instrumentosmais fáceisde segurar comamãoe sinaisdeusonabordafuncional.

Nos sítios de Boncelles, também encontraram diversas pedras de bigornacaracterizadas por uma superfície ampla e chata, apresentando sinais claros depercussão.

Rutot então descreveu instrumentos que ele chamou de couteaux, mais bemtraduzidoscomocortadores.“Pode-sever”,escreveuele,“queoscouteauxsãofeitosde lascas relativamente compridas de pederneira, cegas de um lado e a adas dooutro”.

Outrotipodeinstrumentoeraaracloir,ouraspadeiralateral.Emgeral,aracloirerafeitaapartirdeumalascaoval,comumadasbordascegaeabordaopostaa ada.Apósserretocadaparaformarumcaboadequado,abordacegaerapeganapalmadamão,eabordaa adadoinstrumentoeramovimentadaaolongodocomprimentodo objeto a ser raspado. Durante essa operação, pequenas lascas destacavam-se dabordadecortedoinstrumento,sendoqueessasmarcasdeusopodiamservistasemmuitosespécimes.

Em seguida, Rutot descreveu outros tipos de racloirs: a chanfrada, provavelmenteusadapararasparobjetoscompridoseredondos,eadupla,comduasbordasa adas.Algumasdasracloirsduplasassemelhavam-sea instrumentosmusterianospontudosdoPleistocenoSuperior.

Rutot descreveu, também, uma categoria especial de ferramentas, as quaisdenominouinstrumentosmistos,poispareciaqueelaspoderiamtersidoempregadasdemaisdeumamaneira.Rutotdeclarou:“Elastendemater,nabordaa ada,umaponta formadapela interseçãodeduasbordas retasou,mais freqüentemente,duaschanfras,feitasatravésderetoques”.

OpróximotipodeinstrumentoanalisadoporRutotfoiagrattoir,outracategoriaderaspadeira.Tambémdescreveuperçoirs,quepoderiamserchamadasde sovelas oufuradoras.Rutotaindaobservouapresença,emBoncelles,deobjetosquepareciamser pedras de atirar oupedras de estilingue. Finalmente,Rutot sugeriu que certosobjetosdepederneira,apresentandovestígiosdeimpactosrepetidos,podemtersidousados pelos antigos habitantes de Boncelles para fazer fogueira.Tais pedras sãoencontradasemcoleçõesdeferramentasdoPleistocenoSuperior.

“Vemo-nos”, disse Rutot, “diante de um grave problema - a existência, noOligoceno, de seres inteligentes o su ciente para fabricar e utilizar tipos nitldos evariados de instrumentos”. Hoje, os cientistas não dão a menor importância àpossibilidadedeumapresençahumana-oumesmoproto-humana-noOligoceno.Acreditamosexistiremdoismotivosparaisso-desconhecimentodeprovascomoasdeRutoteféinquestionávelempontosdevistaatuaissobreaorigemeaantiguidadehumanas.

DescobertasdeFreudenbergpertodaAntuérpia

Emfevereiroemarçode1918,WilhelmFreudenberg,geólogovinculadoaoexércitoalemão, realizava sondagens para nsmilitares em formações terciárias a oeste daAntuérpia, Bélgica. Em argileiras em Hol, perto de St. GiIlis, e em outraslocalidades,Freudenbergdescobriuobjetosdepederneiraqueeleacreditavafosseminstrumentos, além de ossos cortados e conchas. A maioria dos objetos vinha dedepósitossidementaresdafasemarinhaescaldissiana.AfaseescaldissianaabrangeoPlioceno Inferior e Mioceno Superior, tendo, assim, de quatro a sete milhões deanos. Segundo sugeriu Freudenberg, os objetos por ele descobertos podem terdatadodoperíodoimediatamenteanterioràtransgressãomarinhaescaldissianaque,casosejaverdade,lheconfeririaumaidadedepelomenossetemilhõesdeanos.

Segundo acreditava Freudenberg, alguns dos instrumentos de pederneira por eleencontradoseramusadosparaabrir conchas.Muitosdeles foramencontradoscomconchas cortadasepederneirasqueimadas,oqueFreudenberg tomoucomoprovadequeseresinteligenteshaviamutilizadoofogoduranteoterciárionaBélgica.Emrelaçãoàsconchascortadas(Figura4.13),Freudenberga rmou:“Encontreimuitasincisões intencionais, principalmente na parte traseira das conchas, bem perto dajunta”.Conformedisseele,asincisõeseram“taisqueapenasuminstrumentoa adopoderia tê-Ias feito”. Algumas das conchas também apresentavam marcas depunctura. Além das conchas cortadas, Freudenberg também encontrou ossos demamíferos marinhos trazendo o que ele considerou serem marcas de corte. Comtodo cuidado, considerou e rejeitou hipóteses alternativas, tais como corrosãoquímica ou abrasão geológica. Encontrou, também, ossos apresentandomarcas deimpactoprofundo,asquaispoderiamtersidofeitaspormartelosdepedra.

Outra con rmação da presença humana manifestou-se sob a forma de pegadasparciais, aparentemente feitas quando pés semelhantes aos humanos comprimirampedaçosdeargila.DeumaargileiraemHol,Freudenbergrecuperouumaimpressãoda sola de um pé e quatro impressões de dedos do pé. Segundo Freudenberg, ospadrões de sulcos e poros combinavam com aqueles de pés humanos e eramdistintosdaquelesdossímios.

Freudenberg, sendoumevolucionista,acreditavaqueseuHomemterciáriodecertohaviasidoumpequenohominídeo,apresentando,alémdepéssemelhantesaospéshumanos,umacombinaçãodecaracterísticassimiescasehumanas.Noconjunto,adescrição feita por Freudenberg de seu homem terciário andrino parecereminiscentedoAustralopithecus.Masnãoseriadeseesperarencontrar,segundoadoutrina paleantropológica atual, quaisquer representantes do Australopithecusdurante aúltimaetapadoMioceno, maisde setemilhõesde anos atrás.Osmaisantigos representantesdessa espécie remontamaapenas cercadequatromilhõesdeanosnaÁfrica.

Quem, então, deixou as pegadas descobertas por Freudenberg? Existem hoje, naÁfrica e nas Filipinas, tribos pigméias, com homens adultos commenos de 1,50metrodealturaemulheresaindamaisbaixas.Aproposiçãodequeumpequenoserhumano, e não um representante do Australopithecus, deixou as pegadas é maiscompatível com todo o espectro de provas - ferramentas de pedra, ossos incisos,sinaisisoladosdefogueiraeconchasabertasdeformaarti cial.OsrepresentantesdoAustralopithecusnãosãoconhecidosporteremmanufaturadoferramentasdepedraouseutilizadodofogo.

ItáliaCentral

Em1871,oprofessorG.Ponziapresentou,noencontroemBolonhadoCongressoInternacional de Antropologia e Arqueologia Pré-históricas, um relatório sobre asprovasdapresençadehumanosterciáriosnaItáliacentral.Taisprovasconsistiameminstrumentos de pederneira pontudos recolhidos por geólogos de depósitos debrechadafaseerodenteacquatraversanadoPlioceno(commaisdedoismilhõesdeanos).Umabrechaéumdepósitocompostodefragmentosderochanumamatrizdegranulaçãofinadeareiaouargilaenrijecidas.

FerramentasdePedradeBurma

Em 1894 e 1895, jornais cientí cos anunciaram a descoberta de pederneirastrabalhadasemformaçõesdoMiocenoemBurma,entãopartedaÍndiabritânica.Osinstrumentos foram registrados por Fritz Noetling, paleontólogo que dirigia oInstitutodePesquisasGeológicasdaÍndia,naregiãodeYenangyaung,Burma.

Enquanto recolhia fósseis, Noetling percebeu um objeto retangular de pederneira(Figura4.14),Conformedissede, aquela forma semelhanteaum instrumentoera“difícil de ser explicada por causas naturais”,Noetling observou: “A forma dessaespécimefaz-melembrarmuitíssimodapederneiralascadadescritanoVolumeIdosRegistros,constantesnoInstitutodePesquisasGeológicasdaÍndia,edescobertanoPleistoceno do rioNerbudda, de cuja origem arti cial ninguém parece jamais terduvidado”.Noetlingprosseguiusuapesquisaeencontroucercadeoutrasdozepeçaslascadasdepederneira.

Quão certa estava a posição estratigrá ca das pederneiras de Noetling? Noetlingapresentouesterelato:“Olocalexatoondeforamencontradasaspederneiras[...]ficanaíngremerampalestedeumdes ladeiro,bemacimadeseufundo,masabaixodaborda em posição tal que é inconcebível que as pederneiras pudessem ter sidotrazidasaliporqualqueraçãoexterior.Nãoháespaçoparanenhumahabitaçãonessagargantaestreita,nemjamaishouve;alémdomais,éimpossível,pelaformacomoforamencontradasaspederneiras,queelaspudessemtersidotrazidasàquelelocalporumaenchente.Sepesarnabalançatodasasprovas,eissosemlevaremcontaofatodequeeupróprioasescaveidoestrato,creio rmementequeelasestavaminsituaoseremencontradas”.

Emconclusão,Noetlingdisse:“Sepederneirasdesseformatopodemserproduzidaspor causas naturais, uma boa quantidade de pederneiras lascadas, até agoraconsideradasprodutosindubitavelmentearti ciais(ouseja,humanos)estásujeitaasériasdúvidasquantoàsuaorigem”.

FerramentasdorioBlack’sFork,Wyoming

Em1932,EdisonLohreHaroldDunning,doisarqueólogosamadores,encontrarammuitas ferramentasdepedranos terraços altosdo rioBlack’sFork emWyoming,

Estados Unidos.Os instrumentospareciamserdaépocadoPleistocenoMédio,oqueseriaanômaloparaaAméricadoNorte.

Lohr e Dunning mostraram as ferramentas por eles recolhidas a E. B. Renaud,professor de antropologia da Universidade de Denver. Renaud, que também eradiretor do Instituto de Pesquisas Arqueológicas das Planícies Altas Ocidentais,organizou, então, uma expedição à região onde foram encontradas as ferramentas.Durante o verão de 1933, o grupo de Renaud recolheu espécimes dos antigosterraçosfluviaisentreascidadesdeGrangereLyman.

Entre esses espécimes, havia toscas machadinhas de mão e outros instrumentoslascados de um tipo freqüentemente atribuído ao Homo erectus, que, segundodizem,teriahabitadoaEuropaduranteoPleistocenoMédio.

A reação dos antropólogos nos Estados Unidos foi negativa. Segundo escreveuRenaud em 1938, seu relatório havia sido “asperamente criticado por um dosirreconciliáveis adversáriosda antiguidadedohomemnosEstadosUnidos,oqualnãoviranemossítiosarqueológicosnemosespécimes”.

Em resposta, Renaud escalou três outras expedições, recolhendomais ferramentas.Emboramuitosperitosde foradosEstadosUnidosconcordassemcomelequantoao fato de que as ferramentas representavam uma indústria genuína, os cientistasnorte-americanosvêmmantendosuaoposiçãoatéosdiasatuais.

A reação mais comum é dizer que os espécimes toscos não passam de lascas nãotrabalhadas deixadas cair bem recentemente por indígenas produtores deferramentas. Contudo, Herbert L. Minshall, um colecionador de ferramentas depedra,declarouem1989queasferramentasapresentamforteabrasão uvial,muitoemboraestejama xadasempavimentosdesérticosemantigassuperfíciesplanasdeenchentesquenãopoderiamtertidofluxospormaisde150milanos.

SefossemencontradasemumsítiodeidadesemelhantenaÁfricaounaEuropaounaChina,asferramentasdepedracomoaquelasencontradasporRenaudnãoseriamfontedecontrovérsia.Noentanto,apresençadelas,150miloumaisanosatrásemWyoming,édecertomuitíssimoinesperada.Opontodevistadominantehojeédequeoshumanossóentraramemterritórionorte-americanonomáximohácercadetrinta mil anos. E antes disso, ainda segundo esse ponto de vista, não houvemigraçãodequalqueroutrohominídeo.

Houve quem sugerisse que a abrasão nos instrumentos foi o resultado da areiatransportada pelo vento, e não da água. Em resposta, Minshall observou: “Osespécimesforamdesgastadosemtodososlados,porcimaeporhaixo,eigualmentenas superfícies ventral e dorsal. É extremamente improvável que a poeira soprada

pelo vento atinja pesadas ferramentas de pedra jazendo em pesada formação decascalho,masédeesperarqueatinjaobjetossujeitosàarrebentaçãoouàpesadaaçãodecorrentes”.

Minshall também observou que as ferramentas estavam cobertas por uma espessacamadamineral de verniz do deserto. Esse verniz, que demoramuito tempo paraacumular,eramaisespessodoqueaquelepresenteemferramentasencontradasemterraçosInferiores,portantomaisrecentes,namesmaregião.

A evidência cumulativa parece descartar a sugestão de que os instrumentosdescobertosporRenauderamlascasnãotrabalhadasdeixadascairbemrecentementeemterraçosdeplaníciesdeenchentedoaltodeserto.Minshall,porém,observou:“Areaçãodoscientistasnorte-americanosàinterpretaçãodeRenauddascoleçõesdorioBlack’s Fork como sendo provas de grande antiguidade foi, e continua a ser pormaisdemeioséculo,degrandeceticismoedescrençagerais,embora,provavelmente,nenhumdentremilarqueólogostenhavisitadoosítionemvistoosartefatos”.

SegundoMinshall, as ferramentas encontradas por Renaud foram obra deHomoerectus,osquaispoderiamterentradonaAméricadoNorteduranteumperíododeníveismaisbaixosdomarnoPleistocenoMédio.SegundoacreditavaMinshall,issotambém se aplicava a ferramentas de pedra encontradas em outras localidades deidade semelhante, tal como no caso de Calico e de sua própria escavação emBuchananCanyon,ambosnosuldaCalifórnia.

Minshalleracético,contudo,quantoaoutrosítiodoPleistocenoMédio.Emjaneirode 1990,Minshall disse a umde nós (ompson) que não se sentia inclinado aaceitar como autênticas as ferramentas de pedra tecnologicamente avançadasencontradasemHueyatlaco,noMéxico (Capítulo5).Asavançadas ferramentasdepedraencontradasemHueyatlacoeramcaracterísticasdoRomo...:tpienssapiense,portanto, não era fácil atribuí-Ias ao Romo erectus. A reação de Minshall àdescoberta deHueyatlaco foi sugerir, sem apoiar provas, que a estratigra a haviasido interpretada erroneamente, e que os ossos de animais utilizados para datar osítio, bem comoos so sticados artefatos depedra, haviam sido arrastados para osítio oriundos de diferentes fontes. Isso mostra que os pesquisadores, ao mesmotempo que aceitam certas anomalias, podem descartar outras valendo-se de doispesoseduasmedidas.

5.PaleólitoseNeólitosavançadosOs paleólitos avançados são trabalhados de formamais re nada que os paleólitostoscos. Mas indústrias contendo paleólitos avançados também podem conterferramentas mais toscas. Em primeiro lugar, analisaremos as descobertas de

FlorentinoAmeghino,bemcomoosataquesfeitosaelasporAlesHrdlickaeW.H.Holmes. Em seguida, examinaremos as descobertas de Carlos Ameghino, quefornecem algumas das mais sólidas e convincentes provas de uma presençatotalmentehumananoPlioceno.Passaremos,então,àsdescobertasanômalasfeitasemsítiosnaAméricadoNorte, incluindoHueyatlaco,México;SandiaCave,NewMexico; Sheguiandah, Ontário; Lewisville, Texas; e Timlin, Nova York.Concluiremos com as descobertas neolíticas dos cascalhos auríferos terciários daregiãodacorridadoouronaCalifómia.

DescobertasdeFlorentinoAmeghinonaArgentina

Durante o m do século XIX, Florentino Ameghino investigou inteiramente ageologiaeosfósseisdasprovínciascosteirasdaArgentina,obtendo,assim,reputaçãointernacional.As controvertidasdescobertasqueAmeghino fezde instrumentosdepedra,ossosentalhadoseoutrossinaisdapresençahumananaArgentinaduranteoPlioceno, o Mioceno e períodos anteriores, serviram para aumentar sua famamundial.

Em 1887, FlorentinoAmeghino fez algumas descobertas signi cativas emMonteHermoso, na costa da Argentina, cerca de 60 quilômetros a nordeste de BahíaBlanca. Para resumir a evidência de Monte Hermoso, F. Ameghino disse: “Apresença do homem ou, mais exatamente, de seu precursor, neste antigo sítio, édemonstradapelapresençadepederneirastoscamentetrabalhadas,comoaquelasdoMioceno de Portugal, ossos entalhados, ossos queimados e terra queimadaorigináriosdeantigaslareiras”.Ascamadasquecontêmessaevidênciaencontram-senaformaçãodoPliocenoemMonteHermoso,aqualtemcercade3,5milhõesdeanosdeidade.

EntreosfósseisrecolhidosdeMonteHermoso,haviaumatlas(oprimeiroossodacoluna vertebral, na base do crânio) hominídeo. Ameghino achou que tal atlasapresentava características primitivas, mas A. Hrdlicka julgou-o inteiramentehumano. Isso sugere fortemente que seres do tipo humano moderno foramresponsáveis pelos artefatos e sinais de fogo descobertos na formação de MonteHermoso.

As descobertas de Ameghino em Monte Hermoso e outras partes da formaçãoterciária da Argentina atraíram o interesse de vários cientistas europeus. AlesHrdlicka,antropólogodaSmithsonianInstitutionemWashington,D.C.,tambémmostrou grande interesse pelas descobertas de Ameghino. Hrdlicka achoudesalentador o grau de apoio que essas descohertas receberam entre os cientistaspro ssionais, em especial na Europa. Além do fato de se opor à existência dehumanosterciários,Hrdlickatambémeraextremamentehostilaquaisquerregistros

depresençahumananasAméricasalgunsmilharesanosantesdomomentopresente.Após conquistar imensa reputação desacreditando, com argumentos questionáveis,todosos registrosdessa naturezaoriundosnaAméricadoNorte,Hrdlickavoltousua atenção para as tão discutidas descobertas sul-americanas de FlorentinoAmeghino. Em 1910, Hrdlicka visitou a Argentina e o próprio FlorentinoAmeghino acompanhou-o até Monte Hermoso. Hrdlicka fez uma ahordageminteressante acerca das descobertas feitas naquele sítio. Em seu livroEarlyman inSouthAmerica(1912),Hrdlickafazmençãosucintasobreosinstrumentosdepedrae outros sinais da ocupação humana descobertos por Ameghino na formação deMonteHermoso.Estranhamente,porém, elenão as contestade formadireta.Emvez disso, dedica dúzias de páginas a lançar dúvidas sobre subseqüentes, emenosconvincentes,descobertasqueeleeAmeghino zeramnapuelcheana,umaformaçãomaisrecenteesobrepostaaosestratosdoPliocenoemMonteHermoso,Aformaçãopuelcheanatemcercadeumadoismilhõesdeanos.

Aparentemente,Hrdlickaacreditavaquesuaprolongadarefutaçãodasdescobertasdaformaçãopuelcheanaseriasu cienteparapôremdescréditoasdescobertasnabemmais antiga formação deMonteHermoso, nomesmo sítio.Costuma-se usar essatática para lançar dúvidas sobre descobertas anômalas - criticar as provas menosconvincentesdemodopormenorizadoe ignorar asprovasmais convincentes tantoquantopossível.Nãoobstante,existemmuitasprovassugerindoqueasdescobertaspuelcheanas,bemcomoasdeMonteHermoso,eramautênticas.

Amaior parte das ferramentas descobertas porHrdlicka e Ameghino durante suaexpediçãoconjuntafoitoscamentelascadaapartirdeseixosdequartzito.Hrdlickanãocontestouamanufaturahumananemmesmodosespécimesmaisrudimentares.Em vez disso, questionou-Ihes a idade. Segundo sugeriu ele, o estrato que oscontinha era recente.Ao fazer esse julgamento,Hrdlickabaseou-se fortementenotestemunhodeBaileyWiIlis,ogeólogonorte-americanoqueoacompanhava.

Oestratoquecontinhaasferramentasestavanotopodaformaçãopuclcheana.Comcerta hesitação, Willis aceitou que a puelcheana era pelo menos do Plioceno emidade.Dissequetalformaçãoconsistiaem“areiacinzentaouarenitoestrati cadoseligeiramenteendurecidos[...]marcadosporumaestrati caçãomuitonotavelmentetransversaleumauniformidadedecorcinzaegrânulosdeareia”.SegundodescriçãodeWillis, o estrato superior, aparentemente incluído porAmeghino na formaçãopuelcheana,eraumafaixadecercade15a40centímetrosdeespessura,“compostadeareiacinzenta,pedaçosangularesdearenitoeseixosacinzentados,algunsfraturadospelohomem”.

Conforme observou WiIlis, a camada superior de areia cinzenta portadora de

instrumentos é “idêntica em constituição” às camadas inferiores da formaçãopueIcheana,massedistinguedelaspor“umadiscordânciaestratigrá cacausadapelaerosão”.Adiscordânciaestratigrá caéumafaltadecontinuidadededepósitoentreosestratosemcontatoentresi,correspondenteaumperíododenão-sedimentação,desgaste pela ação atmosférica ou, como neste caso, erosão. Para julgar quantotempo poderia ter passado entre a sedimentação das formações jazendo acima eabaixodalinhadediscordânciaestratigrá ca,oindicadormaissegurosãoosfósseisde animais.Willis, contudo,nãomencionou indicador algum.Portanto,não caclaro quanto tempo poderia estar representado pela discordância estratigrá ca.Poderia ter sido um períodomuito curto, fazendo com que as camadas acima eabaixo da discordância estratigrá ca tivessem aproximadamente a mesma idade -cercadeumadoismilhõesdeanos.

Natentativadeeliminaressaalternativa,Willisescreveuque“pedraslascadasàmãoeassociadas às areias cariam caracterizadas como recentes”. WiIlis supunha quequaisquer ferramentas de pedra tinham de ser recentes, e que a camada na qualfossemencontradasteria,portanto,deserrecentetambém.Parecia,noentanto,queaareiacascalhosacinzentaeportadoradosinstrumentospodiarealmentepertenceràformaçãopuelcheana,comoAmeghinoacreditava,equeosinstrumentosdepedraaliencontradospoderiamtertantoquantodoismilhõesdeanosdeidade.

Ameghinotambémencontrouferramentasdepedra,juntamentecomossoscortadosesinaisdefogo,nasformaçõessantacrucianaeentrerreanadaArgentina.Aformaçãosantacruciana data doMioceno Inferior ou doMiocenoMédio, o que confere àsferramentas ali encontradas cerca de 15 a 25 milhões de anos de idade. Nãoencontramos menção alguma da entrerreana na literatura atual que pudemosexaminar,masumavezqueessaformaçãodatadeantesdaqueladeMonteHermoso,elaseriapelomenosdoMiocenoSuperior,commaisdecincomilhõesdeanos.

Emmuitoslocais,Ameghinoencontrouprovasdefogueirasmuitomaisquentesquefogueirasdeacampamentooufogueirasderelvado.Entreelasincluíam-segrandeseespessospedaçosdeargiladuraequeimada,edeescória.ÉpossívelqueessespedaçosrepresentemosrestosdefundiçõesoufornosprimitivosusadospeloshabitantesdaArgentinanoPlioceno.

FerramentasencontradasporCarlosAmeghinoemMiramar,Argentina

Após o ataque de Ales Hrdlicka às descobertas de Florentino Ameghino, Carlos,irmão de Ameghino, lançou uma nova série de investigações sobre a costameridionaldeBuenosAires,Argentina.De1912a1914,CarlosAmeghinoc.’seuscompanheiros, trabalhando em nome dos museus de história natural dc.’ BuenosAireseLaPlata,descobriramferramentasdepedranaformaçãodUlpadmalalanado

Pliocenonabasedeumabarranca,oupenhasco, estendendo-seao longodo litoralemMiramar.

A m de con rmar a idade dos instrumentos, Carlos Ameghino convidou umacomissãodequatrogeólogosparadarsuaopinião,EleseramSantiagoRoth,diretordoDepartamentodeGeologiaeMinasdaprovínciadeBuenosAires;LutzWitte,geólogo do Departamento de Geologia e Minas da província de Buenos Aires;Walther Schiller, chefe da secretaria de mineralogia do Museu de La Plata econsultordoDepartamentoNacionaldeGeologiaeMinas;eMoisésKantor,chefedasecretariadegeologiadoMuseudeLaPlata.

Apósinvestigarcuidadosamenteosítio,acomissãofoiunânimeaoconcluirqueosinstrumentos haviam sido encontrados em intocados sedimentos chapadmalalanos.Dessaforma,teriamentredoisetrêsmilhõesdeanosdeidade.

Aindapresentesnosítio,osmembrosdacomissãotestemunharamaextraçãodeumaboleadeira e de uma faca de pederneira da formação do Plioceno. Puderam,portanto, con rmar a autenticidade das descobertas. Encontraram, perto dali,pedaçosdeterraqueimadaedeescória.Osmembrosdacomissãotambémrelataram:“Cavandocomumapicaretanomesmolocalondeforamencontradasaboleadeiraeafaca,alguémdescobriu,napresençadacomissão,outraspedraslisas,dotipocomoqual os índios costumam fazer fogueira”.Outras descobertas de instrumentos depedra foram feitas no mesmo sítio. Tudo isso sugere que humanos, capazes demanufaturar ferramentas e usar o fogo, viviam na Argentina cerca de dois a trêsmilhõesdeanosatrás,noPliocenoSuperior.

Após a comissão partir para Buenos Aires, Carlos Ameghino permaneceu emMiramarpara realizaroutras escavações.Do topodas camadas chapadmalalanasdoPliocenoSuperior,Ameghinoextraiuofêmurdeumtoxodonte,extintomamíferounguladosul-americano,semelhanteaumrinocerontepeludo,semchifreedepernascurtas, Ameghino descobriu, encravada no fêmur do toxodonte, uma ponta deecha ou de lança de pedra (Figura 5.1), evidenciando a existência de humanos

culturalmenteavançadosdoisatrêsmilhõesdeanosatrásliaArgentina.

Épossível que o fêmur de toxodonte com a ponta de echa tenha sido um ossorecentequetivesseseabertodecimaparabaixo?ConformesalientouAmeghino,ofêmur foi encontrado ainda ligado a todos os demais ossos da perna traseira dotoxodonte.Issoindicavanãoseraquelefêmurumossosoltoque,dealgumaforma,escorregara para dentro da formação chapadmalalana do Plioceno, senão que eraparte de um animal que morrera quando da sedimentação dessa formação.Ameghino observou: “Os ossos são de uma cor suja esbranquiçada, característicadeste estrato, e não de cor escurecida, dos óxidos de magnésio da ensenadana”.Acrescentouquealgumasdaspartesocasdosossosdapernaestavamcheiasdeloessechapadmalalana. Evidentemente, mesmo que os ossos tivessem se introduzido alioriundosdasobrejacenteformaçãoensenadana,aindaseriamanomalamenteantigos.Aensenadanatemdequatrocentosmila1,5milhãodeanos.

Aqueles que preferem contestar a grande idade atribuída ao fêmur de toxodontechamamaatençãoparaofatodequeotoxodontesobreviveuatéalgunsmilharesde

anosatrásnaAméricadoSul.CarlosAmeghino,porém,registrouqueotoxodontepor ele encontrado emMiramar, um espécime adulto, eramenor que aqueles dosníveismaisrecentesesuperioressaseqüênciaestratigrá caargentina.Issoindicavaseraquele toxodonte uma espécie distinta emais antiga. Carlos Ameghino acreditavaque seu toxodontedeMiramar erada espécie chapadmalalana chamadaToxodonchapalmalensis,primeiramenteidenti cadaporF.Ameghinoecaracterizadaporseutamanhopequeno.

Alémdomais,CarlosAmeghinocomparoudiretamenteofêmurdeseutoxodontechapadmalalanocomfêmuresdeespéciesdetoxodontedeformaçõesmaisrecenteseobservou: “Emgeral,ofêmurdeMiramarémenoremaisdelgado”.Emseguida,Ameghino registrou mais detalhes, provando que o fêmur por ele encontrado naformação chapadmalalana do Plioceno Superior em Miramar diferia daquele doToxodonburmeisterideníveispampeanosmaisrecentes.

CarlosAmeghinodescreveu,então,apontadepedraencontradaencravadanofêmur:É uma lasca de quartzito obtida por meio de percussão, com um só golpe, eretocada ao longo de suas bordas laterais, mas apenas em uma superfície, e emseguida apontada em suas duas extremidades pelo mesmo processo de retoque,dando-lheumaformasemelhanteàdeumafolhadesalgueiro,eporissoparecendoaspontasduplasdotiposolutreano,oqualtemsidodesignadocomofeuilledesaulet [...] Por todos esses detalhes, podemos reconhecer estarmos perante umaponta do tipo musteriano do período Paleolítico europeu. O fato de semelhantepontatersidoencontradanumaformaçãoremontandoatantoquantotrêsmilhõesdeanosprovocasériasdúvidassobreaversãodaevoluçãohumanaapresentadapelainstituição cientí ca moderna, segundo a qual três milhões de anos atrás seria aépocaapenasdosrepresentantesmaisprimitivosdoAustralopithecus,navanguardadalinhagemhominídea.

Emdezembrode1914,CarlosAmeghino,comCarlosBruch,LuisMariaTorreseSantiagoRoth, visitouMiramar a mdedemarcar e fotografar a localização exataondehaviasidoencontradoofêmurdotoxodonte.CarlosAmeghinodeclarou:“Aochegannosaolocaldasúltimasdescobertasecontinuannosasescavações,revelaram-se-noscadavezmaispedrasintencionalmentetrabalhadas,convencendo-nosdequeestávamosdiantedeumaverdadeirao cinadaquelaépocadistante”.Entreosmuitosinstrumentos, havia bigornas e pedras-martelo. Também foram encontradasferramentas de pedra na formação ensenadana, sobrejacente à chapadmalalana emMiramar.

TentativasdepôrCarlosAmeghinoemdescrédito

Os pontos de vista de Carlos Ameghino sobre a antiguidade dos humanos na

Argentinaforamdesa adosporAntonioRomero.Emseuensaiode1918,Romerofezmuitasobservaçõescontestatórias,apóslerasquaisesperar-se-iaencontraralgunsargumentos geológicos convincentes que as apoiassem. Em vez disso, encontra-sepoucomaisdoquealgunspontosdevistasingularesefantasiososacercadahistóriageológica da região costeira de Miramar. Segundo opinião de Romero, todas asformações nabarrancaemMiramareramrecentes.“Sevocêencontraos fósseisdeépocas distintas emdiferentes níveis da barranca” , escreveu ele, “isso não signi cauma sucessão de épocas ali, porque a água pode ter, em outras áreas, erodidoantiqüíssimos depósitos portadores de fósseis de épocas anteriores, depositando osfósseis mais antigos na base da barranca.” Signi cativamente, essas mesmasformações de Miramar têm sido amplamente estudadas em diversas ocasiões pordiferentesgeólogosepaleontólogospro ssionais,nenhumdosquaisasconsideroudamaneirasugeridaporRomero.AinexatidãodainterpretaçãodadaporRomeroàestratigra a em Miramar é con rmada por pesquisadores modernos, os quaisidenti camaformaçãonabasedopenhascocomosendochapadmalalana,datando-ado Plioceno Superior e conferindo-lhe, portanto, dois a trêsmilhões de anos deidade.

Também segundo sugestão de Romero, teria havido alteração e deslocamentomaciçosdosleitosnabarranca,possibilitandoqueinstrumentoseossosdeanimaisdecamadasdasuperfíciesemisturassemnosníveis inferioresdopenhasco.Porém,osúnicos fatos que ele pôde apresentar para apoiar essa conclusão foram doisdeslocamentosdeestratoextremamenteinsignificantes.

Acertadistânciaàesquerdadolocalondeacomissãodegeólogosextraiuaboleadeirado nível chapadmalalano da barranca, existe uma área onde uma seção de umacamada de pedras na formação desvia-se ligeiramente da posição horizontal. Essedeslocamentoocorrepertodaáreaondeabarrancaé interrompidaporumagranderavina. Como seria de esperar, parte da barranca inclina-se para a esquerda nesseponto. No entanto, no local de onde se extraiu a boleadeira, a estratigra ahorizontalpermaneceuintacta.Emoutrocantodabarranca,umapequenaporçãodeumacamadadepedrasdesviou-seapenas16grausdaposiçãohorizontal.

Com base nessas duas observações relativamente inconseqüentes, Romero sugeriuque todos os estratos expostos na barranca haviam se submetido a deslocamentosextremos. Isso teria permitido a intrusão, nos níveis inferiores, de ferramentas depedra de assentamentos indígenas relativamente recentes que teriam existido acimados penhascos. Porém, pelas fotogra as e pelas observações de muitos outrosgeólogos, inclusiveWillis, pareceque a seqüêncianormalde leitosnabarranca emMiramarestavaintactanaslocalidadesondefizeramasdescobertas.

Na edição de 1957 de Fossil Men, disse Marcellin Boule que, após a descobertaoriginal do fêmur de toxodonte,Carlos Ameghino encontrou, na chapadmalalanaem Miramar, uma seção intacta da coluna vertebral de um toxodonte, na qualestavam encravadas duas pontas de projétil de pedra. Boule a rmou: “Essasdescobertas foram contestadas. Geólogos de con ança a rmaram que os objetosprovinham dos leitos superiores, os quais formavam o sítio de um paradeiro ouantigo assentamento indígena, e que foram encontrados recentemente no leitoterciário apenas como conseqüência de perturbações e alterações que aquele leitosofrera”.Nessecontexto,Boule,emnotadepédepágina,fezreferênciaapenasaorelatório de Romero de 1918! Boule não mencionou a comissão de quatrocompetentíssimosgeólogosquechegaramaumaconclusãoexatamenteopostaàdeRomero,talvezporque,naopiniãodele,elesnãoeramdecon ança.Contudo,tendoestudado a fundo as conclusões geológicas de Romero, particularmente em vistadaquelasdeBaileyWillisepesquisadoresmodernos, camosperplexoscomo fatodequeomesmoRomerodevasercaracterizadocomoconfiável.

Boule acrescentou: “Os dados arqueológicos corroboram essa conclusão, pois omesmo leito terciário produziu pedras decoradas e polidas, bolas e boladeras,idênticas àquelasusadascomomísseispelos índios”.BouledissequeEricBoman,um“excelenteetnógrafo”,documentaraessesfatos.

PoderiamsereshumanostervividoininterruptamentenaArgentinadesdeoterciáriosemmudar sua tecnologia?Epor quenão (especialmente se, conforme veri cadoporumacomissãodegeólogos,osinstrumentosforamencontradosinsituemleitosde antiguidade pliocena)? O fato de esses instrumentos serem idênticos àquelesusados por habitantes mais recentes da mesma região não representa obstáculo àaceitaçãodesuaidadeterciária.Modernospovostribaisdediversaspartesdomundomodelaminstrumentosdepedra indistinguíveisdosreconhecidoscomotendosidomanufaturados doismilhões de anos atrás.Alémdomais, em1921, encontraramum maxilar fóssil inteiramente humano na chapadmalalana em Miramar (vejaCapítulo7).

Em suas declarações sobre as descobertas de Miramar, Boule apresenta um casoclássicodepreconceitoeparcialidadedisfarçadosdeobjetividadecientí ca.Nolivrode Boule, todas as provas a favor da presença humana nas formações terciárias daArgentina foram descartadas com base em considerações teóricas e ignorando-seobservaçõescruciaisfeitasporcientistascompetentesquecalharamdemanterpontosde vista proibidos. Por exemplo: Boule nada disse acerca da supramencionadadescobertade ummaxilarhumanonachapadmalalanaemMiramar.Sendoassim,devemoster todocuidadoantesdeaceitarmos,comoapalavra nalemtermosde

paleantropologia,asdeclaraçõesexistentesemlivrosdidáticosfamosos.

Em geral, os cientistas que discordam de provas controvertidas adotam a mesmaabordagemqueBoule.Menciona-seumadescobertaexcepcional,declara-setersidoela contestada por algum tempo, e então cita-se uma autoridade (Romero, porexemplo)quesupostamenteresolveuoproblemadeumavezportodas.Noentanto,ao nos darmos ao trabalho de escavar o relatório que, como o de Romero,supostamentedesferiuogolpedemisericórdia,terminamospornãoconseguirobterumcasoconvincente.

O que era verdadeiro quanto ao relatório de Romero também o é quanto ao deBoman.Boule, como jávimos,proclamouBomancomoumexcelenteetnógrafo.Contudo,examinandoorelatóriodeBoman,omotivodojulgamentofavoráveldeBoule torna-se evidente. Em todo o seu ensaio, o qual atacava as teorias deFlorentinoAmeghinoeasdescobertasdeCarlosAmeghinoemMiramar,Boman,assumindo o papel de discípulo consciencioso, regularmente citava Boule comoautoridade. Como seria de esperar, Boman também citava bastante as maçantescríticas negativas de Hrdlicka à obra de Florentino Ameghino. Não obstante,Boman,adespeitodesuaatitudenegativa,inadvertidamenteconseguiudaralgumasdasmelhoresprovaspossíveisdapresençahumananaArgentinaduranteoPlioceno.

BomansuspeitavadefraudedapartedeLorenzoParodi,umcolecionadordemuseuque trabalhava paraCarlosAmeghino. Boman, porém, não tinha provas disso.OpróprioBomandisse:“Eunãotinhadireitonenhumdeexpressarqualquersuspeitaarespeito dele, porque Carlos Ameghino o elogiara muito, garantindo-me que setratavadepessoahonestaedignadecon ança”.MasBomanobservou:Quantoaofato de onde é possível obter objetos para introdução fraudulenta nos estratoschapadmalalanos,esseéumproblemaquepodeserresolvidofacilmente.Apoucosquilômetros das descobertas existe um paradeiro, um assentamento indígenaabandonado, exposto na superfície e relativamente moderno - com cerca dequatrocentros ou quinhentos anos de idade, onde há muitos objetos idênticosàquelesencontradosnosestratoschapadmalalanos.

Boman passou, então, a descrever sua própria visita ao sítio arqueológico deMiramar, em22denovembrode1920: “Parodihavia feitoum relatóriodeumabola de pedra, revelada pela arrebentação e ainda incrustada na barranca. CarlosAmeghinoconvidoudiversaspessoasparatestemunharemaextraçãodessaboleadeira,eeutambémestivelájuntamentecomodr.EstanislaoS.Zeballos,ex-ministrodasrelações exteriores; o dr. H. von Ihering, ex-diretor do Museu de São Paulo, noBrasil, e o dr. R. Lehmann-Nitsche, o famoso antropólogo”. Na barranca deMiramar, Boman cou convencido de que a informação geológica anteriormente

registradaporCarlos Ameghinoeraessencialmentecorreta.AadmissãodeBomancon rmanossaavaliaçãodequenãodevemosdarmuitacredibilidadeaospontosdevistacontráriosdeRomero.IssotambémpõeBouleemdescrédito,umavezqueelebaseou-seexclusivamenteemRomeroaotentareleprópriodescartaradescoberta,emMiramar,dofêmuredacolunavertebraldetoxodonte,ambosencravadoscompontasdelançadepedra.

“Quando chegamos ao ponto nal de nossa expedição”, escreveuBoman, “Parodimostrou-nosumobjetodepedraincrustadonumaseçãoperpendiculardabarranca,ondehaviaumaligeiraconcavidade,aparentementeproduzidapelaaçãodasondas.Esseobjetoapresentavaumasuperfícievisíveldeapenas2centímetrosdediâmetro.Parodi passou a remover um pouco da terra que o envolvia de modo a poderfotografá-Ioe, àquelaaltura,pôde-severqueoobjetoeraumaboladepedracomumaranhuraequatorial dotipoencontradoemboleadeiras.Tiraramfotogra asinsitu da bola, da barranca e das pessoas presentes, após o que a bola de pedra foiextraída.Tão presa estava à terra dura que foi necessário usar bastante força comferramentasdecorteafimdearrancá-Iadaliaospoucos”.

Emseguida,Bomancon rmouaposiçãodaboladepedra(Figura5.2ª),aqualfoiencontrada na barranca a cerca de 1 centímetro acima da areia da praia. Bomandeclarou:“Abarrancaconsisteemensenadananapartedecimaechapadmatalananapartedebaixo.Afronteiraentreosdoisníveisé,semdúvida,umpoucoconfusa[...]Qualquerquesejaela,parece-menãohaverdúvidanenhumadequeaboladepedrafoi encontrada nas camadas chapadmalalanas, as quais eram compactas ehomogêneas”.

Boman relatou, então, outra descoberta: “Posteriormente, sob minha orientação,Parodicontinuouaatacarabarrancacomumapicaretanomesmopontoondeforadescoberta a bola de pedra, quando, repentina e inesperadamente, apareceu umasegundabola10centímetrosabaixodaprimeira[...]Maispareceumapedramódoqueumabola.Essaferramenta(Figura5.2b)foiencontradaaumaprofundidadede10 centímetros da superfície dopenhasco”. SegundodisseBoman, ela estava gastapelouso.Umpoucomaistarde,BomaneParodidescobriramoutraboladepedra(Figura5.2c),a200metrosdasprimeirasecercade0,5metroabaixodabarranca.Arespeitodessa últimadescoberta emMiramar,Bomandisse “nãohaverdúvidadequeabolafoiarredondadapelamãodohomem”.

Noseuconjunto,ascircunstânciasdadescobertafavoreceram,emuito,umadatadePlioceno para as bolas de Miramar. Boman relatou: “Segundo a opinião do dr.Lehmann-Nitsche,asbolasdepedrapornósextraídasforamencontradasinsitu,sãocontemporâneasdo terrenochapadmalalanoenão foram introduzidasemnenhummomentoposterior.Odr.VonIheringémenoscategóricoaesserespeito.Quantoamim,possodeclararnãoterobservadosinalnenhumqueindicasseumaintroduçãoposterior. As bolas estavam rmemente no lugar no duríssimo terreno que asenvolvia,enãohaviasinaldeterhavidoqualquerperturbaçãodaterraqueascobria”.

Em seguida, Boman astutamente levantou a suspeita de fraude. Sugeriu diferentesformaspelasquaisParodipoderiaterplantadoasbolasdepedra.Emartelouumapontadelançadepedraparadentrodeumfêmurdetoxodonte,apenasparamostrarcomoParodi teria realizadoo forjamento.MasopróprioBomanacaboudizendo:

“Semdúvida,naanálise nal,nãoexistenenhumaprovaconclusivadefraude.Pelocontrário, muitas das circunstâncias depõem fortemente a favor de suaautenticidade”.

Édi cilentenderporqueBomanteriasidotãocéticoemrelaçãoaParodi.Poder-se-iaargumentarqueParodinãoiriaquererprejudicarseuseguroeduradouroempregocomocolecionadordemuseu,fabricandodescobertasfalsas.Dequalquermodo,osmuseólogos insistiam para que Parodi deixasse quaisquer objetos de indústriahumana no lugar para que fossem fotografados, examinados e removidos porperitos.Esseprocedimentoésuperioràqueleempregadoporcientistasenvolvidosemmuitas descobertas famosas, descobertas estas usadas para defender o atualmentereconhecido cenário da evolução humana. Por exemplo: amaioria das descobertasemrelaçãoaoHomoerectusregistradasporVonKoenigswaldemJavafoifeitaporescavadoresnativos,osquais,diferentementedeParodi,nãodeixaramos fósseis insitu, mas os enviaram em caixotes para Von Koenigswald. Este, por sua vez,costumavahospedar-seemlocaisdistantesdossítiosarqueológicos.Alémdomais,afamosaVênusdeWillendorf,umaestatuetaneolíticadaEuropa,foidescobertaporumoperáriode estrada. Éóbvioque, se fôssemosaplicaro extremoceticismodeBomanatodososcasos,poderíamoslevantarsuspeitasdefraudesobrequasetodasasdescobertaspaleantropológicasjáfeitas.

Ironicamente, o testemunho de Boman fornece, mesmo para os céticos, provasmuito contundentes da presença, na Argentina, de seres humanos fabricantes deferramentashátrêsmilhõesdeanos.Mesmoadmitindo,àguisadeargumento,queaprimeirabolarecolhidaduranteavisitadeBomanaMiramartivessesidoplantadapelo colecionador Parodi, como se podem explicar a segunda e a terceiradescobertas? Estas foram investigadas não pelo colecionador Parodi, mas pelopróprio Boman, no local e sem nenhum aviso. Signi cativamente, elas estavamcompletamente escondidasdavistade todos, eParodi sequer insinuoua existênciadelas.

Noconjunto,parecequeBoule,RomeroeBomanapresentarampoucasprovasparapôremdescréditoasdescobertasdeCarlosAmeghinoeoutrosnosítiodeMiramar.De fato,Bomandeu provas de primeira classe da existência de fazedores de bolapresentesalinoPlioceno.

Maisbolaseobjetossemelhantes

As bolas deMiramar são signi cativas pelo fato de indicarem a existênda de sereshumanos com um nível superior de cultura durante o Plioceno, e talvez mesmoantes,naAméricadoSul.InstrumentossemelhantestêmsidoencontradosnaÁfricaenaEuropaemformaçõesdoPlioceno.

Em1926, JohnBaxter,umdos assistentesde J.ReidMoir,descobriuumobjetoparticularmente interessante (Figura 5.3) em área subterrânea de Red Crag doPliocenoemBramford,pertodeIpswich,Inglaterra.

Moir não examinou o objeto com cuidado. Porém, três anos mais tarde, aquelemesmo objeto atraiu a atenção de Henri Breuil, que escreveu: Enquanto estivehospedadoemIpswichcommeuamigoJ.ReidMoir,examinávamosjuntosumagavetadeobjetosextraídosdabasedeRedCragemBramfordquandoJ.ReidMoirmostrou-meumsingularobjetoovaladoquehaviasidorecolhidoemvirtudedeseuformato incomum. Já à primeira vista, pareceu-me que o objeto apresentavaestriamentose facetasarti ciais, epor issoeuoexamineimaisdepertocomumalentedemineralogista(Figura5.4).

Esse exame provou queminha primeira impressão estava plenamente justi cada equeoobjetohaviasidomodeladopelamãodohomem.Breuilcomparouoobjetoàs “pedras de estilingue da Nova Caledônia”. Segundo Moir, diversos outrosarqueólogos concordaram com Breuil. As pedras de estilingue e as pedras-bolarepresentam um nível de so sticação tecnológica universalmente associado aomodernoHomo sapiens. Recordemo-nos de que o leito de detrito sobRedCragcontémfósseisesedimentosoriundosdesuper ciesdeterrahabitáveis,cujasidadesvariamdoPliocenoaoEoceno.Portanto,apedradeestilinguedeBramfordpoderiaterqualquercoisaemtornode2a55milhõesdeanosdeidade.

Em1956,G.H.R.vonKoenigswalddescreveualgunsartefatoshumanosdosníveisinferioresdosítionodes ladeiroOlduvai,naTanzânia,África.Entreelesincluía-se“uma série de pedras que foram lascadas até carem toscamente esféricas”. VonKoenigswald escreveu: Acredita-se que elas sejam uma forma extremamenteprimitiva de bola de arremesso. Bolas de pedra desse tipo ainda são usadas porcaçadoresnativosnaAméricadoSul.Sãoamarradasempequenasbolsasdecouro,duasoutrêsdasquaisligadasaumacordacomprida.Segurandoumabolanamão,ocaçadorgiraasoutrasaoredordesuacabeçaeentãoasfazvoar.

Osobjetos registradosporVonKoenigswald, seusadosdamesmamaneiraque asbolassul-americanas,dãoaentenderqueseusfabricanteseramadeptos,nãoapenasdoartesanatoempedra,comotambémdoartesanatoemcouro.

Tudoissotorna-seproblemático,contudo,quandoselevaemcontaqueoEstratoIemOlduvai,ondeencontraramasbolasdepedra,temde1,7a2milhõesdeanosdeidade. Segundo pontos de vista convencionais sobre a evolução humana, apenas o

AustralopithecuseoHomohabilisexistiriamnessaépoca.Nomomentoatual,nãohánenhumaprova contundentedequeoAustralopithecusutilizava ferramentas e,emgeral,nãoseachaqueoIlornohabilisfossecapazdeempregarumatecnologiatãoso sticadaquantoaquelarepresentadapelaspedras-bola,seéissomesmoqueosobjetosrealmentesão.

Maisumavez,vemo-nosemconfrontocomumasituaçãoqueexigeumasugestãoóbvia,porémproibida-talvezhouvessecriaturasdehabilidadehumanamodernaemOlduvaiduranteosprimórdiosdoPleistoceno.

Quem acha essa sugestão inacreditável sem dúvida responderá que não existemprovas fósseis para apoiar semelhante conclusão. Em termos das provas aceitasatualmente, comcerteza issoéumfato.Noentanto, seampliamosumpoucoosnossos horizontes, encontramos o esqueleto de Reck, inteiramente humano,recolhido do Estrato II superior, bem ali no des IadeiroOIduvai. E nãomuitodistante,emKanam,LouisLeakey, segundoumacomissãodecientistas,descobriuum maxilar inteiramente humano em sedimentos do Pleistoceno Inferior,equivalente em idade ao Estrato I. Mais recentemente, descobriram fêmureshumanóidesnaÁfricaoriental, emcontextosdoPleistoceno InferiorAprincípio,esses fêmures isolados foram atribuídos ao Homo habilis; porém, a descobertasubseqüentedoesqueleto relativamentecompletodeumindivíduo HomohabilismostrouqueaanatomiadoHomohabilis,inclusiveseufêmur,éumtantosimiesca.Isso abre a possibilidade de que fêmures humanóides, antes atribuídos aoHomohabilis, teriampertencidoasereshumanosanatomicamentemodernosqueviveramnaÁfricaorientalduranteoPleistocenoInferior.Seexpandirmosolequedenossapesquisa para outras partes do mundo, poderemos multiplicar o número deexemplosderestosfósseisinteiramentehumanosdoPleistocenoInferioredeantesainda.Aspedras-boladeOlduvaiparecemtambémestarinseridasnesecontexto.

Mas talvez os objetos não sejam bolas. Ante essa possibilidade, Mary Leakeyreplicou: “Apesar de não haver evidência direta de que esferóides fossem usadoscomobolas,atéomomentonãoseapresentounenhumaexplicaçãoalternativaquejusti que a quantidade dessas ferramentas e o fato de muitas delas terem sidocuidadosaeprecisamentemoldadas.Seaintençãoerausá-Iascomomerosmísseis,com pouca possibilidade de recuperá-las, parece improvável que tanto tempo ecuidadofossemempregadosemsuamanufatura”.MaryLeakeyacrescentou:“Ousodelascomopedras-bola,fortementedefendidoporL.S.B.Leakey,podemuitobemserainterpretaçãocorreta”.

LouisLeakeya rmavaterencontradoumaautênticaferramentadeossodomesmonívelqueaspedras-bola.Em1960,Leakeydisse:“Issopareceriaseralgumaespécie

deIissoirparatrabalharocouro.Logo,postulaummododevidamaisevoluídoparaosfabricantesdaculturaOldowandoqueamaioriadenósteriasuposto”.

Descobertasnorte-americanasrelativamenteavançadas

Examinaremos agora instrumentos paleolíticos anômalos relativamente avançados,oriundos da América do Norte, começando com aqueles encontrados emSheguiandah,Canadá, nailhaManitoulin,aonortedolagoHuron.Muitasdessasdescobertasnorte-americanasnão são antigas emparticular,mas são,nãoobstante,signi cativas porque nos ajudam a compreender como a arqueologia e apaleantropologia são por dentro. Conforme já vimos, a comunidade cientí casuprime dados que possam acarretar desconfortos para a imagem da evoluçãohumanaqueprevalecehoje emdia.Ficaremosconhecendo, também, revelaçõesdeoutrafacetasobreesseassunto-atristezaeaamargurapessoaisexperimentadasporcientistasquetêmoinfortúniodefazerdescobertasanômalas.

Sheguiandah:arqueologiacomoumavendetta

Entre1951e1955,omasE.Lee,antropólogodoMuseuNacionaldoCanadá,realizouescavaçõesemSheguiandah,nailhadeManitoulin,nolagoBuron.

Ascamadassuperioresdosítiocontinham,aumaprofundidadedeaproximadamente15centímetros(NívelIII)eumavariedadedepontasdeprojétil(Figura5.5).Leeasconsiderourecentes.

Escavações adicionais expuseram instrumentos (Figura 5.6) numa camada de tillglacial, um depósito de pedras formado pelo recuo das geleiras. Ficou parecendo,portanto, que sereshumanoshaviamvividonaáreaduranteouantesdaépocadaúltima glaciação norte-americana, a Wisconsin. Estudos subseqüentes mostraramhaver uma segunda camada de conglomerado, a qual também continhainstrumentos (Figura 5.7). Também descobriram instrumentos de pedra nascamadasabaixodosconglomerados.

Que idade tinhamas ferramentas?Trêsdosquatrogeólogosqueestudaramosítiopensaramqueasferramentaseramdaúltimaerainterglacial.IssoIhesconfeririaumaidadede75a125milanos.Finalmente,numadeclaraçãoconjunta,todososquatrogeólogosconcordaramqueaidade“mínima”seriadetrintamilanos.OpróprioLeecontinuouadefenderumaidadeinterglacialparaseusinstrumentos.

Posteriormente,umdosquatro geólogosoriginais, JohnSanford,daUniversidadeEstadualdeWayne,passouaapoiarLee.EleapresentouamplasprovasgeológicaseargumentossugerindoqueosítiodeSheguiandahremontavaaoperíodointerglacialSangamon ou à interfase St. Pierre, um quente interlúdio na primeira parte daglaciação Wisconsin. Porém, o ponto de vista defendido por Lee e Sanford nãorecebeuaconsideraçãosériadeoutroscientistas.

Lee recorda:Odescobridor do sítio (Lee) foi acossado de sua posição de servidorpublicoparaumasituaçãodedesempregoprolongado;adistribuiçãodepublicaçõesfoicancelada;asprovas foramdesvirtuadaspordiversosautorespreeminentesentreos intelectuais;as toneladasdeartefatos sumiramemcaixotesdearmazenagemdoMuseuNacionaldoCanadá;por se recusar ademitir odescobridor, oDiretordoMuseu Nacional (dr. Jacques Rousseau), que se propusera a publicar umamonogra a sobreosítioarqueológico, foidemitidoeexilado;posiçõeso ciaisdeprestígio e poder foram acionadas num esforço para conquistar o controle sobreapenasseisespécimesdeSheguiandahquenãohaviamsidoacobertadas;eosítiofoitransformado emponto turístico.Tudo isso semque os pro ssionais da área, emquatrolongosanos,sedessemaotrabalhodedarumaolhada,quandoaindahaviatempo para isso. Sheguiandah teria forçado admissões embaraçosas de que osintelectuaisnãosabiamdetudo.Teriaforçadoseriaprecisotrazermaisumalinhadetexto “fechar” amancha que se reescrevesse quase todo livro sobre o assunto. Eraprecisoeliminá-lo.Eofoi.

À custa de muita di culdade, Lee conseguiu que publicassem seus relatórios.Exprimindo sua frustração, escreveu: “Um editor nervoso ou tímido, com ossentidos agudamente a nados com o cheiro de perigo em relação à posição,segurança,reputaçãooucensura,apresentacópiasdeumartigosuspeitoaumoudois

consultores,osquaiseleconsideragabaritadosparafazeravaliaçõescon áveis.Elesolêem,outalvezapenasofolheiemembuscadealgumasfrasesescolhidasquepossamserdesa adasouusadascontraoautor(aopiniãodeleseraformadajádeantemão,combasenaquiloquese cavasabendoporrumoresoueracaptadonassalasdeestarenfumaçadasdasconferências-punhadosdefofocaquelhesdiziamseroautorumapessoa distante, indisciplinada, intocável). Em seguida, com algumas declaraçõescortantes, incontestadaseinteiramentenãocorroboradas,eles“matam”oartigo.Abeleza - e o vício - do sistema reside no fato de eles permanecerem eternamenteanônimos”.

A maioria dos relatórios-chave acerca de Sheguiandah foi publicada noAnthropological journal of Canada, que o próprio Lee fundou e editou. Após ofalecimentodeLee,em1982,ojornalfoieditadoporumbreveperíododetempoporRobertE.Lee,seufilho.

Evidentemente, os cientistas da elite instituída não têm conseguido de todo evitarmencionar Sheguiandah, porém, quando o fazem, tendem amenosprezar, ignoraroudesvirtuarqualquerevidênciadeumaidadeIncomumentegrandeparaosítio.

Robert, lho de Lee, escreveu: “Explicam erroneamente aos estudantes queSheguiandah é um exemplo de uxo de lama pós-glacial, e não do till gIacialWisconsin”.

Os relatórios originais, contudo, apresentam argumentos convincentes contra ahipótese do uxo de lama. Segundo escreveu o velho Lee,muitos geólogos “têmdeclaradoqueosdepósitosseriamporcertochamadosdetillgIacialnãofossepelapresençadeartefatosdentrodeles.Essatemsidoareaçãodequasetodososgeólogosem visita ao sítio”. E Sanford disse: “Talvez amelhor corroboração de que essesdepósitosdesordenadossejamumtlllglacialtenhasidoavisitadecercadequarentaou cinqüenta geólogos ao sítio em 1954, durante a expedição anual da SociedadeGeológicadaBaciadeMichigan.Naquelaépoca,abriu-seaescavaçãoepôde-severoconglomerado. Os sedimentos foram apresentados a esse grupo no campo comosendodepósitosdetill,enãohouvedissençãoexpressaemrelaçãoàexplicação.Porcerto,setivessehavidoalgummotivodedúvidaquantoànaturezadessesdepósitos,teriasidoexpressonaquelemomento”.

Seumaabordagemconsisteemnegarqueosdesordenadosdepósitosportadoresdeferramentassãotill,outraconsisteemexigiraltíssimosníveisdeprovadapresençahumananosítioàépocadesignada.JamesB.Griffin,antropólogodaUniversidadede Michigan, declarou: “Existe um grande número de localidades na América doNorteàsquaistem-seatribuídoconsiderávelantiguidade,comoáreashabitadasporíndiosprimitivos.Atémesmolivrosinteirostêmsidopublicadossobrenão-sítios”.

GriffinincluiuSheguiandahnacategoriadenão-sítio.

Segundo Griffin, um sítio propriamente dito precisa ter “um contexto geológiconitidamente identi cável [...] sem nenhuma possibilidade de intrusão ousedimentação secundária”. Insistia, também,queumsítiopropriamenteditodeveserestudadopordiversosgeólogosperitosnasformaçõesemparticularalipresentes,e que é preciso haver concordância substancial entre esses peritos. Além disso, éprecisohaver“umavariedadede formase fragmentosde ferramentas [...] restosdeanimais bem preservados [...] estudos de pólen [...]matériasmacrobotânicas [...]restosesqueletaishumanos”.Griffintambémfaziaquestãodedataçãopelométododeradiocarbonoeoutrosmétodos.

Seguindo esse padrão, praticamente nenhuma das localidades onde zeramimportantes descobertas paleantropológicas quali car-se-ia como sítio arqueológicogenuíno. Por exemplo: a maioria das descobertas africanas de Australopithecus,Homo habilis e Homo erectus tem ocorrido não em contextos geológicosnitidamenteidenti cáveis,masnasuperfícieouemdepósitosdecaverna,que,sabe-se, são di ceis de interpretar à luz da geologia. A maior parte das descobertas deHomo erectus de Java também ocorreu na superfície, em localidades malespecificadas.

ÉbastanteinteressanteobservarqueosítiodeSheguiandahparecesatisfazeramaioriados rígidos requisitos de Griffin. Encontraram instrumentos num contextogeológico mais nítido do que aquele de muitos sítios reconhecidos. Diversosgeólogos peritos em depósitos glaciais norte-americanos parecem ter realmenteadmitido,emcaráterconsensual,queosítiotinhamaisdetrintamilanos.Segundosugeriam as provas, não havia sedimentação ou intrusão secundárias. Encontraramuma variedade de tipos de ferramenta, zeram estudos de pólen e testes deradiocarbono,alémdeidentificaremapresençadematériamacrobotânica(turfa).

OsítiodeSheguiandahmerecemaisatençãodoquetemrecebidoatéomomento.Remontando ao tempo em que se tornou óbvio para T. E. Lee que estavamencontrando instrumentos depedra em till glacial, ele escreveu:Aessa altura,umhomemmaisprudenteteriaaterradoastrincheirasedesaparecidonacaladadanoite,sem dizer nada [...] De fato, enquanto visitava o sítio, certo antropólogopreeminente,apósexclamarcomdescrença‘Vocênãoestáachandonadaaíembaixo?’eouvirdochefedaescavação‘Claroquesim!Desçaaquievejacomseusprópriosolhos!’, instou-me a esquecer tudo sobre o que existia nos depósitos glaciais e aconcentrar-menamatériamaisrecentesobrejacenteaeles.

LewisvilleeTimlin:avendettacontinua

Em1958, em um sítio próximo a Lewisville,Texas, encontraram ferramentas depedraeossosqueimadosdeanimaispróximosalareiras.Maistarde,àmedidaqueaescavaçãoprosseguia,anunciaramdatasderadiocarbonodepelomenos38milanospara o carvão das lareiras. Aindamais tarde foi encontrada uma ponta de Clovis.HerbertAlexander, que era estudante graduado em arqueologiana época, recordacomo foi recebida essa seqüência de descobertas. “Em uma série de ocasiões”,declarou Alexander, “as opiniões expressas naquela época eram de que as lareiraseram feitas pelo homem e que eram válidas as associações faunísticas. Uma vezanunciadasasdatas,contudo,algumasopiniõessealterarame,apósencontraremapontadeClovis,oprocessodeselecionareignorarcomeçoudeverdade.Aquelesquehaviam anteriormente aceitado as lareiras e/ou associações faunísticas passaram aquestionarsuasmemórias.”EncontrarumapontadeClovisnumacamadade38milanosdeidadeeraalgoperturbador,porque,segundoosantropólogosortodoxos,asprimeiraspontasdeClovis datamdedozemil anos atrás,marcando a entradadehumanos na América do Norte. Alguns críticos responderam à descoberta deLewisville, alegando ter a ponta de Clovis sido plantada como um embuste.Segundooutros,asdatasderadiocarbonoestavamerradas.

Após mencionar uma série de casos semelhantes de descobertas ignoradas ouridicularizadas,Alexanderrecordouasugestãodeque,“pararesolverassuntosligadosaohomemprimitivo,embrevepoderemosprecisardosserviçosdeumadvogado”.Essatalveznãosejaumamáidéiaparaumcampodaciênciacomoaarqueologia,noqual opiniões determinam o status dos fatos, os quais se reduzem a redes deinterpretação. Pode ser que advogados e tribunais auxiliem os arqueólogos achegaremmenos acidentadamente ao consenso entre os acadêmicos, tido como averdade cientí ca nesse campo. Mas conforme observou Alexander, um sistemajudiciário exige um júri, e a primeira pergunta feita a um provável jurado é:“Chegouaalgumaconclusão sobreocaso?”Sãopouquíssimososarqueólogosquenão chegaram a uma conclusão sobre a data em que os humanos entraram naAméricadoNortepelaprimeiravez.

A idéia de que pontas de projétil do tipo Clovis representam as mais primitivasferramentasdoNovoMundoédesa adaporumaescavaçãonosítiodeTimlinnasmontanhas Catskill, Estado de Nova York. Em meados dos anos de 1970,ferramentas bastante semelhantes às acheuleanas superiores da Europa foram aliencontradas.NoVelhoMundo,asferramentasacheuleanascostumamseratribuídasao Homo erectus. No entanto, tal atribuição é incerta porque, em geral, não seencontram restos esqueletais nos sítios das ferramentas. Com base na geologiaglacial,asferramentasdeCatskillteriamsetentamilanosdeidade.

Hueyatlaco,México

Na década de 1960, so sticadas ferramentas de pedra (Figura 5.8), rivalizando omelhordos trabalhosdohomemdeCro-MagnonnaEuropa, foramescavadasporJuan Armenta Camacho e Cynthia Irwin-Williams em Hueyatlaco, perto deValsequillo, 120 quilômetros a sudeste da Cidade do México. Encontraramferramentas de pedra de natureza um tanto mais tosca no sítio de El Horno,próximodali.TantonosítiodeHueyatlacoquantonodeElHorno,a localizaçãoestratigrá cadosinstrumentosnãoparecesuscitardúvidas.Contudo,essesartefatosapresentam,defato,umacaracterísticamuitocontrovertida:umaequipedegeólogosquetrabalhavaparaoInstitutoAmericanodePesquisasGeológicasdeu-lhesidadesde cerca de 250 mil anos. Essa equipe, trabalhando sob concessão da FundaçãoNacionaldeCiência,consistiaemHaroldMaldeeVirginiaSteen-McIntyre,ambosdo Instituto Americano de Pesquisas Geológicas, e no falecido Roald Fryxell, daUniversidadeEstadualdeWashington.

Segundodisseramessesgeólogos,quatrométodosdistintosdedatação,aplicadosemdiferentes ocasiões, produziram idades incomumente grandes para os artefatosencontrados perto de Valsequillo. Foram os seguintes os métodos de dataçãoutilizados: por série de urânio, por rastreamento de ssão, por tefra-hidratação eestudododesgastemineral.

Comoseriade imaginar, adatadecercade250mil anosobtidaparaHueyatlacopela equipe de geólogos provocou bastante controvérsia. Se fosse aceita, teriarevolucionadonãosomenteaantropologiadoNovoMundo,mastambémtodooconceitode origemhumana. Segundoopensamento convencional, seres humanos

capazesde fazeras ferramentas so sticadasencontradasemHueyatlaconão teriamsurgidoantesdecercadecemmilanosatrásnaÁfrica.

Ao tentar publicar as conclusões de sua equipe, Virginia Steen-McIntyreexperimentou muitas pressões e obstáculos sociais. Em nota a um colega (10 dejulhode1976),eladeclarava:“Acabeidescobrindo,atravésdefofocasdebastidores,queHal,Roald e eu somos consideradosoportunistas ebuscadoresdepublicidadeemcertos círculos por causadeHueyatlaco, e ainda estoupadecendo asdoresdogolpe”.

ApublicaçãodeumensaiodeSteen-McIntyre e seus colegas sobreHueyatlaco foiinexplicavelmente adiada por anos a o.O ensaio, apresentado pela primeira veznuma conferência de antropologia em 1975, seria publicado mais tarde numacoletânea.Quatroanosmaistarde,Steen-McIntyreescreveuparaH.J.Fullbright,doLaboratório Cientí co deLosAlamos, umdos editores do livro eternamente noprelo:“NossoartigoconjuntosobreosítiodeHueyatlacoéumaverdadeirabomba.Colocaria o homem no Novo Mundo dez vezes mais cedo do que muitosarqueólogosgostariamdeacreditar.Eoqueépior,muitosachamqueasferramentasbifaciais encontradas in situ sejam um sinal deHomo sapiens. Segundo a teoriaatual, o Homo sapiens sequer evoluíra naquela época, e muito menos no NovoMundo”.

Steen-McIntyre prosseguiu, explicando: “Os arqueólogos estão em considerávelalvoroçoemtornodeHueyatlaco-elesserecusamasequerlevá-Ioemconsideração.Fiquei sabendo, por fontes indiretas, que diversos membros da minha áreapro ssional me consideram incompetente, mexeriqueira, oportunista, desonesta,idiota. Obviamente, nenhuma dessas opiniões tem ajudado minha reputaçãopro ssional!Minha única esperança de limparmeu nome é conseguir imprimir oartigo sobre Hueyatlaco de maneira que o povo possa julgar as provas por simesmo”.Steen-McIntyre,comonãorecebesserespostaaestaeoutrassolicitaçõesdeinformação,retirouoartigo.Porém,seumanuscritojamaislhefoidevolvido.

Um anomais tarde, Steen-McIntyre escreveu (8 de fevereiro de 1980) para StevePorter,editordeQuatemaryResearch,sobreapossibilidadedeimprimirseuartigosobre Hueyatlaco. “O manuscrito que eu gostaria de submeter à sua apreciaçãoapresentaasprovasgeológicas”,diziaela.“Eleébemclaroe,nãofossepelofatodeumasériedelivrosdidáticosdeantropologiaprecisaremserreescritos,nãoachoqueteríamos problemas em conquistar a aceitação dos arqueólogos. Sendo assim,nenhumjornaldeantropologiajamaisousarátocarnele.”StevePorterescreveuparaSteen-McIntyre (25 de fevereiro de 1980), respondendo que consideraria apossibilidadedepublicar o controvertido artigo.Porém,disse poder “muitobem

imaginarserumtantodifícilobtercríticasobjetivasdecertosarqueólogos”.Segundooprocedimentousualparaapublicaçãodeartigoscientí cos,oartigoemquestãoésubmetidoaocrivodediversosoutroscientistas,cujasidentidadesnãosãoreveladas.Nãoédifícilimaginarcomoumaarraigadaortodoxiacientí caconseguiamanipularesseprocessodemodoamanterinformaçõesindesejadasforadosjornaiscientíficos.

Em30demarçode1981,Steen-McIntyreescreveuparaEstellaLeopold,aeditoraassociadadeQuatemaryResearch:Oproblema,daformacomoovejo,ébemmaiordo que Hueyatlaco. Diz respeito à manipulação do pensamento cientí co porintermédio da supressão de ‘dados enigmáticos’, dados que desa am o modo depensar predominante. Hueyatlaco faz isso com certeza! Por não ser umaantropóloga,nãopercebitodooalcancedasdatasqueapuramosnosidosde1973;tampoucopercebiquãoprofundamentearraigadaemnossopensamentosetornaraaatualteoriadaevoluçãohumana.Muitosarqueólogostêmrejeitadonossotrabalhoem Hueyatlaco porque ele contradiz esta teoria, e pronto. O raciocínio deles écircular.OHomosapienssapiensevoluiucercadetrintaacinqüentamilanosatrásnaEurásia.Portanto,quaisquerferramentasdeHomosapienssapienscom250milanos de idade encontradas no México são impossíveis, porque o Homo sapienssapiensevoluiucercadetrintamil-[...]etc.Talformadepensarfavoreceaposturadearqueólogosconvencidos,masqueciênciaridícula!Por m,QuaternaryResearch(1981)publicouumartigodeVirginiaSteen-McIntyre,RoaldFryxelleHaroldE.Malde.Eledefendiaumaidadede250milanosparaosítiodeHueyatlaco.Sempreépossível,éclaro,levantarobjeçõesàsdatasarqueológicas,eCynthiaIrwin-Williamso fez numa carta em resposta a Steen-McIntyre, Fryxell e Malde. Suas objeçõesforamrespondidas,pontoaponto,numacarta-respostadeMaldeeSteen-McIntyre.Porém, Irwin-Williams não se aplacou. Ela e a comunidade arqueológica norte-americanaemgeralcontinuamarejeitaradataçãodeHueyatlacorealizadaporSteen-McIntyreeseuscolegas.

As descobertas anômalas feitas em Hueyatlaco resultaram em insultos pessoais epenalidades pro ssionais, incluindo suspensão de fundos e perda de emprego,instalaçõesereputação,nocasodeVirginiaSteen-McIntyre.OcasodeVirginiaabreumararajanelaparaosverdadeirosprocessossociaisdesupressãodedadosnocampodapaleantropologia,processosestesqueacarretambastanteconflitoeprejuízo.

Uma nota nal: nós próprios tentamos certa vez obter permissão para reproduzirfotografiasdosartefatosdeHueyatlaconumapublicação.Fomosinformadosdequeapermissãonosserianegadacasotencionássemosmencionaradatade250milanospropostapelos“extremistaslunáticos”.

SandiaCave,NovoMéxico

Em1975,VirginiaSteen-McIntyre cousabendodaexistênciadeoutrosítiocomumadataimpossivelmenteprecoceparaferramentasdepedranaAméricadoNorte-Sandia Cave, Novo México, Estados Unidos, onde os Instrumentos do tipoavançado (pontos de Folsom) foram descobertos embaixo de uma camada deestalagmiteconsideradacomotendo250milanosdeidade.UmadessasferramentasémostradanaFigura5.9.

Em carta a Henry P. Schwartz, o geólogo canadense que datara a estalagmite,VirginiaSteen-McIntyre escreveu (10de julhode1976): “Nãoconsigo lembrar sefoicomvocêouumdeseuscolegascomquemconverseinaConferênciadePenroseem 1975 (Mammoth Lakes, Califórnia). A pessoa com quem falei enquanto

esperávamosna ladoalmoçomencionouumadatadesériedeurânio,emrelaçãoàcamada de estalagmite acima dos artefatos em Sandia Cave, que o deixaradesconcertado-contrariavaviolentamenteahipóteseemgeralmantidaparaadatade ingresso do homem noNovoMundo.Quando elemencionou a data de umquartodemilhãodeanosoualgoporaí,euquasedeixeiminhabandejacair.Nãotantopelochoquecoma idade,masporqueessadatacoincidiatantocomasdatasquetemosapropósitodeumcontrovertidosítiodoHomemPrimitivonoMéxicoCentral [...] Desnecessário dizer que estou interessada em obter mais informaçõessobre sua data e sua opinião a respeito dela!” Segundo Steen-McIntyre, ela nãorecebeurespostaaessacarta.

ApósescreveraochefedosinvestigadoresarqueológicosnosítiodeSandiaparapedirinformaçõessobreadatação,Steen-McIntyrerecebeuaseguinteresposta(2dejulhode1976):“Esperoquevocêsóuseessa‘latadevermes’paraprovaralgoapóstermostidoaoportunidadedeavaliá-Ia”.

Steen-McIntyreenviou-nosalgunsrelatóriosefotosdosartefatosdeSandiaedisse,emnotaanexa:“Emboraosgeoquímicostenhamcertezadadatadessesartefatos,osarqueólogos convenceram-nos de que os artefatos e as lentes de carvão abaixo dotravertinosãoresultadodaatividadederoedores[...]Maseosartefatosacimentadosnacrosta?”

FerramentasneolíticasdaTerradoOuro,Califórnia

Em1849,descobriramouronoscascalhosdeantigos leitosde rionosdeclivesdasmontanhas de Sierra Nevada, na Califórnia central, o que atraiu multidões deaventureirosdesordeirosparalugarescomoBrandyCity,LastChance,LostCamp,YouBetePokerFlat.Aprincípio,mineirossolitáriosgarimparamembuscadelascasepepitasnoscascalhosquehaviamseassentadonaquelesleitosderio.Porém,logoas empresas de mineração de ouro passaram a utilizar recursos mais abrangentes,algumas delas introduzindopoçosnas encostasdasmontanhas, acompanhandooscaminhos dos depósitos de cascalho, ao passo que outras lavavam os cascalhosauríferosdasencostasdascolinascomjatosdeáguadealtapressão.Osmineradoresencontraram centenas de artefatos de pedra e, mais raramente, fósseis humanos(Capítulo 7). A descoberta dos artefatos mais signi cativos foi relatada àcomunidadecientíficaporJ.D.Whitney,oentãogeólogopúblicodaCalifórnia.

Osartefatos extraídosdedepósitos super ciais epormineraçãohidráulica eramdeidade duvidosa, mas os artefatos extraídos dos túneis e de poços de mineraçãoprofundaspuderamserdatadoscommaiscerteza.SegundoachavaJ.D.Whitney,aevidência geológica indicava que os cascalhos auríferos datavam pelo menos doPlioceno.Geólogosmodernos,porém,achamquealgunsdosdepósitosdecascalho

sãodoEoceno.

Muitos poços foram introduzidos na Table Mountain, em Tuolumne County,atravessando espessas camadas de ummaterial vulcânico basáltico, chamado latita,antes de atingir os cascalhos auríferos. Em alguns casos, os poços estendiam-sehorizontalmentepordezenasdemetrosabaixodacamadadelatita(Figura5.10).Asdescobertasoriundasdoscascalhoslogoacimadoleitoderocha rmepoderiamterde 33,2 a 55 milhões de anos, mas as descobertas oriundas de outros cascalhospodemterentre9e55milhõesdeanos.

Whitney examinou pessoalmente uma coleção de artefatos de Table Mountainpertencenteaodr.PerezSnell,deSonora,Califórnia.NacoleçãodeSnellincluíam-sepontasdelançaeoutrosinstrumentos.Nãohámuitainformaçãoarespeitodasdescobertas ou das posições estratigrá cas originais dos instrumentos. Havia,contudo,umaexceção.“Tratava-se”,escreveuWhitney,“deumamoletaoualgumtipodeutensílioqueaparentementehaviasidousadocomopedradeamolar”.Odr.SnellinformouWhitney“queeleapegoucomsuasprópriasmãosdeumacarroçade ‘refugo’ oriunda de debaixo de Table Mountain” . Na coleção do dr. Snelltambémhavia ummaxilar humano, inspecionado porWhitney. Essemaxilar foidado aodr. Snell pormineradores, que a rmavamprovirdos cascalhos abaixodolençoldelatitaemTableMountain,TuolumneCounty.

UmadescobertamaisbemdocumentadadamontanhadeTuolumneTablefoifeitapor AIbert G. Walton, um dos proprietários da concessão de Valentine. Waltonencontrou umpilãopedradecimolarde38centímetrosdediâmetroemcascalhosauríferos 54 metros abaixo da superfície, e também abaixo do lençol de latita.Signi cativamente, a descoberta do pilão ocorreu numa galeria, uma passagem

saindohorizontalmentedofundodoprincipalpoçosverticaldaminadeValentine.Isso tende a descartar a possibilidade de o pilão ter caído de um plano superior.TambémrecolheramumpedaçodefóssildecrâniohumanodaminadeValentine.

Segundo sugeriuWilliam J. Sinclair,muitosdos túneisde galeriadeoutrasminaspróximas ao poço de Valentine estavam interligados. Logo, talvez o pilão tivesseentradoporumdessesoutrostúneis.Porém,Sinclairadmitiuque,aovisitaraárea,em1902,sequerconseguiuencontrarospoçosdeValentine.Sinclairsófezvaler-sedesuasugestãonãocorroboradaparadescartarorelatóriodedescobertaapresentadopor Walton. Usando essa estratégia, poder-se-ia encontrar bons motivos paradescartarqualquerdescobertapaleantropológicafeitaatéhoje.

OutradescobertaemTableMountain,Tuolumne,foiregistradaporJamesCarvinem1871:“Declaroqueeu,abaixoassinado,extraíumamachadinhadepedra,noanode 1858, de algumas das concessões de mineração de propriedade da StanislausCompany, situadas emTable Mountain, Tuolumne County, defronte à estaçãoO’Byrn’s,norioStanislaus[...]Arelíquiaacimafoiencontradaa18ou22metrosda superfícieno cascalho, sobobasalto, e a cercade90metrosdabocado túnel.Tambémforamencontradosalgunspilões,porvoltadamesmaépocaenomesmolocal”, Em 1870, Oliver W. Stevens apresentou a seguinte declaração escrita,juramentadaeautenticada:“Eu,abaixoassinado,visitei,noanode1853,otúneldeSonora, situado emTableMountain, a cerca de 800metros ao norte e oeste deShaw’sFlat,enaquelaépocahaviaumcarregamentodecascalhoauríferoprovenientedocitadotúneldeSonora.Eeu,abaixoassinado,colhiumdentedemastodontedocitado cascalho (que vinha de debaixo do basalto e de dentro do túnel, àprofundidadedecercade35metros)[...]E,aomesmotempo,encontrei,comessedente,certarelíquiaqueseassemelhavaaumagrandecontadepedra,feitatalvezdealabastro”.Seémesmooriundadocascalho,acontatemnomínimonovemilhõesdeanose,nomáximo,55milhõesdeanos.

WilliamJ.Sinclairobjetou,alegandonãoseremascircunstânciasdadescobertaclaraso su ciente. No entanto, nos casos de muitas das descobertas já aceitas, ascircunstâncias da descoberta são semelhantes àquela da conta de mármore. Porexemplo: em Border Cave, na África do Sul, extraíram fósseis de Homo sapienssapiens de pilhas de rochas escavadas de minas alguns anos antes. A seguir,atribuíramdatasaos fósseisdecercadecemmilanos,principalmenteporcausadaligação deles com a rocha escavada. Se os rígidos padrões de Sinclair fossemaplicadosataisdescobertas,elastambémdeveriamtersidorejeitadas.

Em1870,LlewellynPiercedeuoseguintetestemunhoescrito:“Eu,abaixoassinado,apartirdestadata,deixoaoscuidadosdosr.C.D.Voy,paraserpreservadaemsua

coleção de antigas relíquias de pedra, um certo pilão de pedra, o qual foi, comcerteza,feitopormãoshumanas.Ocitadopilãofoiescavadopormim,duranteoanode1862,sobaTableMountain,emcascalho,aumaprofundidadedecercade60 metros da superfície, sob o basalto, o qual estava a mais de 18 metros deprofundidade e a uma distância de cerca de 540 metros da boca do túnel. AdescobertafoifeitanaconcessãodepropriedadedaBostonTunnelCompany”.Oscascalhosqueproduziramopilãotêmde33a55milhõesdeanosdeidade.

William J. Sinclair objetou, alegando ser o pilão feito de andesita, uma rochavulcânicanãoencontradacomumentenoscascalhosprofundosemTableMountain.Porém,segundorelatamosgeólogosmodernos,naregiãonortedeTableMountainexistem quatro sítios tão antigos quanto os cascalhos auríferos pré-vulcânicos,contendoestessítiosdepósitosdeandesita.Ospilõesdeandesitapoderiamtersidoum valioso artigo de permuta, e poderiam ter sido transportados por longasdistânciaspormeiodejangadasoubarcos,oumesmoapé.

SegundoSinclair,Pierceachououtroartefatocomopilão:“Mostraramaoescritoruma tabuinha oval de ardósia escura com um melão e uma folha entalhados embaixo-relevo[...]Essatabuinhanãomostrasinaisdedesgastepelocascalho.Todososarranhões sãodeformações recentes.Oentalhemostravestígiosmuitoevidentesdeumalâminadefacadeaço,tendosidoconcebidoeexecutadoporumartistadeconsiderávelhabilidade”.

Sinclair não disse exatamente o que o levou a concluir que a tabuinha havia sidoentalhadacomumalâminadeaço.Portanto,elepodeterseequivocadoquantoaotipodeinstrumentoquefoiutilizado.Dequalquermodo,atabuinhadeardósiafoimesmo descoberta, com o pilão, em cascalhos pré-vulcânicos, bem fundo sob olençoldelatitadeTuolumne,TableMountain.Dessemodo,aindaqueatabuinhamostredefatosinaisdeentalhefeitoscomumalâminadeaço,issonãosigni caqueela seja recente.Poder-se-ia, justi cavelmente,concluirqueoentalhe foi feitoporseres humanos de umnível relativamente alto de avanço cultural e com 33 a 55milhões de anos de idade. Sinclair também disse que a tabuinha não apresentavasinaisdedesgastepelocascalho.Mastalveznãotenhasidomovidaparamuitolongepelascorrentes uviais,permanecendo,portanto,semdesgaste.Outalvezatabuinhapudessetercaídonumdepósitodecascalhodeumcanalseco.

Em2deagostode1890,J.H.Nealeassinouaseguintedeclaraçãosobredescobertasfeitas por ele: “Em 1877, o sr. J. H. Neale era superintendente da MontezumaTunnel Company e supervisionava o túnel Montezuma que dava no cascalhosubjacenteàlavadeTableMountain,TuolumneCounty[...]Aumadistânciaentre420e450metrosdabocadotúnel,ouentre60e90metrosalémdamargemda

lavasólida,osr.Nealeviudiversaspontasdelança,deumaespéciederochaescuraecomcercade30centímetrosdecomprimento.Continuandocomaexploração,elepróprioencontrouumpequenogralde5ou6centímetrosdediâmetroedeformatoirregular.Issofoidescobertoaumadistânciade30ou60centímetrosdaspontasdelança. Em seguida, ele encontrou uma grande e bem delineadamão de almofariz,hojepropriedadedodr.R.I.Bromley,queestavapertodeumgralgrandeemuitoregular,tambémhojedepropriedadedodr.Bromley”.OgraleamãodealmofarizsãomostradosnaFigura5.11.

O documento de Neale prosseguia: “Todas essas relíquias foram encontradas [...]próximasao leitode rocha rme, talvezaumadistânciade30centímetros.Osr.Neale declara ser totalmente impossível que essas relíquias possam ter chegado àposição em que foram encontradas, excetuando-se à época em que o cascalhosedimentou-seeantesdaformaçãodolençoldelava.Nãohaviaomenorvestígiodequalquer perturbação da massa ou de qualquer ssura natural nela, cujo acessopudessetersidoobtidoouporalioupelavizinhança”.Aposiçãodosartefatosno

cascalhopróximoaoleitoderocha rmeemTuolumneTableMountainindicaqueelestinhamde33a55milhõesdeanosdeidade.

Em1898,WilliamH.Holmes decidiu entrevistarNeale e, em1899, publicou oseguinte resumodo testemunho deNeale: “Umdosmineradores, de saída para oalmoçoaomeio-dia,trouxeconsigo,atéoescritóriodosuperintendente,umgraldepedra eumaquebradamãode almofariz, os quais, segundodisse ele, haviam sidoescavadosnapartemaisprofundadotúnel,cercade450metrosdabocadamina.Osr.Nealeinstou-oaregressaraotrabalhoparaprocuraroutrosutensíliosnomesmolocale,paraasatisfaçãodesuasexpectativas,foramachadosdoisoutrosobjetos,umpequenogralovóide,com12ou15centímetrosdediâmetro,eumpratooupilãoachatado,com17ou20centímetrosdediâmetro.Essesartigosforamdadoscomoperdidos. Em outra ocasião, diversas lâminas obsidianas, ou pontas de lança,somandoonzeeemmédiacom25centímetrosdecomprimento,foram-lhetrazidasporoperáriosdamina”.

Os relatosdiferem.A respeitodeNeale,disseHolmes: “Ao conversar comigo, elenãoa rmouterestadonaminaquandodasdescobertas”.Poder-se-iainterpretarissocomo signi cando queNealementira em sua declaração original. No entanto, asrecém-citadas passagens de Holmes não são as palavras de Neale, mas sim deHolmes, que disse: “As declarações dele (de Neale), anotadas em meu cadernoduranteelogoapósaentrevista,foramcomreferênciaaoseguinte[...]”.Édiscutívelse devemos con ar mais no sumário indireto feito por Holmes das palavras deNeale do que no próprio documento juramentado e assinado por Neale.Signi cativamente, não temos con rmação do próprioNeale de que a versão deHolmesdaconversadosdoisestavacorreta.

UmaentrevistasubseqüentecomNeale, levadaaefeitoporWilliamJ.Sinclairem1902, indica por certo que Holmes pode ter se equivocado, Resumindo asobservaçõesdeNeale,Sinclairescreveu:“Certomineiro(Joe),trabalhandonoturnodiurnonotúnelMontezuma,apareceucomumpratooutravessadepedracomcercade5centímetrosdeespessura.Joefoisolicitadoaprocurarmaisobjetosnomesmolugar[...]Osr.Nealetrabalhouatéoturnonoturnoe,escavandoa mdeinstalarumvigamento,‘pescou’umadaspontasdelançaobsidianas.Comexceçãodaqueletrazido por Joe, todos os instrumentos foram encontrados pessoalmente pelo sr.Neale, de uma só vez, num espaço com cerca de 1,80 metro de diâmetro namargemdocanal.Osinstrumentosestavamdentrodocascalhoepertodoleitoderocha rme, estando misturados com uma substância parecida com o carvão”.Pesandodevidamentetodootestemunho,parecequeopróprioNealeingressounaminaeencontrouinstrumentosdepedraembutidosnocascalho.

Sobre as pontas de lança obsidianas encontradas por Neale, disse Holmes: “Dequandoemquando,encontravamlâminasobsidianasdepadrãoidênticocomrestosdeescavaçãoindígenanascovasfúnebresdaregião.Conclui-se,apartirdessesfatos,queosinstrumentostrazidosparaosr.Nealehaviamsidoobtidospelosmineirosdeum dos cemitérios da redondeza”. Porém, Holmes não conseguiu apresentarnenhumaprovadequeosmineiros tivessemrealmenteobtidoas lâminasdecovasfúnebres.

Holmes simplesmentedeclarou: “Comoas onze grandespontasde lança forampararnamina,ouserealmenteprovinhamdamina-estassãoperguntasquenãomearrogoresponder”.

UsandoosmétodosdeHolmes,poderíamospôremdescréditoqualquerdescobertapaleantropológica feita até hoje: bastaria recusarmo-nos a acredilar nas provasregistradas e apresentarmos toda espécie de explicações alternativas vagas, semresponderaperguntasautênticassobreelas.

Holmes prossegue escrevendo sobre os instrumentos: “Parece-me bastanteimprovável que sejam oriundos do leito de uma torrente terciária, pois comopoderiamonzeinstrumentosdelgadoseparecidoscomfolhaspermaneceragrupadosnessascondições;comopoderiamfrágeislâminasdevidrosuportaracompressãoeoimpacto de um leito de torrente; ou como poderiam tantas Iâminas frágeispermanecer intactas sob a agitação do trabalho de mineração num túnel escuro?”Porém, podemos imaginar muitas circunstâncias em que um conjunto deinstrumentos poderia ter permanecido intacto no leito de um riacho terciário.Suponhamosque,noterciário,umgrupo demercadores,aoatravessarounavegarrioabaixo,percacertaquantidadedelâminasobsidianasembrulhadasasalvoemumpano.ÉbempossívelqueopacotedelâminastenhasidorapidamentecobertopelocascalhonumacovaprofundadoleitodorioealipermanecidorelativamenteintactoatéserrecuperadodezenasdemiIhõesdeanosmaistarde.Quantoacomopoderiamos instrumentos ter permanecido intactos à medida que eram descobertos, issotambémnãorepresentaumadi culdade insuperável. Tão logosoubedas lâminas,Neale pode ter tido cautela su ciente, e aparentemente o teve, em preservar osinstrumentosobsidianosintactos.Talvezeletenhaatéquebradoalgunsdeles.

Num ensaio lido perante a Sociedade Geológica Americana em 1891, o geólogoGeorge F. Becker disse: “Ter-me-ia sido mais satisfatório se eu próprio tivesseescavado esses instrumentos, mas não consigo achar nenhuma razão pela qual adeclaraçãodo sr.Nealenão seja exatamenteumaprova tãoboaparao restantedomundoquanto aminhao seria.Ele foi tãocompetentequantoeu teria sidoparadetectar qualquer ssura da superfície ou quaisquer obras antigas, que o mineiro

reconhece num instante e teme profundamente. Alguém poderia sugerir que osoperários do sr. Neale ‘plantaram’ os instrumentos, mas ninguém que estejafamiliarizadocomassuntos ligadosàmineraçãoacalentarásemelhantesugestãopormuito tempo [...]O cascalho aurífero é difícil de ser explorado, exigindomuitasvezesdinamitação,logo,nemmesmoumsupervisormuitoincompetentesedeixariaenganar dessa maneira [...] Em suma, em minha opinião, não há escapatória daconclusãodequeosinstrumentosmencionadosnadeclaraçãodosr.Nealetenhamocorridodefatopertodofundodoscascalhos,equesesedimentaramondeforamencontradosaomesmotempocomosseixoseamassarochosaadjacentes”.

Emboraasferramentasanalisadasatéaquitenhamsidoachadaspormineradores,háocasodeumaferramentadepedraencontradanolocalporumcientista.Em1891,George F. Becker relatou à SociedadeGeológica Americana que, na primavera de1869,ogeólogoClarenceKing,diretordoDepartamentodePesquisadoParaleloQuarenta, realizavapesquisas emTuolumneTableMountain.Naquela época, eleencontrou um pilão de pedra rmemente encravado num depósito de cascalhoauríferosituadoabaixodolençoldebasalto,oulatita.Apenasrecentementeéqueodepósitode cascalhohavia sido expostopela erosão.Becker declarou: “O sr.Kingtemtodaccrtczadequeesseinstrumentoestavanolocalequeformavaumaparteoriginal dos cascalhos emque ele o encontrou.Édifícil imaginarumaprovamaissatisfatóriadoque essadaocorrênciade instrumentosnoscascalhosauríferos,pré-glaciaisesub-basálticos”.PoressadescriçãoesegundoadataçãogeológicamodernadosestratosdeTableMountain, caclaroqueoobjetotinhamaisdenovemilhõesdeanos.

OpróprioHolmesfoiobrigadoaadmitirqueopilãodeKing,Incluídonacoleçãoda Smithsonian Institution, “não pode ser acusado de impunidade”. Holmesinvestigou o sítio combastante cuidado e observou apresençade algumaspedrasindígenasmodernasdemoersoltasnasuperfície.Eledeclarou:“Procureidescobrirseerapossível queumdessesobjetospudesse ter seencravadonosdepósitosde tufocalcário expostos em época recente ou comparativamente recente, pois semelhanteincrustação resulta às vezes da re xação ou da recimentação de matérias soltas,porém, não obtive nenhum resultado de nitivo”. SeHolmes tivesse encontrado amenor prova categórica de semelhante resedimentação, ele teria se aproveitado daoportunidadeparalançarsuspeitasobreopilãodescobertoporKing.

Incapaz,contudo,deencontrarqualquercoisaquepusesseemdescréditoorelatório,Holmeslimitou-seaponderar“queosr.Kingdeixoudepublicá-Io,queeledeixoude dar ao mundo o que poderia muito bem ser considerada a observação maisimportantejáfeitaporumgeólogoemrelaçãoàhistóriadaraçahumana,deixando

queocitadorelatóriofossepublicadoporintermédiododr.Becker,25anosmaistarde”.Becker,porém,observouemseurelatório:“Essadeclaraçãodadescobertadosr.Kingfoisubmetidaaocrivodoprópriosr.King,queaaprovounaíntegra”.

J.D.Whitneytambémregistroudescobertas feitas sobcamadasvulcâninas intactasem outros locais que não sob o lençol de latita deTuolumneTable Mountain.Entre essas descobertas havia ferramentas de pedra enconI radas em cascalhosauríferosemSanAndreas,CalaverasCounty;SpanishCrcek,ElDoradoCounty,eemCheroke,ButteCounty.

Preconceitosevolucionários

Levandoemconsideraçãoasprovasqueapresentamos,édifícil justi caraoposiçãosustentada por Holmes e Sinclair às descobertas da Califórnia. Eles não acharamnenhumaprovadefraude,esuassugestõesdequeosíndiospoderiamterlevadogralsportáteis e pontas de lança para dentro das minas não são muito críveis. Umhistoriador moderno, W.Turrentine Jackson, da Universidade da Califórnia emDavis, observa: “Durante a era da corrida do ouro, os índios foram afastados daregiãodemineração,sendoraroelesentrarememcontatocomosaventureirosdessaárea”.

Poder-se-ia, portanto, perguntar por que Holmes e Sinclair estavam tãodeterminadosapôremdescréditoasprovasdeWhitneydaexistênciadehumanosterciários.AseguintedeclaraçãodeHolmesfornece-nosumapistaessencial:“TalvezseoprofessorWhitneytivesseavaliadointeiramenteahistóriadaevoluçãohumanatalcomoéentendidahoje,eleteriahesitadoemanunciarasconclusõesformuladas,nãoobstanteoimponenteroldetestemunhoscomoqualsedeparou”.Emoutraspalavras, seos fatosnãocorrespondemàteoria favorecida,esses fatos,mesmoquesejaumimponenteroldeles,devemserdesconsiderados.

Não é di cil entender por que um defensor da idéia da evolução humana, comoHolmes, teria interesse em fazer todo o possível para pôr em descrédito ainformação que projeta a existência dos humanos sob sua forma atual para umpassado muito remoto. Por que Holmes se sentiu tão con ante ao fazê-Io? Ummotivofoiadescoberta, em1891, feitaporEugeneDubois,doHomemdeJava(Pithecanthropuserectus),saudadocomootãoesperadoeloperdidovinculandooshumanosmodernosàscriaturassimiescassupostamenteancestrais.Holmesdeclarouque“asprovasdeWhitney sãopraticamente asúnicas”, eque “elas implicamumaraça humana com pelo menos mais de metade da idade atribuída aoPithecanthropus erectus de Dubois, a qual poderia ser considerada uma formaincipiente de criatura humana, e nada mais”. Para aqueles que aceitaram ocontrovertido Homem de Java (Capítulo 8), qualquer evidência sugerindo que o

tipohumanomodernoexistiuantesdeleprecisavasereliminada,eHolmesfoiumdos principais “eliminadores”, A respeito das descobertas da Califórnia, Holmesdeclarou:“Éprovávelque,semreforçopositivo,aevidênciaaospoucosperderiasuaforça e desapareceria, porém, a ciência não pode se dar ao luxo de aguardar esseenfadonho processo de seleção, e se faz necessário tentar algo para apressar umadecisão”. Holmes, Sinclair e outros zeram a sua parte, valendo-se de táticasquestionáveis.

AlfredRussellWallace,quecompartilhacomDarwinocréditoporterformuladoateoria da evolução por seleção natural, expressou consternação pelo fato de queprovasdaexistênciadehumanosanatomicamentemodernosnoterciáriotendessemaser“atacadascomtodasasarmasdadúvida,daacusaçãoedoridículo”.

Em investigaçãopormenorizadadasprovasdagrandeantiguidadedoshumanosnaAméricadoNorte,WallacedeupesoconsiderávelaoregistrofeitoporWhitneydasdescobertas, na Califórnia, de fósseis humanos e artefatos de pedra do terciário.Tendoemmenteaincredulidadecomaqualeramrecebidas,entrecertoscírculosdecientistas, as descobertas em cascalho aurífero e outras do gênero, Wallacc.’recomendouque“aformacorretadetratarprovasquantoàantiguidadedohomemseria registrá-las e admiti-las provisoriamente onde quer que fosse consideradoadequadonocasodeoutrosanimais;enão,comocostumaacontecerhoje, ignorá-Ias, achando-as indignas de aceitação, ou sujeitar seus descobridores a acusaçõesindiscriminadasdeseremimpostoresouvítimasdeimpostores”,Contudo,noiníciodoséculoXX,oclimaintelectualfavoreceuospontosdevistadeHolmeseSinclair.Instrumentos de pedra terciários iguais àqueles de humanos modernos? Logotornou-sedesconfortávelregistrar,ultrapassadodefendereconvenienteesqueceressascoisas,Taispontosdevistapermanecememvigorhoje,tantoqueasdescobertasquedesa em, mesmo que ligeiramente, os pontos de vista dominantes sobre a pré-históriahumana,sãoefetivamentesuprimidas.

6.EvidênciadeculturaavançadaemerasdistantesAté este ponto, amaior parte das provas examinadas nos dá a impressão de que,mesmo se existissem humanos realmente no passado distante, eles permaneceriamnum nível um tanto primitivo de avanço cultural e tecnológico. Poder-se-ia,inclusive, fazer a seguinte pergunta: Se os humanos tiveram muito tempo paraaperfeiçoar suas habilidades, por que, então, não encontramos artefatos antigosindicativos de uma civilização avançada? Em 1863, Charles Lyell expressou essadúvida em seu livro Antiquity of man: “em vez das mais toscas ferramentas depederneira ou peças de cerâmica [...] deveríamos agora estar encontrando formasesculpidas, superando em beleza as obras-primas de Fídias ou Praxíteles; linhas de

estradas de ferro enterradas ou telégrafos elétricos, a partir dos quais osmelhoresengenheiros de nossa época obteriam dicas valiosas; instrumentos astronômicos emicroscópios de construção mais avançada do que qualquer um conhecido naEuropa;eoutrasindicaçõesdeperfeiçãonasartesenasciências”.Osrelatosaseguirnãoestão inteiramenteàalturadessepadrão,masalguns dosobjetosdescritosdãorealmentepistasdeconquistasinesperadas.

Nãoapenassãoalgunsdosobjetosinegavelmentemaisavançadosqueasferramentasde pedra, como muitos também ocorrem em contextos geológicos muito maisantigosdoqueosexaminadosatéaqui.

Osrelatosdessaevidênciaextraordináriaemanam,comalgumasexceções,defontesnãocientí cas.Emuitasvezesosprópriosartefatos,nãotendosidopreservadosemconvencionaismuseusdehistórianatural,nãopodemserlocalizados.

Nósmesmosnãotemoscertezadograudeimportânciaquesedeveriaatribuiraessaevidênciaaltamenteanômala.Porém, incluimo-naemnomeda totalidadeea mdeincentivarestudosmaisextensos.

Neste capítulo, incluímos apenas uma amostra domaterial publicado e que está ànossa disposição. E dados o registro irregular e a preservação infreqüente dessasdescobertastãoanômalas,éprovávelqueoconjuntointeiroderelatoshojeexistenterepresente tão-somente uma pequena fração do número total de semelhantesdescobertasfeitasnosúltimosdoisséculos.

ArtefatosdeAix-en-Provence,França

EmseulivroMineralogy,oCondeBournonrelatouumaintrigantedescobertaquehaviasidofeitaporoperáriosfrancesesnoúltimoquartodoséculoXVIII.Emsuadescrição dos detalhes sobre a descoberta, Bournon escreveu: Durante os anos de1786,1787e1788,elesestavamocupadospertodeAix-en-Provence,naFrança,emextrairpedraparaareconstrução,emgrandeescala,doPaláciodaJustiça.Apedraemquestãoeraumcalcáriocinzacarregado,edaquelaespéciedepedrasquesãotenrasaoserem tiradas da pedreira,mas que endurecem quando expostas ao ar.Os estratosseparavam-seunsdosoutrosporum leitodeareiamisturadacomargila, maisoumenoscalcáreo.Osprimeirosa seremtrabalhadosnãoapresentavamnenhumsinalde algum corpo estranho, porém, após os operários terem removido os dezprimeiros veios, caram espantados, enquanto extraíam o décimo primeiro, aoencontrarem sua super cie inferior, a uma profundidade de 12 ou 15 metros,cobertadeconchas,Tendosidoremovidaapedradesseveio,enquantoextraíamumestratodeareiaargilácea,queseparavaodécimoprimeiroveiododécimosegundo,elesencontraramtocosdecolunasefragmentosdepedrameiotrabalhada,eapedra

era semelhante àquela da pedreira: encontraram, além disso, moedas, cabos demarteloseoutrasferramentasoufragmentosdeferramentasemmadeira.Masoquemaischamouaatençãodelesfoiumatábuadecercade3centímetrosdeespessurae2ou2,5centímetrosdecomprimento;elaestavaquebradaemmuitospedaços,dosquais não faltava um sequer, e foi possível reuni-Ios uns aos outros e restaurar aformaoriginalda tábua ouplaca,queeradomesmotipodas tábuasusadaspelospedreiros:estavadesgastadadamesmamaneira,arredondadaeonduladanasbordas.

Continuando sua descrlção, o Conde Bournon declarou: “As pedras que estavamcompletaouparcialmentetrabalhadasnãotinhamabsolutamentesealteradoemsuanatureza,masosfragmentosdatábua,eosinstrumentos,epedaçosdeinstrumentosde madeira, haviam sido transformados em ágata, a qual era muito requintada eagradavelmente colorida.Temos aqui os vestígios de um trabalho executado pelamãodohomem,colocadoaumaprofundidadede15metros,ecobertocomonzeveios de calcário compacto: tudo tendia a provar que esse trabalho havia sidoexecutadono localondeexistiamosvestígios.Sendoassim,apresençadohomemprecedera a formação dessa pedra, emuito notavelmente, uma vez que ele haviaatingidotalgraudecivilização,eletinhaconhecimentodasartes,trabalhandoapedraeformandocolunasapartirdessetrabalho”.

EssaspassagensapareceramnoAmericanJournalofScienceem1820;hoje,contudo,ébastanteimprovávelquesemelhanteregistrofosseencontradonaspáginasdeumjornalcientífico.Oscientistassimplesmentenãolevamtaisdescobertasasério.

Letrasemblocodemármore,Filadélfia

Em1830,formasparecidascomletrasforamdescobertasdentrodeumblocosólidodemármoredeumapedreiraa19quilômetrosanoroestedaFiladél a.Oblocodemármorefoitiradodeumaprofundidadeentre18a21metros.Issofoiregistradono American Journal of Science em 1831. Os operários da pedreira removeramcamadasdegnaisse,ardósiademica,hornblenda,ardósiatalcosaeardósiaprimitivade argila antes de chegarem à camada da qual foi cortado o bloco contendo asformasparecidascomletras.

Enquanto serravam o bloco, os operários repararam numa endentação retangular,com cerca de 9 centímetros de largura por 4 centímetros de altura, apresentandodoiscaracteresemrelevo(Figura6.1).Diversoscavalheirosrespeitáveisoriundosdavizinha cidade de Norristown, Pensilvânia, foram chamados até o local einspecionaramoobjeto.Édifícilexplicaraformaçãodoscaracterescomoprodutosdeprocessosfísicosnaturais.Issosugerequeoscaracteresforamfeitosporhumanosinteligentesdopassadodistante.

Pregoemarenitodevônico,Escócia

Em 1844, Sir David Brewster relatou a descoberta de um prego rmementeincrustadonumblocodearenitodaPedreiraKingoodie(Myln eld),naEscócia.Odr.A.W.Medd,doInstitutoBritânicodePesquisasGeológicas,escreveu-nosem1985queessearenitoéde“idadedoAntigoArenitoInferiorVermelho”(devônico,entre360e408milhõesdeanos).Brewstereraumfamosofísicoescocês.Foiumdos fundadores da Associação Britânica para o Avanço da Ciência, tendo feitoimportantesdescobertasnocampodaÓptica.

EmseurelatórioàAssociaçãoBritânicaparaoAvançodaCiência,declarouBrewster:“ApedradapedreiradeKingoodieconsisteemcamadasalternadasdepedraduraedeuma substância argilosamacia chamada ‘till’ (conglomerado argilosodeorigemglaciária);as adasdepedravariamemespessurade13centímetrosatémaisde1,80metro.Oblocoemparticularnoqualencontraramopregotinha20centímetrosdeespessurae,noprocessodeprepararoblocobrutoparapolimento,encontraramaponta do prego projetando-se cerca de 1,5 centímetro (bastante comida pelaferrugem)parao‘till’,comorestodomesmopregojazendoaolongodasuperfídl’dapedranumaextensãode2,5centímetrosatéacabeça,quepenetravaocorpoda

pedra”.O fato de a cabeça do prego estar enterrada no bloco de arenito pareceriadescartar a possibilidade de o prego ter sido martelado no bloco após ter sidoextraído.

Cordãodeouroempedracarbonífera,Inglaterra

Em22 de junho de 1844, puhllcaram esta curiosa notícia noTimes de Londres:“Poucos dias atrás, enquanto alguns operários trabalhavam para extrair uma rochapróxima ao Tweed, a cerca de 400 metros abaixo do moinho de Rutherford,descobriramumcordãodeouro incrustadonapedra aumaprofundidadede2,40metros”. O dr. A. W. Medd, do Instituto Britânico de Pesquisas Geológicas,escreveu-nosem1985queestapedraédaeradoCarboníferoPrimitivo(entre320e360milhõesdeanos).

Vasometálicoderochapré-cambrianaemDorchester,Massachusetts

Orelatórioaseguir,intitulado“Relíquiadeumaeraantiga”,foipublicadonarevistaScienti cAmerican(5dejunhode1852):Poucosdiasatrás,dinamitaramarochaemMeetingHouseHill,emDorchester,uns15metrosaosuldacasadereuniõesdoReverendoHall.Aexplosãoexpeliuuma imensamassade rocha, comalguns dospedaços pesando algumas toneladas, e espalhou fragmentos em todas as direções.Entreessesfragmentosfoiencontradoumvasometálicoemduaspartes,separadaspelaexplosão.Aojuntarem-seasduaspartes,formou-seumvasocampanular,com10centímetrosdealtura,16centímetrosnabase,6centímetrosnotopoecercade0,80centímetrodeespessura.Ocorpodessevasotemcorparecidacomadozinco,ou de um metal composto, havendo nele uma considerável porção de prata. Nalateralháseis guras,ouuma or,oubuquê,belamenteincrustadocompratapurae,aoredordaparteinferiordovaso,háumavinha,ougrinalda,tambémincrustadacomprata.Agravação,oentalheeaincrustaçãosãofeitoscomorequintedaartedealgumhábilartesão.Essevasocuriosoedesconhecidofoiextraídopeladinamitaçãodamassa sólida de pedra, 4,50metros abaixo da superfície. Encontra-se agora empossedosr.JohnKettell.Odr.J.V.C.Smith,quehápoucoviajoupeloOriente,tendo examinado centenas de curiosos utensílios domésticos e detendo desenhosdessesutensílios,a rmajamaistervistoalgoparecido.Elefezumdesenhoetirouasmedidasdovasoa mdeseremsubmetidosa testescientí cos.Nãohádúvidadeque essa curiosidade tenha sido expelida para fora da rocha, conforme a rmamosantes,maspoderáoprofessorAgassiz,oualgumoutrocientista,nosexplicarcomoelafoipararali?Trata-sedeassuntodignodeinvestigação,vistonãohaversinaldefraudenocaso.

Os editores da Scienti c American ironicamente observaram:O texto acima é doTranscriptdeBoston, eoquenos intriga é comopode suporoTranscriptqueo

professorAgassizémaisquali cadodoqueJohnDoyle,oferreiro,paranosexplicarcomoo talobjetoapareceuali.Não se tratadeassuntoque interesse à zoologia, àbotânica ou à geologia, senão que algo relativo a um antigo vaso demetal, feitotalvezporTubalCain,oprimeirohabitantedeDorchester.

Segundo um recentemapa norte-americano de levantamento geológico da área deBoston-Dorchester, amassadepedra,hoje chamadao conglomeradodeRoxbury,tem idade pré-cambriana, com mais de 600 milhões de anos. Pelos relatosconvencionais, a vida apenas começava a se formar neste planeta durante o Pré-cambriano.Contudo,ajulgarpelovasodeDorchester,temosevidênciaindicandoapresençadeartesãosemmetalnaAméricadoNortemaisde seiscentosmilhõesdeanosantesdeLeifErikson.

Umaboladegizterciáriadelaon,França

Naediçãodeabrilde1862deeGeologist,constavaumatraduçãoparaoinglêsde um intrigante relato de Maximilien Melleville, vice-presidente da SociedadeAcadêmicadeLaon,França.Emseurelato,Mellevilledescreviaumabolaredondadegiz(Figura6.2)descoberta75metrosabaixodasuperfícieemestratosdelinhitadocomeçodoterciário,pertodeLaon.

A linhita (às vezes chamada resíduo mineral) é um carvão marrom e macio. OsestratosdelinhitaemMontaigu,pertodeLaon,jazemaopédeumacolinaeforamexplorados com poços horizontais. O poço principal penetrava 600 metros paradentrodeumestratodelinhita.

Emagostode1861,operáriosescavandonaextremidadedopoço,68metrosabaixoda superfície da colina, viram um objeto redondo cair do topo da escavação. Oobjetotinhacercade6centímetrosdediâmetroepesava310gramas.

Melleville a rmou: “Procuraramo lugar exatonos estratos ocupadopelo objeto e

foram capazes de declarar que ele não provinha do interior do ‘resíduominera!’,senão que estava incrustado, em seu ponto de contato, no teto da pedreira, ondedeixarasuaimpressãorecortada”.Osoperárioslevaramaboladegizparaumcertodr.Lejeune,queinformouMellevilledoacontecido.

EntãoMellevilledeclarou:“Bemantesdadescoberta,osoperáriosmehaviamditoquemuitasvezesjátinhamencontradopedaçosdemadeiratransformadosempedra[...]apresentandomarcasdeobrahumana.Muitomearrependohojedenãolhesterpedido para me mostrar esses objetos, porém, até então, eu não acreditava napossibilidadedesemelhantefato”.

ParaMelleville,nãohaviapossibilidadedeabolaserumforjamento:Elaédefatopermeada,emmaisdequatroquintosdesuaaltura,porumacorbetuminosaescuraque se funde, emdireçãoao topo,numcírculoamarelo,oquedecerto sedeveaocontato coma linhita,naqual estivera tanto tempo imersa.Aparte superior,queestavaemcontatocomolençoldeconchas,pelocontrário,preservousuacornatural-obrancoopacodogiz[...]Quantoàrochaemquefoiencontrada,possoa rmarserelaperfeitamentevirgem,semapresentarvestígiosdequalquerexploraçãoantiga.O teto da pedreira estava também intacto nesse local, não se podendo ver nemssurasnemoutrascavidadesdecimadasquaissupuséssemosqueabolapudesseter

caído.

Quanto à manufatura humana do objeto de giz, Melleville foi cauteloso. Eleescreveu: “Com base num único fato, mesmo que tão bem estabelecido, nãotenciono chegar à conclusão extrema de que o homem foi contemporâneo daslinhitasdabaciadeParis[...]Meuúnicoobjetivo,aoescreverestaslinhas,étornardoconhecimento público umadescoberta tão curiosa quanto estranha, qualquer queseja seu signi cado, sem a pretensão de elaborar qualquer espécie de explanação.Contento-meem relataroocorridoàciência,eestareiesperando,antesde formarumaopinião a esse respeito, poroutrasdescobertas queme forneçamos subsídiosparaeuconceberovalordessadescobertaemMontaigu”.

OseditoresdeeGeologistescreveram:“Consideramosprudentesuadecisãodehesitar em remontar a idade do homem ao período terciário inferior da bacia deParissemoutrasprovascon rmatórias”.Em1883,GebrieldeMortilletsugeriuqueum pedaço de giz branco foi levado pelas ondas dos mares terciários entrantes e,apóstornar-seredondo,foideixadoondefoiencontrado.

Essanãoparece ser, contudo,uma explicaçãoplausível.Emprimeiro lugar, a bolatinha características inconsistentes coma açãodasondas.Melleville relatou: “Trêsgrandes lascas com ângulos fechados anunciam, tamhém, que, durante o trabalhoartesanal,elapermaneceuligadaaoblocodepedraapartirdoqualfoifeita,equesó

fora separadadele após ser concluída, comumgolpe, aoqual sedeve esse tipodefratura”.Seaaçãodeondaséaceitacomosendoaexplicaçãoparaaredondezageraldo objeto, essa ação deveria também ter suavizado as bordas a adas descritas porMelleville.Alémdomais,ébemprovávelqueacontínuaexposiçãoàsondastivessedesintegradoumpedaçodegiz.

SegundodeclarouMortillet,abolafoiencontradanumestratodoEocenoInferior.Se a bola foi feita por humanos, eles devem ter estado na França entre 45 e 55milhõesdeanosatrás.Pormaisextraordinárioqueistopareçaparaaquelesapegadosaos pontos de vista evolucionários convencionais, está de acordo com a evidênciaexaminadanestelivro.

Objetosdeáreadeescavaçãodepoçosemlllinois

Em1871,WilliamE.Dubois,daSmithsonianInstitution,anunciouadescobertadediversps objetos feitos pelo homem emníveis profundos na região de Illinois.Oprimeiroobjetofoialgosemelhanteaumamoedadecobre(Figura6.3),oriundodeLawnRidge,emMarshallCounty,Illinois.EmcartaàSmithsonianInstitution,J.W. Moffit declarou que, em agosto de 1870, perfurava um poço usando um“escavador de solo comum”. Quando Moffit elevou o escavador de umaprofundidade de 38 metros, descobriu o objeto parecido com uma moeda “noescavador”.

Para atingir a profundidade de 38 metros, Moffit perfurou através dos seguintesestratos: 90 centímetros de solo; 3metros de argila amarela; 13metros de argilaazul;1,20metrodeargila,areiaecascalho;5,70metrosdeargilapúrpura;3metrosdecamadamarromduradosubsolo;2,55metrosdeargilaverde;60centímetrosdeterra vegetal; 75 centímetros de argila amarela; 60 centímetros de camada amareladuradosubsolo;e6,15metrosdcargilamista.

Em1881,A.Winchell tambémdescreveuoobjeto semelhante aumamoeda.Elecitou uma carta de W. H. Wilmot, que relacionava uma seqüênda de estratosligeiramente diferentes daqueles apresentados por Moffit. Wilmot relatou ter oobjeto do tipo moeda sido descoberto numa área de escavação de poços a umaprofundidadede34metros,enão38metros.

Usando a seqüência de estratos dada por Winchell, o Instituto de PesquisasGeológicasdoEstadodeIllinoisdeu-nosumaestimativadaidadedosdepósitosnonível de 34metros. Eles teriam se formado durante o interglacial yarmouthiano,

“emalgummomentoentreduzentosequatrocentosmilanosatrás”.

Disse W. E. Dubois que a forma da moeda era “poligonal, aproximando-se acircular” , e que retratava toscamente guras e inscrições em ambos os lados. AsinscriçõesestavamnumalinguagemqueDuboisnãologroureconhecer,eaaparênciadamoedadiferiadadequalqueroutramoedaconhecida.

Segundo concluiu Dubois, a moeda deve ter sido feita numa o cina mecânica.Percebendosuaespessurauniforme,disseelequeamoedadeveter“passadoporumlaminadore,seosíndiosantigostinhamsemelhanteaparelho,ela(amoeda)devetersidopré-histórica”.Alémdisso,Dubois relatouquc amoedadeve ter sido cortadacommáquinadecortarchapasoucomumcinzel,easbordasafiadas,limadas.

OobjetodotipomoedadescritoacimasugereaexistênciadeumacivilizaçãohápelomenosduzentosmilanosnaAméricadoNorte.Todavia,emgeral,nãoseconsideraque seres inteligentes o bastante para fazer e usarmoedas (Homo sapiens sapiens)tenham vivido muito antes que cem mil anos atrás. Segundo os pontos de vistaconvencionais,usarammoedasdemetalpelaprimeiraveznaÁsiaMenorduranteoséculoVIIIa.C.

Moffit relatou, também,queoutros artefatos foramencontradosna vizinhançadeWhitesidt County, IIlinois. A uma profundidade de 36 metros, operáriosdescobriram “umagrandevirolaouaneldecobre, semelhanteàqueIasusadashojeem mastreação de navios [...] Encontraram, também, algo com o contornosemelhanteaodeumbicheirodeembarcação”.Osr.Moffitacrescentou:“Hávárioscasos de relíquias encontradas em profundidades inferiores. Uma machadinha emformade lança, feitade ferro, foi encontrada incrustada emargila a12metros; ecachimbosecerâmicadepedratêmsidodesenterradosaprofundidadesquevariamde 3 a 15metros emmuitas localidades. Em setembro de 1984, o Instituto dePesquisasGeológicasdoEstadodeIllinoisescreveu-nosparanosinformarquevariamuitoaidadedosdepósitosa36metrosemWhitesideCounty.Emcertoslugares,podemos encontrar, a uma profundidade de 36 metros, depósitos com apenascinqüenta mil anos, ao passo que, em outros lugares, podemos encontrar leitosilurianoderochafirmecom410milhõesdeanos.

UmaimagemdeargiladeNampa,Idaho

Em 1889, em Nampa, Idaho, encontraram uma pequena imagem humana,habilidosamentemodeladaemargila(Figura6.4).Aestatuetaprovinhadonívelde90metrosdeuma áreadeescavaçãodepoços.Em1912,G.F.Wright escreveu:“Segundodemonstraoregistrodopoço,aoatingiremoestratodoquala imagemfoi recolhida, eles primeiro haviampenetrado cerca de 15metros de solo, depois

cercade4,50metrosdebasaltoe, emseguida,passaramporestratosalternadosdeargilaeareiamovediça[...]atéumaprofundidadedecercade90metros,quandoabombadeareiacomeçouatrazeràtonainúmerasbolasdeargila,algumasdelascommaisde5centímetrosde diâmetro,densamentecobertascomóxidode ferro.Naparteinferiordesseestrato,haviaprovasdeumasuperfíciedeterrenoenterrada,sobrea qual houvera um leve acúmulo de humo. Foi desse ponto que a imagem emquestão foi erguida, a uma profundidade de 96metros. Algunsmetrosmais parabaixo,atingiu-searochadearenito”.

Quanto à estatueta, Wright observou: “A imagem em questão é feita do mesmomaterial que o das bolas de argila mencionadas, tendo cerca de 4 centímetros decomprimento; e é extraordinária pela perfeição com a qual representa a formahumana[...]Tratava-sedeuma gurafeminina,etinhaasfeiçõesnaturais,naspartescomacabamento,queseriammotivodehonraparaoscentrosclássicosdearte”.

“Ao mostrar o objeto ao professor F. W. Putnam”, escreveu Wright, “eleimediatamente voltou a atenção para o caráter das incrustações de ferro sobre asuperfíciecomosendoindicativodeumarelíquiadeantiguidadeconsiderável.Haviamanchasdeóxidovermelhoanidrode ferroemáreasprotegidas sobreoobjeto,asquais não poderiam ter se formado em algum objeto fraudulento. Visitando alocalidadeem1890,tomeiocuidadoespecial,enquantoemcampo,decomparara

descoloraçãodoóxido sobre a imagem comaquela sobre as bolas de argila aindaencontradas entre os fragmentos de rochaprovenientes dopoço, e constatei seremelasquasetãoidênticasquantoépossívelser.Essasprovascon rmatórias,emrelaçãoao caráter bastante satisfatório da evidência fornecida pelos grupos que zeram adescoberta, e con rmadas pelo sr. G. M. Cumming, de Boston (na época,superintendentedaqueladivisãodaferroviaOregonShortLine,queconheciatodosos grupos e esteve em campo um dia ou dois após a descoberta), colocaram aautenticidade da descoberta além de qualquer dúvida razoável. Acrescente-se,também, a esta prova, a conformidade geral do objeto com outras relíquias dohomemquetêmsidoencontradasabaixodosdepósitosdelavanacostadoPací co.Ao comparar a estatueta, não se pode evitar admirar sua semelhança com várias‘estatuetasaurignacianas’encontradasemcavernaspré-históricasnaFrança,naBélgicae na Morávia. A semelhança é especialmente surpreendente com a estatuetaconhecida como ‘A Vênus impudica’, de Laugerie-Basse”. A imagem de Nampatambém é semelhante à famosa Vênus de Willendorf, considerada como tendotrintamilanosdeidade(Figura6.5).

Wright também examinou o ori cio perfurado para ver se a estatueta poderia tercaído de um nível superior. Ele declarou: “Para responder às objeções, seráconveniente apresentar os fatos mais integralmente. O poço, com seus 15centímetros de diâmetro, foi perfurado compesada tubulação de ferro, a qual foiintroduzida, de cima, e complementada, seção por seção, à medida que se faziaprogresso.Dessaforma,seriaimpossívelquealgumacoisaseintroduzissepelosladosdatubulação.Operfuradornãofoiusadoapóspenetrarodepósitodelavapróximoà superfície,mas o tubo foi inserido e omaterial incluído, tirado de quando emquandopelousodeumabomhadeareia”.

Respondendo àsnossas indagações, o InstitutoAmericanodePesquisasGeológicasa rmou, numa carta, que a camada de argila a uma profundidade demais de 90

metrosé“provavelmentedaformaçãoGlennsFerry,dogrupoIdahosuperior,cujaidade, em geral, é considerada plio-pleistocena”. O basalto acima da formaçãoGlennsFerryéconsideradocomosendodoPleistocenoMédio.

AforaoHomosapiens sapiens,não se sabedehominídeosque tenhamproduzidoobras de arte como a estatueta de Nampa. Logo, a evidência sugere que viviamhumanosdotipomodernonaAméricaporvoltadedoismilhõesdeanosatrás,nolimitedoPlio-MédioPleistoceno.

O fato de a estatueta de Nampa desa ar, e muito, o cenário evolucionário, foiobservado por W. H. Holmes, da Smithsonian Institution. Em 1919, HolmesescreveuemseuRandbookofAboriginalAmericanantiquities:“SegundoEmmons,a formação em que a bomba operava é de ns do terciário ou do começo doquaternário;eaaparenteimprobabilidadedaocorrênciadeuma gurahumanabemmodelada em depósitos de tamanha antiguidade tem suscitado grandes dúvidasquanto à sua autenticidade. É interessante observar que a idade desse objeto,supondo-sequesejaautêntico,correspondeàqueladohomemincipientecujosossosforamrecolhidosem1892porDuboisdeformaçõesdelavade nsdoterciáriooudocomeçodoquaternário”.

TemosaquiadescobertadoHomemdeJava,porsisóquestionável,maisumavezsendousadaparadescartaraevidênciadehumanosdetalentosmodernosemtemposmuito antigos.Segundoparece,ahipóteseevolucionáriagozoudetantoprivilégioquequalquerevidênciaqueacontradissessepoderiaserquasequeautomaticamenterejeitada. No entanto, embora Holmes duvidasse que seres capazes de fazer aimagem de Nampa pudessem ter existido ao mesmo tempo que o primitivohomem-macacode Java, vemos, hoje,quehumanos,dediversosníveisdeperíciatecnológica,coexistemnaÁfricacomgorilasechimpanzés.

Holmesprosseguiu:“TantoquantoasdescobertasnocascalhoauríferodaCallfórnia,o espécime, se considerado por seu signi cado manifesto, estabelece umaantiguidadetãograndeparaaculturaneolíticanaAméricaquehesitamosemaceitá-Io sem antes obtermosmaiores con rmações. Apesar de poder ter sido soerguidoconformeserelata,aindarestaapossibilidadedequenãoeraumainclusãooriginalsob a lava.Não é impossível que um objeto dessa espécie pudesse ter descido dasuperfícieatravésdealgumafendaoucursod’água,penetrandooslençóisdelava,etivesse sido carregado por entre os depósitos de areiamovediça, com o auxílio deáguas subterrâneas, atéo local atingidopeloperfurador”.É instrutivoobservaratéondeumcientistacomoHolmespoderáirparapôremdescréditoumaprovaqueelenãofavoreça.Deve-seteremmente,contudo,quequalquerprova,incluindoaquelausadahojepara sustentar a teoriada evolução,poderia serposta emdescréditoda

mesmamaneira.

UmobstáculoàsuposiçãodequeaimagemdeNampafoimanufaturadaporíndiosem tempos recentes e de alguma forma se introduziu superfície abaixo pode serencontrado naseguintedeclaraçãodeHolmes:“Deve-seobservar,contudo,queasformas de arte intimamente análogas àquela desta gura ainda estão para serencontradas:nema rampadoPací co,nooeste,nema regiãodePueblo,nosul,fornecem imagensmodeladas da gura humana de caráter parecido ou deméritoartísticosemelhante”.

CorrentedeouroemcarvãocarboníferodeMorrisonville,lIIinois

Em 11 de junho de 1891, e Morrisonville Times noticiou: “Uma curiosadescoberta foi trazida à luz na última terça-feira de manhã pela sra. S. W. Culp.Enquantoquebravaumpedaçodecarvãoparacolocá-Ionumbalde,eladescobriu,aodespedaçarocarvão,incrustadaemformacircular,umapequenacorrentedeourocomcerca de25 centímetrosde comprimento,de artesanato antigo e singular.Aprincípio,asra.Culppensouqueacorrentetinhacaídoporacasonocarvão,mas,aotentar soergue-la, a idéia de ela ter caído ali recentemente tornou-se de imediatofalaz, pois, quando o pedaço de carvão se quebrou, ele separou-se quase que nametade,eaposiçãocirculardacorrentecolocouasduasextremidadespróximasurnadaoutra e,quandoo carvão se separou,omeioda corrente afrouxou-se enquantocadaextremidadepermaneceupresaaocarvão.Esseéumestudoparaosalunosdearqueologia que adoram decifrar a constituição geológica da terra, de cuja antigaprofundidadeocuriosovivebrotando.Supostamente,opedaçodecarvãodoqualfoi extraída essa correnteprovémdasminasTaylorvilleouPana (sulde lllinois), equasenos tiraofôlegopelomistériodepensarmosporquantas longaserasaterravem formando estratos após estratos que ocultam as correntes douradas de nossavisão.Acorrenteeradeourode8quilatesepesava9gramas.

Numa carta a Ron Calais, a sra. Vemon W. Lauer, atual editora de eMorrisonvilleTimes, declarou: “O sr. Culp editava eTimes em 1891. A sra.Culp,que fez a descoberta,mudou-separaTaylorville após amortedomarido -casou-se outra vez e faleceu em 3 de fevereiro de 1959”. Segundo disseCalais aonossoassistentedepesquisa(StephenBernath),emborainformadodequeacorrentefora dada a um dos parentes da sra. Culp após a sua morte, ele não conseguiuencontraroparadeirodarelíquia.

SegundooInstitutodePesquisasGeológicasdoEstadodeIllinois,ocarvãoemquefoiencontradaacorrentedeourotemde260a320milhõesdeanos.Issolevantaapossibilidade de seres humanos culturalmente avançados terem estado presentes naAméricadoNorteduranteaquelaépoca.

PedraentalhadadaminadecarvãoLehigh,pertodeWebster,lowa

A edição de 2 de abril de 1897 doDailyNews deOmaha,Nebraska, trazia umartigointitulado“Pedraentalhadaenterradaemmina”,quedescreviaumobjetodeuma mina perto de Webster City, Iowa. O artigo a rmava: “Enquanto extraíacarvãohojenaminadecarvãoLehigh,aumaprofundidadede39metros,umdosmineirosdeparoucomumpedaçoderochaqueointrigou,nãosendoelecapazdeexplicar-lheapresençanofundodamina.Apedraédecorcinza-escuraetemcercade60centímetrosdecomprimento,30centímetrosdelargurae10centímetrosdeespessura.Sobreasuperfíciedapedra,queémuitodura,existemlinhasdesenhadasemângulosqueformamdiamantesperfeitos.Ocentrodecadadiamanteéumbelorostodevelhocomumareentrânciapeculiarna testaqueapareceemcadaumdosquadros,todossendoextraordinariamenteparecidos.Dosrostos,todos,excetoum,estão olhandopara a direita.Como apedra atingiu suaposição sobos estratos dearenito a uma profundidade de 39 metros é algo que os mineiros não tentamresponder.Osmineirosestãocertosdequeaterrajamaisforatocadanolugarondeacharamapedra”.InvestigaçõesnoInstitutodePreservaçãoHistóricadoEstadodeIowa e no Departamento de Arqueologia do Estado na Universidade de Iowarevelaram que as descobertas nada tinham de novas. O carvão de Lehigh éprovavelmentedoPeríodoCarbonífero.

XícaradeferrodeminadecarvãoemOklahoma

Em10de janeirode1949,RobertNordlingenvioua fotogra adeumaxícaradeferro para Frank L. Marsh, da Universidade Andrews, em Berrien Springs,Michigan. Nordlingescreveu:“VisiteiomuseudeumamigonosuldeMissouri.Entresuascuriosidades,eletinhaaxícaradeferrocujafotovaianexa”.

Nomuseu particular, a xícara de ferro estivera exposta com a seguinte declaraçãojuramentada,feitaporFrankJ.KenwoodemSulphurSprings,Arkansas,em27denovembro de 1948: “Enquanto trabalhava na Estação Elétrica Municipal emomas, Oklahoma, em 1912, deparei com um naco sólido de carvão que eragrandedemaisparaserusado.Quebrei-ocomumamarreta.Essapeçadeferrocaiudo centro, deixando sua impressão oumoldenopedaçode carvão. JimStall (umempregadodacompanhia)testemunhouaquebradocarvãoeviuaxícaracair.Euinvestiguei a fontedo carvão edescobri ser ele oriundodasMinasWilburton, emOklahoma”. Segundo Robert O. Fay, do Instituto de Pesquisas Geológicas deOklahoma, amina de carvãoWilburton tem cerca de 312milhões de anos. Em1966,Marshenviouafotodaxícaraeacorrespondênciaregistrando-aparaWilbertH.Rusch,professordebiologiaemConcordiaCollege,emAnnArhor,Michigan.Marshdeclarou:“AnexasestãoacartaeafotoamimenviadasporRobertNordlingcerca de dezessete anos atrás.Quando passei ame interessar por essa ‘xícara’ (cujo

tamanhopode serobtidocomparando-se apeçacomacadeira sobreaqual ela seencontra),umanooudoismaistarde queisabendoqueesse‘amigo’deNordlinghaviamorrido eque seupequenomuseu estava disperso.Nordlingnada sabiadoparadeiro da xícara de ferro. Ela desa aria omais alerta dos detetives a ver se eleconseguiriaencontrarsuaorigem[...]Seessaxícaraéoquejuramser,édefatoumartefatomuitosigni cativo”.Éumfato infelizqueprovastaiscomoessaxícaradeferrotendamaseperderàmedida quepassamdemãoemmãoentrepessoasnãointeiramentecientesdesuaimportância.

UmasoladesapatodeNevada

Em 8 de outubro de 1922, o caderno “American Weekly” do jornal New YorkSundayAmericanpublicouumartigodedestaque intitulado“Mistérioda ‘soladesapato’ petri cada de cinco milhões de anos”, pelo dr. W. H. Ballou. Ballouescreveu:Algumtempoatrás,enquantoexploravafósseisemNevada,JohnT.Reid,destacadoengenheirodeminasegeólogo,parouderepenteeolhouparabaixoemtotalperplexidadeeespantoparaumarochapertodeseuspés.Poisali,numapartedaprópriarocha,estava oquepareciaserumapegadahumana! (Figura6.6)Umainspeçãomaisrigorosamostrouqueaquelanãoeraamarcadeumpénu,masqueera, aparentemente, uma sola de sapato que se transformara em pedra. A partedianteiraestavafaltando,Mashaviaodelineamentodepelomenosdoisterçosdela,eemvoltadessedelineamento passavaum ocosturadoebemde nidoque tinha,segundoparecia,coladoodebrumàsola.Aseguirhaviaoutralinhadecosturae,nocentro,ondeteriapousadoopéseoobjetotivessesidomesmoumasoladesapato,havia uma reentrância, exatamente como teria sido feita pelo osso do calcanharesfregandoedesgastandoo materialcomqueasolahaviasidofeita.Dessemodo,encontrou-seumfóssilqueéomaiormistériodaciênciahoje.Poisarochaemquefoiencontradotempelomenoscincomilhõesdeanos!

Reid trouxe o espécimeparaNovaYork, onde tentou levá-Io à atençãode outroscientistas.Reidregistrou:“ChegandoaNovaYork,mostreiesse fóssilaodr.JamesF.Kemp,geólogodaColumbiaUniversity,eaosprofessoresH.F.Osborn,W.D.Matthewe E.O.Hovey, doMuseu Americano deHistóriaNatural.Todos esseshomens chegaram à mesma conclusão, no sentido de que ‘se tratava da maisimpressionante imitação natural de um objeto arti cial que eles já tinham visto’.Esses peritos concordaram, contudo, que a formação rochosa era triássica, e osfabricantes de sapatos concordaram que originalmente o espécime era uma solacosturada à mão. O dr. W. D. Matthew escreveu um breve relatório sobre adescoberta, declarando que, apesar de todas as semelhanças com um sapato,incluindo os os com os quais havia sido costurado, tratava-se apenas de umanotávelimitação,umlususnaturae,ou‘caprichodanatureza’”.Curiosamente,umainvestigaçãonossanoMuseuAmericanodeHistóriaNaturalresultounarespostadequeorelatóriodeMatthewnãoconstanoarquivodeles.

Reid,adespeitodaexclusãodeMatthew,persistiu:“Emseguida,entreiemcontatocomummicrofotógrafo eumquímico analíticodo InstitutoRockefellerque,defora, demodo a não transformar isso num assunto do instituto, tirou fotos e fezanálisesdoespécime.Asanáliseseliminaramquaisquerdúvidasquantoaofatodeasola de sapato ter estado sujeita à fossilização triássica [...] As ampliaçõesmicrofotográ cassãovintevezesmaioresdoqueopróprioespécime,mostrandoosmais diminutos detalhes da torção e urdidura do o, e provando, de formaconclusiva,queasoladesapatonãoéumasemelhança,masestritamenteotrabalhomanual do homem.Mesmo a olho nu, podem-se ver distintamente os os e osdelineios de perfeita simetria da sola de sapato.Dentro dessa borda e em sentidoparaleloaela, estáumalinhaquepareceserregularmenteperfuradacomoqueporpontos.Devoacrescentarquepelomenosdoisgeólogoscujosnomesserãoreveladosalgum dia admitem que a sola de sapato é válida - uma fossilização genuína emrochas triássicas”. A rocha triássica portadora da sola de sapato fóssil é hojereconhecida como tendo bem mais do que cinco milhões de anos. Em geral, operíodotriássicoédatadoem213a248milhõesdeanosdeidade.

ParedemaciçanumaminadeOklahoma

W.W.McCormick,deAbilene,Texas,registrouorelatodeseuavôdeumaparedemaciçadepedraque foiencontradano fundodeumaminadecarvão:Noanode1928,eu,AtlasAlmonMathis,trahalhavanaminadecarvãonúmero5,localizadaa3quilômetrosaonortedeHeavener,Oklahoma.Tratava-sedeumaminadepoçoenosdisseramqueelatinha3quilômetrosdeprofundidade.Aminaeratãoprofundaque descíamos nela de elevador [...] Bombeavam ar para nós lá embaixo, de tãoprofundaque ela era.Esse relato foi reimpressonum livrodeBradSteiger.Certanoite,Mathisestavadinamitandocarvãocomexplosivosno“recinto24”dessamina.“Namanhãseguinte”,disseMathis,“haviadiversosblocosdeconcretoestiradosnorecinto.Essesblocos eramcubosde31centímetros e eram tão lisos epolidosporforaque todosos seis ladospodiam serusados como espelhos.Todavia, estavamcheiosdecascalho,porquelasqueiumdelescomminhapicareta,eerapuroconcretopordentro.Mathis acrescentou:“Quandoeucomeçavaacolocarvigasdemadeirano recinto, ele desmoronou, e eu escapei por pouco. Quando regressei após odesmoronamento, vi que cara exposta uma sólida parede desses blocos polidos.Cercade90a140metrosmaisabaixodenossonúcleodear,outromineirodeparoucom essa mesma parede, ou outra muito parecida”. O carvão na mina eraprovavelmente carbonífero, o que signi caria que a parede tinha pelomenos 286milhõesdeanosdeidade.

SegundoMathis,osfuncionáriosdaempresademineraçãoimediatamentetiraramoshomensdaminaeproibiram-nosdefalarsobreoquehaviamvisto.Essaminafoi

fechada no outono de 1928, e a equipe foi para a mina número 24, perto deWilburton,Oklahoma.

SegundodisseMathis,osmineirosdeWilburtoncontaram-lhesobreadescobertade“umsólidoblocodepratasobaformadeumbarril[...]comasmarcasdasaduelasnele”.OcarvãodeWilburtonformou-seentre280e320milhõesdeanosatrás.

Admitidamente,essas sãohistóriasmuitobizarras,acompanhadasporpouquíssimorepertório de provas. Uma vez que são histórias que se contam, nós nosperguntamosquantasdelasexistemesealgumadelaséverdadeira.

Em um livro de M. K. Jessup, recentemente encontramos a seguinte história deparedeemminadecarvão:“Relata-sequeJamesParsonseseusdois IhosexumaramumaparededeardósianumaminadecarvãoemHammondville,Ohio,em1868.Eraumaparedegrandeelisa,reveladaquandoumagrandemassadecarvãodestacou-se dela e, em sua superfície, entalhadas em alto-relevo, havia diversas linhas dehieróglifos”. Tais histórias poderiam, é claro, ser apenas contos exagerados, maspoderiam,também,sermatériaparauminteressantetrabalhodepesquisa.

A anterior amostragem de descobertas indicando um nível relativamente alto decivilização em erasmuito distantes foi compilada de relatos publicados no séculoXIX e começo do XX, mas continuam aparecendo relatos semelhantes até hoje.Passaremosagoraaexaminaralgunsdeles.

TubosmetálicosoriundosdelençóisdegiznaFrança

Y.DrueteH.Salfatianunciaram,em1968,adescobertadetubosmetálicossemi-ovóides de forma idêntica mas tamanhos variados em giz cretáceo (Figura 6.7).Nossa fonte de referência é Ancient man: a handbook of puzzling artifacts, deWiIliamR.Corliss.Calcula-sequeolençoldegiz,expostonumapedreiraemSaint-JeandeLivet,França,tenhapelomenos65milhõesdeanos.Tendoconsideradoeeliminado diversas hipóteses, Druet e Salfati concluíram que seres inteligentesviveram65milhõesdeanosatrás.

Desejando mais informação, escrevemos para o laboratório de geomorfologia daUniversidade deCaen, à qualDruet e Salfati entregaram seus espécimes,mas nãorecebemos resposta. Convidamos os leitores a comunicarem-nos qualquerinformaçãoquepossamteracercadessecasooudecasossemelhantes,parainclusãoemfuturasediçõesdestelivro.

ImpressãodesapatoemargilaxistosadeUtah

Em 1968, William J. Meister, desenhista e colecionador amador de trilobita,registrou a descoberta de uma impressão de sapato em Wheeler Shale, perto deAntelopeSpring,Utah.Essasaliênciaemformadesapato(Figura6.8)eseufeitioforam revelados quando Meister abriu um bloco de argila xistosa. Claramentevisíveis dentro da impressão, estavamos restos de trilobitas, artrópodesmarinhosextintos. A argiIa xistosa portadora da impressão e dos fósseis de trilobita é doPeríodoCambrianoe,dessemodo,teriade505a590milhõesdeanos.

MeisterdescreveuaantigaimpressãoemformadesapatonumartigopublicadonaCreation Research Society Quarterly: A impressão do calcanhar estava dentada narocha cerca de um quarto de centímetro mais do que a sola. A pegada eranitidamenteaqueladopédireitoporqueasandáliaestavabemgastadoladodireitodocalcanhardeformacaracterística.

Meisterforneceuaseguinteeimportanteparceladeinformaçãoadicional:“Em4dejulho,acompanheiodr.ClarenceCoombs,daColumbiaUnionCollege,Tacoma,Maryland,eMauriceCarlisle,geólogoformado,daUniversidadedeColorado,emBoulder,atéosítiodadescoberta.Apósumpardehorasdeescavação,osr.Carlisleencontrouumxistolimoso,queoconvenceudequeadescobertadetrilhasfósseisnalocalidadeeraumaclarapossibilidade,umavezqueessadescobertamostravaqueaformaçãohaviaestadonasuperfícieemoutraépoca”.

Cientistas que caram sabendo da descoberta de Meister foram muitas vezes

insolentesaorejeitarem-na.Isso caevidentenacorrespondênciaparticularfornecidaanósporGeorgeF.Howe,daFaculdadeBatistadeLosAngeles,quesolicitouquecitássemosareferidacorrespondênciaanonimamente.UmgeólogodaUniversidadede Brigham Young, bastante familiarizado com a região de Antelope Springs,escreveu em1981que a trilha representava “uma esquisiticede erosãoquepessoasdesinformadasequivocadamenteinterpretamcomosendoformasfósseis”.

Ao ser indagado a respeito da impressão de Meister, um professor de biologiaevolucionáriadeumauniversidadeemMichigandeclarou:“Nãoestoufamiliarizadocomocasodastrilobitas[...]masnão cariamuitosurpresoseessenãofosseoutrocasodemanipulaçãooudeturpaçãovoluntária.Nãoexisteumcasosequeremqueuma justaposição desse tipo tenha sido jamais con rmada. Até o momento, oregistro fóssil é um dos melhores testes de que tenha ocorrido a evolução. EuenquadronamesmacategoriaoscriacionistaseaquelesqueacreditamnumaTerraplana.Elessimplesmentenãoqueremacreditaremfatoseprovasconcretas.Nãohámuitoquesepossafazercomtaispessoas[...]Nãosurgiunada,emanosrecentes,que refute o fato de que a evolução tem ocorrido e continua a ocorrer,independentementedoquealegamosautoproclamadoscriacionistas‘cientí cos’.Acapacidadeque indivíduosdenossa sociedade têmdeserem ludibriadose teremoscérebros lavados, quer intencionalquer inconscientemente,pelamídiaeporcertoslíderes,nuncadeixademeespantar.

O biólogo evolucionário admitiu não estar familiarizado com os “fatos e provasconcretas”relativosàimpressãodesandáliadeMeisterantesdefazerseujulgamento.Sendo assim, era culpado do mesmo pecado que acusou os criacionistas decometerem.NósnãoaceitamosnecessariamenteaimpressãodeMeistercomosendoautêntica, mas cremos que ela deveria ser avaliada com base em seus própriosméritos,enãocombaseempreconceitosinflexíveis.

WilliamLeeStokes,umbiólogo e geólogodaUniversidadedeUtah, examinouaimpressão de Meister logo após ela ser descoberta. Stokes a rmou: “Após ver oespécime,expliqueiaosr.Meisterporquenãopodiaaceitá10comoumapegadaeporqueosgeólogosemgeralnãooaceitariam.Pelomenos,esperaríamos,deumaverdadeira pegada, que fosse de uma seqüênciamostrando as impressões direita eesquerda um tanto uniformemente espaçadas, do mesmo tamanho e avançandoregularmenteemumasódireção[...]Ébastantesigni cativoquenenhumasegundaimpressão tenhasidoencontrada.Nãoseidenenhumcasoemqueuma impressãosolitária tenhasidoaceita e registradaemjornaiscientí coscomopegadagenuína,por mais preservada que estivesse”. Porém, num artigo publicado em Scienti cAmericanem1969,H.deLumleyregistrouumasópegadahumanóidenosítiode

habitaçãodoPleistocenoMédioemTerraAmata,nosuldaFrança.

Stokes declarou ainda: “Uma pegada verdadeira deveria mostrar deslocamento oucompressão do material macio sobre o qual o pé foi pressionado [...] Pelo meuexame desse espécime, posso dizer que não há provas de compressão oudeslocamentodamatriz”.

Em1984,umdenós(ompson)visitouMeisteremUtah.Oexamecuidadosodaimpressão não revelou o motivo óbvio por que ela não poderia ser aceita comogenuína.Noqueconcerneàcompressãodamatriz,muitodependedaconsistênciadamatrizedanaturezadoobjetoquefazamatriz.Oscontornosarredondadosdeumpédescalçoresultamemmaisdeslocamentodamatrizdoqueasarestasagudasdas solas do sapato.Observamos que sapatos e sandálias podemdeixar impressõesmuitoagudasemareiadepraiaúmidaerelativamentecompacta,compouquíssimosinal de deslocamento da matriz. A argila xistosa, rocha em que se formou aimpressãodeMeister,éresultadodaconsolidaçãodeargila,lamaoulodo.Poder-se-iaexaminarmicroscopicamenteaestruturagranulardaargilaxistosadentrodaregiãoda impressão a mdedeterminar seháounãoalgumaevidência sugerindoqueaimpressãonãofoicausadaporpressãodecima.

Strokes concluiu que o espécime de Meister foi resultado de uma fragmentaçãonatural da rocha, e declarou que o departamento de geologia da Universidade deUtah tinha, em sua coleção, diversos produtos de fragmentação natural, algunssemelhantesapegadas.SeriaprecisoveressesespécimesparajulgarseelesrealmenteseassemelhamtantoapegadasquantooespécimedeMeister.Aformadaimpressãode Meister, conforme mostram nossa inspeção visual e a análise do computador,combinaquasequeexatamentecomadeumaimpressãodesapatomoderno.

Alémdisso,atrituraçãoocorrenormalmentenassuper ciesderochas.AimpressãodeMeister,contudo,foiencontradanointeriordeumblocodeargilaxistosaquefoi partido. Signi cativamente, a argila xistosa na região da Impressão é de umatexturamais toscadoque a argila xistosanasoutraspartesda super cie doblocopartido.Issosugerequearochanãosepartiuondesepartiuacidentalmente,masporcausadeumalinhadefraquezaaolongodafronteiradasduastexturas.Poder-se-iapropôr,portanto,queumsapatoantigoprovocouessaáreadefraquezaemformadesapato.Alternativamente,aáreade fraquezapoderiaserresultado dealgumaoutracausa desconhecida, caso em que a forma parecida com a de um sapato éinteiramentecoincidente.Esseseriaumcaprichodanaturezaumtantonotável,poisaimpressãosequersediferenciadaformadeumsapatogenuíno.

A impressão de Meister, como evidência de uma presença humana no passadodistante, é ambígua. Alguns cientistas têm rejeitado a impressão após um mero

exame super cial. Outros a têm rejeitado sem nem mesmo vê-Ia, simplesmenteporquesuaidadecambrianaacolocaforadoâmbitodoqueseriadeesperarsegundoa teoria revolucionária. Sugerimos, contudo, que os recursos de investigaçãoempíricaaindanão se esgotaramequea impressãodeMeister édignadepesquisamaiselaborada.

EsferasulcadadaÁfricadoSul

Nas últimas décadas, mineiros sul-africanos têm encontrado centenas de esferasmetálicas,epelomenosumadelastemtrêssulcosparalelosgirandoemtornodeseuequador(Figura6.9).SegundoumartigodeJ.Jimison,asesferassãodedoistipos-“umademetal sólidoazuladocommanchasbrancas, eoutraque éumabolaocarecheada com um centro esponjoso branco”. Roelf Marx, curador do museu deKlerksdorp, África do Sul, onde estão guardadas algumas das esferas, disse: “Asesferassãoummistériocompleto.Elasparecemfeitaspelohomem,todavia,àépocana história da Terra em que vieram descansar nesta rocha, não existia vidainteligente.Elasnãoseparecemcomnadaqueeujátenhavistoantes”.

EscrevemosparaRoelfMarxpedindomaioresinformaçõessobreasesferas.Elenosrespondeuemcartadatadade12desetembrode1984:“Nãohánadadecientí copublicadoacercadosglobos,masosfatossão:elessãoencontradosempiro lita,queé extraída perto da pequena cidade de Ottosdal, no Transvaal Ocidental. Essapirofilitaéummineralsecundáriobastantemacio,comumacontagemdeapenastrêsna escala deMohs, e foi formada por sedimentação cerca de 2,8 bilhões de anosatrás.Porém,osglobos,quetêmumaestrutura brosapordentrocomumaconchaaoseuredor,sãomuitodurosenãopodemserarranhados,nemsequercomaço”.AescaladerigidezdeMohsédenominadaemhomenagemaFriedrichMohs,queescolheudezmineraiscomopontosdereferênciapararigidezcomparativa,sendootalcoomaismacio(1)eodiamanteomaisduro(10).

Em sua carta a nós, Marx disse que A. Bisschoff, professor de geologia daIlniversidade de Potchefstroom, disse-lhe que as esferas eram “concreções delimonita”. Limonita é uma espécie deminério de ferro.Concreção é umamassa

rochosacompactaearredondada,formadapelacimentaçãolocalizadaaoredordeumnúcleo.

UmproblemacomahipótesedequeosobjetossãoconcreçõesdeIimonitarefere-seà rigidez deles. Conforme observado acima, as esferas metálicas não podem serarranhadas comumapontadeaço, indicando seremextremamenteduras.Porém,referências-padrãosobremineraisa rmamquealimonitaregistraapenasde4a5,5naescaladeMohs,indicandoumgraurelativamentebaixoderigidez.Alémdisso,asconcreções de limonita costumam ocorrer em grupos, comomassas de bolhas desabão ligadas entre si. Ao que parece, normalmente elas não aparecem isoladas eperfeitamente redondas, como é o caso dos objetos em questão. Tampoucoaparecemnormalmentecomsulcosparalelosaoseuredor(Figura6.9).

Paraosobjetivosdesse estudo, é a esfera com três sulcosparalelos ao redorde seuequadorquemaisnos interessa.Mesmoqueseadmitaqueaprópriaesferaéumaconcreção de limonita, é ainda necessário levar em consideração os três sulcosparalelos.Naausênciadeumaexplicaçãonaturalsatisfatória,aevidênciaéumtantomisteriosa, deixando aberta a possibilidade de que a esfera sulcada sul-africana -encontradanumdepósitomineralcom2,8bilhõesdeanos-tenhasidofeitaporumserinteligente.

7.AnômalosrestosesqueletaishumanosNoséculoXIXecomeçodoXX,cientistasencontraramdiversosinstruomentosdepedraeoutrosartefatosemformaçõesextremamenteantigas.Tambémdescobriramrestos esqueletais humanos anatomicamentemoder. nos em contextos geológicosigualmenteantigos.

Embora esses ossos humanos a princípio atraíssem considerável atenção, hoje sãopraticamentedesconhecidos.Amaiorpartedaliteraturaatualnosdáaimpressãodeque,apósadescobertadoprimeiroNeandertalnosanos50doséculoXIX,nenhumadescobertaesqueletalsigni cativafoifeitaatéadescobertadoHomemdeJava,nosanos90doséculoXIX.

FêmurdeTrenton

Em 1º. de dezembro de 1899, Ernest Volk, colecionador que trabalhava para oMuseu Peabody de Arqueologia e Etnologia Americanas da Universiidade deHarvard,descobriuumfêmurhumanoemescavaçãosobumaferroviadesativadaaosuldaAvenidaHancock,dentrodos limitesurbanosdeTrenton,Nova Jersey.Ofêmurfoiencontradojazendosobreumapequenasaliência,cercade2metrosabaixodasuperfície.Volkdeclarou:“Cercade10centímetrosacimadoosso[...]haviaumlugar aproximadamente do mesmo comprimento que o osso de onde este

evidentemente caíra”. O fêmur humano foi fotografado por Volk, que declarouestaremintactososestratosimediatamentesobrejacenteseporalgumadistânciaemambos os lados da descoberta. Segundo VoIk, o fêmur estava inteiramentefossilizado.Doisfragmentosdecrâniohumanoforamextraídosdamesmacamadaqueproduziuofêmur.

Emumacartadatadade30dejulhode1987,RonWitte,doInstitutodePesquisasGeológicasdeNovaJersey,disse-nosqueoestratocontendoofêmurdeTrentoneosfragmentosdecrânioédointerglacialSangamon,tendocercade107milanosdeidade.Segundoasidéiasconvencionais,ossereshumanosdotipomodernosurgiramna África meridional cerca de cem mil anos atrás e migraram para a América nomáximohátrintamilanos.

Em 7 de dezembro de 1899, VoIk retornou à escavação da ferrovia. Cerca de 7metros à oestedo local onde encontrouo fêmur fossilizado, enamesma camada,VoIkrecolheudoisfragmentosdeumcrâniohumano.Osestratos imediatamenteacimaenoraiodecertadistânciaparacadalado,dizia-se,estavamintactos.

Poderiamterosossoshumanossein ltradoporcontaprópriaterraabaixo,oriundosdas camadas superiores? VoIk chamou a atenção para o fato de que as camadassuperiores eram vermelhas e amarelas. Mas os ossos humanos eram “brancos ecretáceos”,consistentescomacamadadeareiabrancaemqueforamencontrados.

PorserofêmurdeTrentonsemelhanteaodehumanosmodernos,AlesHrdlicka,daSmithsonianInstitution,achouquedeviaserdeerarecente.Segundosupunhaele,um fêmur humano autenticamente antigo deveria apresentar característicasprimitivas.Portanto,HrdlickadisseoseguintearespeitodofêmurdeTrenton:“Aantiguidadedesseespécimedevebasear-seapenasemprovasgeológicas”.Porém,elenãologrouevidenciarnadadeerradonasprovasgeológicas.

Durante o século XIX e começo do XX, zeram diversas descobertas de restosesqueletais humanos em formações do Pleistoceno Médio na Europa. Entre essasdescobertasestãoaquelasfeitasemGalleyHill,MoulinQuignon,Clichy,LaDenisee Ipswich. Ainda restam dúvidas quanto à verdadeira idade desses ossos. Nãoobstante, emnome da totalidade,nósos incluímos emnosso estudo.ApresençadessesesqueletosemestratosdoPleistocenoMédiopoderia seratribuídaa recentessepultamentosintrusivos,aerrosderegistroouafraudes.Noentanto,hámotivosparapensarqueosesqueletosseriamdefatodoPleistocenoMédio,Passaremosagoraaexaminaralgunsdoscasosmaisnotáveis.

OEsqueletodeGalleyHiII

Em 1888, operários removendo depósitos em Galley Hill, perto de Londres,

Inglaterra, expuseramum lençol de giz.As camadas sobrejacentes de areia, barro ecascalho tinham cerca de 3 metros de espessura. Um operário, Jack Allsop,informou a Robert Elliott, um colecionador de artigos pré-históricos, que haviadescobertoumesqueletohumano rmementeincrustadonessesdepósitoscercade2,5metrosabaixodasuperfícieecercade60centímetrosacimadolençoldegiz.

Allsophaviaextraídoocrânio,masdeixaraorestodoesqueletonolugar.Segundoa rmou Elliott, ele viu o esqueleto rmemente incrustado no estrato: “Comcuidado,procuramosalgumsinaldequeaquelaáreahaviasidoexplorada,masnadaencontramos: a estrati cação estava intacta”. Então Elliott retirou o esqueleto,dando-omaistardeaE.T.Newton,quepublicouumrelatórionoqualatribuía-lhegrandeidade.

Um diretor de escola chamado M. H. Heys observou os ossos nos depósitosaparentemente intactos antes de Elliott retirar o esqueleto. Heys também viu ocrâniologoapósesteserexpostoporumoperárioqueescavavaosdepósitos.Heysdisse, a respeito dos ossos: Não seria possível levantar qualquer dúvida quanto àobservação, dequalquerpessoa inteligente,dequeosossos eramde sedimentaçãocontemporâneaàqueladocascalho[...]Esseestadointactodoestratorevelara-setãopalpávelparaooperárioqueeledisse:Ohomemouanimalnãofoienterradoporninguém.Retiraram,também,váriasferramentasdepedradosítiodeGalleyHill.

Segundoaopiniãoatual,o sítiodeGalleyHill remontariaao interglacial Ijolstein,que ocorreu cerca de 330mil anos atrás.Anatomicamente, o esqueletodeGalleyHill foi julgado como sendo do tipo humano moderno. Hoje muitos cientistaspensam que os humanos anatomicamente modernos (Homo sapiens sapiens)originaram-senaÁfricaporvoltadecemmilanosatrás.DizemteroHomosapienssapiens,a nal,entradonaEuropasobaformadoHomemdeCro-Magnoncercadetrintamilanosatrás,substituindooshomensdeNeandertal.

MasoquedizemospaleantropólogosmodernosarespeitodoesqueletodeGalleyHiIl? A despeito da evidência estratigrá ca registrada por Heys e Elliott, K. P.Oakley e M. F. A. Montagu concluíram, em 1949, que o esqueleto haviaprovavelmente sido enterrado em tempos recentes, nos depósitos do PleistocenoMédio.Consideraram que os ossos, que não estavam fossilizados, tinham apenasalguns milhares de anos de idade. Essa também é a opinião de quase todos osantropólogosdehoje.

OsossosdeGalleyHill tinhamumteordenitrogêniosemelhanteàqueledeossosbem recentes de outros sítios da Inglaterra. O nitrogênio é um dos elementosconstituintesdaproteína,quenormalmentesedeterioracomapassagemdotempo.Contudo, há muitos casos registrados de proteínas preservando-se em fósseis há

milhõesdeanos.Umavezqueograudepreservaçãodonitrogêniopodevariardesítio para sítio, não se pode dizer com certeza que o teor relativamente alto denitrogênio dos ossos de Galley Hill signi ca que eles são recentes. Os ossos deGalley Hill foram encontrados em barro, um sedimento argiloso conhecido porpreservaraproteína.

Oakley eMontagudescobriramqueosossoshumanosdeGalleyHill tinhamumteor de úor semelhante àquele de ossos do Pleistoceno Superior e doHoloceno(recente),oriundosdeoutrossítios.Ésabidoqueosossosabsorvem úordolençolfreático.Porém,oteorde úordolençolfreáticopodevariaramplamentedelugarparalugar,oquefazdacomparaçãodeteoresde úordeossosdediferentessítiosumindicadorduvidosodesuasIdadesrelativas.

Posteriormente, o Laboratório de Pesquisas doMuseuBritânico obteve uma datacarbono14de3.310anosparaoesqueletodeGalleyHill.Masrealizaramessetesteusandométodoshoje consideradosduvidosos.Alémdisso, ébemprovável queosossos de Galley Hill, mantidos num museu por oitenta anos, tenham sidocontaminados com carbono recente, fazendo com que o teste acuse uma dataerroneamenterecente.

Aotentarempôremdescréditoo testemunhodeElliotteHeys,osquaisdisseramnão haver sinais evidentes de sepultamento em Galley Hill, Oakley e Montaguapresentaramdiversosargumentosalémdeseustestesquímicoseradiométricos.

Oakley e Montagu argumentaram, por exemplo, que a natureza relativamentecompletadoesqueletodeGalleyHill eraumsinal certodeque ele fora enterradodeliberadamente.Defato,quasetodasascostelas,aespinhadorsal,osantebraços,asmãos e os pés estavam faltando. No caso de Lucy, o mais famoso espécime deAustralopithecusafarensis,maispartesdoesqueletoforampreservadas.Eaindanãosurgiu alguém sugerindo que os australopithecinos enterravam seus mortos. OscientistastambémtêmdescobertorestosdeesqueletosrazoavelmentecompletosdeindivíduosHomoerectuseHomohabilis.Essescasos,comoconcordariamtodosospaleantropólofotos, por certo não envolvem sepultamento deliberado. Logo, épossível que esqueletos de hominídeos relativamente completos tenham sidopreservadossemteremsidosepultados.

Masmesmo que o esqueleto deGalleyHill viesse de um sepultamento, este nãopoderia ter sido recente. Em 1928, Sir Arthur Keith sugeriu: “Pesando todas asprovas, somos obrigados a concluir que o esqueleto deGalleyHill representa umhomem[...]enterradoquandoocascalhoinferiorformouumasuperfíciedeterra”.

Como podemos ver, ossos velhos apontam para além deles mesmos e, de forma

bastante evasiva, para eventos no passado remoto e inacessível. É quase certo quevenham a surgir controvérsias em torno da idade deles, e, em muitos casos, aevidênciadisponíveléinsu cienteparapermitirqueascontendassejamresolvidasdeuma vez por todas. Isso parece aplicar-se ao caso deGalleyHill. O relatório deOakleyeMontagulançadúvidassobreotestemunhodeElliotteHeys.Aomesmotempo,otestemunhodeElliotteHeyslançadúvidassobreorelatóriodeOakleyeMontagu.

MaxilardeMoulinQuignon

Em1863, J. Boucher de Perthes descobriu ummaxilar humano anatomicamentemoderno no sítio de escavação de Moulin Quignon, em Abbeville, França. Eleretirou-o de uma camada de areia preta e cascalho que também continhainstrumentosdepedradotipoacheuleano.Acamadapreta cava5metrosabaixodasuperfíciedo sítio. Os sítios acheuleanos emAbbeville têmamesma idadequeointerglacialHolstein,eteriam,portanto,cercade330milanosdeidade.

Ao carem sabendo da descoberta domaxilar e das ferramentas deAbbeville, umgrupo de distintos geólogos britânicos visitou Abbeville e, a princípio, caramfavoravelmente impressionados. Mais tarde, porém, alegou-se que alguns dosinstrumentos de pedra da coleção de Boucher de Perthes eram forjamentos neleimpingidosporoperários.Apartirdaí,oscientistasbritânicospassaramaduvidardaautenticidadedomaxilar.LevandodevoltaàInglaterraumdenteencontradocomomaxilar,elesocortarame caramsurpresoscomoseubomestadodepreservação.Embora issoaumentasseaduvidadeles,muitos físico-antropólogos têmobservadoquedentesfósseisdegrandeidadecostumamficarbempreservados.

Alémdisso,omaxilardeMoulinQuignontinhaumacoloração“quefoiconsideradasuper cial”e“foifacilmenteraspadadeumadaspartesdoosso”.Algunstomaramisso como sendo indício de forjamento. Mas segundo disse posteriormente oantropólogobritânicoSirArthurKeith, essa característicadomaxilar “não invalidasuaautenticidade”.

Emmaiode1863,os geólogosbritânicos encontraram-se com suas contrapartidasfrancesas em Paris para decidir o status do maxilar. A comissão declarou-seconjuntamenteafavordaautenticidadedomaxilar,adespeitodecertasreservasdaparte de dois dos membros britânicos. Depois disso, contudo, os membrosbritânicos continuaram a se opor ao maxilar de Moulin Quignon e acabaramconquistandomuitoscientistasparaoladodeles.

“Os antropólogos franceses”, disseKeith, “continuaram a crer na autenticidade domaxilar até 1880-1890, quando deixaram de incluí-Io no rol de descobertas de

homem antigo. Hoje, é quase unânime a opinião de que o maxilar de MoulinQuignonérelíquiainútil.Aoquevemos,essarelegaçãoaoesquecimentocomeçaaose estabelecer a crença de que o Homem de Neandertal representa uma fasepleistocenanaevoluçãoderaçasmodernas.Essaopinião,comotemosvisto,jánãoémaissustentável.”Emoutraspalavras,oscientistasqueacreditavamseremoshomensdeNeandertalosancestraisimediatosdoHomosapiensnãoconseguiramconciliaromaxilar de Moulin Quignon porque isso teria signi cado que existiam sereshumanos anatomicamentemodernos antes dos homens deNeandertal.Hoje, estáfora demoda a idéia de que os homensdeNeandertal tenham sidoos ancestraisdiretosdotipohumanomoderno,massó issonãoé su cienteparaabrircaminhopara a aceitação do maxilar de Abbeville, que, caso seja autêntico, teria mais detrezentosmilanosdeidade.

Pela informaçãoque temos agora ànossadisposição, édifícil formarumaopiniãode nitivasobreaautenticidadedomaxilardeMoulinQuignon.Mesmoaceitandoque omaxilar eosmuitos instrumentosdepederneira encontrados comele eramfalsos, o que isso nos tem a dizer a respeito da natureza da evidênciapaleantropológica?Comoveremos,omaxilareasferramentasdeMoulinQuignon,seforamforjamentos,nãoestãosozinhos.OHomemdePiltdown(Capítulo9)foiaceitodurantequarentaanosantesdeserdescartadocomoumembusteelaborado.

AtualizaçãodeMoulinQuignon

Descobrimos recentementenovas informaçõesquenosdãoumamelhor impressãodomaxilardeMoulinQuignon.Apósodebate sobreMoulinQuignon,BoucherdesPerthescontinuousustentandoquesuasdescobertaseramautênticas.Paraajudara provar isso, ele realizou diversas outras escavações em Moulin Quignon, sobcontroles rigidíssimos e na presença de observadores cientí cos treinados. Essasescavações produziram muitos outros ossos humanos anatomicamente modernos,alémdefragmentosdeossosedentes.Taisdescobertas,quequasenenhumaatençãoreceberam do mundo de língua inglesa, são demonstrações signi cativas de umapresençahumananoPleistocenoMédiodaEuropa,maisdetrezentosmilanosatrás.Elas tambémtendemarati caracondiçãodeautenticidadedomaxilaroriginaldeMoulin Quignon. Essas descobertas importantes, mencionadas aqui apenasbrevemente,sãooassuntodeumfuturolivrodeMichaelA.Cremo.

EsqueletodeClichy

Em1868,EugeneBertrandrelatouàSociedadeAntropológicadeParisadescobertadepartesdeumcrâniohumano,bemcomodeumfêmur, tíbiaealgunsossosdopé,numapedreiranaAvenidadeClichy.Osossosforamencontrados5,25metrosabaixo da superfície. Segundo acreditava Sir Arthur Keith, a camada em que

encontraramosossoshumanosdeClichytinhaamesmaidadequeaquelaemquefoidescobertooesqueletodeGalleyHill.IssoconfeririaaosossosdeClichyaidadedeaproximadamcnte330milanos.Aprofundidadeemqueforamencontradososfósseis humanos de Clichy (mais de 5 metros) anula o argumento de umsepultamentorecente.

Porém, segundo disse Gabriel Mortillet, um operário da pedreira na Avenida deClichylhedissequeenfumaraumesqueletonosítio.

MesmoapósouvirMortilletrelatarahistóriadooperárioqueenfurnaraosossosdoesqueleto de Clichy, um grupo de cientistas manteve-se convencido de que adescobertadeBertranderaautêntica.OprofessorE.T.Hamy,porexemplo,disse:“Adescobertadosr.Bertrandparece-metantomenosquestionávelpelofatodenãoseraprimeiradessaespécienaAvenidadeClichy.Naverdade,osr.Reboux,nossoestimado colega, encontrou naquela mesma localidade, e quase à mesmaprofundidade(4,20metros),ossoshumanosqueeIemedeuparaestudar”.

Segundo registrou Keith, a princípio quase todas as autoridades na Françaacreditaram que o esqueleto de Clichy era tão antigo quanto a camada em queBertrand disse tê-lo encontrado. Mais tarde, após aceitarem os homens deNeandertalcomoosancestraispleistocenosdoshumanosmodernos,osantropólogosfrancesesomitiramoesqueletodeClichy,queantecediaoshomensdeNeandertal,dalistadedescobertas dedignas.Umrepresentantedotipohumanomodernonãodeveriaestarexistindoantesdeseussupostosancestrais.Acha-sequeoshomensdeNeandertalexistiamde30a150milanosatrás.OesqueletodeClichy,noentanto,teriamaisdetrezentosmilanos.

Em suas observações perante a SociedadeAntropológica,Bertrand forneceuprovasadicionaisda grande antiguidadedo esqueletodeClichy.Declarou ter encontradoumcúbitohumanonoestratoquecontinhaosoutrosossosdoesqueletohumanodeClichy.Ocúbitoéomaiordosdoisossos longosdoantebraço.QuandoBertrandtentouextrairocúbito,estepulverizou-se.Eleapresentouissocomoprovadequeoesqueleto humano de Clichy era provavelmente nativo da camada em que foiencontrado. Aparentemente, Bertrand raciocinou que um osso frágil como odesintegradocúbitonãopoderiatersidoretiradodeumacamadasuperiordapedreiraeenfurnadoporumoperárionacamadainferiorondefoiencontrado-decertoteriasido destruído no processo. Isso indicava que o cúbito pertencia ao estrato ondeBertrandoencontrou,tantoquantoosoutrosossoshumanos.

FragmentosdeCrâniodelaDenise

Nos anos 40 do século XIX, descobriram pedaços de osso humano em meio a

estratosvulcânicosemLaDenise,França.Suscitouinteresseparticularoossofrontaldeumcrâniohumano.Segundoa rmouSirArthurKeith,ofrontal“nãodiferedenenhumaformaessencialdoossofrontaldeumcrâniomoderno”.

O frontal foi retirado de sedimentos depositados entre duas camadas de lava. Aprimeira camada de lava era do Plioceno, e a última, do Pleistoceno Superior.Portanto,oossodocrâniopoderiater,oualgunsmilharesdeanos,oudoismilhõesdeanos.Descobriramnoossoaproximadamenteomesmoteordenitrogênioe úorqueode ossosdesítiosdoPleistocenoSuperioremoutrasregiõesdaFrança.Mastaiscomparaçõesnãosãodemuitovalor,issoporqueoteordenitrogênioou úorem osso depende muitíssimo do tipo de sedimento, da temperatura e do uxod’água,quepodemvariarbastantedelugarparalugar.

AverdadeiraidadedofrontaldeLaDenisepermanecedesconhecida,mas,porhaverrazãoparaacreditarqueelepoderiaterdoismilhõesdeanos,nósoincluímosaqui.

OEsqueletodeIpswich

Em1911,J.ReidMoirdescobriuumesqueletohumanoanatomicamentemodernosobumacamadadeargiladoperíodoglacialpertodacidadedeIpswich,naregiãodeEast Anglia, Inglaterra. Lendo diversos relatos secundários, camos sabendo quemais tarde J. ReidMoirmudou de opinião a respeito do esqueleto, declarando-orecente. Por isso, não quisemos incluir o esqueleto de Ipswich neste livro. Noentanto,apósmaioresinvestigações,demo-noscontadequeoesqueletodeIpswichpoderiaserautenticamenteantigo.

Oesqueletofoiencontradoaumaprofundidadede1,38metro,entreumacamadade argila do período glacial e algumas areias glaciais subjacenteso Esses depósitospoderiam ter quatrocentosmil anos.Moir tinha consciência da possibilidade de oesqueletorepresentarumsepultamentorecente.Porconseguinte,teveocuidadodeconstataranaturezaintactaeinexploradadosestratosnosquaisesobosquaisjaziaoesqueleto. Quanto à condição dos ossos, segundo disse Sir Arthur Keith, erasemelhanteàqueladosfósseisanimaisdoPleistocenoencontradosemoutrapartenasareiasglaciais.

Mas a descoberta inspirou muita oposição. Como escreveu Keith, se o esqueletotivessesidotãoprimitivoquantooHomemdeNeandertal,ninguémteriaduvidadoqueeleeratãoantigoquantoaargiladoperíodoglacial.“Sobasuposiçãodequeotipomodernodehomemtambémémodernonasuaorigem”,declarou,“nega-seataisespécimesumgraudealtaantiguidade”.

A despeito da oposição, Moir inicialmente não arredou pé, mantendo que oesqueletodeIpswicheraautenticamenteantigo.Oque,então,aconteceuparafazê-lo

mudardeidéia?Pertodosítioeleencontrou,nomesmonível,algumasferramentasde pedra semelhantes àquelas do período aurignaciano, considerado como tendocercadetrintamilanos.Concluiuqueacamadadeargiladoperíodoglacialacimado esqueleto havia sido formada naquela época a partir dos restos lamacentos dodepósitooriginaldeargiladoperíodoglacial,formadocentenasdemilharesdeanosantes.

Nadaencontramos,nasa rmaçõesdeMoir,quenosleveaaceitarumaidaderecentedetrintamilanosparaoesqueleto.So sticadasferramentasdepedra,comparáveisàquelas da Europa aurignaciana, aparecem no mundo todo, em épocas muitodistantes.Nos anos 1960, descobriram tais instrumentos emHueyatlaco,México,emestratosacusandoumaidade,combaseemtestesdeurânio,demaisdeduzentosmil anos.Durante o século XIX, apareceram objetos de pedra avançadíssimos nasminas de ouro da Califórnia, em cascalhos que poderiam ter a antiguidade doEoceno.Portanto,nãopodemos concordar comMoir,paraquemadescobertadeferramentasdotipoavançadonomesmonívelqueoesqueletodeIpswichfoirazãosu cientepara reinterpretar a estratigra ado sítio,demodoa conciliar a idadedoesqueletocomasupostaidadedasferramentas.

Além do mais, Moir não deu quaisquer motivos geológicos em apoio à suaconclusãodequeaargiladoperíodoglacialeraumalamarecém-depositada.Logo,ahipótesemaissimpleséquesetratavarealmentedeumacamadadeargilaintactadoperíodo glacial, conforme originalmente relatado por Moir e registrado peloInstitutoBritânicodePesquisasGeológicassobreodetalhadomapadaregião.

As areias glaciais onde foi encontrado o esqueleto de Ipswich provavelmente seassentaramentreoiníciodaglaciaçãoangliana,cercadequatrocentosmilanosatrás,eoiníciodointerglacialhoxniano,cercade330milanosatrás.Dessemodo,tudoindicaria que o esqueleto de Ipswich tem entre 330 e 400 mil anos. Algumasautoridades estabelecem o início da glaciaçãoMindel (equivalente à angliana) emtorno de seiscentosmil anos, o que conferiria ao esqueleto de Ipswich uma idadepotencialmente dessa grandeza.Todavia, não se considera que seres humanos dotipomodernotenhamaparecidonaEuropaocidentalantesdetrintamilanosatrás.

TerraAmata

OsítiodeTerraAmataestálocalizadonacostamediterrâneadaFrançameridional.Ali,em nsdadécadade1960,oantropólogofrancêsHenrydeLumleyencontroupadrõesovaisdeori ciosdecolunasecírculosdepedra,indicandoquehominídeoserigiram abrigos temporários e zeram fogueiras cerca de quatrocentos mil anosatrás. Também foram encontradas ferramentas de osso. Entre elas, havia umaaparentementeusadacomosovela,talvezparacosturarpeles.Impressõesencontradas

na antiga super cie do sítio foram tomadas como demonstradoras de que oshominídeos dormiam ou sentavam-se sobre couro. Também foram encontradosinstrumentosdepedra,incluindoumobjetodescritocomoumapontadeprojétil,feito a partir de rocha vulcânica obtida da região de Esterel, a 48 quilômetros dedistância.

Signi cativamente, não encontraram fósseis hominídeos emTerraAmata.Em seuartigo de 1969 sobre as descobertas de Terra Amata, publicado em Scienti cAmerican, Lumley registrou, contudo, a impressão de um pé direito, com 24centímetros de comprimento, preservado na areia de uma duna. Lumley nãoidenti couo tipodehominídeo quedeixouapegada.Noentanto,a julgarpelosrelatórios disponíveis, a pegada não é diferente da de um ser humanoanatomicamentemoderno.Essaimpressãotendearati caraevidênciaesqueletaldesítiosdoPleistocenoMédioqueacabamosdeestudar.

OCrâniodeBuenosAires

Um exemplo fortíssimo de humanos anatomicamente modernos existindo emépocasmuitoantigasvemdaArgentina.Em1896,trabalhadoresqueescavavamumdiquesecoemBuenosAiresencontraramumcrâniohumano(Figura7.1).Elesotiraramdo fundodaescavação, apóspenetraremumacamadade substânciadura esemelhanteaocalcário, chamadatosca.Ocrâniofoiencontrado11metrosabaixodoleitodorioLaPlata.

Os operários que encontraram o crânio deram-no ao sr. Junor, supervisor deles emembro sênior da divisão de obras públicas do porto de Buenos Aires. Ainformação sobre o crânio foi transmitida ao paleontólogo argentino FlorentinoAmeghino pelo sr. EdwardMarsh Simpson, engenheiro da companhia contratadaparaescavaroportodeBuenosAires.NaopiniãodeAmeghino,ocrânioretiradodo fundo da escavação pertencia a um precursor doHomo sapiens que viveu noPlioceno.ElechamouesseprecursordeDiprothomoplatensis.Porém,segundoAlesHrdlicka,daSmithsonianInstitution,ocrânioeraigualaodehumanosmodernos.

O crânio foi encontrado no queAlesHrdlicka chamou de “a porção superior doestrato pré-ensenadeano”, Segundo a opinião geológica moderna, o estrato pré-ensenadeano deveterpelomenosde1a1,5milhãodeanosde idade.Mesmoháummilhão de anos, a presença de um crânio humano inteiramentemoderno emqualquerpartedomundo-issoparanãofalardaAméricadoSul-seriainesperada.Osr. J.E.Clark,capatazdosoperáriosqueacharamocrânio,disseestar“bastantecertodequeocrâniofoiencontradonofundodaescavaçãoesobatosca”.

Bailey Willis, geólogo que acompanhou Hrdlicka em sua expedição à Argentina,

entrevistouo sr. Junor e relatou: “O fragmentode crânio foi extraídodopoço.Eemboraessadeclaraçãosebaseienaspalavrasdocapatazque cousabendodissoporintermédio de um operário, este parece ser o único item na história inicial dadescoberta que não é passível de dúvidas sérias”. Willis prosseguia, apresentandoalgumas especulações vagas e sem fundamento sobre como o crânio poderia terchegadoàquelaposição.

Desuaparte,Hrdlickaconsiderouofatodeocrâniosermodernoemformajásersu cienteparadescartarqualquergrandeidadeparaele.OpreconceitodeHrdlickacaevidentenaseguintedeclaraçãodeseulivrode1912:“Aantiguidade,portanto,

de qualquer resto esqueletal humano que não apresente diferenças marcantes emrelaçãoaosesqueletosdohomemmodernopodeserconsiderada,combaseemdadosmorfológicos, como apenas insigni cante do ponto de vista geológico, nãoatingindo no tempo, com toda probabilidade, além das modernas formaçõesgeológicas,aindainacabadas”.Temosaquiumaformulaçãomuitoclaradoprincípiodúbiodedataçãopormeiodamorfologia.

HomoErectussul-americano?

Antes de prosseguirmos, vamos examinar outra descoberta sul-americana comimplicaçõesperturbadorasparaopensamentoatualarespeitodaevoluçãohumana,emgeral,edopovoamentodoNovoMundo,emparticular.

Em 1970, o arqueólogo canadense Man Lyle Bryan encontrou, num museubrasileiro, uma calota craniana fóssil com paredes muito espessas e arcadassupraorbitaisexcepcionalmentepesadas,reminiscentesdoHomoerectus.Essacalotacraniana provinha de uma caverna na região de Lagoa Santa, no Brasil. QuandoBryanmostrou fotogra asdacalota cranianaadiversos físico-antropólogosnorte-americanos,elesnãoconseguiramacreditarqueelapudessetervindodasAméricas,epropuseram que se tratava ou de uma farsa, um molde, ou possivelmente umacalota ctaniana doVelhoMundo que de alguma forma havia sido introduzida nacoleçãobrasileiraexaminadaporBryan.

MasBryanargumentouquetantoelequantosuaesposa,que tambémviuacalotacraniana,tinhamexperiênciadesobracomossosfósseishumanos.Eambosestavambastantecertosdequeacalotacraniananãopodiatersidoumafarsaouummolde-tratava-sedeumaautênticacalotacranianahumanaaltamentefossilizada.Ofatodea calota de Lagoa Santa não ser um fóssil do Velho Mundo, acidentalmenteintroduzidonacoleçãobrasileira,eraapoiado,diziaBryan,pelofatodeeladiferiremdiversasmedidasimportantesdosjáconhecidoscrâniosdoVelhoMundo.

Qual é a importância da calota de Lagoa Santa? A presença de hominídeos com

característicasdeHomoerectusnoBrasilemqualquerépocadopassadoéaltamenteanômala. Segundo dizem os paleantropólogos que sustentam pontos de vistaconvencionais, somente humanos anatomicamente modernos vieram ter nasAméricas.Ametodologiadaciênciaadmitemudançasdepontodevista,masotipodemudança inerente à aceitação da presença doHomo erectus noNovoMundoseriarevolucionário.

Acalota cranianadaLagoaSantadesapareceumisteriosamentedomuseubrasileiroapósserexaminadoporBryan.UmesqueletoimportantedescobertoporHansReckno des ladeiro Olduvai também desapareceu de um museu. No caso dasdescobertasdeBryaneReck,tivemospelomenosaoportunidadedeouvirfalardelasantes que desaparecessem. Porém, suspeitamos que outros fósseis nos passaramdespercebidospor teremsidocolocadosem lugarerradonosmuseusou talvezporteremsidointencionalmentedescartados-semrelatório.

OMaxilardeFoxhall

Em1855,ummaxilarhumanofoidescobertoemFoxhall,Inglaterra,poroperáriosque escavavam uma pedreira. JohnTaylor, o farmacêutico da cidade, comprou omaxilar deFoxhall (Figura7.2)deumoperárioquequeriaumcopodecerveja,elevou o achado a Robert H. Collyer, sico norte-americano então residindo emLondres.Collyer,tendoadquiridoofóssil,visitouapedreiranafazendadosr.Law.Reparouqueo lençoldeondedisseramhaverextraídoomaxilar cava4,8metrosabaixodasuperfície.Acondiçãodomaxilar,inteiramentein ltradocomóxidodeferro, era compatível com a incorporação nesse lençol. Segundo disse Collyer, omaxilardeFoxhallera“arelíquiamaisantigadoanimalhumanoemexistência”.Onível de 4,8 metros em Foxhall é o mesmo do qual Moir mais tarde recolheuferramentasdepedraesinaisdefogueira.Qualquercoisaencontradanessenívelteriapelomenos2,5milhõesdeanos.

Cientedequeestavadepossedeumfóssildegrandeimportância,Collyermostrou-o a diversos cientistas ingleses, incluindo Charles Lyell, George Busk, RichardOwen,SirJohnPrestwicheomasHuxIey.Todoselesforamcéticosquantoàsuaantiguidade. HuxIey, por exemplo, objetou, alegando que a forma do osso “nãoindicava que ele pertencesse a uma raça extinta ou anômala de ser humano”.Novamente encontramos aqui a crença equivocada de que um osso de aparênciamodernanãopodeserautenticamenteantigo.

Opaleontólogonorte-americanoHenryFair eldOsborn,escrevendonadécadade1920 sobre asdescobertasde ferramentasdepederneira feitasporMoirnamesmaárea onde encontraram o maxilar de Foxhall, perguntou-se por que os cientistassupramencionados não se deram ao trabalho de visitar o sítio arqueológico. Elesdesacreditavam, disseOsborn,“provavelmenteporquea formadomaxilarnãoeraprimitiva”. Além disso, o osso não estava de todo fossilizado, mas isso tambémocorrecommuitosoutrosossosdeidadesemelhante.

Após algum tempo, o maxilar desapareceu de forma misteriosa. Quase nunca émencionadoporautoridadesmodernas,eosquechegamafazermençãodelefazem-no invariavelmente de maneira desdenhosa. Encontramos em Fossil Men, deMarcellinBoule,porexemplo,aseguintedeclaração:“Éprecisoterumatotalfaltadesensocríticoparaprestaralgumaatençãonumaevidênciacomoessa”.

No entanto, muitos ossos e artefatos convencionalmente aceitos também foram

encontrados porhumildes operários.Muitas das descobertas deHomo erectus emJava,porexemplo,foramfeitaspornativosqueerampagosparaisso,masquenãorecebiam orientação nenhuma. E o maxilar de Homo erectus de Heidelberg foiencontradoporoperáriosalemães,cujocapatazentregou-omaistardeacientistas.Seoscientistaspodemlevarasérioessasdescobertas,porque,então,nãopodemlevarasério omaxilar de Foxhall também?Poder-se-ia objetar que os fósseis deHomoerectusdeJavaeomaxilardeHomoerectusdeHeidelbergaindaestãoàdisposiçãoparaseremanalisados,aopassoqueomaxilardeFoxhalldesapareceu.MasosfósseisoriginaisdeHomoerectusdePequimdesapareceramdaChinadurante a SegundaGuerraMundial.Todavia,aindasãoaceitoscomoevidênciadaevoluçãohumana.

OsEsqueletosdeCastenedolo

Milhões de anos atrás, durante o período do Plioceno, um mar quente lavou osdeclivesmeridionaisdosAlpes,depositandocamadasdecoral emoluscos.Em nsdoverãode1860,oprofessorGiuseppeRagazzoni,geólogodoInstitutoTécnicodeBrescia,viajouparaCastenedolo,cercade10quilômetrosasudestedeBrescia,pararecolherconchasfósseisnosestratosdoPliocenoexpostosnumavalanabasedeumacolinabaixa,oColledeVento(Figura7.3).

Ragazzonirelatou:“Procurandoconchasaolongodeumbancodecoral,veiopararemminhamãoapartedecimadeumcrânio,completamentecobertadepedaçosdecoral acimentados, com a característica argila verde-azulada daquela formação.Espantado,continuei abuscae, alémdapartedecimadocrânio, encontreioutrosossos do tórax e membros, os quais, ao que tudo indicava, pertenciam a umindivíduodaespéciehumana”.

Ragazzoni levou os ossos até os geólogos A. Stoppani e G. Curioni. SegundoRagazzoni, a reaçãodeles foinegativa: “Nãodandomuito crédito às circunstânciasdadescoberta,elesexpressaramaopiniãodequeosossos,emvezdeseremdeumindivíduomuitoantigo,eramdeumsepultamentorecentenaqueleterreno”.

“Então, joguei os ossos fora”, declarou Ragazzoni, “não sem pesar, porque osencontrei jazendo entre o coral e as conchas marinhas, parecendo, a despeito dospontos de vista dos dois idôneos cientistas, que tinham sido transportados pelasondasdooceanoecobertosdecoral,conchaseargila.”Masaquelenãofoio mdahistória.Ragazzoninãoconseguiatirardesuamenteaidéiadequeosossosqueele

encontrarapertenciamaumserhumanoqueviveuduranteoPlioceno.“Portanto”,escreveuele,“volteiumpoucomaistardeaomesmosítio,econseguiencontrarmaisalgunsfragmentosdeossonamesmacondiçãodosprimeirosdescobertos”.

Em1875,CarloGermani,aconselhodeRagazzoni,comprouterrasemCastenedolocomopropósitodevenderargilaconchosaricaemfosfatoparaosfazendeiroslocaisusaremcomofertilizante.Ragazzonideclarou:“ExpliqueiaGermanisobreosossosquehaviaencontrado,eaconselhei-oaestaratentosemprequefizessesuasescavaçõeseamemostrarquaisquernovosrestoshumanos”.

Emdezembrode1879,Germanideparoucomalgunsossos em suas escavações, acercade15metrosdo lugarondeosprimeirosossoshumanos foramencontrados.Em2dejaneirode1880,GermanienviouumamensagemaRagazzoniarespeitodasdescobertas.Ragazzonirecordava:“Nodiaseguinte,fuiatélácommeuassistenteVincenzoFracassi,a mderecolherosossoscomminhasprópriasmãos”.Entreosossos incluíam-se pedaços do crânio, alguns dentes e partes da espinha dorsal,costelas,braços,pernasepés.

Maisdescobertassurgiriam.Em25dejaneiro,GermanitrouxealgunsfragmentosdemaxilaredentesparaRagazzoni.Foramencontradosacercade2metrosdosossosachados antes, em janeiro. Ragazzoni regressou a Castenedolo e encontrou maisfragmentos de crânio,maxilar, espinha dorsal e costelas, bem como alguns dentessoltos. “Todos eles”, disse Ragazzoni, “estavam completamente cobertos epenetradospelaargilaeporpequenosfragmentosdecoraleconchas,queeliminaramqualquersuspeitadequeosossosfossemaquelesdepessoasenterradasemtúmulos,con rmando, pelo contrário, o fato de terem sido transportados pelas ondas domar.” Em 16 de fevereiro, Germani avisou Ragazzoni que havia descoberto umesqueleto completo. Ragazzoni viajou para o sítio e supervisionou a escavação.Oesqueleto,envolvidoporumamassadeargilaverde-azulada,tratava-sedeumafêmeahumanaanatomicamentemoderna.

“O esqueleto completo”, disseRagazzoni, “foi encontrado nomeio da camada deargila azul [...] O estrato de argila azul, com mais de 1 metro de espessura, tempreservadosuaestrati caçãouniforme,nãomostrandoqualquersinaldealteração”.Acrescentou ainda: “É bem provável que o esqueleto tinha sido depositado numaespécia de lama marinha, e não enterrado posteriormente, pois, nesse caso, seriapossível detectar vestígios das sobrejacentes areia amarela e argila vermelho-férreachamadaferretto”.

Em suma, qualquer sepultamento teria com certeza produzido uma misturaperceptível de diferentes materiais coloridos na camada de argila azul (nesse caso,

intacta); e Ragazzoni, um geólogo, testemunhou não haver sinal nenhum desemelhantemistura.Alémdomais,aargilaazultinhasuaprópriaestrati cação,queestavaintacta.

Ragazzoni considerou outra possível objeção à sua conclusão de que os ossoshumanos deCastenedolo eram tão antigos quanto a camada do Plioceno emqueforamencontrados.Talvezriachostivessemdesvestidoascamadasqueencobriamaargilaazulepenetradoaprópriaargilaazul.Osossoshumanospoderiam,assim,tersidolevadosparacavidades,ealgumnovomaterialpoderiatersedepositadosobreeles, Isso poderia explicar por que não havia sinais de sepultamento. Contudo,Ragazzoni disse ser improvável que os fósseis humanos tivessem sido levadosrecentemente para as posições em que foram encontrados: “Os restos fósseisdescobertosem2dejaneiroe25dejaneirojaziamaumaprofundidadedecercade2metros.Osossosestavamsituadosnafronteiraentreobancodeconchasecoraleaargilaazulsobrejacente.Estavamdispersos,comoqueespalhadospelasondasdomarentreasconchas.Aformacomoestavamsituadospermite-nosexcluirporcompletoqualquerpossibilidadedeposteriormisturaoualteraçãodosestratos”.

Ragazzonia rmouainda:“Oesqueletoencontradonodia16defevereiroocorreuaumaprofundidadedemaisde1metronaargilaazul,quepareciatê-locobertonumestadodesedimentaçãolenta”.Asedimentaçãolentadaargila,queestavaestrati cadasegundodisseRagazzoni,descartouahipótesedequeoesqueletotivessesidolevadorecentementeparadentrodaargilaazulporumriachotorrencial.

Geólogos modernos situam as argilas azuis em Castenedolo na etapa astiana doPliocenoMédio,oquedariaàsdescobertasdeCastenedolouma idadedecercadetrêsaquatromilhõesdeanos.

Em1883,oprofessorGiuseppeSergi,anatomistadaUniversidadedeRoma,visitouRagazzoni e examinou pessoalmente os restos humanos no InstitutoTécnico deBrescia. Após estudar os ossos, ele determinou que eles representavam quatroindivíduos:umhomemadulto,umamulheradultaeduascrianças.

SergitambémvisitouosítioemCastenedolo.Eleescreveu:“LáfuinacompanhiadeRagazzoni,nodia14deabril.Avalaquehaviasidoescavadaem1880aindaestavalá,eosestratosestavamclaramentevisíveisemsuasucessãogeológica”.

Sergiacrescentou:“Setivessemcavadoumacovaparafazerumsepultamento,elanãoteria sido preenchida exatamente como antes. A argila das camadas superiores dasuperfície,reconhecívelporsuacorvermelhaintensa,teriasemisturadonacova.Taisdescoloraçãoealteraçãodosestratosnãoteriampassadodespercebidasnemmesmodeumapessoacomum,issoparanãofalardeumgeólogotreinado”.Sergitambém

observou que, exceto o quase completo esqueleto de mulher, a maior parte dosossos estava dispersa entre as conchas e o coral abaixo da argila azul, como queatravessandoumaúnicasuperfícieplana.Issoapoiavaopontodevistadequeessescorpos haviam repousado no fundo raso do mar. Ao degenerarem-se, seus ossosespalharam-sepela açãoda água. “Oesqueletodemulher, quaseque inteiramentepreservado”, disse Sergi, “não foi encontrado numa postura indicadora de umsepultamentocomum,masvirado.”SegundoestavaconvencidoSergi,osesqueletosdeCastenedoloeramosrestosdehumanosqueviveramduranteoperíodoPliocenodo terciário. Quanto às opiniões negativas de outros, de disse: “A tendência derejeitar, em virtude de preconceitos teóricos, quaisquer descobertas que possamdemonstrar uma presença humana no terciário é, creio eu, uma espécie depreconceito cientí co.A ciêncianatural deveria despojar-se desse preconceito”.Noentanto,essepreconceitonãofoisuperado,persistindoatéhoje.Sergiescreveu:“Emvirtude de um despótico preconceito cientí co, qualquer que seja o nome a eleatribuído, toda descoberta de restos humanos no Plioceno tem sido posta emdescrédito”.

Mas Sergi não foi o único a aceitar as descobertas deRagazzoni emCastenedolo.ArmanddeQuatrefages, conhecidonossodesdenossoestudodos instrumentosdepedra, também as aceitou. Em relação ao esqueleto de mulher descoberto emCastenedolo, disse ele em seu livro Races humaines: “Não existe razão séria paraduvidardadescobertadosr.Ragazzonie[...]seamesmafossefeitanumdepósitoquaternário,ninguémteriapensadoemcontestarsuaexatidão.Nada,portanto,podeseoporaelasenãoobjeçõesteóricasapriori”.

Em1889,outroesqueletohumanofoidescobertoemCastenedolo.Essadescobertaintroduziuumelementodeconfusãoquantoàsdescobertasde1880.

RagazzoniconvidouG.SergieA.Isselparaexaminaremonovoesqueleto,quehaviasido encontrado num antigo lençol de ostras. Segundo relatou Sergi, tanto elequantoIsselacreditavamseressenovoesqueletode1889uma intrusãorecentenascamadasdePlioceno,porqueoesqueletoquaseintactojaziadecostasnuma ssuradolençoldeostras,mostrandosinaisdetersidoenterrado.

Porém, em seu próprio ensaio, Issel acaba concluindo que as descobertas de 1880também eram sepultamentos recentes.Numanota de pé de página, Issel a rmavater Sergi concordado com ele que nenhum dos esqueletos encontrados emCastenedolo era do Plioceno. Para a comunidade cientí ca, isso aparentementeresolveuainterminávelcontrovérsia.

MasSergiescreveumaistardequeIsselestavaequivocado.Adespeitodeseupontodevistadequeoesqueletode1889erarecente,Sergidisse jamaisterabandonado

suaconvicçãodequeosossosde1880eramdoPlioceno.Masoestragohaviasidofeito,eSerginãoestavadispostoatravarnovabatalhaparareabilitarasdescobertasde1880.Depoisdisso,osilêncioouoridículotornaram-seasrespostas-padrãoemrelaçãoaocasodeCastenedolo.

UmhomexemplodotratamentoinjustodadoàsdescobertasdeCastenedolopodeser encontrado no Textbook of European archaeology, do professor R. A. S.Macalister, escrito em 1921. Conforme admitiu Macalister, as descobertas deCastenedolo, “seja lá o quepensarmosdelas, precisam ser tratadas com seriedade”.Observou ele que elas haviam sido “extraídas por Ragazzoni, um geólogocompetente[...]eexaminadasporSergi,umanatomistacompetente”.Mesmoassim,elenãoconseguiaaceitarquefossemdoPlioceno.Diantedefatosdesconcertantes,Macalister a rmou: “provavelmente deve haver algo errado em algum lugar”. Emprimeiro lugar,osossos eram anatomicamentemodernos. “Ora, se eles realmentepertenciam ao estrato em que foram encontrados”, escreveu Macalister, “issoimplicaria uma pausa extraordinariamente longa para a evolução. É muito maisprovável que haja algo incorreto nas observações.” Macalister também disse: “Aaceitação de uma data pliocena para os esqueletos de Castenedolo criaria tantosproblemas insolúveisquemalpodemoshesitar emescolher entre as alternativasdeadotar ou rejeitar sua autenticidade”. Temos aqui mais uma vez as idéiaspreconcebidas de um cientista sobre evolução in uenciando-o a rejeitar provasesqueletaisquedeoutraformaseriamconsideradasdeboaqualidade.

Macalister citou Issel, para apoiar suas tentativas de pôr as descobertas deCastenedolo emdescrédito,muito emborao relatóriode Issel de1889de fato sópusesseemdescréditooesqueletode1889.Porexemplo,Macalister,referindo-seatodas as descobertas deCastenedolo, escreveu: “O examedos ossos e sua situação,feito por Isset, deGenebra, revelou o fato de que os estratos estavam cheios dedepósitosmarinhos,equetodacoisasólidadentrodeles,excetoosossoshumanos,mostravaincrustaçõesmarinhas”.EmborasejaverdadequeIsselrelatouofatodeosossos do esqueleto descoberto em 1889 serem macios e isentos de incrustação, omesmonão sepodedizerdasdescobertas anteriores, que tantoRagazzoniquantoSergidisseramestaremincrustadascomargilaazuldoPliocenoepedaçosdeconchasecoral.

OutroexemplodotratamentoinjustodadoàsdescobertasdeCastenedoloencontra-se em Fossil men. Nesse livro, Boule e Vallois a rmam “parecer certo que emCastenedolo [...] estamos lidando com sepultamentos mais ou menos recentes”.Porém, em Fossil men, Boule e Vallois dedicaram apenas um parágrafo aCastenedolo,nãomencionandoascamadasintocadassobrejacentesaosesqueletosou

oestadodispersoouincompletodealgunsdosesqueletos-informaçãoquetendeadescartarosepultamentointrusivo.

BouleeValloisobservaram:“Em1889,adescobertadeumnovoesqueletofoitemade um relatório o cial do professor Issel, que na ocasião observou estarem osdiversos fósseisdessedepósito impregnadosde sal, comaúnicaexceçãodosossoshumanos”. Nessa passagem, Boule e Vallois insinuam que o que era verdade arespeito dos ossos encontrados em 1889 também o era a respeito daquelesencontradosanteriormente.Masemseurelatóriode1889,Isseldescreveusomenteos ossos encontrados nesse ano. De fato, Issel sequer mencionou a palavra sal,referindo-se, em vez disso, a “incrustações marinhas” - que estavam, conformemencionadoacima,presentesnosossosencontradosem1860e1880.

Os cientistas têm aplicado testes químicos e radiométricos para negar uma idadepliocena aosossosdeCastenedolo.Ossos frescos contêmumacertaquantidadedenitrogênioemsuaproteína,oquetendeadiminuircomotempo.Numrelatóriode1980,K.P.OakleydescobriuqueosossosdeCastenedolotinhamumteordenitrogêniosemelhante aodeossosdesítios italianosdoPleistocenoSuperioredoHoloceno,econcluiu,portanto,queosossosdeCastenedoloeramrecentes.Porém,ograudepreservaçãodonitrogênioemossospodevariarmuitodesítioparasítio,fazendocomquemuitascomparaçõesdeixemdesercon áveiscomoindicadorasdeidade. Os ossos de Castenedolo foram encontrados em argila, uma substânciaconhecidaporpreservarproteínasemossosquecontêmnitrogênio.

Osossostendemaacumular úordolençolfreático.OsossosdeCastenedolotêmumteorde úorqueOakleyconsiderourelativamentealtoparaossosporeletidoscomo recentes. Oakley explicou essa discrepância, postulando níveis passadossuperiores de úor para o lençol freático de Castenedolo. Mas isso foi meraadivinhação. Os ossos também tinham alta e inesperada concentração de urânio,compatívelcomumagrandeidade.

Umtestedecarbono14produziuumaidadede958anosparaalgunsdosossosdeCastenedolo.Noentanto,comonocasodeGalleyHill,osmétodosempregadosjánãosãoconsideradoscon áveis.Eosprópriosossos,quevinhamdesfazendo-seempónummuseuporquasenoventaanos,forammuitoprovavelmentecontaminadoscomcarbonorecente,fazendocomqueotesteproduzisseumaidadeerroneamenterecente.

OcasodeCastenedolodemonstra asde ciênciasdametodologia empregadapelospaleantropólogos.Aatribuiçãoinicialdeumaidadepliocenaàsdescobertasde1860e1880parecejusti cada.Elasforamfeitasporumgeólogotreinado,G.Ragazzoni,queobservoucomcuidadoaestratigra adosítio.Eleprocurouespecialmentesinais

desepultamentointrusivo,nãoobservandonenhum.Ragazzonifezodevidorelatode seus achados a seus companheiros cientistas em jornais cientí cos. Contudo,comoos restos erammodernos emmorfologia, passarampor Intensa investigaçãonegativa.ConformepalavrasdeMacalister,tinhadehaveralgoerrado.

Adescriçãodasorigenshumanashojedominantenacomunidadecientíficaéprodutode atitudes como a de Macalister. Durante este século, a idéia de uma evoluçãoprogressivadotipohumanodesdeancestraismaissimiescostemnorteadoaaceitaçãoe a rejeição de provas. Qualquer evidência que contradiga a idéia da evoluçãohumanaécuidadosamenteeliminada.Portanto,quandolemoslivrosdidáticossobrea evolução humana, podemos pensar: “Bem, a idéia da evolução humana deve serverdadeiraporquetodaevidênciaaapóia”.Massemelhantesapresentaçõesdelivrosdidáticos são desorientadoras, pois é a crença inquestionada de que os humanosrealmente evoluíram de ancestrais simiescos que tem determinado que evidênciadeveserincluídaecomodeveserinterpretada.

OEsqueletodeSavona

VoltamosagoranossaatençãoparaoutradescobertadoPlioceno, feitaemSavona,umacidadenaRivieraitaliana,cercade50quilômetrosaoestedeGênova.Nosanos50 do século XIX, enquanto construíam uma igreja, operários descobriram umesqueletohumanoanatomicamentemodernonofundodeumavalade3metrosdeprofundidade.Acamadaquecontinhaoesqueletotinhadetrêsaquatromilhõesdeanosdeidade.

Arthur Issel comunicou detalhes da descoberta de Savona aos membros doCongresso Internacional de Antropologia e Arqueologia Pré-históricas em Paris,1867.Segundodeclarouele,ohumanodeSavona“eracontemporâneodosestratosemquefoiencontrado”.

Mortillet, contudo, escreveu, em 1883, que as camadas pliocenas em Savona,sedimentadas em águas costeiras rasas, continham ossos isolados de mamíferosterrestres,aopassoqueoesqueletohumanoestavapraticamenteintacto.“Acasoissonãoprova”,disseele,“que,emvezdosrestosdeumcadáverhumanobalançandoaosabordasondasdeummardoPlioceno,estamossimplesmentenapresençadeumsepultamento posterior de data indeterminada?” No Congresso Internacional deAntropologiaeArqueologiaPré-históricasemBolonha,1871,opadreDeoGratias,sacerdote que estivera presente à época da descoberta do esqueleto humano emSavona, fezum relato indicandonão se tratardeum sepultamento intrusivo.DeoGratias,estudantedepaleontologia,observou:“Ocorpofoidescobertoemposiçãoestirada,comosbraçosestendidosparaafrente,acabeçaligeiramentecurvadaparaafrenteeparabaixo,ocorpoelevadodemaisemrelaçãoàspernas,comoumhomem

na água. Podemos supor que um corpo fosse enterrado em semelhante posição?Acasonãoé,aocontrário,aposiçãodeumcorpoabandonadoàmercêdaágua?Ofato de o esqueleto ter sido encontrado ao lado de uma rocha no lençol de argilatornaprovávelqueeletenhasidoarrastadocontraesseobstáculo”.

Deo Gratias declarou ainda: “Se tivesse sido um sepultamento, esperaríamosencontrarascamadassuperioresmisturadascomasinferiores.Ascamadassuperiorescontêmareiadequartzitobranco.Oresultadodamisturaviriaaseroesclarecimentode nitivo acerca de uma região intimamente circunscrita de argila pliocena,su ciente para provocar certas dúvidas entre os espectadores de que eraautenticamenteantiga,conformeelesafirmaram.Asmaioresemenorescavidadesdosossos humanos estão cheias de argila pliocena compactada. Isso só poderia teracontecido quando a argila estava em consistência barrenta, durante épocas doPlioceno”.DeoGratiassalientouqueaargilaestavaagoraduraeseca.Alémdisso,oesqueleto, tendo sido encontrado a uma profundidade de 3metros, estava fundodemaisparaumsepultamento.

Acombinaçãodos fósseis encontradosemSavonapode,portanto, serexplicadadaseguinteforma.Osítiofoioutroracobertopelasrasaságuas litorâneasdeummardo Plioceno, conforme demonstra a presença de conchas características. É possívelqueosanimais tenhammorridoemterra rmee seusossos isolados tenhamsidoarrastadosparaomar e incorporados à formação.Osossoshumanos, encontradosem ligaçãonatural, podem ter vindo repousarnamesma formaçãomarinha comoresultado de alguém que tivesse se afogado durante o Plioceno, talvez após oafundamento de um barco. Isso explica a presença de um esqueleto humanorelativamentecompletoemmeioaossosdeanimaisespalhados,semsernecessáriorecorrer à hipótese do sepultamento intrusivo recente. Tenha em mente que aposturadoesqueleto,comorostoviradoeosmembrosestirados,eracomoadeumcadáverafogado,enãocomoadeumcadáverenterradodeformadeliberada.

VértebradeMonteHermoso

NoCapítulo5,analisamosadescobertadeferramentasdepederneiraesinaisdeusointencional do fogo em Monte Hermoso, Argentina. Agora, estudaremos o ossohumanoaliencontrado-umatlas,oossomaiselevadodacolunavertebral.SantiagoPozzi,funcionáriodoMuseudeLaPlata,retirou-odaformaçãomonte-hermosanadoPlioceno Inferiorduranteosanos80doséculoXIX.Sóatraiualgumaatençãoanosmais tarde.Naquela época, aindaestavacobertopela loessmarrom-amareladacaracterística da formaçãomonte-hermosana, que temde três a cincomilhões deanos.

Ofatodeoossojazerporanosa onummuseuantesdeserreconhecidonãodeve

desquali cá-Io.OcrâniodeGibraltarestevemuitosanosnomuseudeguarniçõesantes de ser reconhecido como um espécime deNeandertal. Além disso, diversosfêmuresdeHomoerectusoriundosdeJavaforamtransportadosparaaHolandaemcaixasdeossos.Ficaramirreconhecidosenãocatalogadospordiversasdécadas,mashoje estão relacionados em livros didáticos com outras descobertas já aceitas.Embora o número de casos semelhantes possa ser ampliado, o que interessa éentender que os cientistas têm tomado conhecimento de muitas descobertas defósseis totalmente aceitas da mesma forma que ocorreu com o atlas de MonteHermoso.

Apósaloessepliocenaserremovida,oscientistasestudaramcuidadosamenteoosso.FlorentinoAmeghino,aceitandoquesetratavadeumossodoPlioceno,atribuiuaoatlas um ancestral humano simiesco. Em sua descrição do osso, ele identi coucaracterísticasqueconsiderouprimitivas.

MasAlesHrdlickademonstroude forma convincente que o osso era, na verdade,modernoemsuaforma.ComoAmeghino,Hrdlickaacreditavaqueaformahumanadevia,àmedidaqueretrocedenotempo,tornar-secadavezmaisprimitiva.SegundoHrdlicka, seumosso erado tipohumano inteiramentemoderno, então,qualquerquefosseacamadaemquefosseencontrado,eletinhadeserdeorigemrecente.Apresençadesemelhanteossonumestratoantigopodiasempreserde-fatotinhadeser-explicadacomoalgumaespéciedeintrusão.

Existe, contudo, outra possível explicação: seres humanos do tipo siologicomodernoviviamhámaisdetrêsmilhõesdeanosnaArgentina.Issoérati cadopelofatodequeoatlasmostravasinaisdetersidointeiramenteIncrustadoemsedimentosdaformaçãomonte-hermosana.

Notodo,HrdlickaachavaqueoatlasdeMonteHermosoeradignodeser“relegadoda necessidade ao esquecimento”. É isso exatamente o que aconteceu. De outromodo,aafirmaçãodeHrdlickadequeoshumanossóingressammrecentementenasAméricasteriasidocolocadaemsituaçãomuitoduvidosa.Hojeháqueminsistaqueoatlas deMonteHermosodevapermanecernaobscuridadeaquefoirelegado.Aevidênciadeumapresençainteiramentehumanatrêsmilhõesoumaisdeanosatrás,ainda mais na Argentina, continua não sendo bem-vinda entre a elite dapaleantropologia.

OMaxilardeMiramar

Em 1921,M. A. Vignati registrou a descoberta de ummaxilar inferior humano,comdoismolares,naformaçãochapadmalalanadoPliocenoSuperioremMiramar,Argentina. Anteriormente, haviam descoberto nesse sítio algumas ferramentas de

pedraeumossodemamíferocomumapontadeflechaincrustadanele(Capítulo5).O maxilar foi descoberto por Lorenzo Parodi, um colecionador de museu. E.Boman relatou que Parodi encontrou o maxilar e seus molares “incrustados nabarranca, a uma grande profundidade nos estratos chapadmalalanos,aproximadamenteaoníveldomar”.Omaxilar teria,portanto,cercadedoisa trêsmilhõesdeanos.

Boman, porém, manteve-se cético. Ele declarou: “Os jornais publicaram artigosbombásticos sobre os mais antigos restos humanos do mundo. Mas todos queexaminaram osmolaresos consideraram idênticosaosmolares correspondentesdesereshumanosmodernos”.

Boman supunhaque anatureza inteiramentehumanado fragmentodemaxilardeMiramar assegurava inequivocamente sua data recente. Porém, nada do que dizBomanexcluiapossibilidadedequeofóssildeMiramardemonstreumapresençainteiramentehumananoPliocenodaArgentina.

CrâniodeCalaveras

No Capítulo 5, analisamos os diversos instrumentos de pedra descobertos noscascalhos auríferos das montanhas Sierra Nevada, da Califórnia. Nesses cascalhos,também foram encontrados ossos humanos, que variam entre 9 e 55milhões deanosdeidade.

Emfevereirode1866,osr.Mattison,principalproprietáriodaminaemBaldHill,pertodeAngelsCreek,emCalaverasCounty,retirouumcrâniodeumacamadadecascalho40metros abaixoda superfície.Ocascalhoestavapertodo leitode rocharme, debaixo de diversas camadas distintas de material vulcânico. As erupções

vulcânicas começaram nessa região durante oOligoceno, continuaram por todo oMiocenoeacabaramnoPlioceno.UmavezqueocrâniosurgiupertodofundodaseqüênciadecamadasintercaladasdecascalhoelavaemBaldHill,pareceriaprovávelqueocascalhoemquefoiencontradoocrânioeramaisvelhoqueoPlioceno,talvezmuitomaisvelho.

Apósencontrarocrânio,Mattisonlevou-omaistardeparaosr.Scribner,umagentedaWells, Fargo andCo.’s Express em Angels.O sr.Matthews, assistente do sr.Scribner, retirou parte das incrustações que cobriam a maior parte do fóssil. Aoreconhecerqueerapartedeumcrâniohumano,enviou-oaodr.Jones,queviviaemMurphy’s,aldeiapróximadali,eeraumentusiásticocolecionadordetaisartigos.Emseguida,odr.JonesescreveuparaoescritóriodoInstitutodePesquisasGeológicasemSãoFranciscoe,apósreceberresposta,encaminhouocrânioparaesseescritório,ondefoiexaminadoporJ.D.Whitney,ogeólogopúblico.Whitneyviajouquanto

antes paraMurphy’s eAngels, onde pessoalmente questionou o sr.Mattison, quecon rmou o relato feito pelo dr. Jones. Tanto Scribner quanto Jones eramconhecidospessoaisdeWhitney,queosconsideravadignosdeconfiança.

Em16dejulhode1866,WhitneyapresentouàAcademiadeCiênciasdaCalifórniaum relatório sobre o crânio de Calaveras, a rmando ter sido ele encontrado emestratosdoPlioceno.OcrâniocausougrandesensaçãonosEstadosUnidos.

SegundoWhitney:“Aimprensareligiosadestepaíspassouaestudaroassunto[...]efoiinteiramenteunânimeemdeclararqueocrâniodeCalaveraseraum‘embuste’”.Whitneyobservouqueashistóriasdeembuste só surgiramapós suadescoberta tersidoamplamentedivulgadaemjornais.

Algumas das histórias de embuste foram propagadas não por jornalistas, mas porcientistas como William H. Holmes, da Smithsonian Institution. Durante: umavisita ao condado deCalaveras, ele colheu o testemunho de algumas pessoas queeram conhecidas do sr. Scribner e do dr. Jones, e esses testemunhos levantavam apossibilidadedequeocrânioexaminadoporWhitneynãofosseumfóssilterciáriogenuíno. Porém, há um problema com a hipótese do embuste - existem muitasversões.Alguns dizem quemineiros religiosos plantaram o crânio para enganar ocientistaWhitney.Outrosdizemqueosmineirosplantaramocrâniopara enganaroutromineiro.OutrosaindadizemqueMattisonencontrouumcrânioautênticoemaistardedeuumcrâniodiferenteparaWhitney.EháquemdigaqueosamigosdeMattisondeumacidadepróximaplantaramocrânioparapregar-lheumapeça.Essetestemunhocontraditóriopõeemdúvidaaidéiadoembuste.

Após visitar Calaveras, Holmes examinou o verdadeiro crânio de Calaveras noMuseuPeabody,emCambridge,Massachusetts,concluindoque“ocrâniojamaisfoicarregado equebradonumatorrenteterciária, jamaisveiodosantigoscascalhosdamina de Mattison e não representa, de forma nenhuma, uma raça terciária dehomens”. Parte do testemunho que rati ca essa conclusão vem de pessoas queexaminaram a matriz de seixos e terra em que o crânio de Calaveras havia sidodescoberto. Segundo disse o dr. F.W. Putnam, doMuseu Peabody deHistóriaNaturaldaUniversidadedeHarvard,ocrânionãoapresentavavestígionenhumdecascalho das minas. William J. Sinclair, da Universidade da Califórnia, tambémexaminoupessoalmenteocrânioedissequeomaterialgrudadonelenãoeracascalhoda mina de ouro. Era o tipo de material, pensou ele, normalmente encontradonumacaverna,ondeosíndiosàsvezesdeixavamcorpos.

Porém,Holmesrelatou:“Odr.D.H.DalIa rmaque,emSãoFrancisco,em1866,elecomparouomaterialgrudadonocrâniocompartesdocascalhodamina,eeleseram semelhantes em seus aspectos essenciais”. E W. O. Ayres, escrevendo no

AmericanNaturalist em1882,declarou:“Euovi e examinei comtodocuidadoàépocaemquechegouàsmãosdoprofessorWhitney.Estavanãosóincrustadocomareia e cascalho, mas também suas cavidades estavam apinhadas com o mesmomaterial; e aquele material era de uma espécie peculiar, uma espécie que eu tiveoportunidade de conhecer inteiramente”. Tratava-se, disse Ayres, do cascalhoportadordeouroencontradonasminas,enãoumrecentedepósitodecaverna.

Noque concerne ao crânio,Ayres observou: “Andamdizendoque se trata deumcrânio moderno incrustado após alguns anos de sepultamento. Essa a rmação,contudo,jamaispoderiatersidofeitaporalguémqueconheçaaregião.Ocascalhonão tem a menor tendência a uma ação dessa espécie [...] as cavidades do crânioestavam apinhadas com a areia solidi cada e acimentada, de tal maneira que sópoderiamter cadoassimseaareiafosseintroduzidacavidadesadentrosobaformadeuma massa semi uida, condição que os cascalhos jamais tiveramdesde que sesedimentaram”.

Em sua descrição original do fóssil,Whitney observou que o crânio de Calaverasestavaaltamentefossilizado.Issoédecertoconsistentecomumagrande idade.Noentanto,comosalientouHolmes,tambéméverdadequeosossospodemfossilizar-senodecorrerdealgumascentenasoumilharesdeanos.Todavia,ogeólogoGeorgeBecker registrou em 1891: “Posso ver que muitos bons juízes estão inteiramenteconvencidosdaautenticidadedocrâniodeCalaveras,eossrs.ClarenceKing,O.C.Marsh,F.W.PutnameW.H.Dallasseguraram-mequeesseossofoiencontradonocascalhodebaixoda lava”.Beckeracrescentouter feitotaldeclaraçãocomadevidapermissão das autoridades citadas. Clarence King, como já mencionamosanteriormente, era um geólogo famoso, vinculado ao Instituto Americano dePesquisasGeologicas.O.C.Marsh,umpaleontólogo,foiumcaçadorpioneirodefósseisdedinossauroeatuoucomopresidentedaAcademiaNacionaldeCiênciasdeIH83a1895.MasF.W. Putnam,doMuseuPeabodydeHarvard, conforme jávimos,mudoudeopiniãomaistarde,dizendoqueamatrizdocrâniopareciaserumdepósitodecaverna.

Pode-serealmentedizercomcertezaqueocrâniodeCalaveraseraautênticoouumembuste?Aevidênciaétãocontraditóriaeconfusaque,emboraocrâniopudessetervindodeumacavernade sepultamento indígena,deveríamos suspeitardequalquerpessoaqueseapresentecomqualquertipodeconclusãocategórica.OleitorpoderáfazerumapausaparacontemplarquepassosalguémtomariaparaformarsuaprópriaopiniãosobreaidadeverdadeiradocrâniodeCalaveras.

Devemos, no entanto, ter em mente que o crânio de Calaveras não foi umadescoberta isolada. Encontraram, em depósitos próximos, grandes quantidades de

instrumentos de pedra de idade semelhante. E, conforme veremos, tambémdescobriram,namesmaregião,outrosrestosesqueletaishumanos.

Emvistadisso,ocrâniodeCalaverasnãopodeserdescartadosemamaiscuidadosaconsideração. Como disse Sir Arthur Keith em 1928: “A história do crânio deCalaveras[...]nãopodeseromitida.Esseéo‘fantasma’queassombraoestudantedohomemprimitivo[...]pondoàprovaospoderesdecrençadetodoperitoquasequeaopontodeexaustão”.

MaisfósseishumanosdaterradoourodaCalifórnia

Em1º.dejaneirode1873,opresidentedaSociedadedeHistóriaNaturaldeBostonleutrechosdeumacartadodr.C.F.WinslowsobreadescobertadeossoshumanosemTableMountain,TuolumneCounty.Adescobertafoifeitaem1855ou1856,eos detalhes foram comunicados a Winslow pelo Capitão David B. Akey, que atestemunhara.AdescobertaocorreucercadedezanosantesdeJ.D.WhitneyrelatarpelaprimeiravezadescobertadofamosocrâniodeCalaveras.

Winslow a rmou: Durante minha visita a esse campo de mineração, queiconhecendo o Capitão David B. Akey, antes comandante de uma companhia devoluntáriosdaCalifórnia,ebemconhecidoentremuitaspessoasrespeitáveisnaqueleEstado.Duranteminhaconversacomele, queisabendoqueem1855e1856eleseempenhou,ao ladodeoutros mineiros,emabrirgaleriasnaTableMountain,emTuolumneCounty,àprofundidadedecercade60metrosdasbordas,embuscadeourodealuvião.Declaraeleque,numtúneladentradonamontanhaàdistânciadeuns15metrosdeondeelecomeçaraotrabalho,enomesmonível,foiencontradoum esqueleto humano completo, que foi tirado de lá pelosmineiros conhecidosdele,mascujosnomeselenãolembraagora.Elenãoviuosossosnolocal,masosviuapósseremlevadosdotúnelparaumacabanavizinha.Todososossosdoesqueletoforam aparentemente carregados nos braços dosmineiros e colocados numa caixa,sendo opinião dos presentes que o esqueleto provavelmente estivera perfeitoenquanto jazia na galeria. Ele não sabe o que sucedeu com os ossos, mas podecon rmaraverdadedessadescoberta,equeosossoseramdeumesqueletohumanoem excelente estado de preservação. O esqueleto estava quebrado na altura datêmpora direita, onde havia um pequeno orifício, como se uma parte do crâniotivessesumido,maselenãosabedizerseessafraturaocorreuantesdaescavaçãoousefoifeitapelosmineiros[...]Segundoelepensa,aprofundidadedasuperfícieemquefoiencontradoerade60metros,edecercade54a60metrosdaaberturadotúnel.Osossosestavamúmidos,tendosidoencontradosentreocascalhoebempertodoleitoderocha rme,eescorriaáguadotúnel.Haviaumpinheiropetri cado,com18a24metrosdecomprimentoeentre60a90centímetrosdediâmetronabase,

jazendopertodesseesqueleto.Osr.Akeyentrounotúnelcomosmineiros,eesteslhemostraramolocalondeoesqueletofoiencontrado.Eleavistouaárvoreeoutrosespécimespartidosdela.Emboranão se lembredonomedesse túnel, sabeque elecavacercadeumoitavodequilômetroa lestedo túnelRoughandReady, edo

ladoopostodoTumer’sFlat,outropontobemconhecido.Tambémnãosabedizero sexo do esqueleto,mas lembra que era de tamanho médio. Os ossos estavamjuntosaoseremencontrados.

Segundosediz,ocascalhologoacimadoleitoderocha rmeemTuolumneTableMountain,ondeencontraramoesqueleto,tementre33e55milhõesdeanos.Essaéaprovávelidadedoesqueleto,anãoserquetenhasidointroduzidonoscascalhosem ummomento posterior,mas não temos conhecimento de qualquer evidênciaindicativadetalintrusão.

O dr. Winslow não encontrou nenhum dos ossos do esqueleto vistos por Akey.Porém, em outra circunstância, Winslow em pessoa recolheu alguns fósseis, queenviou para museus no leste dos Estados Unidos. Um fragmento de crânio,caracterizado como humano pelo dr. J. Wyman, preeminente craniologista, foidespachado por Winslow para o Museu da Sociedade de História Natural deBoston.Ofóssilfoirotuladodaseguinteforma:“DeumpoçoemTableMountain,54metrosabaixodasuperfície,emgaleria deouro,entrepedrasroliçasepertodefragmentosdemastodonte.Estratos sobrejacentesdedensidade e rigidezbasálticas.Encontradoemjulhode1857.Dadoaodr.C.F.Winslowpelosr.PaulK.Hubbs,emagostode1857”.Outro fragmento,domesmocrânio, e igualmente rotulado,foienviadoaoMuseudaAcademiadeCiênciasNaturaisdaFiladélfia.

Aoseinteirardessadescoberta,J.D.Whitneycomeçousuaprópriainvestigação.ElecousabendoqueHubbseraumcidadãobemconhecidodeVallejo,Califórnia,e

ex-superintendente estadual de Educação. Whitney obteve de Hubbs umpormenorizadorelatoporescritodadescobertaqueocorreunoPoçoValentine,aosuldeShaw’sFlat.Whitneydeclarou:“OsfatosessenciaissãoqueoPoçoValentineeravertical,queestavaentabuadoatéemcima,demodoquenadapoderiatercaídoda superfície durante o trabalhono seu interior, que só era realizadono canal decascalho,apósaaberturadopoço.NãopodehaverdúvidadequeoespécimeveiodagalerianocanalsobTableMountain,conformea rmaosr.Hubbs”.Ofragmentode crânio foi encontrado num poço demina horizontal (ou galeria) que dava nopoço vertical principal, a uma profundidade de 54 metros da superfície. Hubbsdeclaroutervisto“apartedocrâniologoapóstersidoextraídadocanaldedrenagemque fora escavado”. Grudado ao osso estava o característico cascalho aurífero.Encontraram um pilão de pedra na mesma mina. Segundo sugeriu William J.

Sinclair,túneisdeoutrasminashaviampossivelmenteseintercaladocomaquelesdamina Valentine. Isso explicaria como o fragmento de crânio foi parar tão fundoabaixodasuperfície.Sinclair,porém, admitiuque,durante suavisitade1902,elesequerconseguiuencontrarovelhopoçoValentine.Issoquerdizerqueelenãoteveprovas diretas de que os poços da minaValentine estivessem ligados a quaisqueroutros poços. Sua objeção não passou de uma tentativa frágil e altamenteespeculativadepôremdescréditoumadescobertaàqualeleseopunhacombaseemconceitosteóricos.Oscascalhoscontendoofragmentodecrânio jaziam54metrosabaixodasuperfícieedebaixodolençoldelavadeTableMountain,quetemnovemilhõesdeanos.Oscascalhosmaisantigosabaixoda lava têm5milhõesdeanos.Assim,ofragmentodecrâniopoderiaterentre9e55milhõesdeanos.

Examinandoumacoleçãodeartefatosdepedrapertencenteaodr.PerezSneU,J.D.Whitneynotouapresençadeummaxilarhumano.,Omaxilareosartefatosvinhamtodos de cascalhos auríferos de debaixo do lençol de lava de Tuolumne TableMountain.Omaxilarmedia14centímetrosdeladodecôndiloacôndilo,oqueestádentrodoâmbitohumanonormal.ConformeobservouWhitney,todososfósseishumanosdescobertosnaregiãodemineraçãodeouro, inclusiveeste,eramdotipoanatomicamentemoderno.Oscascalhosdeondeprovinhaomaxilarpoderiamterentre9e55milhõesdeanosdeidade.

WhitneytambémrelatoudiversasdescobertasdePlacerCounty.Emparticular,elefez o seguinte relato de ossos humanos que foram encontrados no túnel deMissouri: “Nesse túnel, sob a lava, haviam encontrado dois ossos [...] os quais,segundopronunciamentododr.Fagan,eramhumanos.Umfoitidocomoumossodaperna;nadafoilembradoarespeitodocaráterdooutro.Ainformaçãoacimafoiobtidapelosr.Goodyeardosr.SamuelBowman,decujainteligênciaeveracidadeoescritor recebeu boas referênciasdeumamigopessoalbem familiarizadocomele.Naquelaépoca,odr.Paganeraumdosmédicosmaisbemconhecidosda região”.Segundo informação fornecidapelaDivisãoCalifornianadeMinaseGeologia,osdepósitosdosquaisosossosforamextraídostêmmaisde8,7milhõesdeanos.

Em1853, ummédico chamadoH.H.Boyce descobriu ossos humanos emClayHill, emElDoradoCounty,Califórnia.Em1870,Boyce escreveuparaWhitney,que lhe solicitara informações: Comprei uma participação numa concessão nessacolina(ClayHill),comacondiçãodequegarimpassebemparajusti carotrabalhoempenhadonela.Oproprietárioeeudecomumacordoprocedemosàaberturadeum poço com o objetivo de explorá-lo. Foi enquanto assim fazíamos quedescobrimososossosaosquaismere ro.CIayHilléumadeumasériedeelevaçõesque constituem o divisor de águas entre Placerville Creek e Big Canon, sendo

recobertacomumestratodelavabasálticacomuns2,5metrosdeespessura.Abaixodesse nível, há uns 9 metros de areia, cascalho e argila [...] Foi nessa argila quedeparamoscomosossos.Enquantoesvaziavaobarril,vialgunspedaçosdematerialque, depois de examinados, descobri serem pedaços de ossos; e, prosseguindo abusca,encontreiaescápula,aclavículaepartesdaprimeira,segundaeterceiracosteladoladodireitodeumesqueletohumano.Estavam rmementeinterligadas,porém,aoseremexpostasaoar,começaramaseesfarelar.Não zemosoutrasdescobertas.Segundo Whitney, Boyce “a rmou não poder haver erro nenhum em relação aocaráter dos ossos, além de a rmar ter feito um estudo especial da anatomiahumana”.

WillIam J. Sinclair persistia na tentativa de levantar qualquer dúvida que pudessesobreadescoberta.Dissenãoterpodidolocalizaroestratodeargilaporqueodecliveestavarecobertodefragmentosrochosos.Declarouainda:“Aimpressãotransmitida[...]équeoesqueletoencontradopelodr.Boyceestavaaumaprofundidadede11,4metros,emestratosintocadossob2,5metrosdesupostobasalto.Nadahá,contudo,nacarta,mostrandoque tenha sidoessaa seçãoatravessadaaoperfurar opoçodeBoyce”. Por causa da ambiguidade sobre a localização exata do poço, Sinclairconcluiu o seguinte: “O esqueleto pode ter sido encontrado em local e a umaprofundidade tais que seria preciso levar em consideração a possibilidade de umsepultamentorecente”.

As questões levantadas por Sinclair são válidas, e nós concordamos que existemrazõesparaduvidardaantiguidadedosrestosesqueletaisencontradosemClayHill.Nãoobstante,apresençadetantosfragmentosrochososapontodeSinclairnãoterconseguido ter acesso ao estrato de argila, na base da colina, anula, em vez dejusti car,apossibilidadedeumsepultamentorccentenaargiladodeclivedacolina.Além domais, no caso de um sepultamento recente, é estranho que tão poucosossostenhamsidorecuperados.

Comissochegamosao mdenossaanálisedosrestosesqueletaisdefósseishumanosoriundosdoscascalhosauríferosdaCalifórnia.Apesardas imperfeiçõesdasprovas,umacoisaécerta:encontraramossoshumanosnoscascalhosterciários,remontandoaoEoceno.Comoosossosforampararaliéalgoque caabertoaquestionamentos.Os relatórios das descobertas são algumas vezes vagos e inconclusivos, mas sãosugestivos de algo que nada tem a ver com brincadeiras de mineiros ou recentessepultamentos intrusivosde indígenas. Apresençadevárias ferramentasdepedra,incontestavelmente de manufatura humana, nas mesmas formações, emprestacredibilidadeadicionalàsdescobertas.

Em um discurso perante a Associação Americana para o Avanço da Ciência,

proferidoemagostode1879,O.C.Marsh,presidentedaAssociaçãoeumdosmaisimportantes paleontólogos dos Estados Unidos, disse a respeito do homemterciário:“AprovaapresentadasobreesseassuntopeloprofessorJ.D.Whitneyemsuarecenteobra(CascalhosauriferosdeSierraNevada)étãoforte,eseucuidadosoeconsciencioso método de investigação tão bem conhecido, que suas conclusõesparecemirresistíveis[...]Nomomento,osfatosconhecidosindicamqueoslençóisnorte-americanos contendo restos humanos e obras do homem são tão antigosquantooPliocenodaEuropa.Aexistênciadohomemnoperíodoterciáriopareceagoracompletamenteestabelecida”.

DescobertasantiqüíssimasnaEuropa

DaEuropatemosmaisprovasdapresençadesereshumanosnoprincípioenomeiodoterciário.SegundoGabrieldeMortillet,M.QuiquerezregistrouadescobertadeumesqueletoemDelémont,naSuíça,emargilasferruginosastidascomosendodoEoceno Superior. A respeito dessa descoberta, Mortillet só fez dizer que se devesuspeitar de esqueletos humanos encontrados com os ossos em ligação natural.Mortilletaindadeclarouquesedevetercautelaquantoaumesqueleto igualmentecompletoencontradoporGarrigouemestratosdoMiocenoemMidideFrance.

É possível, contudo, que esses esqueletos tenham sido de indivíduos enterradosduranteoEocenoouoMioceno.Umsepultamentonãotemnecessariamentedeserrecente.Oqueérealmentefrustranteemrelaçãoadescobertascomoessaséquenãotemos como conseguir mais informação sobre elas. Só encontramos uma brevemenção da parte de um autor determinado a pô-las em descrédito. Por taisdescobertas parecerem duvidosas para cientistas como Mortillet, caram sem serdocumentadas e investigadas, sendo logo esquecidas. Quantas de tais descobertasterãosidofeitas?Talvezjamaisvenhamosasaber.Emcontraste,descobertasqueseconformamcomasteoriasaceitassãoexaustivamenteinvestigadaseregistradas,alémdeserempostasasalvoemrelicáriosemmuseus.

Anomaliasextremas

Como já vimos, alguns cientistas acreditavam que o homem-macaco existia emtempos tão remotos quanto o Mioceno e o Eoceno. Poucos pensadores maisousados chegavam a propor que havia seres inteiramente humanos vivos duranteessesperíodos.Agora,porém,vamosenveredarporépocasaindamaisremotas.Umavezqueamaioriadoscientistastinhadi culdadedeaceitaraexistênciadehumanosnoterciário,podemosapenasimaginarquãodifícilteriasidoparaelesfazerqualquerponderaçãosériasobreoscasosqueestamosprestesaexaminar.Nósprópriosvimo-nos tentados a não mencionar descobertas como essas por elas parecereminacreditáveis. Mas o resultado de semelhante estratégia seria que passaríamos a

analisarprovasapenasdecoisasemquejáacreditamos.Eamenosquenossascrençasatuaisrepresentassemarealidadenasuatotalidade,fazerissonãoseriamuitosensatodenossaparte.

Emdezembrode1862,umanotíciabreve,masintrigante,saiunumjornalchamadoeGeologist “No condado deMacoupin, Illinois, encontraram recentemente osossosdeumhomemnumlençoldecarvãorecobertocom60centímetrosderochade ardósia, 27 metros abaixo da superfície da terra [...] Os ossos, quandoencontrados,estavamcobertosporumacrostaourevestimentodematériarígidaelustrosa, tão escura quanto o próprio carvão, porém, ao ser desbastada, deixou osossosbrancosenaturais”.OcarvãoemqueencontraramoesqueletodocondadodeMacoupin tem pelomenos 286milhões de anos e poderia ter tanto quanto 320milhõesdeanos.

Nossos exemplos naisdeprovas anômalaspré-terciáriasnão estãona categoriadeossos humanos fósseis, mas na de pegadas fósseis semelhantes às humanas. Oprofessor W.G.Burroughs,chefedodepartamentodegeologiadoBereaCollegeemBerea,Kentucky,registrouem1938:“DuranteoiníciodoPeríodoCarboníferoSuperior(EradoCarvão),criaturasqueandavamsobreasduaspernastraseirasequetinham pés semelhantes aos humanos deixaram marcas na areia de uma praia emRockcastle County, Kentucky. Foi esse o período conhecido como a Era dosAnfíbios,emqueosanimaisselocomoviamsobrequatropernasou,maisraramente,pulavam,e seuspésnão tinham aparênciahumana.EmRockcastle, Jacksoneemdiversos outros condados em Kentucky, porém, bem como em regiões desde aPensilvânia até Missouri, existiam de fato criaturas dotadas de pés de aparênciaestranhamente humana e que caminhavam sobre duas pernas traseiras. O escritorprovouaexistênciadessascriaturasemKentucky.Comacooperaçãododr.C.W.Gilmore, curador de Paleontologia Vertebrada da Smiththsonian Institution, foidemonstradoquecriaturassemelhantesviveramnaPensilvâniaenoMissouri.

O Carbonífero Superior (o Pensilvânio) começou cerca de 320 milhões de anosatrás. Pensa-se que os primeiros animais capazes de andar eretos, os tecodontespseudo-suquianos, apareceram em torno de 210 milhões de anos atrás. Essascriaturas lagartíxicas, capazes de correr sobre suas pernas traseiras, não deixariamnenhuma marca de cauda, pois carregavam suas caudas em suspenso. Seus pés,porém,emnadapareciamcomosdesereshumanos;aocontrário,assemelhavam-seaosdepássaros.Dizemoscientistasqueoprimeiroaparecimentodeseressimiescossósedeuporvoltade37milhõesdeanosatrás,esóporvoltadequatromilhõesdeanosatrás équeamaioriados cientistas esperaria encontrarpegadascomoaquelasregistradasporBurroughs,oriundasdoCarboníferodeKentucky.

Burroughs declarou: “Cada pegada tem cinco dedos e uma curvatura distinta.Osdedossãoespalhadoscomoosdeumserhumanoquejamaistenhausadosapatos”.Apresentandomaisdetalhessobreasimpressões,Burroughsa rmou:“Ascurvasdopéapóiam-secomoumpéhumanoemrelaçãoaumcalcanhardeaparênciahumana”.

David L. Bunshnell, etnólogo da Smithsonian Institution, sugeriu terem asimpressões sido entalhadas por índios.Aodescartar essa hipótese, o dr.Burroughsusou ummicroscópio para estudar as impressões e observou: “Os grãos de areiadentrodasmarcasestãomais juntosqueosgrãosdeareiadarochajustamenteforadasmarcas, por causa da pressão dos pés das criaturas [...]O arenito adjacente amuitasdasmarcasestárevolvidoporcausadaareiaúmidaesoltasoerguidapelopéàmedidaqueesteafundavanaareia”.TaisfatoslevaramBurroughsaconcluirqueaspegadas semelhantes às humanas foram formadas por compressãona areiamacia eúmidaantesdeestaseconsolidaremrochacercadetrezentosmilhõesdeanosatrás.AsobservaçõesdeBurroughsforamconfirmadasporoutrosinvestigadores.

Segundo Kent Previette, Burroughs também consultou um escultor. Em 1953,Previetteescreveu:“Segundodisseoescultor,umentalhenaqueletipodearenitonãopoderiatersidofeitosemdeixarmarcasarti ciais.Fotomicrogra asefotogra asdeinfravermelhoampliadasnãoconseguiramrevelarquaisquer‘indíciosdeentalheoucortesdequalquerespécie’”.

OpróprioBurroughsparousubitamentedea rmarqueas impressõesforamfeitaspor humanos, mas sua apresentação deixa-nos com a forte impressão de que elaseramhumanas.Aolheperguntaremarespeitodelas,Burroughsdisse:“Elasparecemhumanas.Éissoqueasfazespecialmenteinteressantes”.

A ciência de elite reagiu previsivelmente a qualquer sugestão de que as impressõesforamfeitasporhumanos.OgeólogoAlbertG.Ingalls,escrevendoem1940paraaScienti cAmerican,disse:“Seohomem,oumesmoseuancestralsímio,oumesmoaquele primitivo ancestral mamífero do ancestral símio existiu tão remotamentequantonoPeríodoCarboníferosobqualquerforma,entãotodaaciênciadageologiaestá tãocompletamenteerradaque todososgeólogosdemitir-se-ãode seus cargosparasetornaremmotoristasdecaminhão.Daí,pelomenosporora,aciênciarejeitaaatraente explicação de que o homem fez essasmisteriosas impressões na lama doCarboníferocomseuspés”.

SegundosugeriuIngalls,asimpressõesforamfeitasporalgumtipodeanfíbioaindanãoconhecido.Porém,oscientistasdehojerealmentenãolevamasérioateoriadoanfíbio. Anfíbios bípedes de dimensões humanas do carbonífero enquadram-semuitomenosnoesquemadeevoluçãojáaceitodoquesereshumanoscarboníferos-

elescausamestragosemnossasidéiasdtean biosprimitivos,exigindoumasériededesenvolvimentosevolucionáriossobreosquaisnadasabemoshoje.

Ingallsescreveu:“Oqueaciênciasaberealmenteéque,dequalquerforma,anãoserquedoismaisdoisfossemseteeanãoserqueossumerianostivessemaviõeserádiose assistissem ao programa Amos e Andy, essas impressões não foram feitas pornenhumhomemdoPeríodoCarbonífero”.

Em1983,oMoscowNewspublicouumanotíciabrevemasintrigantesobreoqueparecia ser uma pegada humana numa rocha jurássica de 150 milhões de anos,próximaaumapegadagigantededinossaurodetrêsdedos.AdescobertaocorreunaRepública Turcomana, no então sudeste da Rússia. O professor Amanniyazov,membrocorrespondente daAcademiadeCiênciasdaRepúblicaTurcomana,disseque, embora a impressão se assemelhasse a umapegadahumana, nãohavia provasconclusivas de que tivesse sido feita por um ser humano. Essa descoberta nãorecebeu muita atenção, mesmo porque, dada a atual mentalidade da comunidadecientí ca, éde esperar semelhantenegligência. Apenas sabemosdealguns casosdetais descobertas extremamente anômalas, porém, considerando que muitas de taisdescobertas provavelmente não são registradas, perguntamo-nos quantas delasrealmenteexistiriam.

PARTEII

8.OHomemdeJavaNo mdoséculoXIXpassouaseconsolidarumconsenso,dentrodeumsegmentoin uentedacomunidadecientí ca,dequesereshumanosdotipomodernohaviamexistido tão remotamente como nos períodos Plioceno eMioceno - e talvez atémesmoantesdisso.

OantropólogoFrankSpencera rmouem1984:“Ajulgarpelasprovasesqueletaisque iam se acumulando, parecia que o esqueleto humano moderno já existia emtempos bem remotos, um fato evidente que levou muitos trabalhadores aabandonarouamodi carseuspontosdevistasobreaevoluçãohumana.Umdetaisapóstatas foi Alfred Russell Wallace (1823-1913)”. Wallace compartilha comDarwinoméritodeterdescobertoaevoluçãoporseleçãonatural.

DarwinachouqueWallaceestavacometendoumaheresiadapiorespécie.Spencer,porém,deu-secontadequeodesa odeWallaceàdoutrinaevolucionária“perdeuum pouco de sua força, bem como alguns de seus apoiadores, quando passou acircular a notícia da descoberta de um extraordinário fóssil hominídeo em Java”.Considerando amaneira surpreendentemediante aqualos fósseisdoHomemdeJava foram empregados para pôr em descrédito e suprimir as provas da grandeantiguidadedaformahumanamoderna,passaremosagoraaanalisarahistóriadeles.

EugeneDuboiseoPithecanthropus

Perto da aldeia javanesa deTrinil, uma estrada termina numamargem alta dandovistaparaorioSolo.Ali seencontraumpequenomonumentodepedra,marcadocom uma echa apontando para um areeiro na margem oposta. Além disso, omonumentotrazumainscriçãocrípticaemalemão,“P.e.175mONO1891/93”,indicando que o Pithecanthropus erectus foi encontrado 175 metros a leste enordestedesselocal,entreosanos1891e1893.

OdescobridordoPithecanthropuserectusfoiEugeneDubois,nascidoemEijsden,Holanda, em1858, ano anterior à publicação, por parte deDarwin, deAorigemdasespécies.Apesardeser lhodefervorososcatólicosholandeses,eletinhafascíniopela idéia da evolução, especialmente no que se aplicava à questão das origenshumanas.

Após estudar medicina e história natural na Universidade de Amsterdã, Duboistornou-se um preletor de anatomia na Royal Normal School em 1886. Mas seuverdadeiro amorpermaneceudedicadoàevolução.Duboissabiaqueosoponentesde Darwin viviam apontando para a quase completa falta de provas fósseis da

evoluçãohumana.Eleestudoucomcuidadoasprincipaisprovasentãodisponíveis-os ossos dos espécimes de Neandertal. Estes eram considerados por muitasautoridades(entreelas,omasHuxley)comosendodemasiadopróximosdotipohumano moderno para serem verdadeiramente intermediários entre os fósseis desímioseoshumanosmodernos.OdentistaalemãoErnstHaeckelhavia,contudo,vaticinadoquemaiscedooumaistardeencontrariamosossosdeumverdadeiroeloperdido.Haeckel chegou a providenciar uma pintura da criatura, à qual chamouPithecanthropus (em grego, pitheko quer dizer símio, e anthropus, homem).In uenciadoportervistooPithecanthropusdeHaeckel,Duboisdecidiu-seaalgumdiaencontrarosossosdohomem-macaco.

Tendo em mente a sugestão de Darwin de que os antepassados da humanidadeviviam em “alguma terra quente e orestada”, Dubois cou convencido de queencontrariaoPithecanthropusnaÁfricaounasÍndiasOrientais.Umavezquetinhamais facilidadepara chegar às ÍndiasOrientais, então sobodomínioholandês, eledecidiu viajar para lá e dar início à sua busca. Em primeiro lugar, abordoulantropos particulares e o governo, solicitando-lhes recursos para uma expedição

cientí ca, mas não foi atendido. Acabou, então, aceitando ir trabalhar comocirurgiãodoexércitoemSumatra.Comseusamigosjáduvidandodesuasanidade,eleabandonouoconfortávelcargodepreletoruniversitárioe,nacompanhiadesuajovemesposa,singrouparaasÍndiasOrientaisemdezembrode1887,abordodoS.S.PrincessAmalie.

Em 1888, Dubois viu-se en m posicionado num pequeno hospital militar nointerior de Sumatra. Em seu tempo livre, e valendo-se de seus próprios fundos,Dubois investigou as cavernas de Sumatra, encontrando fósseis de rinoceronte eelefante,alémdosdentesdeumorangotango,masnenhumrestodehominídeo.

Em 1890, após sofrer um ataque de malária, Dubois entrou de licença, sendotransferidopara Java,ondeoclimaeramais secoemais saudável.Elee suaesposaestabeleceram-seemTulungagung,nacostameridionaldolestedeJava.

Duranteaestaçãosecade1891,DuboisrealizouescavaçõesnamargemdorioSolonaJavacentral,pertodaaldeiadeTrinil.Seusoperáriosextraírammuitosfósseisdeossosanimais.Emsetembro,depararamcomumartigoespecialmente interessante:umdentedeprimata,aparentementeumterceiromolarsuperiordireitooudentedesiso. Acreditando ter deparado com os restos de um extinto chimpanzé gigante,Duboismandou seus operários concentrarem seu trabalho ao redor do local ondeaparecera o dente. Em outubro, encontraram o que parecia ser uma carapaça detartaruga.Porém,quandoDuboisexaminou-a,viuquenaverdadesetratavadapartedecimadeumcrânio(Figura8.1),bastantefossilizadoetendoamesmacorqueo

solovulcânico.Acaracterísticamaisdistintivadofragmentoeraograndeesalientesulcosobreasórbitasdosolhos,quefezDuboissuspeitarqueocrâniopertenceraaum símio.O inícioda estaçãodas chuvas veio trazer o términodas escavaçõesdoano. Numrelatóriopublicadonoboletimdemineraçãodogoverno,Duboisnãofezsugestãoalgumadequeseusfósseispertencessemaumacriaturaemtransiçãoparaaformahumana.

Emagostode1892,DuboisvoltouaTrinil,ondeencontrou,entreossosdeveados,rinocerontes, hienas, crocodilos, porcos, tigres e elefantes extintos, um fossilizadofêmursemelhanteaohumano.Ofêmur(Figura8.2)foiachadoacercade14metrosdeondeacalotacranianaeomolartinhamsidoescavados.Maistarde,encontraramoutromolaracercade3metrosdacalotacraniana.SegundoacreditavaDubois,osmolares,ocrânioeofêmurpertenciamtodosaomesmoanimal,queeleconsiderouserumgigantescochimpanzéextinto.

Em1963, RichardCarrington declarou em seu livro Amillion years ofman: “Aprincípio,Duboissentiu-seinclinadoaconsiderarquesuacalotacranianaeosdentespertenciamaumchimpanzé,adespeitodofatodenãohaverevidênciaconhecidadeque esse símio ou qualquer de seus ancestrais tenham alguma vez vivido naÁsia.Mas após muita re exão e após corresponder-se com o grande Ernst Haeckel,professordezoologiadaUniversidadedeJena,eledeclarouqueocrânioeosdentespertenciamaumacriaturaquepareciaadmiravelmentequali cadaparaopapelde‘elo perdido””.Não encontramos nenhuma correspondência queDubois possa tertrocadocomHaeckel,porém,sehouvesseaintençãodeprosseguircomapesquisa,seriaumacréscimoconsiderávelaonossoconhecimentodascircunstânciasemtornodonascimentodoPithecanthropuserectus.Ambososhomenstiveram,éóbvio,umsubstancialenvolvimentoemocionale inteleclualnadescobertaoeumespécimedehomem-macaco. Haeckel, ao ser comunicado por Dubois de sua descoberta,telegrafouoseguinte:“DoinventordoPithecanthropusparaseufelizdescobridor”!Sóem1894équeDuboisen mpublicouumrelatóriocompletodesuadescoberta.Ele escreveu: “Pithecanthropus é a forma transicional que, segundo a doutrina daevolução, deve ter existido entre o homem e os antropóides”. O próprioPithecanthropus erectus, dever-se-ia ter o cuidado de observar, havia passado porumatransiçãoevolucionáriadentrodamentedeDubois,desdeochimpanzéfóssil

atéoantropóidetransicional.

Que fatores, que não a in uência de Haeckel, levaram Dubois a considerar seuespécime transicional entre os símios fósseis e os humanos modernos? Segundoconstatou Dubois, o volume do crânio do Pithecanthropus variava entre 800 e1.000 centímetros cúbicos. A média de volume dos símios modernos é de 500centímetros cúbicos, ao passo que a média de volume de crânios humanosmodernos é de 1.400 centímetros cúbicos, colocando, desse modo, o crânio deTrinil em posição intermediária entre ambos. Para Dubois, isso indicava umarelação evolucionária.Contudo, logicamente falando, poder-se-ia ter criaturas comdiferentestamanhosdecérebrossemterdeestabelecerumaprogressãoevolucionáriadomenor para omaior.Alémdomais, havia, no Pleistoceno,muitas espécies demamíferosrepresentadasporformasmuitomaioresqueasdehoje.Logo,talvezocrâniodePithecanthropusnãopertencesseaumantropóidetransicional,masaumgibãoexcepcionalmentegrandedoPleistoceno Médio,comumcrâniomaiorqueaquelesdegibõesmodernos.

Hoje, os antropólogos ainda observam a rotina de descrever uma progressãoevolucionáriadecrânioshominídeos,aumentandodetamanhocomapassagemdotempo - desde oAustralopithecus doPleistoceno Interior (descoberto em1924),passandopeloHomemdeJavadoPleistocenoMédio(hojeconhecidocomoHomoerectus),atéoHomosapienssapiensdoPleistocenoSuperior.Masaseqüênciasóépreservada à custa de eliminar crânios que a rompam. Por exemplo: o crânio deCastenedolo,analisadonoCapítulo7,émaisvelhoqueodoHomemdeJava,masé maior em termos de capacidade craniana. De fato, é inteiramente humano emtamanho e morfologia. Mesmo uma só exceção dessa espécie é sufIciente parainvalidartodaaseqÜênciaevolucionáriaproposta.

Segundo observou Dubois, apesar de o crânio de Trinil ser muito simiesco emalgumasdesuascaracterísticas,taiscomoassalientesarcadassupraorbitais,ofêmureraquasehumano.IssoeraindíciodequeoPithecanthropusandaranavertical,daíadesignaçãoerectusparaaespécie.Éimportante,contudo,teremmentequeofêmurdo Pithecanthropus erectus foi encontrado a 14 metros do local de ondedesenterraramocrânio,numestratocontendocentenasdeoutrosossosdeanimais.Essacircunstânciatornaduvidosaaalegaçãodequetantoofêmurquantoocrâniopertenciam,naverdade,àmesmacriatura,oumesmoàmesmaespécie.

Quandoos relatóriosdeDuboischegaramaoconhecimentodaEuropa, receberammuitaatenção.Haeckel,evidentemente,eraumdosquecelebravaoPithecanthropuspor ser a provamais forte, até aquelemomento, da evoluçãohumana. “Agora ascircunstâncias,nessa grandebatalhapela verdade, foram radicalmente alteradaspela

descoberta deEugeneDuboisdo fóssildePithecanthropus erectus”,proclamouotriunfante Haeckel. “Sem dúvida, ele acaba de nos fornecer os ossos do homem-macaco que eu havia postulado. Essa descoberta é mais importante para aantropologiadoquefoiparaafísicaatãolouvadadescobertadosraiosX”.Existeumtom quase religioso de profecia e satisfação nas observações de Haeckel. Só queHaeckeltinhaumhistóricodeexagerarprovas siológicasparaapoiaradoutrinadaevolução.Certa feita, em julgamento acadêmico naUniversidade de Jena, ele foidadocomoculpadoporfalsi cardesenhosdeembriõesdediversosanimais,a mdedemonstrarseuprópriopontodevistasobreaorigemdasespécies.

Em1895,DuboisdecidiuretornaràEuropaparaexibirseuPithecanthropusàquelaque seria, ele tinha certeza, uma audiência admiradora e apoiadora de cientistas.Logo após sua chegada, ele exibiu seus espécimes e apresentou relatóriosperanteoTerceiroCongressoInternacionaldeZoologiaemLeyden,Holanda.Emboraalgunsdos cientistas presentes ao Congresso estivessem, como era o caso de Haeckel,ansiososporapoiaraidéiadequeadescobertaeradeumfóssildehomem-macaco,outros acharam que se tratava de um mero macaco, ao passo que outros aindadesafiaramaidéiadequeosossospertenciamaomesmoindivíduo.

Dubois exibiu seus estimadosossos emParis,Londres eBerlim.Emdezembrode1895,peritosdomundotodoreuniram-senaSociedadedeAntropologia,Etnologiae Pré-história de Berlim para colocar em julgamento os espécimes dePithecanthropus deDubois.O presidente da Sociedade, deVirchow, recusou-se apresidir o encontro. No debate carregado de controvérsias que se seguiu, oanatomista suíçoKollman disse que a criatura era um símio.O próprioVirchowdissequeofêmurerainteiramentehumano,eaindadeclarou:“Ocrâniotemumasutura profunda entre a abóbada baixa e a borda superior das órbitas. Semelhantesutura sóocorre em símios, enãonohomem. Portanto, o crânioprovavelmentepertence aummacaco.Naminhaopinião, essa criatura foi umanimal, umgibãogigante, de fato.O fêmurnão tem amenor ligação como crânio”.Essa opiniãocontrastou surpreendentemente com a de Haeckel e outros, que mantiveram aconvicçãodequeoHomemdeJavadeDuboiseraumancestralhumanoautêntico.

AExpediçãodeSelenka

Com o intuito de resolver algumas das questões em torno dos fósseis dePithecanthropus e da descoberta deles, Emil Selenka, professor de zoologia daUniversidade deMunique,naAlemanha,organizouumaexpediçãocompletaparaJava, porém, morreu antes da partida. Sua esposa, professora Lenore Selenka,assumiu o empenho do marido e realizou escavações emTrinil nos anos 1907 e1908, empregando75operáriosna caça amais fósseis dePithecanthropus erectus.

Aotodo,aequipedegeólogosepaleontólogosdeSelenkaenvioudevoltaàEuropa43 caixas de fósseis, mas não incluíram um novo fragmento sequer dePithecanthropus.Contudo,aexpediçãoencontrou,nosestratosdeTrinil,sinaisdeumapresençahumana:ossosanimaislascados,carvãoefundaçõesdelareiras.Sinaisdessa espécie levaram Lenore Selenka a concluir que os humanos e oPithecanthropus erectus eram contemporâneos. As implicações de tudo isso parauma interpretação evolucionilria dos espécimes de Pithecanthropus de Duboisforam,eaindasão,perturbadoras.

Alémdisso,em1924,GeorgeGrantMacCurdy,professordeantropologiadeYale,escreveuemseu livroHumanorigins:“AexpediçãodeSelenkade1907-1908[...]conseguiu encontrarumdenteque, segundodizWalkoff,énitidamentehumano.Trata-se de um terceiro molar de um leito de rio próximo e de depósitos maisantigos(plioceno)queaquelesemquefoiencontradooPithecanthropuserectus”.

Duboisretira-sedabatalha

Enquanto isso, o status do homem-macaco deDubois permanecia controvertido.Pesquisando a variedade de opiniões sobre o Pithecanthropus, Wilhelm Dames,zoólogo de Berlim, coligiu declarações de diversos cientistas: três diziam que oPithecanthropuseraummacaco;cinco,queerahumano;seis,queeraumhomem-macaco;seis,queeraumeloperdido,edois,queeraumeloentreoeloperdidoeohomem.

Porém, enquanto muitos cientistas mantinham suas dúvidas, outros apoiavamHaeckel ao bradarem que o Homem de Java era a prova colossal da teoria deDarwin.AlgunsdelesusavamoHomemdeJavaparapôremdescréditoaevidênciadeumapresençainteiramentehumananoterciário.ComovimosnoCapítulo5,W.H.Holmesdescartouasdescobertasdeferramentasdepedranoscascalhosauríferosterciários da Califórnia por “elas implicarem uma raça humana mais antiga pelomenos em metade da idade atribuída ao Pithecanthropus erectus de Dubois,espécime que pode ser considerado apenas uma forma incipiente de criaturahumana”.

A certa altura, Dubois decepcionou-se de todo com a recepção mista que acomunidadecientí cadeuaoseuPithecanthropus.Ele,então,paroudemostrarseusespécimes.Dlzemqueosguardouporalgumtempodebaixodastábuasdoassoalhodesuacasa.Dequalquermodo,ficaramocultosporuns25anos,até1932.

Duranteeapósoperíododaretirada,ascontrovérsiasarespeitodoPithecanthropuscontinuaram.Marcellin Boule, diretor do Instituto de PaleontologiaHumana deParis, relatou,comohaviamfeitooutroscientistas,queacamadaemquedisseram

terencontradoacalotacranianaeofêmurdoPithecanthropuscontinhaváriosossosfósseis de peixes, répteis emamíferos. Por que, portanto, deveria alguém acreditarqueacalotacranianaeofêmurprovinhamdomesmoindivíduoouatédamesmaespécie? Boule, tanto como Virchow, declarou ser o fêmur idêntico ao de umhumano moderno, ao passo que a calota craniana assemelhava-se a de um símio,possivelmente um grande gibão. Em 1941, o dr. F. Weidenreich, diretor doLaboratório de Pesquisas Cenozóicas da BeijingUnionMedical College, tambémdeclarounãohaverjusti cativaparaatribuirofêmureacalotacranianaaomesmoindivíduo. O fêmur, disse Weidenreich, era muito semelhante ao fêmur de umhumanomoderno,esuaposiçãooriginalnosestratosnãofoiestabelecidaaocerto.Pesquisadores modernos têm empregado técnicas de datação química a m dedeterminarsetantoofêmurquantoocrâniooriginaisdoPithecanthropuseramounãocontemporâneos da faunadeTrinildoPleistocenoMédio,masos resultadosnãoforamconclusivos.

Maisfêmures

A revelação tardia de que outros fêmures haviam sido descobertos em Javacomplicou ainda mais o assunto. Em 1932, o dr. Bernsen e Eugene DuboisrecolheramtrêsfêmuresdeumacaixadefósseisdeossosdemamíferosnoMuseudeLeiden,nosPaísesBaixos.Acaixacontinhaespécimesque,segundodiziam,haviamsidoescavadosem1900pelosr.Kriele,assistentedeDubois,dosmesmosdepósitosde Trinil, na margem esquerda do rio Solo, que havia propiciado a Dubois asprimeirasdescobertasdoHomemdelava.Odr.Bernsenmorreulogoemseguida,semfornecermaioresinformaçõessobreospormenoresdessadescobertanomuseu.

Dubois a rmou não estar presente quando da retirada dos fêmures por parte deKriele.Portanto,eledesconheciaa localizaçãoexatados fêmuresnaescavação,quetinha 75 metros de comprimento por 6 a 14 metros de largura. Segundo osprocedimentos palcontológicos convencionais, essa incerteza reuz hastante o valordos ossos como provas de qualquer espécie. Não obstante, as autoridadesatribuíram,maistarde,umestratoemparticularaessesfêmures,semmencionaremascircunstânciasdúbiasdeteremsidodescobertosemcaixasdefósseismaisdetrintaanosapósteremsidooriginalmenteescavados.AforaostrêsfêmuresencontradosporKriele,doisoutrosfragmentosfemoraisapareceramnoMuseudeLeiden.

AexistênciadosoutrosfêmurestemimplicaçõesimportantesparaocrânioeofêmuroriginaisdePithecanthropusencontradosporDuboisnosanos90doséculoXIX.Ocrâniosimiescoeofêmurparecidocomofêmurhumanoforamencontradosaumagrandedistânciaumdooutro,masDuboisatribuiu-osàmesmacriatura.Segundosugeriu ele,osossos foramencontradosseparadosporqueoPithecanthropushavia

sidodesmembradoporumcrocodilo.Massesurgemmaisfêmuresparecidoscomofêmurhumano,talargumentoperdemuitodesuaforça.Ondeestavamosoutroscrânios?Acasoeramcrâniossimiescos,comooprimeiroencontrado?Eocrânioquefoi encontrado? Acaso ele realmentepertence aomesmoesqueleto cujo fêmur foiencontradoa14metrosdedistância?Oupertenceaumdosoutrosfêmuressurgidosposteriormente?Ouaumfêmurdeumaespécieinteiramentediferente?

AcasoosfêmuresdeTrinilsãohumanosemodernos?

Em1973,M.H.DayeT.I.Mollesonconcluíramque“aanatomiamacroscópica,aanatomia radiológica e a anatomia microscópica dos fêmures de Trinil não osdistinguedeformasigni cativadosfêmureshumanosmodemos”.Disseram,alémdisso,queos fêmuresdeHomoerectusdaChinaedaÁfrica são anatomicamentesemelhantesentresiedistintosdosdeTrinil.

Em 1984, Richard Leakey e outros cientistas descobriram um esqueleto quasecompleto de Homo erectus no Quênia. Examinando os ossos da perna, essescientistas veri caram que os fêmures diferiam substancialmente dos de sereshumanos modernos. Quanto às descobertas de lava, os cientistas declararam:“OriundosdeTrinil,Indonésia,hádiversosfêmuresfragmentadoseumcompleto(mas patológico).A despeito do fato de terem sido esses os espécimes que deramnomeàespécime(Pithecanthropuserectus),hádúvidassobresesãoHomoerectus,sendoqueoconsensomaisrecenteconcordaqueelesprovavelmentenãoosejam”.

Emsuma,conformedizemospesquisadoresmodernos,osfêmuresdeTrinilnãosãocomoaquelesdoHomoerectus,mas,aocontrário,sãocomoaquelesdomodernoHomo sapiens. Que se pode fazer com essas revelações? Tradicionalmente, osfêmuresde lavasãotidoscomoevidênciadeumhomem-macaco(Pithecanthropuserectus, agora chamadoHomo erectus) que teria existidopor volta de oitocentosmilanosatrásnoPleistocenoMédio.Hoje,aoquetudoindica,podemosaceitá-Ioscomoprovasda existênciadehumanosanatomicamentemodernosoitocentosmilanosatrás.

Há quem diga que os fêmures eram oriundos de níveis superiores misturados.Evidentemente,casoinsistamosqueosfêmureshumanóidesdeTrinileramoriundosde níveis superiores misturados, por que, então, o crânio de Pithecanthropustambém não o era? Isso eliminaria por inteiro a descoberta do Homem de lavaoriginal,durantetantotempoproclamadocomoprovasólidadaevoluçãohumana.

Defato,opróprioEugeneDuboisconcluiu,numafaseposteriordesuavida,queacalota craniana de seu amado Pithecanthropus pertencia a um grande gibão, umsímioqueosevolucionistasnãoconsideramestejatãointimamenterelacionadocom

oshumanos.Contudo,aatéagoracéticacomunidadecientí canãoestavadispostaadizer adeus ao Homem de Java, pois, a essa altura, o Pithecanthropus estavafortementearraigadonaancestralidadedomodernoHomosapiens.OsdesmentidosdeDuboisforamdescartadoscomosendooscaprichosdeumvelhorabugento.Acomunidade cientí ca, se é que pretendia fazer algo, queria eliminar quaisquerresquíciosdedúvidas sobreanaturezaeaautenticidadedoHomemdeJava.Isso,esperava-se, forti caria todoo conceitodarwinianode evolução, cujo aspectomaisaltamentedivulgadoecontrovertidoeraaevoluçãohumana.

VisitantesdemuseusnomundotodoaindaencontrammodelosdacalotacranianaedofêmurdeTrinilretratadoscomosendopertencentesaomesmoindivíduoHomoerectusdoPleistocenoMédio.Em1984,atãoproclamadaexposição“Ancestors”,noMuseudeHistóriaNaturaldeNovaYork,reuniu,oriundasdomundointeiro,as principais provas fósseis da evolução humana, inclusive amostras exibidas comdestaquedacalotacranianaedofêmurdeTrinil.

OmaxilardeHeidelberg

Além das descobertas do Homem de Java de Dubois, surgiram, sob a forma domaxilar de Heidelberg, outras provas relativas à evolução humana. Em 21 deoutubrode1907,DanielHartmann,operárioemumareeiroemMauer,pertodeHeidelberg,Alemanha,descobriuumgrandemaxilarnofundodaescavação,aumaprofundidadede25metros. Osoperáriosestavamatentosàocorrênciadeossos,emuitosoutrosfósseisnão-humanosjáhaviamsidoencontradosalieenviadosparaodepartamentodegeologia daUniversidadedeHeidelberg,próximadali.Então,ooperário trouxeomaxilar (Figura8.3)até J.Rusch,oproprietáriodoareeiro,queenviouumamensagemaodr.OttoSchoetensack:“Porvintelongosanos,osenhortembuscadoalgumvestígiodohomemprimitivoemminhaescavação[...]ontemnosoencontramos.Ummaxilarinferiorpertencenteaohomemprimitivoacabadeserencontradonosolodoareeiro,emótimoestadodepreservação”.

OprofessorSchoetensackdesignouacriaturacomoHomoheidelbergensis,datando-amedianteousodosfósseiscorrespondentesaoperíodointerglacialGunz-Mindel.Em 1972, David Pilbeam disse que o maxilar de Heidelberg “parece datar daglaciaçãoMindel,tendoentre250e450milanosdeidade”.

JohannesRanke,antropólogoalemãoeadversáriodaevolução,escreveu,nadécadade 1920, que o maxilar de Heidelberg pertencia a um representante do Homosapiens,enãoaumpredecessorsímio.Aindahoje,essemaxilarcontinuasendoumaespécie de mistério monológico. A espessura da mandíbula e a aparente falta dequeixosãocaracterísticascomunsaoHomoerectus.Porém,asmandíbulasdecertosaborígenesaustralianosmodernostambémsãomaciças,secomparadasamaxilaresdeeuropeusmodernos,etêmqueixosmenosdesenvolvidos.

Segundo FrankE. Poirier (1977), os dentes nomaxilar deHeldelberg estãomaisperto em tamanhodos dentes doHomo sapiensmodernodoquedos doHomoerectusasiático(HomemdeJavaeHomemdeBeijing).Em1972,T.W.Phenice,da Universidade Estadual de Michigan, escreveu que “os dentes são notavelmenteparecidos comos do homem moderno sob quase todos os aspectos, inclusive os

padrões de tamanho e cúspide”. Logo, a opiniãomoderna con rma o queRankeescreveuem1922:“Osdentessãotipicamentehumanos”.

OutrofóssileuropeugeralmenteatribuídoaoHomoerectuséofragmentooccipitalde Vértesszöllös, oriundo de um sítio do Pleistoceno Médio, na Hungria. Amorfologia do occipital de Vértesszöllös é ainda mais enigmática do que a domaxilardeHeidelberg.Em1972,DavidPilbeamescreveu:“Oossooccipitalnãoseassemelha ao do Homo erectus, ou mesmo ao do homem arcaico, mas ao dohomemmodernomaisprimitivo.Segundoadataçãodeoutrasfontes,semelhantesformasnãotêmmaisdeccmmilanos”.SegundoacreditavaPilbeam,ooccipitaldeVértesszöllös tinhaaproximadamenteamesma idadequeomaxilardeHeidelberg,entre250e450milanos.SeooccipitaldeVértesszöllösémodernoemforma,deajuda a con rmar a autenticidade dos restos esqueletais humanos anatomicamentemodernosdeidadesemelhanteencontradosnaInglaterra,emIpswicheGalleyHill(Capítulo7).

VoItando ao maxilar de Heidelberg, damo-nos conta de que as circunstâncias dadescoberta foram menos que perfeitas. Se um maxilar humano anatomicamentemoderno tivesse sido encontrado por um operário no mesmo areeiro, teria sidosubmetido a críticas implacáveis e julgado recente. A nal, não havia cientistaspresentes nomomento da descoberta. Porém, aomaxilar deHeidelberg - por seenquadrar, por mais imperfeitamente que seja, nos limites das expectativasevolucionárias-,foiconcedidaadevidaisenção.

OutrasdescobertasdoHomemdeJavaporVonKoenigswald

Em 1929, descobriu-se outro ancestral humano antigo, dessa vez na China.Eventualmente,oscientistasgrupariamoHomemdelava,oHomemdeHeidelberge oHomem deBeijing como exemplos deHomo erectus, o ancestral direto doHomosapiens.Aprincípio,porém,ascaracterísticascomunseostatusevolucionáriodos fósseis indonésios, chineses e alemãesnãoeramóbvios, eospaleantropólogossentiramqueeraespecialmentenecessádoesclarecerostatusdoHomemdeJava.

Em 1930, Gustav Heinrich Ralph von Koenigswald, do Instituto de PesquisasGeológicas das Índias Orientais Holandesas, foi enviado a Java. Em seu livroMeetingPrehistoricman,VonKoenigswaldescreveu:“AdespeitodadescobertadoHomem de Beijing, ainda era necessário encontrar outro Pithecanthropussuficientementecompletoparaprovarocaráterhumanodessefóssilcontrovertido”.

VonKoenigswald chegou a Java em janeiro de 1931. Em agosto daquelemesmoano,umdosseuscolegasencontroualgunsfósseishominídeosemNgandong,norioSolo.VonKoenigswaldclassi couosespécimesdeSolocomosendoumavariedade

javanesa de Homem de Neandertal, surgindo em momento posterior ao doPithecanthropuserectus.

Pouco a pouco, a história dos ancestrais humanos em Java parecia estar seesclarecendo,porém,fazia-senecessáriotrabalharmais.Em1934,VonKoenigswaldviajou para Sangiran, um sítio a oeste deTrinil, no rio Solo. Ele levou consigodiversos trabalhadores javaneses, inclusiveAtma, seu coletor treinado,que tambémserviacomocozinheiroelavadeirodeVonKoenigswaldemcampo.

Von Koenigswald escreveu: “Nossa chegada foi acolhida com muita alegria nokampong. Os homens juntaram todos os maxilares e dentes que conseguiramencontrarepronti caram-seavendê-losparanós.Mesmoasmulhereseasmeninas,queemgeral são tãorecatadas,participaram”.ConsiderandoqueamaiorpartedasdescobertasatribuídasaVonKoenigswaldfoinaverdadefeitaporaldeõeslocaisoucoletores nativos, que venderampeçapor peça, a cenadescrita nãopodedeixar decausarcertograudeconstrangimento.

No nal de 1935, em meio à depressão econômica mundial, foi rescindido ocontratodeVonKoenigswaldcomoInstitutodePesquisasGeológicasdeJava.Semse deixar desanimar, Von Koenigswald manteve seu criado Atma e outrostrabalhando em Sangiran, nanciando suas atividades com contribuições de suaesposaedecolegasdeJava.

Duranteesseperíodo,descobriramoquepareciaserametadedireita fossilizadadomaxilarsuperiordeumPithecanthropuserectusadulto.ApósumexamedemuitosrelatóriosdeVonKoenigswald,nãonosfoipossívelencontrarqualquerdescriçãodecomo esse espécime foi descoberto exatamente. Porém, em 1975, o pesquisadorbritânicoK.P.Oakleyeseuscompanheirosa rmaramterofóssilsidoencontradoem1936 na superfície de depósitos de lago expostos a leste deKalijoso, em Javacentral, por coletores empregados por Von Koenigswald. Como o maxilar foiencontradonasuperfície,suaidadeexataéincerta.

Um antropólogo poderia dizer que esse fragmento de maxilar apresenta ascaracterísticasdoHomoerectus,comoéhojeconhecidooPithecanthropuserectus.Logo, provavelmente se sedimentou pelomenos diversas centenas demilhares deanosatrás,adespeitodofatodetersidoencontradonasuperfície.Maseseexistisse,em tempos geologicamente recentes, ou mesmo hoje, uma espécie rara dehominídeocomcaracterísticas físicas semelhantes comasdoHomoerectus?Nessecaso, não se poderia atribuir automaticamente uma data a um determinado ossobaseando-se nas características físicas domesmo osso.NoCapítulo 11, podem-seencontrarprovas,sugerindoqueumacriaturacomooHomoerectustemvividoemtemposrecentese,defato,podeestarvivahoje.

No difícil ano de 1936, durante o qual o maxilar fóssil acima examinado foradescoberto,odesempregadoVonKoenigswaldrecebeuumvisitantenotável-PierreTeilharddeChardin,aquemopróprioVonKoenigswaldhaviaconvidadoparavirinvestigar suas descobertas em Java. Pierre Teilhard de Chardin, arqueólogo esacerdote jesuíta mundialmente famoso, vinha trabalhando em Pequim (hojeBeijing),ondeparticiparadas escavaçõesdoHomemdePequimemChoukoutien(atualmente,Zhoukoudian).

Durante sua visita a Java, Teilhard de Chardin aconselhou Von Koenigswald aescreverparaJohnC.Merriam,presidentedaInstituiçãoCarnegie.VonKoenigswaldo fez, informando a Merriam que estava prestes a fazer novas e importantesdescobertasligadasaoPithecanthropus.

Merriam respondeupositivamente à cartadeVonKoenigswald, convidando-o a irpara a Filadél a, em março de 1937, para assistir ao Simpósio sobre o HomemPrimitivo,patrocinadopelaInstituiçãoCamegie.Ali,VonKoenigswaldjuntou-seamuitosdosprincipaiscientistasdomundoque trabalhavamnaáreadapré-históriahumana.

Umdos principais objetivos do encontro foi formar um comitê executivo para onanciamento, por parte da Instituição Camegie, de pesquisas paleantropológicas.

Derepente,oempobrecidoVonKoenigswaldviu-senomeadomembropesquisadordaInstituiçãoCamegieedepossedeumfartoorçamento.

OPapeldaInstituiçãoCarnegie

Considerandoopapelcrucial representadopor fundaçõesprivadasno naciamentodepesquisassobreaevoluçãohumana,seriavalioso,aessaalturaanalisarosmotivosdas fundações ede seusdirigentes.A InstituiçãoCarnegie e JohnC.Merriamnosproporcionamumexcelenteestudodecaso.NoCapítulo10,examinaremosopapeldaFundaçãoRockefellernofinanciamentodaescavaçãodoHomemdeBeijing.

AInstituiçãoCarnegiefoifundadaemjaneirode1902emWashington,D.C.,sendoregulamentada por decreto revisto e aprovado pelo Congresso em 1904. AInstituição era administrada por um comitê de 24 curadores, que se reuniam emcomitêexecutivotodoano,eeraorganizadaemdozedepartamentosdeinvestigaçãocientí ca,inclusiveodeevoluçãoexperimental.AInstituiçãotambém nanciavaoObservatório Mt. Wilson, onde foi realizada a primeira pesquisa sistemáticaresponsávelpeladifusãodaidéiadequevivemosnumuniversoemexpansão.Dessemodo,aInstituiçãoCarnegieestavaativamenteenvolvidaemduasáreas:aevoluçãoeouniversogeradodagrandeexplosão-doisconceitosarraigadosnoâmagodavisãocosmológica científIca que veio substituir as anteriores cosmologias inspiradas em

conceitosreligiosos.

Ésignillcativoque,paraAndrewCarnegieeoutroscomoele,oimpulsoafavordacaridade,tradicionalmentevoltadoparaasobrassociais,areligião,oshospitais eosistema educacional em geral, estivesse agora sendo canalizado para as pesquisascientífIcas,oslaboratórioseosobservatórios.Issore etiaaposiçãodominantequeaciência e sua visãodemundo, evolução inclusive,passavamaocuparna sociedade,emespecialnasmentesdeseusmembrosmaisabastadosemaisin uentes,muitosdosquaisviamnaciênciaagrandeesperançadeprogressohumano.

JohnC.Merriam,presidentedaInstituiçãoCarnegie,acreditavaqueaciênciahavia“contribuídomuitíssimoparaaedificaçãodefilosofIasecrençasbásicas”,eseuapoioàsexpediçõesembuscadefósseisemJava,lideradasporVonKoenigswald,deviaserencaradodentrodessecontexto.UmafundaçãocomoaInstituiçãoCarnegie tinhaosmeiosparausar a ciência a mde in uenciar a loso a eo credo, fmanciandoseletivamentedeterminadasáreasdepesquisaedivulgandoosresultados.“Onúmerode assuntos que poderia ser investigado é infInito”, escreveu Merriam. “Porém, éconveniente,detemposemtempos,avaliarquequestõespodemtermaioraplicaçãono fomento do conhecimento para o benefício da humanidade naquela época emparticular.”Aquestãodaevoluçãohumanasatisfaziaesserequisito.“Tendopassadouma considerável parte deminha vida a realizar estudos sobre a história da vida”,disseMerriam, “impregnei-me inteiramente com a idéia de que a evolução, ouoprincípio do crescimento e desenvolvimento contínuos, compõe uma das maisimportantesverdadesjáobtidasdetodoconhecimento.”Emborapaleontólogoporinstrução, Merriam também professava a fé cristã. Mas sua cristandade eranotoriamente secundária em relação à sua ciência. “Meu primeiro contato com aciência”, recordou-se ele numa palestra de 1931, “deu-se quando voltei para casa,vindodaescolaprimária,econteiàminhamãequeoprofessornosfalara,durante15minutos,sobreaIdéiadequeosdiasdacriaçãodescritosnoGêneseeramlongosperíodos de criação, e não os dias de 24 horas. Minha mãe e eu consultamos aescritura - ela sendo uma presbiteriana escocesa - e concordamos que aquilo setratava de heresia consumada.Uma semente havia sido plantada, porém. Comopassardasdécadas,tenhorecuadodessapostura.Percebo,agora,queoselementosdaciência, no que concerne à criação, representam o registro incontaminado einalterado do que o Criador fez.” Tendo prescindido dos relatos da criaçãoconstantesnaescritura,Merriamconseguiutransformaraevoluçãodarwiniananumaespécie de religião. Num discurso de convocação na Universidade GeorgeWashington,em1924,Merriamdisse,arespeitodaevolução:“Nãoexistenadaquecontribua para o sustento de nossas vidas, num sentido espiritual, que pareça tãonitidamente indispensável quanto aquilo que nos faz ansiar pela continuidade de

nossocrescimentoouaprimoramento”.

Segundoaopiniãodele, a ciênciadaria aohomemaoportunidadede assumirumpapeldivinonaorientaçãodaqueledesenvolvimento futuro. “Apesquisa é omeiopelo qual o homem subsidiará seu próprio processo de evolução”, disseMerriamnum discurso de 1925 perante o Comitê de Curadores da Instituição Carnegie.Prosseguiaele:“Creioque,seele(ohomem)tivesseabertaparaeleumaopçãoentreoprocessodeevoluçãoorientadoporalgumSerdistantedenós,oquefariaapenasconduzi-lo àmercêdacorrente;ou,comoalternativa, seelepudesseescolherumasituaçãoemqueaquelepoderexteriorestabelecesseas leise lhepermitissefazerusodelas, o homem diria: ‘Pre ro assumir algum papel de responsabilidade nesseesquema”’.

“Segundoahistóriaantiga”,prosseguiaMerriam,“ohomemfoiexpulsodoJardimdoÉdenparaquenãoaprendessedemais;elefoibanidoparaquepudessesetornarosenhordesimesmo.Umaespadaflamejantefoicolocadanoportãooriental,eelefoiordenadoatrabalhar,acultivaraterra,atéquepudesseviraconhecerovalordesuaforça.Agoraeleestáaprendendoaararoscamposaoseuredor,moldandosuavidadeacordocomasleisdanatureza.Emalgumaeradistantenofuturo,podeserqueseescrevaum livroemque serádeclaradoqueohomematingiuen mumaetapaque lhe permite regressar ao Jardim e, no portão oriental, tomou da espadaflamejante,aespadaquesimbolizavaocontrole,afimdeostentá-Iacomoumatochaguiando seu caminho até a árvore da vida.” Tomando da espada amejante emarchando para assumir o controle da árvore da vida? Resta a dúvida se haveriaespaço su ciente no Éden para Deus e um intenso superconquistador cientí cocomoMerriam.

DevoltaaJava

MunidocomosubsídiodeCarnegie,VonKoenigswaldregressouaJavaemjunhode1937.Logoaochegar,contratoucentenasdenativoseenviou-osparaencontrarmais fósseis. Mais fósseis foram encontrados. Porém, quase todos eles eramfragmentosdemaxilarecrânioprovenientesdelocalidadesparcamenteespeci cadasna superfície próxima a Sangiran. Isso di culta a determinação da idade corretadessesfósseis.

Duranteamaiorpartedo tempoemque se realizavamasdescobertasdeSangiran,VonKoenigswaldpermaneciaemBandung,acercade320quilômetrosdedistância,embora às vezes viajasse até os lençóis de fósseis após ser informado de umadescoberta.

No outono de 1937, Atma, um dos coletores deVonKoenigswald,mandou-lhe

pelo correio um osso temporal que aparentemente pertencia a um espesso efossilizadocrâniohominídeo.Esseespécime,dizia-se,tinhasidodescobertopertodamargemdeumriochamadoKaliTjemoro,naalturaemqueatravessaoarenitodaformaçãoKabuh,emSangiran.

Von Koenigswald pegou o trem noturno para Java central, chegando ao sítio namanhã seguinte. “Mobilizamos o número máximo de coletores”, declarou VonKoenigswald. “Eu trouxera o fragmento de volta comigo, o mostrara a todos,prometendo-lhes 10 centavos por cada pedaço adicional pertencente ao crânio.Aquiloeramuitodinheiro, poisumdenteordináriovalia apenas½centavoou1centavo. Tínhamos que manter o preço bem baixo porque nos sentíamoscompelidos a pagar em dinheiro por cada descoberta, pois, quando um javanêsencontratrêsdentes,elesimplesmentepáradecoletaratéquetenhavendidoessestrêsdentes.Emconseqüência,vimo-nosforçadosacomprarumagrandequantidadederestosdentaisquebradoseinúteisejogá-losforaemBandung-setivéssemosdeixadoesses mesmos restos em Sangiran, ter-nos-iam tentado vendê-los outra vez.” Amotivadíssimaequiperapidamenteapareceucomosdesejadosfragmentosdecrânio.VonKoenigswaldrecordariamaistarde:“Ali,àsmargensdeumriacho,quaseseconaquela ocasião, jaziam os fragmentos de um crânio, lavados dos arenitos econglomerados que continham a fauna deTrinil. Com um bando de animadosnativos, escalamos a encosta da colina, recolhendo todo fragmento de osso quepudemos encontrar. Eu prometera 10 centavos para cada fragmento pertencenteàquelecrâniohumano.Massubestimaraacapacidadede‘grandesnegócios’demeuscoletoresmorenos.O resultado foi terrível!Nasminhas costas, eles quebravamosfragmentos maiores em pedaços a m de aumentar o número de vendas! [...]Recolhemoscercadequarentafragmentos,trintadosquaispertenciamaocrânio[...]Eles formavamumaperfeita equase completa calota cranianadePithecanthropuserectus.Agora,a nal,nósatínhamos”!ComopoderiaVonKoenigswaldsaberqueosfragmentosencontradosnasuperfíciedeumacolinarealmentepertenciam,comoalegava ele, à formaçãoKabuhdoPleistoceno Médio?Talvezos coletoresnativostivessem encontrado um crânio em outro lugar e o despedaçado, enviando umpedaçoaVonKoenigswaldeespalhandoorestopelasmargensdoKaliTjemoro.

Von Koenigswald reconstituiu um crânio a partir dos trinta fragmentos querecolhera, chamando-o de Pithecanthropus II, e enviou um relatório preliminar aDubois. O crânio era muito mais completo do que a calota craniana originalencontrada por Dubois emTrinil. Von Koenigswald sempre achara que Duboisreconstituíra seu crânio de Pithecanthropus com pouquíssimo embasamento, eacreditava que os fragmentos de crâniodePithecanthropus recém-encontrados porelepermitiamumainterpretaçãomaishumanóide.Dubois,queàquelaalturahavia

concluídoqueseuPithecanthropusoriginalnãopassavadeumsímio,discordoudareconstituição de Von Koenigswald e acusou-o, em artigo publicado, defalsi cação. Mais tarde, retratou-se, dizendo que os erros que ele viu nareconstituiçãodeVonKoenigswaldprovavelmentenãoeramdeliberados.

MasaposiçãodeVonKoenigswaldestavaconquistandoadeptos.

Em1938,FranzWeidenreich,supervisordasescavaçõesdoHomemdeBeijingemZhoukoudian, a rmou, no prestigioso jornalNature, que as novas descobertas deVonKoenigswaldhaviamestabelecidodeumavezportodasqueoPithecanthropuseraumprecursorhumanoenãoumgibão,conformealegavaDubois.

Em1941,umdoscoletoresnativosdeVonKoenigswaldemSangiranenviou-lhe,em Bandung, um fragmento de um gigantesco maxilar inferior. Segundo VonKoenigswald,talfragmentoapresentavaasinconfundíveiscacarcterísticasdomaxilarde um ancestral humano. Ele denominou o dono do maxilar de Meganthropuspalaeojavanicus(homemgigantedaJavaantiga)porqueomaxilareraduasvezesotamanhodeumtípicomaxilarhumanomoderno.

Mesmoapósumacuidadosabuscaemrelatóriosoriginais,nãonosfoipossívelacharnenhuma descrição da localização exata em que essemaxilar foi encontrado, nemquemodescobriu.SeVonKoenigswaldchegourealmentearevelarascircunstânciasexatas dessa descoberta, então trata-se de um segredo guardado a sete chaves. ElecomentouarespeitodoMeganthropusempelomenostrêsrelatórios,contudo,emnenhumdelesinformouoleitordosdetalhesdalocalizaçãooriginaldofóssil.DisseapenasqueofóssilprovinhadaformaçãoPutjangan,semapresentarqualqueroutrainformação. Assim, tudo do que realmente temos certeza é que algum coletoranônimo enviouumfragmentodemaxilarparaVonKoenigswald.Sua idade,dopontodevistaestritamentecientífico,permaneceummistério.

Meganthropus,naopiniãodeVonKoenigswald,eraumagigantescarami caçãodaprincipal linha de evolução humana.VonKoenigswald também encontrou algunsgrandesdentesfósseishumanóides,osquaiseleatribuiuaumacriaturaaindamaior,chamadaGigantopithecus. SegundoVonKoenigswald, oGigantopithecus era umsímiograndeerelativamenterecente.MasWeidenreich,apósexaminarosmaxilaresdeMeganthropuseosdentesdeGigantopithecus,propôsumanovateoria,segundoa qual ambas as criaturas eram ancestrais humanos diretos. Na opinião deWeidenreich,oHomosapiensevoluiuapartirdoGigantopithecuspor intermédiodoMeganthropus e do Pithecanthropus. Cada espécie eramenor que a seguinte.Muitas autoridadesmodernas, contudo, consideramqueoGigantopithecus éumavariedade de símio que viveu entre o do Pleistoceno Médio e o Inferior, nãoestando, portanto, diretamente relacionado com os humanos. Os maxilares de

MeganthropusnãosãotidoscomosendomuitomaisparecidoscomosdoHomemde Java (Homo erectus) do que acreditava Von Koenigswald originahnente. Em1973,T.Jacobsugeriuqueos fósseisdeMeganthropuspoderiamserclassi cadoscomo Australopithecus. Isso é algo Intrigante, porque, de acordo com a opiniãoconvencional,oAustralopithecusjamaissaiudeseularafricano.

DescobertasposterioresemJava

O Meganthropus foi a última descoberta importante registrada por VonKoenigswald,masabuscademaisossosdoHomemdeJavacontinuaatéhoje.Essasdescobertasposteriores,registradasporP.Marks,T.Jacob,S.Sartonoeoutros,sãoaceitas uniformemente como evidência doHomo erectus noPleistocenoMédio eInferior javanês. Damesma forma que as descobertas deVonKoenigswald, essesfósseis foram, quase todos, encontrados na superfície por coletores nativos oufazendeiros.

T.Jacob,porexemplo,relatouque,emagostode1963,umfazendeiroIndonésiodescobriu fragmentos de um crânio fossilizado na área de Sangiran enquantotrabalhava num campo. Ao serem reunidos, esses fragmentos formaram o queparecia serumcrânio semelhanteao tipodesignadocomoHomocrectus.EmboraJacob a rmasse que essa calota craniana era da formação Kabuh do PleistocenoMédio,elenãodeclarouaposiçãoexatadosfragmentosaoseremencontrados.Tudooquesabemosdefatoéqueumfazendeirodescobriualgunsfragmentosdefóssildecrânioque,muitoprovavelmente,estavamnasuperfícieoupertodela.

Em1973, Jacob fez esta interessanteobservação sobreSangiran,ondehaviamsidofeitastodasasposterioresdescobertasdoHomoerectusdeJava:“Osítiopareceseraindaprometedor,masapresentaproblemasespeciais[...]Issoocorreprincipalmentepor causa de o sítio ser habitado por pessoas,muitas das quais são coletores quehaviam sido treinados para identi car fósseis importantes. Os coletores principaissempreprocuramextrairomáximodos fósseisdeprimatasencontradospor acasopor descobridores primários. Além disso, pode ser que eles não registrem o sítioexato da descoberta, para que não percamuma fonte de renda em potencial. Dequando em quando, eles podem até deixar de vender todos os fragmentos numprimeiro contato,masprocurammanter algumaspeçaspara vendê-Ias aumpreçosuperioremoutraoportunidade”.

Nãoobstante,osfósseisdeSangiransãoaceitoscomoautênticos.Sefósseishumanosanomalamenteantigosfossemencontradosemsituaçõescomoessa,estariamsujeitosacríticasimplacáveis.Comosempre,estamoschamandoaatençãoparaofatodequenão se deve empregar dois pesos e duas medidas na avaliação de provaspaleantropológicas-umpadrãoimpossivelmenterígidoparaprovasanômalaseum

padrãoexcessivamentetoleranteparaprovasaceitáveis.

A mdeesclarecerincertezas,em1985,escrevemoscartastantoparaSartonoquantoparaT.Jacob,solicitando-lhesmaioresinformaçõessobreasdescobertasdeJavaporelesregistradas.Nãorecebemosresposta.

DataçãoquímicaeradiométricadasdescobertasdeJava

Examinaremos agora assuntos relacionados à datação por potássio-argônio dasformações onde acharam fósseis hominídeos em Java, bem como às tentativas dedatarosprópriosfósseispormeiodediversosmétodosquímicoseradiométricos.

À formaçãoKabuhemTriniI,ondeoriginalmenteDubois fez suasdescobertasdoHomem de Java, foi atribuída uma idade de oitocentos mil anos mediante opotássio-argônio. Outras descobertas em Java originaram-se dos lençóisDjetis daformação Putjangan. SegundoT. Jacob, os lençóisDjetis da formação Putjanganpróxima a Modjokerto produziram uma data de cerca de 1,9 milhão de anos,relativaaoPleistocenoInferior,pormeiodopotássio-argônio.Adatade1,9milhãodeanosésigni cativapelasseguintesrazões:conformejávimos,muitosfósseisdeHomo erectus (antes denominados Pithecanthropus e Meganthropus) têm sidoatribuídosaoslençóisDjetis.Casoseatribuaaessesfósseisaidadede1,9milhãodeanos,issoostomamaisvelhosdoqueasmaisantigasdescobertasdeHomoerectusafricano,quetêmcercade1,6milhãodeanos.Deacordocomospontosdevistaconvencionais,oHomoerectusevoluiunaÁfrica,nãotendomigradoparaforadessecontinenteatécercadeummilhãodeanosatrás.

Alémdisso,certospesquisadoressugeremqueoMeganthropusdeVonKoenigswaldpoderiaserclassi cadocomoAustralopithecus.Casoseaceiteessaopinião,issoquerdizerqueosrepresentantesjavanesesdoAustralopithecuschegaramdaÁfricaantesde1,9milhãodeanosatrás,ouqueoAustralopithecusevoluiuseparadamenteemJava.Ambasashipótesesentramemconflitocomospontosdevistaconvencionaissobreaevoluçãohumana.

Deve-seteremmente,contudo,queatécnicadopotássio-argônio,responsávelpeladatade1,9milhãodeanos,nãoéinfalível.T.JacobeG.Curtls,quctentaramdatara maioria dos sítios de hominídeos em Java, tiveram di culdade em obter datassigni cativasdamaioriadasamostras.Emoutraspalavras,apesardeasdatasteremsidoobtidas,elas sedesviavamtantodaquiloqueJacobeCurtisesperavamqueosdois se viram obrigados a atribuir os resultados insatisfatórios aos elementoscontaminadores.Em1978,G.J.Bartstraregistrouumaidadedepotássio-argôniodemenosdeummilhãodeanosparaoslençóisDjetis.

Conforme já vimos, os fêmures de TriniI são indistinguíveis dos fêmures de

humanosmodernosedistintosdosdoHomoerectus.Issolevoualgumaspessoasasugerir que os fêmures deTrinil não pertencem ao crânio de Pithecanthropus e,talvez, estivessem misturados na camada óssea de níveis superiores oriunda doprincípio do Pleistoceno Médio emTriniI. Outra possihilldade é que humanosanatomicamente modernos estivessem vivendo lado a lado com criaturas do tipohomem-macaco durante o começo do PleistocenoMédio em Java. Levando emconsideraçãoaevidênciaapresentadanestelivro,issonãoestariaforadecogitação.

Otestedeteorde úortemsidofreqüentementeusadoparadeterminarseossosdomesmosítiosãodamesmaidade.Osossosabsorvemo úordo lençol freáticoe,dessemodo,casocontenhamporcentagenssemelhantesde úor(relativasaoteordefosfatodosossos),issosugerequetaisossostêmestadoenterradosduranteomesmoperíododetempo.

Emumrelatóriode1973,M.H.DayeT.I.Mollesonanalisaramacalotacranianae os fêmures de TriniI e constataram que eles continham aproximadamente amesma razão de úor para fosfato. Fósseismamíferos do PleistocenoMédio emTriniIcontinhamumarazãode úorparafosfatosemelhanteàdacalotacranianaedos fêmures. Segundo a rmaram Day e Molleson, os resultados aparentementeindicavam a contemporaneidade da calota craniana e dos fêmures com a fauna deTriniI.

SeosfêmuresdeTriniIsãodistintosaosdoHomoerectuseidênticosaosdoHomosapiens sapiens, conforme registraramDay eMolleson, então o teor de úor dosfêmures é compatível com o ponto de vista de que humanos anatomicamentemodernos existiram em Java durante o começo do Pleistoceno Médio, cerca deoitocentosmilanosatrás.

SegundosugeriramDayeMolleson,ossosdoHoloceno(recentes)oriundosdosítiodeTriniIpoderiam,tantoquantoosfósseisdoHomemdeJava,tambémterrazõesde úorpara fosfatosemelhantesàquelasdosossosanimaisdoPleistocenoMédio,tornandootestedo úorinútilnessecaso.K.P.Oakley,ooriginadordométodode testagem do teor de úor, chamou a atenção para o fato de que o índice deabsorçãode úoremáreasvulcânicas,taiscomoJava,tendeaserbastanteerrático,permitindo que ossos de idades amplamente divergentes tenham teores de úorsemelhantes. Não foi possível demonstrar isso diretamente no sítio de TriniI,porquealisomentecontémfósseisosestratosdoPleistocenoMédio.

ConformedemonstraramDayeMolleson, estratosdoHolocenoedoPleistocenoSuperioremoutrossítiosdeJavacontinhamossoscomrazõesde úorparafosfatosemelhantesàsdosossosdeTrinil.Admitiram,noentanto,queas razõesde úorpara fosfato de ossos de outros sítios “não seriam diretamente comparáveis” às de

ossos do sítio deTrinil. Isso porque o índice de absorção de úor de um ossodependedefatoresquepodemvariardesítioparasítio.Entretaisfatoresincluem-seoteorde úordoIençolfreático,oíndicede uxodolençolfreático,anaturezadossedimentoseotipodeosso.

Portanto, os resultados do teste de teor de úor registrados porDay eMollesonpermanecem consistentes com (mas não são provas de) uma idade relativa aocomeço do PleistocenoMédio, de cerca de oitocentosmil anos para os fêmureshumanoseanatomicamentemodernosdeTriniI.

TambémserealizouumtestedeteordenitrogêniocomosossosdeTriniI.Duboishaviaaferventadoacalotacranianaeoprimeirofêmuremcolaanimal,cujaproteínacontém nitrogênio. Daye Molleson procuraram neutralizar isso, pré-tratando asamostras a m de eliminar o nitrogênio solúvel antes da análise. Pelos resultadosobtidos, os ossos deTriniI tinham pouquíssimo nitrogênio contido neles. Isso écompatívelcomofatodetodososossosteremamesmaidaderelativaaocomeçodoPleistocenoMédio, emboraDay eMolleson tenham realmente registrado que onitrogênio contido num osso se perde de maneira tão rápida em Java que nemmesmoossosdoHolocenocostumamternitrogênio.

ApresentaçõesenganosasdeprovasdoHomemdeJava

Muitoslivrosqueabordamoassuntoevoluçãohumanaapresentamoqueparece,àprimeiravista,umvolumeimpressionantedeprovasdaexistênciadoHomoerectusemJavaentrequinhentosmiledoismilhõesdeanosatrás.Umdetaislivroséefossilevidenceforhumanevolution(1978),deW.E.LeGrosClark,professordeanatomiadaUniversidadedeOxford,eBernardG.Campbell,professoradjuntodeantropologia da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. No livro, elesapresentamumatabelaimpressionante,mostrandoasdescobertasdoHomoerectus.Essasdescobertas (fabeIa8.1) têmsidomuitousadasparaapoiaracrençadequeohomemevoluiudeumsersimiesco.

T3 é o fêmur encontrado por Dubois a uma distância de 14 metros do crâniooriginal,T2.Conforme já analisamos,nãohá justi cativapara atribuir aomesmoindivíduoessesdoisossos.Todavia, ignorandomuitosfatos importantes,LeGrosClarkeCampbella rmaramque“oacúmulodeprovasfalatãofortementeemfavordo vínculo natural entre os dois ossos, que esse fato acabou sendo aceito pelamaioria”.

T6,T7,T8eT9sãoosfêmuresencontradosemcaixasdefósseisnaHolandamaisde trinta anos após serem originalmente escavados em Java. Lê Gros Clark eCampbellaparentementeignoraramadeclaraçãodeDuboisdequeelepróprionãoosescavou,edequealocalizaçãooriginaldosfêmureseradesconhecida.Alémdisso,segundo a rmação de Von Koenigswald, os fêmures eram da coleção geral deDubois,quecontinhafósseisde“diversossítiosediversas idadesquesedistinguemdeformamuitoinadequadaporquealgunsdosrótulosseperderam”.Nãoobstante,LeGrosClarkeCampbellpresumiramqueessesfêmureseramoriundosdosleitosdeTrinildaformaçãoKabuh.MasDayeMollesonobservaram:“Seseaplicassemos rigorosos critérios exigidos emescavaçõesmodernas a todoomaterialdeTrinilsubseqüenteaocrânioeaoFêmurI,todoeleseriarejeitadoporserdeproveniênciaduvidosaeestratigrafiadesconhecida”.

O fóssil M1 e os fósseis S1a a S6 são aqueles descobertos por coletores nativosjavaneses empregados porVonKoenigswald.Apenas umdeles (M1) consta comotendo sido descoberto enterrado no estrato ao qual é atribuído, e mesmo esseregistro équestionável.Os fósseis restantesda sérieS sãoos registradosporMark,Sartono e Jacob, e amaioriadeles foi descobertade superfície feitapor aldeões efazendeiros, que venderam os fósseis, talvez valendo-se de intermediários, aoscientistas. Alguém familiarizado com a maneira pela qual esses espécimes foramencontradospoderá,nomínimo,questionaradesonestidadeintelectualmanifestanaTabela 8.1, que dá a impressão de que todos os fósseis foram encontrados emestratosdeidadedefinida.

SegundoobservaramLeGrosClarkeCampbell,averdadeiralocalizaçãodemuitasdasdescobertasdeVonKoenigswalderadesconhecida.Nãoobstante,elesdisseramqueos fósseisprovavelmenteeramoriundosdos estratosdoPleistocenoMédiodaformaçãoKabuhdeTrinil(700mila1,3milhãodeanosdeidade)oudosestratosDjetisdoPleistoceno Inferiorda formaçãoPutjangan (1,3a2milhõesdeanosdeidade).

As idades dadas por Le Gros Clark e Campbell, derivadas das datas de potássio-argônioanalisadasanteriormente, referem-seapenasà idadedos solosvulcânicos,enãoaosprópriosossos.Asdatasdepotássio-argôniosó têmsigni cadoseosossos

foram encontrados seguramente em seu lugar dentro ou debaixo das camadas dematerial vulcânicodatado.Contudo, a grandemaioriados fósseis relacionadosnaTabela 8.1 era de descobertas de super cie, tomando inexpressivas as datas depotássio-argônioaelasatribuídas.

Quantoàidadede1,3a2milhõesdeanosdadaporLeGrosClarkeCampbellaosestratos Djetis da formação Putjangan, observamos que isso se baseia na data depotássio-argôniode1,9milhãodeanosregistradaporJacobcCurtisem1971.Masem1978Bartstraregistrouumadatadepotássio-argôniodemenosdeummilhãodeanos.Outrospesquisadores têmregistradoqueafaunados leitosDjetisébastantesemelhante à dos leitos deTrinil e que os ossos têm razões de úor para fosfatosemelhantes.

ConformeconcluíramLeGrosClarkeCampbell,“nessaépocaremotaexistiramemJavahominídeoscomumtipode fêmur indistinguíveldaqueledoHomosapiens,emboratodososrestoscranianosatéomomentoencontradosenfatizemosaspectosextraordinariamenteprimitivosdocrânioedadentição”.Emsuma,aapresentaçãodeLe Gros Clark e Campbell foi bastante enganosa. Eles deixaram no leitor aimpressãodequeosrestoscranianosencontradosemJavapodemserde nitivamenteassociados aos fêmures quando, na verdade, não é bem assim. Além do mais,descobertas feitas na China e na África têm mostrado que os fêmures de HomoerectussãodiferentesdosreunidosporDuboisemJava.

A julgar estritamente pelas provas de fósseis hominídeos oriundas de Java, tudo oque podemos dizer é o seguinte: no que diz respeito às descobertas de super cie,todas são de restos cranianos ou dentais, cuja morfologia é basicamente simiesca,com algumas características humanóides. Por ser desconhecida a original posiçãoestratigrá cadessesfósseis,elessimplesmenteindicamapresençaemJava,emalgummomentodesconhecidonopassado,deumacriaturacomumacabeçaapresentandocertascaracterísticassimiescasehumanóides.

OcrâniodePithecanthropusoriginal (T2)eo fêmuroriginal (T3)registradosporDuboisforamencontradosinsitu,demodoquehápelomenosumacertabaseparadizer que eles são talvez tão antigos quanto os estratos do começodoPleistocenoMédio de Trinil da formação Kabuh. A posição original dos outros fêmures éparcamentedocumentada,masdizemqueelesforamescavadosdosmesmosleitosdeTrinilqueT2eT3.Dequalquermodo,o fêmuroriginal (T3),descritocomointeiramentehumano, nãofoiencontradonasproximidadesdocrânioprimitivoeapresenta características anatômicasqueodistinguemdo fêmurdoHomoerectus.Logo, não existe nenhuma boa razão para vincular o crânio ao fêmurT3 ou aqualquerdosoutrosfêmures,lodosdescritoscomosendoidênticosaosdehumanos

anatomicamentemodernos.Conseqüentemente,pode-sedizerqueocrânioT2eofêmurT3 indicam a presença de duas espécies de hominídeos em Java durante ocomeçodoPleistocenoMédio-umacomumacabeçasimiescaeaoutracompernassemelhantesàsdehumanosanatomicamentemodernos.Seguindoapráticatípicadeidenti carumaespéciecombaseemrestosesqueletaisparciais,podemosdizerqueofêmurT3forneceprovasdapresençadoHomosapienssapiensemJavaporvoltadeoitocentos mil anos atrás. Até o momento, não sabemos de nenhuma criatura,excetooHomosapienssapiens,quetivessepossuídootipodefêmurencontradonosleitosdeTrinilemJava,relativosaocomeçodoPleistocenoMédio.

9.ARevelaçãodePiItdownApós adescoberta, feitaporEugeneDubois, doHomemde Javanos anos90doséculo XIX, intensi cou-se a caçada aos fósseis a m de preencher as lacunasevolucionáriasentreantigoshominídeossimiescoseoHomosapiensmoderno.Foinessa era de grandes expectativas que foi feita na Inglaterra uma descobertasensacional-oHomemdePiltdown,umacriaturacomcrâniohumanóideemaxilarsimiesco.

As linhas gerais da história de Piltdown são conhecidas tanto dos proponentesquanto dos adversários da teoria darwiniana da evolução humana. Os fósseis, osprimeiros dos quais foram descobertos por CharlesDawson entre 1908 e 1911,foramdeclaradosforjamentosnosanos1950porcientistasdoMuseuBritânico.Issopermitiu aos críticosda evoluçãodarwinianadesa ar a credibilidadedos cientistasque, por diversas décadas, haviam incluído os fósseis de Piltdown nas árvoresgenealógicasevolucionárias.

Os cientistas, porém, foram ligeiros em chamar a atenção para o fato de que elespróprioshaviamexpostoafraude.Algunstrataramdeidenti car,comoforjadores,pessoascomoDawson,umamadorexcêntrico,ouPierreTeilharddeChardin,umpadre católico e paleontólogo com idéias místicas sobre a evolução, absolvendo,dessaforma,os“verdadeiros”cientistasenvolvidosnadescoberta.

Em certo sentido, poderíamos deixar a história de Piltdown por isso mesmo econtinuarmoscomnossapesquisadasprovaspaleantropológicas.Porém,umexamemaisprofundodoHomemdePiltdownedascontrovérsiasemtornodelemostraráser proveitoso, proporcionando-nos uma compreensão maior de como os falosrelativosàevoluçãohumanasãooficializadosedesoficializados.

Contrariamenteàimpressãogeraldequeosfósseisrepresentamelesmesmosamaiorcertezaeconvicção,acomplexarededecircunstânciasvinculadasaumadescobertapaleantropológicapodeofuscaramaissimplesdascompreensões.Emespecial,éde

esperar semelhante ambigüidade no caso de um forjamento cuidadosamenteplanejado,seéissomesmooqueoepisódiodePiltdownrepresenta.Porém,comoregra geral, mesmo descobertas paleantropológicas “comuns” são encobertas pormúltiplascamadasdeincerteza.Àmedidaquerastreamosahistóriapormenorizadada controvérsia de Piltdown, torna-se evidente que a linha divisória entre fato eforjamentocostumaserindistinta.

Dawsonencontraumcrânio

Em dado momento do ano de 1908, Charles Dawson, advogado e antropólogoamador,reparouqueumaestradaruralpróximaaPiltdown,emSussex,estavasendoconsertada com cascalho de pederneira. Sempre à procura de ferramentas depederneira,Dawsonindagoudosoperárioseficousabendoqueapederneiraprovinhadeumaescavaçãonumaquintapertodali.BarkhamManor,aquinta,pertenciaaosr. R.Kenward, conhecido deDawson. Este visitou a escavação e solicitou a doisoperários dali que cassem de olho em quaisquer instrumentos ou fósseis queaparecessem.Em1913,Dawsonescreveu:“Emumademinhasvisitassubseqüentesàescavação, um dos homens entregou-me uma pequena parte de um osso parietalhumano incomumente espesso. Logo em seguida, z uma busca, mas nada maispudeencontrar[...]Somentealgunsanosmaistarde,nooutonode1911,emvisitaaomesmolocal,équerecolhi,entreaspilhasdeentulhodaescavaçãodecascalho,outro pedaço maior pertencente à região frontal do mesmo crânio”. Dawsonobservouqueacovaescavadacontinhapedaçosdepederneiracomamesmíssimacordosfragmentosdocrânio.

Dawsonnão era um simples amador.Ele havia sido eleitoMembro da SociedadeGeológicae,durantetrintaanos,contribuíracomespécimesparaoMuseuBritânico,naposiçãodecolecionadorhonorário.Alémdisso,cultivaraíntimaamizadecomSirArthurSmithWoodward,curadordoDepartamentoGeológicodoMuseuBritânicoemembro daSociedadeReal.Emfevereirode1912,DawsonescreveuumacartaparaWoodwardnoMuseuBritânico,contando-lhecomohavia“deparadocomumantiqüíssimo lençol doPleistoceno [...] que, acho eu, serámuito interessante [...]compartedeumespessocrâniohumanonele[...]partedeumcrâniohumanoquerivalizarácomoHomoheidelbergensis”.Aotodo,Dawsonhaviaencontradocincopedaçosdo crânio.A mde endurecê-Ios, colocou-osdemolhonuma soluçãodedicromatodepotássio.

Em um sábado, 2 de junho de 1912, Woodward e pawson, acompanhados porPierre Teilhard de Chardin, estudante do seminário jesuíta local, começaramescavações emPiltdown e foram recompensados com algumas novas descobertas.Logo no primeiro dia, encontraram outro pedaço de crânio. Outros pedaços

apareceram. Posteriormente,Dawson escreveu: “Aparentemente, toda ou amaiorparte do crânio humano havia sido espalhada pelos operários, que haviam jogadofora os pedaços não observados. Destes nós recuperamos, das pilhas de entulho,tantosfragmentosquantonosfoipossível.Numadepressãoumtantomaisfundadocascalho intocado, encontrei ametade direita de umamandíbula humana.Tantoquantopudejulgar,orientando-mepelaposiçãodeumaárvorea3ou4metrosdedistância, o local era idêntico àquele em que os operários estiveram trabalhandoquando a primeira parte do crânio foi encontrada, anos atrás. O dr. Woodwardtambémencontrouumapequenapartedoossooccipitaldo crânio a1metrodopontoondeomaxilar foradescoberto,eprecisamentenomesmonível.Omaxilarpareciatersidoquebradonasín seeraspado,talvezenquantoaindaestavapresonocascalho, antes de sua completa sedimentação.Os fragmentos do crâniomostrampoucoounenhumsinalderolamentoououtrotipodedesgaste,salvoumaincisãonaparte traseira doparietal, provavelmente causadapela picareta deumoperário”.Um total de nove pedaços fósseis de crânio foi encontrado, cinco por DawsonsozinhoeoutrosquatroapósWoodwardaderiràescavação.

Alémdosfósseishumanos,asescavaçõesemPiltdownproduziramumavariedadedefósseis mamíferos, incluindo dentes de elefante, mastodonte, cavalo e castor.Também encontraram ferramentas de pedra, algumas comparáveis aos eólitos eoutras peças de artesanato mais avançado. Algumas das ferramentas e dos fósseismamíferos estavam mais desgastados do que os outros. Segundo acreditavamDawsoneWoodward,asferramentaseossosemmelhorestado,incluindoosfósseisdoHomemdePiltdown,datavamdoPleistocenoInferior,aopassoqueosdemaishaviamoriginalmentesidopartedeumaformaçãodoPlioceno.

Nas décadas que se seguiram, muitos cientistas concordaram com Dawson eWoodwardqueosfósseisdoHomemdePiltdowneramcontemporâneosdosfósseismamíferos do Pleistoceno Inferior.Outros, tais como Sir Arthur Keith e A.T.Hopwood,acharamqueosfósseisdoHomemdePiltdowneramcontemporâneosdafaunamaisantigadoPliocenoSuperior,quehaviaaparentementesidoarrastadaparaoscascalhosdePiltdowndeumhorizontemaisantigo.

Desdeoinício,ocrâniodePiltdownfoijulgadomorfologicamentehumanóide.DeacordocomWoodward,osprimitivosancestraissimiescosdoshumanostinhamumcrâniohumanóideeummaxilarsimiesco,comoaqueledoHomemdePiltdown.Em determinada altura, dizia Woodward, a linha evolucionária se rompeu. Umarami cação começou a desenvolver crânios espessos com grandes arcadassupraorbitais. Essa linha levou aoHomemde Java e aosNeandertais, que tinhamcrâniosespessoscomgrandesarcadassupraorbitais.Aoutralinhareteveocrâniode

supercílio liso, aopassoqueomaxilar tornou-semaishumanóide.Foinessa linhaqueapareceramoshumanosanatomicamentemodernos.

Dessemodo,Woodward apresentou sua própria teoria sobre a evolução humana,que ele pretendia corroborar valendo-se de provas fósseis, por mais limitadas efragmentárias que estas fossem.Hoje sobreviveumaversãoda linhagempropostaporWoodwardna idéia amplamente aceita de que tanto oHomo sapiens sapiensquantooHomosapiensneanderthaIensissãodescendentesdeumaespéciechamadaHomo sapiens arcaico ou primitivo. Não tão amplamente aceita, mas bastantepróximada idéiadeWoodward, está apropostadeLowsLeakeydeque tantooHomoerectusquantoosNeandertaissãorami cações lateraisda linhaprincipaldeevoluçãohumana.Contudo,todasessaslinhagensevolucionáriaspropostasignoramaprova,catalogadanestelivro,dapresençadehumanosanatomicamentemodernosemperíodosanterioresaoPleistoceno.

Nem todos concordaram com a idéia de que o maxilar e o crânio de Piltdownpertenciamàmesmacriatura.ConformesugestãodeSirRayLankester,doMuseuBritânico,elespoderiampertenceracriaturasseparadasdeespéciesdiferentes.DavidWaterston,professordeanatomiaemKing’sCollege,tambémachavaqueomaxilarnãopertenciaaocrânio.Juntaromaxilaraocrânio,diziaele,eracomovincularopédeumchimpanzéaumapernahumana.SeWaterstonestavacorreto,estavadiantede um crânio muito parecido com o de um humano e bem possivelmente doPleistocenoInferior.

De modo que, desde o começo, alguns peritos sentiram-se incomodados com aaparente incompatibilidade entre o crânio humanóide e o maxilar simiesco doHomemdePiltdown(Figura9.1).SirGraftonEliotSmith,peritoem siologiadocérebro, tentou reduzir essa dúvida. Após examinar uma amostra com ascaracterísticas da cavidade cerebral do crânio de Piltdown, Smith escreveu:“Devemos considerar este como sendo o mais primitivo e mais simiesco cérebrohumano até hoje registrado; cérebro, inclusive, quepoderia ter sido razoavelmenteassociado ao mesmo indivíduo portador de mandíbula (simiesca)”. Porém, deacordo comos cientistasmodernos, o crânio dePiltdown é um crânio deHomosapiens sapiens claramente recente que foi plantado por um embusteiro. Casoaceitemos isso, quer dizer que Smith, um renomadoperito, estava vendo aspectossimiescosondenaverdadenãoexistianenhum.

Esperava-sequedescobertasfuturasviessemaesclarecerostatusexatodoHomemdePiltdown.Osdentescaninos,quesãomaispontudosnos símiosdoquenos sereshumanos, não estavampresentes nomaxilar de Piltdown.Woodward pensou queacabariaaparecendoumcanino,echegouafazerummodelodecomopareceriaumcaninodoHomemdePiltdown.

Em29deagostode1913,TeilharddeChardinencontrou,defato,umdentecaninonumapilhadecascalhonosítiodeescavaçãoemPiltdown,pertodolugarondeforadescobertaamandíbula.Apontadodenteestavadesgastadaeachatadacomoadeumcaninohumano.Tambémforamencontradosalgunsossosdonariz.

A essa altura, Piltdown tomara-se uma atração turística e tanto. Pesquisadoresvisitantes eram educadamente autorizados a assistir à continuação das escavações.Chegavam automóveis com membros de sociedades de história natural. Dawsonchegou a dar umpiqueniqueno sítio dePiltdownpara a SociedadeGeológica de

Londres. Empoucotempo,Dawsonconquistoustatusdecelebridade.De fato,onomecientí coparaohominÍdeodePiltdownpassouaserEoanthropusdawsoni,signi cando “homem primitivo deDawson”,Mas paraDawson, durou pouco oprazerdesuafama;elemorreuem1916.

Persistiam dúvidas sobre se o maxilar e o crânio do Eoanthropus pertenciam àmesma criatura, mas essas dúvidas diminuíram quando Woodward registrou adescoberta,em1915,deumsegundoconjuntodefósseisacercade3quilômetrosdosítiodePiltdownoriginal.Aliforamencontradosdoispedaçosdecrâniohumanoeumdentemolarhumanóide.Paramuitoscientistas,asdescobertasdePiltdownIIajudaramacon rmarqueosoriginaiscrânioemaxilardePiltdownpertenciamaomesmoindivíduo.

Porém,àmedidaquedescobriammais fósseishominídeos,o fóssildePiltdown,com seu tipoRomo sapiensde crânio, introduziuumagrandepareciade incertezaquanto à constituição da linha de evolução humana. Em Choukoutien (hojeZhoukoudian), perto de Pequim (hoje Beijing), alguns pesquisadores descobriraminicialmente um maxilar de aparência primitiva semelhante ao do Homem dePiltdown. No entanto, quando o crânio do primeiro Homem de Beijing foidescoberto,em1929,eletinhaatestabaixaeapronunciadaarcadasupraorbitaldoPithecanthropuserectusdeJava,agoraclassi cado,aoladodoHomemdeBeijing,comoHomo erectus.Namesma década, Raymond Dart descobriu os primeirosespécimes de Australopithecus na África. Sucederam-se outras descobertas deAustralopithecuse, tantoquantooHomemde JavaeoHomem deBeijing, elestambémtinhamtestasbaixasesalientesarcadassupraorbitais.Muitosantropólogosbritânicos, contudo, concluíramque oAustralopithecus era uma criatura simiescaquenãoeraumancestralhumano.

Porém, após a Segunda Guerra Mundial, novas descobertas, feitas por RobertBroomnaÁfrica, levaramosbritânicosamudarde idéiasobreoAustralopithecus,aceitando-ocomoumancestralhumano.Que,então,sehaveriadefazeragoracomoHomemdePiltdown,queeratidocomosendotãoantigoquantoasdescobertasdeAustralopithecusquejáhaviamsidofeitasàquelaaltura?

UmForjamentoexposto?

Enquanto isso,umdentista inglêschamadoAlvanMarston insistiaemimportunaros cientistas britânicos a respeito do Homem de Piltdown, argumentando haveralgodeerradocomosfósseis.Em1935,MarstondescobriuumcrâniohumanoemSwanscombe, acompanhado por ossos fósseis de 26 espécies de animais doPleistocenoMédio. Desejando ver sua descoberta aclamada como “o inglêsmaisantigo”,MarstondesafiouaidadedosfósseisdePiltdown.

Em 1949, Marston convenceu Kenneth P. Oakley, do Museu Britânico, a testartantoosfósseisdeSwanscombequantoosdePiltdowncomorecém-desenvolvidométododo teorde úor.OcrâniodeSwanscombe tinhaomesmoteorde úorque os fósseis de ossos animais encontrados no mesmo sítio, con rmando, dessemodo,suaantiguidadedePleistocenoMédio.OsresultadosdostestesfeitoscomosespécimesdePiltdownforammaisconfusos.

Oakley, devemos mencionar, aparentemente tinha suas próprias suspeitas sobre oHomemdePiltdown.OakleyeHoskins,co-autoresdorelatóriodotestedeteordeúorfeitoem1950,escreveramque“ascaracterísticasanatômicasdoEoanthropus

(supondoqueomaterialanalisadorepresentasseumasócriatura)eraminteiramentecontráriasàsexpectativasquecertasdescobertasnoExtremoOrienteenaÁfricanosfizeramteremrelaçãoaumhominídeodocomeçodoPleistoceno”.

OakleytestouosfósseisdePiltdowna mdedeterminarseocrânioeomaxilardoHomemdePiltdownpertenciamrealmenteumaooutro.Oteorde úordequatrodosossoscranianosoriginaisdePiltdownvariavade0,1%a0,4%.Omaxilargerouum teor de úor de 0,2% , sugerindo que ele pertencia ao crânio. Os ossos dasegunda localidade de Piltdown apresentaram resultados semelhantes. SegundoconcluiuOakley,osossosdePiltdowneramdointerglacialRiss-Wurm,oquelhesatribuiriaumaidadeentre75e125milanos.IssoébemmaisrecentequeadatadoPleistoceno Inferior originalmente atribuída aos fósseis de Piltdown, porém,continuasendoanomalamenteantigoparaumcrâniodotipointeiramentehumanonaInglaterra.Segundoateoriaatual,oHomosapienssapienssurgiunaÁfricacercadecemmilanosatráseapenasmuitomaistardemigrouparaaEuropa,porvoltadetrintamilanosatrás.

OrelatóriodeOakleynãosatisfezMarstoninteiramente,poisesteestavaconvencidode que o maxilar e o crânio de Piltdown eram de criaturas completamentediferentes. Valendo-se de seu conhecimento demedicina e odontologia,Marstonconcluiuqueo crânio, com suas suturas fechadas, eradeumhumanomaduro, aopassoqueomaxilar,comseusmolaresincompletamentedesenvolvidos,pertenciaaumsímio imaturo.Tambémachouqueasmanchas escurasdosossos, tidas comoum sinal de grande antiguidade, foram provocadas pelo fato de Dawsoll tê-Iosdeixadodemolhoemsoluçãodedicromatodepotássioparaendurecê-los.

AcampanhaincessantedeMarstonsobreosfósseisdePiltdownacabouchamandoaatençãodeJ.S.Weiner,umantropólogodeOxford.Weinerlogoconvenceu-sedequehaviaalgodeerradocomosfósseisdePiltdown.ElecomunicousuassuspeitasaW.E.LeGrosClark, chefedodepartamentode antropologiadaUniversidadedeOxford,masaprincípioLeGrosClarkmanteve-secético.Em5deagostode1953,

WeinereOakleyreuniram-secomLeGrosClarknoMuseuBritânico,ondeOakleyretirouos verdadeirosespécimesdePiltdowndeumcofreparaqueelespudessemexaminar as controvertidas relíquias. A essa altura, Weiner apresentou a Le GrosClarkumdente dechimpanzéqueele,apósconsegui-lonumacoleçãodemuseu,haviaarquivadoemanchadocomdicromatodepotássio.AsemelhançacomomolardePiltdowneratão surpreendentequeLeGrosClarkautorizouumaInvestigaçãocompletadetodososfósseisdePiltdown.

Aplicaram um segundo teste de teor de úor, usando novas técnicas, aos fósseishumanos de Piltdown.Três pedaços do crânio de Piltdown produziram, naqueleensejo, um teor de úor de 0,1%. Mas o maxilar e os dentes de Piltdownproduziramumteormuitoinferiordeflúor:de0,1%a0,4%.Comooteordeflúoraumentacomopassardotempo,osresultadosindicaramumaidademuitomaiorpara o crânio do que para o maxilar e os dentes. Isso queria dizer que eles nãopodiampertenceràmesmacriatura.

Emrelaçãoaosdoistestesdeteorde úorfeitosporOakley,vemosqueoprimeiroindicouquetantoocrânioquantoomaxilartinhamamesmaidade,aopassoqueosegundoindicouteremelesidadesdiferentes.Foia rmadoqueosegundoconjuntode testes fez uso de novas técnicas - isso ocorreu para produzir um resultadodesejado.Essetipodecoisaocorrecombastantefreqüênciaempaleantropologia-ospesquisadores aplicam e reaplicam testes, ou aprimoram seus métodos, até queobtenhamumresultadoaceitável.Então,param.Emtaiscasos,parecequeotesteécalibradoemcontrastecomumaexpectativateórica.

Também aplicaram testes de teor de nitrogênio nos fósseis de Piltdown.Examinando os resultados, Weiner constatou que os ossos do crânio continhamentre0,6%e1,4%denitrogênio,aopassoqueomaxilarcontinha3,9%eaporçãode dentina de alguns dos dentes de Piltdown continha entre 4,2% e 5,1%. Osresultados do teste, portanto, demonstraramque os fragmentos cranianos tinhamidade diferente da do maxilar e dos dentes, provando serem eles de criaturasdiferentes.Umossomoderno contémcerca de4%a5%denitrogênio, eo teordiminui com a idade. Parecia, então, que o maxilar e os dentes eram bastanterecentes,aopassoqueocrânioeramaisantigo.

Osresultadosdostestesdeteorde úorenitrogênioaindadavammargemaqueseacreditasse que o crânio, pelo menos, era nativo dos cascalhos de PiItdown.Finalmente,porém,atéosfragmentosdecrânioficaramsobsuspeita.OrelatóriodoMuseuBritânicodizia:Odr.G.F.Claringbull realizouumaanálisecristalográ caem raios X desses ossos para constatar que seu principal constituinte mineral, aapatita de oxidrilo, havia sido parcialmente substituído pela gipsita. Estudos das

condiçõesquímicasnosubsoloenolençolfreáticodePiltdowndemonstraramqueuma alteração tão incomum assim não poderia ter ocorrido de forma natural nocascalhodePiltdown.

O dr. M. H. Hey demonstrou, a seguir, que, quando ossos subfósseis sãoarti cialmentepostosdemolhoem fortes soluçõesde sulfatode ferro,ocorre estaalteração.Logo,agoraestáclaroqueosossoscranianoshaviamsidoarti cialmentemanchados para combinar com o cascalho, e ‘plantados’ no sítio com todas asdemaisdescobertas”.

AdespeitodaevidênciaapresentadanorelatóriodoMuseuBritânico,aindapode-seargumentar que o crânio era originalmente dos cascalhos de Piltdown.Todos osfragmentosdecrâniotinhammanchasescurasdeferrogeneralizadas,aopassoqueoosso maxilar, também tido como forjamento, apresentava apenas uma manchasuper cial. Além disso, uma análise química dos primeiros fragmentos de crâniodescobertosporDawsondemonstrouteremelesumaltíssimoteordeferrode8%,comparado a apenas 2% a 3% para o maxilar. Essa evidência sugere que osfragmentosdecrânioadquiriramsuasmanchasdeferro(penetrandooossointeiroecontribuindocom8%deferroparaoteormineraltotaldosossos)emvirtudedalongapermanêncianoscascalhosricosemferroemPiltdown.Jáomaxilar,comsuameramancha super cial e um teor de ferromuitomenor, parece ser de origemdiferente.

Se os fragmentos de crânio eram nativos dos cascalhos de Piltdown e não forammanchadosde formaarti cial, conforme sugestãodeWeinere seuscompanheiros,como,então,sepodeexplicaragipsita(sulfatodecálcio)nosfragmentosdecrânio?UmapossibilidadeéqueDawsonusassecompostosdesulfato(comouemadiçãoaodicromato depotássio)enquanto tratavaquimicamenteosossosparaendurecê-losapóssuaescavação,convertendo,dessemodo,partedaapatitadeoxidrilodosossosemgipsita.

Outra opção é que a gipsita se acumulara enquanto o crânio ainda estava noscascalhos de Piltdown. Segundo alegaram os cientistas do Museu Britânico, aconcentração de sulfatos em Piltdown era muito baixa para isso ter acontecido.Porém, segundo observou M. Bowden, os sulfatos estavam presentes no lençolfreáticodaáreanumarazãode63partespormilhão,eocascalhodePiltdowntinhaum teor de sulfato de 3,9 miligramas a cada 100 gramas. Admitindo que essasconcentrações não eram altas, Bowden disse que elas podiam ter sidoconsideravelmentemais altas no passado.Nós observamos queOakley recorreu àspassadasconcentraçõessuperioresdeflúornolençolfreáticoparaexplicarumteordeflúoranormalmentealtoparaosesqueletoshumanosdeCastenedolo.

Signi cativamente,omaxilardePiltdownnãocontinhagipsita.Ofatodeagipsitaestarpresenteemtodososfragmentosdecrânio,masnãonomaxilar,écompatívelcomahipótesedequeos fragmentosdecrânioeramoriginalmentedocascalhodePiltdown,aopassoqueomaxilarnãoera.

Havia crôrnio nos cinco fragmentos de crânio encontrados por Dawson sozinho,antesdeWoodward juntar-seaele. Issopodeserexplicadopelo fatoconhecidodequeDawsonmergulhavaosfragmentosemsoluçãodedicromatodepotássioparaendurecê-losapóselesseremescavados.OsoutrosfragmentosdecrânioencontradosporDawsoneWoodwardjuntosnãocontinhamcrôrnionenhum.

Jáomaxilartinhacrômio,aparentementeresultantedeumatécnicadeimersãoemferroqueenvolviaousodeumcompostodeferroededicromatodepotássio.

Emsuma,podeserqueocrâniofossenativodoscascalhosdePiltdownetivesseseimpregnado totalmente de ferro no decurso de um longo período de tempo.Duranteessemesmoperíodo,umapartedofosfatodecálcionoossotransformou-se em sulfato de cálcio (gipsita) pela ação dos sulfatos no cascalho e no lençolfreático. Alguns dos fragmentos de crânio foram posteriormente imersos emdicromatodepotássioporDawson. Isso explicaria apresençade crômioneles.Osfragmentos encontrados mais tarde por Dawson e Woodward juntos não foramimersos em dicromato de potássio e por isso não continham crômio.Omaxilar,porém,foiarti cialmentebanhadoemferro,oqueresultouapenasnumacoloraçãosuper cial.Atécnicadaimersãoenvolviaousodeumcompostodecrômio,oqueexplica a presença de crômio nomaxilar, mas a técnica de imersão não produziacrômionenhum.

Alternativamente,casoaceitemosquea imersãoemferrodosfragmentosdecrânio(bemcomodomaxilar)foirealizadaporforjamento,entãotemosdeadmitirqueoforjadorusoutrêstécnicasdeimersãodiferentes:(1)DeacordocomoscientistasdoMuseuBritânico,atécnicadeimersãoprimáriaenvolviaousodeumasoluçãodesulfatodeferrocomodicromatodepotássiocomoumoxidante,gerandoagipsita(sulfato de cálcio) como subproduto. Isso explicaria a presença da gipsita e docrômionos cinco fragmentos de crânio imersos em ferro, encontrados a princípiopor Dawson. (2) Os quatro fragmentos de crânio encontrados por Dawson eWoodwardjuntoscontinhamgipsita,masnenhumcrômio.Portanto,atécnicadeimersãonessecasonãoteriaempregadodicromatodepotássio. (3)Omaxilar,quecontinha crômio, mas não gipsita, provavelmente foi imerso por um terceirométodo que envolvia o uso de compostos de ferro e de crômio, mas que nãoproduziagipsita.Édi cilentenderporqueumforjadorteriausadotantosmétodosquandoumsóbastaria.Precisamos,também,nosindagaromotivoparaoforjador

ter descuidadamentemanchadoomaxilar numgraumuitomenos abrangente doquenocasodocrânio,arriscando,assim,arevelaçãodafraude.

Outrasprovas,sobaformadodepoimentodeumatestemunhaocular,sugeremqueocrânioera,defato,originalmentedoscascalhosdePiltdown.AtestemunhaoculareraMabelKenward, lhadeRobertKenward,oproprietáriodeBarkhamManor.Em23defevereirode1955,oTelegraphpublicouumacartadasenhoritaKenwardcontendoaseguintedeclaração:“Certodia,quandoescavavamnocascalho xo,umdosoperáriosavistouoquechamoudecoco.Quebrou-ocomsuapicareta,guardouumpedaçoejogouorestofora”.Otestemunhodequeocascalhoera xoparece-nosespecialmentesignificativo.

Até o próprio Weiner escreveu: “Não é com facilidade que podemos desprezar ahistóriadosescavadoresdocascalhoeseu‘coco’comosetudofossemerainvenção,umcontoplausívelarquitetadoparajusti carumahistóriaaceitávelparaospedaços[...]Considerando,então,apossibilidadedeosoperáriosteremdefatoencontradoum pedaço de crânio, ainda é concebível que o que eles encontraram não era oEoanthropus sernifóssil,mas um sepultamentomuito recente e bastante comum”.ConformesugeriuWeiner,oréu,quemquerquepossatersido,poderiaentãotersubstituídopedaçostratadosdecrânioporaquelesrealmenteencontrados.Masseosoperários estavam lidando com “um sepultamento muito recente e bastantecomum”,onde, então, estavao restodosossosdocadáver?A nal,Weiner sugeriuquehaviamplantadotodoumcrâniofalso,quefoiencontradopelosoperários.Massegundo o testemunho de Mabel Kenward, a superfície onde os operárioscomeçaramaescavarestavaintacta.

RobertEssex,professordeciênciaseamigopessoaldeDawsonentre1912e1915,apresentouuminteressantetestemunhosobreomaxilar,oumaxilares,dePiltdown.Em 1955 Essex escreveu: “Outro maxilar não mencionado pelo dr. Weiner eencontradoemPiltdowneramuitomaishumanoqueomaxilardemacaco,eporissomuitomais provável de pertencer às partes do crânio de Piltdown, que sãoreconhecidamente humanas. Eu vi e peguei o maxilar em minhas mãos, além deconhecerabolsaemqueeleveiopararnoescritóriodeDawson”.

Essex prosseguiu com mais detalhes, À época, ele era professor de ciências numcolégioprimário, localizadopertodoescritóriodeDawson.Essexa rmou:“Certodia, quando eupassava, umdos assistentes deDawson, a quem eu conhecia bem,convidou-meaentrarnoescritóriodele.Elemechamaraparamostrar-meofóssildemetade de um maxilar, muito mais humano que o de um macaco e com trêsmolaresbem xosnele.Quandopergunteideondevinhaaqueleobjeto,arespostafoi ‘Piltdown’. Conforme me disse o assistente, havia sido trazido por um dos

‘escavadores’que,aovirteràpresençadosr.Dawson,carregavaumabolsadotipoque seusapara transportar ferramentas.Ao ser informadoqueo sr.Dawsonnãoestava, ele disse que deixaria a bolsa ali e voltaria outra hora. Depois que ele foiembora,oassistente abriuabolsaeviuessemaxilar.Aover-mepassando,elemeconvidaraaentrar.Eulhedissequeseriamelhorcolocaroobjetodevoltanabolsaequeo sr.Dawson caria aborrecido se soubessedisso.Mais tarde, quei sabendoque,quandoo‘escavador’retornou,osr.Dawsonaindanãohaviavoltado,demodoqueelepegousuabolsaepartiu”.Posteriormente,Essexviufotogra asdomaxilardePiltdown.AoperceberqueomaxilarnãoeraomesmoqueviranoescritóriodeDawson,comunicouessainformaçãoaoMuseuBritânico.

Adescobertadeummaxilarhumanotendeacon rmaropontodevistadequeocrânio humano encontrado em Piltdown era nativo dos cascalhos. Mesmo queaceitemos o fatode todososdemaisossos ligadosaPiltdownseremfraudes, seocrânio foi encontrado in situ, estamosdiantedoquepoderia sermaisumcasoderestosde Homo sapiens sapiensdo ftmdoPleistocenoMédiooudocomeçodoPleistocenoSuperior.

Identificandooréu

Escritosmaisrecentes,aceitandototalmentequetodososfósseise instrumentosdePiltdowneramfraudulentos,concentram-seemidenti caroréu.WeinercOakley,entre outros, insinuaram que Dawson, o paleontólogo amador, tinha a culpa.Woodward,ocientistaprofissional,foiabsolvido.

MasparecequeoforjamentodePiltdownexigiumuitoconhecimentoecapacidadetécnicos - além daqueles aparentemente possuídos por Dawson, um antropólogoamador. Tenha em mente que os fósseis do Homem de Piltdown estavamacompanhados de muitos fósseis de mamíferos extintos. Tudo indica que umcientistapro ssional,quetivesseacessoafósseisrarosesoubessecomoescolhê-Iosemodi cá-Ios para dar a impressão de uma montagem faunística autêntica da eraadequada,tevedeseenvolvernoepisódiodePiltdown.

Houve quem tentasse incriminarTeilhard de Chardin, que estudou num colégiojesuítapertodePiltdowne couconhecendoDawsonnos idosde1909.SegundoacreditavamWeinereseuscompanheiros,umdentedeestegodonteencontradoemPiltdownprovinhadeumsítionorte-africanoqueteriasidovisitadoporTeilharddeChardin entre 1906 e 1908, período durante o qual ele atuou como preletor naUniversidadedoCairo.

Woodward é outro suspeito. Ele pessoalmente escavou alguns dos fósseis. Se elesforamplantados, tudo indica quedeveria ter percebidohaver algode errado. Isso

levanta a suspeita de que ele próprio estivesse envolvidona trama.Alémdomais,controlava rigidamente o acesso aos fósseis originais de Piltdown, que cavamguardadosaoscuidadosdelenoMuseuBritânico.Issopoderiaserinterpretadocomoumatentativadeevitarqueaprovadoforjamentoviesseaserdetectadaporoutroscientistas.

Ronald Millar, autor de e Piltdown men, suspeitava de Grafton Eliot Smith.TendoumaantipatiaporWoodward,Smithpodeterresolvidoarmarlheumaciladacomumafraudeelegante.Smith,comoTeilharddeChardin,haviapassadoalgumtemponoEgito,demodoqueteveacessoafósseisquepoderiamtersidoplantadosemPiltdown.

Frank Spencer, professor de antropologia em Queens College, da UniversidadeMunicipaldeNovaYork,escreveuumlivroemqueculpaSirArthurKeith,curadordo Museu Hunteriano do Real Colégio de Cirurgiões, pelo forjamento dePiltdown.SegundoacreditavaKeith,oshumanosmodernoshaviamevoluídomaiscedodoquepodiamaceitarosdemaiscientistas,eisso,aoverdeSpencer,levou-oaconspirarcomDawsonparaplantaremprovasfavorecendosuahipótese.

Outro suspeito foi William Sollas, professor de geologia em Cambridge. Ele foicitadoemumamensagemgravadadeixadapelogeólogoinglêsJamesDouglas,quemorreuem1979,aos93anosdeidade.SollasnãogostavadeWoodward,quehaviacriticado um método desenvolvido por Sollas para fazer amostras em gesso dosfósseis.Douglasrecordava-sedeterenviadodentesdemastodontedaBolívia,comoosencontradosemPiltdown,paraSollas,edeestetambémterrecebidoumpoucodedicromatodepotássio,oelementoquímicoaparentementeusadonaimersãodemuitos dos espécimes de Piltdown. Sollas também havia “tomado emprestado”algunsdentesdemacacodacoleçãodoMuseudeOxford.SegundoDouglas,Sollasdivertia-sedeverWoodwardludibriadopelosforjamentosdePiltdown.

MassePiltdownrealmenterepresentaumforjamento,ébemprovávelquealgomaisque uma simples vingança estivesse em jogo. Segundo disse Spencer, as provas“haviamsidotalhadaspararesistiraominuciosoexamecientí coe,dessamaneira,promoverumainterpretaçãoparticulardoregistrofóssilhumano”.

Umapossívelmotivaçãoparaoforjamentoporpartedeumcientistapro ssionaleraainadequabilidadedasprovasafavordaevoluçãohumanaquesehaviamacumuladoporvoltadoiníciodoséculoXX.DarwinhaviapublicadoAorigemdasespéciesem1859,provocandoquasequedeimediatoumacaçaaprovasfósseisqueligassemoHomosapiensaosantigosmacacosdoMioceno.AforaasdescobertasquesugeriamapresençadehumanosinteiramentemodernosnoPliocenoenoMioceno,oHomemdeJavaeomaxilardeHeidelbergforamasúnicasdescobertasfósseisqueaciência

apresentara.EcomojávimosnoCapítulo8,oHomemdeJavaemparticularnãogozavadoapoiounânimedacomunidadecientí ca.Desdeocomeço,semprehouvesugestões ominosas de que o crânio simiesco não pertencia de fato ao fêmurhumanóideencontradoa14metrosdele.Alémdisso,certoscientistasnaInglaterraenosEstadosUnidos,taiscomoArthurSmithWoodward,GraftonEliotSmitheSirArthurKeith,vinhamdesenvolvendopontosdevistaalternativossobreaevoluçãohumana,segundoosquaisaformaçãodeumcrâniohumanóidedetestaaltaprecediaa formaçãodeummaxilar humanóide.OHomemdeJava,contudo,apresentavaumcrâniodetestabaixacomoodeummacaco.

Uma vez que tantos cientistas modernos se entregaram a especulações sobre aidentidade e os motivos do suposto forjamento de Piltdown, nós gostaríamos,também, de apresentar nossa hipótese experimental. Consideremos o seguintecenário.OperáriosemBarkhamManorrealmentedescobriramumcrânioautênticodoPleistocenoMédio,daformadescritaporMabelKenward.PedaçosdessecrânioforamdadosaDawson.Woodward,quemantinhacontatosregularescomDawson,foinoti cadodadescoberta. OmesmoWoodward,quevinhadesenvolvendosuaprópriateoriadaevoluçãohumanaequeandavamuitopreocupadocomafaltadeprovasdaevoluçãohumanaporparte daciênciaapóscinqüentaanosdepesquisa,planejoueexecutouoforjamento.Elenãoofezsozinho,masemcontuiocomumseleto número de cientistas vinculados ao Museu Britânico, que lhe ajudaram aadquirir os espécimes e a prepará-Ios de maneira a resistirem às investigações decientistasnãopartícipesdosegredo.

Oakley,querepresentouumpapel importantenarevelaçãodo ascodePiltdown,escreveu: “O material de Trinil (Homem de Java) estava atormentadoramenteincompletoe,paramuitoscientistas,erainadequadocomocon rmaçãodopontode vista de Darwin sobre a evolução humana. Pergunto-me às vezes se não foi aimpaciênciadescabida emnomedadescobertadeum ‘eloperdido’mais aceitávelqueformouoconfusoemaranhadodemotivosportrásdafraudedePiltdown”.

Weinertambémadmitiuapossibilidade:“Épossívelquehouvesseumdesejoloucode auxiliar a doutrina da evolução humana, fornecendo-lhe o ‘elo perdidonecessário’. [...]Piltdowndeveterrepresentadoumaatraçãoirresistívelparaalgumbiólogo fanático interessado em revelar o que aNatureza criara,mas omitira parapreservar”.

Para o infortúnio dos conspiradores hipotéticos, as descobertas feitas durante asdécadasseguintesnãoapoiavamateoriaevolucionáriarepresentadapeloforjamentodePiltdown.AsdescobertasdenovosespécimesdoHomemdeJavaedoHomemdeBeijing, bem como as descobertas doAustralopithecus naÁfrica, foram aceitas

pormuitos cientistas comocorrobodorasdahipótesedequeo ancestralhomem-macaco tem testa baixa, amesma idéia que oHomem de Piltdown de testa altadestinava-seapôremdescréditoesubstituir.

O tempo passou e aumentaram as di culdades para estruturar uma linhagemevolucionáriaviávelparaoshominídeos fósseis.Nummomentocrítico,osdemaiscientistas vinculados ao Museu Britânico resolveram agir. Talvez relacionandocolegasinadvertidos,elesorganizaramumarevelaçãosistemáticadafraudeperpetradanumperíodoanteriordoséculo.Duranteessarevelação,talvezalgunsdosespécimestenhamsidonovamentemodi cadospormeiodemétodosquímicosefísicosparaconferircréditoàidéiadoforjamento.

A idéia de um grupo de conspiradores operando em parceria com o MuseuBritânico, perpetrando uma fraude e mais tarde expondo-a, está fadada a parecerarti cial paramuitas pessoas. Porém, está alicerçada sobre tantas, ou tão poucas,provasquantoas acusações feitasporoutros.Tem-seduvidadode tantos cientistasbritânicosIndividualmente,inclusivealgunsdoMuseuBritânico,queessateoriadaconspiraçãonãoaumentarealmenteocírculodepossíveistransgressores.

TalveznãohouvesseconspiradornenhumnoMuseuBritânico.Contudo, segundomuitos cientistas, alguém com treinamento cientí co, agindo sozinho ou comoutros,levourealmenteacaboumafraudebem-sucedida.

GavindeBeer,diretordoMuseuBritânicodeHistóriaNatural, acreditavaqueosmétodos utilizados para revelar o embuste de Piltdown fariam “uma exitosarepetiçãodeumtiposemelhantedefraudevirtualmenteimpossívelnofuturo”.Masum forjador com conhecimento de modernos métodos de datação química eradiométricapoderiafabricarumafarsaquenãoseriadetectávelcomfacilidade.Defato,malpodemosestarcertosdequenãohajaoutrafraudedotipodePiltdownemumdosgrandesmuseusdomundo,sóesperandoparaserrevelada.

O impacto de Piltdown permanece, portanto, prejudicial. Mas incidentes dessaespécie parecem ser raros, em virtude do conhecimento de que dispomos hoje.Existe, contudo, outro tipo de embuste mais insidioso e difuso - a correção ereclassificaçãorotineirasdedadossegundorígidospreconceitosteóricos.

Vayson de Pradenne, da Ecole d’Anthropologie de Paris, escreveu em seu livroFraudes archéologiques (1925): “É comum encontrarmos homens de ciênciadominadosporumaidéiapreconcebida,osquais,semcometeremfraudesreais,nãohesitamemdara fatosobservadosumdesvionadireçãoque secoadunecomsuasteorias. Um homem poderá imaginar, por exemplo, que a lei do progresso emindústriaspré-históricasdeveapresentar-seemtodaparteesemprenosseusmenores

detalhes.Observandoapresençasimultânea,emdeterminadodepósito,deartefatoscuidadosamenteacabadoseoutrosdeumtipomaisgrosseiro,eleconcluiquedevehaver dois níveis. O nível inferior, produzindo espécimes mais grosseiros. Eleclassi cará suas descobertas de acordo com o tipo delas, e não de acordo com oestratoemqueasencontrou. Seencontrarnabaseuminstrumentobemacabado,declararáterhavidoumapenetraçãoacidentaleserprecisoreintegraroespécimeaoseusítiodeorigem,colocando-o comosartigosdosníveis superiores.Eleacabaránuma verdadeira velhacaria ao fazer a apresentação estratigrá ca de seus espécimes;velhacariaestadesenvolvidaparaservirdeapoioaumaidéiapreconcebida,masfeitamaisoumenosinconscientementeporumhomemdeboa-féaquemninguémteriacoragemdechamardefraudulento.Éissooquecostumaacontecere,senãochegoamencionarnomes,nãoéporquenãoossaiba”.

Esse tipo de coisa acontece não apenas no Museu Britânico, mas em todos osmuseus, universidades e outros centros de pesquisa paleantropológica no mundotodo. Embora cada incidente separado de ltragem de conhecimento pareçainsigni cante,oefeitocumulativoéavassalador,servindoparadistorcerradicalmenteeobscurecernossoquadrodaorigemedaantiguidadehumanas.

Umaabundânciadefatossugerequeseresbemparecidosconoscotêmexistidotãoremotamente quanto nos ocorra observar - no Plioceno, Mioceno, Oligoceno,Eocenoealém.Restosdemacacosedehomenssimiescostambémsãoencontradosaolongodomesmoperíododetempo.Logo,talvez,todosostiposdehominídeostenham coexistido através da história. ‘Se levarmos em consideração as provasdisponíveis,esseéoquadromaisnítidoquesenosapresenta.Seráapenaseliminandoumagrandequantidadedeprovas-mantendosomenteosfósseiseartefatosquesecompatibilizam com as noções preconcebidas - que poderemos elaborar umaseqüência evolucionária. Essa injusti cada eliminação de provas, tão solidamentepesquisadasquantoqualquercoisaaceitahoje,representaumaclassedelogrolevadoacabo por cientistas desejosos demanter determinado ponto de vista teórico.Tallogronãopareceseroresultadodeumconluiodeliberadamenteorganizado,comonocasodoforjamentodoHomemdePiltdown(seéqueoHomemdePiltdownfoi mesmo uma fraude). Trata-se, pelo contrário, do resultado inevitável deprocessos sociais de ltragem de conhecimento operando dentro da comunidadecientífica.

Masemborapossahavermuitafraudeinconscientenocampodapaleantropologia,o caso de Piltdown demonstra existirem exemplos de fraude do tipo maisdeliberadoecalculista.

10.OHomemdeBeijingeoutrasdescobertasnaChinaApósasdescobertasdoHomemdeJavaedoHomemdePiltdown,asidéiassobreaevoluçãohumanapermaneceramirresolvidas.OsfósseisdePithecanthropuserectusde Dubois não conquistaram aceitação plena entre a comunidade cientí ca, ePiltdown só fez complicar o assunto. Ansiosos, os cientistas aguardavam pelaspróximas descobertas importantes - as quais, esperavam eles, esclareceriam odesenvolvimentoevolucionáriodoshominídeos.MuitosachavamqueosdesejadosfósseisdehominídeosseriamencontradosnaChina.

Osantigoschineseschamavamosfósseisdeossosdedragão.Crendoqueosossosdedragãopossuíampoderescurativos,farmacêuticoschinesesosvêmpulverizandoháséculosparausá-Iosemremédiosepoções.Porisso,paraosprimeirospaleontólogosocidentais,asdrogariaschinesasrepresentaramuminesperadocampodecaça.

Em1900,odr.K.A.Habererrecolheufósseismamíferosdefarmacêuticoschinesese os enviou àUniversidade deMunique, onde foram estudados e catalogados porMaxSchlosser.Entreosespécimes,Schlosserencontrouumdente,oriundodaáreadeBeijing,quepareciaserum“terceiromolarsuperioresquerdo,oudeumhomemoudeumsímioantropóidedesconhecidoatéomomento”.SchlossersugeriuqueaChinaseriaumbomlugarparaprocurarohomemprimitivo.

Zhoukoudian

Entre aqueles que concordavam com Schlosser estavaGunnar Andersson, geólogosueco empregado pelo Instituto de Pesquisas Geológicas da China. Em 1918,Andersson visitouumlocalchamadoChikushan,ouColinadoOssodeGalinha,perto da aldeia de Zhoukoudian, 40 quilômetros a sudoeste de Beijing. Ali, nofundo de lavra de uma antiga pedreira de calcário, ele viu uma ssura de argilavermelha contendo ossos fósseis, indicando a presença de uma caverna antiga, oraaterrada.

Em1921,AnderssonvisitououtravezosítiodeChikushan.Estavaacompanhadopor Otto Zdansky, paleontólogo austríaco que fora enviado para ajudá-lo, e porWalter M. Granger, do Museu Americano de História Natural. As primeirasescavações deles não foram muito produtivas, resultando apenas na descoberta dealgunsfósseisbemrecentes.

Então alguns dos aldeões locais falaram com Zdansky a respeito de um localpróximodalicomossosdedragãomaiores,pertodapequenaestaçãoferroviáriadeZhoukoudian. Ali Zdansky encontrou outra pedreira de calcário, cujas paredes,como as da primeira, tinham ssuras cheias de argila vermelha e ossos quebrados.Anderssonvisitouosítioedescobriualgunspedaçosquebradosdequartzo,queele

julgou serem ferramentas muito primitivas. Como o quartzo não ocorrianaturalmente no sítio, Andersson deduziu que os pedaços de quartzo haviamprovavelmentesidotrazidosparaaquelelocalporumhominídeo.Zdansky,quenãosedavamuitobemcomAndersson,discordoudesuainterpretação.

Andersson,contudo,mantevesuaconvicção.Olhandoparaaparededecaleário,eledisse:“Sintoqueseencontramaquiosrestosdeumdenossosancestraisequeésóuma questão de encontrá-lo”. Ele pediu a Zdansky que continuasse buscando nacaverna aterrada, dizendo: “Vá com calma e persevere até esvaziar a caverna, senecessáriofor”.

Em 1921 e 1923, Zdansky, com certa relutância, realizou breves escavações. Eledescobriu sinais de um precursor humano primitivo - dois dentes,experimentalmente datados do Pleistoceno Inferior. Os dentes, um pré-molarinferioreummolarsuperior,foramencaixotadoscomoutrosfósseiseenviadosdenavioparaaSuéciaparaestudosmaisextensos.DevoltaàSuécia,Zdanskypublicouumensaioem1923sobreseutrabalhonaChina,semmencionarosdentes.

Ascoisasficaramassimaté1926.Naqueleano,opríncipeherdeirodaSuécia,queerapresidente do Comitê Sueco de Pesquisas na China e patrocinador das pesquisaspaleontológicas, planejou visitar Beijing. O professor Wiman da Universidadc deUppsala, perguntou a Zdansky, seu ex-aluno, se ele deparara com alguma coisainteressantequepudesseserapresentadaaopríncipe,ZdanskyenviouaWimanumrelatório,comfotogra as, sobreosdentesqueeleencontraraemZhoukoudian.Orelatório foi apresentado por J. Gunnar Andersson num encontro em Beijing,assistido pelo príncipe herdeiro. Em relação aos dentes, Andersson declarou: “Ohomemqueeupredissehaviasidoencontrado”.

DavidsonBlack

OutrapessoaqueachavaqueosdentesdeZdanskyrepresentavamumaprovanítidado homem fóssil era Davidson Black, jovem médico canadense residindo emBeijing.

DavidsonBlackgraduou-sepelafaculdadedemedicinadaUniversidadedeTorontoem 1906, mas estava muito mais interessado em evolução humana do que emmedicina. Segundo acreditava Black, os humanos haviam evoluído na Ásiasetentrional, e eledesejava ir àChinaparaencontrara evidência fóssilqueprovariaessateoria.MasaPrimeiraGuerraMundialretardouseusplanos.

Em1917,Blackalistou-senocorpomédicomilitarcanadense.Enquanto isso,umamigo, odr.E.V.Cowdry, foinomeado chefedodepartamentode anatomiadaBeijingUnionMedicalCollegedaFundaçãoRockefeller.Cowdrysolicitouaodr.

Simon Flexner, diretor da Fundação Rockefeller, que designasse Black como seuassistente. Flexner o fez, e em 1919, após sua dispensa do serviçomilitar, BlackchegouaBeijing.NaBeijingUnionMedicalCollege,Blackfeztodoopossívelparareduzir suas obrigações como médico para que pudesse se concentrar em seuverdadeiro interesse - apaleantropologia.Emnovembrode1921,partiu embreveexpediçãoatéumsítiodaChinasetentrional,eoutrasexpediçõessesucederam.OssuperioresdeBlacknãoestavammuitosatisfeitos.

Maspoucoapouco,aFundaçãoRockefellerseriaconquistadapelopontodevistadeBlack.Valeapenaexaminarasériedeeventosque zeramcomqueessamudançaocorresse.

Em nsde1922,BlacksubmeteuumplanodeexpediçãoàTailândiaaodr.HenryS.Houghton, diretor da faculdade demedicina. Black habilmente relacionou suapaixãopelapaleantropologiaàmissãodafaculdadedemedicina.Houghtonescreveua Roger Greene, diretor administrativo da faculdade: “Embora eu não possa tercerteza de que o projeto que Black tem emmente seja de natureza estritamenteprática,devoconfessar ter cadoprofundamente impressionadocom[...] a valiosarelaçãoqueelefoicapazdeestabelecerentrenossodepartamentodeanatomiaeasdiversas instituições e expedições que estão realizando um importante trabalho naChina nas áreas diretamente ligadas à pesquisa antropológica.Tendo esses pontosemmente, recomendo a concessão da solicitação dele”. Pode-se ver, nesse caso, aimportância do fator prestígio intelectual - a medicina comum parece bastanteprosaicasecomparadaàbuscaquasereligiosadosegredodaorigemhumana,buscaque havia, desde o tempo de Darwin, incendiado a imaginação de cientistas domundo todo. Houghton estava nitidamente in uenciado. A expedição aconteceudurante as férias de verão de Black, em 1923, mas, infelizmente, não produziuresultadonenhum.

Em 1926, Black participou do encontro cientí co em que J. Gunnar AnderssonapresentouaopríncipeherdeirodaSuéciaorelatóriosobreosmolaresencontradosporZdanskyemZhoukoudianem1923.Entusiasmadoao carsabendoarespeitodos dentes, Black aceitou uma proposta feita por Andersson, convidando-o aparticipardenovasescavaçõesemZhoukoudian,aseremrealizadasporumesforçoconjuntodoInstitutodePesquisasGeológicasdaChinaeodepartamentodeBlackna Beijing Union Medical School. O dr. Amadeus Grabau, do Instituto dePesquisas Geológicas da China, chamou o hominídeo que eles buscavam de“HomemdeBeijing”.BlacksolicitousubsídiosdaFundaçãoRockefellere,paraseudeleite,recebeuumasubvençãogenerosa.

Durante a primavera de 1927, o trabalho prosseguia emZhoukoudian, em plena

guerra civil chinesa. Durante diversos meses de cuidadosa escavação, não houvedescoberta dequaisquerrestoshominídeos.En m,comasfriaschuvasdeoutonocomeçandoacair,marcandoo mdaprimeiratemporadadeescavação,descobriramum único dente hominídeo. Com base nesse dente e nos dois anteriormenteregistrados por Zdansky (agora em posse de Black), Black resolveu anunciar adescobertadeumnovotipodehominídeofóssil.EleodenominouSinanthropus-HomemdaChina.

Black estava ansioso paramostrar sua descoberta aomundo.Durante suas viagenscom o dente recém-encontrado, Black deu-se conta de que nem todoscompartilhavamde seuentusiasmopeloSinanthropus.Porexemplo:noencontroanual da Associação Americana de Anatomistas, em 1928, alguns dos membroscriticaramBlackpesadamenteporterpropostoumgêneronovocombaseemtãopoucaevidência.

Blackcontinuoudandosuasvoltas,mostrandoodenteaAlesHrdlickanosEstadosUnidoseemseguidaviajandoparaaInglaterra,ondeencontrou-secomSirArthurKeitheSirArthurSmithWoodward.NoMuseuBritânico,Blackprovidenciouquese zessemmoldesdosmolaresdoHomemdeBeijing,paraseremdistribuídosparaoutrosfuncionários.Esseéotipodepropagandanecessáriaparachamaraatençãodacomunidade cientí ca para uma descoberta. Mesmo entre cientistas, habilidadespolíticastêmsuaimportância.

De volta à China, Black manteve-se em estreito contato com as escavações emZhoukoudian.Pormesesafio,nãosedescobriunada.MasBlackescreveuparaKeithem 5 de dezembro de 1928: “Parece ter havido uma certamagia em torno dosúltimos dias desta temporada de trabalho, pois, dois dias antes de seu término,BohlinencontrouametadedireitadomaxilarinferiordoSinanthropuscomostrêsmolarespermanentesinsitu”.

TransformaçãodaFundaçãoRockefeller

Agoraassomavaumproblema nanceiro.OsubsídiodaFundaçãoRockefeller,quepossibilitavaostrabalhosdeescavação,expirariaemabrilde1929.Dessemodo,emjaneiro, Black escreveu para os diretores, solicitando-lhes que patrocinassem asescavações de Zhoukoudian, criando um laboratório de Pesquisas Cenozóicas (oCenozóicoincluiosperíodosquevãodoPaleocenoaoHoloceno).Emabril,Blackrecebeuosfundosquedesejava.

Alguns anos antes, funcionários da Fundação Rockefeller haviam ativamentedesencorajado Black a se envolver em demasia com pesquisas paleantropológicas.Agora eles o apoiavam por completo, estabelecendo um instituto especialmente

dedicado à pesquisa de restos de fósseis de ancestrais humanos. Por que havia aFundaçãoRockefellermudadoassimasuaatitudeemrelaçãoaBlackeseutrabalho?Essaperguntamereceserexaminada,porqueacontribuição nanceiradasfundaçõesacabariasetornandovitalparaapesquisasobreevoluçãohumanalevadaacaboporcientistascomoBlack.Oapoiodetaisfundaçõesmostraria,também,serimportanteparaadivulgaçãodanotíciadasdescobertasedesuaimportânciaparaomundoemexpectativa.

ComoWarrenWeaver,cientistaefuncionáriodaFundaçãoRockefeller,escreveuem1967:“Nummundoperfeito,umaidéiapoderiaviràluz,sernutrida,desenvolvidaedivulgadapara todos,criticadaeaperfeiçoada,e serbemutilizadasemserprecisolevar em conta a necessidade de alguma vez algum apoio nanceiro ter que fazerpartedoprocesso. Issoocorre raramente,paranãodizernunca,nomundopráticoemquevivemos”.

ParaWeaver,asquestõesbiológicaseramdamaior importância.Eleconsideravaosdivulgadíssimos aceleradores atômicos e os programas de exploração do espaçocomo sendo algo parecido com caprichos cientí cos. E acrescentava: “Asoportunidades a rigor ainda não exploradas encontram-se no entendimento danaturezadas coisas vivas.Parecia claro, em1932,quandoaFundaçãoRockefellerlançou seu programa de quarto de século naquela área, que as ciências médicas ebiológicas estavam preparadas para uma invasão amistosa das ciências físicas [...]agora havia ferramentas disponíveis para descobrir, no nível mais preciso edisciplinadodasaçõesmoleculares,comofuncionadefatoosistemanervosocentraldohomem, como elepensa, aprende, recorda e esquece [...]Afora a fascinaçãodeadquirir algum conhecimento da natureza da relação mente-cérebro-corpo, osvalores práticos de semelhantes estudos são potencialmente enormes. Apenas dessamaneirapoderemosobterinformaçãosobrenossocomportamento,daespéciequepossanoslevaraumcontrolesábioebenéfico”.

Portanto, caevidenteque,aomesmotempoqueaFundaçãoRockefellercanalizavafundosparaapesquisasobreevoluçãohumananaChina,elaestavanoprocessodedesenvolverumelaboradoplanoparasubsidiarpesquisasbiológicascomointuitodedesenvolvermétodosparacontrolar,deformae ciente,ocomportamentohumano.ParaqueapesquisarealizadaporBlacksobreoHomemdeBeijingsejaentendidadamaneiracorreta,éprecisoconsiderá-Iadentrodessecontexto.

Nas últimas décadas, a ciência tem desenvolvido uma cosmologia completa queexplica aorigemdos sereshumanos como sendoa culminaçãodeumprocessodequatrobilhõesdeanosdeevoluçãoquímicaebiológicanesteplaneta,queveioaseformar após aGrandeExplosão, eventoquemarcouo iníciodouniverso cercade

dezesseis bilhões de anos atrás. A teoria da Grande Explosão sobre a origem douniverso,fundamentadanafísicaatômicaeemobservaçõesastronômicassugerindoque vivemos num cosmo em expansão, ca, desse modo, inextricavelmentevinculadaàteoriadaevoluçãobioquímicadetodasasformasdevida,incluindoosseres humanos. As principais fundações, em especial a Fundação Rockefeller,forneceramsubsídios-chaveparaaspesquisas iniciaisqueapoiavamessacosmologiamaterialista,que,paratodosos nspráticos,empurrouDeuseaalmaparaoreinodamitologia-pelomenosnoscentrosintelectuaisdacivilizaçãomoderna.

TudoissoébastantenotávelquandolevamosemconsideraçãoofatodeacaridadedeJohnD.Rockefellertersidodirigidaaprincípioparaasmissõeseigrejasbatistas.RaymondD.Fosdick,umdosprimeirospresidentesdaFundaçãoRockefeller,diziaque tanto Rockefeller quanto seu principal conseIheiro nanceiro, o educadorbatistaFrederickT.Gates,eram“inspiradosporumaprofundaconvicçãoreligiosa”.

Em 1913, organizou-se a Fundação Rockefeller como ela é atualmente. Entre oscuradoresestavamFrederickT.Gates;JohnD.Rockefeller,Jr.;Dr.SlmonFlexner,chefe do InstitutoRockefellerdePesquisaMédica;HenryPratt Judson, reitordaUniversidadedeChicago;CharlesWilliamEliot, exrdtordeHarvard, eA.BartonHepburn,presidentedoChaseNationalBank.Paralelamenteaessanovafundação,outrasmissõesdecaridadeRockefellercontinuavamativas.

A princípio, a Fundação Rockefeller concentrou sua atenção nas áreas de saúdepública, medicina, agricultura e educação, evitando qualquer coisa controvertida.Dessa forma, a Fundação passou a se distanciar da religião, em especial da IgrejaBatista, É difícil explicar por que exatamente isso aconteceu. Talvez Rockefellertivesse seapercebidodequesua fortunasealicerçavaemexplorarosprogressosdaciênciaedatecnologiamodernas.Talvezfosseopapelcadavezmaisdestacadoqueaciênciaestavacomeçandoarepresentarnosobjetosdatradicionaldoaçãodecaridade- tais como amedicina. Porém, qualquer que fosse a razão,Rockefeller passou arecrutar cientistaspara formar a equipede sua fundação, e as estratégiasdedoaçãorefletiamessamudança.

OpróprioGates,ex-educadorbatista,pareciaestarmudandodetom.EletencionavacriarumauniversidadenãosectárianaChina.Observou,porém,queas“entidadesmissionárias nacionais e internacionais eram distinta e abertamente, e mesmoameaçadoramente, hostis à tal universidade, a ponto de tenderem à in delidade”,Além do mais, o governo chinês queria manter o controle, uma idéia que aFundaçãonãopodiaapoiar.

Chades W. Eliot, que supervisionara a Escola Harvard de Medicina em Shangai,propôsumasolução:umafaculdadedemedicinaqueserviriacomoaberturaparao

resto da ciência ocidental. Nesse ensejo, a ciência mecanicista mostra ser umaideologia silenciosa, porém bastante militante, habilidosamente promovida peloesforçocombinadodecientistas,educadoreseabastadosindustriais,tendoemvistaoestabelecimentodeumpredomíniointelectualmundial.

A estratégia da faculdade demedicina, esboçada por Eliot, funcionou.O governochinês aprovou o estabelecimento da Beijing Union Medical College sob osauspícios da Fundação.Enquanto isso, o dr.WallaceButtrick, diretor do recém-criado Comitê Médico de Rockefeller na China, entrou em negociações com oshospitaisdamissão protestante jáexistentesnaChina.Eleconcordouemfornecerapoiofinanceiroaesseshospitais,naverdadesubornando-os.

Em1928,aFundaçãoRockefellereoutrasmissõesdecaridadedogrupoRockefellerpassarampormudançaspara re etir a crescente importânciadapesquisacientí ca.Todososprogramas“relacionadosaoavançodoconhecimentohumano”passaramasergeridospelaFundaçãoRockefeller,quefoireorganizadaemcincodivisões:saúdeinternacional,ciênciasmédicas,ciênciasnaturais,ciênciassociaisehumanidades.

Amudançachegoubemnotopocomodr.MaxMason,elepróprioumcientista,assumindoocargodepresidente.Mason,umfísicomatemático,haviasidoreitordaUniversidade de Chicago. Segundo Raymond D. Fosdick, Mason “enfatizava aunidadeestruturalassociadaànovaorientaçãodoprograma.Aidéianãoeratercincoprogramas,cadaumdosquaisrepresentadoporumadivisãodaFundação;oquesepretendiaerateressencialmenteumsóprograma,voltadoparaoproblemagenéricodocomportamentohumano,comoobjetivodeassumirocontroleporintermédioda compreensão”. A pesquisa do Homem de Beijing feita por Black, portanto,ocorreudentroda estrutura maior dameta explicitamentedeclaradadaFundaçãoRockefeller,ouseja,dametaimplícitadagrandeciência-ocontrole,porpartedoscientistas,docomportamentohumano.

Umadescobertahistóricaeumacampanhaasangue-frio

Tendoasseguradooapoio nanceirodaFundaçãoRockefellerparaoLaboratóriodePesquisa Cenozóica, Black retomou suas viagens com o objetivo de promover oHomem de Beijing. Depois, retornou à China, onde o trabalho transcorrialentamenteemZhoukoudian, semoregistrodeoutrasdescobertas signi cativasdeSinanthropus.Entreosoperários,oentusiasmopareciaestarminguando.

Porém, em 1º. de dezembro, já no m da temporada, Pei Wenzhong fez umadescoberta histórica. Posteriormente, Pei escreveu: “Encontrei o crânio quasecompleto do Sinanthropus.O espécime estava incrustado parcialmente em areiasfofas e parcialmente numa matriz dura, de modo que foi possível extraí-Io com

relativa facilidade”. Em seguida, Pei percorreu 40 quilômetros de bicicleta até oLaboratóriodePesquisaCenozóica,ondeapresentouocrânioaBlack.

A descoberta fez de Black uma sensação entre os meios de comunicação. Emsetembrode1930,SirGraftonElliotSmithchegouaBeijingparainspecionarosítioda descobertaeexaminaros fósseis.DuranteaestadadeSmith,Blackpreparou-oparaumaofensivapublicitárianosEstadosUnidosemfavordoHomemdeBeijing.Depois, Smithpartiueaparentemente feza suapartemuitobem.Emdezembro,Blackescreveuumacartaextremamentecândidaparaodr.HenryHoughton,diretordafaculdadedemedicinadeBeijing,queestavadefériasnosEstadosUnidos:“Seeuenrubescessetodavezquepensassenacampanhapublicitáriaasangue-frioidealizadapormimelevadaacaboporSmith,ficariaroxoemcaráterpermanente”.

A recém-conquistada fama de Black garantiu-lhe acesso contínuo aos subsídios daFundação Rockefeller. Black escreveu para Sir Arthur Keith: “Recebemos umcabogramadeElliotSmithontem,demodoqueelechegousãoesalvoasuaterranatalapósextenuanteviagem.Caracteristicamente,elenãomediuesforçosparaserviraosinteressesdaPesquisaedoLaboratórioCenozóicoe,depoisqueelepopularizaroSinanthropusparanósnosEstadosUnidos,deverei teruma tarefa relativamentefácil daqui a um ano, quando terei de solicitar mais dinheiro das autoridadescompetentes”.

OHomemdeBeijing chegara nomomento certo para os defensores da evoluçãohumana. Alguns anos antes, num dos mais famosos julgamentos na história domundo, o tribunal deTennessee havia julgado JohnT. Scopes culpado por terensinado evolução em violação à lei estadual. Os cientistas queriam contra-atacarcom todas as forças. Portanto, quaisquer novas provas em favor da questão daevoluçãohumanaerammaisquebem-vindas.

Depois,surgiraocasodoHesperopithecus,umdivulgadíssimohomem-macacoPré-histórico estruturado nas mentes de paleantropólogos a partir de um só dentehumanóide encontrado emNebraska.Parao embaraçodos cientistas quehaviampromovido esse ancestral humano, acabaramdescobrindo que o dente humanóidepertenciaaumfóssildeporco.

Enquanto isso, as prolongadas dúvidas e a contínua controvérsia sobre oPithecanthropuserectusdeDuboistambémprecisavamserresolvidas.Emsuma,oscientistas favoráveis às idéias evolucionárias, reagindo a ameaças externas e adesordens internas,estavamprecisandodeumaboadescobertapararestabelecersuacausa.

FogoeferramentasemZhoukoudian

Em1931forampublicadospelaprimeiravezrelatóriosmostrandoousodofogoeapresença de bem desenvolvidas ferramentas de pedra e osso em Zhoukoudian. Oqueébastanteincomumarespeitodessesanúncioséquedesde1927investigadorescompetentes vinham realizando escavações sistemáticas em Zhoukoudian semfazeremnenhuma mençãoa fogooua ferramentasdepedra.Black,porexemplo,escreveu em 1929: “Apesar de milhares de metros cúbicos de material dessesdepósitos, terem sido examinados, ainda não foram encontrados artefatos dequalquer espécie nem foi observado o menor vestígio do uso do fogo”. Porém,apenas um par de anos mais tarde, outros pesquisadores, como Henri Breuil,registravamespessascamadasdecinzaedescobriamcentenasdeferramentasdepedranasmesmíssimaslocalidades.

Em1931,Blackeoutros,aparentementeembaraçadospelasnovasrevelaçõessobreofogo e as ferramentas de Zhoukoudian, procuraram explicar como provas tãoimportantes haviam,por diversos anos, passadodespercebidas. Segundodisseram,apesar de terem percebido sinais de fogo e ferramentas, estavam tão incertos arespeitoquenãoosmencionaramemseusrelatórios.

Quanto ao fato de Teilhard de Chardin, Black, Pei e outros terem deixado deregistrar abundantes ferramentas e sinais de fogo em Zhoukoudian, existem duasexplicações possíveis. A primeira é a que elesmesmos deram - eles simplesmentesubestimaram as provas ou tinham tantas dúvidas sohre elas que não acharamjusti cável registrá-Ias. Asegundapossibilidadeéqueelesestavambastantecientesdos sinais de fogo e ferramentas de pedra antes de Breuil registrá-Ias, masdeliberadamenteomitiramessainformação.

Masporquê?ÀépocadasdescobertasfeitasemZhoukoudian,apresençadefogoeferramentas de pedra em um sítio arqueológico era em geral tida como sinal dapresençadoHomosapiensoudoHomemdeNeandertal.SegundoDuboiseVonKoenigswald, em relação ao Pithecanthropus erectus de Java, não encontraramferramentasdepedra ou sinais dousode fogo.A expediçãodeSelenka chegou aregistrar restos de lareiras em Trinil, mas essa informação não foi amplamentedivulgada.

Portanto, talvez os investigadores originais de Zhoukoudian abstiveram-sepropositadamente de registrar as ferramentas de pedra e o fogo porque tinhamconsciência de que tais coisas teriam confundido o status do Sinanthropus. Osduvidadores poderiam muito bem atribuir o fogo e as ferramentas a um sercontemporâneodoSinanthropus, emborafísicaeculturalmentemaisavançadodoque ele, tirando, desse modo, o Sinanthropus de seu pedestal como novo eimportanteancestralhumano.

Conformeveremos,foiissoqueaconteceudefatoumavezqueasferramentaseossinais de fogo se tornaram amplamente conhecidos. Em 1932, Breuil disse, porexemplo,oseguintesobrearelaçãodoSinanthropuscomasferramentaseossinaisde fogo:“Diversoscientistasdedestaquetêmmeexpressadoa idéiadequeumsertão sicamente remoto doHomem [...] não seria capaz das obras que acabo dedescrever. Nesse caso, os restos esqueletais do Sinanthropus poderiam serconsideradoscomosimplestroféusdecaça,atribuíveis,comonocasodosvestígiosde fogo e indústria, a um Homem verdadeiro, cujos restos ainda não foramdescobertos”.MasopróprioBreuilachavaqueoSinanthropuseraofabricantedasferramentasequemfizeraofogoemZhoukoudian.

Os investigadores modernos tendem a con rmar os pontos de vista de Breuil. Écomum retratarem o Sinanthropus como um exímio caçador quematava animaiscomferramentasdepedraeoscozinhavaemfogueirasnacavernadeZhoukoudian.

UmpontodevistaumtantodiferenteemrelaçãoaoSinanthropusnoséfornecidoporLewisR.Binford eChuanKunHo, antropólogos daUniversidade doNovoMéxico.Noconcernenteaosdepósitosdecinza,elesdeclararam:“Pareceriaquepelomenos alguns deles eram originalmente imensos acúmulos de guano dentro dacaverna.Emalgunscasos,essesdepósitosorgânicosmaciçospodemtersequeimado[...] A suposição de que o homem introduziu e distribuiu o fogo é injusti cável,tantoquantooéasuposiçãodequeossosqueimadoseoutrosmateriaisestejamaliemvirtudedeohomemtercozinhadosuasrefeições”.

A teoria deBinford eHode que os depósitos de cinza são compostos quase queinteiramente de excrementos de aves não tem recebido apoio unânime. Mas asa rmações deles sobre a precariedade do retrato comum doHomem de Beijing,desenhado a partir da presença de ossos, cinzas e restos hominídeos no sítio, sãodignasdesériaponderação.

OmáximoquesepodedizeracercadoHomemdeBeijing,segundoBinfordeHo,é que ele foi talvez um necrófago que poderia, ou não, ter usado primitivasferramentas de pedra para cortar carne de carcaças deixadas por carnívoros numacaverna grande, onde às vezes acontecia de matérias orgânicas se queimarem porlongosperíodos.OutalvezoHomemdeBeijingtivesseeleprópriosidopresadoscarnívorosdacaverna,poispareceimprovávelqueeletivesseentradovoluntariamenteemsemelhantecaverna,mesmoqueàcatadecarniça.

Sinaisdecanibalismo

Em15demarçode1934,DavidsonBlack foiencontradoemsuaescrivaninhadetrabalho,mortoporumataquecardíaco.Emsuamão, segurava sua reconstituição

do crânio do Sinanthropus. Logo após a morte de Black, Franz Weidenreichassumiu a liderança do Laboratório de Pesquisa Cenozólca e escreveu uma sériecompleta de relatórios sobre os fósseis do Homem de Beijing. SegundoWeidenreich,os restos fósseisdos indivíduosSinanthropus, emespecialos crânios,sugeriamteremelessidovítimasdecanibalismo.

AmaiorpartedosossoshominídeosdescobertosnacavernaemZhoukoudianeradefragmentos cranianos.Weidenreich observou, em particular, que faltavam porçõesda parte central da base, comparando-a com os crânios relativamente completos.Conforme observou ele, em crânios melanésios modernos, “os mesmos danosocorremcomoefeitosdecerimôniasdecanibalismo”.

Alémdaspartes faltantesdabasedocrânio,Weidenreichtambémobservououtrossinais que poderiam ser atribuídos à deliberada aplicação de força. Por exemplo,algunsdoscrâniosapresentavammarcasdeimpactodeumtipoque“sópodeocorrerseoossoaindaestáemestadodeplasticidade”, indicandoque“osdanosdescritosforamprovavelmentein igidosemvidaoulogoapósamorte”.Algunsdospoucosossos compridos de Sinanthropus encontrados em Zhoukoudian tambémapresentavam sinais que, para Weidenreich, sugeriam fratura humana, talvez paraobterotutano.

Quanto ao motivo para terem encontrado, na maioria dos casos, fragmentoscranianos,Weidenreich acreditava que, à exceção de uns poucos ossos compridos,apenas cabeças eram levadas para dentro das cavernas. Ele a rmou: “A estranhaseleçãodeossoshumanos[...]teriasidofeitapelopróprioSinanthropus.Elecaçavaseus próprios semelhantes enquanto caçava outros animais e tratava todas as suasvítimasdamesmamaneira”.

AlgumasautoridadesmodernassugeremqueWeidenreichseequivocouaofazersuainterpretação dos restos fósseis do Sinanthropus. Binford e Ho salientarm quecrânios hominídeos submetidos a transporte por cascalho uvial são encontradoscom a seção da base desgastada. Mas, os crânios recolhidos de Zhoukoudian nãoforam,aparentemente,transportadosdessamaneira.

Segundo propuseram Binford e Ho, os carnívoros haviam trazido os ossoshominídeosparadentrodas cavernas.Porém, em1935,Weidenreich escreveu: “Otransportefeitopor[...]animaispredadoreséimpossível.[...]Vestígiosdemordidaeroedura teriamsidovisíveisnosossoshumanos,oquenãoéocaso”.Segundooparecer de Weidenreich, a explicação mais provável era o canibalismo entre osindivíduosSinanthropus.

Mas Marcellin Boule, diretor do Institute de Paleontologie Humaine da França,

sugeriuoutrapossibilidade:queoSinanthropushaviasidocaçadoporumtipomaisinteligentedehominídeo.SegundoacreditavaBoule,apequenacapacidadecranianadoSinanthropusimplicavaquetalhominídeonãoerainteligenteobastanteparaterfeitofogueiraseosinstrumentosdepedraouossodescobertosnacaverna.

SeosrestosdeSinanthropuseramostroféusdeumcaçadormaisinteligente,quemera o caçador e onde estavam seus restos? Segundo salientou Boule, há muitascavernasnaEuropaquetêmabundantesprodutosdeindústriahumanapaleolítica,mas “a proporção de depósitos que produziram os crânios ou esqueletos dosresponsáveisporessaindústriaéinfinitesimal”.

Portanto, a hipótese de que uma espécie mais inteligente de hominídeo caçavaSinanthropus não é descartada pelo simples fato de seus ossos fósseis ainda nãoterem sido encontrados em Zhoukoudian. Pelo que pudemos ver nos capítulosanteriores, existem provas, de outras partes do mundo, de restos esqueletaisinteiramentehumanosdeperíodosdeantiguidadeigualoumaiorquearepresentadapor Zhoukoudian. Por exemplo: os restos esqueletais inteiramente humanosencontradosemCastenedolo,naItália,sãodoPlioceno,demaisdedoismilhõesdeanosatrás.

Osfósseisdesaparecem

Comojámencionamosantes,ummotivopeloqualpodeserdifícilresolvermuitasdas questões em torno doHomemdeBeijing é que os fósseis originais já não seencontram à disposição para serem estudados. Por volta de 1938, escavações emZhoukoudian,sobaorientaçãodeWeidenreich,foramdetidaspelomovimentodeguerrilhas ao redor de Western Hills. Posteriormente, já com a Segunda GuerraMundial bem avançada, Weidenrcich partiu para os Estados Unidos em abril de1941,levandoconsigoumasériedemoldesdefósseisdoHomemdeBeijing.

Noverãode1941,segundoconsta,osossosoriginaisforamacondicionadosemdoisbaús e enviados para o Coronel Ashurst da Guarda da Embaixada da MarinhaAmericanaemBeijing.Noprincípiodedezembrode1941,osbaúsforam,segundoconsta em registros, colocados num trem comdestino ao porto deChinwangtao,ondeseriamembarcadosnumnavionorte-americano,oPresidentHarrison,comopartedaevacuaçãonorte-americanadaChina.Porém,em7dedezembro,otremfoiinterceptado e os fósseis jamais foram vistos de novo. Após a Segunda GuerraMundial, o governo comunista chinês continuou as escavações em Zhoukoudian,acrescentandounspoucosfósseisàsdescobertasdopré-guerra.

Umcasodedesonestidadeintelectual

Em um artigo sobre Zhoukoudian publicado na edição de junho de 1983 da

Scienti c American, dois cientistas chineses, Wu Rukang e Lin Shenglong,apresentaramprovasdesencaminhadorasdaevoluçãohumana.

WueLin zeramduasalegações:acapacidadecranianadoSinanthropusaumentavadonívelinferiordaescavaçãodeZhoukoudian(460milanosdeidade)paraonívelmais alto (230mil anos de idade), indicando que o Sinanthropus evoluiu para oHomosapiens;otipoeadistribuiçãodasferramentasdepedratambémimplicavamumaevoluçãodoSinanthropus.

Pararati caremsuaprimeiraalegação,WueLinanalisaramascapacidadescranianasdos seis crânios relativamente completos de Sinanthropus encontrados emZhoukoudian.WueLina rmaram:“Ascapacidadescranianasmedidassãode915cc para o crânio mais primitivo, uma média de 1.075 cc para os quatro crâniosposteriores,e1.140ccparaomaisrecente”.Desseconjuntoderelações,WueLinconcluíram: “Parece que o tamanho do cérebro aumentou em mais de 100centímetroscúbicosduranteaocupaçãodacaverna”.

Uma tabela publicada no artigo da Scienti c Americanmostrava as posições e ostamanhosdoscrânios encontradosnaLocalidade1deZhoukoudian (Tabela10.1,ColunaA).Contudo,emsuaexplicaçãodessatabela,WueLindeixaramdedeclararqueoprimeirodoscrânios,encontradonacamada10,pertenciaaumacriançaque,segundoFranzWeidenreich,morreuaos8ou9anosdeidadeesegundoDavidsonBlack,morreuentreos11eos13anosdeidade.

WueLintambémdeixaramdemencionarqueumdoscrâniosdescobertosnascamadas8e9(crânioX)tinhaumacapacidadecranianade1.225cc,oqueé85ccmaiordoqueocrâniomaisrecente(1),encontradonacamada3.Quandotodososdadossãoapresentados(Tabela10.1,ColunaB), caevidentequenãoháaumentoestávelemcapacidadecranianade460milpara230milanosatrás.

Alémde analisaremum aumento evolucionário de capacidade craniana,Wu eLinobservaramuma tendência para ferramentasmenores nos depósitos da caverna emZhoukoudian. Registraram, também, que os materiais usados para fazer asferramentasnosníveis recentes eram superiores aosusadosnosníveismais antigos.Osníveis recentes apresentavammaisquartzodealtaqualidade,maispederneiraemenosarenitoqueosníveismaisprimitivos.

Masumaalteraçãonahabilidadetecnológicadeumapopulaçãonãoimplicaqueessapopulaçãotenhaevoluído siologicamente.Tomemos,porexemplo,oshabitantesdaAlemanhaem1400eem1990.Asdiferençastecnológicassãoespantosas-aviõesa jato e carros em vez de cavalos; televisão e telefone em vez de visão e vozdesamparadas; tanques e mísseis em vez de espadas e arcos. Mas seria um erroconcluir que os alemães de 1990 são siologicamente mais evoluídos que os de1400.Daí,aocontráriodoquealegamWueLin,adistribuiçãodediversostiposdeferramentasdepedranãoimplicaqueoSinanthropustivesseevoluído.

OrelatóriodeWueLin,emespecialsuaalegaçãodeaumentodecapacidadecraniananoSinanthropusduranteaocupaçãodacavernadeZhoukoudian,mostraquenãodevemos aceitar, sem visão crítica, tudo que lermos sobre a evolução humana emjornaiscientí cos.Parecequeacomunidadecientí caestátãocomprometidacomsua doutrina evolucionária que qualquer artigo tencionando demonstrá-Ia poderápassarsemomenorexameminucioso.

Dataçãopormorfologia

ApesardeZhoukoudianseromaisfamososítiopaleantropológicodaChina,existemmuitosoutros.EssessítiostêmproduzidofósseisrepresentativosdeHomoerectusprimitivos, de Homo erectus, de Homens de Neandertal e de Homo sapiensprimitivos, proporcionando, dessamaneira, uma aparente seqüência evolucionária.Masaformapelaqualessaprogressãofoiestruturadaéquestionável.

Conforme vimos em nosso estudo dos restos de fósseis humanos descobertos naChinaeemoutroslugares,namaioriadoscasosnãoépossíveldatá-Ioscomumgraumuitoaltodeprecisão.Asdescobertastendemaocorrerdentrodoqueescolhemoschamar de uma “variação possível de data”, e essa variação pode ser bem ampla,dependendo dos métodos de datação utilizados. Entre os métodos conhecidos,existemas técnicasdedataçãoquímica, radiométrica e geomagnética,bemcomoaanálisedaestratigra adosítio,dosrestosfaunísticos,dostiposdeferramentaedamorfologiadosrestoshominídeos.Alémdisso,diferentescientistas,valendo-sedosmesmos métodos, costumam obter diferentes variações de idade para espécimeshominídeos em particular. A menos que queiramos considerar uniformemente ojulgamento de idade apresentado em época mais recente por um cientista comosendoocorreto,somoscompelidosalevaremconsideraçãotodaavariaçãodedataspropostas.

Masaquipodemosnosveremdi culdades.Imaginequeumcientista leiadiversosrelatórios sobredois espécimeshominídeosdemorfologiadiferente.Combasenaestratigra a e nas comparações faunísticas, eles são, grosso modo, do mesmoperíodo.No entanto, esse período se estendepor centenas demilhares de anos.Arepetição dos testes realizada por diferentes cientistas usando diferentes métodospaleomagnéticos, químicos e radiométricos resulta numa ampla extensão de datascon itantesdentrodesseperíodo.Algunsresultadosdetesteindicamumespécimecomo sendo omais antigo, outros, o outro espécime como sendo omais antigo.Analisando todas as datas publicadas para os dois espécimes, nosso investigadordescobre que as possíveis variações de data sobrepõem-se amplamente. Em outraspalavras,pormeiodessesmétodos,prova-seserimpossíveldeterminarqualdosdoissurgiuprimeiro.

Que se há de fazer? Em certos casos, conforme demonstraremos, os cientistasconcluirão, combase exclusivamente em seu compromisso coma evolução,queoespécimemorfologicamentemaissimiescodeverásermovidoparaaparteinicialdesuapossívelvariaçãodedata,a mderetirá-Iodapartedesuapossívelvariaçãodedata que coincide com aquela do espécime morfologicamente mais humanóide.Como parte do mesmo procedimento, o espécime mais humanóide poderá sermovidoparaaparteposterior,oumaisrecente,desuaprópriapossívelvariaçãodedata.Assim,osdoisespécimessãoseparadostemporalmente.Mastenhaemmenteoseguinte: essa operaçãode seqüenciamento é realizada essencialmente combasenamorfologia,a mdepreservarumaprogressãoevolucionária.Pareceriaincorretoterduas formas, uma em geral considerada ancestral à outra, existindocontemporaneamente.

Eis aqui um exemplo. Chang Kwang-chih, antropólogo daUniversidade dc Yale,a rmou:Aslistasfaunísticasdasdescobertas(hominídeas)deMapa,Ch’ang-yangeLiu-chiang não apresentam provas positivas de qualquer datação precisa.Os doisprimeiros fósseis podem ter existido em qualquer momento entre o PleistocenoMédioeoPleistocenoSuperior,noqueconcerneàfaunaaelesassociada[...]Paraobter uma colocação mais precisa desses três fósseis humanos, podemos contar,atualmente, apenas com as próprias características morfológicas deles emcomparação comoutrasdescobertasmais bemdatadasdeoutraspartesdaChina.Pode-sechamarissodedataçãopormorfologia.

Em1981,JeanS.Aignera rmou:“NosuldaChina,as faunassãoaparentementeestáveis, tomando difícil ,a subdivisão do Pleistoceno Médio. Normalmente, apresença de um hominídeo avançado ou de uma forma de relicto é a base paradeterminar períodos posteriores e anteriores”.Temos aqui uma exposição bastantenítidadofundamentológicodadataçãomorfológica.Apresençadeumhominídeoavançadoétidacomosinalinquestionáveldeumperíodoposterior.

Emoutraspalavras,seencontramosumhominídeosimiescoassociadoadeterminadafauna do Pleistoceno Médio em um sítio, e um hominídeo mais humanóideassociado àmesma faunadoPleistocenoMédio emoutro sítio, temos, então,deacordocomessesistema,’deconcluirqueosítiocomohominídeomaishumanóideédeumadatadePleistocenoMédioposterioràdooutro.OPleistocenoMédio,ébomlembrar,estende-sedecemmilaummilhãodeanosatrás.Dá-seporcertoqueosdoissítiosemquestãojamaispoderiamsercontemporâneos.

Concluídaessamanobra,osdoishominídeosfósseis,agoraseparadosumdooutrotemporalmente, passam a ser citados em livros didáticos como provas de umaprogressão evolucionária no Pleistoceno Médio! Esse procedimento é

intelectualmentedesonesto.Honestoseriaadmitirqueasprovasnãonospermitemdizercomcertezaqueumhominídeoprecedeuooutroequeébempossívelqueeles tenham sido contemporâneos. Isso descartaria o uso desses hominídeos emparticular para formar uma seqüência evolucionária temporal. Tudo o que sepoderia dizer com honestidade é que ambos foram encontrados no PleistocenoMédio.Aoquenosédadosupor,ohominídeohumanóide“maisavançado”podeterprecedidoo simiesco“menosavançado”.Mas supondoqueaevolução sejaumfato,pode-seentão“datar”oshominídeospeIamorfologiadelesedisporasprovasfósseisdemaneiraconsistente.

Vejamosagoraumexemploespecí codoproblemadevariaçãodedata.Em1985,QiuZhonglangregistrouadescoberta,em1971e1972,dedentesfósseisdeHomosapiens na caverna Yanhui perto de Tongzi, na província de Ghizhou, Chinameridional. O sítio de Tongzi continha uma fauna de Stegodon-Ailuropoda.Stegodonéumtipodeelefanteextinto,eAiluropodaéopandagigante.EssafaunaStegodon-AiluropodaétípicadaChinameridionalduranteoPleistocenoMédio.

A lista faunística completa do sítio deTongzi, apresentada por Han Defen e XuChunhua,contém24espéciesdemamíferos, todassendotambémencontradasemlistasdoPleistocenoMédio(edoInferior)apresentadaspelosmesmosautores.Masmuitos dos gêneros e espécies relacionados também são conhecidos por teremsobrevividoatéoPleistocenoSuperioreatéomomentopresente.

OautordorelatóriodasdescobertasdeTongzia rmou:“ACavernaYanhui foioprimeiro sítio contendo fósseis deHomo sapiens descobertos em algumaparte daprovíncia[...]AfaunasugereumavariaçãodoPleistocenoMedioparaoSuperior,masaevidênciaarqueológica(humana)écompatívelcomumaidadedoPleistocenoSuperior(fimdoPleistoceno)”.

Emoutraspalavras,apresençadefósseisdeHomosapiensfoiofatordeterminanteparaatribuirumaidadedoPleistocenoSuperioraosítio.Esseéumexemploclarodedataçãopormorfologia.Porém,segundoasprovasfaunísticasregistradasporQiu,tudo o que se pode realmente dizer é que a Idade dos fósseis de Homo sapienspoderiavariardoPleistocenoMédioparaoPleistocenoSuperior.

Há, contudo, provas estratigráftcas sugestivas de uma variação estritamente doPleistoceno Médio. Qiu deu a seguinte informação: “Os depósitos na cavernacontêm sete camadas.Os fósseis humanos, artefatos de pedra, ossos queimados efósseismamíferosforamtodosdesenterradosnaquartacamada,umestratodeareiaecascalhoamarelo-acinzentados”.Essaconcentraçãoemumaúnicacamadasugerequeos restos humanos e os fósseis animais, todos eles de mamíferos encontrados emsítios do PleistocenoMédio, são, grossomodo, contemporâneos.Alémdomais,

depósitosdecavernasamarelasnosuldaChinaemgeral são tidoscomosendodoPleistocenoMédio.

Nossa própria análise da lista faunística também sugere que seja razoável reduzir avariação de idade para o Pleistoceno Médio. Em geral, diz-se que o Stegodon,presente emTongzi, teria existido do Plioceno para o PleistocenoMédio.NumalistadeanimaisconsideradosimportantesparaadataçãodesítiosnosuldaChina,AignerindicouqueoStegodonorientalissobreviveuapenasaté nsdoPleistocenoMédio,apesardetercolocadoumpontodeinterrogaçãoapósesseregistro.

Uma idade estritamentedoPleistocenoMédiopara a faunada cavernadeTongzitambéméapoiadapelapresençadeumaespéciecujaextinção,porvoltado mdoPleistocenoMédio,étidacomosendomaiscategórica.Emsualistademamíferosconsiderados importantespara adataçãode sítiosno suldaChina,Aigner incluiu,além do Stegodon orientalis, outras espécies encontradas emTongzi. Entre elastemos o Megatapirus (tapir gigante) que, segundo Aigner, está con nado aoPleistocenoMédio.AespécieencontradaemTongziérelacionadaporpesquisadoreschineses como Megatapirus augustus Matthew et Granger. Aigner caracterizou oMegatapirusaugustuscomuma“formafóssilgrandedascoleçõesdosuldaChinademetadedoPleistocenoMédio”.SugerimosqueoMegatapirusaugustuslimitaaidademaisrecentedacoleçãofaunísticadeTongziparao mdoPleistocenoMédio(Figura10.1).

OutrofóssilmarcadorrelacionadoporAigneréoCrocutacrocuta(ahienaviva),queapareceupelaprimeiraveznaChinaduranteametadedoPleistocenoMédio.UmavezqueoCrocutacrocutaestápresenteemTongzi,issolimitaaidademaisantigadafaunadeTongziparaocomeçodametadedoPleistocenoMédio.

Em suma, usando o Megatapirus augustus e o Crocuta crocuta como fósseismarcadores, podemos concluir que a provável variação de idade para os fósseis deHomosapiens encontradosemTongziestende-sedesdeoprincípiodametadedoPleistocenoMédioatéfinsdoPleistocenoMédio.

Portanto, Qiu, na verdade, estendeu as variações de data de algumas espéciesmamíferasnafaunadoStegodon-Ailuropoda(taiscomooMegatapirusaugustus)doPleistocenoMédioparaocomeçodoPleistocenoSuperiora mdepreservarumadata aceitável para os fósseis de Homo sapiens. Aparentemente, foram ospreconceitosevolucionáriosdeQiuqueexigiramessaoperação.Umavezrealizada,oHomosapiensdeTongzi,situadoseguramentenoPlcistocenoSuperior,pôdeentão

ser introduzido numa seqüência evolucionária temporal e citado como prova daevoluçãohumana.SecolocássemosoHomosapiensdeTongzinapartemaisantigadesuaverdadeiravariaçãodedatafaunística, nametadedoPleistocenoMédio,eleseria contemporâneo doHomo erectus de Zhoukoudian. E isso não cairiamuitobemnumlivrodidáticosobreohomemfóssilnaChina.

Analisamos cuidadosamente os relatórios sobre diversos outros sítios chineses, eachamosqueomesmoprocessodedataçãomorfológicatemsidousadoparaseparartemporalmentediversos tiposdehominídeos.EmLantian, em1964,encontraramum crânio de Homo erectus. Era mais primitivo do que o Homo erectus deZhoukoudian.Váriosautores,taiscomoJ.S.Aigner,situam-no,portanto,antesdoHomo erectus de Zhoukoudian. Contudo, nossa própria análise da evidênciafaunística, da estratigra a do sítio e da datação paleomagnética demonstra que avariação de data para o crânio do Homo erectus de Lantian coincide com a doHomoerectusdeZhoukoudian.OmesmoseaplicaaummaxilardeHomoerectusencontradoemLantian.

Não insistimos, contudo, em que o crânio do Homo erectus de Lantian sejacontemporâneodoHomoerectusdaLocalidade1deZhoukoudian.Seguindonossoprocedimento-padrão, simplesmente estendemos a provável variação de data doprimitivoHomo sapiensdeLantianpara incluiroperíodode tempo representadopelaocupaçãodeZhoukoudian.

Assim, temos agora possíveis e coincidentes variações de data na metade doPleistocenoMédioparaos seguinteshominídeos:HomemdeLantian,umHomoerectusprimitivo;HomemdeBeijing,umHomoerectusmaisavançado,eHomemdeTongzi,descritocomoHomosapiens.Nãoinsistimosemqueessesserestivessemrealmente coexistido. Talvez sim, talveznão. Insistimos, isso sim,no seguinte:oscientistas não devem propor que os hominídeos categoricamente não coexistiramcombaseapenasemsuadiversidademorfológica.Todavia,éissoexatamenteoquetem acontecido. Os cientistas dispuseram os hominídeos fósseis chineses numaseqüênciaevolucionáriatemporalessencialmenteemfunçãodotipofisicodeles.Essametodologiaasseguraquenenhumaprovafóssil jamaisseenquadraráforadoreinodasexpectativasevolucionárias.Aosevaleremdediferençasmorfológicasnosfósseisde homitúdeos para equacionar contraditórias datações faunísticas, estratigrá cas,químicas, radiométricas e geomagnéticas em harmonia com uma favorecidaseqüência evolucionária, os paleantropólogos têm permitido que seus preconceitosobscureçamoutraspossibilidades.

OutrasdescobertasnaChina

Em1956,camponesesescavandoembuscadeadubonumacavernapertodeMaba,

na província de Guangdong, sul da China, encontraram um crânio que eraaparentemente de um ser humano primitivo. Parece haver concordância geralquanto ao fato de que o crânio de Maba seja de Homo sapiens com algumascaracterísticasneandertalóides.

É fácil perceber que os cientistas, em conformidade com suas expectativasevolucionárias,gostariamdesituaroespécimedeMabano nzinhodoPleistocenoMédio ou no princípio do Pleistoceno Superior, após oHomo erectus. EmboraMabapudessesertãorecentequantodoprincípiodoPleistocenoSuperior,osossosanimais ali encontrados eram de mamíferos que viveram não só no PleistocenoSuperior,mastambémnoPleistocenoMédio,emesmonoPIeistocenoInferior.Ajusti cativaprincipalpara xaradatadacavernadeMabaparaaparte naIíssimadensdoPIeistocenoMédioouparaoprincípiodoPleistocenoSuperiorparecesera

morfologiadosrestoshominídeos.

Atualizando nossa lista, agora temos variações de datas coincidentes nametade doPleistoceno Médio para: Homo erectus primitivo (Lantian); Homo erectus(Zhoukoudian); Homo sapiens (Tongzi), e Homo sapiens com característicasneandertalóides(Maba).

A possibilidade de que o Homo erectus e hominídeos mais avançados tivessemcoexistido na China acrescenta novo combustível à controvérsia sobre quem foirealmenteresponsávelpeloscasosdecérebroquebradodoHomemdeBeijingepelapresençadeavançadasferramentasdepedranaLocalidade1deZhoukoudian.Acasodiversoshominídeos,dediversosgrausdeavanço,realmentecoexistiramnametadedo Pleistoceno Médio? Não a rmamos isso de forma categórica, mas está semdúvida dentro do leque de possibilidades sugerido pelos dados disponíveis. Emnosso estudo da literatura cientí ca, não nos deparamos com qualquer razão clarapara descartar a coexistência além do fato de que os indivíduos sãomorfologicamentedessemelhantes.

Comcerteza,alegarãoque,pelo fatodeaevoluçãohumana jáestarestabelecidadeformatãoconclusiva,alémdequalquerdúvidarazoável,éperfeitamentejusti cávelfazeradataçãodoshominídeospormeiodamorfologiadeles.Porém,cremosqueessa alegação não se sustenta em face de um estudo minucioso, Conformedemonstramos nos Capítulos 2 a 7, tem havido supressão ou esquecimento deabundantesprovasquecontradizemasatuaisidéiassobreaevoluçãohumana.Alémdomais, os cientistas têm fechado os olhos, de forma sistemática, às de ciênciasexistentesnasprovasquesupostamentesustentamasatuaishipótesesevolucionárias.

Se camponeses escavando em busca de adubo numa caverna chinesa tivessemdesenterrado um crânio de todo humano com uma fauna típica do Plioceno, os

cientistasteriamdecertoprotestadopelofatodenãoestarempresentesobservadoresidôneospararealizarosdevidosestudosestratigrá cos.Porém,vistoqueocrâniodeMabapôdeserinseridonaseqüênciaevolucionáriapadrão,ninguémfezobjeçõesàformacomoelefoidescoberto.

Mesmo depois de aprendermos a reconhecer a prática altamente questionável dedataçãomorfológica, aindapodemosnosespantarcoma freqüênciacomqueelaéutilizada.NocampodapesquisadeevoluçãohumananaChina,elaparecesernãoaexceção,masaregra.OmaxilarsuperiordeHomosapienencontradoporoperáriosem 1956 em Longdon, no condado de Changyang, província de Hubei, sul daChina,proporcionouamuitasautoridadesumaoportunidadebem-vindadepraticardescaradadataçãomorfológica.

O maxilar superior, julgado ser de Homo sapiens com algumas característicasprimitivas, foiencontradoassociadoà típica faunadePleistocenoMédiodosuldaChina,incluindooAiluropoda(panda)eoStegodon(elefanteextinto).Em1962,ChangKwang-chih, daUniversidade de Yale, escreveu: “Em geral, acredita-se queessa fauna seja médio-pleistocena em idade, e os cientistas que trabalharam nacaverna sugeremumadataçãode nsdoPleistocenoMédio,poisamorfologiadomaxilarmostra menoscaracterísticasprimitivasqueaqueladoSinanthropus”.Ficaevidente que foi morfológica a justi cativa primária de Chang para atribuir, aoHomosapiensdeChangyang,umadataposterioràdoHomoerectusdeBeijing.

Em 1981, J. S. Aigner aderiu com sua declaração: “Algumas espécies da faunaencontrada com o hominídeo sugerem uma idade de Pleistoceno Médio, e talhominídeo é tido como próximo ao Homo sapiens, indicando uma dataçãoposteriornaqueleperíodo”.

Éespantosoofatodeosdentistasseremcapazesdeconfrontarasprovasfaunísticasde Changyang sem sequer levarem em consideração a possibilidade de o Homosapiens ter coexistidonaChina comoHomoerectus.A esse respeito,SirArthurKeithescreveuem1931:“Temaconteddo,combastantefreqüêncianopassado,deadescoberta de restoshumanosnumdepósito ter in uendado aopiniãodeperitosquanto à idade do referido depósito; tem-se tido a tendênda de interpretar provasgeológicas demodo que estas não entrem em con ito de forma agrante com ateoriadaorigemrecentedohomem”.

Em 1958, operários encontraram fósseis humanos na caverna Liujiang, na RegiãoAutônomaGuangxiZhuang,nosuldaChina.Entreesses fósseishaviaumcrânio,vértebras, costelas, ossos pélvicos e um fêmur direito. Esses restos humanosanatomicamentemodernosforamencontradoscomumatípicafaunadeStegodon-Ailuropoda,dandoumavariaçãodedataparaosítiodetodooPleistocenoMédio.

Porém,oscientistaschinesesatribuíramosossoshumanosaoPleistocenoSuperior,basicamenteemvirtudedesuamorfologiaavançada.

O sítioDali, na província Shaanxi, produziu um crânio classi cado comoHomosapienscomcaracterísticasprimitivas.A faunadeDali contémanimais, todos elestípicosdoPleistocenoMédioedeantesdisso.

Algunspaleantropólogoschinesessugeremumaidadede nsdoPleistocenoMédioparaDali.Emboraissopossaseaplicaraocrâniohumano,afaunaaeleassociadanãocomportasemelhantedata.Pelocontrário,elasugereparaoHomosapiensdeDali,uma possível variação de data que se estende no passado, Pleistoceno Médioadentro,coincidindo,umavezmais,comoHomemdeBeijingnaLocalidade1deZhoukoudian.

Concluímos,portanto,queoHomemdeBeijing,ouoHomoerectusdaLocalidade1deZhoukoudian,podemuitobemtervividonamesmaépocaqueumavariedadede hominídeos: o Homo sapiens primitivo (alguns com característicasneandertalóides), o Homo sapiens sapiens e o Homo erectus primitivo (Figura10.2).

Na tentativa de esclarecer esse impasse dos hominídeos do PleistocenoMédio, oscientistas têmutilizado, repetidas vezes, amorfologiados fósseishominídeosparaselecionar datas desejáveis dentre todas as possíveis variações de data faunística dossítios.Dessamaneira, eles têm conseguidopreservar umaprogressão evolucionária

para os hominídeos. Notavelmente, essa seqüência elaborada de forma arti cial,projetada para se adequar às expectativas evolucionárias, passa a ser citada comoprovadahipóteseevolucionária.

Por exemplo: conforme já demonstramos diversas vezes, um espécime de Homosapiens, com uma possível variação de data estendendo-se desde a metade doPleistoceno Médio (período contemporâneo ao do Homem de Beijing) até oPleistocenoSuperior,serámovidoatéaextremidademaisrecentedavariaçãodedata.Seria do mesmo modo justi cável escolher uma data de metade do PleistocenoMédio dentro da possível variação de data,muito embora isso esteja em con itocomasexpectativasevolucionárias.

VamosconcluirnossoestudodasdescobertasdehominídeosfósseisnaChinacomalguns casos de sítios considerados como sendo do Pleistoceno Inferior. EmYuanmou,naprovínciadeYunnan,sudoestedaChina,geólogosencontraramdoisdenteshominídeos(incisivos).Segundocientistaschineses,erammaisprimitivosdoqueaquelesdoHomemdeBeijing.Acredita-sequeosdentestenhampertencidoaumancestraldoHomemdeBeijing,umHomoerectusprimitivíssimo,descendentedeumAustralopithecusasiático.

Posteriormente encontraram, emYuanrnou, ferramentas de pedra: três raspadeiras,um núcleo de pedra, uma lasca e uma ponta de quartzo ou quartzito. Segundodemonstramdesenhospublicados,asferramentasdeYuanmousãomuitoparecidascom os eólitos europeus e a indústria Oldowan da África oriental. Tambémencontraram, com as ferramentas e os incisivos hominídeos, camadas de cinzavulcânicacontendofósseismamíferos.

Os estratosdeonde foramextraídosos incisivos apresentaramumaprovável datapaleomagnética de 1,7 milhão de anos dentro de uma variação de 1,6 para 1,8milhão de anos.Houve quem questionasse essa data,mas os principais cientistaschineses continuam a aceitá-Ia, chamando a atenção para o fato de que os fósseismamíferossãocompatíveiscomumaidadedoPleistocenoInferiorparaosítio.

Há, contudo, problemas quando se atribui uma idade do Pleistoceno Inferior aoHomo erectus de Yuanmou. Entende-se que o Homo erectus tenha evoluído doHomo habilis na África cerca de 1,5milhão de anos atrás emigrado para outraregião cerca. de um milhão de anos atrás. O Homo habilis, pensa-se, não teriadeixadoaÁfrica. Naestimativade idade (calculadapor Jia)paraohominídeodeYuanmou ca implícita uma origem distinta para oHomo erectus na China. Jiaparece exigir a presença, na China de cerca de dois milhões de anos atrás, doAustralopithecusoudoHomohabilis,oqueéalgoproibidopelateoriaatual.

Aesserespeito,LewisR.BinfordeNancyM.Stonea rmaramem1986:“Deve-seobservar que muitos acadêmicos chineses ainda estão aferrados à idéia de que ohomemevoluiunaÁsia.Essepontodevistacontribuiparaadisposiçãoquemuitos,deles têmdeaceitar, sem fazer crítica alguma, asdatas antiqüíssimasparaos sítioschinesesedeexplorarapossibilidadedeferramentasdepedraseremencontradasemdepósitosdoPlioceno”.Poder-se-iatambémdizerque,emvirtudedeosacadêmicosocidentais estarem aferrados à idéia de que os humanos evoluíram na África, elesrejeitam,semomenorsensocrítico,datasmuitoantigasparafósseishominídeoseartefatosaoredordomundo.

Como já foimencionadoantes,não épreciso suporque aÁfricaouaÁsia foramcentros de evolução. Existem, conforme demonstramos em capítulos anteriores,provasemaisprovas,muitasdelasencontradasporcientistaspro ssionais,sugerindoque humanos do tipo moderno viveram em diversos continentes, incluindo aAmérica doSul,pordezenasdemilhõesdeanos.Eduranteessemesmoperíodo,tambémháprovasdapresençadediversascriaturassimiescas,algumasmaisparecidascomoshumanosdoqueasoutras.

Maisumavezsurgeumapergunta,encontradaemnossosestudosdosrestosculturaisanômalos (Capítulos 2 a 6): Por que deveríamos atribuir ao Homo erectusprimitivo as ferramentas de pedra e os sinais de fogueira, em Yuanmou, doPleistoceno Inferior?As ferramentas e sinais de fogonão foram encontrados pertodosdentesdeHomoerectus.Alémdomais,háprovas,daprópriaChinaedeoutraspartesdomundo,dequeoHomosapiensexistiunoPleistocenoInferioremesmoantes.

Em 1960, Jia Lanpo investigou a areia e os depósitos de cascalho do PlcistocenoInferioremXihoudu,naprovínciasetentrionaldeShanxi.Eleencontroutrêspedrascomsinaisdepercussão,emaisartefatosapareceramem1961eem1962.PorcausaderestosfaunísticosdoPleistocenoInferior,deu-seaosítioumaidadedemais deummilhãodeanos.Adataçãopaleomagnéticaproduziuumaidadede1,8milhãodeanos. Também encontraram ossos cortados e sinais de fogueira em Xihoudu.SegundoacreditavaJia,oAustralopithecuseraresponsávelpelosartefatoseofogo.Noentanto,hoje,ninguémconsideraqueoAustralopithecustenhasidoumfazedordefogueira.Osúnicoshominídeoscapazesdefazerisso,segundosepensahoje,sãooHomoerectus,oHomemdeNeandertaleoHomosapiens.

J.S.Aigner,comomuitobemsepoderiaimaginar,expressoufortesreservasquantoàs provas de Jia: “A despeito da forte evidência de que tenha havido atividadehumana durante o Pleistoceno Inferior (começo do Pleistoceno) em Hsihoutu(Xihoudu),aonortedaChina,eurelutoemaceitar,inequivocamente,queosobjetos

sejamdessaépoca[...]SeHsihoutuforcon rmado,entãoissosigni cadizerqueoshumanosocupavamonortedaChinacercadeummilhãodeanosatráseutilizavamofogo.Issocolocariaemdúvidaalgumasdenossassuposiçõesatuaisacercatantodocurso da evolução humana, quanto das capacidades de adaptação dos hominídeosprimitivos”.Sefossepossível,contudo,alguémdesvencilhar-sedassuposiçõesatuais,abrir-se-iampossibilidadesinteressantes.

IssoencerranossoestudosobreasdescobertasnaChina.Vimosqueasdeterminaçõesdaidadedefósseishominídeosforamalteradospor“dataçãomorfológica”.Quandoessas idades são ajustadas para re etir uma possível variação da data faunística, aevidênciatotalfalhaaoadmitirapenasumahipóteseevolucionária.Talevidência,noentanto, mostra-se consistente com a proposta de que seres humanosanatomicamente modernos coexistiram com vários hominídeos no decorrer doPleistoceno.

11.Australopithecusvivos?Revendo os hominídeos fósseis daChina, encontramos sinais de que os humanospodemtercoexistidocomhominídeosmais simiescosdurante todooPleistoceno.Isso pode aplicar-se mesmo aos dias atuais. Nos últimos cem ou mais anos,pesquisadoresvêmacumulandoprovassubstanciaisdequecriaturassemelhantesaosHomens de Neandertal, ao Homo erectus e aos australopithecinos ainda hojevagueiampelasáreassilvícolasdomundo.

Cientistas pro ssionais têm observado homens selvagens em ambientes naturais,espécimescapturadosvivos,espécimesmortosereunidoprovastísicasdapresençadehomens selvagens, incluindo centenas de pegadas. Além disso, têm entrevistadoinformantesnão-cientistaseinvestigadoavastaquantidadede“histórias”dehomensselvagensconstanteemtextosetradiçõesantigos.

Criptozoologia

Para alguns pesquisadores, o estudo de criaturas tais como os homens selvagensenquadra-se numa rami cação autêntica da ciência chamada criptozoologia. Acriptozoologia,termocunhadopelozoólogofrancêsBernardHeuvelmans,refere-seà investigação cientí ca de espécies cuja existência tenha sido registrada mas nãointeiramentedocumentada.Apalavragregakryptossigni ca“oculto”,demodoquecriptozoologia quer dizer, literalmente, “o estudo de animais ocultos”. Existe umaSociedade Internacional deCriptozoologia, cujo conselho diretor inclui biólogos,zoólogosepaleontólogospro ssionaisdeuniversidadesemuseusdomundotodo.O objetivo da sociedade, conforme a rma seu jornal Cryptozoology, é “ainvestigação,análise,publicaçãoedebatedetodososassuntosrelacionadosaanimais

de forma ou tamanho inesperados, ou de ocorrência inesperada no tempoounoespaço”.UmtípiconúmerodoCryptozoologycostumaconterumoumaisartigos,escritosporcientistas,sobreotemahomensselvagens.

Émesmopossívelquepudesseexistirumaespéciedesconhecidadehominídeonesteplaneta?Muitosterãomuitadi culdadeemacreditarnistoporduasrazões.SupõemquecadacentímetrodaTerrajáfoiinteiramenteexplorado.Etambémsupõemqueoscientistaspossuemuminventáriocompletodasespéciesanimaisvivasnoplaneta.Ambasassuposiçõesestãoincorretas.

Emprimeirolugar,mesmoempaísescomoosEstadosUnidos,aindarestamvastasáreasdespovoadas epouco trafegadas.Emespecial,onoroestedosEstadosUnidosainda tem amplas regiões de terreno densamente arborizado e montanhoso que,embora mapeadas por via aérea, são raramente penetradas por humanos por viaterrestre.

Emsegundolugar,umnúmerosurpreendentedenovasespéciesdeanimaiscontinuasendo encontrado a cada ano - cerca de cinco mil, segundo uma estimativaconservadora.Comoseriadesuspeitar,agrandemaioriadelas,cercadequatromil,são insetos.Todavia, em1983,Heuvelmansobservou: “Bastante recentemente,nametadedadécada de1970,eramdescobertas,acadaano,porvoltade112novasespéciesdepeixes,dezoitonovasespéciesderépteis,deznovasespéciesdeanfíbios,omesmonúmerodemamíferosetrêsouquatronovasespéciesdeaves”.

Homensselvagenseuropeus

Relatóriosdehomensselvagensremontamaumpassadoremoto.Muitosobjetosdearte dos gregos, romanos, cartagenos e etruscos trazem imagens de criaturas semi-humanas.NoMuseudaPré-história,emRoma,porexemplo,háumatigelaetruscadepratasobreaqualsepodever,entrecaçadoreshumanosmontadosemcavalos,aguradeumagrandecriaturasimiesca.DuranteaIdadeMédia,aarteeaarquitetura

européias continuarama retratarhomens selvagens.UmapáginadoQueenMary’sPsalter,compostonoséculoXIV,mostraumamulherselvagempeluda,retratadadeformamuitorealista,sendoatacadaporumamatilhadecães.

OnoroestedaAméricadoNorte

Durante séculos, os índios do noroeste norte-americano e do oeste canadense têmacreditadonarealidadedoshomensselvagens,conhecidospordiversosnomes, taiscomoSasquatch.Em1792,obotâniconaturalistaespanholJoséMarianoMozino,descrevendoosíndiosdeNootkaSoundnailhaVancouver,Canadá,declarou:“NãoseioquedizersobreMatlox,habitantedodistritomontanhoso,dequemtodostêmum pavor inacreditável. Imaginam que seu corpo seja monstruosíssimo, todo

cobertopor durascerdasnegras;umacabeçaparecidacomadeumhumano,mascomdentescaninosmuitomaiores,maisa adosemaisfortesqueosdourso;braçoscompridíssimos,ededosdasmãosedospésarmadoscomgarrascurvaselongas”.

O presidente norte-americano eodore Roosevelt incluiu um intrigante caso dehomemselvagememseulivrode1906,ewildernesshunter.Oincidenteocorreunas montanhasBitterroot,entreIdahoeMontana.Aindahojecontam-secasosdehomensselvagensdessaregião.

SegundoRoosevelt,entreocomeçoeametadedoséculoXIX,umcaçadordepeleschamado Bauman e seu parceiro exploravam um ermo especialmente selvagem esolitário.Umacriaturadesconhecidasaqueouoacampamentodelesdiversasvezes-ànoite,quandoelesnãopodiamverograndeanimalcomnitidez,ededia,quandoeles estavam ausentes. Certo dia, Bauman encontrou seu parceiro morto noacampamento, aparentemente trucidado pela criatura, que deixou pegadas bemhumanóides.E, ao contrário dourso, quenormalmente anda sobrequatropatas,essacriaturaandavasobreduaspernas.

Considerada por si só, a história de Bauman não é muito impressionante comoprova da existência de homens selvagens na América do Norte, porém, ao seranalisadacomrelatóriosmaissubstanciais,adquireumaimportânciamaior.

Em 4 de julho de 1884, o Colonist, jornal publicado em Victoria, BritishColumbia,traziaumahistóriasobreumacriaturaestranhacapturadapertodacidadedeYale. OColonistnoticiou:“”Jacko’,conformeacriatura foichamadaporseuscapturadores,éalgoparecidocomumgorila,comcercade1,40metrodealturaepesando 60quilos.Temcabelo forte,negroecomprido,e seassemelhaaumserhumanocomumaúnica exceção: seucorpo inteiro, exceto suasmãos (oupatas) epés, é coberto compelo lustroso comcercade2,5 centímetrosde comprimento.Seu antebraço é muito mais comprido que o antebraço de um homem, e ele édotadodeforçaextraordinária”.

Parececlaroqueacriaturanãoeraumgorila-pesavamuitopoucoparasê-Io.AlgunspoderiamsuporqueJackoeraumchimpanzé.Porém,essaidéiafoiaparentementeconsideradaerejeitadaporpessoasquechegaramaconhecê-Io.Em1961,ozoólogoIvan Sanderson mencionou “um comentário feito em outro jornal logo após ahistória original ter sido publicada, e que perguntava [...] como poderia alguémsugerirqueaquele‘Jacko’pudessetersidoumchimpanzéqueescaparadeumcirco”.DamesmaregiãosurgiramoutrosrelatossobrecriaturascomoJacko.Porexemplo:AlexanderCaul eldAnderson,um scal daHudsonBayCompany, registrouquecertascriaturashumanóidespeludashaviam,emdiversasocasiões,atiradopedrasemseugrupoenquantoelesfiscalizavamumarotadecomércioem1864.

Em1901,MikeKing,umfamosolenhador,trabalhavanumaregiãoisoladadapartesetentrionalda ilhaVancouver.Aoatingiruma serrania,Kingavistouumagrandecriatura humanóide coberta com pele marrom-avermeIhada. A margem de umriacho,acriaturalavavaalgumasraízeseasdispunhaemduaspilhasordenadasaseulado. Depois, a criatura foi embora, correndo comoum ser humano.As pegadasobservadasporKing eramnitidamentehumanas, comexceçãodos “dedosdospésfenomenalmentecompridoseseparados”.Em1941,diversosmembrosdafamíliaChapman encontraram um homem selvagem emRubyCreek, BritishColumbia.Numaensolaradatardedeverão,o lhomaisvelhodasenhoraChapmanalertou-apara a presença de um animal grande oriundodo bosque próximo à casa deles.Aprincípio, ela achou que se tratava de um grande urso. Mas depois, para seucompletohorror,elaviuqueeraumhomemgigantescocomocorpotodocobertodepêlomarrom-amarelado.Opêlotinhacercade10centímetrosdecomprimento.Acriaturaencaminhou-sediretamenteparaacasa,easenhoraChapmanarrebanhouseustrêsfilhosefugiurioabaixoatéaaldeia.

Em outubro de 1955, o sr. William Roe, que passara grande parte de sua vidacaçando animais selvagens e observando seus hábitos, encontrou um homemselvagem. O incidente ocorreu perto de uma cidadezinha chamada Tete JauneCache, British Columbia. Certo dia, disse Roe numa declaração juramentada, eleescalouamontanhaMicaatéumaantigaminaabandonadaeviu,aumadistânciadecerca de 75 metros, o que ele a princípio achou que fosse um urso. Quando acriaturasaiuparaumaclareira,Roedeu-secontadequesetratavadealgodiferente:“Minhaprimeiraimpressãofoidequesetratavadeumhomemenorme,comcercade2metrosdealtura,comquase1metrodelarguraeprovavelmentepesandoalgoemtornode140quilos.Estavacoberto,dacabeçaaospés,compêlomarrom-escurodepontaprateada.Porém,aoseaproximardemim,vi,porseusseios,quesetratavadeumafêmea”.

Em 1967, na região de BluffCreek, norte da Califórnia, Roger Patterson e BobGimlin conseguiram fazer um lme em cores de uma fêmea de Sasquatch. Elestambém zeram moldes das pegadas dela, que tinham 36 centímetros decomprimento.

Diversas têm sido as opiniões expressas sobre o lme. Ao passo que certasautoridades dizem ser o lme uma farsa completa, outras dizem achar que eleproporciona uma ótima prova a favor da realidade do Sasquatch.Também nãofaltaram opiniões mistas. O dr. D. W. Grieve, anatomista especializado emcaminhada humana, estudou o lme e disse o seguinte: “Minhas impressõessubjetivas têmosciladoentre a total aceitaçãodoSasquatchemvirtudedo fatode

queseriadifícilo lmeserumafarsa,earejeiçãoirracionalcombasenumarespostaemocionalàpossibilidadedequeoSasquatchrealmenteexiste”.

AantropólogaMyraShackley,daUniversidadedeLeicester,observouqueopontodevistadamaioriaparece ser“queo lmepoderia seruma farsa,mas, seo fosse,seriaumafarsaincrivelmenteengenhosa”.Masessaexplicaçãopoderiaserusadaparadescartarquasequequalquerespéciedeprovacientí cajáapresentada.Tudoqueseprecisafazeréexporumembusteirosu cientementehabilidoso.Portanto,ahipótesedafarsasódeveriaseraplicadaquandohouvesseprovasconcretas,comonocasodePiltdown, por exemplo. Idealmente, deve-se ter a capacidade de desmascarar oembusteiro.Alémdomais,mesmoumcasodemonstradodeembustenãopodeserusadoparadescartarcategoriasinteirasdeprovassemelhantes.

Quanto às pegadas do Sasquatch, testemunhas independentes têm examinado eregistradocentenasdelase,destas,maisdecemforampreservadasemfotogra asemoldes. Contudo, segundoalegamoscríticos, todasessaspegadas foramforjadas.Nãorestadúvidasdequealgumasforamforjadas,eesseéumfatoqueatéosmaisleaisdefensoresdoSasquatchprontamenteadmitirão.Masseráquecadaumadelasérealmente uma farsa? Em 1973, JohnR.Napier, respeitado anatomista britânico,declarou que, se todas as impressões são farsas, “então devemos estar dispostos aaceitaraexistênciadeumaconspiraçãoderami caçõesma osascomrepresentaçãoempraticamentetodasasprincipaiscidades,deSanFranciscoaVancouver”.

Segundo declarou Napier, ele considerou “biologicamente convincentes” asimpressões que ele próprio estudou. Napier escreveu: “As provas por mimexaminadaspersuadiram-medequealgumasdaspegadassãoreais,equetêmformasemelhanteàhumana[...]EstouconvencidodequeoSasquatchexiste”.

GroverS.Krantz,antropólogodaUniversidadeEstadualdeWashington,aprincípiomanteve-secéticoquantoaos relatos sobreoSasquatch.A mdedeterminar se acriatura realmente existia ou não, Krantz estudou a fundo algumas pegadasencontradasem1970napartenordestedoEstadodeWashington.Aoreconstituiraestrutura esqueletal do pé da pegada, ele observou que o tornozelo estavaposicionado um poucomais para a frente do que num pé humano. Levando emconsideraçãoaalturaeopesoregistradosdeumSasquatchadulto,Krantz,combaseem seu conhecimento de antropologia física, calculou exatamente quanto para afrentetinhadeestarposicionadootornozelo.Voltandoàsimpressões,eledescobriuqueaposiçãodotornozelocorrespondiaexatamenteaosseuscálculosteóricos.“Foientão que concluí que a coisa era real”, disse Krantz. “Um embusteiro não teriacomosaberaquedistânciaposicionaraqueletornozelo.Sedemoreiumpardemesesparachegaràqueleresultadocomosmoldesquetinha,imaginequãomaisesperto

umembusteiroteriaquetersido”.

Krantz e John Green, perito em homens selvagens, escreveram longos relatóriossobre asprovasnorte-americanasdepegadas.Nogeral, aspegadas têmde36a46centímetrosdecomprimentoede13a23centímetrosdelargura,proporcionandouma superfície, grosso modo, três a quatro vezes maior que de um pé humanomédio.DaíonomepopularBigfoot(pezão).SegundocalculouKrantz,parafazertípicas impressões de Sasquatch seria necessário umpeso total de pelomenos 315quilos.Dessemodo,umhomemde90quilosteriadeestarcarregandopelomenos225quilosparafazerumaboaimpressão.

Masissoéapenasocomeço.Existemregistrosdesériesdeimpressõesestendendo-sede 750metros até diversos quilômetros, em regiões desertas e bem afastadas dasestradasmaispróximas.OcomprimentodapassadadeumSasquatchvariade1,2a1,8 metro (o comprimento da passada de um homem médio é de cerca de 90centímetros).Tentecaminhar2quilômetroscompelomenos225quilosnascostasedandopassadasde1,5metrodecomprimento.

“Chegarama sugerir”,declarouNapier, “que foi construídaumamáquinade fazerpegadas,uma espéciede selomecânico,porém,umaparato capazdeproduzirumimpactodeaproximadamente360quilospormeiometroquadradoequepossaseroperado por um homem por sobre terrenos irregulares e montanhosos esgota acredulidadedequalquerpessoa”.Algumasdassériesregistradasdepassadasestavamemneve fresca, capacitandoosobservadores a constatarquenenhumaoutramarcafoi feitapor alguma máquina emmovimentoparalelo aodaspegadas.Emcertoscasos,adistânciaentreosdedosdospésvariavadeumaimpressãoparaaseguinteemumsóconjuntodeimpressões.Issoquerdizerque,aforatodososdemaisproblemasqueumembusteiro tivessedeenfrentar, ele tambémteria tidode incorporarpeçasmóveisemseuspésartificiais.

Em 10 de junho de 1982, Paul Freeman, patrulheiro da Guarda FlorestalAmericana, seguindo a trilha de alces no distrito WalIa WalIa, do Estado deWashington,observouumbípedepeludocomcercade2,5metrosdealtura,paradoacercade60metrosdele.Após30segundos,ograndeanimal foiembora.Krantzestudoumoldesdaspegadasdacriaturaeencontrousulcosdérmicos,porosdesuoreoutrascaracterísticasnosdevidoslugaresparaospésdegrandesprimatas.Detalhadasimpressõescutâneasnasparedeslateraisdasimpressõesindicavamapresençadeumflexívelmúsculoamortecedornasoladopé.

Emfacedetantasetãoboasprovas,porquequasetodososantropólogosezoólogospermanecem silenciosos quanto ao Sasquatch?Krantz observou: “Eles tememporsuasreputaçõeseseusempregos”.Deformasemelhante,Napierobservou:“Umdos

problemas, talvezomaiorde todos,ao investigaroscasosdeSasquatch,éoardesuspeitacomquesãotratadasporvizinhosepatrõesaspessoasquealegamtervistoumSasquatch.Admitirsemelhanteexperiênciaé,emcertasáreas,arriscarareputaçãopessoal,ostatussocialeacredibilidadepro ssional”.Emespecial,elemencionou“ocasodeumcompetentíssimogeólogodeumaempresadepetróleoquecontousuahistória, mas insistiu para que seu nome não fosse publicado por medo de serdemitido”. A esse respeito, Roderick Sprague, antropólogo da Universidade deIdaho, disse sobre Krantz: “A disposição de Krantz de investigar abertamente odesconhecido custou-lhe o respeito de muitos colegas, bem como sua oportunapromoçãoacadêmica”.

AmaioriadosrelatóriossobreSasquatchprovêmdonoroestedosEstadosUnidosedeBritishColumbia.“Somosobrigadosaconcluir”,disseNapier,“queumaformade vida humanóide de proporções gigantescas vive no momento atual nas áreasselvagensdonoroestenorte-americanoedeUritishColumbia”.Existem, também,vários relatos das zonas orientais dos Estados Unidos e do Canadá. “O fato desemelhantecriaturaestarvivaemnossomeio,semserreconhecidanemclassi cada,éumgolpe profundona credibilidadeda antropologiamoderna”, concluiuNapier.Poder-se-ia,também,dizerqueéumgolpenacredibilidadedabiologia,dazoologiaedaciênciaemgeral.

AméricasCentraledoSul

Das orestastropicaisdosuldoMéxico,temosrelatosdesereschamadosSisimite.Wendell Skousen, um geólogo, disse que o povo de Cubulco, em Baja Verapaz,contava o seguinte: “Nas montanhas vivem homens selvagens muito grandes,completamentecobertosdepelepeluda,marrom,espessaecurta,sempescoço,comolhospequenos,braçoscompridosemãosenormes.Aspegadasdelessãoduasvezeso comprimento das de um homem”. Segundo contaram diversas pessoas, elashaviam sido perseguidas montanha abaixo pelo Sisimite. Skousen achou que acriaturapoderiaserumurso.Contudo,aoindagardosnativoscomtodocuidado,eleconcluiu que não era. Criaturas semelhantes são registradas naGuatemala, onde,dizem,elasraptammulheresecrianças.

Pessoas de Belize (antiga Honduras britânica) falam de criaturas semi-humanaschamadas Dwendis, que habitam as selvas na parte meridional do país. O nomeDwendi vemdo termo espanholDuende (como emportuguês). IvanSanderson,que realizoupesquisasemBelize, escreveuem1961:“Dúziasdepessoascontaram-metê-Iasvisto, eessaspessoaseram,nasuamaioria,homens idôneosquehaviamtrabalhado para organizações conhecidas como o Departamento de AdministraçãoFlorestalequetinham,emdiversoscasos,formaçãoacadêmicaoutreinamentona

EuropaounosEstadosUnidos.Umdeles,umadministrador orestaljúniornascidona região, descreveu com muitos detalhes duas dessas pequenas criaturas que elehavia reparado de repente olhando tranqüilamente para ele em diversas ocasiões àbeirada reserva orestal, pertodopédasmontanhasMaya [...]Essas criaturinhasforamdescritascomotendoentre1metroe1,35metro,medidasbemproporcionaismasombrosmuitopesadosebraçosumtantocompridos,cobertasdeespesso,rentee fartopêlomarrom,parecidocomodeumcãodepêlocurto; tinhambochechasamareladasbemquadradas,mas ocabelodacabeçanãoeramais compridoqueopêlodocorpo,excetoodapartetraseiradopescoçoeodametadedascostas”.OsDwendis parecem representar uma espécie diferente da do grande Sasquatch donoroestepacíficonorte-americano.

DaregiãodasGuianasdaAméricadoSulvêmrelatosdehomensselvagenschamadosDidis. Antigos exploradores ouviram relatos sobre eles da parte dos índios, quediziamteremelescercade1,5metrodealtura,alémdecaminharemeretoseseremcobertosporespessopêlonegro.

Em1931,NellocBeccari, antropólogoda Itália,ouviuumrelato sobreoDididaparte do sr. Haines, o magistrado residente na Guiana britânica. Heuvelmansapresentou o seguinte resumo do que Haines relatou a Beccari: “Em 1910, eleatravessava a oresta ao longo do Konawaruk, um a uente que deságua noEssequibologoacimadoencontrodestecomoPotaro,quandoderepentedeparoucomduascriaturasestranhas,queselevantaramsobreseuspéstraseirosaoavistarem-no.Elastinhamcaracterísticashumanas,masestavaminteiramentecobertasdepêlomarrom-avermelhado[...]Asduascriaturasseafastaramlentamenteedesapareceramflorestaadentro”.

Após fazer muitos relatos semelhantes em seu livro sobre os homens selvagens,Sanderson a rmou: “O fato ímpar e mais signi cativo sobre esses relatórios daGuiana é que, nem uma só vez, alguma pessoa da região - ou alguma pessoarelatando o que diz uma pessoa da região - indicou que essas criaturas são apenas‘macacos’.Emtodososcasos,foiespeci cadoqueelasnãotêmcauda,andameretasetêmatributoshumanos”.

DasencostasorientaisdosAndes,noEquador,vêmrelatosdoShiru,umapequenacriaturadotipohominídeocomocorpopeludo,comcercade1,2a1,5metrodealtura. No Brasil, o povo fala do grande e simiesco Mapinguary, que deixagigantescaspegadashumanóidesporondepassae,segundodizem,mataogado.

Yeti:homensselvagensdoHimalaia

Escritosdeo ciaisbritânicos,queresidiramnaregiãodoHimalaiadosubcontinente

indianoduranteoséculoXIX,contêmreferênciasesporádicasàsvisõesepegadasdehomensselvagenschamadosYeti.OsYetiforammencionadospelaprimeiravezporB.H.Hodgsonque,de1820a1843,serviucomoresidentebritâniconacortedoNepal. Conforme relato deHodgson, durante uma viagem pelo norte doNepal,seus carregadores caram amedrontados ao avistarem uma criatura humanóide,peludaesemcauda.

Muitoshãode sugerir, aoouviremumrelatodesse tipo (e centenasde tais relatostêm sido registrados desde a época de Hodgson), que os nativos do NepalconfundiramumanimalcomumcomumYeti.Oscandidatosmaiscomunsparaaconfusãodeidentidadesãoosursoseomacacolangur,oumacacodaÍndia.MasédifícilimaginarqueresidentesdoHimalaia,intimamentefamiliarizadoscomavidaselvagem, tivessemcometido semelhanteserros.SegundoobservouMyraShackley,podem-se encontrar os Yeti em pinturas religiosas do Nepal e do Tibete queretratamhierarquiasdeseresvivos.“Nessaspinturas”,disseShackley,“ursos,símioselangures são retratados distintamente do homem selvagem, sugerindo não haverconfusão(pelomenosnasmentesdosartistas)entreessasformas”.

Duranteo séculoXIX,pelomenosumeuropeurelatou tervistopessoalmenteumanimal capturado que parecia um Yeti. Um homem sul-africano contou àantropólogaMyraShackley:“Muitosanosatrás,naÍndia,amãedeminhafalecidaesposa contou-me que amãe dela havia de fato visto o que poderia ter sido umadessascriaturasem Mussorie,noscontrafortesdoHimalaia.Aquele semi-humanocaminhava ereto, mas era obviamente mais animal do que humano, com pêlocobrindotodooseucorpo.Segundoconstava,haviasidocapturadonasneves[...]seuscaptoresomantinhamalgemado”.

DuranteoséculoXX,europeuscontinuavamvendohomensselvagensesuaspegadas,e essas visões aumentaram durante as expedições que escalavam as montanhas doHimalaia.

Em novembro de 1951, Eric Shipton, enquanto fazia reconhecimento dasabordagens ao Monte Everest, encontrou pegadas no glaciar Menlung, perto dafronteiraentreoTibeteeoNepal,numaelevaçãode5.400metros.Shiptonseguiuatrilhapor2quilômetros.Umafotogra aemdosedeumadasimpressõesmostra-seconvincenteparamuitaspessoas.Aspegadaserambemgrandes.JohnR.Napierconsiderouerejeitouapossibilidadedequeotamanhoea formaemparticulardamelhorpegadadeShiptonpudessemtersidocausadospeloderretimentodogelo.A nal, Napier sugeriu que a pegada de Shipton era o resultado de pés humanossobrepostos, um calçado e o outro descalço. Em geral, Napier, que estavainteiramente convencido da existência do Sasquatch norte-americano, mantinha-se

bastantecéticoemrelaçãoasprovasdaexistênciadoYeti.Porém,conformeveremosmais adiante,novasprovas viriama fazer comqueNapier cassemais inclinado aaceitaroshomensselvagensdoHimalaia.

Durante suasexpediçõesàsmontanhasdoHimalaianosanosde1950e1960,SirEdmundHillary deu atenção às provas emprol dosYeti, incluindo as pegadas naneve.Segundoconcluiuele,emtodososcasos,aspegadasgrandesatribuídasaoYetihaviam sido produzidas pela fusão de pegadasmenores de animais conhecidos. Aisso Napier, ele próprio um cético, replicou: “Ninguém que tivesse algumaexperiência confundiria uma pegada derretida com uma fresca. Nem todas asimpressões vistas no decorrer dos anos por observadores respeitáveis podem serdescartadascomexplicaçõesdessetipo;devehaveroutrasexplicaçõesparaaspegadas,incluindo, é claro, a possibilidade de que tenham sido feitas por um animaldesconhecidoparaaciência”.

Afora os ocidentais, informantes nativos também deram uma relação contínua derelatossobreoYeti.Em1958,porexemplo,aldeõestibetanosdearbaleh,pertodoglaciarRongbuk,depararamcomumYetiafogado,disseMyraShackleyemseulivro sobre homens selvagens. Os aldeões descreveram a criatura como sendo umhomempequenocomacabeçapontudaecobertocompêlomarrom-avermelhado.

Alguns mosteiros budistas alegam ter restos físicos do Yeti. Uma categoria desemelhantes relíquias são couros cabeludos dos Yeti, mas aqueles estudados peloscientistas ocidentais são tidos como tendo sido feitos das peles de animaisconhecidos.Em1960,SirEdmundHillaryorganizouumaexpediçãopararecolhereavaliarprovasemproldoYetieenviouumcourocabeludodeYetidomosteirodeKhumjungparaoOcidente,parasertestado.Osresultadosindicaramqueocourocabeludo havia sido fabricado a partir da pele do nemorredo, uma espécie deantílopedoHimalaia.Houve,porém,quemdiscordassedessa análise.ComodisseShackley,eles“chamaramaatençãoparaofatodequeospêlosdocourocabeludoparecemnitidamentesimiescos,contendoácarosparasíticosdeumaespéciediferentedarecolhidadonemorredo”.

Nadécadade1950,exploradorespatrocinadospeloexecutivonorteamericanoTomSlick obtiveram amostras da mão de um Yeti mumi cado, conservada emPangboche, Tibete. Embora os testes de laboratório não fossem conclusivos,Shackleydissequeamão“temcertascaracterísticascuriosamenteantropóides”.

Em maio de 1957, o Kathmandu Commoner publicou uma história sobre umacabeça de Yeti que havia sido conservada durante 25 anos na aldeia de Chilunka,cercade95quilômetrosanordestedeKatmandu,Nepal.

Em março de 1986, Anthony B. Wooldridge fazia uma corrida solitária pdoHimalaia, no extremo norte da Índia, em nome de uma pequena organização dedesenvolvimento do terceiro mundo. Prosseguindo ao longo de um des ladeirocobertopelaneve,pertodeHemkund,elereparouempegadasfrescasetiroufotosdelas,incluindoumclosedeumaimpressãosolitáriasemeIhanteàfotografadaporEricShiptonem1951.

Aseguir,Wooldridgechegouaolocaldeumaavalancherecenteeviuumsulcoraso,aparentementecausadoporumobjetograndequeteriadeslizadopelaneve.No mdo sulco ele viumais pegadas, que levavam a um arbusto distante, atrás do qualencontrava-se“umagrandeformaeretacomtalvez2metrosdealtura”.

Wooldridge,dando-secontadequepoderiaserumYeti,aproximou-seatécercade150 metros e tirou fotos. “Estava em pé com as pernas separadas”, a rmou ele,“aparentemente olhandopara odes ladeiro, com seuombrodireito voltadoparamim.Acabeçaeragrandeeatarracada,eocorpo inteiropareciaestarcobertocompêloescuro”. NaopiniãodeWooldridge,acriaturanãoerade formaalgumaummacaco,umursoouumserhumanocomum.

Wooldridgeobservoua criaturadurante45minutos,mas tevedepartirquandootempopiorou.No caminhode volta à sua base, ele tiroumais fotos das pegadas,porém,àquelaaltura,elasjátinhamficadodistorcidaspeloderretimento.

Ao regressar à Inglaterra,Wooldridgemostrou suas provas fotográ cas a cientistasinteressados na questão do homem selvagem, incluindo John Napier. A umadistânciade150metros,acriaturapareciabempequenano lmede35mm,masasampliações mostraram realmente algo de humanóide. Descrevendo as reaçõesdaqueles que viram suas fotos, Wooldridge a rmou: “John Napier, umprimatólogoeautordolivroBigfoot‘eYetiandSasquatchinmythandreality,de1973,reverteuaposiçãocéticaqueexpressaraemoutraocasião,eagorasedizumdevoto do Yeti. Myra ShackIey, arqueóloga e autora do livro Wildmen: Yeti,Sasquatchand theNeanderthal enigma, de1983, viu todaa seqüênciade fotos eacredita que a experiência coincide bastante com outros relatos de visões de Yeti.LordeHunt,líderdaexitosaExpediçãoaoMonteEverestde1953,queviupegadasdeYetiemduasocasiões,estáigualmenteconvencido’”.

OAlmasdaÁsiaCentral

OSasquatch e oYeti, pelas descrições disponíveis, são grandes emuito simiescos.Mas existe outro homem selvagem, o Almas, que parecemenor emais humano.RelatosligadosaoAlmasconcentram-senumaáreaqueseestendedesdeaMongólia,aonorte,passandoaosulporPamirs,paraemseguidarumarparaooeste,naregião

doCáucaso.RelatossemelhantesvêmdaSibériaedepartesdoextremonordestedaRepúblicaRussa.

NoiníciodoséculoXV,HansSchiltenbergerfoicapturadopelosturcoseenviadoàcorte deTamerIane, que o colocou no séquito de um príncipemongol chamadoEgidi. Após regressar à Europa, em 1427, Schiltenberger escreveu sobre suasexperiências, que incluíam homens selvagens: “Nas próprias montanhas vivempessoasselvagensquenadatêmemcomumcomoutrossereshumanos.Umapeledeanimalcobretodoocorpodessascriaturas.Apenasasmãoseorostoestãolivresde pêlos. Elas correm a esmo pelas colinas como animais e comem folhagem egrama e qualquer outra coisa que possam encontrar. O senhor do territóriopresenteou Egidi com um casal de silvícolas, um homem e uma mulher. Eleshaviamsidocapturadosnaselva”.

Encontra-se um desenho de umAlmas num compêndiomongol de remédios doséculo XIX, remédios estes obtidos de diversas plantas e animais. Myra ShackIeyobservou: “O livro contém milhares de ilustrações de diversas classes de animais(répteis,mamíferos e anfíbios),mas nemum só animalmitológico como aquelesconhecidosapartirdelivrosmedievaiseuropeus.Todasessascriaturasaindavivemepodem ser observadas hoje. Não parece haver razão nenhuma para sugerir que oAlmas também não tivesse existido, e as ilustrações parecem sugerir que ele foiencontradoentrehábitatsrochosos,nasmontanhas”.

Em1937,DordjiMeiren,membrodaAcademiaMongólicadeCiências,viuapeledeumAlmasnummosteironodesertodeGobi.Os lamasausavamcomotapeteemalgunsdeseusrituais.

Em 1963, Ivan Ivlov, pediatra russo, viajava pelas montanhas Altai, na regiãomeridional da Mongólia. Ivlov viu diversas criaturas humanóides paradas numdes ladeiro demontanha.Pareciamserumnúcleo familiar, compostodemacho,fêmeaecriança.Ivlovobservouascriaturascomseusbinóculosaumadistânciade1quilômetro, atéqueelas saíramde seucampodevisão.Seumotoristamongólicotambémasviuedissequeelaseramcomunsnaquelaárea.

Após seu encontro com a família de Almas, Ivlov entrevistou muitas criançasmongólicas, acreditando que elas seriammais cândidas que os adultos.As criançasproporcionarammuitosrelatosadicionaissobreoAlmas.Umadelas,porexemplo,contouaIvlovque,enquantoelaeoutrascriançasnadavamemumriacho,elaviuumAlmasmachoatravessaroriachocarregandoumacriançaAlmas.

Em1980,umtrabalhadordeumaestaçãoagrícolaexperimental,administradapelaAcademiaMongólicadeCiências emBulgan, encontrouocadáverdeumhomem

selvagem: “Eu me aproximei e vi o cadáver peludo de uma robusta criaturahumanóide,secoesemi-enterradopelaareia[...]Acoisamortanãoeraumursoouummacacoe,aomesmotempo,nãoeraumhomemcomoosãoosmongóis,ouoskazakhs,ouoschineses,ouosrussos”.

As montanhas de Pamir, situadas numa região remota onde as fronteiras doTajiquistão, da China, de Kashmir e do Afeganistão se encontram, têm sido ocenáriodemuitasvisõesdeAlmas.Em1925,MikhailStephanovitchTopilski,umgeneraldedivisãodo exército soviético, conduziu seubatalhãonumataque contraumaforçadeguerrilheirosanti-soviéticosescondidanumacavernanasPamirs.Umdosguerrilheiros sobreviventesdisseque, enquantoestiveramnacaverna, ele e seuscompanheirosforamatacadospordiversascriaturassimiescas.Topilskiordenouquerevistassemointeriordacaverna,eocorpodeumadessascriaturasfoiencontrado.Topilski relatou: “À primeiravista, acheique se tratavadocorpodeummacaco.Estava todo coberto de pêlo.Mas eu sabia que não existiammacacos nas Pamirs.Alémdisso,oprópriocorpopareciamuitíssimocomodeumhomem.Tentamospuxarocabelo,paraver se era algumaespéciededisfarce,masconstatamosque setratavadoprópriocabelonaturaldacriatura.Viramosocorpováriasvezesemtodasasposiçõeseomedimos.Nossomédicofezumexameprolongadoecompletodocorpo,eficouclaroquenãoeraumserhumano”.

“Ocorpo”,prosseguiaTopilski,“pertenciaaumacriaturamasculinade1,65a1,70metrode altura, jáde certa idade, a julgarpelospêlos esbranquiçados emdiversaspartes [...]A cordo rosto era escura, e a criaturanão tinhabarbanembigode.Astêmporaseramcalvaseapartedetrásdacabeçaestavacobertadecabeloespessoeemaranhado.Acriaturamorta jaziacomosolhosabertoseosdentesexpostos.Osolhos eram negros e os dentes, grandes, nivelados e com o formato de denteshumanos. A testa era oblíqua e as sobrancelhas, muito poderosas. Os maxilaressalientesfaziamorostoparecercomotipomongólico.Onarizerachato,comumcavaleteprofundamentependido.Asorelhasnãotinhampêlosepareciamumpoucomaispontudasqueasdeumserhumano,etinhamlóbulosmaislongos.Omaxilarinferior era bemmaciço, A criatura tinhaumpeitomuito forte emúsculos bemdesenvolvidos”.

Em1957,AlexanderB.Pronin,hidrólogodoInstitutodePesquisasGeográ casdaUniversidade de Leningrado, participou de uma expedição às Pamirs, com opropósito demapear os glaciares.Em2de agostode1957, enquanto sua equipeinvestigavaoglaciarFedchenko,Pronin caminhouparao valedo rioBalyandkiik.Shackley a rmou: “Ao meio-dia, ele reparou em uma gura parada sobre umpenhasco rochoso cerca de 500 metros acima dele. Sua primeira reação foi de

surpresa,umavezqueaquelaáreaeratidacomodesabitada;suasegundareaçãofoiqueacriaturanãoerahumana.Pareciahomem,maseramuitocurvada.Eleobservouacriaturaatarracadamovendo-se pelaneve,mantendoseuspésbemseparadosumdo outro, e notou que seus antebraços eram bemmais compridos que os de umhumano, e que seu corpo estava coberto por um pêlo cinzento-avermelhado”.Pronin viu a criatura outra vez três diasmais tarde, caminhando ereta.Desde esseincidente,temhavidováriasvisõesdehomemselvagemnasPamirs,emembrosdediversasexpediçõestêmfotografadoetiradomoldesdepegadas.

Estudaremos, agora, relatos sobre o Almas da região do Cáucaso. Segundo otestemunhodealdeõesdeTkhina,norioMokvi,umAlmasfêmeafoialicapturadodurante o séculoXIX,nas selvasnoMonteZaadan.Por trêsanosela foimantidaaprisionada,mas depois foi domesticada e passou a viver numa casa. Chamava-seZana.Shackley a rmou:“Suapeleeradecornegra-acinzentada,cobertacompêloavermelhado,maiscompridosobreacabeçadoqueemoutraspartes.Elaeracapazdearticularsonsguturais,masnuncadesenvolveuumalinguagem.Tinhaumrostolargo com grandes ossos malares, maxilar prógnato parecido com um focinho egrandes sobrancelhas, grandes dentes brancos e uma ‘expressão feroz”’.Eventualmente,Zana,atravésderelaçõessexuaiscomumaldeão,teve lhos.AlgunsdosnetosdeZana foramvistosporBoris Porshnev em1964.Em seu relatodasinvestigaçõesdePorshnev,Shackleyobservou:“Osnetos,ChalikouaeTaia,tinhampele escurecida, de aparência um tanto negróide, com músculos de mastigaçãomuitoproeminentesemaxilaressuperfortes”.Porshnevtambémentrevistoualdeõesque,quandocrianças,estiverampresentesnofuneraldeZananadécadade1880.

Na regiãodoCáucaso,oAlmas é às vezes chamadoBiaban-guli.Em1899,K.A.Satunin, zoólogorusso, localizouuma fêmeadeBiaban-gulinascolinasTalyshdoCáucaso meridional. Conforme a rmou ele, a criatura tinha “movimentosinteiramentehumanos”.O fatodeSatunin ter sidoumzoólogo famoso torna seurelatoparticularmentesignificativo.

Em 1941, V. S. Karapetyan, tenente-coronel do serviço médico do exécitotosoviético, realizouumexamefísicodiretodeumhomemselvagemvivocapturadona república autônomadoDaguestão, bem aonorte dasmontanhas doCáucaso.Karapetyandisse:Entreinumestábulocomdoismembrosdasautoridadeslocais[...]Aindapossoveracriaturadepénaminhafrente,ummacho,nuedescalço.Eera,semdúvidaalguma,umhomem,porquetodaasuaformaerahumana.Opeito,ascostas e os ombros, contudo, estavam cobertos com pêlo desgrenhado de cormarrom-escura.Esse pêlo dele pareciamuito comode umurso e tinha de 2 a 3centímetros de comprimento. Era mais no emaismacio abaixo do peito. Seus

punhoseramtoscoseesparsamentecobertoscompêlos.Aspalmasdesuasmãoseassolasdeseuspésnãotinhampêlos.Masocabelodacabeçachegavaatéosombros,alémde cobrir-lhe parcialmente a testa.Alémdisso, o cabelo da cabeça eramuitoásperoaotato.Elenãotinhabarbanembigode,apesardeseurostoserinteiramentecobertoporumlevebuço.Opêloaoredordabocaeratambémcurtoeesparso.Ohomemmantinha-seabsolutamente eretocomosbraçospendentes, e tinhaalturaacimadamédia-cercade1,80metro.Aliestavaelediantedemimcomosefosseumgigante,comseupeitoforteempinadoparaafrente.Tinhadedosgrossos,fortese excepcionalmente grandes. No todo, era consideravelmente maior que qualquerumdoshabitantesdaregião.Seusolhosnãomediziamnada.Eramopacosevazios-osolhosdeumanimal.Eparamimelepareciaumanimal,nadamaisqueisso.Sãorelatórios como esse que levaram cientistas como a antropóloga britânica MyraShackley a concluir que o Almas pode ser um representante de neandertaissobreviventesou talvezmesmodoHomoerectus.Queaconteceu comohomemselvagem do Daguestão? Segundo relatos publicados, ele foi fuzilado por seuscaptores, os militares soviéticos, enquanto estes batiam em retirada antes daocupaçãodoexércitoalemão.

HomensselvagensdaChina

“Documentos históricos chineses, e muitos anais de cidades e povoados, contêmregistros abundantes do homem selvagem, a quem se atribui diversos nomes”,declaraZhouGuoxing,doMuseudeHistóriaNaturaldeBeijing.“Mesmohoje,naárea do condado de Fang, província de Hubei”, diz Zholl, “ainda existem lendassobre os ‘maoren’ (homens peludos) ou ‘homens selvagens”’. Em 1922, ummiliciano,segundodizem,teriacapturadoumhomemselvagemali,masnãohámaisregistrossobreesseincidente.

Em1940,WangZelin,umbachareldodepartamentodebiologiadaUniversidadedo Noroeste de Chicago, conseguiu ver pessoalmente um homem selvagem logoapós este ter sido morto por caçadores. Wang dirigia de Baoji, na província deShanxi,paraTianshui,naprovínciadeGansu,quandoouviutirosàfrentedele.Saiudocarro para satisfazer suacuriosidadeeviuumcadáver.Eraumacriatura fêmea,com 1,95 metro de altura e coberta por uma camada de espesso pêlo vermelho-acinzentado,comcercade3centímetrosdecomprimento.Opêlodeseurostoeramaiscurto.Osossosmalareseramsalientes,eoslábios,bempronunciados.Ocabelodacabeçatinhacercade30centímetrosdecomprimento.SegundoWang,acriaturapareciaumareconstituiçãodoHomoerectuschinês.

Dezanosmaistarde,outrocientista,FunJinquan,umgeólogo,viualgunshomensselvagens vivos. Zhou Guoxing a rmou: “Com o auxílio de guias locais, ele

observou, de uma distância segura, dois homens selvagens locais na oresta damontanhapertodocondadodeBaoji,provínciadeShanxi,naprimaverade1950.Erammãeefilho,estecom1,60metrodealtura.Ambospareciamhumanos”.

Em1957,umprofessordebiologiadaprovínciadeZhejiangobteveasmãoseospésde um “homem-urso”morto por camponeses locais.ZhouGuoxing examinou-osemocasiãoposterior.Apesardenãoacharquefossemdeumhomemselvagem,eleconcluiuque“pertenciamaumprimatadesconhecido”.

Em1961,operáriosqueconstruíamumaestradaemmeioàarborizadíssimaregiãodeXishuangBanna,daprovínciadeYunnan,noextremosuldaChina,relataramtermatadoumafêmeadeprimatahumanóide.Acriaturatinhaentre1,20e1,30metrodealturaeeracobertadepêlos.Caminhavaemposturaeretae,segundorelatosdetestemunhas oculares, suas mãos, orelhas e seios eram como os de uma fêmeahumana.AAcademiaChinesadeCiênciasenviouumaequipeparainvestigarocaso,maselesnãoconseguiramobternenhumaprovafísica.Segundoalgunssugeriram,osoperárioshaviamdeparadocomumgibão.MasZhouGuoxingdeclarou:“Oautordessaslinhasvisitourecentementeumrepórterqueparticipoudaquelainvestigação.Conformedeclarouele,oanimalquehaviasidomortonãoeraumgibão,masumanimaldesconhecidodeformahumana”.

Em 1976, seis funcionários da guarda orestal de Shennongjia, na província deHubei, dirigiam à noite por uma estrada próxima à aldeia deChunshuya, entre ocondadodeFangxianeShennongjia.Nocaminho,elesencontraramuma“estranhacriaturasemcaudaecompêloavermelhado”.Felizmente,manteve-separadatemposu cienteparacincodaspessoassaíremdocarroeolharemparaeladeumadistânciadeapenasunspoucosmetros,enquantoomotoristamantinhaosfaróisacesossobreela. Os observadores tiveram certeza de que não se tratava de um urso ou dequalquer outra criatura com a qual eles estivessem familiarizados. Eles relataramoincidentenumtelegramaenviadoàAcademiaChinesadeCiênciasemBeijing.

Comopassardosanos,osfuncionáriosdaAcademiatinhamrecebidomuitosrelatossemelhantesdamesmaregiãodaprovínciadeHubei.Logo,ao caremsabendodemais esse incidente, resolveram fazer uma investigação completa sobre o assunto.Uma expedição cientí ca, consistindo de mais de cem membros, encaminhou-separa a província deHubei. Eles recolheram provas físicas, sob a forma de pêlos,pegadas e fezes, e registraram os casos de habitantes locais que haviam visto ascriaturas. Pesquisas subseqüentes foram incorporadas a esses resultados. Ao todo,maisdemilpegadasforamencontradasnaprovínciadeHubei,algumascommaisde49 centímetros de comprimento.Mais de cempêlos de homem selvagem foramrecolhidos,omaiscompridodelesmedindo53centímetros.

Houve quem tentasse explicar as visões de homens selvagens na região deShennongjia, da província de Hubei, como sendo encontros com o raro macacodourado, que habita amesma área.Omacaco douradopoderiamuito bem estarincluído nos relatos de criaturas vistas de relance a uma grande distância. MasconsidereocasodePangGensheng,umlídercomunitáriolocalquefoiconfrontadonaflorestaporumhomemselvagem.

Pang,que coucaraacaracomacriaturaaumadistânciade1,5metrodurantecercadeumahora,disse:Eletinhaporvoltade2metrosdealtura,ombrosmaislargosqueosdeumhomem,umatestainclinada,olhosfundoseumnarizbulbosocomnarinas ligeiramente arrebitadas.Tinhabochechas fundas, orelhas como as de umhomemsóquemaiores,eolhosredondos,tambémmaioresqueosdeumhomem.Seu maxilar era saliente e seus lábios, bem carnudos. Seus dentes frontais eramamploscomoosdeumcavalo.Osolhoseramnegros.Ocabeloeracastanhoescuro,com mais de 30 centímetros de comprimento e solto sobre os ombros.Todo orosto, exceto o nariz e as orelhas, era coberto com pêlos curtos. Seus braçosestendiam-seatéabaixodosjoelhos.Tinhamãosgrandescomdedoscomcercade15centímetrosde comprimentoepolegaresapenas ligeiramenteseparadosdosdedos.Nãotinhacaudaeopêlodocorpoeracurto.Tinhacoxasgrossas,maiscurtasqueaparteinferiordesuaspernas.Andavaeretocomaspernasseparadas.Seuspéstinhamcercade31centímetrosdecomprimentoemetadedissodelargura-maislargosnafrenteeestreitosatrás,comdedosafunilados.

HomensselvagensdaMalásiaedaIndonésia

Em 1969, John McKinnon, que viajou a Bornéu para observar orangotangos,deparoucomalgumaspegadashumanóides.McKinnonperguntoua seubarqueiromalaiooqueas fazia. “Semhesitarum instante, ele replicou ‘Batutut’” , escreveuMcKinnon.Emoutraocasião,naMalásia,McKinnonviualgunsmoldesdepegadasaindamaioresqueaquelasqueviraemBornéu,maseleasreconheceucomotendosido feitaspelomesmotipodecriatura.OsmalaiosachamavamdeOrangpendek(ser pequeno). Segundo Ivan Sanderson, essas pegadas diferem das dos símiosantropóides que habitam as orestas indonésias (o gibão, o siamang e oorangotango).Tambémsãodistintasdaspegadasdourso-sol.

No início do século XX, L. C. Westenek, governador de Sumatra, recebeu umrelatório escrito sobre um encontro com um tipo de homem selvagem chamadoSedapa. O supervisor de uma quinta nas Montanhas Barisan, bem como algunstrabalhadores,observouoSedapadeumadistânciade15metros.Segundodisseosupervisor, ele viu “uma criatura grande, em posição ereta, que corria como umhomem,equeestavaprestesaatravessarmeucaminho;eramuitopeludaenãoera

umorangotango”.

Em um artigo de jornal sobre homens selvagens publicado em 1918, Westenekregistrouorelatodeumcertosr.Oostingh,queviviaemSumatra.

Certa feita, enquanto atravessava a oresta, deparou ele com um homem sentadosobre um tronco e olhando na direção oposta à dele. Oostingh a rmou: “Derepente, dei-me conta de que seu pescoço era estranhamente coriáceo e muitonojento.‘Aquelesujeitotemumpescoçomuitosujoeenrugado!’,disseeuparamimmesmo[...]Depois,viquenãoeraumhomem”.

“Não era um orangotango”, declarou Oostingh. “Eu já vira um desses macacosgrandes, pouco tempo antes.” Que era, então, a criatura se não se tratava de umorangotango?Oostinghnãopodiadizeraocerto.Comojávimos,háquemsugiraque os homens selvagens são os representantes sobreviventes dos Homens deNeandertaloudoHomoerectus.

Se há incerteza quanto a que tipos de hominídeos poderiam existir hoje, comopodemos estar tão certos a respeito dos tipos de hominídeos que teriam ou nãoexistido nopassadodistante?Talvez a investigação empíricado registro fóssilnãosejaumguiaseguro.ComoBernardHeuvelmansa rmounumacarta(15deabrilde1986) a nosso pesquisador Stephen Bernath: “Não superestime a importância doregistro fóssil. A fossilização é um fenômeno raríssimo e excepcional, e o registrofóssilnãopode,portanto,dar-nosumaimagemexatadavidanaTerraduranteosperíodos geológicos passados. O registro fóssil de primatas é particularmenteinsatisfatórioporqueanimaismuitointeligentesecautelosospodemevitarcommaisfacilidade aspróprias condiçõesde fossilização - enterrando em lamaou turfa,porexemplo”.

Semdúvida,ométodoempíricotemsuaslimitações,eoregistrofóssiléincompletoeimperfeito.Porém,depoisdetodasasprovas,incluindoasdospróprioshumanosantigosedosantropopitecosvivos, seremobjetivamenteavaliadas,opadrãoqueseobtéméodacoexistênciacontínua,enãoodaevoluçãoseqüencial.

África

Informantesnativosdediversospaísesdaparteocidentaldocontinenteafricano,taiscomoaCostadoMar m,têmfeitorelatosdeumaraçadecriaturasparecidascompigmeus e cobertas com pêlo avermelhado. Há também casos de europeus quetiveramencontroscomelas.

Da África oriental também temos relatos sobre homens selvagens, O capitãoWiIliamHitchensregistrouem1937:“Algunsanosatrás,fuienviadonumacaçadao cialaleõesnessaárea(as orestasUssureeSimibitnaparteocidentaldasplanícies

de Wembare) e, enquanto esperava por um animal carnívoro numa clareira daoresta,avisteiduaspequenascriaturasmarronsepeludassaíremda orestafechada

de um lado da clareira e desaparecerem nosmatagais do outro lado. Eram comohomenzinhos, comcercade1,2metrodealtura,andandoeretos,mascobertosdepêlocastanho-avermelhado.Ocaçadornativoquemefaziacompanhiaolhouparaacena nummisto de pavor e espanto. Eles eram, disse, Agogwe, os homenzinhospeludosquesósevêumaveznavida”.Acasoeramapenassímiosoumacacos?Nãoparece que Hitchens ou o caçador nativo que o acompanhava não teriam sidocapazes de reconhecer um símio ou um macaco. Muitos relatos sobre o AgogweprovêmdaTanzâniaedeMoçambique.

DaregiãodoCongo,temosrelatossobreoKakundakarieoKilomba.Comcercade1,8metrode altura e cobertosdepêlo,dizemque eles caminhameretos comooshumanos.CharlesCordier,colecionadorpro ssionaldeanimaisquetrabalhouparamuitosjardinszoológicosemuseus,seguiupegadasdoKakundakarinoZaireno mda década de 1950 e no começo da de 1960. Certa vez, disse Cordier, umKakundakari carapresoemumadesuasarmadilhasparaaves,“Elecaiudecaranosolo”,disseCordier,“virou-se,sentou-se,tirouolaçodeseuspésefoiemboraantesqueoafricanoalipertopudessefazeralgo”.

Também existem relatos sobre tais criaturas procedentes do sul da África. PascalTassy,doLaboratóriodePaleontologiaVertebrada eHumana, escreveu em1983:“Philip V. Tobias, hoje membro do Conselho de Diretores da SociedadeInternacional de Criptozoologia, contou certa vez a Heuvelmans que um de seuscolegascolocaraarmadilhasparacapturaraustralopitecinosvivos”.Tobias,oriundodaÁfricadoSul,éumareconhecidaautoridadeemAustralopithecus.

Segundoospontosdevistaconvencionais,osúltimosaustralopitecinospereceramháaproximadamente 750 mil anos, e o Homo erectus extinguiu-se por volta deduzentosmilanosatrás.OsHomensdeNeandertal,diz-se,desapareceramcercade35 mil anos atrás e, desde então, apenas humanos inteiramente modernos têmexistidonomundo inteiro.Todavia,muitasvisõesdediferentes tiposdehomensselvagens em diversas partes do mundo desa am fortemente o ponto de vistaconvencional.

Aciênciadeeliteeosrelatossobrehomensselvagens

Adespeitodetodasasprovasqueapresentamos,muitasautoridadesreconhecidasemantropologiaezoologianegam-seapesquisaraexistênciadoshomensselvagens.Sealguma vez chegam a mencioná-los, raramente apresentam as provas realmentesólidas da existência dessas criaturas, concentrandose, em vez disso, nos relatosmenosprováveisdedesafiaradescrençadeles.

Dizem os cientistas céticos que ninguém jamais encontrou ossos de homensselvagens; tampouco, dizem eles, teria alguém produzido um só corpo, vivo oumorto. Mas já foram recolhldos espécimes de mãos e pés de supostos homensselvagens,eatémesmoumacabeça.Pessoasidôneasrelatamteremexaminadocorposde homens selvagens. E há, também, uma série de relatos de captura.O fato denenhuma dessas provas físicas ter conseguido ingresso em museus e outrasinstituições cientí cas pode ser considerado uma falha no processo de recolher epreservarprovas.Aoperaçãoquecostumamoschamarde ltragemdeconhecimentotendeamanterforadoscircuitoso ciaisquaisquerprovasquetenhamumquêdedescrédito.

No entanto, alguns cientistas com reputações sólidas, tais como Krantz, Napier,Shackley, Porshneve outros, têm encontrado, nas provas disponíveis, motivosu ciente paraconcluirqueoshomens selvagensexistemde fatoou,pelomenos,queoproblemadaexistênciadelesédignodeestudosério.

Em4dedezembrode1984,MyraShackleyescreveuparanossopesquisadorSteveBemath: “Como você sabe, toda essa questão é bastante atual, e temhavido umaquantidade espantosa de correspondência e publicações girando nesse cenário.Emboraasopiniõesvariem,achoqueamaiscomumseriaqueexistemdefatoprovassu cientesparasugerirpelomenosapossibilidadedaexistênciadediversascriaturashumanóides não classi cadas,mas que, no atual estado de nosso conhecimento, éimpossível comentar sobre a importância delas de formamais pormenorizada. Aposição se complica ainda mais em função de falsas citações, fraudes e atividadesmarginaisdelunáticos;porém,umnúmerosurpreendentedeantropólogosdepesopareceserdaopiniãodequevalemuitoapenainvestigaroassunto”.

Portanto, existe algum reconhecimento cientí co das provas em prol do homemselvagem,masestepareceser,emtermosgerais,umassuntoligadoapontosdevistaexpressosemparticular,compoucoounenhumreconhecimentooficial.

12.SemprealgodenovovindodaÁfricaFazalgumtempoqueseatenuaramascontrovérsiasemtornodoHomemdeJavaedoHomemdeBeijing,issoparanãofalardoHomemdeCastenedoloedoseólitoseuropeus. Quantoaos cientistasdisputantes, amaioriadeles jaz emseus túmulos,comseusossosemplenoprocessodedesintegraçãooufossilização.Hoje,porém,aÁfrica, a terra doAustralopithecus e doHomohabilis, continua sendoum ativocampodebatalha,comcientistasescaramuçandoparaestabelecerseuspontosdevistasobreasorigenshumanas.

OEsqueletodeReck

Aprimeiradescobertaafricanasigni cativaocorreu logonocomeçodoséculoXX.Em1913,oprofessorHansReck,daUniversidadedeBerlim,realizouinvestigaçõesnodes ladeiroOlduvai;naTanzânia, entãoÁfricaOrientalAlemã.Enquantoumdos coletores africanos de Reck procurava fósseis, avistou um pedaço de ossoprojetando-sedaterra.Apósremoverocascalhosuper cial,ocoletorviupartesdeumesqueletointeiramentehumanoecompletoincrustadasnarocha.ChamouReck,queemseguidaprovidenciouparaquetirassemoesqueletodeumsólidoblocodesedimento rígido. Os restos esqueletais humanos, incluindo um crânio completo(Figura 12.1), tiveram de ser separados da rocha com martelos e talhadeiras. OesqueletofoientãotransportadoparaBerlim.

Reck identi cou uma seqüência de cinco lençóis no des ladeiro Olduvai. Oesqueleto era da parte superior do Estrato II, que hoje se considera tenha 1,15

milhãodeanosdeidade.NosítiodeReck,ascamadassobrejacentes(EstratosIII,IVeV)haviamsidodesgastadaspelaerosão.MasoEstratoIIaindaestavacobertopelo cascalho do vermelho e brilhante Estrato III e do Estrato V (Figura 12.2).Talvez,aapenascinqüentaanos,osítiotivesseestadocobertopelosEstratosIIIeV,incluindo uma dura camada de calcreto parecida com calcário. O Estrato IV foiaparentementeeliminadopelaerosãoantesdasedimentaçãodoEstratoV.

Compreendendo a importância de sua descoberta, Reck estudou com bastantecuidadoapossibilidadedeoesqueletohumanoterchegadoaoEstratoIIpormeiodeumsepultamento.Reckobservou:“Aparededocascalhoteriaumlimiteclaro,umabordaquemostrasse,emper l,umadivisãoemrelaçãoàpedraintocada.Acamadade cascalho mostraria uma estrutura anormal e uma mistura heterogênea demateriaisescavados,incluindopedaçosdecalcretofacilmentereconhecíveis.Nenhumdesses dois sinais seria encontrado, a despeito da mais atenta inspeção. Pelocontrário,nãosepodiadistinguirapedradiretamenteaoredordoesqueletodapedracircunjacenteemtermosdecor,rigidez,espessuradascamadas,estruturaouordem”.

Louis Leakey examinou o esqueleto de Reck em Berlim, porém, julgou-o maisrecente do que alegara Reck. Em 1931, Leakey e Reck visitaram o sítio onde o

esqueletohaviasidoencontrado.LeakeycedeuaopontodevistadeReckdequeoesqueletohumanoanatomicamentemodernotinhaamesmaidadequeoEstratoII.

Emfevereirode1932,oszoólogosC.ForsterCooper,deCambridge,eD.M.S.Watson, da Universidade de Londres, disseram que a inteireza do esqueletoencontrado por Reck indicava, sem dúvida alguma, que se tratava de umsepultamentorecente.

LeakeyconcordoucomaopiniãodeCoopereWatsondequeoesqueletodeReckchegaraàposiçãoemqueforaencontradonoEstratoIIpormeiodesepultamento,masachouqueosepultamentosederaduranteaépocadoEstratoII.

EmumacartaàNature,Leakeyargumentouque,hánãomaisdecinqüentaanos,apartesuperioramarelo-avermelhadadoEstratoIIteriasidocobertaporumacamadaintactadovermelhoebrilhanteEstratoIII.Seoesqueletotivessesidoenterradoapósa sedimentação do Estrato II, deveria ter ocorrido uma mistura dos sedimentosvermelho brilhante e amarelo-avermelhado na composição do cascalho. “Eu tive asortedeexaminarcommeusprópriosolhosoesqueletoemMunique,enquantoeleainda estava intacto em sua matriz original”, escreveu Leakey, “e não conseguidetectarvestígionenhumdesemelhantemisturaouperturbação”.

CoopereWatsonaindanãosehaviamdadoporsatisfeitos.Emjunhode1932,elesdisseram,numacartaàNature,queosseixosvermelhosdoEstratoIIIpoderiamterperdido sua cor. Isso explicaria o motivo pelo qual Reck e Leakey não viram osseixos doEstrato III namatriz ao redor do esqueleto.A.T.Hopwood, contudo,discordoudaidéiadequeosseixosdoEstratoIIItivessemperdidosuacorvermelhabrilhante. Segundo salientou, o topo do Estrato II, no qual fora encontrado oesqueleto, também era avermelhado. E a rmou: “A cor avermelhada damatriz écontráriaàteoriadequequaisquerinclusõesdoEstratoIIIteriamsedescolorido”.

AdespeitodosataquesverbaisdeCoopereWatson,ReckeLeakeypareciamestartambémdesferindoosseus.Masemagostode1932,P.G.H.Boswell,geólogodoImperial College da Inglaterra, fez um relatório desconcertante nas páginas daNature.

DeMunique, o professorT.Mollison enviara paraBoswell uma amostra do queMollisondisseseramatrizquecircundavaoesqueletodeReck.Mollison,diga-sedepassagem,nãoerade todoneutroemrelaçãoaoassunto. Jáem1929,expressaraacrença de que o esqueleto pertencia a umhomemde triboMasai, enterradonumpassadonãomuitodistante.

Conforme declarou Boswell, a amostra fornecida por Mollison continha: “Seixosvermelhosbrilhantesdotamanhodeumaervilha,comoosdoEstratoIII,elascasde

calcário solidi cado indistinguíveis do calcário doEstratoV”. Boswell interpretoutudo isso como signi cando que o esqueleto havia sido enterrado após asedimentação do Estrato V, que contém camadas rígidas de cal de estepe, oucalcreto.

Semdúvida,apresençadosseixosvermelhosbrilhantesdoEstratoIIIedaslascasdecalcário do Estrato V na amostra enviada por Mollison exige alguma explicação.Tanto Reck quanto Leakey examinaram cuidadosamente a matriz em diferentesmomentosduranteumperíododevinteanos.Elesnãorelataramnenhumamisturados materiais do Estrato III, ou lascas de calcreto parecido com calcário, muitoemboraestivessemprocurandoexatamenteessaprova.Portanto,éextraordinárioqueapresençadosseixosvermelhosedaslascasdecalcáriotivessesetornadoaparentedeuma hora para outra. Isso faz parecer que pelo menos um dos participantes dadescoberta e da polêmica subseqüente era culpado por uma observaçãoextremamentedescuidada-oudeumembuste.

O debate sobre a idade do esqueleto de Reck complicou-se mais ainda quandoLeakey trouxe novas amostras de solo de Olduvai. Boswell e J. D. Solomonestudaram-nas no Imperial College of Science and Technology. Relataram suasdescobertas na edição de 18 de março de 1933 da Nature, numa carta tambémassinadaporLeakey,ReckeHopwood.

Acartacontinhaestaintrigantíssimadeclaração:“AsamostrasdoEstratoII,colhidasrealmenteno‘sítiodohomem’,nomesmonívelenavizinhançaimediatadolocalondeoesqueletofoiencontrado,consistemempuroeinteiramentetípicomaterialdo Estrato II, diferindo de forma muito marcante das amostras da matriz doesqueleto que foram fornecidas pelo professorMollison deMunique”. Isso sugerequeaamostradematrizoriginalmentefornecidaporMollisonaBoswellpodenãotersidorepresentanteautênticadomaterialquecircundavaoesqueletodeReck.

Porém,ReckeLeakeyaparentementeconcluíram,apartirdasnovasobservações,quea amostra de matriz do esqueleto de Reck era, na verdade, alguma espécie deenchimento decascalho,diferentedomaterialpurodoEstratoII.Quantoaoquepodemosentender,elesnãoapresentaramnenhumaexplicaçãosatisfatóriasobresuaopinião anterior -dequeo esqueletohavia sido encontrado em inquestionáveis epurosmateriaisdoEstratoII.

Emvezdisso,tantoReckquantoLeakeyaliaram-seaBoswell,HopwoodeSolomonaoconcluírem“parecerbemprovávelqueoesqueletoera intrusivonoEstratoIIequeadatadaintrusãonãomaisrecentequeagrandediscordânciaestratigrá caqueseparaoEstratoVdassériesinferiores”.

Permanece um tanto misterioso o motivo pelo qual tanto Reck quanto Leakeymudaram de opinião quanto a uma data do Estrato II para o esqueleto de Reck.Talvez Reck estivesse simplesmente cansado de travar uma antiga batalha contradisparidadesquepareciamcadavezmaisesmagadoras.ComadescobertadoHomemdeBeijingede espécimesadicionaisdoHomemdeJava,acomunidadecientí cacara mais uniformemente comprometida com a idéia de que um antropopiteco

transicional era o único habitante certo do PleistocenoMédio.Um esqueleto deHomosapiensanatomicamentemodernonoEstratoIIdodes ladeiroOlduvainãofaziasentido,excetocomosendoumsepultamentobastanterecente.

Leakey, quase que sozinho, manteve-se muitíssimo contrário à idéia de que oHomem de Java (Pithecanthropus) e o Homem de Beijing (Sinanthropus) eramancestrais humanos. Além disso, ele zera descobertas adicionais no Quênia, emKanameKanjera.Osfósseisqueeleencontraraali,naopiniãodele,forneciamprovasinquestionáveis de que o Homo sapiens era do mesmo período que oPithecanthropuseoSinanthropus(eoesqueletodeReck).DemodoquetalvezeletivessedesistidodelutaremnomedocontrovertidíssimoesqueletodeReckafimdefortaleceroapoioàssuasprópriasdescobertasrecentesemKanameKanjera.

Háprovascircunstanciaisemapoioaessahipótese.AdeclaraçãodeLeakey,deixandodeladosuaposiçãoanteriorquantoàantiguidadedoesqueletodeReck,apareceunaNaturenomesmodiaemqueumcomitêsereuniuparajulgarasdes(‘olwrt.IMde-KanameKanJera.Algunsdosmaisdo.qíientes adversáriosdocsqudetodeReck,tais como Boswell, Solomol1, Cooper, Watson e Mollison, teriam participadodaquelecomitê.

ApesardeReckeLeakeyteremdesistidodesuaopiniãoanterior,dequeoesqueletodeReckeratãovelhoquantooEstratoII,aopiniãorevistadeles,dequeoesqueletoforaenterradonoEstratoIIduranteaépocadoEstratoV,aindaconfereumaidadepotencialmenteanômalaparaoesqueIetointeiramentehumano.AbasedoEstratoV temcercadequatrocentosmil anos, segundoestimativas atuais.Hoje, contudo,muitoscientistascrêemquehumanoscomonósaparecerampelaprimeiravezcercade cem mil anos atrás, conforme demonstram as descobertas de Border Cave naÁfricadoSul.

Ferramentas de pedra caracterizadas como “aurignacianas” foram encontradas nosníveis inferiores do Estrato V. A princípio, os arqueólogos utilizaram o termoaurignacianoparasereferiremaosartefatosde noacabamentodoHomemdeCro-Magnon (Homo sapiens sapiens) encontrado em Aurignac, França. Segundo aopinião convencional, ferramentas do tipo aurignaciano não apareceram antes detrinta mil anos atrás. As ferramentas emprestam apoio à idéia de que humanos

anatomicamente modernos, conforme representados pelo esqueleto de Reck,estiveram presentes nessa parte da África pelomenos quatrocentosmil anos atrás.Alternativamente, poder-se-ia atribuir as ferramentas ao Homo erectus. Mas issosigni caria reconhecer no Homo erectus habilidades de fabricação de ferramentassubstancialmentemaioresqueaquelasaceitasatualmentepeloscientistas.

Em1935,emseulivroeStaneAgeracesofKenya,LeakeyrepetiuseupontodevistadequeoesqueletodeReckhaviasidoenterradonoEstratoIIapartirdeumasuperfície de terra que existira durante a formaçãodoEstratoV. Sóque agora elefavoreciaumaépocamuitomaisrecentedaqueleperíodo.EleachavaqueoesqueletodeRecksepareciacomosesqueletosencontradosemGamble’sCave,umsítiocomcerca de dez mil anos. Contudo, do ponto de vista da geologia, tudo o que sepoderiaverdadeiramerttedizer(considerandoahipótesedosepultamentonoEstratoV)eraqueoesqueletopoderia terqualquer idadenumraiodequatrocentosmilatalvezunspoucosmilharesdeanos.

Maistarde,ReinerProtschtentouremediaressasituaçãodatandoopróprioesqueletodeReckusando,paratal,ométododeradiocarbono.Em1974,deregistrouumaidade de 16.920 anos.No entanto, existem diversos problemas em relação a essadeterminaçãodeidade.

Emprimeirolugar,não caclaroseaamostradeossorealmenteveiodoesqueletodeReck.Ocrânioeraconsideradovaliosodemaisparaserusadonumatestagem.Eo resto do esqueleto desaparecera de um museu de Munique durante a SegundaGuerraMundial.Odiretordomuseuforneceualgunspequenosfragmentosdeossoque, segundo disse Protsch, “muito provavelmente” faziam parte do esqueletooriginal.

Apartir desses fragmentos, protsch conseguiu formaruma amostra de apenas 224gramas, cerca deum terçodo tamanhonormal deuma amostra de teste.Emboraobtivesse uma idade de 16.920 anos para o osso humano, de obteve datasmuitíssimo diferentes a partir dos outros materiais do mesmo sítio, alguns maisvelhos,outrosmaisnovos.

MesmoqueaamostrarealmentepertencesseaoesqueletodeReck,poderiatersidocontaminada com carbono recente. Isso teria feito com que a amostra produzisseuma idade erroneamente recente. Em 1974, os restantes fragmentos ósseos doesqueleto de Reck, se é que de fato pertenciam ao esqueleto de Reck, já haviampassadomaisdesessentaanosnummuseu.Duranteessetempo,bactériaseoutrosmicroorganismos, todos contendo carbono recente, poderiam ter contaminado osfragmentos ósseos completamente. Os ossos também poderiam ter sidocontaminadoscomcarbonorecentequandoaindaestavamnosolo.Alémdisso,os

ossos haviam sido deixados de molho num preservativo orgânico (Sapon), quecontinhacarbonorecente.

Protschnãodescreveuquetratamentoquímicousouparaeliminarorecentecarbono14contribuídopeloSaponeoutroscontaminantes.Porissonãotemoscomosaberatéquepontofoieliminadaacontaminaçãoadvindadessasfontes.

Ométodo do radiocarbono só é aplicado ao colágeno, a proteína encontrada nosossos. Essa proteína precisa ser extraída do restante do osso por um processo depuri cação extremamente rigoroso. Depois, os cientistas determinam se osaminoácidos (os elementos constitutivos das proteínas) de uma amostracorrespondemaosencontradosnocolágeno.Senãocorresponderem,issosugerequeosaminoácidospodemterentradonoossodefora.Essesaminoácidos, tendoumaidade diferente da do osso, podem produzir uma data de radiocarbonoerroneamenterecente.

Idealmente, deve-se datar um aminoácido de cada vez. Se algumdos aminoácidosproduzir datas diferentes das de quaisquer outros, isto sugere que o osso estácontaminadoenãoéadequadoparaadataçãodocarbono14.

QuantoaostestesderadiocarbononoesqueletodeReckregistradosporProtsch,oslaboratóriosqueosrealizaramnãopoderiamterdatadoumaminoácidodecadavez.Paraissoénecessáriaurnatécnicadedatação(espectrometriadoaceleradordemassa)queaindanãoerausadanocomeçodadécadade1970.Tampoucopoderiamesseslaboratórios ter conhecimento das rígidas técnicas de puri cação de proteínaconsideradas necessárias atualmente. Podemos concluir, portanto, que a data deradiocarbono que Protsch deu para o esqueleto de Reck não é con ável e, emparticular,poderiamuitobemsererroneamenterecente.

Existemcasosdocumentadosdeossosdodes ladeiroOlduvaiqueapresentamdatasde radiocarbono erroneamente recentes. Por exemplo: um osso dos estratos doNdutu superior apresentou urna idade de 3.340 anos. Os estratos do Ndutusuperior,partedoEstratoV,têmde32a60milanos.Portanto,umadatade3.340anosseriarecentedemais,porumfatordepelomenosdez.

Emseurelatório,ProtschdisseoseguintesobreoesqueletodeReck:“Teoricamente,diversos fatosdepõemcontrauma idadeantigaparaohominídeo,dentreeles suamorfologia”. Isso sugere que a morfologia moderna do esqueleto era uma dasprincipais razões pelas quais Protsch duvidava que este fosse tão antigo quanto oEstratoIIoumesmoabasedoEstratoV.

AoanalisarmososcasosdaChina,introduzimosoconceitodeumaprovávelvariaçãode data corno sendo o mais razoável indicador de datas para descobertas

controvertidas.AsprovasdisponíveissugeremquedevemosatribuiraoesqueletodeReckurnaprovávelvariaçãodedataqueseestendedoPleistocenoSuperior(dezmilanos) até o m do Pleistoceno Inferior (1,15 milhão de anos). Existem muitasprovas que contam a favor da data original do Estrato II proposta por Reck. ÉespecialmenteforteaobservaçãodeReckdequeas nascamadasdosedimentodoEstratoIIdiretamenteaoredordoesqueletoestavamintactas.Outrofatoquedepõecontra a idéiado sepultamentomais recente é a rigidez rochosadoEstrato lI.OsrelatóriosquefavorecemurnadataligadaaoEstratoVparecemfundamentar-seemobjeçõespuramenteteóricas,testemunhodúbio,resultadosdetestesinconclusivoseraciocínio geológico altamente especulativo. Contudo, deixando de lado aquestionáveldataderadiocarbono, mesmoessesrelatóriosapresentamdatasdeatéquatrocentosmilanosparaoesqueletodeReck.

OsCrâniosdeKanjeraeomaxilardeKanam

Em1932,LouisLeakeyanuncioudescobertasemKanameKanjera,pertodolagoVitória, no oeste do Quênia. O maxilar de Kanam e os crânios de Kanjera,acreditavaele,forneciamboasprovasdapresençadoHomosapiensnoPleistocenoInferiorenoMédio.

QuandoLeakeyvisitouKanjera,em1932,nacompanhiadeDonaldMadnnes,elesencontraram machadinhas de pedra, um fêmur humano e fragmentos de cincocrânioshumanos,designadosKanjera1-5.OsleitosportadoresdefósseisdeKanjerasãoequivalentesaoEstratoIVdodes ladeiroOlduvai,que temdequatrocentosaoitocentos mil anos. Porém, a morfologia dos pedaços de crânio de Kanjera ébastantemoderna.

EmKanam,LeakeyencontrouinicialmentedentesdeMastodonteeumúnicodentedeDeinotherium (extintomamífero parecido com o elefante), bem como algunstoscosinstrumentosdepedra.Em29demarçode1932,JumaGitau,umcoletordeLeakey,trouxe-lheumsegundodentedeDeinotherium.LeakeydisseaGitauquecontinuasse escavando nomesmo local.Trabalhando a algunsmetros de Leakey,Gitauextraiuumblocodetravertino(umrígidosedimentodecarbonatodecálcio)eabriu-o com uma picareta. Ele viu um dente projetando-se de um pedaço dotravertino emostrou-o aMadnnes, que identi couodente corno sendohumano.MacInnesconvocouLeakey.

Após tiraremo travertinoque se encontrava ao redor dadescoberta deGitau, elesviramapartefrontaldeummaxilarinferiorhumanocomdoispré-molares.Leakeyachou que o maxilar da formação de Kanam do Pleistoceno Inferior era muitoparecidocomodoHomosapiens,eanunciousuadescobertanumacartaàNature.OsleitosdeKanamtêmpelomenosdoismilhõesdeanos.

ParaLeakey,osfósseisdeKanameKanjeramostravamqueexistiraumhominídeopróximodotipohumanomodernonaépocadoHomemdeJavaedoHomemdeBeijing,oumesmoantes.Seeleestavacorreto,oHomemdeJavaeoHomemdeBeijing (hojeHomoerectus)nãopoderiam ser ancestraishumanosdiretos,nemopoderiaseroHomemdePiltdowncomseumaxilarsimiesco.

Em março de 1933, o departamento de biologia humana do Real lnstitutoAntropológicoreuniu-separaanalisarasdescobertasdeLeakeyemKanameKanjera.PresididosporSirArthurSmithWoodward,28cientistasemitiramrelatóriossobrequatrocategoriasdeprovas:geológicas,paleontológicas,anatômicasearqueológicas.OcomitêdegeologiaconcluiuqueosfósseishumanosdeKanameKanjeraeramtãoantigosquantoosleitosemqueforamencontrados.Conformedisseocomitêdepaleontologia, os leitos deKanam eramdoPleistoceno Inferior, ao passo que osleitosdeKanjeranãoeramdeépocamaisrecentequeoPleistocenoMédio.Segundoobservouo comitê de arqueologia, tanto emKanamquanto emKanjera estavampresentesferramentasdepedranosmesmosleitosondehaviamencontradoosfósseishumanos. Os crânios de Kanjera, disse o comitê anatõmico, não apresentavam“característicasincompatíveiscomareferênciaaotipoHomosapiens”.OmesmoseaplicavaaofêmurdeKanjera. QuantoaomaxilardeKanam,segundodisseramosperitos em anatomia, ele era incomum sob certos aspectos. Todavia, eles não“conseguiramapontarnenhumdetalhedoespécimequesejaincompatívelcomsuainclusãonotipoRomasapiens”.

Pouco depois de a conferência de 1933 dar a Leakey seu voto de con ança, ogeólogoPercyBoswellpassouaquestionaraidadedosfósseisdeKanameKanjera.Leakey, que já tinha experiência dos ataques de Boswell em relação à idade doesqueleto de Reck, resolveu trazer Boswell à África, na esperança de com issoesclarecerasdúvidasdele.Masnemtudosaiucomoeleesperava.

Ao regressar à Inglaterra, Boswell submeteu àNature um relatório negativo sobreKanam e Kanjera: “Infelizmente, não foi possível encontrar o sítio exato dasdescobertas”. Boswellachouconfusasascondiçõesgeológicasnossítios.“Osleitosargilosos ali encontrados”, disse ele, “haviam sofrido freqüentes perturbações emvirtudedeafundamentosdeterreno”.Boswellconcluiuqueas“incertascondiçõesdadescoberta[...]obrigam-meacolocaroHomemdeKanameKanjeranuma‘listadeespera””.

RespondendoàsacusaçõesdeBoswell,LeakeydisseterconseguidomostraraBoswellaslocalidadesondeencontraraosfósseis.Leakeyescreveu:“EmKanjera,mostrei-lheolocalexatoondeestiveraotúmuloresidualdesedimentosqueproduziraocrânionúmero3deKanjera insitu[...]ofatodeeutermostradoosítioaodr.Boswell

ca provado por umpequeno fragmento de osso ali recolhido em1935 e que seencaixacomumdospedaçosde1932”.

QuantoàlocalizaçãodomaxilardeKanam,Leakeydisse:“Havíamosoriginalmentelevantadoonível transversaldos sulcos aoestedeKanam,usandoumnívelZeiss-Watts,epudemos,portanto,localizaraposiçãonumraiodepouquíssimosmetros-e,defato,ofizemos”.

Boswellsugeriuque,mesmoqueomaxilartivessesidoencontradonaformaçãodoPleistoceno Inferior em Kanam, de alguma forma ele ali entrara de cima - por“afundamento” dosestratosouatravésdeuma ssura.Aessa sugestão,mais tardeLeakey replicou: “Não posso aceitar uma interpretação para a qual não existemprovas.Oestadodepreservaçãodofóssilé,sobtodososaspectos,idênticoaosdosfósseis do Pleistoceno Inferior (inicial) encontrados com ele”. Segundo Leakey,Boswell lhe dissera que estaria inclinado a aceitar a autenticidade do maxilar deKanamseestenãotivesseumaestruturadequeixotãoparecidacomahumana.

Nãoobstante,ospontosdevistadeBoswellprevaleceram.Em1968,porém,PhilipV.Tobias,daÁfricadoSul,disse:“Temosdiante.denósumbomcasodeprimeiraimpressão para reabrirmos a questão de Kanjera”. E o caso Kanjera foi de fatoreaberto. SoniaCole, biógrafadeLeakey, escreveu: “Em setembrode1969,Louisparticipou deumaconferênciaemParispatrocinadapelaUNESCOsobreotemaorigens do Roma sapiens. [...] Os trezentos ou mais delegados unanimementeaceitaramqueoscrâniosdeKanjeraeramdoPleistocenoMédio”.

A respeito do maxilar de Kanam, disse Tobias: “Nada do que Boswell disserealmentepõs emdescréditoou sequer enfraqueceu a alegaçãodeLeakeydeque amandíbulapertenciaaoestratoemquestão”.

Os cientistas têm descrito o maxilar de Kanam, com sua moderna estrutura dequeixo,deváriasmaneiras.Em1932,umcomitêdeanatomistasinglesesproclamounãohavermotivoparaomaxilarnãoserconsideradodeHomosapiens.SirArthurKeith,preeminenteantropólogobritânico,tambémconsiderouomaxilardeKanampertencenteaumRomasapiens.Porém,nadécadade1940,Keithpassouaa rmarque omaxilar eramais provavelmente de um australopitecino. Em 1962, PhilipTobiasdissequeomaxilardeKanamassemelhava-se,emuito,aummaxilarde nsdo Pleistoceno Médio de Rabat, em Marrocos, e a maxilares do PleistocenoSuperior, tais como aqueles da Caverna das Lareiras, na África do Sul e deDire-Dawa, na Etiópia. Segundo Tobias, esses maxilares apresentam característicasneandertalóides.

Em1960,LouisLeakey,recuandodeseupontodevistaanterior,dequeomaxilar

de Kanam era do tipo sapiens, disse que ele representava uma fêmea deZinjanthropus. Leakey encontrara o Zinjanthropus em 1959, no des ladeiroOlduvai. Fez uma breve promoção dessa criatura simiesca, descrevendo-a como oprimeirofabricantedeferramentas,portanto,oprimeiroserrealmenteparecidocomohumano.Poucodepoisdisso,encontraramfósseisdeHomohabilisemOlduvai.Leakey rapidamente rebaixou o Zinjanthropus de seu status de fabricante deferramenta,situando-oentreosaustralopitecinosrobustos(Australopithecusboisel).

Noiníciodadécadade1970,Richard, lhodeLeakey,enquantotrabalhavanolagoTurkana,noQuênia,descobriumaxilares fósseisdeHomohabilis semelhantes aomaxilar de Kanam. Desde a descoberta dos maxilares de Homo habilis no lagoTurkanacomumafaunasemelhanteàdeKanam,oidosoLeakeymudoudeopiniãomaisumavez,sugerindoqueomaxilardeKanampoderiaseratribuídoaoHomohabilis.

O fatode, como transcorrer dos anos, os cientistas terem atribuídoomaxilar deKanam a quase todo hominídeo conhecido (Australopithecus, Australopithecusboisei, Homohabilis,HomemdeNeandertal,HomosapiensprimitivoeHomosapiensanatomicamentemoderno),essefatomostraasdi culdadesenfrentadasparaclassificaradequadamenteosrestosdefósseishominídeos.

TemsidobastanteaceitaasugestãodeTobiasdequeomaxilardeKanamoriginou-se de uma variedade de Homo sapiens primitivo, com característicasneandertalóides. Todavia, comosepodevernaFigura12.3,quemostraper sdamandíbuladeKanamedeoutrasmandíbulashominídeas,ocontornodaregiãodoqueixo(h)damandíbula deKanamésemelhanteaodoespécimedeBorderCave(f),reconhecidocomoHomosapienssapiens,bemcomoaodeummodernonativosul-africano (g).Todos os três compartilhamduas características-chave do queixohumano moderno: um arqueamento em direção ao topo e um inchaço na parteexternadabase.

Mas mesmo que aceitássemos o ponto de vista deTobias, de que o maxilar deKanam era neandertalóide, ainda assim não seria de esperar que descobríssemoshomensdeNeandertalnoPleistocenoInferior,maisde1,9milhãodeanosatrás.Oshominídeosneandertalóidespassaramaexistirnomáximoháquatrocentosmilanos,persistindo até cerca de trinta ou quarentamil anos atrás, segundo amaioria dosrelatos.

A mdedeterminaraidadedomaxilardeKanamedoscrâniosdeKanjera,K.P.Oakley,doMuseuBritânico,realizoutestesdeteordeflúor,nitrogênioeurânio.

Ossos enterrados no solo absorvem úor. O maxilar de Kanam e os crânios deKanjera tinham quase o mesmo teor de úor que outros ossos oriundos dasformações do Pleistoceno Inferior e do Médio, onde foram encontrados. Essesresultados são compatíveis com a hipótese de que os ossos humanos deKanam eKanjerasãotãoantigosquantoosrestosfaunísticosdessessítios.

Onitrogênio é um componente daproteína óssea.Énormal os ossos tenderem aperder seu nitrogênio com o tempo. Segundo constatou Oakley, um certofragmento 4 de crânio de Kanjera apresentava apenas um vestígio de nitrogênio

(0,01%),aopassoqueumcertofragmento3decrâniodeKanjeranãoapresentavavestígio algum. Nenhum dos dois fósseis animais testados apresentou algumnitrogênio.Apresençade“vestígiosmensuráveis”denitrogênionofragmento4decrânio de Kanjera signi cava, dizia Oakley, que todos os fósseis humanos eram“consideravelmentemaisnovos”queafaunadeKanjera.

No entanto, determinados sedimentos, tais como os de argila, preservam onitrogênio, às vezes pormilhões de anos.Assim, talvez o fragmento 4 deKanjeraestivesse protegidodatotalperdadenitrogênioemvirtudedaargila.Dequalquermodo, o fragmento 3 de Kanjera, tanto quanto as amostras animais, não tinhanitrogênio nenhum. Portanto, é possível que todos os ossos tivessem a mesmaidade.

Conforme demonstra aTabela 12.1, os valores de teor de urânio para os fósseishumanos de Kanjera (8 - 47 partes por milhão) coincidiram em parte com osvaloresparaafaunadeKanjera(26-216partespormilhão).Issopoderiasigni carqueelestinhamamesmaidade.

Porém,osossoshumanosocorriamnumamédiade22peçaspormiIhão,aopassoqueafaunamamíferaocorrianumamédiade136peçaspormilhão.ParaOakley,adiferença substancial entre as médias queria dizer que os ossos humanos eram“consideravelmentemaisrecentes”doqueosossosanimais.EmKanam,obtiveramresultadosdeteordeurâniosemelhantes.

Mas o próprioOakley chamou a atenção para o fato de que o teor de urânio dolençolfreáticopodevariarconsideravelmentedelugarparalugar.Porexemplo:ossosanimaisdoPleistocenoSuperiororiundosdeKugata, pertodeKanam, têmmaisurânioqueossosdoPleistocenoInferiororiundosdeKanam.

Signi cativamente,osvaloresdeteordeurânioregistradosporOaldeyem1974nãoeram, aparentemente, os primeiros que ele obtivera. Num ensaio puhlicado em1958, Oakley disse, logo após examinar a testagem do teor de urânio feita nomaxilardeKanam:“AplicadosaosossosdeKanjera,nossostestesnãoapresentaramnenhumadiscrepânciaentreoscrânioshumanoseafaunaaelesvinculada”.Issodavaa entender que Oakley não cou satisfeito com esses primeiros testes, realizandotestes adicionais nos ossos de Kanjera e obtendo resultados que melhorcorresponderamàssuasexpectativas.

Nosso estudo da testagem química dos fósseis de Kanam e Kanjera leva-nos àsseguintes conclusões. Os testes de teor de úor e nitrogênio deram resultadoscompatíveiscomofatodeosossoshumanosseremtãoantigosquantoasfaunasaelesvinculadas.Nãoobstante,essainterpretaçãopodesercontestada.Otestedeteor

deurâniodeuresultadoscompatíveiscomofatodeosossoshumanosseremmaisnovos que as faunas a eles vinculadas. Mas também nesse caso, quem preferircontestartalinterpretaçãoencontraráamploselementosparafazê-Io.

Nasuatotalidade,osresultadosdostestesquímicoseradiométricosnãodiminamapossibilidadedeosfósseishumanosdeKanameKanjeraseremcontemporâneosdasfaunas a eles associadas. Os crânios de Kanjera, considerados anatomicamentemodernos,seriamdessemodoequivalentesemidadeaoEstratoIVdeOlduvai,quetem entrte quatrocentos e setecentosmil anos de idade.O status taxonômicodomaxilar de Kanam é incerto. Pro ssionais recentes hesitam em chamá-Io deanatomicamente moderno, apesar de essa designação não poder ser de tododescartada. Se fosse tão antigoquanto a faunadeKanam,que émais velhaqueoEstrato I do des ladeiro Olduvai, então o maxilar de Kanam teria mais de 1,9milhãodeanos.

ONascimentodoAustralopithecus

Em1924, Josephine Salmonsnotouum fóssil de crâniode babuíno enfeitando abancada da lareira na casa de um amigo. Salmons, estudante de anatomia daUniversidadedoWitwatersrandemJohannesburgo,ÁfricadoSul,levouoespécimeparaseuprofessor,odr.RaymondA.Dart.

OcrâniodebabuínodadoaDartporSalmonseradeumapedreiradecalcárioemBuxton,pertodeumacidadechamadaTaung,cercade320quilômetrosasudoestedeJohannesburgo.Dartsolicitouqueseuamigo,odr.R.B.Young,umgeólogo,visitasseapedreiraevisseoquemaispoderiaserencontrado.Youngrecolheualgunsblocosportadoresdefósseiseenviou-osaDart.

DuascaixasdefósseischegaramàcasadeDartbemnodiaemquealiserealizariaacerimôniadecasamentodeumamigo.AesposadeDartrogou-lheparanãotocarnascaixasantesdacerimônia,masDartabriu-as.Nasegundacaixa,Dartviualgoqueo espantou: “Encontrei omolde virtualmente completodo interiordeumcrânioentreeles.Essemoldedecérebroeragrandecomoodeumgorila”.Emseguida,Dartencontrououtropedaçoderochaquepareciaconterosossosfaciais.

Após a partida dos convidados do casamento, Dart deu início à árdua tarefa desepararosossosdesuasmatrizesdepedra.Semosinstrumentosadequados,eleusouasagulhasdetricôdesuaesposaparatirarosmoldesdepedracomtodoocuidado.“O que surgiu”, escreveu Dart, “foi o rosto de um bebê, um infante com umconjunto completo de dentes de leite e seus molares permanentes a ponto debrotaremdasgengivas.Duvidoquehouvessealgumpaimaisorgulhosodeseu lhodoqueeuestava domeubebêdeTaungnaqueleNatal.”Após recolherosossos,

Dart reconstituiu o crânio (Figura 12.4). Ele caracterizou o cérebro do bebê deTaungcomoinesperadamentegrande,comcercade500cc.A capacidadecerebralmédiadeumgorilamacho,adultoegrande,édeapenascercade600cc.Dartnotoua ausência de arcada supraorbital e achou que os dentes apresentavam certascaracterísticashumanóides.

Dart também notou que o foramen magno, a abertura para a medula espinhal,posicionava-seemrelaçãoaocentrodabasedocrânio,comonossereshumanos,enãoemrelaçãoàpartedetrásdocrânio,comonossímiosadultos.ParaDart,issoindicava que a criatura caminhara em postura ereta, o que queria dizer que oespécimedeTaung,aosolhosdele,eranitidamenteumancestralhumano.

Dart enviou um relatório à Nature, o prestigioso jornal britânico de ciência. “Oespécime”, dizia Dart, “é de importância porque manifesta uma raça extinta desímios,intermediáriaentreosantropóidesvivoseohomem”.Pelosfósseisanimaisvinculadosaoespécime,elecalculavaquesuadescobertatinhaummilhãodeanosdeidade. DenominouseubebêdeTaungcomoAustralopithecusafricanus -o símiomeridional da África. O Australopithecus, acreditava ele, era ancestral de todas asdemaisformasdehominídeos.

NaInglaterra,SirArthurKeitheSirArthurSmithWoodwardreceberamorelatóriodeDartcomextremacautela.SegundopensouKeith,oAustralopithecuspertenciaà

categoriadoschimpanzésegorilas.

GraftonElliot Smith foimais crítico ainda.Emmaiode 1925,numapalestra naUniversityCollege,Smitha rmou:“ÉumapenaqueDartnãotenhatidoacessoacrânios de infantes chimpanzés, gorilas ou orangotangos de uma idadecorrespondenteàdocrâniodeTaung,pois,setivessetidosemelhanteselementosàsuadisposição,teriasedadocontadequeaposturadacabeça,aformadosmaxilaresemuitosdetalhesdonariz, rosto e crânio,nosquais ele sebaseouparaprovar suaalegação de que o Australopithecus era quase semelhante ao homem, eramessencialmenteidênticosàscaracterísticasprópriasdosinfantesgorilaechimpanzé”.Acrítica de Grafton Elliot Smith permanece válida ainda hoje. Como veremos, adespeito da veneração do Australopithecus como sendo um ancestral dos sereshumanos,diversoscientistasaindatêmsuasdúvidas.

Dart couconsternadocoma fria recepçãoqueobtevedoestablishmentcientí cobritânico. Por muitos anos, ele se manteve calado e parou de caçar fósseis. Oscientistas britânicos, liderados por Sir Arthur Keith, mantiveram sua oposição aoAustralopithecusdeDartdurantetodaadécadade1930.OHomemdePiltdown,semelhante, conforme se acreditava, em idade geológica ao espécime deTaung,entrou nos cálculos deKeith.O crânio doHomem de Piltdown era como o doHomosapiens.EssefatopesavacontraofatodeoAustralopithecus,comseucrâniosimiesco,estarnalinhadaancestralidadehumana.

QuandoDartseafastoudopalcomundial,seuamigo,odr.RobertBroom,assumiuabatalhaparaestabeleceroAustralopithecuscomoumancestralhumano.Desdeoprincípio, Broommostrouumprofundo interesse pela descoberta deDart. LogodepoisdeobebêdeTaungaparecer,Broomcorreuatéo laboratóriodeDart,queconta:“Eleencaminhou-se apressadamenteparaobancosobreoqual repousavaocrânio e ajoelhou-se ‘em adoração a nosso ancestral’, conforme suas própriaspalavras”. A ciência britânica, contudo, exigia um espécime adulto deAustralopithecusantesdeaceitarajoeIhar-seemadoraçãoa seuancestral.No iníciode1936,Broomfezvotodequeencontrariaum.

Em 17 de agosto de 1936, G. W. Barlow, supervisor da pedreira de calcário deSterkfontein, deu a Broom ummolde de cérebro de um australopitecino adulto.Posteriormente,Broomfoiatéolocalondehaviamencontradoomoldedecérebroe recolheudiversos fragmentosdecrânio.Apartirdestes, ele reconstituiuocrânio,chamandoseudonodePlesianthropustransvaalensis.Acredita-sequeossedimentosemqueofóssilfoidescobertotenhamentre2,2e3milhõesdeanos.

Maisdescobertassucederam-se,incluindoaparteinferiordeumfêmur(TM1513).Em1946,BroomeSchepersdescreveramessefêmurcomoessencialmentehumano.

LeGrosClark,aprincípiocéticoquantoaessadescrição,admitiumaistardequeofêmur“apresentaumasemelhançacomofêmurdoHomoqueestátãopróximaquechegaaseconfundircomaprópriaidentidade”.Talavaliaçãofoirecon rmadaem1981porChristineTardieu,segundoaqualosaspectosdiagnósticos-chavedofêmurde Sterkfontein são “característicosdohomemmoderno”.Umavezqueo fêmurTM 1513 foi encontrado por si mesmo, não está claro se ele pertence a umaustralopitecino.Épossível,portanto,quepertençaaumhominídeomaisavançado,talvezalgumsemelhanteahumanosanatomicamentemodernos.

Em8dejunhode1938,BarlowdeuaBroomumfragmentodeumpalatocomumúnico molar ligado a ele. Quando Broom perguntou a procedência, Barlow foievasivo.Algunsdiasmaistarde,BroomvoltouavisitarBarloweinsistiuparaqueesterevelasseafontedofóssil.

BarlowcontouaBroomqueforaGertTerblanche,ummeninoestudantedaregião,quemlhederaofragmentodeosso.BroomconseguiumaisalgunsdentescomGert,que o acompanhou até a fazenda Kromdraai próxima dali, onde o meninoencontrara os dentes. Ali, Broom recolheu alguns fragmentos de crânio. Apósreconstituir o crânio parcial, Broom percebeu que ele era diferente doaustralopitecinodeSterkfontein.Tinhaummaxilarmaioreosdenteserammaiorestambém.ChamouanovacriaturaaustralopitecinadeParanthropusrobustus.Hoje,considera-sequeosítiodeKromdraaitemaproximadamentede1a1,2milhãodeanosdeidade.

Broom também encontrou em Kromdraai um fragmento de úmero (o osso dobraço)eumfragmentodecúbito(umdosossosdoantebraço).Apesardeatribuí-Iosao robusto australopitecino chamado Paranthropus, ele disse: “Se tivessem sidoencontradosisoladamente,éprovávelquetodoanatomistadomundoviesseadizerqueeleseram semdúvidahumanos”.Umaanálise feitaporH.M.McHenryem1972 situa o úmero TM 1517, oriundo de Kromdraai, “dentro do âmbitohumano”. No estudo de McHenry, o úmero de um robusto australopitecinooriundo de Koobi Fora, Quênia, foi classi cado fora do âmbito humano. Logo,talvez o úmeroTM1517 pertencesse a alguma outra coisa que não um robustoaustralopitecino. Não é impossível que o úmero e o cúbito de Kromdraai, tantoquantoofêmurdeSterkfontein,pertencessemahominídeosmaisavançados,talvezassemelhadosahumanosanatomicamentemodernos.

A Segunda Guerra Mundial interrompeu o trabalho de escavação de Broom naÁfrica do Sul. Após a guerra, em Swartkrans, Robert Broom e J. T. Robinsonencontraram fósseis de um robusto australopitecino chamado Paranthropuscrassidens (quase-homem de dentes grandes). Essa criatura tinha dentes grandes e

forteseumacristaósseana calotacraniana.Acrista serviacomopontode ligaçãopara grandes músculos do maxilar. Broom e Robinson também encontraram omaxilardeoutrotipodehominídeo nacavernaSwartkrans.Atribuíramomaxilar(SK15),menor emaishumanóidequeodoParanthropus crassidens, aumnovohominídeo chamado Telanthropus capensis. O Setor 1 em Swartkrans, ondeencontraramtodososossosdeparanthropus,étidohojecomotendode1,2a1,4milhão de anos de idade. O Setor 2, onde encontraram amandíbula SK 15 deTelanthropus,étidocomotendodetrezentosaquinhentosmilanoSdeidade.Em1961,RobinsonreclassificouomaxilardeSwartkranscomoHomoerectus.

BroomeRobinsonencontraramoutromaxilarinferiorhumanóideemSwartkrans.Essa mandíbula fragmentária (SK 45) provinha do sedimento principal, quecontinhaos fósseisdeparanthropus.Em1952,BroomeRobinsondisseram:“Dopontodevistadaforma,elaseaproximacommaisfacilidadedemuitosmaxilaresdeHomo moderno do que doTelanthropus”. posteriormente, Robinson atribuiu omaxilar SK 45 aoTelanthropus e, em seguida, ao Homo erectus. Mas existemmotivos, admitidamente não muito claros, para levar outras possibilidades emconsideração.

Nos anos do pós-guerra,Broom também encontrou outro crânio australopitecino(ST 5) em Sterkfontein (Figura 12.5).Mais tarde, ele descobriu outros restos deumafêmeaadultadeaustralopitecino(ST14)-incluindopartesdapélvis,dacolunavertebraledaspernas.Amorfologiadeles,aliadaadeterminadascaracterísticas doscrâniosdeSterkfontein,demonstrava,naopiniãodeBroom,queosaustralopitecinoshaviamcaminhadoemposiçãoereta.

Em1925,RaymondA.DartInvestigouumtúnelemMakapansgat,ÁfricadoSul.Notandoapresençadeossosescurecidos,Dartconcluiuqueoshominídeoshaviamutilizado fogoali.Em1945,PhilipV.Tobias, entãoalunograduadodeDartnaUniversidade do Witwatersrand, encontrou o crânio de um babuíno extinto nossedimentosdecaverna deMakapansgat e chamouaatençãodeDartpara ele.Em1947, o próprio Dart regressou ao campo de trabalho, após um lapso de duasdécadas,àprocuradeossosdeAustralopithecusemMakapansgat.

EmMakapansgat,Dartencontroufragmentosdecrâniodeaustralopitecinoeoutrosossos,alémdemaissinaisdefogo.Porisso,DartchamouacriaturaquealiviveradeAustralopithecus prometheus, em homenagem ao Titã que roubou o fogo dosdeuses. Hoje, o Australopithecus prometheus é classi cado, com os espécimes deTaung e Sterkfontein, de Australopithecus africanus, distinto dos robustosaustralopitecinosdeKromdraaieSwartkrans.

Dartdescobriu42crâniosdebabuínoemMakapansgat,27dosquais tinhamsuasfrontesdespedaçadas.Outrosseteapresentavamgolpesno ladofrontalesquerdo.Apartir dessas provas, Dart criou uma lúgubre imagem do Australopithecusprometheus:umantropopitecoexterminador,quegolpeavaascabeçasdebabuínoscom primitivas ferramentas de osso e cozinhava-Ihes a carne sobre fogueiras nacavernadeMakapansgat.

“Ospredecessoresdohomem”,disseDart,“diferiamdossímioshojeexistentesporseremcontumazesmatadores;criaturascarnívoras,queperseguiampresasvivascom

violência, golpeavam-nas até a morte, despedaçavam-lhes os corpos alquebrados,desmembravam-nas membro a membro, matando sua sede voraz com o sangueaindaquentedasvítimasesofregamentedevorando-Ihesacarneretorcida”.

Hoje, contudo, os paleantropólogos caracterizam o Australopithecus como umsimples necrófago, não um caçador e fazedor de fogo. Não obstante, as novasdescobertasdeBroomeDartconvenceramcientistasin uentes,emespecialnaGrã-Bretanha,quantoaofatodequeoAustralopithecusnãoeraapenasumavariedadedesímiofóssil,masumautênticoancestralhumano.

Zinjanthropus

Aspróximasdescobertas importantes foram feitasporLouisLeakey e sua segundaesposa, Mary. Em 17 de julho de 1959, Mary Leakey deparou com o crâniodespedaçadodeumjovemhominídeonoEstratoIdodes ladeiroOlduvai,nosítioFLK.Quandoospedaçosdocrânioforamreunidos,LouiseMaryLeakeyviramqueacriaturatinhaumacristasagital,umsulcoósseoqueseestendiaverticalmenteaolongo da calota craniana. Sob esse aspecto, parecia-se bastante com oAustralopithecus robustus. Não obstante, Leakey criou uma nova espécie paracategorizar esse hominídeo, em parte por ele ter os dentes maiores que os dosespécimes robustus sul-africanos. Leakey chamou a nova descoberta deZinjanthropusboisei.ZinjéumnomerelativoàÁfricaorientaleboiseirefere-seaosr.CharlesBoise,umdosprimeiros nanciadores dosprojetosdeLeakey.Comocrânio, Leakey encontrou ferramentas de pedra, o que fez com que chamasse oZinjanthropusdeoprimeiro fabricantede ferramentasde pedra, edaíoprimeiro“homemverdadeiro”.

Leakey tornou-se o primeiro superastro que a paleantropologia via após um bomlapso de tempo. A SociedadeGeográ caNacional honrou Leakey com subsídios,publicaçãodeartigosricamenteilustrados,programasespeciaisnatelevisãoeturnêsmundiais.

Mas,adespeitodaabundânciadepublicidade,oreinadodoZinjanthropusfoibrevedemais.SoniaCole,biógrafadeLeakey,escreveu:“CumpreadmitirqueLouistinhaquepersuadiraSociedadeGeográ caNacionaldofatodequeeletinhaemZinjumprovável candidato a “o primeiro homem” para assegurar-se de que elescontinuariam lhe dando subsídios - mas ele precisava ter colocado sua cabeça aprêmio de forma tão extrema? Mesmo um Ieigo que olhasse para o crânio nãopoderiadeixar-se enganar: Zinj, comsuacristaparecidacomadogorilanacalotacranianaeseucenhobaixo,era,deformabastanteóbvia,muitomaisparecidocomos robustos australopitecinos daÁfricadoSuldoque comohomemmoderno -comoqual,comtodafranqueza,elenãotemamenorsemelhança”.

Homohabilis

Em1960,cercadeumanoapósadescobertadoZinjanthropus,Jonathan, lhodeLeakey, encontrou o crânio de outro hominídeo (OH 7) perto do sítio do Zinj.Aforaocrânio,oindivíduoOH7incluíaosossosdeumadasmãos.Tambémem1960,encontraramosossosdeumpédehominídeo(OHH).Emanosseguintes,outrasdescobertas foram feitas, amaiorpartedelas dedentes ede fragmentosdemaxilarecrânio.Osindivíduosfósseisrecebiamapelidoscoloridos:Johnny’sChild,George,CindyeTwiggy.AlgunsdosossosforamencontradosnaparteinferiordoEstratoIIdodesfiladeiroOlduvai.

PhilipTobias, o anatomista sul-africano, deu ao crânioOH7uma capacidadede680cc,muitomaisqueos530ccdoZinjanthropus,emaioraindaqueomaiordoscrânios de australopitecino, com aproximadamente 600 cc.Tinha, contudo, emtomodemenos100ccdecapacidadequeomenordosHomoerectus.

Louis Leakey concluiu ter en m deparado com o verdadeiro fabricante deferramentas dos níveis inferiores deOlduvai, o primeiro humano de verdade. Seucérebromaior con rmava seu status.Leakeychamoua criaturadeHomohabilis,quequerdizer“homemhábil”.

Após a descoberta do Homo habilis, o Zinjanthropus foi rebaixado aAustralopithecus boisei, uma variedade um tantomais robusta de Australopitecusrobustus.Ambosaustralopitecinosrobustostinhamcristassagitais,enãosãotidoscomoancestraishumanos,mascomoproleevolucionáriaqueacabouextinguindo-se.

Aquestãodascristassagitaiséquetornaascoisasumtantocomplicadas.Osgorilasmachosealgunschimpanzésmachos tambémtêmcristas sagitais, aopassoque asfêmeas dessas espécies não as têm. Por isso, Mary Leakey disse em 1971: “Apossibilidade de Australopithecus robustus e Australopithecus africanusrepresentaremomachoeafêmeadeumasóespéciemerecesériaconsideração”.SeapossibilidadelevantadaporMaryLeakeyfossetidacomocorreta,issosigni cariaquegerações e gerações de peritos estiveram redondamente equivocadas quanto aosaustralopitecinos.

Com a descoberta, no des ladeiro Olduvai, do Homo habilis, uma criaturscontemporâneadosprimeiros australopitecinosmas comumcérebromaior,LouisLeakey acreditou ter excelentes provas em apoio ao seu ponto de vista de que oAustralopithecusnãopertencia à linhagemdiretada ancestralidadehumana (Figura12.6). Os australopitecinos fariam parte de uma mera rami cação secundária. Ecomo oHomo erectus era tido como descendente doAustralopithecus, oHomoerectustambémseriaafastadodalinhagemdaancestralidadehumana.

Mas, eosHomensdeNeandertal?Estes,dizemcertas autoridades,mostramsinaisclaros de uma transição evolucionária entre o Homo erectus e o Homo sapiens.Leakey, porém, tinha outra explicação: “Acaso não seria possível que todos elesfossem variantes do resultado do cruzamento entre o Homo sapiens e o Homoerectus”? poder-se-ia objetar que semelhante cruzamento teria produzido híbridosincapazesdesereproduzir.MasLeakeychamouaatençãoparaofatodequeobisãonorte-americanocruzafertilmentecomogadocomum.

Umafábuladedoisnúmeros

Em1965,BryanPattersoneW.W.Howellsencontraramumúmerohominídeodeaparência surpreendentementemoderna emKanapoi,Quênia.Em1977, operáriosfrancesesencontraramumúmerosemelhanteemGombore,Etiópia.

OfragmentodeúmerodeKanapoi,consistindonaparteinferior(oudistal)intactado osso, foi encontrado na superfície. Contudo, o sedimento de onde o ossoaparentementeprovinhatinhacercade4,5milhõesdeanosdeIdade.

PattersoneHowellsacharamoúmerodeKanapoidiferentedosúmerosdegorilas,chimpanzés e australopitecinos, mas semelhante aos dos humanos. E observaram:

“Existem indivíduos em nossa amostra de homem nos quais asmedidas [...] doHominídeoIdeKanapoipodemserduplicadasquasequeàexatidão”.

PattersoneHowellsnãoteriamsequersonhadoemsugerirqueoúmerodeKanapoipertencia aumhumanoanatomicamentemoderno.Nãoobstante, seumhumanoanatomicamente moderno tivessemorrido emKanapoi entre 4 e 4,5milhões deanosatrás,eleouelateriamdeixadoumúmeroexatamentecomooqueeleshaviamencontrado.

OsantropólogosHenryM.McHenryeRobertS.Corruccini,daUniversidadedaCalifórnia, apresentaramuma con rmação adicional damorfologia humanóidedoúmerode Kanapoi.Segundoconcluírameles,“oúmerodeKanapoimalpodeserdistinguido do Homo moderno” e “demonstra o primitivo surgimento de umcotoveloparecidocomodoHomo,mesmonosdetalhesmaissutis”.

Emumestudode 1975, o antropólogo sicoC.E.Oxnard concordou com estaanálise. Ele a rmou: “Podemos con rmar com bastante clareza que o fóssil deKanapoi é muito parecido com o humano”. Isso levou Oxnard a sugerir, tantoquantoo fezLouisLeakey,queos australopitecinosnão faziamparteda linhagemprincipal da evolução humana. Manter o AustraIopithecus como um ancestralhumano resultaria numa muito improvável progressão, a partir do úmerohumanóide de Kanapoi, para o úmero acentuadamente menos humanóide doAustralopithecuse,emseguida,denovoparaummaisparecidocomohumano.

OúmerodeGombore,aoqualfoiatribuídaaidadedecercade1,5miIhõesdeanos,foiencontradocomtoscasferramentasdepedra.Em1981,BrigitteSenutdissequeoúmerodeGombore“nãopodeserdiferenciadodeumhumanomodernotípico”.Demodo que agora parecemos ter dois úmeros antiqüíssimos e humanóides paraacrescentar à nossa lista de provas contestadoras do cenário atualmente aceito daevolução humana. São eles o úmero deKanapoi, de 4 a 4,5milhões de anos noQuênia,eoúmero deGombore,demaisde1,5milhãodeanosnaEtiópia.Elesapóiamopontodevistadequesereshumanosdotipomodernotêmcoexistidocomoutrascriaturassimiescasehumanóideshámuito,muitotempo.

DescobertasdeRichardLeakey

Em1972,Richard, lhodeLouisLeakey,encontrou,nolagoTurkana,Quênia,umcrânio hominÍdeo despedaçado. A esposa de Richard, Meave, uma zoóloga,reconstituiu ocrânio,que foidesignadoER1470.Suacapacidadecranianaerademais de 810 cc,maior que a dos australopitecinos robustos. A princípio, RichardLeakey hesitou em designar uma espécie para o crânio ER 1470, mas acabouoptandoporchamá-IodeHomohabilis.

OestratoqueproduziuocrâniojaziaabaixodoTufoKBS,umsedimentovulcânicocom uma idade de potássio-argônio de 2,6 milhões de anos. Ao crânio em siatribuiu-se a idadede2,9milhõesdeanos, tãoantigoquantoosmaisvelhosdosaustralopitecinos.Posteriormente, contestarama idadedoTufoKBS,comcríticosdeféndendo,paraele,umaidadedemenosdedoismilhõesdeanos.

AalgumadistânciadeondehaviamencontradooER1470,masnomesmonível,JohnHarris,paleontólogodoMuseuNacionaldoQuênia,descobriudois fêmuresbemhumanóides. Harris convocouRichardLeakey, que registroumais tardeque“esses fêmures não são como os do AustraIopithecus, sendo espantosamentesemelhantes aos do homemmoderno”. Outros pro ssionais acharam os fêmuresdiferentesdosdoHomoerectus.

Oprimeirofêmur,comfragmentosinterligadosdatíbiaedoperônio,foidesignadoER1481,eooutro,ER1472.UmfragmentoadicionaldefêmurfoidesignadoER1475.TodoselesforamatribuídosaoHomohabilis.

Leakey,porém,declarounumjornalcientí coqueessesossosdaperna“nãopodemserprontamentedistinguidosdoHomosapiensseselevaemconsideraçãoolequede variações conhecidas para essa espécie”. Num artigo da National Geographic,Leakey repetiu esse ponto de vista, dizendo que os ossos de perna eram “quaseindistinguíveisdosdoHomosapiens”.Outroscientistasconcordaramcomaanálisede Leakey. B. A.Wood, anatomista doHospitalUniversitárioCharingCross, deLondres, a rmou que os fêmures “pertencem ao grupo locomotor do ‘caminharhumanomoderno’”.

Emboramuitoscientistas jamaischegassemasonharcomisso,seriapossívelpensarematribuirosfêmuresdeKoobiForaaumhominídeomuitíssimoparecidocomoHomosapiensmoderno,equeviveunaÁfricacercadedoismilhõesdeanosatrás.

OsfêmuresER1472eER1481mostramqueasdescobertasnitidamenteanômalasnão estão restritas ao século XIX. Elas continuam a ocorrer com espantosaregularidade até a atualidade, bem à nossa vista, por assim dizer, emborapraticamente ninguém as reconheça pelo que elas são. Apenas na África, estamoslevantando um catálogo e tanto: o esqueleto de Reck, o maxilar de Kanam, oscrâniosdeKanjera,oúmerodeKanapoi,oúmerodeGombore,eagoraosfêmuresdo lagoTurkana.Todos estes têm sidoatribuídos aoHomo sapiensoudescritoscomo sendo bem humanóides. À exceção dos crânios de Kanjera do PleistocenoMédio, todos foram descobertos em contextos do Pleistoceno Inferior ou doPlioceno.

OAstrágaloER813

Em1974,B.A.Wooddescreveuumastrágalo(ossodotornozelo)encontradonolagoTurkana. Ele jazia entre oTufoKBS e o sobrejacenteTufo deKoobi Fora.Woodcomparouoastrágalofóssil,designadoER813,aosdehumanosmodernos,gorilas,chimpanzéseoutrosprimatasarbóreos.“Ofóssil”,disseWood,“alinhava-secomosastrágaloshumanosmodernos.”OastrágalohumanóideER813tementre1,5 e 2milhões de anos de idade, aproximadamente contemporâneo das criaturasdesignadascomoAustralopithecusrobustus,HomoerectuseHomohabilis.

Em um relatório subseqüente, Wood disse que seus testes con rmaram “asemelhançaentreoKNM-ER813eosossoshumanosmodernos”,demonstrandoque ele “não é signi cativamente diferente dos astrágalos de bosquímanosmodernos”. Poder-se-ia, portanto, levar em consideração a possibilidade de oastrágalo KNM-ER 813 pertencer a um humano anatomicamente moderno doPleistocenoInferioroudoPliocenoSuperior.

SeoastrágaloKNM-ER813realmentepertencesseaumacriaturaparecidíssimacomos seres humanosmodernos, enquadrar-se-ia, tantoquanto os fêmuresER1481 eER1472,numasériedaquelasdescobertasqueremontamamilhõesdeanos. IssoeliminariaoAustralopithecus,oHomohabiliseoHomoerectusdoroldeancestraishumanos.

OH62:QueiraoverdadeiroHomohabilisfazeroobséquiodelevantar-se!

Os artistas, ao basearem seu trabalho em fósseis e relatórios fornecidos porpaleantropólogos, têm retratado o Homo habilis como tendo um corpoessencialmentehumanóide,comexceçãodesuacabeçasimiesca(Figura12.7).

Esse retrato altamente especulativo do Homo habilis persistiu até 1987. Naqueleano, Tim White e DonJohanson registraram ter encontrado, no des ladeiroOlduvai, o primeiro indivíduo Homo habilis (OH 62) com os ossos do corponitidamente vinculados ao crânio. Os restos esqueletais mostraram que a criaturatinha apenas 1,05 metro de altura, além de braços relativamente compridos. Osdesenhos do novo Homo habilis (Figura 12.7) passaram a ser, sem sombra dedúvida,maissimiescosqueosdopassado.

SegundoconcluíramJohansone seus colaboradores, eraprovávelqueos cientistastivessem incorretamente atribuído ao Homo habilis muitos ossos avulsosdescobertosantesde1987.

O OH 62 corrobora nossa sugestão de que os fêmures ER 1481 e ER 1472,oriundos de Koobi Fora e tidos como parecidíssimos com os do Homo sapiensmoderno, podem ter pertencido a humanos anatomicamente modernos queviveramnaÁfricaduranteoPliocenoSuperior.Certos cientistas,atribuíram-nos aoHomohabilis.MasanovavisãodoHomohabilisdescartaessaopinião.Acasoos

fêmurespoderiampertencertalvezaoHomoerectus?G.E.Kennedy,porexemplo,atribuiuofêmurER1481aoHomoerectus.MassegundoobservouE.Trinkhaus,as medidas-chave desse osso, com uma só exceção, enquadram-se no âmbito dosfêmureshumanosanatomicamentemodernos.

OsdescobridoresdoOH62tiveramdeagarrar-seaoeloevolucionárioentreonovoemais simiescoHomohabiliseoHomoerectus.Asduasespéciesdistamumadaoutra apenascercadeduzentosmilanos.Noentanto,a transiçãoHomohabilis -Homoerectus implicacertasalteraçõesmorfológicasumtantoextremas, incluindouma grande mudança no tamanho. Richard Leakey, aplicando padrões decrescimento humano normais, calculou que um Homo erectus adolescentedescobertoem1984(KNM-WT15000)teriacrescidoparamaisde1,80metrodealturana fase adulta.OOH62 adulto, porém, tinha apenas cerca de 1metrodealtura.Emsuma,pareceimplausívelterhavidoumsaltoevolucionáriodopequenoesimiescoOH62paraograndeemaishumanóideKNM-WT15000emmenosdeduzentosmilanos.

Os defensores do discutidíssimo modelo do equilíbrio pontuado de evolução,contudo, podem aceitar a transição com facilidade. Ao contrário dos gradualistastradicionais,ospontualistasalegamqueaevoluçãoseprocessapormeioderápidosepisódios de mudança interrompidos por longos períodos de estase. O equilíbriopontuado pode, portanto, conciliar uma variedade de problemáticas anomaliasevolucionárias,taiscomoatransiçãodohabilisparaoerectus.

“O tamanho muito pequeno do corpo do indivíduo OH 62”, disseram seusdescobridores,“sugerequepontosdevistasobreaevoluçãohumana,postulandoumaumentoconsideráveldotamanhodocorpocomopassardotempo,poderiamestararraigadosempreconceitosgradualistas,nãoemfatos”.Contudo,ospontosdevistapontualistastambémpoderiamestararraigadosempreconceitos,nãoemfatos.Osfatos paleontológicos, consideradosna sua inteireza, sugeremquediversos seres dotipo antropopiteco e do tipo humano, incluindo alguns semelhantes a humanosmodernos,coexistiramdurantetodooPleistocenoemesmoantes.

Não foram só as novas provas, tais comooOH62, quedesa aramoquadrohámuito aceito do Homo habilis. Provas fósseis descobertas anteriormente erelacionadas ao Homo habilis, tendo sido a princípio interpretadas por certasautoridades como sendo bem humanóides, foram mais tarde caracterizadas poroutroscomosendobemsimiescas.

Comomencionamosantes,umesqueletodepérazoavelmentecompleto,designadoOH8,foiencontradonoEstratoIdodes ladeiroOlduvai.Datadoem1,7milhãodeanos,opéOH8foiatribuídoaoRomohabilis.SegundodisseramM.H.Day

eJ.R.Napierem1964,opéOH8assemelhava-semuitíssimoaodoHomasapiens,fato que veio contribuir para a genérica imagem humanóide atribuída aoHomohabilis.

Mas O. J. Lewis, anatomista do Hospital Universitário St. Bartholomew, deLondres,demonstrouqueopéOH8 eramaisparecido comodos chimpanzés eKorilas. O pé, segundo as considerações dele, era arbóreo, adaptado à vida nasárvores. Isso acarreta um problema. Com certeza, não convém às intenções depropaganda dos evolucionistas ter o público visualizando um suposto ancestralhumano como o Homa habilis subindo em árvores com um pé de adaptaçãoarbórea,enãocaminhando,altoeaudaz,pelassavanasafricanas.

Pelo estudo de Lewis do péOH8, poder-se-ia concluir que oHomo habilis eramuitomaissimiescodoqueamaioriadoscientistastendeaacreditar.AdescobertadoOH 62 apóia esse ponto de vista.Outra possível conclusão: o péOH 8 nãopertencia ao Homo habilis, mas a um australopitecino. Esse ponto de vista foifavorecidoporLewis.

Comopassardosanos,diferentescientistas têmdescritooesqueletodopéOH8comohumanóide,simiesco,intermediárioentrehumanoesímio,distintodeambose semelhante ao do orangotango. Isso demonstra uma vez mais uma importantecaracterística das provas paleantropológicas - elas costumam estar sujeitas ainterpretações múltiplas e contraditórias. Considerações partidárias costumamdeterminarquepontodevistadeveprevaleceremdeterminadoperíododahistória.

AmãoOH7 também foi encontradanodes ladeiroOlduvai, sendo consideradapartedoespécimedotipoHomohabilis.Em1962,J.R.Napierdescreveuamãocomobastantehumanasobalgunsdeseusaspectos,emespecialaspontasdosdedos.TalcomonocasodopéOH8,estudossubseqüentesdemonstraramqueamãoOH7 era bem simiesca, colocando em dúvida quer sua caracterização como Homohabilis,queraimagemhumanóideemgeralatribuídaaoHomohabilis,imagemquea interpretaçãooriginalda mãoOH7 ajudou a criar.Ocaráter simiescodamãosugeriu a Randall L. Susman e a Jack T. Stern que ela era usada segundo o“comportamentodequemquerestarsuspensoapóssubiremalgo”.

Emoutraspalavras,oHomohabilis,ouqualquerquefosseacriaturadonadamãoOH7,podeterpassadomuitodeseutempopenduradopelosbraçosemgalhosdeárvores. Essa imagem simiesca difere do retrato bastante humanóide do Homohabilisedeoutrossupostosancestraishumanosquecostumamosencontraremlivrosilustrados da Time-Life e em programas especiais de televisão da SociedadeGeográficaNacional.

Em vista da evidência contraditória ligada aoHomo habilis, alguns pesquisadorestêmpropostoque,paracomeçar,nãohaviajustificativapara“criar”essaespécie.

SeosossosatribuídosaoHomohabilis realmentenãopertenciamaessaespécie,oquerepresentavamentão?SegundoargumentodeT.J.Robinson,oHomohabilisoriginara-seerroneamentedeumamisturadeelementosesqueletaispertencentesaoAustralopithecusafricanuseaoHomoerectus.Conformesugeremoutros,osossosdoHomohabilissãotodosaustralopitecinos.

A nal,portanto,damo-noscontadequeoHomohabilisétãosólidoquantoumamiragem no deserto, parecendo ora humanóide, ora simiesco, ora real, ora irreal,segundoatendênciadoobservador.Levandoemconsideraçãoosmuitospontosdevistacon itantes,achamosbemprovávelqueomaterialdoHomohabilispertençaamaisdeumaespécie,incluindoumaustralopitecinopequeno,simiescoearbóreo(oOH 62 e alguns dos espécimes deOlduvai), uma espécie primitiva deHomo (ocrânioER1470)ehumanosanatomicamentemodernos(osfêmuresER1481eER1472).

CríticadeOxnardaoAustralopithecus

O Homo habilis não é o único ancestral humano sujeito a críticas ininterruptas.Como a maioria dos paleantropólogos concorda, o Australopithecus foi umancestral humano direto, com um corpo bem humanóide. Os defensores desseponto de vista também costumamdeclarar que oAustralopithecus caminhava emposturaereta,deumamaneirapraticamenteidênticaàdossereshumanosmodernos.Contudo,desdeo início, algunspesquisadores zeramobjeçãoa essa representaçãodo Australopithecus. Segundo in uentes cientistas ingleses, incluindo Sir ArthurKeith,oAustralopithecusnãoeraumhominídeo,masumavariedadedesímio.

Essepontodevistanegativopersistiuateoprincípiodadécadade1950,quandooefeitoconjuntodeoutrasdescobertasemtornodoAustralopithecusedaquedadoHomem de Piltdown criou um nicho no pensamento paleantropológicoprevalecenteemfavordeumAustralopithecushumanóide.

Porém,mesmodepois de oAustralopithecus conquistar a aceitação da elite comoumhominídeoeumancestralhumanodireto,aoposiçãocontinuounaativa.LouisLeakey sustentava que o Australopithecus era um produto primitivo e muitosimiescodaprincipalrami caçãodaevoluçãohumana,Maistarde,seu lhoRichardLeakeyadotoupraticamenteamesmapostura.

No começo da década de 1950, Sir Solly Zuckerman publicou extensos estudosbiométricos, demonstrando que o Australopithecus não era humanóide conformeimaginavamaquelesqueeramafavordesituaressacriaturanalinhagemdoHomo

sapiens.Desdeo mdadécadade1960atéadécadade1990,CharlesE.Oxnard,empregando a análise estatística multivariada, renovou e ampli cou a linha deataque iniciada por Zuckerman. Segundo Oxnard, “é bastante improvável quequalquer um dos austraIopitecinos [...] possa ter qualquer elo logenético diretocomogêneroHomo”.

Oxnard achava o cérebro, os dentes e o crânio do Australopithecus por demaisparecidos com os dos símios. O osso do ombro parecia estar adaptado parasuspenderocorpodosgalhosdasárvores.Osossosdamãoeramcurvoscomoosdeum orangotango. A pélvis parecia adaptada para o caminhar quadrúpede e ocomportamentoacrobático.Omesmopoder-se-iadlzerdaestruturadofêmuredotornozelo. “Até que outras provas se manifestem”, escreveu Oxnard em 1975,“ camoscomavisãodeanimaisdetamanhointermediário,àvontadenasárvores,capazesdeescalá-Ias, fazerpirueta”,acrobaciase talvezsuspensãopelosbraços.”Em1973,Zuckerman eOxnard apresentaramum ensaio num simpósio da SociedadeZoológica de Londres. No encerramento do simpósio, Zuckerman fez algumasobservações importantes.Disse ele: “Nos últimos anos, venho contestando quasequesozinhoasabedoriaconvencionalarespeitodosaustralopitecinos-um‘sozinho’que signi ca dizer em associação com meus colegas na escola que criei emBirmingham -, mas temo que com praticamente nenhum efeito. A voz daautoridade superior fora proferida, e sua mensagem incorporou-se a seu devidotemponoslivrosdidáticosdomundointeiro”.

AsituaçãonãomudoudesdeopronunciamentodeZuckermanem1973.AsvozesdaautoridadeempaleantropologiaeacomunidadecientífIcaemgeraltêmlogradomanterintactoopontodevistadoAustralopithecushumanóide.Oextensoebemdocumentado corpo de evidências que contradiz esse ponto de vista favorecidopermanece restrito às páginas de jornais pro ssionais, de onde exerce pouca ounenhumainfluênciasobreopúblicoemgeral,inclusiveopúblicoculto.

Revendo a controvérsia de décadas sobre a natureza do Australopithecus, Oxnardescreveu em 1984: Em meio ao tumulto, na época, quanto a se essas criaturasestavam ounãopróximasdo símiooudohumano, a ‘opinião’ deque elas eramhumanasprevaleceu. Issopodemuitobem ter resultado,não apenasnaderrotada‘opinião’contrária,comotambémnosepultamento‘daquelapartedaevidência’emquesebaseavaaopiniãocontrária. Seesseéocaso,deveriaserpossíveldesenterraressa ‘outra parte da evidência’. Na verdade, pode ser que essa evidência seja maiscompatívelcomonovopontodevista;podeserqueelaajudeaabrirapossibilidadede esses australopitecinos não serem nem como símios africanos nem comohumanos,edecertointermediáriostambémnão,masalgoacentuadamentediferente

deambos.

Éexatamenteesseoargumentoquevimoslevantandoemtodoestelivro.Asprovasforam enterradas. Nós próprios recuperamos uma quantidade considerável de taisprovasrelativasàantiguidadedotipohumanomoderno.

Resumindo suas descobertas, Oxnard declarou: “Os diversos fósseis deAustralopithecus costumam ser bastante diferentes tanto do homem quanto dossímiosafricanos[...]Seencaradoscomoumgênero,elesrepresentamummosaicode características próprias deles mesmos e de características que apresentam certasemelhançacomasdoorangotango”.Considerandoasingularidadeanatômicadosaustralopitecinos,Oxnarddisse: “Se essas avaliações são verdadeiras, entãodeixadeexistirapossibilidadedequalquerumdosaustralopitecinosserumapartediretadaancestralidadehumana”.

ComoLouis eRichardLeakey,Oxnard acreditava que a linhagemdosHomo eramuito mais antiga do que permite o cenário evolucionário convencional. A esserespeito, Oxnard chamou a atenção para alguns dos fósseis aqui analisadosanteriormente,taiscomooastrágaloER813humanóide,commaisde1,5milhãode anosde idade, e oúmerodeKanapoi, talvez comquatrooumaismilhõesdeanos. Com base em semelhante evidência,Oxnard concluiu que o gêneroHomotinhacincooumaismilhõesdeanosdeidade.“Anoçãoconvencionaldeevoluçãohumana”,disseOxnard,“precisaserprofundamentemodi cadaoumesmorejeitada[...]éprecisoexplorarnovosconceitos”.

Lucynaareiacomdiatribes

A despeito da obra de Oxnard, muitos cientistas ainda são adeptos da doutrinasegundo a qual o Australopithecus é um ancestral humano direto. Um dessescientistaséDonaldJohanson,queestudouantropologianaUniversidadedeChicagosobaorientaçãodeF.ClarkHowell.Comojovemestudantegraduado,ávidoporaprender a romântica tarefa de caçar fósseis hominídeos, Johanson acompanhouHowellatéaÁfrica,tendotrabalhadonosítioOmo,Etiópia.

Emocasiãoposterior,JohansonregressouàÁfrica,dessavezencabeçandosuaprópriaexpedição a Hadar, na região de Mar, Etiópia. Certa tarde, encontrou a partesuperiordeumatíbia,umossocompridoentreojoelhoeotornozelo.Oossoeraobviamentede algum tipodeprimata.Pertodali, Johanson encontrouum fêmurdistal,aextremidadeinferiordeumfêmur.Considerandoamaneiracomoofêmur

e a tíbia se encaixavam, Johanson acreditou ter encontrado a junta completa dojoelho não de algum macaco antigo, mas de um hominídeo, um ancestral doshumanos modernos. Os depósitos portadores dos fósseis tinham mais de trêsmilhõesdeanos,fazendodessaumadasmaisantigasdescobertasdehominídeosatéomomento.

Empublicaçõescientí cassubseqüentes,JohansonregistrouqueojoelhodeHadar(AL129)tinhaquatromilhõesdeanosepertenciaaumaustralopitecinoprimitivocomumaandadurabípedeinteiramentehumana.

Duranteotrabalhodoanoseguinte,AlemayehuAsfaw,umetíopequetrabalhavanosítio de Hadar com Johanson, encontrou alguns maxilares fósseis. Foi difícilclassi cá-Ios. Johanson solicitou que Richard Leakey viesse e os examinasse.Aceitando o convite, Leakey chegouna companhia de suamãe,MaryLeakey, e aesposaMeave.ComJohanson, elesexaminaramosmaxilarese julgaram-nocomosendoHomo,fazendodelesosmaisantigosfósseisdeHomoencontradosatéhoje.

Em 30 de novembro de 1974, Donald Johanson e Tom Gray exploravam aLocalidade162dosítiodeHadar,recolhendopedaçosdeossosdemamíferos.Apósalgumtempo,Grayjáqueriadaratarefaporencerradaeretornaraoacampamento.Johanson, contudo, sugeriu que eles investigassem uma vala próxima dali.Gray eJohanson não encontraram muita coisa. Mas quando já estavam de partida,Johanson avistou um pedaço de osso do braço jazendo exposto na superfície.Olhando ao redor, eles puderam ver, dispersos na superfície, outros ossos -aparentementedomesmoindivíduohominídeo.

JohansoneGraycomeçaramapulareagritarsobocalorde40graus,celebrandooqueeraobviamenteumadescobertadasmaissigni cativas.Naquelanoite,Johansone seus colaboradores zeramuma festa enquantoumacançãodosBeatles,Lucy inthe sky with diamonds, clamava repetidas vezes do sistema de som doacampamento. Da letra dessa canção, a fêmea de hominídeo recebeu seu nome,Lucy.

Pormeiodeumacombinaçãodosmétodosdedataçãoporpotássioargônio, rastrode ssiparidade e paleomagnetismo, Johanson determinou que Lucy tinha 3,5milhõesdeanosdeidade.

Em 1975, Johanson voltava a Hardar, dessa vez com um fotógrafo da NationalGeographic,queregistrououtradescoberta importante.Naencostadeumacolina,Johansonesuaequipeencontraramosrestosfósseisdetrezehominídeos,incluindomachos,fêmeasecrianças.OgrupofoichamadodeaPrimeiraFamília.TinhamamesmaIiadegeológicadeLucy,cercade3,5milhõesdeanos.

Com a Primeira Família, encerraram-se as principais descobertas em Hadar, quetambémincluíamojoelhodeHadar,osmaxilaresdeAlemayehueLucy.Passaremosagora a examinar como esses fósseis foram interpretados e reinterpretados pordiversosgrupos.

Ao classi car suas descobertas, a princípio Johanson baseou-se profundamente nojulgamento de Richard e Mary Leakey de que os maxilares de Alemayehu e osespécimes daPrimeiraFamília eramHomo.SeLucyeo fêmurea tíbiaAL129eram australopitecinos, como acreditava Johanson, então, havia dois tipos dehominídeosemHadar.

Mais tarde, Johanson foi in uenciado a mudar de opinião sobre o número deespéciesemHadar.Apessoaqueoconvenceuafazê-IofoiTimothyD.White,umpaleontólogoquetrabalharanolagoTurkanacomRichardLeakey.WhitetambémconvenceuJohansondequeohominídeodeHadarrepresentavaumanovaespécie.Johanson eWhite chamaram-na de Australopithecus afarensis, em homenagem àregiãodeAfar,Etiópia.

Segundo Johanson e White, o Australopithecus afarensis, o mais antigoaustralopitecinojádescoberto,deuorigemaduas linhagens.AprimeiraIevava,porintermédiodoAustralopithecusafricanus,aosaustralopitecinosrobustos.Asegundalinhagem levava, por intermédio doHomo habilis, aoHomo erectus, e deste, aoHomosapiens.

Australopithecusafarensis:humanizadodemais?

Johanson disse que os indivíduos Australopithecus afarensis tinham “corpos umtantopequenoseessencialmentehumanos”.Porém,diversoscientistasdiscordaramredondamente da imagem que Johanson fez do Australopithecus afarensis. Essesdissidentes pintaram um retrato bem mais simiesco de Lucy e seus parentes. Namaioria dos casos, os pontos de vista deles sobre Lucy equiparam-se ao trabalhoanteriordeOxnard,ZuckermaneoutrossobreoAustralopithecus.

Embora não houvesse, entre os fósseis de Hadar, o crânio completo de umAustralopithecusafarensis,TimWhiteconseguiumontarumareconstituiçãoparcial,utilizando fragmentos cranianos, pedaços de maxilar superior e inferior e algunsossosfaciaisdediversosindivíduosdaPrimeiraFamília.SegundoJohanson,ocrânioreconstituído“pareciamuitíssimocomodeumapequenafêmeadegorila”.Sobreesseponto,Johansoneseuscriticosnãodiscordaram.

Ambasaspartesconcordaramqueacabeçadoafarensiserasimiesca.

QuantoaocorpodoAustralopithecusafarensis,RandalIL.Susman,JackT.Stern,Charles E. Oxnard e outros acham-no muito simiesco, contestando, portanto, o

ponto de vista de Johanson de que Lucy caminhava empostura ereta no solo, àmaneirahumana.AomoplatadeLucyeraquaseidênticaàdeumsímio.Ajuntadoombro estava voltada para cima, indicando que os braços de Lucy eramprovavelmenteusadosparasubiremárvoresetalvezsuspenderocorpo.Osossosdobraço eram como os dos primatas trepadores de árvores, e a coluna vertebralapresentava pontos de ligamento para poderosíssimos músculos do ombro e dascostas.Osossosdopulsoedaregião dapalmadamãoeramadaptadosparaumapegadapoderosa, tantoquantooeramosossoscompridosecurvosdosdedos.Osossosdosquadrisedaspernastambémeramadaptadosparaescaladas,eopétinhadedoscurvosqueseriamúteisparaagarrarosgalhosdasárvores.

Não édifícil imaginar os efeitosdeumapinturaoumodelodeLucy suspensaoufazendooutrosmovimentosarbóreos.Issocomcertezadepreciariasuaimagemcomoumacriaturaacaminhodostatushumano.MesmoacreditandoqueLucypoderiater evoluído até o grau de ser humano, ainda assim, é preciso admitir que suascaracteristicasanatõmicasparecemtersidodesvirtuadasparafinsdepropaganda.

AntesdeencerrarmosoassuntoAustralopithecusafarensis,observamosqueRicharelLeakey,ChristineTardieuemuitosoutrosargumentamqueomaterialfóssilligadoaessaespécienaverdadeincluíaduasoumesmotrêsespécies.

Dentrodacomunidadecientí ca,nãoháatéomomentoumquadrounânimedoqueteriamsidodefatoosaustralopitecinos,incluindooAustralopithecusafarensis,tantodopontodevistadamorfologiadelesquantodarelaçãoevolucionáriaqueelesteriam com os humanos modernos. Enquanto uns os encaram como ancestrais,outros,taiscomoC.E.Oxnard,não.

AsPegadasdeLaetoli

OsítiodeLaetoliestálocalizadononortedaTanzânia,cercade50quilômetrosaosuldodes ladeiroOlduvai.“Laetoli”éotermoMasaiparao líriovermelho. Em1979,membros deuma expedição lideradaporMaryLeakeyperceberam algumasmarcas no solo. Elas mostraram ser pegadas fósseis de animais. Entre elas haviaalgumas que pareciam ter sido feitas por hominídeos. As pegadas haviam sidoimpressasemcamadasdecinzavulcânica,quegerouumaidadedepotássio-argônioentre3,6e3,8milhõesdeanos.

A revista National Geographic publicou um artigo de Mary Leakey intitulado“Pegadasnascinzasdotempo”.Emsuaanálisedasimpressões,LeakeycitavaLouiseRobbins,umaperitaempegadasdaUniversidadedaCarolinadoNorte,quedisseque “elas pareciam tão humanas, tãomodernas, para serem encontradas em tufosvulcânicostãoantigos”.

Osleitoresquenosacompanharamatéestepontodenossajornadaintelectualterãopouca di culdade para reconhecer as pegadas de Laetoli como evidência empotencialdapresençadesereshumanosanatomicamentemodernoshámaisde3,6milhões de anos na África. Ficamos, contudo, um tanto espantados ao encontrarumaanomalia tão surpreendenteno inesperadocenáriodosmais recentesanaisdapesquisa paleantropológica convencional. O que mais nos assombrou foi quecientistasdereputaçãomundial,osmelhoresemsuaáreapro ssional,conseguiramolhar para essas pegadas, descrever seus aspectos humanóides e se mantercompletamentedesatentosdapossibilidade deascriaturasqueas zerampoderemtersidotãohumanóidesquantonóspróprios.

Os uxosmentaisdelesoperavamsegundooscorriqueiroscanais xos.MaryLeakeyescreveu: “Há pelo menos 3.600.000 anos, em épocas do Plioceno, o que euacredito seroancestraldiretodohomemcaminhava inteiramenteeretocomumaandadura bípede e sem passadas largas [...] A forma de seu pé era exatamente amesmaqueanossa”.

Quemeraotalancestral?LevandoemcontaopontodevistadeLeakey,aspegadasde Laetoli teriam sido feitas por um ancestral não-australopitecino do Homohabilis. Levando em conta o ponto de vista de Johanson-White, as pegadas deLaetoli teriam sido feitas pelo Australopithecus afarensis. Em ambos os casos, acriaturaquefezasimpressõesteriatidoumacabeçasimiescaeoutrascaracteristicasprimitivas.

Masporquenãoumacriaturacompésecorpointeiramentemodernos?Nãoexistenadanaspegadasquedescarte essapossibilidade.Alémdomais, compilamosnestelivro uma quantidade razoável de evidências fósseis, algumas delas da África,compatíveis com a presença de seres humanos anatomicamente modernos noPleistocenoInferiorePliocenoSuperior.

Estaríamos talvez exagerando os aspectos humanóides das pegadas de Laetoli?Vejamosoquediversospesquisadoresnostêmadizer.LouiseRobbins,queforneceuumaavaliaçãoinicialdasimpressõesdeLaetoliaMaryLeakeyem1979,publicoumais tarde um relatório mais ponnenorizado. Diversos conjuntos de trilhas,identi cadosporletras,foramencontradosemLaetoli.Aoexaminarastrilhas“G”,representantesdetrêsindivíduosdescritosporMaryLeakeycomoumpossívelgrupofamiliar,Robbinsdescobriuqueasimpressões“compartilhammuitosaspectosquesãocaracterísticosdaestruturadopéhumano”.Elaobservouemespecialqueodedograndedopéapontavadiretamenteparaafrente,comonoshumanos,enãoparaolado,comonossímios.Emsímios,odedograndedopépodesemexertalqualopolegar humano. Segundo concluiu Robbins, “as quatro regiões funcionais -

calcanhar, arcada, protuberância arredondada e dedos grandes - dos pés doshominídeosimprimiamacinzademaneiratipicamentehumana”e“oshominídeosatravessavamasuperficiedacinzadeformabípedehumanacaracterística”.

M.H.Dayestudouasimpressõesusandométodosfotogramétricos.Afotogrametriaéaciênciadaobtençãodemedidasexataspormeiodousodafotogra a.Segundomostrou o estudo de Day, as impressões tinham “íntimas semelhanças com aanatomia dos pés do humano moderno habitualmente descalço, ou seja,demonstravelmente,acondiçãohumananonnal”.Dayconcluiu:“NãoexistemsériascontrovérsiasquantoàposturaeretaeàcaracterísticabípededosaustraIopitecinos”.

Mas que provas tinha ele de que tinha sido um austraIopitecino quem zera aspegadas de Laetoli? Não há razão para descartar a possibilidade de que algumacriatura desconhecida, talvezmuitíssimoparecidacomoHomosapiensmoderno,tivessesidoacausadelas.

R. H. TuttIe, um sico antropólogo, a rmou: “As formas das impressões sãoindistinguíveisdaquelasdehumanoshabitualmentedescalçosedepassadaslargas”.

TuttIe concluiu: “Estritamente com base na morfologia das impressões G,poderíamos classi car como Homo aqueles que as zeram [...] porque elas sãobastante semelhantes com as do Homo sapiens. No entanto, a data primitivaatribuída a elas provavelmente impediria muitos paleantropólogos de aceitar essaespeci cação.Suspeitoeuque,seasimpressõesaindaestivessemporseremdatadas,ou se Ihes tivessematribuídodatasmais recentes,muitosperitosprovavelmente asaceitariamcomotendosidofeitasporHomo”.Alémdisso,TuttIedeclarou:“ElessãocomopequenosHomosapiensdescalços”.

Na opinião deTuttIe, o pé doAustralopithecus afarensis não poderia ter feito asimpressões. Conforme já vimos, o pé do Australopithecus afarensis tinha dedosgrandes, compridos e curvos e, segundo disse Tuttle, era difícil imaginá-Ios“encaixando-seperfeitamentenaspegadasdeLaetoli”.OmesmoseaplicariaaopédequalqueraustraIopitecino.

SterneSusmanopuseram-seaessaopinião.ConvencidosdequetinhasidoopédosimiescoAustralopithecusafarensisque zeraaspegadasdeLaetoli,elespropuseramqueosantigoshominídeoshaviamatravessadoacinzavulcânicacomseuscompridosdedosgrandesenroscadossobseuspés,comojáseobservouseràsvezesohábitodoschimpanzés. Os dedos enroscados explicariam por que as pegadas doAustralopithecus afarensis emLaetoli assemelhavam-se tanto àquelas feitas pelo péhumanodededosrelativamentecurtos.

Poderia um australopitecino, caminhando com os dedos enroscados, ter feito as

impressões humanóides? Tuttle achou isso extremamente improvável. Se ohominídeodeLaetolitivessededoscompridos,então,disseTuttle,seriadeesperarencontrardoispadrõesdeimpressãodededos-dedosextensosecompridosecurtosdedosenroscados, commarcasdearticulação superprofundas.Comonãoerabemesseocaso,deduz-sequeopédededoscompridosdoAustralopithecusafarensisnãopoderiaterfeitoasimpressões.

Mesmo Tim White, que acreditava que o Australopithecus afarensis zera aspegadas,a rmou:“OmodelodededoenroscadodeSterneSusman(1983)‘comonochimpanzé’prevêumasigni cativavariaçãonoscomprimentoslateraisdosdedosvistos nas impressões de Laetoli. Essa previsão não se fundamenta nas impressõesfósseis”.

DiretamentecontestandoJohanson,White,LatimereLovejoy,quealegavamteroAustralopithecusafarensisfeitoasimpressõesdeLaetoli,Tuttledisse:“Porcausadacurvatura e do alongamento digitais e de outras características esqueletais queevidenciamhábitosarbóreos [...]é improvávelqueoAustralopithecusafarensis deHadar, Etiópia, pudesse ter feito pegadas como as de Laetoli”. Tais declaraçõesprovocaram contra-ataques elaborados de Johanson e seus seguidores, quecontinuampromovendoaidéiadequeoAustralopithecusafarensispoderiaterfeitoaspegadas.

Tim White, por exemplo, publicou um estudo de 1987 sobre as impressões deLaetoli, no qual contestava a objeção deTuttIe de que fora um hominídeomaisavançadoqueoAustralopithecusafarensisquemfizeraaspegadas.

Whitealegou:“Nãoexisteomenorfragmentodeevidência,entreos26indivíduoshominídeos na coleção de mais de cinco mil restos vertebrados de Laetoli, quepudessesugerirapresençadeummaisavançadohominídeodoPliocenonessesítio”.Contudo, conforme já vimos em nossa análise dos fósseis hominídeos africanos,existem, defato,alguns ‘fragmentos’deevidênciadapresençadecriaturasdotiposapiensnoPlioceno, algunsnãomuitodistantesdeLaetoli.Alémdomais, ébemsabidoquesãorarososrestosesqueletaishumanos,mesmoemsítiosondeháoutrossinaisinquestionáveisdeumapresençahumana.

Segundo previu White: “As impressões de Laetoli acabarão por provar seremsutilmente distintas das deixadas, sob condições análogas, por humanosanatomicamentemodernos”.Maspeloquequalquerpessoapodeperceberhoje,elassãoindistinguíveisdasdehumanosmodernos.AtéopróprioWhitedissecertavez:“Nãotenhamdúvidas.Elassãocomopegadashumanasmodernas.SealgumadelasfossedeixadanumapraiadaCalifórniahojeeperguntassemaumacriançade4anosdeidadedoquesetratava,elalogodiriaquealguémcaminharaporali.Elanãoteria

comodiferençaressapegadadeoutrascempegadasnapraia,nemvocê.Amorfologiaexterna é amesma. Háum calcanharmoderno e bem torneado comuma arcadaforteeumaboaboladopénafrentedela.Odedograndeéreto.Elenãoseprojetaparaoladocomoumdedodesímio”.

ETuttle observou: “Sob todos os aspectos morfológicos discerníveis, os pés dosindivíduos que zeram as trilhas ‘G’ são indistinguíveis dos pés humanosmodernos”.

CrânioNegro,Pensamentosnegros

Em1985,AlanWalker,daUniversidadeJohnsHopkins,descobriu,aoestedolagoTurkana, um fóssil de crânio hominídeo, escurecido por minerais. Chamado deCrânioNegro,suscitouindagaçõesacercadopontodevistadeevoluçãohominídeasustentadoporDonaldJohanson.

SegundoaidéiaoriginaldeJohanson,oAustralopithecusafarensisdeuorigemaduaslinhagens de hominídeos. Esse postulado pode ser visualizado como uma árvorecom dois galhos. O tronco é o Australopithecus afarensis. Em um galho está alinhagemHomo, oriunda doHomo habilis para oHomo erectus e deste para oHomo sapiens. No segundo galho estão os australopitecinos originários doAustralopithecusafarensis.

ConformealegavamJohansoneWhite,oAustralopithecusafarensisdeuorigemaoAustralopithecus africanus que, por sua vez, deu origem ao Australopithecusrobustus.Haviaumatendênciaasedesenvolveremdentesemaxilaresmaioreseumcrâniomaiorcomumacristadeosso,acristasagital,percorrendoacalotacraniana.Acrista sagitalserviacomopontode ligaçãoparaospoderososmúsculosdomaxilardos australopitecinos robustos. Então, o Australopithecus robustus supostamentedeu origem ao super-robusto Australopithecus boisei, que manifestou todas ascaracterísticas supramencionadas sob uma forma extrema. O Crânio Negro,designadoKNM-WT17000,erasemelhanteaoAustralopithecusboisei,mastinha2,5milhõesdeanosmaisvelhoqueomaisantigodosaustralopitecinosrobustos.

ComoJohansonreagiuàdescobertadoCrânioNegrodotipoboisei?AdmitiuqueoCrânio Negro complicara as coisas, impossibilitando que se dispusesse oAustralopithecusafricanus,oAustralopithecusrobustuseoAustralopithecusboiseinuma só linhagem de sucessão oriunda do Australopithecus afarensis. Johansonpropôs quatro possíveis disposições dessas espécies, sem sugerir qual delas estavacorreta.Aindanãohavia,disseele,evidênciasu cienteparaconcluirqualdelaseraacorreta.

AincertezaquantoaonúmerodeespéciesemHadar,bemcomoasconfusasrelações

entre as espécies sucessoras (Australopithecus africanus, Australopithecus robustus,Australopithecus boisei e Homo habilis), criam problemas para os evolucionistas.Em1986,PatShipmandisse:“Amelhorrespostaquepodemosdarnessemomentoéquenãotemosmaisumaidéiamuitonítidasobrequemdeuorigemaquem”.

Emmeioànovacomplexidade,umaquestãotemimportânciaespecial-aorigemdalinhagem Homo. Shipman contou ter visto Bill Kimbel, um companheiro deJohanson,tentandodestrincharasimplicações logenéticasdoCrânioNegro.“Nom de uma palestra sobre a evolução australopitecina, ele apagou todos os

sistemáticosdiagramasalternativose touoquadronegroporuminstante.Depois,voltou-se para a turma e fez sinal de incerteza com as mãos”, escreveu Shipman.Kimbel acabou concluindo que a linhagemHomoprovinha doAustralopithecusafricanus. Johanson e White continuaram sustentando que o Romo vinhadiretamentedoAustralopithecusafarensis.

Após terconsideradodiversasalternativas logenéticaseachado inconclusivas todasas provas relativas a elas, Shipman a rmou: “Poderíamos alegar não ter qualquerespéciedeevidênciaacercadeonde surgeoHomoeafastar todososmembrosdogêneroAustralopithecusda famíliahominídea [...]Tenhouma reaçãonegativa tãovisceralaessaidéiaquesuspeitoserincapazdeavaliá-Iaracionalmente.Fuieducadacom a noção de que o Australopithecus é um hominídeo”. Essa é uma dasdeclaraçõesmaishonestasquejáouvimosdapartedeumcientistadeeliteenvolvidoempesquisaspaleantropológicas.

Noestudoprecedente,consideramosapenasaevidênciageralmenteaceitahojepelamaioria dos cientistas. Desnecessário dizer que, se também considerássemos aevidênciaafavordehumanosanatomicamentemodernosemtemposantiqüíssimos,complicaríamosoassuntoaindamais.

Tendo revisto a história das descobertas africanas relativas à evolução humana,podemos fazer as seguintes observações sumárias. (1) Existe uma quantidadesigni cativa de provas oriundas da África que sugerem que seres semelhantes ahumanos anatomicamentemodernos estiveram presentes no Pleistoceno Inferior eno Plioceno. (2) A imagem convencional do Australopithecus como um bípedeterrestre bem humanóide parece ser falsa. (3) O status do Australopithecus e doHomo erectus como ancestrais humanos é questionável. (4)O status doHomohabilis como uma espécie distinta é questionável. (5) Mesmo nos limitando àsprovasaceitasconvencionalmente,amultiplicidadedeelosevolucionáriospropostosentreoshominídeosnaÁfrica apresentaumquadromuito confuso.Combinandoessasdescobertascomasdoscapítulosprecedentes,concluímosqueaevidênciatotal,incluindoossosfósseiseartefatos,ébastantecompatívelcomopontodevistadeque

humanos anatomicamente modernos têm coexistido com outros primatas hádezenasdemilhõesdeanos.

ResumodeEvidênciasAnômalasRelacionadascomaAntiguidadeHumanaOssítiosmencionadosnestelivroestãoapresentadosnaordemdasidadesmínimaspublicadas,conforme as consideramos prováveis ou dignas de consideração. A seguir, umglossáriodostermosusadosnatabela.

Eólitos: pedras quebradas de modo natural, com uma ou mais arestasintencionalmentemodificadasoudesgastadaspelouso.

Paleólitos: pedras intencionalmente transformadas mediante desbaste, criando umtipoevidentedeferramenta.

Neólitos:asmaisavançadasferramentaseutensíliosdepedra.

Humano:identi cadoporalgunsmembrosdeequipe,pelomenos,comohumanosanatomicamentemodernos.

Ossos quebrados, escavados, raspados ou com incisões: ossos animaisintencionalmentemodificados.

ResumodeEvidênciasAnômalasRelacionadascomaAntiguidadeHumanaOssítiosmencionadosneste livroestãoapresentadosnaordemdas idadesmínimaspublicadas,conformeasconsideramosprováveisoudignasdeconsideração.Aseguir,umglossáriodostermosusadosnatabela.

Eólitos: pedras quebradas de modo natural, com uma ou mais arestasintencionalmente modi cadas ou desgastadas pelo uso. Paleólitos: pedrasintencionalmente transformadas mediante desbaste, criando um tipo evidente deferramenta.Neólitos:asmaisavançadasferramentaseutensíliosdepedra.Humano:identi cado por alguns membros de equipe, pelo menos, como humanosanatomicamentemodernos.Ossosquebrados,escavados,raspadosoucomincisões:ossosanimaisintencionalmentemodificados.