a história local e seu lugar na história

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  • 7/22/2019 A histria local e seu lugar na Histria

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

    CENTRO DE CINCIAS SOCIAIS APLICADAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    BASE DE PESQUISA: EPISTEMOLOGIA E ENSINO-APRENDIZAGEM

    LINHA DE PESQUISA: PRTICAS PEDAGGICAS E CURRCULO

    A HISTRIA LOCAL E SEU LUGAR NA HISTRIA:

    histrias ensinadas em Cear-Mirim

    Jos Evangelista Fagundes

    Natal RN

    2006

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    Jos Evangelista Fagundes

    A HISTRIA LOCAL E SEU LUGAR NA HISTRIA:

    histrias ensinadas em Cear-Mirim

    Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em

    Educao do Centro de Cincias Sociais e Aplicadas,

    Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como

    requisito parcial para obteno do ttulo de Doutor em

    Educao.

    Orientao: Profa. Dra. Maria Ins Sucupira Stamatto

    Natal RN

    2006

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    Diviso de Servios Tcnicos

    Catalogao na Fonte. UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede

    Fagundes, Jos Evangelista.A histria local e seu lugar na histria: histrias ensinadas em Cear-Mirim / Jos Evangelista Fagundes.

    Natal, RN, 2006.194 p.

    Orientadora: Maria Ins Sucupira Stamatto

    Tese (Doutorado) Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Cincias Sociais Aplicadas.Programa de Ps-Graduao em Educao.

    1. Ensino fundamental -Tese. 2. Histria local - Tese. 3. Historiografia - Tese. 4. Ensino de histria -Tese. I. Stamatto, Maria Ins Sucupira. II. Ttulo.

    RN/UF/BCZM CDU 37.046.12

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    Jos Evangelista Fagundes

    A HISTRIA LOCAL E SEU LUGAR NA HISTRIA:histrias ensinadas em Cear-Mirim

    Tese apresentada como requisito parcial obteno do ttulo de Doutor em Educao, ao

    Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

    BANCA EXAMINADORA

    ___________________________________________________________Profa. Dra. Maria Ins Sucupira Stamatto

    Orientadora UFRN

    ____________________________________________________________

    Prof. Dr. Iranilson Buriti de Oliveira

    Examinador Externo UFCG

    __________________________________________________

    Dra. Maria Elizete Guimares CarvalhoExaminadora Externa UnP

    ___________________________________________________________

    Profa. Dra. Lindaci Gomes de Souza

    Examinadora Externa Suplente UFPB

    ____________________________________________________

    Prof. Dr. Raimundo Nonato Arajo da Rocha

    Examinador Interno UFRN_____________________________________________________________

    Profa. Dra. Maria Aparecida de Queiroz

    Examinadora Interna UFRN

    ____________________________________________________________

    Profa. Dra. Francisca Lacerda de Gis

    Examinadora Interna Suplente UFRN

    Tese aprovada em 21 de julho de 2006.

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    Ao meu irmo Z, de vida to efmera e lembranato duradoura.A Elaila Estelita, minha me primeira, de quem nascie nunca conheci.Aos meus amores, Rosinha, Julinha, Pedrinho e,especialmente, Rodriguinho, que sempre me cobrou

    uma das coisas mais raras nos ltimos anos: tempo!com suas palavras: brinque comigo, pai, s umpouquinho, por favor!.

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    AGRADECIMENTOS

    Universidade Federal do Rio Grande do Norte, instituio qual devo toda a minhaformao acadmica, da graduao ao doutorado. Aqui, estudei, morei, trabalhei e militei. A

    minha experincia como estudante somou-se de funcionrio. Por tudo isso, devo, muito do

    que sou, profissional e pessoalmente, a esta universidade, que merece meu reconhecimento e

    gratido aqui explcitos.

    Foram muitas as pessoas que, direta ou indiretamente, contriburam com este trabalho.

    Entre elas, gostaria de registrar meus agradecimentos: professora Ins, pela ateno e apoio, como orientadora, e pela forma como sempre

    conduziu as aulas, permitindo que o pensamento de seus alunos flusse livremente;

    Aos professores Rosa Godoy, Regina Clia e Antonio Ferreira, pelas sugestes

    durante os Seminrios de Pesquisa e Seminrios Doutorais;

    Aos professores Iranilson Buriti de Oliveira, Maria Elizete Guimares Carvalho,

    Lindaci Gomes de Souza, Raimundo Nonato Arajo da Rocha, Maria Aparecida de Queiroz e

    Francisca Lacerda de Gis, por terem aceitado o convite para participarem da Banca

    Examinadora e pelas contribuies que com certeza sero teis para a continuidade do estudo

    sobre a temtica;

    s minhas irms Roslia, Rosimar e Rosilda, pelo cuidado dedicado aos nossos pais

    diante da minha constante ausncia;

    Aos amigos Marconi Gomes e Marclia Gomes, pelas pertinentes contribuies ao

    trabalho;

    amiga Jailma, colega de trabalho e de percurso, to aguerrida e batalhadora, pelas

    sugestes e incentivos;

    Repblica do Ass, nas pessoas das professoras Conceio e Cssia, especialmente

    professora Alessandra, pela leitura cuidadosa do texto. Colegas cujas palavras serviram de

    estmulo caminhada;

    Aos colegas do Departamento de Histria da UERN/Ass, especialmente os

    professores Gilmar e Rita, pelo apoio que me deram, ao concederem parte de seu tempo

    substituindo-me na sala de aula, o que contribuiu para que este trabalho viesse a se tornar

    realidade;

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    A Izabella e Milton, alunos do Curso de Histria de Ass, pela contribuio na

    transcrio das entrevistas;

    A Vilma e Rachel, pela convivncia amiga durante o doutorado;

    A Albanita Oliveira, bibliotecria do CCSA, pela orientao tcnica prestada e pela

    forma atenciosa e prestativa de atendimento aos usurios da biblioteca;

    A Gliclia, funcionria da Biblioteca municipal de Cear-Mirim, pelas informaes

    prestadas;

    s profissionais da Secretaria Estadual de Educao, especialmente Aliete, da SUEM,

    Rita e Maria do Carmo, da SUEF, pela colaborao com dados importantes para o estudo;

    Aos funcionrios do IDEMA, pela disposio em colaborar com a pesquisa, em

    especial Ana Maria e Edivnia;s demais pessoas que contriburam, de forma direta ou indireta, com o trabalho:

    Luana Gomes, Fabola Fagundes, Alessandro Galeno, Lourdes Valentim, Helena, Valdeci,

    Grinaura.

    Quero externar tambm a minha gratido a todos que, mesmo no tendo os seus nomes

    aqui expressos, contriburam de forma muitas vezes desinteressada para a realizao do

    trabalho, entre eles os funcionrios da Biblioteca Municipal de Cear-Mirim e das Escolassituadas no municpio.

    Enfim, o meu agradecimento especial:

    A Mrcia Gurgel, pelo grande incentivo e pelas muitas contribuies que deu a este

    trabalho. Agradeo tambm pela dedicao, durante esses anos, aos nossos filhos, o que me

    possibilitou mais tempo para as atividades do doutorado;

    Aos meus filhos Jlia, Pedro e Rodrigo, pelo constante carinho e compreenso;A Juliana, minha enteada, pelo apoio to necessrio no manuseio das novas

    tecnologias;

    A Carla, pelo apoio no dia-a-dia, que contribuiu para o andamento deste trabalho;

    Ao professor Lacio, do municpio de Cear-Mirim: a partir de sua interveno, as

    portas dos colgios e da Igreja se abriram para que eu pudesse conduzir as reunies e demais

    atividades junto aos professores colaboradores;

    Ao professor Wellington, do municpio de Cear-Mirim, por todo o apoio dado em

    minhas visitas ao municpio e pela forma agradvel com a qual sempre me recebeu;

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    Ao professor Srgio, do municpio de Cear-Mirim, aluno aplicado e professor

    dedicado ao rduo ofcio de educador, por me apresentar o municpio e me fazer chegar at os

    professores colaboradores da pesquisa;

    A todos os meus alunos do Curso de Histria da UERN/Ass, razo maior de nossa

    capacitao, com os quais compartilhei minhas angstias, sendo sempre compreendido;

    Aos professores colaboradores de Cear-Mirim, exemplos de garra e compromisso

    com a educao do municpio. Apesar das adversidades com as quais lidam na docncia,

    nunca vi, de suas partes, gestos ou aes de desnimo. Ao contrrio, s nimo e disposio na

    busca incansvel para fazer o melhor. Meus agradecimentos forma como se entregaram a

    este trabalho, sacrificando fins de semana e outros momentos de suas vidas. A inovao no

    ensino de histria s se tornar realidade neste pas pelas mos de profissionais com esteperfil;

    A Rosinha, a quem devo muito deste trabalho. Do projeto de pesquisa defesa final,

    esteve sempre ao meu lado, como companheira e como colaboradora: incentivou, sugeriu e

    interveio. Sem a sua participao, o trabalho no teria a mesma feitura.

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    A VERDADE DIVIDIDA

    A portada verdade estava aberta

    mas s deixava passar

    meia pessoa de cada vez

    Assim no era possvel atingir toda a verdade,

    porque a meia pessoa que entrava

    s conseguia o perfil de meia verdade

    E sua segunda metade

    voltava igualmente com meio perfil

    E os meios perfis no coincidiam.

    Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.

    Chegaram ao lugar luminoso

    onde a verdade esplendia os seus fogos

    Era dividida em duas metades

    diferentes uma da outra

    Chegou-se a discutir qual a metade mais bela

    Nenhuma das duas era perfeitamente bela

    E era preciso optar. Cada um optou

    conforme seu capricho, sua iluso, sua miopia.

    Carlos Drummond de Andrade

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    RESUMO

    Pesquisa sobre o ensino de histria voltada para a compreenso da prtica docente em escolas

    do ensino fundamental do municpio de Cear-Mirim, localizado no estado do Rio Grande do

    Norte. Tem como propsito entender as formas de abordagem da histria local em turmas de

    5 a 8 sries luz das recentes inovaes nos campos da historiografia e do ensino. O estudo

    foi conduzido tendo em vista investigar como a histria local vem sendo ensinada pelos

    professores, bem como refletir sobre as condies necessrias concretizao de um ensino

    cujo saber-fazer possibilite romper, por um lado, com os limites do estreito localismo, e, por

    outro, com a viso globalizante e negadora das particularidades e das especificidades do local.Tais questes emergiram da compreenso de que os contedos da histria local podem se

    constituir em componente significativo na produo do conhecimento histrico escolar em

    turmas de 5aa 8asries. Analisa-se o ensino de histria, considerando os depoimentos de trs

    professores de Cear-Mirim no que diz respeito s suas concepes de historiografia e de

    histria enquanto disciplina escolar. A investigao de natureza qualitativa e teve como

    principal estratgia de construo dos dados as entrevistas com os professores. A anlise

    indica a permanncia de prticas docentes que, embora apresentando inovaes, trazemimplcita uma hierarquia valorativa em que as temticas locais ou no so contempladas nos

    contedos escolares ou aparecem subjugadas histria geral e histria do Brasil,

    configurando-se uma relao hierrquica das problemticas histricas. Ressalta-se, assim, a

    necessidade de um saber histrico escolar que considere as especificidades do local sem, no

    entanto, desconsiderar as articulaes com outras dimenses espaciais.

    Palavras-chave: Ensino Fundamental, Histria Local, Historiografia, Ensino de Histria,

    Cear-Mirim.

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    ABSTRACT

    This Researchis about history education and is directed toward the understanding of teacher

    practices in schools of the basic education in Cear-Mirim, a city located in the state of Rio

    Grande do Norte. Its purpose is to understand the approaching forms of local history in 5 to

    8 grade classrooms in the light of the recent innovations in the fields of the historiografy and

    education. The study was done with a view of investigating local history is being taught by

    teachers, as well as reflecting on the necessary conditions to the accomplishment of a teaching

    whose know how to make possible to break, on the one hand, with the limits of the narrow

    `local view`, and, on the other hand, with the globalized view, negating the localparticularitities and especifications. Such questions had emerged as the understanding of what

    local history contents can constitute in a significant component in the production of school

    historical knowledge in 5 to 8 grade classrooms. History education is analyzed, considering

    the depositions of three teachers of Cear-Mirim in reagard to its historiography conceptions

    and history as a school subject. This inquiry is of a qualitative nature and had as a main

    strategy of data construction from the interviews with the teachers. The analysis indicates the

    permanence of teacher practices who, even though presenting innovations, bring an implicitvalue hierarchy where the place or thematic places are not contemplated in the school

    contents or appear overwhelmed by general history and the Brazilian history, configuring

    itself as a hierarchical relation to problematic historical ones. Thus the necessity of having

    historical school knowledge, that considers the local especifications, without, however,

    ignoring the articulations with other spatial dimensions.

    Word-keys: Basic Education, Local history, Historiography, Education of History, Cear-Mirim.

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    RSUM

    Cette recherche traite de lenseignement dhistoire afin de comprendre la pratique des

    enseignants dans des coles denseignement fondamental de la municipalit de Cear-Mirim

    dans ltat du Rio Grande do Norte. Le but est de comprendre les formes daborder lhistoire

    locale dans les classes de sixime troisime, la lumire des rcentes innovations dans les

    domaines de lhistoriographie et de lenseignement. Ltude a t conduit en vue

    dinvestiguer comment lhistoire locale est enseigne par les professeurs, ainsi que rflechir

    propos des conditions ncssaries la concrtisation dun enseignement dont le savoir-faire

    permette rompre, dun ct, avec les limites dune particularisation stricte, et de lautre, avecla vision mondialise qui nie les particularits et les spcificits du local. Ces questions ont

    merg de la comprhension que les contenus de lhistoire locale peuvent constituer une

    composante significative dans la production de la connaissance historique scolaire dans les

    classes de sixime troisime. Pour analyser lenseignement dhistoire sont considrs, dans

    cet tude, les tmoignages de trois professeurs de Cear-Mirim en ce qui concerne leurs

    conceptions propos dhistoriographie et dhistoire en tant que discipline scolaire.

    Linvestigation est base sur des critres qualitatifs et a eu comme principale stratgie deconstruction des donnes les interviews des professeurs. Lanalyse indique la permanence de

    pratiques denseignement qui, malgr des innovations, dmontrent de faon implicite une

    hirarchie valorative dans laquelle les sujets locaux soit ne sont pas considrs dans

    lensemble des contenus scolaires, soit apparaissent soumis lhistoire gnrale et lhistoire

    du Brsil, ce qui dmontre une relation hirarchique des problmatiques historiques. Do il

    ressort la ncssit dun savoir historique scolaire qui considre les spcificits du lieu sans,

    pour autant, refuser des articulations avec dautres dimensions spaciales.

    Mots-cls: Enseignement Fondamental, Histoire Locale, Historiographie, Enseignement

    dHistoire, Cear-Mirim.

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    LISTA DE ILUSTRAES

    Quadros

    Quadro 01 Trabalhos produzidos tendo como objeto de estudo o ensino de histria nas

    escolas situadas no estado do Rio Grande do Norte, em nvel de graduao..................... 146

    Quadro 02 Trabalhos produzidos tendo como objeto de estudo o ensino de histria nas

    escolas situadas no estado do Rio Grande do Norte, em nvel de ps-

    graduao............................................................................................................................

    147

    Quadro 03 Trabalho isolado tendo como objeto de estudo o ensino de histria nas

    escolas situadas no estado do Rio Grande do Norte........................................................... 147

    Mapas

    Mapa 01 Rio Grande do Norte: Municpio de Cear-Mirim........................................... 37

    Mapa 02 Rio Grande do Norte: Regio Metropolitana de Natal..................................... 38

    Mapa 03 Regio Metropolitana de Natal........................................................................ 39

    Mapa 04 Municpio de Cear-Mirim............................................................................... 40

    Grfico

    Grfico 01 Regio Metropolitana de Natal: Pessoas responsveis pelos domiclios sem

    instruo ou que tm menos de 4 anos de estudo 2000.................................................. 53

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    LISTA DE SIGLAS

    ANDES Associao Nacional dos Docentes do Ensino Superior

    ANPEd Associao Nacional de Ps-Graduao em Educao

    ANPUH Associao Nacional de Histria

    CEDES Centro de Estudos Educao e Sociedade

    CENP Coordenadoria de Estudos e Normas Pedaggicas

    CERES Centro de Ensino Superior do Serid

    CPB Confederao dos Professores do Brasil

    DIRED Diretoria Regional de EnsinoFUNDEF Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental

    ENEM Exame Nacional do Ensino Mdio

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IDH ndice de Desenvolvimento Humano

    IHGB Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro

    INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria

    INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio TeixeiraLDB Lei de Diretrizes e Bases

    LCE Lei Complementar Estadual

    MEC Ministrio da Educao

    MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

    ONU Organizao das Naes Unidas

    PIB Produto Interno Bruto

    PCN Parmetros Curriculares NacionaisPNUD Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento

    PROLCOOL Programa Nacional do lcool

    PROLER Programa Nacional de Incentivo Leitura

    PROVO Exame Nacional de Cursos

    REDEF Rede de Disseminao do Ensino Fundamental

    RBH Revista Brasileira de Histria

    RMN Regio Metropolitana de Natal

    SAEB Avaliao da Educao Bsica

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    SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia

    SEC Secretaria Estadual de Educao e Desportos

    SECD Secretaria de Estado da Educao, da Cultura e dos Desportos

    SUEF Subcoordenadoria de Ensino Fundamental

    SUEM Subcoordenadoria do Ensino Mdio

    UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte

    UERN Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

    UnP Universidade Potiguar

    UNE Unio Nacional dos Estudantes

    UVA Universidade Estadual Vale do Acara

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    SUMRIO

    INTRODUO.......... 18

    1 AS ESTRATGIAS INVESTIGATIVAS, O CAMPO EMPRICO, OS

    SUJEITOS....

    24

    1.1 OQUE FIZEMOS:AS ESTRATGIAS INVESTIGATIVAS......................... 24

    1.1.1 O plano de investigao............................................................................................ 26

    1.1.2 A construo dos dados............................................................................................. 28

    1.1.3 As entrevistas............................................................................................................ 30

    1.2 ONDE ESTAMOS:OMUNICPIO DE CEAR-MIRIM..................................................... 331.2.1 Breve apresentao................................................................................................... 33

    1.2.2 O doce Vale da aristocracia aucareira..................................................................... 41

    1.2.3 Cear-Mirim: do passado ao presente....................................................................... 49

    1.3 SOBRE OS PROFESSORES COLABORADORES............................................................... 55

    2 HISTRIA E DESAFIOS CONTEMPORNEOS......... 60

    2.1 MODERNIDADE E CONTEMPORANEIDADE:NOVO MUNDO,NOVO PARADIGMA?........ 60

    2.2 HISTORIOGRAFIA CONTEMPORNEA:NOVAS QUESTES ENOVAS ABORDAGENS..... 712.3 AHISTRIA LOCAL COMO OBJETO DE ESTUDO.......................................................... 84

    3 O ENSINO DE HISTRIA: entre reflexes, permanncias e mudanas...... 95

    3.1 OENSINO DE HISTRIA E A EDUCAO BRASILEIRA................................................. 95

    3.1.1 A contribuio da comunidade cientfica.................................................................. 98

    3.1.2 Uma nova forma de interveno estatal: a oposio no poder.................................. 105

    3.1.3 Dcada de 1990: a interveno em nvel nacional (LDB, PCN)................................ 114

    3.2 CONCEPES DE HISTRIA ENQUANTO DISCIPLINA................................................... 1233.2.1 Finalidade do ensino de histria................................................................................ 123

    3.2.2 Os contedos trabalhados pelos professores............................................................. 129

    3.2.2.1 A utilizao do livro didtico pelos professores....................................................... 133

    4 A INCORPORAO DA HISTRIA LOCAL AO PROCESSO ENSINO-

    APRENDIZAGEM..................................................................................................

    141

    4.1 AHISTRIA LOCAL COMO CONTEDO DE ENSINO..................................................... 141

    4.2 OS PROFESSORES E A CONCEPO DA HISTRIA LOCAL:CEAR-MIRIM NA SALA

    DE AULA.................................................................................................................... 150

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    4.2.1 As escolhas dos contedos e das fontes.................................................................... 151

    4.2.2 As dificuldades com o ensino de histria local......................................................... 159

    CONSIDERAES FINAIS................................................................................................ 166

    REFERNCIAS..................................................................................................................... 171

    ANEXOS................................................................................................................................. 184

    ANEXO A Proposta de Atividades para Grupo de Estudos. Roteiro da primeira entrevista

    com professores colaboradores................................................................................................ 185

    ANEXO B Roteiro da segunda entrevista individual com professores colaboradores.............. 190

    ANEXO C Roteiro da terceira entrevista individual com professores colaboradores............... 192

    ANEXO D Questionrio sobre o Ensino de Histria................................................................. 194

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    INTRODUO

    O presente trabalho se constitui em uma anlise sobre o ensino de histria no

    municpio de Cear-Mirim, localizado no estado do Rio Grande do Norte, tendo como

    propsito entender as formas de abordagem da histria local em turmas de 5 a 8 sries.

    A opo pela histria local como objeto de anlise neste estudo deve-se, inicialmente,

    nossa experincia como professor-formador em cursos de Pedagogia, Histria e Geografia

    em trs instituies de nvel superior: a Universidade Federal do Rio Grande do Norte

    (UFRN), a Universidade Potiguar (UnP) e a Universidade Estadual Vale do Acara (UVA).

    Na Universidade Potiguar, atuamos nos cursos regulares das unidades localizadas em Natal, enas demais instituies, em cursos conveniados com as prefeituras municipais do estado do

    Rio Grande do Norte que formam professores em servio. Nesses cursos, cujos alunos-

    professores eram principalmente oriundos dos municpios do interior do estado,

    empreendemos esforos no sentido de estimular debates e reflexes sobre a histria local,

    sistematizando trabalhos que nos permitiram ter acesso histria ensinada de diferentes

    municpios do Rio Grande do Norte. Nessa experincia, a histria dos municpios aparecia

    como condio necessria execuo das atividades propostas durante as aulas e isso acaboupor revelar inmeras dificuldades por parte dos alunos-professores para abordarem a histria

    dos municpios aos quais pertenciam. Essas vivncias nos mostraram a necessidade de

    investigar a organizao da histria como disciplina escolar para repensar as concepes

    histricas e epistemolgicas fundamentais para a efetivao do seu ensino, ressaltando a

    afirmao da importncia do conhecimento sobre o local como componente constitutivo do

    currculo escolar.

    Essa necessidade est associada compreenso de que um nmero relevante deprofessores tem pretenses de adotar uma postura metodolgica inovadora, mas as limitaes

    e barreiras didticas e epistemolgicas lhes parecem intransponveis. Tal realidade traz como

    conseqncia um trabalho docente pautado no senso comum, uma vez que a concepo de

    histria e seu ensino esto restritos aos manuais e s efemrides. Essa viso restritiva

    predominante no ensino de histria impede que os professores se organizem para considerar

    no s as bases conceituais desse campo do saber escolar como o uso de inmeras fontes e

    documentos histricos que poderiam ser incorporados ao processo ensino-aprendizagem.

    A vivncia nessas instituies nos revelou ainda que, em relao ao Rio Grande do

    Norte, so poucas as experincias educativas que incluem, no currculo formal, a histria local

  • 7/22/2019 A histria local e seu lugar na Histria

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    no nvel fundamental de ensino, de 5aa 8asries. Apenas nos programas curriculares da 1 a

    4 sries, podem ser encontradas referncias explcitas aos estudos de carter local. Nos dois

    ltimos ciclos do ensino fundamental, a existncia dessa prtica geralmente est condicionada

    iniciativa individual de alguma escola ou educador.

    Levados por essas diferentes experincias profissionais, analisamos, ento, neste

    estudo doutoral, o ensino de histria levando em considerao a experincia de trs

    professores do ensino fundamental (de 5 a 8 sries) que moram e trabalham no municpio de

    Cear-Mirim. Buscamos compreender como os contedos da histria local so incorporados

    ao processo ensino-aprendizagem, tendo por base os depoimentos desses docentes, a quem

    chamamos de professores colaboradores ou simplesmente professores. Estes so, portanto, os

    sujeitos participantes da pesquisa com os quais interagimos e dialogamos durante odesenvolvimento da investigao.

    Conduzimo-nos na pesquisa tendo em vista as seguintes questes: As formas de

    abordagem da histria local em Cear-Mirim vm sendo conduzidas de modo a possibilitar a

    construo de um conhecimento histrico escolar a partir da contribuio efetiva de

    professores e alunos envolvidos no processo ensino-aprendizagem? Que condies so

    necessrias para a concretizao da abordagem de histria local cujo saber-fazer possibilite

    romper, por um lado, com os limites do estreito localismo, e, por outro, com a visoglobalizante, genrica, negadora das particularidades e das especificidades do local?

    Tais questes emergiram da compreenso de que os contedos da histria local podem

    se constituir em componente significativo da produo do conhecimento no ensino de histria,

    em turmas de 5aa 8asries do ensino fundamental.

    Analisamos essa particularidade do ensino de histria em Cear-Mirim tendo por base

    os depoimentos dos professores colaboradores no que diz respeito s concepes de

    historiografia, de histria enquanto disciplina e de histria local. Consideramos ser possvel apartir dessas concepes identificar as formas de abordagens da histria em escolas de 5 a 8

    sries do nvel fundamental de ensino, bem como situar a histria local ensinada no municpio

    inserida no debate atual da historiografia, indicando elementos que podero contribuir para

    sua incluso numa perspectiva inovadora.

    A opo por compreender as formas de ensinar a histria na perspectiva dos docentes

    se justifica por dois motivos: primeiro, pelo fato de este trabalho ser movido pelo interesse

    compartilhado pelo pesquisador e pelos professores de contribuir para a inovao da prtica

    de ensino de histria. Segundo, por entendermos o professor como um dos agentes sociais

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    fundamentais na organizao e conduo das disciplinas e do processo educativo que ocorre

    na escola. O professor , como bem mostra Bittencourt (2004, p. 50-51),

    [...] o sujeito principal dos estudos sobre currculo real, ou seja, o queefetivamente acontece nas escolas e se pratica nas salas de aula. O professor quem transforma o saber a ser ensinado em saber apreendido, aofundamental no processo de produo do conhecimento. Contedos, mtodose avaliao constroem-se nesse cotidiano e nas relaes entre professores ealunos. Efetivamente, no ofcio do professor um saber especfico constitudo, e a ao docente no se identifica apenas com a de um tcnico oua de um reprodutor de um saber produzido externamente.

    Cientes da complexidade que envolve o saber-fazer docente e da importncia da ao

    desse profissional, como aponta a autora, compreendemos que penetrar nesse universo

    conceitual dos professores representa uma tentativa de apreender o significado que cada um

    deles atribui s suas formas de conceber e de ensinar a histria no ensino fundamental.

    A concepo de histria que permeia a prtica docente particularmente importante,

    pois conforme dizem Cabrini et al. (1986, p.19), [...] tudo que voc faz em sala de aula

    depende fundamentalmente de duas coisas: da forma como voc encara o processo deensino/aprendizagem e da sua concepo de histria. Entendemos tambm que o fazer

    pedaggico, no caso do ensino de histria, est relacionado com a concepo de histria com

    a qual o professor se filia e que tanto aquele quanto esta devem estar coerentes com o

    contedo selecionado para as atividades em sala de aula. Na verdade, tanto os contedos

    quanto a metodologia so mediados por uma determinada concepo de mundo e de histria,

    o que indica uma condio sine qua non entre o fazer pedaggico e a formao terica do

    profissional. Assim, o posicionamento de cada professor sobre a historiografia se faz

    necessrio para a compreenso da histria que ensinada nas escolas de ensino fundamental

    em Cear-Mirim e, conseqentemente, para repensar esse ensino no universo desse nvel de

    conhecimento.

    A histria se constitui em uma das disciplinas que compem o sistema educacional e

    curricular brasileiro. A escola, por sua vez, cumpre um papel em cada sociedade, seja para

    mant-la tal como se apresenta, seja para transform-la. A concepo de disciplina escolar que

    orienta o trabalho do professor, alm de contribuir para localiz-lo no contexto de sua prtica

    docente, identifica a postura poltico-pedaggica na qual se pauta a escola. Diante dessa

    reflexo, indagamos: As escolas nas quais os professores atuam desfrutam de maior ou menor

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    autonomia com relao aos agentes sociais externos e aos poderes polticos responsveis pela

    educao no pas, no estado ou no municpio? Que relao o saber escolar mantm com outras

    formas de conhecimento, como o acadmico e o que difundido pelos livros didticos?

    Portanto, o propsito de reconhecer as concepes dos professores no sentido de demonstrar

    sua importncia no apenas no que diz respeito ao ensino de histria em si, mas ao processo

    ensino-aprendizagem como um todo.

    O interesse pela histria local parte do entendimento de que o local, na condio de

    objeto de estudo e de ensino, oferece novas possibilidades de anlise, quando confrontado

    com escalas espaciais mais amplas, como a regional, a nacional e a mundial. Assim,

    procuramos saber se essa histria vem sendo incorporada ao processo ensino-aprendizagem e

    de que forma isso acontece.Cear-Mirim, alm de contar com professores que atendem aos critrios que

    consideramos necessrios ao desenvolvimento desta pesquisa, e da proximidade de Natal (est

    a apenas 28 km da capital), colocou-se como um desafio para o trabalho a que nos propomos

    realizar na medida em que se encontra entre aqueles municpios considerados ricos em

    histria1. Portanto, os professores no teriam maiores dificuldades em desenvolver atividades

    escolares ao considerarem temticas da histria local, supostamente fcil de ser abordada por

    apresentar farto contedo histrico. No entanto, percebemos que, mesmo entre os professoresgraduados na rea especfica de histria, h dificuldades bsicas no que se refere incluso da

    realidade local como contedo na construo do conhecimento escolar, especialmente quando

    se exigem relaes dos eventos locais com lugares e pocas distantes. Isso nos mostrou a

    necessidade de traarmos um perfil da histria local ensinada em Cear-Mirim, luz da

    compreenso dos professores.

    A presente pesquisa apia-se em contribuies historiogrficas recentes,

    especificamente na Nova Histria francesa, devido sua abertura em trabalhar com asdiferenas regionais e com as especificidades dos locais, alm de permitir o trabalho a partir

    de novas fontes histricas, de novos objetos e de novas abordagens (LE GOFF; NORA, 1976a,

    1976b, 1976c), o que tem contribudo para mudanas significativas na escrita e no ensino da

    histria. A Nova Histria considera importante a incluso, a partir de novas abordagens, de

    objetos de estudoscomo a poltica, a biografia, por certo tempo excludos ou secundarizados

    1Termo comumente usado por alunos da disciplina Prtica do Ensino Fundamental, do curso de Histria da

    Universidade Potiguar. Com isso, eles querem dizer que, no municpio ao qual se referem, h fartos testemunhosque do bastante visibilidade aos elementos da histria local, como arquitetura antiga, monumentos,acontecimentos marcantes, personalidades de referncia estadual ou nacional. Os municpios que no atendem aessas condies so consideradospobres em histria.

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    por algumas correntes historiogrficas. Assim como a Nova Histria, a Histria Social inglesa

    e a Nova Histria Cultural convergem no sentido de favorecer a abordagem do local numa

    perspectiva inovadora.

    Em que pesem as diferenas entre si, essas correntes se aproximam em alguns pontos,

    convergindo para a configurao de uma nova forma de construo historiogrfica e de

    maneiras inovadoras de ensino. Dentre esses pontos, destacamos: uma certa sensibilidade para

    com as diferenas sociais e regionais e, conseqentemente, para outras interpretaes do real;

    o reconhecimento de que o saber histrico no algo absoluto, mas constitudo a partir de

    mltiplas narrativas, e de que as diversas instncias que abrangem o real, como o social, o

    econmico, o poltico e o cultural, so igualmente vlidas como possibilidades de se

    compreender uma determinada sociedade. A desconfiana nas macroabordagens, o apego smargens e a aceitao de um certo relativismo no campo epistemolgico tm desembocado

    numa preferncia pelo local e o especfico, sobre o universal e o abstrato, o que tem levado a

    mudanas significativas na produo historiogrfica e proliferao de trabalhos no mbito

    regional e local. A convico de que a construo intelectual apenas uma representao das

    experincias vividas e do questionamento do carter universal do conhecimento histrico tem

    desdobramentos no campo epistemolgico, que, por sua vez, influenciam de forma marcante

    as atividades relacionadas com o ensino. A revoluo documental qual se refere Le Goff(1978), ao incorporar novas fontes histricas, traz ao conhecimento histrico escolar mais

    possibilidades de abordagens acerca de questes relacionadas com o espao vivido pelos

    membros da comunidade escolar. Nessa perspectiva, as diversas fontes e muitos eventos

    locais podero se constituir em elementos importantes no processo de reflexo histrica.

    Para discutir as questes acima expostas relacionadas com o ensino de histria local, o

    trabalho est organizado em seis partes, de acordo com a seguinte ordem: esta parte

    introdutria, quatro captulos e as consideraes finais.No primeiro captulo As estratgias investigativas,ocampo emprico, os sujeitos,

    expomos os elementos que dizem respeito ao caminho que trilhamos: as estratgias

    investigativas propriamente ditas: o plano de investigao, a construo dos dados e as

    entrevistas, a caracterizao do lugar da pesquisa e a apresentao dos professores. O objetivo

    dessa contextualizao preparar o leitor para a discusso terica e para a anlise das falas do

    professores.

    No segundo captulo Histria e desafios contemporneos , temos como

    preocupao principal mostrar que o atual momento histrico em muitos aspectos diferente

    da modernidade e que, por isso, apresenta determinadas peculiaridades, as quais vm

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    provocando mudanas substanciais no que diz respeito fundamentao epistemolgica, a

    ponto de alguns tericos questionarem a validade das grandes narrativas enquanto estratgia

    de explicao do real. Ou seja, estamos lidando com formas novas de produo do

    conhecimento, as quais muitas vezes se confrontam com os parmetros postos pelo paradigma

    da modernidade. Isso, por sua vez, tem trazido mudanas na forma de se conceber e de se

    produzir o conhecimento histrico, o que nos levou a estender o debate ao campo

    historiogrfico. Buscamos, ento, no debate historiogrfico contemporneo, justificar o

    surgimento de uma nova histria local, diferente da histria produzida de acordo com os

    parmetros estabelecidos pelo Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro (IHGB).

    No terceiro captulo O ensino da histria: entre reflexes, permanncias e mudanas,

    apresentamos, parcialmente, a trajetria do ensino de histria no Brasil, tendo comopreocupao mostrar as mudanas pelas quais a histria enquanto disciplina escolar tem

    passado nas duas ltimas dcadas e em que contexto ela se encontra hoje. Para isso, nos

    reportamos aos fruns privilegiados de debate sobre o ensino, as principais publicaes acerca

    do tema e tentamos compreender at que ponto h relao entre a produo historiogrfica e o

    que est sendo ensinado na escola. Por fim, analisamos depoimentos dos professores com o

    propsito de mostrar a aproximao ou o distanciamento de suas prticas no que diz respeito

    s mudanas que vm ocorrendo no ensino de histria.No quarto captulo A incorporao da histria local ao processo ensino-

    aprendizagem, ressaltamos a importncia da histria local para o ensino fundamental de 5 a

    8 sries. Nesse sentido, indagamos: Como a histria de Cear-Mirim vem sendo abordada em

    sala de aula pelos professores? Compreendemos que a resposta a essa pergunta pode vir a

    partir da anlise dos contedos e das fontes trabalhadas em sala de aula e das dificuldades

    encontradas pelos professores, quando da abordagem da histria local.

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    1 AS ESTRATGIAS INVESTIGATIVAS, O CAMPO EMPRICO, OS SUJEITOS

    A utopia est l no horizonte. Me aproximo doispassos, ela se afasta dois passos. Caminho dezpassos e o horizonte corre dez passos. Por maisque eu caminhe, jamais alcanarei. Para que servea utopia? Serve para isso: para que eu no deixede caminhar.

    Eduardo Galeano

    Este captulo tem como objetivo expor os elementos que dizem respeito ao caminho

    que trilhamos: as estratgias investigativas propriamente ditas: o plano de investigao, a

    construo dos dados e as entrevistas, a apresentao do campo emprico da pesquisa e o

    perfil dos professores colaboradores. Para tanto, relatamos as preocupaes iniciais do projeto

    de pesquisa, os caminhos percorridos e (re)construdos, os diversos procedimentos

    metodolgicos adotados, o perfil dos participantes.

    1.1OQUE FIZEMOS:AS ESTRATGIAS INVESTIGATIVAS

    Como esta pesquisa trata de uma problemtica que lida com dados construdos a partir

    de elementos da subjetividade, optamos por conduzir a investigao em uma abordagem que

    se insere na perspectiva qualitativa, o que vem justificar a adoo dos instrumentos e das

    atitudes sobre as quais discorreremos a seguir.

    Construmos os dados a partir de procedimentoscomo entrevistas, observaes livres e

    anlise do material utilizado e/ou produzido pelos professores colaboradores em suas

    atividades docentes ou acadmicas. A pesquisa qualitativa, com seu carter

    multimetodolgico, devido ao uso de variadas fontes e tcnicas empregadas na coleta de

    dados, permite uma leitura da realidade que inclui a subjetividade necessria compreenso

    de um mundo que, cada vez mais, se expressa no apenas pela sua materialidade, mas tambm

    por meio da imaginao e do simblico. A abordagem qualitativa abre, assim, perspectivas

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    metodolgicas inovadoras com relao tanto escolha do objeto de estudo quanto s atitudes

    investigativas.

    A opo por essa abordagem investigativa, inicialmente flexvel, comporta a definio

    do referencial interpretativo concomitante coleta de dados e a leituras. No adotamos, de

    incio, um referencial terico de focalizao prvia do problema, motivo pelo qual levamos

    um certo tempo para a definio dos referenciais de anlise. Esse procedimento apontou para

    a necessidade de uma busca constante de novos dados e de novas leituras, o que foi feito

    durante a maior parte do tempo da pesquisa, conforme a explicao de Alves-Mazzotti e

    Gewandsznajder (1998, p. 162):

    Em decorrncia da feio indutiva que caracteriza os estudos qualitativos, asetapas de coleta, anlise e interpretao ou formulao de hipteses everificao no obedecem a uma seqncia, cada uma correspondendo a umnico momento da investigao, como ocorre nas pesquisas tradicionais. Aanlise e a interpretao dos dados vo sendo feitas de forma interativa com acoleta, acompanhando todo o processo de investigao.

    Trabalhamos, pois, com a idia de que nada , a priori, dotado de significado prprio.

    A realidade socialmente construda e o significado a ela atribudo est relacionado com as

    experincias e as percepes dos agentes sociais. Portanto, alertamos para o fato de que as

    interpretaes geradas a partir desta pesquisa, envolvendo a compreenso dos professores

    sobre o ensino de histria, no tm a pretenso de valid-las para outras situaes do ensino

    desta disciplina. Ao contrrio, o ensino de histria, mesmo realizado em condies

    semelhantes ao que estudamos, tem especificidades que so muito prprias dos contextos nos

    quais ele se desdobra. Alunos, professores, recursos didticos e as condies oferecidas pela

    escola e pelo lugar fazem de cada situao de ensino-aprendizagem um momento mpar,

    descartando qualquer tentativa de criao de um padro nico de interpretao. Desse modo, o

    presente estudo no se prope a ser representativo do ensino de histria no municpio de

    Cear-Mirim, mas, to-somente, compreender formas de concepo e utilizao do contedo

    sobre uma realidade particular, levando em considerao a experincia de trs professores que

    atuam no municpio.

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    1.1.1 O plano de investigao

    As preocupaes iniciais, apresentadas no projeto de pesquisa, foram gestadas a partir

    de leituras sobre o ensino de histria, mediadas pela nossa experincia como docente em

    cursos de formao de professores. Por outro lado, um melhor conhecimento da realidade do

    municpio s foi possibilitado pela investigao exploratria de visitas, inicialmente, sem um

    roteiro predefinido. Nessa fase, de junho a setembro de 2002, considerada exploratria,

    utilizamos tcnicas como a observao livre, conversas informais com professores, visitas a

    vrios pontos da cidade e da rea rural, alm de entrevistas com os professores colaboradores.

    Elaboramos ainda um mapeamento do campo, o que foi de muita utilidade para a definio doproblema e para a identificao das fontes de informao mais adequadas ao andamento da

    pesquisa.

    Alves-Mazzotti e Gewandsznajder, ao fazerem referncia ao plano de investigao,

    chamam a ateno para o fato de as pesquisas qualitativas no admitirem regras precisas,

    aplicveis a uma ampla gama de casos, isso devido natureza diversa e flexvel dessas

    investigaes. A respeito do grau de estruturao prvia, os autores ressaltam:

    O foco e o design do estudo no podem ser definidos a priori, pois a realidade mltipla, socialmente construda em uma dada situao e, portanto, no sepode apreender seu significado se, de modo arbitrrio e precoce, aaprisionarmos em dimenses e categorias. O foco e o design devem, ento,emergir, por um processo de induo, do conhecimento do contexto e dasmltiplas realidades construdas pelos participantes em suas influnciasrecprocas (ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 1998, p. 147).

    A escolha do objeto de investigao partiu, assim, de inquietaes originadas da

    prtica e de leituras especficas, o que pressupe o domnio de um certo conhecimento na rea

    do ensino de histria, fruto do trabalho de outros pesquisadores situados em contextos

    espaciais e temporais diferentes do nosso. Tambm conhecamos parcialmente a histria de

    Cear-Mirim, e o seu ensino, atravs dos memorialistas cear-mirinenses e dos trabalhos

    escolares dos professores do municpio. Isso permitiu, em nvel de projeto, um planejamento

    com um certo grau de estruturao. A formulao de algumas questes iniciais, por exemplo,fazia-se necessria tambm devido ao fato de o projeto ser submetido a um programa de ps-

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    graduao, que requer uma certa formalidade e rigor terico-metodolgico. A investigao,

    no entanto, apontou para a necessidade de mudanas e de reformulaes que foram sendo

    realizadas com o progresso das leituras e no decorrer do trabalho de campo.

    Ainda no projeto inicial, ressaltamos que uma melhor definio do problema e uma

    maior clareza terico-metodolgica s seriam possveis com a evoluo do trabalho de

    campo. Evitamos, com isso, associaes do tipo mecanicista entre a teoria adotada e os dados

    obtidos junto ao campo de pesquisa. As estratgias de anlise s viriam a ocorrer, tambm

    posteriormente, a partir de uma maior interao entre o pesquisador e os professores

    colaboradores. Ou seja, a focalizao do problema foi ocorrendo ao mesmo tempo em que os

    dados iam sendo construdos e as leituras de natureza terica eram retomadas, sem que

    adotssemos, no incio, um plano rgido ou definitivo.Com a definio do campo emprico o municpio de Cear-Mirim e a escolha dos

    sujeitos da pesquisa, iniciamos a fase exploratria. Nessa fase, os encontros com os

    colaboradores e a visita a vrios pontos do municpio serviram para uma melhor focalizao

    das questes, definio da problemtica e das formas de acesso aos dados.

    medida que os encontros aconteciam, permitindo a troca de experincias e de idias

    entre pesquisador e colaboradores, novas estratgias investigativas iam sendo delineadas. As

    leituras paralelas ao trabalho de campo tambm serviram para desencadear um processocontnuo de reflexo sobre os propsitos e os caminhos que o trabalho deveria trilhar.

    A nossa condio de professor de alguns alunos-docentes do municpio e de

    conhecedor de algumas de suas atitudes, diante do ensino da histria local, permitiu-nos

    iniciar a investigao a partir de algumas idias preconcebidas que o desenvolvimento da

    investigao foi tratando de superar.

    Nesse sentido, torna-se interessante a idia de Biklen e Bogdan, autores que, apesar de

    desaconselharem a utilizao de hipteses estabelecidas antes do acesso aos dados empricoscom o propsito de serem testadas, reconhecem a necessidade de um plano de investigaes

    de natureza qualitativa. Para eles,

    A forma como procedem [os investigadores qualitativos] baseada emhipteses tericas (que o significado e o processo so cruciais na compreensodo comportamento humano; que os dados descritivos representam o materialmais importante a recolher e que a anlise de tipo indutivo a mais eficaz) e

    nas tradies da recolha de dados (tais como a observao participante, aentrevista no estruturada e a anlise de documentos). Estas fornecem osparmetros, as ferramentas e uma orientao geral para os passos seguintes.

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    No se trata de negar a existncia do plano, mas em investigao qualitativatrata-se de um plano flexvel. Os investigadores qualitativos partem para umestudo munidos dos seus conhecimentos e da sua experincia, com hiptesesformuladas com o nico objetivo de serem modificadas e reformuladas medida que vo avanando (BIKLEN; BOGDAN, 1994, p. 83-84).

    Na presente investigao, portanto, a focalizao aconteceu de forma progressiva,

    tendo incio o lanamento de questes com a fase exploratria, e, com a definio dos

    referenciais de anlise e do campo terico, o formato final da pesquisa.

    1.1.2A construo dos dados

    Conforme apontado na parte introdutria deste texto, os dados desta pesquisa no so

    entendidos nem analisados como algo isolado, fixo, mas inseridos em um contexto de

    mltiplas relaes. Assim, nem sempre se apresentam de forma explcita ao pesquisador,

    exigindo que este adote diversos procedimentos metodolgicos com o intuito de dar

    visibilidade aos propsitos da investigao.Com essa compreenso, lanamos mo de vrias estratgias, tais como entrevistas,

    conversas informais, encontros de estudos, observaes livres do ambiente vivido pelos

    professores escolas, bibliotecas, residncias, feiras livres, eventos festivos na cidade,

    assim como de algumas cerimnias relacionadas com a Semana de Emancipao do

    Municpio. Visitamos tambm o Vale do Rio Cear-Mirim e algumas outras localidades da

    regio.2Caracterizamos essas observaes como livres, por serem feitas a partir da visita a

    lugares e a eventos sem a elaborao de um plano previamente definido, com exceo daprimeira entrevista com os professores. Em cada visita, fazamos no caderno as anotaes de

    campo sobre os dados que acreditvamos ter importncia para a pesquisa, o que foi

    2Contabilizamos um total de trinta e duas visitas, sendo assim descritas: dezessete exclusivamente sede domunicpio, quatro sede e ao Vale, trs exclusivamente ao Vale, quatro s localidades de Rio dos ndios, BoaVista e Coqueiros, respectivamente. Nas demais localidades, as visitas tinham como objetivo conhecer um poucodo dia-a-dia nessas comunidades, no que diz respeito s estratgias de sobrevivncia de seus moradores e localizao dos estabelecimentos de ensino nesses locais. Assim, reservamos quatro dias, distribudos ao longoda pesquisa, para visitar nove localidades agrupadas da seguinte forma: Jacoca e Capela; Massangana, PrimeiraLagoa e Gameleira; Santa Tereza e Capela; Maturaia e Aningas. A escolha dessas localidades se deu medida

    que amospercebendo os seus nomes associados a alguma coisa que nos chamavam a ateno, como:desenvolvimento da fruticultura irrigada e da pecuria, assentamentos de trabalhadores rurais, destaques noslivros dos memorialistas locais, o fato de serem supostos redutos de remanescentes indgenas e deafrodescendentes.

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    confirmado quando da redao do texto final. Dentre as vrias tcnicas de construo de

    dados, as entrevistas com os professores foram as mais importantes, por elas se constiturem

    em instrumento importante para apreenso dos significados que atribuam s suas concepes,

    crenas e valores que os interlocutores da pesquisa tm acerca dos temas abordados. Isso

    porque, em situao de entrevista, conforme mostra Chizzotti, (1995, p. 85):

    Procura-se compreender a experincia que os sujeitos tm, as representaesque formam e os conceitos que elaboram. Esses conceitos manifestos, asexperincias relatadas ocupam o centro de referncia das anlises einterpretaes, na pesquisa qualitativa.

    As entrevistas permitem, tambm, uma maior interao entre entrevistador e

    entrevistados e um contato imediato com a informao desejada, alm de facilitar possveis

    correes e esclarecimentos no prprio processo.

    Portanto, o contedo das entrevistas se constituiu em referncia para a anlise dos

    dados que adotamos, principalmente considerando o fato de que trabalhamos levando em

    conta as vises dos professores sobre a histria e o seu ensino.

    Alguns documentos produzidos pelos prprios sujeitos da pesquisa, para fins

    pedaggicos ou acadmicos, foram considerados na anlise, tendo em vista a sua contribuio

    para uma melhor compreenso do pensamento dos docentes. Dentre esses documentos,

    destacamos as monografias de final de curso (ps-graduao lato sensu) produzidas pelos

    professores3 que, mesmo no sendo utilizadas diretamente em sala de aula, deram pistas

    importantes acerca das questes em torno das quais este trabalho se desenvolve. A anlise, no

    entanto, tem como eixo principalmente os dados obtidos a partir das entrevistas com os

    professores. Os demais se revelaram importantes na medida em que contriburam para umamelhor compreenso do contedo produzido nas entrevistas.

    Os depoimentos, assim como as interaes com os professores em seus contextos

    vivenciais, constituram-se em estratgias importantes para a percepo de atitudes diante de

    problemas da vida contempornea, bem como das suas expectativas enquanto profissionais.

    Os encontros para estudos demonstraram ser bastante produtivos, uma vez que possibilitaram

    a reflexo da prtica luz dos pontos de vista de vrios autores reconhecidos por uma

    3 Os ttulos das monografias O ideal franciscano no Rio Grande do Norte: uma abordagem das prticasreligiosas e A monoculturada cana-de-acar e o turismo histrico-cultural no municpio de Cear-Mirimretratam o interesse dos professores por temas locais.

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    literatura especfica da rea de histria4. Eram situaes em que se constatou uma certa

    cumplicidadedos participantes, principalmente no que diz respeito aos desafios encontrados

    em sala de aula. Constituam-se, assim, em uma espcie de acerto de contas entre a nossa

    prtica do pesquisador e dos professores colaboradores e as teorias a que tnhamos acesso

    a partir da leitura dos textos distribudos previamente. Na verdade, os encontros

    transformavam-se em espaos de discusso sobre algo que era comum ao investigador e aos

    colaboradores: o ensino de histria.

    A nossa conduta investigativa nos permitiu estabelecer uma relao pautada pela

    sinceridade, o que se materializou nos dilogos e nas discusses que mantivemos com os

    colaboradores. O trabalho desenvolveu-se, pois, a partir de uma relao de cooperao entre o

    investigador e os professores. Desde o comeo, expusemos as nossas pretenses acerca dapesquisa e sobre os critrios de escolha do campo emprico. Essas condies possibilitaram

    um dilogo franco e aberto entre o pesquisador e os docentes do municpio. No usamos,

    portanto, de nenhum mecanismo de subterfgio que viesse comprometer o acesso ao campo

    investigado e s informaes que considervamos necessrias. A cada nova deciso tomada

    com relao metodologia que se desdobrasse nas relaes entre o investigador e os

    colaboradores, sentamo-nos na obrigao de esclarecer as mudanas feitas.

    A partir de negociaes com os professores, optamos por no fazer a identificaopessoal deles e utilizar pseudnimos. Assim procedendo, pensamos na preservao da

    identidade de seus autores e em contribuir para que entre eles no houvesse grandes

    resistncias a se colocarem de forma aberta aos questionamentos apresentados.

    Apesar dos cuidados em preservar a tica como pesquisador, ao no expormos os

    sujeitos da pesquisa, procuramos ser fiis aos dados obtidos para no comprometer os

    propsitos do estudo.

    1.1.3 As entrevistas

    A principal interlocuo com o grupo de professores ocorreu por meio da entrevista

    semi-estruturada, devido sua natureza interativa ser mais condizente com o nvel de

    complexidade requerida pela abordagem do problema. Parte das informaes que utilizamos

    4Ver Anexo A.

  • 7/22/2019 A histria local e seu lugar na Histria

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    31

    no se revelaria atravs de instrumentos que contabilizassem dados, tendo como base, por

    exemplo, a entrevista estruturada por meio de questionrios com perguntas e respostas

    fechadas.

    Alm de ser uma tcnica de pesquisa apropriada ao acesso s informaes numa

    investigao de natureza qualitativa, a entrevista semi-estruturada tambm se coloca como

    uma oportunidade especial que permite aos participantes uma reflexo sobre sua prtica

    docente. No que se refere organizao dessa tcnica, Alves-Mazzotti e Gewandsznajder

    (1998, p. 168), dizem que [...] de um modo geral, as entrevistas qualitativas so muito pouco

    estruturadas, sem um fraseamento e uma ordem rigidamente estabelecidos para as perguntas,

    assemelhando-se muito a uma conversa. Tal escolha justifica-se por esse tipo de entrevista

    permitir captar o lado mais profundo das informaes em que no s os aspectos de ordemcognitiva esto presentes, mas tambm aspectos da afetividade.

    O propsito principal em cada entrevista era fazer emergir o processo de produo dos

    significados construdos pelos professores para compreender as concepes sobre o lugar

    reservado histria local no ensino de histria. Sendo as questes das entrevistas formuladas

    a partir de interesses comuns aos entrevistados e ao entrevistador/pesquisador, elas so

    tambm oportunidades de reflexo sobre o desempenho de suas atividades enquanto

    professores.Durante as entrevistas, mesmo na fase exploratria, recorremos a uma espcie de

    roteiro (conforme consta nos anexos) com os pontos de destaque para serem abordados junto

    aos professores. Como j afirmamos, s vezes, os entrevistados secundarizavam determinadas

    questes e ressaltavam outras, o que, em alguns casos, levou-nos a rever a ordem de

    importncia dada inicialmente s questes.

    A relao de aproximao e de identificao entre o investigador e os colaboradores

    no que diz respeito ao trabalho como um todo refletiu-se tambm nas entrevistas. Procuramoscriar um ambiente de confiana, passando a idia de que as questes tratadas nas entrevistas

    seriam um elo que unia a todos ns, profissionais do ensino de histria. Antes de comearmos

    as gravaes, explicvamos os objetivos da entrevista e o que pretendamos fazer com o

    material delas decorrentes.

    Inicialmente, optamos pela realizao de duas entrevistas com cada professor, cada

    qual com finalidades especficas, seguindo sempre uma tendncia crescente verticalizao

    da compreenso das questes. Aps os primeiros contatos e acertos sobre a participao dos

  • 7/22/2019 A histria local e seu lugar na Histria

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    32

    colaboradores, realizamos a primeira entrevista exploratria e individual5em torno de alguns

    tpicos que considervamos bsicos para quem trabalha com o ensino de histria. Esses

    tpicos eram apresentados de forma geral e de modo o mais aberto possvel para que os

    entrevistados pudessem expor seus pontos de vista mais espontaneamente.

    Em seguida exposio de cada ponto em questo, os entrevistados eram estimulados

    a falar sobre aspectos outros no contemplados, mas que eles considerassem interessantes.

    Essa estratgia se justifica pelo fato de a investigao estar no incio e de no haver clareza,

    ainda, de todos os aspectos a serem focalizados.

    A segunda entrevista, tambm individual, ocorreu na fase de investigao focalizada,

    aps a definio das questes centrais da investigao. Essa entrevista apresentou uma

    evoluo com relao primeira, uma vez que as questes foram postas focalizando os temasque iriam, a partir de ento, ser explorados no desenvolvimento da tese. Ou seja, as questes

    sugeridas poderiam ser reelaboradas, em funo de uma melhor compreenso do que estava

    sendo posto inicialmente em torno da histria enquanto disciplina escolar, da histria como

    produo do conhecimento e da histria local.

    Se na primeira entrevista havia o propsito de se levantar a maior quantidade possvel

    de aspectos relacionados com o objetivo geral da investigao, na segunda havia uma

    focalizao e um aprofundamento materializados em termos de tpicos e subtpicos,apresentados, porm, de forma aberta, ou seja, sem pretenso de estabelecer uma relao

    rigorosa entre perguntas e respostas. Ao contrrio, a idia era que os entrevistados se

    colocassem de forma o mais livre possvel, considerando, porm, os objetivos da pesquisa.

    As duas entrevistas, no entanto, no foram suficientes para esclarecer alguns pontos

    relacionados diretamente com as atividades escolares, como propostas curriculares e

    pedaggicas, livros didticos e condies de trabalho dos professores. Alm do mais, alguns

    pontos explorados precisavam de novos esclarecimentos. Diante disso, consideramos anecessidade de uma terceira entrevista. Propusemos, ento, questes para serem respondidas

    por escrito, sem gravao de udio, como pode ser verificado no Anexo C.

    Assim, consideramos que as estratgias investigativas aqui expostas correspondem s

    expectativas de compreenso das formas de abordagens da histria local, situando-as quanto

    s mudanas recentes no debate acerca da histria enquanto conhecimento escolar e enquanto

    produo historiogrfica. A conjuntura contempornea vem revelando a necessidade cada vez

    5Ver os roteiros das entrevistas nos Anexos A, B, C.

  • 7/22/2019 A histria local e seu lugar na Histria

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    maior de os professores repensarem suas prticas, tendo em vista conquistas recentes no

    campo epistemolgico nas cincias humanas, em geral, e na histria, em particular.

    1.2ONDE ESTAMOS:OMUNICPIO DE CEAR-MIRIM

    1.2.1 Breve apresentao

    O municpio potiguar de Cear-Mirim est localizado na Mesorregio do Leste

    Potiguar e na Microrregio de Macaba6. Abrange uma rea total de 739,69 km, o que

    corresponde a 1,37% da superfcie do estado. Conforme podemos visualizar no mapa 01, os

    seus limites territoriais so: ao norte, os municpios de Maxaranguape e Pureza; ao sul, os

    municpios de So Gonalo do Amarante e Ielmo Marinho; a leste, o oceano Atlntico e o

    municpio de Extremoz; e, a oeste, o municpio de Taipu. A sede municipal est a vinte e oito

    quilmetros da capital, Natal, e situa-se margem direita do rio Cear-Mirim, cujo Vale se

    constitui em um dos principais locais de produo de cana-de-acar do estado7.

    O territrio que abriga o municpio tem sua histria, originariamente, associada

    presena de grupos indgenas que, antes mesmo da vinda dos europeus franceses,

    holandeses, portugueses , viviam no local. Os conflitos entre os nativos aliados aos

    franceses e os portugueses retardaram a posse da Capitania do Rio Grande por parte dos

    representantes da Coroa portuguesa. Esses conflitos se deram principalmente na foz do rio

    Baquipe, rio Pequeno ou Cear-Mirim, nome este que, posteriormente, o municpio toma de

    emprstimo.

    Inicialmente, a povoao chamada Boca da Mata, hoje Cear-Mirim, pertencia ao

    municpio de Vila Nova de Extremoz do Norte8. Em 9 de junho de 1882, a sede conquista o

    statusde cidade.A concentrao cada vez maior de engenhos, de 5, em 1845, passou para 156

    em 1859 (PEREIRA, 1989, p. 41), permitiu o surgimento de um comrcio relativamente

    promissor, o que atraiu, cada vez mais, moradores da redondeza e de vrios outros

    6 Alm de Cear-Mirim, a microrregio de Macaba inclui os municpios de Macaba, Nsia Floresta, SoGonalo do Amarante e So Jos de Mipibu.7Fonte: IDEMA(2005).8Vila Nova de Extremoz do Norte corresponde, hoje, aomunicpio de Extremoz.

  • 7/22/2019 A histria local e seu lugar na Histria

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    municpios. Durante toda a segunda metade do sculo XIX e a primeira dcada do sculo XX,

    Cear-Mirim ocupou um lugar de destaque no estado do Rio Grande do Norte, produzindo de

    1894 a 1910 60% do acar potiguar (CASTRO, 1992). Por muito tempo, parte da populao

    cear-mirinense dependeu economicamente das terras vizinhas a esse rio, seja trabalhando no

    cultivo da cana e de seus derivados, seja trabalhando em outrasatividades como a agricultura

    de subsistncia e a pecuria, que ocupam um espao marginal nesse cenrio.

    Originalmente, o desenvolvimento da atividade aucareira vem atender a uma crise de

    abastecimento de acar no mercado europeu, principalmente o ingls. Isso levou, na primeira

    metade do sculo XIX, a um surto de crescimento da atividade que perdura durante meio

    sculo para, logo em seguida, amargar os efeitos da crise, levando parte dos produtores a

    procurarem outras formas de sobrevivncia ou se adaptarem a novos padres de vida econvvio social.

    A atividade aucareira, mesmo passando por situaes adversas, foi a responsvel pela

    formao da elite poltica e social que vem governando o municpio desde a sua criao. Uma

    sociedade formada inicialmente a partir de uma diviso em que se colocava, de um lado, o

    proprietrio de engenho ou usina e, do outro, o trabalhador que, escravo ou no, vivia em

    condies subumanas. O senhor de engenho, misto de agricultor e industrial, exerceu o

    controle absoluto sobre o poder pblico em todas as esferas, do legislativo ao judicirio. Mas na esfera do poder executivo que esse poder mais expressivo, pois o controle da

    administrao municipal passava por integrantes das famlias tradicionais ligadas cultura da

    cana-de-acar.

    O fabricante de acar, em crise com o fim do trabalho escravo e com a retrao do

    mercado internacional, teve que buscar novas formas de trabalho e voltar-se para o mercado

    interno, o que no seria feito sem grandes mudanas. As primeiras dcadas do sculo XX so

    marcadas pela busca de novas tcnicas visando a uma maior produtividade, dentre as quaisdestaca-se, alm da modernizao dos tradicionais engenhos, a criao de usinas. Entre 1913

    e 1948, foram criadas quatro usinas em Cear-Mirim: Ilha Bela (1913), Guanabara e So

    Francisco (1929) e Santa Terezinha (1948). Ao entrarem em cena, as usinas mudam a

    configurao econmica do espao canavieiro do municpio, que passa a concentrar no

    apenas a produo do acar, mas tambm das terras nas mos de poucos usineiros. Em

    apenas onze anos (de 1914 a 1925), o Vale perde vinte engenhos de um total de cinqenta

    (CASTRO, 1992). O senhor, morador da casa-grande dos engenhos, passa por uma rpida

    transio: do Vale para a cidade, de agricultor e industrial para cargos e funes tpicas de

    classe mdia: mdicos, advogados, professores, entre outras.

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    As usinas, por sua vez, transformam-se periodicamente, seguindo a lgica do mercado

    capitalista que provoca oscilaes, de acordo com a tendncia dos mercados interno e externo.

    Na dcada de 1970, o governo brasileiro cria o PROLCOOL (Programa Nacional do lcool),

    poltica de incentivo produo de lcool automotivo, o que levou auma maior concentrao

    fundiria por parte do setor da agroindstria, diminuindo cada vez mais a participao das

    atividades dos pequenos e mdios agricultores nas terras frteis do Vale do Cear-Mirim.

    A chegada da usina no Vale do Cear-Mirim simboliza a crise de uma poca em que

    predominava uma sociedade de estilo patriarcal e contribui, decididamente, para a acelerao

    de seu fim. Segundo Queiroz (1984, p. 9-10, [...] nos domnios da usina, que representa o

    maior poder econmico local, as relaes de trabalho tradicionais so substitudas por

    relaes tipicamente capitalistas. A autora ressalta que as transformaes intensificam oprocesso de proletarizao no campo. Essas modificaes no indicam, no entanto, que as

    condies dos trabalhadores tenham mudado substancialmente. Embora aceleradas na dcada

    de 1970, poca estudada por Queiroz, elas remontam poca das primeiras usinas e

    representam, definitivamente, o fim de uma sociedade patriarcal. O poder executivo

    municipal, porm, tem sido controlado sucessivamente por descendentes das famlias

    tradicionais, antigas proprietrias de engenhos, ou pelos que passaram a controlar as usinas de

    acar e lcool localizadas no Vale.Atualmente, o poder executivo municipal exercido por Maria Edinlia Cmara de

    Melo, esposa de Geraldo Jos de Melo, ex-governador, ex-senador da Repblica e usineiro

    local, a partir da aquisio das usinas So Francisco e Ilha Bela, no incio da dcada de 1970.

    O grupo poltico liderado pelo usineiro Geraldo Melo tem como aliado, na condio de vice-

    prefeito, o proprietrio do nico engenho em funcionamento do municpio, Rui Pereira,

    descendente de uma das mais tradicionais famlias do municpio: os Pereira. Os embates

    polticos atuais, no entanto, parecem dar lugar a novos personagens sados dos segmentosmdios, socialmente falando, cuja expresso demorou para se colocar como alternativa

    poltica concreta, mas que nas eleies municipais de 2004 obteve significativa votao,

    apesar de no conseguir a vitria9.

    O papel de destaque da economia do municpio em nvel estadual rendeu sua elite

    prestgio poltico e social. A expresso mxima desse prestgio deu-se em 1874, quando a

    monarquia agraciou com o ttulo de baro o senhor de engenho Manoel Varela do

    9Nas ltimas eleies municipais, o resultado para o cargo majoritrio foi o seguinte: Maria Edinlia Cmara deMelo, do PSDB, obteve 15.669 votos; Antonio Marcos de Abreu Peixoto, do PTB, 14.085 votos; RobertoPereira Varela, do PAN, 1.675 votos; e Ana Clia Siqueira Ferreira, do PSTU, 201 votos.(cf. ).

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    Nascimento. Boa parte da memria desse senhor e de sua famlia encontra-se preservada,

    atravs de prdios, praa e pertences domsticos, assim como das histrias contadas por seus

    descendentes, algumas delas registradas em livros.

    No auge da produo de acar (segunda metade do sculo XIX e incio do sculo

    XX), a elite local buscava acompanhar os sinais de modernidade e progresso da poca, o que

    se refletia em algumas idias, no modo de ser de seus integrantes, na aquisio de

    maquinrios para as fbricas de acar, nas construes das residncias, na moblia e nos

    produtos consumidos, bem como atravs de iniciativas de grupos que fundavam jornais e

    lutavam pela implantao do transporte ferrovirio para o municpio.

    Apesar de a economia municipal no se restringir produo de cana10 e de seus

    derivados, e de as questes polticas e sociais no se limitarem s aes da elite local, ahistria do municpio ensinada nas escolas e divulgada nos livros de seus intelectuais mais

    ilustres est voltada para a sociedade aucareira que dominou o cenrio poltico e social

    durante o meio sculo de xito da produo de acar nos engenhos.

    Dentre os memorialistas que se firmaram como guardies da memria local e

    produtores de conhecimentos reproduzidos amplamente nas escolas e em vrios segmentos da

    sociedade local, esto dois representantes dessa elite canavieira: Madalena Antunes Pereira e

    Nilo de Oliveira Pereira. Esses escritores exaltam a beleza paisagstica do lugar, as qualidadesdas pessoas e das coisas, a ordem reinante. A sociedade passada, patriarcal e aristocrtica,

    apresentada como modelo ideal de sociabilidade, conforme retratado no prximo subitem.

    10 A economia do municpio constituda de vrias atividades. A cana-de-acar ainda desponta,individualmente, como a principal, mas encontram-se atividades como a pecuria bovina e ovina, a produo decereais e o desenvolvimento da atividade turstica. Diversas empresas ligadas fruticultura de exportaoproduzem para o mercado interno e externo. Ao mesmo tempo, entram em cena novos agentes sociais ligados aoMovimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que, juntamente com o INCRA (Instituto Nacional de

    Colonizao e Reforma Agrria) criaram vrios assentamentos de trabalhadores rurais que vm produzindo emparceria com grandes empresas especializadas em fruticultura irrigada. Para mais informaes acerca dasinovaes no espao rural no municpio de Cear-Mirim, ver Montenegro (2004).

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    Mapa 01 Mapa poltico do Rio Grande do Norte. Em destaque o municpio de Cear-Mirim e seus limitesFonte: IDEMA(2005)

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    So Miguelo

    Venha Vero

    oo

    Luis Gomes

    oo

    Riachode

    Santana

    Cel.Joo

    Pessoa

    Sales

    Maj.

    Dr.oSeveriano oEncanto

    oguaNova

    oJosdaPenha

    oParan o

    Ten.Ananias

    oMarcelinoVieira

    oRafaelFernandes

    oPau dosFerros

    oFrancisco

    So

    doOeste

    oDantasFrancisco

    o

    Alexandria

    oPiles

    oJooDias

    oAntnio Martins

    oFrutuosoGomes

    oLucrciaAlminooAfonso

    oRafaelGodeiroo

    o

    Serrinhados

    Pintos

    Martins

    oViosa

    oUmarizal

    oda CruzRiacho

    oTabuleiroGrande

    o

    RodolfoFernandes

    oSeverianoMelo

    o Ita

    oOlho D'guadosBorges

    oPatu

    oMessiasTargino

    o

    oCampo Grande

    oCarabas

    oApodi

    oGuerraFelipe

    o

    Jandus

    Triunfo Potiguar

    Parao

    Upanemao

    o

    GovernadorDix-Sept Rosado

    Mossoro

    Baranao

    oTibau

    oGrossos Areia Brancao

    Serra do Melo

    Porto do Mangueo

    Alto doRodrigues

    oCarnaubais

    o

    Pendnciaso

    Macauo Guamaro

    Pedro Avelinoo

    Afonso Bezerrao

    Ipanguauo

    Itajo

    Assuo

    So Rafaelo

    Jucurutuo

    Santana do Matoso Bod

    o

    Angicoso

    Fernando Pedrosao

    Cerro Coro

    Lagoa Novao

    So Vicenteo

    oTen.Laurentino

    Cruz

    Florniao

    Currais Novoso

    odos DantasCarnaba

    o

    Acaro

    Cruzeta

    oSo Josdo Serid

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    ode PiranhasJardim

    FernandoSo

    CaicTimbabadosBatistas

    Jardim do Serid

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    odo NorteSerra Negra

    So Joodo Sabugi

    Ipueira

    BrancoOuro

    Parelhas

    do SeridSantana

    Equador

    o

    Galinhos

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    Caiarado

    Norte

    So Bentodo Norte

    GrandePedra So Miguel

    de Touros

    Touros

    Parazinho

    Jandara

    Pedra Preta

    Joo Cmara

    Pureza Maxaranguape

    Cear - MirimTaipuPoo

    Branco

    Bento Fernandes

    Jardimde

    Angicoso Lajes

    Extremoz

    So Gonalodo Amarante

    oRiodo

    Fogo

    Ielmo MarinhoCaiara doRio do Vento

    o

    So Tomo

    oRiachuelo

    Ruy Barbosao

    SantaMaria NATAL

    Macaibao

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    BarcelonaSo Paulodo Potengi

    So PedroParnamirim

    Lagoa

    de Velhos Sen. ElideSouza

    Bom

    JesusVera Cruz

    So Josde Mipibu

    NsiaFlorestaMonte Alegre

    Stio Novo

    SerraCaiada

    Boa Sade

    Lagoa Salgada

    Lagoade Pedras Ars

    Sen. GeorAvelino

    oGoianinha

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    LajesPintada

    CampoRedondo

    Santa Cruz

    Tangar

    SoBento

    doTrair

    Cel. Ezequiel

    JaanJapi

    Monte dasGameleirasSerra de

    S. Bento

    PassaeFica

    So Josdo

    Campestre

    LagoaD'Anta

    Serrinha

    SantoAntnio

    Nova Cruz

    Brejinho

    Passagem

    Vrzea

    EspritoSanto Canguaretama

    Montanhas

    PedroVelho

    BaFo

    VilaFlor

    Tibaudo Sul

    O

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    A

    RIO GRANDE DO NORTE

    Jundi

    Lei complementar n 152 de 1997 (Lei de criao)

    LEGENDA

    ELABORAO: IDEMA/CESE

    o

    Lei complementar n 221 de 2002

    Lei complementar n 315 de 2005

    Regio Metropolitana de Natal, segundo lei de criao e de incluso de municpios

    o

    o

    Mapa 02 RIO GRANDE DO NORTE- Regio Metropolitana de Natal, segundo lei de criao e de incluso de Fonte: IDEMA(2006)

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    Mapa 04 Municpio de Cear-MirimFonte: IDEMA (2005)

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    41

    1.2.2 O doce Vale da aristocracia aucareira

    Neste ponto da apresentao do municpio, convidamos o leitor a fazer uma curta

    viagem, dentre outras possveis, pois os caminhos que podero levar a Cear-Mirim so

    muitos e cada viajante pode escolher um, entre as trajetrias j traadas, ou construir novos.

    Optamos, ento, em fazer uma breve apresentao de Cear-Mirim a partir de duas obras de

    dois de seus filhos: Oiteiro: Memrias de uma Sinh Moa, de Madalena Antunes Pereira e

    Imagens de Cear-Mirim, de Nilo de Oliveira Pereira.

    O nosso olhar, no entanto, particularmente interesseiro: um olhar de quem acredita

    que o dilogo entre memria e histria pode abrir novas possibilidades para o ensino. Aescolha dessas obras tambm proposital, uma vez que elas vm sendo usadas com

    freqncia pelos professores do municpio, inclusive pelos professores colaboradores.

    Embarquemos, ento, nesta breve viagem.

    O livro Oiteiro teve sua primeira edio em 1958 e considerado o primeiro livro de

    memrias feminino do Rio Grande do Norte. Sua autora, Maria Madalena Antunes Pereira,

    nasceu em 25 de maio de 1880, no Engenho Oiteiro, em Cear-Mirim, e faleceu em 11 de

    junho de 1959, em Natal. Oiteiro, ttulo do seu nico livro, representa, ao mesmo tempo, onome do engenho-fazenda, onde ela nasceu e viveu parte de sua vida, e de uma rvore comum

    na regio, que havia em frente sua casa, em cuja sombra Madalena testemunhou muitas das

    impresses e lembranas de seu tempo de infncia, as quais o livro traz ao longo de suas

    pginas. Sob a forma de memrias, como o subttulo aponta, de uma sinh-moa, a escritora

    registra desde suas lembranas mais ingnuasdo convvio domstico entre seus familiares e

    os serviais da casa, at acontecimentos de repercusso em mbito nacional, como a abolio

    da escravatura, por exemplo. A obra insere-se em um ambiente fsico e temporal construdoem torno do Vale do Cear-Mirim, cujo esplendor da aristocracia rural ligada ao acar no

    fora muito alm de meio sculo. A, presenciam-se a decadncia do engenho de acar e a

    ascenso dos engenhos-centrais e das usinas. Nesse contexto, a autora esfora-se para

    registrar as transformaes por que passa a cultura canavieira, com conseqncias para outras

    reas que apontam para o fim da escravido, dos senhores de engenhos e dos prprios

    engenhos em sua verso clssica, isto , o engenho como unidade completa de produo de

    acar, incluindo a plantao da cana, fabricao, refino e transporte do acar.

    Em Imagens do Cear-Mirim, publicado em 1969, Nilo Pereira narra as lembranas

    retidas em sua fase adulta, construindo discursivamente uma Cear-Mirim que gostaria que

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    ficasse na memria dos mais jovens. Escrito em tom saudosista e melanclico, o livro,

    segundo o prprio autor, no deve ser considerado como documento e nem como histria,

    apenas como imagens ou memria. Entretanto, ele mistura recordaes pessoais com

    contedos provenientes de pesquisa feita em vrios tipos de fontes, o que caracteriza o

    trabalho no apenas como fruto das recordaes de infncia, mas tambm como uma escrita

    com pretenses de natureza historiogrfica. Nilo de Oliveira Pereira, filho do coronel Fausto

    Varela Pereira e Beatriz de Oliveira Pereira, nasceu em 11 de dezembro de 1909, no Engenho

    Verde-Nasce, municpio de Cear-Mirim. Deixou sua cidade aos treze anos de idade e foi

    para Natal, a capital do estado, onde fez os estudos secundrios. Passou rapidamente pelo Rio

    de Janeiro e logo depois cursou Direito em Recife, onde fixou residncia definitiva a partir de

    1931. Faleceu na capital pernambucana em 23 de janeiro de 1992. Teve uma vida intensa nomeio intelectual de Recife e do Nordeste brasileiro, exercendo, entre outras, as funes de

    pesquisador da Fundao Joaquim Nabuco, professor universitrio, jornalista, historiador e

    professor de histria e ficcionista. Catlico fervoroso, foi vicentino em Cear-Mirim e

    congregado mariano em Natal e em Recife. Exerceu o cargo de secretrio de educao no

    estado de Pernambuco e de deputado estadual por vrias legislaturas. Assim como Madalena

    Antunes, de quem era sobrinho, filho de famlia ligada atividade da agroindstria

    aucareira, vivendo sua infncia entre o Vale do rio Cear-Mirim e a cidade do mesmo nome.Como estudante, em Recife, s ia a Cear-Mirim durante as frias escolares ou, quando

    adulto, em visitas espordicas. Da capital pernambucana, escreveu vrios trabalhos sobre sua

    terra de origem, inclusive o livroImagens do Cear-Mirim.

    Em suas trajetrias de vida, Nilo Pereira e Madalena Antunes seguem a tradio dos

    filhos da elite rural nordestina em se formar no Recife, de cujas faculdades e colgios

    emanavam discursos regionalistas que contribuam para a formao de uma viso at certo

    ponto comum sobre o Nordeste brasileiro. Segundo Albuquerque Jr. (2001), esses lugares,alm de formarem os intelectuais tradicionais do Nordeste, serviam para sedimentar amizades

    e para trocar idias acerca de poltica, economia, cultura e artes, tanto em nvel estadual

    quanto em nvel nacional. No discurso regionalista, h um certo cruzamento da crise social

    vivida pelos filhos dos proprietrios rurais com o problema regional, questo que toda uma

    produo intelectual, sobretudo literria, influenciada pela sociologia de Gilberto Freyre, vai

    tentar equacionar a partir de um discurso comum.

    A sociologia freyreana e a produo dos romancistas de 1930 tm na memria a

    matria-prima fundamental. Atravs de suas lembranas, esses autores reconstroem o

    Nordeste de suas infncias, cujas relaes sociais ou j no existiam, ou estavam ameaadas.

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    Diante das incertezas postas pela crise que solapava as bases tradicionais do seu poder

    poltico e social, essa elite intelectual trabalhava com a perspectiva de uma definio do

    Nordeste no apenas em seus elementos convencionais como o espacial, o geogrfico, o

    econmico e o poltico, como tambm no que se referia s suas tradies, sua memria e

    sua histria. Era incentivado o amor ptria Nordeste, estmulo que se irradiava de

    Pernambuco para outros estados, atravs dos futuros dirigentes das localidades, incluindo a o

    espao norte-rio-grandense.

    Madalena Antunes e Nilo Pereira seguem essa trajetria intelectual e seus escritos

    sofrem uma forte influncia dessa produo regionalista, contribuindo para a construo de

    uma representao, de certa forma comum11, do passado cear-mirinense. Dentre as muitas

    semelhanas, exporemos a seguir algumas delas.Em ambas publicaes, Cear-Mirim e o Vale so tomados como referencial e se

    constituem em um espao de saudade. Os autores falam a partir de um lugar privilegiado da

    sociedade qual pertencem, ou seja, do interior da casa-grande, de uma oligarquia rural ligada

    produo de cana e de acar. Cear-Mirim lembrada como uma representao imagtica,

    um lugar idlico, encantado. A esse respeito, Albuquerque Jr. (2001,p. 65)afirma que

    A saudade um sentimento pessoal de quem se percebe perdendo pedaosqueridos de seu ser, dos territrios que construiu para si. A saudade tambmpode ser um sentimento coletivo, pode afetar toda uma comunidade queperdeu suas referncias espaciais ou temporais, toda uma classe social queperdeu historicamente a sua posio, que viu os smbolos de seu poderesculpidos no espao serem tragados pelas foras tectnicas da histria.

    Imagens do Cear-Mirim e Oiteiropodem muito bem se inserir nas condies de

    sentimento postas acima, uma vez que os autores utilizam a memria pessoal como

    instrumento de construo de uma nova Cear-Mirim, mostrando, da forma mais conveniente

    possvel, a transformao de um mundo que vivia sob o desgnio de toda uma aristocracia

    rural. H uma espcie de reconstruo desse mundo atravs de uma construo imagtica que

    11 Devemos ressaltar que h diferenas entre as duas obras, seja em relao ao estilo, seja em relao aoposicionamento diante de algumas questes. Madalena Antunes, por exemplo, d um tom maisromanceadoaoseu trabalho, desnuda-se mais em seu texto: sua famlia passa por dificuldades de ordem econmica, a

    aristocracia est em crise, restando-lhe apenas os estudos como perspectiva social. Nilo Pereira impe um estilomais histrico-memorialstico. Ao contrrio de Madalena, toma para si o ditado quem rei nunca perde amajestade.Assim, a aristocracia aucareira, mesmo destronada, se lhe apresenta como rica, faustosa e hiertica,a exemplo dos engenhos.

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    tenta se impor como referncia aos atuais moradores. Esse gesto tem encontrado receptividade

    em vrios segmentos da sociedade local, como escolas, poder executivo, mdia, instituies

    associativas e, tambm, entre professores, muitos dos quais se entregam misso de perpetuar