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Universidade Federal Fluminense TEXTOS PARA DISCUSSÃO UFF/ECONOMIA Universidade Federal Fluminense Faculdade de Economia Rua Tiradentes, 17 - Ingá - Niterói (RJ) Tel.: (0xx21) 717-1235 Fax: (0xx21) 717- 3286 http://www.uff.br [email protected] Ó Dantas Neto, A. C. Professor do Departamento de Economia da UFF. Todos os direitos reservados. Curtas seções do artigo, não excedendo BREVE HISTÓRIA DO JURO uma abordagem dissertativa Instrumental de Finanças Antônio da Costa Dantas Neto T.D. UFF ___/02

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Page 1: A História do Juro.doc

Universidade Federal Fluminense

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

UFF/ECONOMIA

Universidade Federal Fluminense

Faculdade de Economia

Rua Tiradentes, 17 - Ingá - Niterói (RJ)

Tel.: (0xx21) 717-1235 Fax: (0xx21) 717- 3286

http://www.uff.br

[email protected]

Ó Dantas Neto, A. C. Professor do Departamento de Economia da UFF. Todos os direitos reservados. Curtas seções do artigo, não excedendo dois parágrafos, podem ser citadas sem permissão explícita, desde que citada a fonte.

BREVE HISTÓRIA DO JURO

uma abordagem dissertativa

Instrumental de Finanças

Antônio da Costa Dantas Neto

T.D. UFF ___/02

Page 2: A História do Juro.doc

TD UFF / 02 - Instrumental de Finanças Dantas Neto, A. C.

BREVE HISTÓRIA DO JURO ( O Juro livre e o Anatocismo proibido )

" Os pais e os filhos são semelhantes: o juro é, então, dinheiro provindo dedinheiro e é, de todas as maneiras de realizar um lucro, a mais formalmente desaprovada

pela natureza das coisas"

“ o limite de 12% ao ano, previsto na Lei de Usura, deixou de existir, não pordesuso ou por causa da inflação, mas porque assim determinou a Lei “

é vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada “

“ A Taxa Referencial (TR) não é índice de correção monetária, pois refletindo as variações do custo primário da captação de depósitos a prazo fixo, não constitui índice

que reflita as variações do poder aquisitivo da moeda “

“ Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema FinanceiroNacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a

um ano. “

um breve passeio da sabedoria dos filósofos ao poder dos juízes

--

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1 - S U M Á R I O

1 - Sumário ………………………………….… 1

2 - Apresentação …………………………….…2

3 - O Juro e a Usura ………………………...… 53.a) A questão do juro extorsivo …………......… 53.b) A cobrança de juros na antiguidade …......… 63.c) A preocupação religiosa ………………...… 73.d) A lógica econômica …………………….… 93.e) Anatocismo …………………………..…… 123.f) A questão vista pelo Poder Judiciário .....… 173.f.1) A Lei de Usura …………………………… 203.f.2) Nos mandamentos constitucionais …......… 233.g) O poder aos juízes para decidir ….......…… 253.h) Mais uma vez o governo ……………….… 293.i) Sempre o princípio da eqüivalência …….… 31

4 - Quando correção e juros se confundem ..... 36

--

2 - A P R E S E N T A Ç Ã O

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Os profissionais da área de finanças, que lidam com pagamento e recebimento de juros no

Brasil, neste início do 3º milênio deparam-se com esta interessante questão, qual seja : o juro

remuneratório (implicitamente embutido na prestação) e o juro adicionado ao saldo devedor, por

conta da obrigação que o mutuário assume de pagar todos os custos dos recursos de terceiros que lhe

são emprestados. Os dois casos merecem atenção, pois a incidência de um sobre o outro diz respeito ao

que se convencionou chamar de anatocismo, cuja prática é vedada por lei.

Enquanto a TR ( taxa referencial ) era entendida como argumento de uma função indexante do

mecanismo da correção monetária, a questão passou despercebida (ou não existia), mas agora, com a

TR sendo entendida como "taxa de juros", por ser custo do dinheiro, a elevação do saldo devedor, por

definição, deixa de ter por causa a manutenção da substância do capital, passando a ser o resultado dos

acréscimos de juros sobre o principal; ora, pela lei isso é anatocismo e é proibido (ou passou a ser,

pois não era ), já que juro como acessório se distingue do principal, como entendem os juristas mais

refinados.

Por outro lado, ao se calcular a obrigação periódica do mutuário, faz-se incidir a taxa de juros

remuneratórios sobre o principal corrigido, melhor dizendo, acrescido de juros; tem-se aí mais uma vez

o anatocismo, pois é juros de juros, havendo assim a reincidência de prática proibida.

O sopro neo-liberal ( ou neo-social como querem alguns ) vem modificando as regras de

convivência em sociedade, ao apontar para uma economia de mercado com redução do

intervencionismo. Alguns mandamentos legais, no entanto, são preservados, a despeito de terem sido

concebidos e nascidos em regimes nada liberais, dificultando os acordos de negócios, porque a lei

assim determina, isto é : "como princípio ' ius cogens' não pode ser derrogado pela vontade das

partes". Mas, nesses tempos em que Medida Provisória é “lei”, o Poder Executivo não deixou por

menos e meteu sua colher no assunto, baixando a de número 1963-17, de 30 de Março de 2000; em

resposta, o Poder Legislativo também não deixou por menos e, em brilhante discurso de defesa dos

princípios democráticos, em 28 de Abril do mesmo ano o Senador Pedro Simon desancou com

estranheza e insatisfação a forma com que o Governo interveio, defendendo com aquela bizarra forma

de legislar o interesse dos intermediários financeiros e contrariando o dos consumidores. Trata-se

apenas de mais um lance nesse intricado jogo de interesses, que vem atravessando séculos na História

da Humanidade.

O assunto situa-se naquela zona cinzenta , comumente chamada "terra de ninguém" e, por

isso mesmo, livre ao trânsito de todos; mas admitir a defesa das regras de convivência em harmonia por

um princípio doutrinário é muito mais elegante do que fazer valer a norma pela própria norma, que

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estaria sujeita, inclusive, a entendimentos diversos ao longo de uma trajetória historicamente

ziguezagueante.

O 'princípio' em que se baseia a proibição parece, em princípio, um disparate nas regras de

convivência de uma sociedade democrática moderna, com mercados organizados e agentes esclarecidos

por meios de comunicação livres e abundantes. O judiciário, entretanto, preso à norma do ' ius

cogens', tem negado a pretensão de se fazer incidir uma taxa sobre a outra e o resultado é ainda mais

disparatado, pois resvalando para a possibilidade do surgimento de um enriquecimento sem causa, os

juízes se arrogam no direito de estabelecer uma taxa substituta para a correção monetária do principal.

Há que se perguntar: qual índice é mais justo do que aquele acertado entre as partes em uma economia

livre?

Com a edição da Medida Provisória 1963-17 de 30 de Março de 2000 o Judiciário terá mais

uma vez a oportunidade de se pronunciar através da mais alta Corte de Justiça. É só esperar pois os

caminhos estão abertos para uma nova apreciação da Súmula 121 daquela Corte.

" o limite de 12% ao ano, previsto na Lei de Usura, deixou de

existir, não por desuso ou por causa da inflação, mas porque

assim determinou a Lei “

( Súmula do Supremo Federal Federal )

Para que a questão seja melhor entendida, sem ficar restrita ao campo privativo desse ou

daquele grupo corporativo, deve-se ir aos escaninhos da História, mesmo que por um breve passeio,

para ver que não só economistas falam sobre o assunto, mas também juristas e filósofos, aí incluídos os

de todas as classes.

3 - O JURO E A USURA

3.a) A questão do juro extorsivo

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O repúdio à prática do anatocismo vem de longa data (Usurarum Usurae -Direito

Romano/Ulpiano) e ainda é observado em muitas sociedades modernas. Anatocismo é o mesmo que

capitalização e isso corresponde a computar juros de juros ou o que é o mesmo que adicionar ao

principal o juro de um período, para computar novos juros nos períodos seguintes e que é conhecido

em matemática financeira como juros compostos. Mas, não deixa de ser instigante a combinação de

dois procedimentos aparentemente contraditórios em uma mesma sociedade: repúdio ao anatocismo e

liberdade total para fixar a taxa de juros em uma obrigação financeira. Há lógica ?, ou não passa de

mais um "imbroglio " ideológico ?

Um outro breve salto na História mostra que já houve muita resistência à cobrança de

qualquer remuneração sobre o empréstimo em dinheiro; os principais pontos revelam inicialmente

um tratamento filosófico, seguido de uma preocupação religiosa, para ser substituída por uma lógica

econômica e finalmente passar a ser uma questão judicial, pelo menos no Brasil, onde inúmeras ações

chegam aos tribunais para deslindar essa questão surgida com a TR sendo tratada como taxa de juros.

3.b) A cobrança de juros na antitguidade

Ainda hoje perdura uma prática antiga; quem possui um cão ou uma cadela e o empresta "para

cruzar" tem direito a um certo número de filhotes na devolução do animal ( com privilégios de

escolha de sexo inclusive ). Trata-se de um acordo entre criadores de caninos, realizado em 1934 e que

é conhecido como "Princípio de Mônaco". Há motivos suficientes para se acreditar que os povos

primitivos estabeleceram uma espécie de juro pelo prazo de um ano, em razão de que as vacas tinham

uma cria anual e de que os empréstimos de gado, com retribuição pelo uso, eram comuns entre

agricultores da época.

Deixando de lado ,por enquanto, o empréstimo de coisas que não o dinheiro, encontra-se na

antiguidade o empréstimo de dinheiro a juro sendo feito para satisfação de necessidades daqueles

menos afortunados. Esse tipo de relação era considerado iníquo, particularmente quando o devedor

faltoso era pressionado pelo credor a pagar o que devia. A condenação ao credor assumia a forma de

uma falsa lógica : " se emprestou a quem tinha, por que o fez ? e se o fez a quem não tinha por que lhe

exigiu vantagens ? ".

Alguns autores localizam aí a aversão ao juro e fundadas nesse princípio ético as Leis de

Moisés condenavam o empréstimo a juros, quando feito aos pobres, mas posteriormente estendeu a

proibição a todos os israelitas, abrindo exceção apenas quando o empréstimo fosse feito a estrangeiros.

A marca da ambiguidade, que já vinha de antes, atravessou os tempos e ainda se encontra em

"Política" de Aristóteles (384 a.C ✝ 322 a.C) a condenação:

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" O dinheiro só deveria servir como um simples fator para facilitar a troca dos produtos. Longe disso, porém, o ganho que dele se tira pelo juro, o fez procriar, como indica seu nome 'tokos' . Os pais e os filhos são semelhantes: o juro é, então, dinheiro provindo de dinheiro e é, de todas as maneiras de realizar um lucro, a mais formalmente desaprovada pela natureza das coisas" .

Outro entendimento, porém, se encontra na "Etica a Nicômaco", quando Aristóteles faz a

condenação ao juro exagerado :

"Outros, por sua vez, excedem-se no tocante ao receber, tomando tudo o que lhes aparece e de qualquer fonte que venha, como os que se dedicam a profissões sórdidas, alcaiotes e demais gente dessa laia, e os que emprestam pequenas quantias a juros elevados. Com efeito todos esses tomam mais do que devem, e de fontes indébitas. Evidentemente, o que há de comum entre eles é o sórdido amor ao lucro; todos se conformam com uma má fama em troca do ganho, e minguado ganho ainda por cima. Com efeito, aos que auferem ganhos vultosos e injustos de fontes indébitas, como os déspotas que saqueiam cidades e despojam templos não chamamos de avaros e sim malvados, ímpios e injustos."

Assim sendo, a cobrança de um juro moderado não deveria ferir a ética dos negócios, pois todos se

conformariam com a má fama adquirida por um pequeno ganho.

3.c) A preocupação religiosa

Entre os eclesiásticos tanto Santo Agostinho quanto S. Thomaz de Aquino filiaram-se à

doutrina aristotélica, mas S. Thomaz, na "Summa Theológica", ajustou as idéias eclesiásticas à

realidade da época, conforme relato do emérito professor de matemática financeira Thales de Mello

Carvalho :

"Obter lucro no comércio já não era para ele pecado capaz de fazer perder a alma, nem tão pouco, era contrário à virtude. Entretanto, mesmo filiado às idéias aristotélicas, condenava o empréstimo a juros ao considerar que o dinheiro é um bem consumível ( res fungibilis) e, portanto, seu uso não poder ser separado de sua propriedade".

Mais ainda, da mesma forma que conciliou fé e ciência, teve a necessária habilidade ao tratar

do assunto, reconhecendo exceções no caso dos juros. Ainda que condenasse o credor que exigia juros,

relevava o ato do devedor pagá-lo. Era pecado cobrar o juro, porém não o era pagá-lo.

No Concílio de Latrão o assunto ficou definido para a Igreja :

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"Há usura onde há ganho que não provenha de uma coisa frutífera e que não implique nem em trabalho, nem em despesas e nem em riscos da parte do emprestador".

Ainda no terreno religioso Lutero condenava veementemente a prática da cobrança de juro,

mas acredita-se que essa condenação advinha de sua oposição à Igreja, que nessa época já andava

envolvida em negócios. É de sua autoria a frase "Todo usurário é um ladrão digno de forca". Já

Calvino quebrou a tradição de reprovar toda preocupação de interesse econômico, que não para a

própria subsistência. Colocou o lucro comercial e financeiro em pé de igualdade com os ganhos do

trabalho e da renda da terra.

Portugal foi a primeira nação que consagrou oficialmente o juro, conforme se verifica no

Edito do El-Rei, estabelecido pelo Alvará de 22 de Junho de 1768 :

" Mando que a Mesa da Misericórdia ( de Lisboa ) não possa , daqui em diante , dar dinheiro a juro, senão com segurança de boas consignações desembaraçadas; assim pelo toca a satisfação anual dos interesses, como pelo que pertence a extinção dos capitais; computando-se em tal forma, que no preciso termo de 12 anos contínuos, sucessivos, e contados do dia da data da Escritura da obrigação, fiquem os respectivos capitais e juros inteiramente pagos e satisfeitos " ( grifo ).

Satisfazer capitais e juros é uma expressão que, no dizer de Pinto Aleixo em seu livro "Táboas

de Interesse Composto", de Novembro de 1942 , significa computar juros sobre o capital e sobre os

juros não pagos.

3.d ) A lógica econômica

O economista austríaco Bohm Bawerk aparece como figura central na teorização sobre os

juros. No dizer de Schumpeter in "História da Análise Econômica" :

"Bohm Bawerk acreditava firmemente que o

dinheiro não desempenha qualquer papel neste

assunto, além do de um instrumento técnico que,

ocasionalmente, se desarranja. Fundamentalmente o

juro surge de uma troca entre os bens de consumo

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existentes e os bens futuros e é essencialmente um

prêmio ('ágio'), afixado aos primeiros"

Essa idéia de consumo presente versus consumo futuro encontra-se hoje bem desenvolvida e é

capítulo obrigatório nos modernos manuais de microeconomia, que a exploram sob o título de Escolha

Intertemporal. A abstinência de quem empresta, postergando o uso em benefício próprio, merece uma

recompensa ( teoria da abstinência ) e a antecipação intertemporal do uso por quem toma justifica um

custo ( teoria da impaciência ). Esse é apenas um dos enfoques que justificam a prática da cobrança de

juros nos empréstimos e a crítica aos que a condenavam é bastante contundente, "Aristóteles

condenava a cobrança dos juros, mas não foi capaz de explicar, a existência de tal prática já na sua

época"

A lógica econômica, ao elevar o capital físico à categoria de fator de produção, juntamente

com o trabalho e a terra, traz ao entendimento a necessidade da remunerar esse fator com categoria

semelhante ao salário e ao aluguel, isto é : juro é o custo de um fator chamado capital financeiro. Para

um dado estado da arte, capital físico , trabalho e terra concorrem no processo produtivo de acordo com

suas respectivas produtividades marginais; um aumento na produtividade marginal do capital aumenta

a demanda por capital físico (investimentos), que resulta em maior demanda por fundos; a sequência de

efeitos passa pelo preço de novas unidades de máquinas, equipamentos e instalações e vai até o

aumento da taxa de juros como categoria monetária, reguladora dos fluxos de oferta e de demanda de

fundos no mercado de capitais.

Ainda na "História da Análise Econômica" Joseph Schumpeter reconhece a superioridade da

teoria desenvolvida por Bohm- Bawerk, digno representante da escola austríaca. Na versão simplificada

diz a teoria: "o juro surge da interação da preferência (psicológica) temporal com a produtividade

física do investimento".

Essa idéia de interação está bem encaixada no escopo da Teoria Econômica Geral da escola

neoclássica. A imagem construída por Marshall com as duas lâminas da tesoura acoberta essa idéia de

oferta e demanda por fundos, como forças que vão determinar o nível da taxa de juros . Outros

neoclássicos, como o sueco Knut Wicksell ( também da escola austríaca ), desenvolveram bastante

essa teoria, chegando mesmo a fazer a distinção entre a taxa de juros natural (que equilibra poupança

e investimento) e a taxa de juros de mercado (que é praticada nos negócios). Com essa distinção chega-

se até a noção de desequilíbrio monetário do sistema econômico, com uma das melhores contribuições

à teoria da inflação.

A escola marxista, naturalmente, não vê o juros por aquele prisma da produtividade dos fatores

de produção. O capital físico que se acumula no período de um processo produtivo tem como origem a

apropriação pelo capitalista do excedente gerado pelo fator trabalho em períodos anteriores, única fonte

geradora de valor; ilegítima, portanto, qualquer remuneração ao capital.

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As contribuições de Keynes, com o conceito de "eficiência marginal do capital", reforçando a

idéia do capital como fator de produção no lado real do sistema econômico, vão até o lado monetário,

mostrando a importância da taxa de juros, como categoria monetária, no equilíbrio geral da economia.

A taxa de juros é uma variável endógena do sistema econômico, seu nível ( se alto ou baixo ) é uma

decorrência das condições de maior ou menor liquidez em que funciona a economia, interativamente

com o nivel da demanda agregada, determinada no lado real da economia. Os ciclos de negócios,

sinalizando para diferentes perspectivas de realizações de lucros futuros, impulsionam ou contêm a

avalanche de investimentos que mantêm a economia mais ou menos aquecida. A taxa de juros nesse

contexto, mesmo sendo uma categoria monetária, como variável endógena do sistema econômico,

reflete a menor ou maior força da demanda agregada.

A síntese lógica da economia política, levada às questões práticas da análise econômica deram

à revoluçao industrial e ao capitalismo nascente o suporte teórico necessário para que os mercados se

organizassem e a questão do juro evoluiu da justificativa da cobrança para o "quantum" a ser cobrado

pelo credor. De fato, o final do Século XVIII traz a marca indelével da Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão e, na Assembléia Constituinte de 12 de Outubro de 1789, é proclamada na

França a legitimidade do juro e estabelecida, logo após, uma taxa legal para a sua cobrança. A lei

napoleônica de 3 de setembro de1807 fixou taxa máxima de 5% em matéria civil e 6% em matéria

comercial. Também no Brasil, incorporou-se ao Código Civil ( Lei 3 071, de 1º de Janeiro de 1916 -

arts. 1062 e 1262 - a taxa legal de 6% ao ano ).

3.e ) Anatocismo

Para bem ilustrar a questão do anatocismo que se encontra associada à cobrança de juros,

resgata-se uma obra, pelo menos curiosa, de A. Barriol, publicada em Paris no ano de 1931 : "Théorie

et Pratique des Opérations Financières a Long Terme - Prêt a Interêts Composé" . Curiosa, se não

engraçada, é a demonstração que o autor faz do que ele acha ser um resultado absurdo ao aplicar a

fórmula de juros compostos Cn=Co(1+i )n a qual negligencia completamente os fatos, no dizer do

autor.

Assumindo um capital inicial Co igual a Fr$1,oo ( um franco) e uma taxa de juros de 4% ao

ano ( que é uma taxa razoavelmente baixa para os padrões modernos ) o autor admite que o

empréstimo tenha sido feito no início da era cristã ( Ano 1 D.C. ) e deseja saber quanto teria

acumulado de juros até o ano de 1931, ou seja: durante 1930 períodos de capitalização. O resultado

alcançado é Fr$ 7,48763812005 e deve ser considerado deslocando a vírgula 32 casas decimais para

a direita. Em seguida Barriol computa o volume da Terra e chega a 1.083.320 x 106 .

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Prossegiuindo com os cálculos computa a densidade de um grama de ouro e o seu preço àquela

época, chegando à conclusão de que uma esfera de ouro puro do tamanho do globo terrestre custaria em

francos da mesma época a quantia de Fr$ 318.677x1027 e finalmente, dividindo a quantia alcançada

com a capitalização, por esse valor de uma esfera de ouro do tamanho da Terra, chegava ao valor

astrônomico correspondente a 2.350 globos terrestres de ouro puro.

.

O absurdo do resultado é evidente, como também o é o exemplo; 1930 anos é o espaço de

tempo de quase 30 gerações, cada uma com a idade média de 65 anos; imaginar que um empréstimo

possa fruticar juros sobre juros durante tanto tempo não é razoável, como também não o é admitir a

aplicação de taxas de correção monetária, de uma inflação elevada, sobre o valor de uma moeda

estável. O resultado é também absurdo, mas o exemplo não fica nada a dever, visto que algo parecido

tenha ocorrido recentemente em um pedido de indenização que tramitou na Justiça do Trabalho no

Brasil.

Apesar de absurdos, todavia, os exemplos chamam a atenção para o fato de que a

capitalização ( anatocismo ) acelera a acumulação do capital. Uma taxa de juros correspondente a 10%

ao ano faz o capital duplicar a cada 10 anos no regime de juros simples, enquanto no de juros

compostos leva pouco mais de 7 anos. Já a decuplicação do capital com a mesma taxa de 10% ao ano

leva 100 anos no regime de juros simples, enquanto leva menos de 25 anos no regime de juros

compostos.

Mas é preciso notar que, se não há limitação para a cobrança de juros, uma taxa de juros

suficientemente alta no regime de juros simples produz um resultado igual ao encontrado com uma taxa

qualquer no regime de juros compostos; basta aplicar a relação abaixo, em que " is" é a taxa de juros

simples," ic" é a de juros compostos e "n" é o prazo da operação em número de períodos:

is = (1+ic)n - 1 n

Essa fórmula mostra que, se são necessários 25 anos para decuplicar o capital, cobrando 9,65%

ao ano no regime de juros compostos , sujeitando-se a uma penalidade por infrigência de norma legal,

a mesma decuplicação pode ser alcançada no mesmo prazo com uma taxa de 36,02 % ao ano no

regime de juros simples, sem nenhuma restrição legal. Observa-se, ainda, que essas duas taxas refletem

com bastante proximidade o que se passou na economia do resto do mundo, vis-a-vis a economia

brasileira em meados dos anos 90. Enquanto no mercado financeiro internacional a taxa de juros

flutuava abaixo dos 10% a.a. no Brasil eram praticadas taxas acima dos 30% a.a.

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Todos esses exercícios, no entanto, adotam como pressuposto o não pagamento de obrigações

periódicas, permitindo que a dívida cresça por acumulação de juros contra o devedor. Certamente a

condenação não pode ser pelo ganho excessivo do credor, pois se os juros fossem pagos em cada

período outros empréstimos poderiam estar sendo feitos com os juros recebidos e a contagem de juros

sobre os novos empréstimos nada mais seria do que juros sobre juros recebidos e reaplicados.

No exemplo de A. Barriol, se os juros fossem pagos a cada ano durante os mesmos 1930

períodos, o devedor pagaria em cada período a módica quantia de Fr$ 0,04 ou seja quatro centavos de

franco por ano; o credor, por outro lado, ao fazer novos empréstimos com essas quantias recebidas,

cobrando a mesma taxa de juros, teria acumulado ao longo dos 1930 anos os mesmos 2.350 globos

terrestres de puro ouro, em termos de valor, a despeito de um descomunal controle operacional.

A dívida externa brasileira durante um certo tempo dos anos 80 foi tratada de maneira

semelhante; ao final de cada período tomava-se um novo empréstimo para pagar os juros vencidos

( essa era a verdadeira intenção nas Cartas de Intenção ); carta para um lado e ordem de pagamento

para o outro, ... os recursos monetários propriamente ditos não chegavam a ser movimentados e tudo

se passava como se os juros tivessem sido pagos ! Na era dos computadores o controle operacional de

acordos de negócios como esse não chega a assustar e o resultado final é pura capitalização.

A insistência na condenação, então, faz emergir, como pressuposto, o propósito da proteção

ao devedor; voltando à antiguidade encontra-se o credor abastado e o devedor pobre coitado. No

presente, todavia, as operações de empréstimo são feitas de uma forma sistêmica, pela intermediação

em um aparelho sofisticado, que é o sistema financeiro. Entre a ponta de quem fornece os recursos,

depositando-os nas instituições financeiras, e a outra de quem toma-os por empréstimo, a imagem pode

ser bem distinta; milhões de depositantes em cadernetas de poupança não representam exatamente a

figura do credor abastado, nem tampouco representam a figura do pobre coitado os que tomam esses

recursos para construir, produzir e vender ou apenas para adquirir bens e serviços aumentando o valor

do seu patrimônio e de sua satisfação pelo valor adicionado que surge.

O óbice que se pode levantar, sem nenhum ranço ideológico, é da mesma natureza, mas de

forma distinta. Trata-se da equivalência de uma taxa de juros contratada por período e aplicada

(cobrada) por sub-períodos. Vista por essa ótica tem-se aí uma taxa efetiva por período que é maior do

que a contratada e a condenação é no sentido de proteger a relação contratual.

No Brasil, esse tipo de proteção se encontra na Resolução 235/1972 do Conselho Monetário

Nacional, a qual foi seguida pela RD nº 5/1973 do extinto Banco Nacional da Habitação, evoluindo

mais tarde para a explicitação nos contratos da taxa efetiva da operação. Todavia, capitalização por

sub-períodos é apenas uma das faces desse importante conceito denominado "taxa efetiva de juros".

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i) capitalizar juros por sub-períodos de uma taxa

contratada produz um ganho por período maior do que

o previsto no que foi convencionado, isto é:uma taxa

convencionada a 12% a.a.,se cobrada mensal e

proporcionalmente com a taxa de 1%, produz um ganho

correspondente a 12,68 % ao ano, caso se acrescente os

juros ao principal ao final de cada período - e isso é

anatocismo.

ii) se em lugar da taxa mensal e proporcional cobra-se a

taxa mensal eqüivalente,que corresponde (1,12)(1/12) -1=

0,9489% ao mês, mantem-se a relação contratual

de12%a.a., mesmo que capitalize mensalmente mas, se

houver capitalização, a lei condena.

Pinto Aleixo, op. cit. vai mais longe ao expressar a sua opinião sobre a necessidade de

capitalização dos juros :

" Como o juro é da mesma natureza do capital, é necessário que em todas as questões que envolvam eqüivalência de valores, considerar todo o capital como frutificando a juros compostos"

Embora haja divergência no tocante a natureza do juros vis-a-vis a do capital, Pinto Aleixo

estava certo quando se referiu à necessidade de computar juros de juros para manter a eqüivalência dos

capitais distribuidos no tempo. A constatação é simples e imediata, basta comparar a série de

pagamentos de prestações crescentes ( chamada gradiente ) com a série de pagamentos uniforme

(chamada tabela price). A série gradiente, tendo prestações iniciais muito pequenas, não cobre nem os

juros convencionados por período; isso resulta em acumular juros ao saldo devedor ( principal ) durante

um bom número de períodos ( pouco mais de um terço do prazo contratado). Não se procedendo dessa

maneira, o valor atual dos pagamentos vincendos ( saldo devedor pelo método prospectivo) não

corresponderá ao valor da dívida, apurado período a período pelo método restrospectivo. Como os

sistemas de amortização devem preservar o princípio da eqüivalência dos capitais distribuídos no

tempo, há que se capitalizar os juros, para eliminar o custo de oportunidade na operação financeira.

3.f ) A questão vista pelo Poder Judiciário

No Brasil da Regência Trina a Lei de 24 de Outubro de 1832 estabelecia em seu Art. 1º :

"Cessou, portanto, o vício da usura , e estão em vigor a Ord. L. 4º T. 67 e T 70 § 1º e todas as

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mais disposições sobre contractos usurarios. Cessou também a reprovação do - anatocismo - e da - mohatra -, ficando assim immoderadas exigência s para o fôro da consciência"

Teixeira de Freitas no Art.361 da sua"Consolidação das Leis Civis": sintetisa: " Art. 361. O juro, ou

premio, do dinheiro de qualquer espécie sera aquelle, que as partes convencionarem "

Mas o Código Comercial, mandado adotar pela Lei 556, de 25 de junho de 1850, traz no seu

artigo 253 a proibição:

" Art. 253 É proibido contar juros de juros; esta proibição não compreende a acumulação de

juros vencidos aos saldos liquidados em conta corrente de ano a ano. "

É, ainda, Teixeira de Freitas, na nota nº 21 ao art. 361 de sua Consolidação, quem esclarece a

questão :

" O Código do Comercio, no Título - dos juros nominais - em nadacontraria a disposição da Lei de 24 de Outubro de 1832,e tudo quanto dispõe é aplicável em matéria civil O Art.253 quando diz - é prohibido contar juros- não reprova o anatocismo;veda unicamente, que se contem juros de juros, quando assim não se tiver estipulado. A excepção desse Art. 253 sobre acumulações de juros em contas corretnes não é propriamente uma excepção, é o reconhecimento da estipulação de juros de juros, effeito implicito do contrato de conta corrente. Tem havido esse contracto expressa ou tacitamente, sempre que duas pessôas (commerciantes ou não) estejão em relações de conta corrente; e então o credito e debito entre ellas vence reciprocamente os mesmos juros, e o saldo destes accumula-se ao do capital,ou principal,de período a período,quando a conta se liquida."

O Código Civil, mandado adotar pela Lei nº 3.071,de 1º de janeiro de 1916, teve um longo

parto desde Teixeira de Freitas em 1859 até ser entregue a Clóvis Beviláqua em 1899. Alí, tendo

vicejado a semente plantada por Teixeira de Freitas, não se encontra nenhuma limitação para a taxa de

juros nem proibição ao anatocismo, muito pelo contrário, de 1850 ( Código Comercial ) até 1916

(Código Civil ) a questão parece que assume a interpretação dada pelo autor da Consolidação.

" Art. 1 262 É permitido, mas só por cláusula expressa, fixar juros ao empréstimo de dinheiro ou de outras coisas fungíveis. Esses juros podem fixar-se abaixo ou acima da taxa legal, com ou sem capitalização " ( Revogada essa parte pela Lei de Usura )

A taxa legal a que se refere o Código Civil é de 6% ao ano, mas sua aplicação refere-se aos

casos de mora, ou quando não convencionada pelas partes ( artigos 1062 e 1063 do Código Civil ).

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A evolução da questão no judiciário , entretanto, fica marcada dos anos 30 em diante e vamos

encontrar no Brasil da ditadura de Vargas - provavelmente da lavra do notável jurista Francisco

Campos - o Decreto nº 22.626, de 7 de abril de 1933, também chamado de " Lei de Usura" da qual

tanto se fala, inclusive quanto ao anedotário. Alí fixou-se no artigo 1º a taxa de12% a.a. como o

máximo permissível nas operações de empréstimo e, no artigo 4º a proibição terminante de capitalizar

juro sobre juro, permitindo no artigo 5º adicionar-se 1% à taxa contratada, no caso de mora.

Eis aquí algo realmente merecedor de mais atenção: já se viu que com o pagamento periódico

das obrigações assumidas em um empréstimo de dinheiro a juros, a capitalização ( anatocismo ) não

tem como ocorrer. Mas o legislador aquí previu a hipótese de haver atraso nos pagamentos; neste caso,

acrescenta-se 1% à taxa contratada anualmente. Seria isso uma compensação por não se acumular juros

sobre juros ? . Se assim é, a compensação dependerá do número de períodos em mora e da taxa

convencionada. Com efeito, assumindo que compensar seja o mesmo que proporcionar um ganho

alternativo igual tem-se para uma taxa contratada máxima ( 12% a.a. ) e "k" períodos de atraso :

( 1 + 0,12/N) k = [ 1 + k ( 0,12 + 0,01)/N ]

Se as obrigações forem anuais ( N = 1 ) até pouco menos de dois anos e meio de atraso o juro

de mora produz mais vantagem para o credor e, se a obrigação periódica é mensal (N=12), essa

vantagem se verifica com atrasos de até pouco menos de 17 meses. Em períodos maiores do que esses

( para a taxa convencionada máxima de 12 % a.a. como hipótese ) a capitalização seria mais vantajosa

para o credor. Mas nesse caso não se pode deixar de observar que : uma obrigação que fica em mora

por muito tempo revela não só um devedor relapso, mas também um credor inepto, que não tem porque

tirar vantagens de uma situação irregular, possivelmente por culpa sua também.

Aí está, no entendimento acima, uma razão lógica para os limites no tempo ( até 5 anos ) e no

valor ( até o dobro do capital inicial ), que foram estabelecidos em outras normas do passado, para a

admissão da prática do anatocismo; isto é : o anatocismo só seria proibido quando ultrapassado aqueles

limites.

3.f.1) - No Decreto 22.626, de 7 de abril de 1933 (Lei de Usura)

Art.1º É vedado e será punido nos termos desta Lei, estipular em quaisquer contratos taxas

de juros superiores ao dobro da taxa legal. (vide art. 1062 do Código Civil)

§ 1º máximo de 10% se garantido por hipoteca urbana ou 8% se a operação for garantida por

hipoteca rural ou por penhor agrícola (revogado pelo Decreto-Lei 182 de 5.01.38).

§ 2º máximo de 6% quando a operação for de financiamento de trabalhos agrícolas, ou

para compra de màquinas ou utensílios agrícolas (revogado pelo Decreto-Lei 182 de 5.01.38).

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§ 3º a taxa de juros deve ser estipulada em escritura pública ou escrito particular, e nõ o

sendo entemder-se-á que as partes acordaram nos juros de 6%(seis por cento) ao ano, a contar da data

da postura da respectiva ação ou do protesto cambial.

Art. 2º É vedado, a pretexto de comissão, receber taxas maiores do que as permitidas por esta

Lei . Os i. arts 1º e 2º foram revogado pelo art. 4º, item IX da Lei 4.595/64

Art. 3º As taxas de juros estabelecidas nesta Lei entrarão em vigor com a sua publicação e a

partir desta data serão aplicáveis aos contratos existentes ou já ajuizados.

Art. 4º É proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de

juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano.

Art. 5º Admite-se que pela mora dos juros contratados estes sejam elevados de 1% (hum por

cento) e não mais.

Art. 6º Tratando-se de operações a prazo superior a 6 (seis) meses,quando os juros ajustados

forem pagos por antecipação, o cálculo deve ser feito de modo que a importância desses juros não

exceda a que produzi ria a importância líquida da operação no prazo convencionado, às taxas máximas

que esta Lei permite.

Em seu " Tratado de Direito Privado" Pontes de Miranda esclarece no § 2.896 - Anatocismo

e Capitalização pag. 48 - a proibição de que trata o Art. 4º da Lei de Usura :

"No direito justinianeu, a L. 28, C.' de usuris', 4,32, tentou proibir que os juros constituissem capital independente (grifo nosso): "Nas antigas leis também se estabelecera que de modo nenhum se exigissem aos devedores juros de juros, porém não se assegurou isso com perfeição. Se havia concedido acumularem-se ao capital juros e estipularem-se juros da soma total, que diferença havia para os devedores a quem verdadeiros juros de juros se exigiam ? . Isso, certamente, era pôr leis, não para as coisas, mas para as palavras. Por isso, mandamos nesta clarís sima lei que de modo nenhum seja lícito acumular ao capital os juros do tempo passado ou do futuro e estipular logo juros dos mesmos, mas que, ainda se tal se fêz, os juros permaneçam sendo sempre juros (grifo nosso)e não experimentem aumento de outros juros, nem o incremento de juros aceda ao antigo capital".

É ainda Pontes de Miranda quem relata :

" A L. 28 foi mais longe : não se poderiam acumular juros ao capital, para que do total fluissem juros, nem se poderia constituir com os juros outro capital "

Nessas passagens fica claro o conteúdo da proibição, que vem do direito romano. CAPITAL E

JUROS TÊM NATUREZAS DISTINTAS E NÃO PODEM SE MISTURAR. SOMENTE O PRINCIPAL TEM A

CAPACIDADE DE GERAR O ACESSÓRIO. ADICIONAR JUROS AO CAPITAL É COMO SOMAR

QUANTIDADES HETEROGÊNEAS E A OBTENÇÃO DE JUROS SOBRE JUROS É UM GANHO QUE NÃO

SE CONFORMA COM A NATUREZA DESSA CATEGORIA ACESSÓRIA.

Mas é o próprio Pontes de Miranda que, em outra passagem, expõe a sutileza dessa posição

doutrinária:

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"Não há anatocismo, nem proibida capitalização de juros, se o credor recebe o juros e empresta, de novo, a quantia recebida, parte, ou mais do que ela. Com o recebimento os juros deixaram de ser acessório, - portanto deixaram de ser juros ( H. DE COCCEJUS , Exercitationes, I, Sect. II, §§ 33-5). Pode haver fraude à lei (CHR.FR. VON GLUCK, Ausfuhrliche Erlauterung der Pandecten,21,124), ainda que a posse do dinheiro possa ser transferida 'brevi manu' após posto à disposição do credor, o que dificulta a prova do 'fraus legis' . O que importa é que não tenha havido a imposição pelo credor ( sem razão, W.X.A. VON KREITTMAYR, Anmerkungen uber den Codicem Maximilianeum Bavaricum civilem,II, 1076)".

Com efeito,se as partes livremente convencionam a capitalização dos juros, não se pode alegar

a imposição. Por outro lado, se o princípio é 'ius cogens', uma cláusula em que o credor financia o

juro pelo prazo remanescente da dívida tem o efeito fático de haver recebido para emprestar em

seguida.

Ainda Pontes de Miranda, em outra passagem, procura esclarecer a questão entre o Código

Comercial e o Código Civil :

" Não se tendo referido o Código Civil ao anatocismo, sustentaram alguns juristas, apressadamente, ter sido derrogado o art.253 do Código Comercial; mas, no direito civil, regia a Lei de 24 de outubro de 1832 e nem por isso fôra óbice ao art. 253, alínea 1ª, do Código Comercial. Todavia, não havia a questão da proibição do anatocismo: o que se estabeleceu, no art. 253 alínea 1ª, do Código Comercial, e passou ao art. 4º do Decreto 22.626, foi a incontabilidade dos juros de juros, não a inestipulabilidade deles. TEXEIRA DE FREITAS ( Consolidação das Leis Civis, nota ao artigo 361) colheu o exato conteúdo do art. 253, alínea 1ª "

A nota nº 21 ao Art. 361 já se encontra transcrita na pag. 18 e o suporte doutrinário

que se encontra no direito romano não se mostrou suficientemente enraizado nas normas de

convivência em sociedade ao longo do tempo.Repúdio, proibição, lenidade e indiferença são

tratamentos diferentes dispensados ao anatocismo em diferentes momentos da História. No art.4º da

própria Lei de Usura, onde se encontra a base da proibição atual, está plantada a excepcionalidade;

mas a jurisprudência fincou razões paralelas, proibindo.

Inobstante a ambigüidade, o repúdio da sociedade brasileira à usura revela-se em

sucessivos mandamentos legais, passando a fazer parte também de dispositivos constitucionais, a partir

do Decreto 22.626, de 7 de abril de 1933.

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3.f.2) - Os mandamentos constitucionais

- Na Constituição de 1934, Art. 117

"É prohibida a usura, que será punida na forma da lei"

- Na Constituição de 1942, Art. 142

"A usura será punida" .

- Na Constituição de 1946, Art. 154

"A usura, em todas as suas modalidades,será punida na forma da lei"

- Na Constituição de 1967

Talvez por sua inspiração tecnocrática, já não se encontra nenhuma limitação para a taxa de

juros no capítulo da ordem econômica e social; o assunto é tratado por dispositivo infra-

constitucional, e que corresponde ao enunciado do item IX do art. 4º da Lei 4595/64, que dá

atribuição ao Conselho Monetário Nacional para limitar, sempre que necessário, as taxas de juros.

- Na Constituição de 1988

Novamente o assunto volta ao nível constitucional (§ 3º do Art.192) com a tentativa de limitar

a taxa de juros. Eminentes constitucionalistas, todavia, são de opinião de que esse dispositivo não é

auto-aplicável, necessitando de uma lei complementar para sua validade. Muitos projetos destinados a

regulamentar o art.192 (Reforma do Sistema Financeiro Nacional) têm esbarrado ( no nosso

entendimento ) no seu § 3º. Isto é: enquanto não se assegurar politicamente superar essa limitação é

pouco provável que se faça a reforma por lei complementar.

3.g ) - O poder aos juízes para decidir

Com uma doutrina sustentada por filigranas e sutilezas, a questão chegou aos tribunais,

marcando passagens por várias instâncias até chegar ao Supremo Tribunal Federal, onde a Súmula 121

firma a jurisprudência sobre a capitalização:"É VEDADA A CAPITALIZAÇÃO DE JUROS, AINDA

QUE EXPRESSAMENTE CONVENCIONADA" . Destaca-se como paradigma o julgado do qual foi

relator o Min. OROZIMBO NONATO, no Recurso Extraordinário nº 17.785, de 10.08.1951, em que

o Banco do Brasil S.A recorre de sentença anterior, que o proibia de cobrar juros de juros a José

Alves da Cunha; é o que se depreende dos seguintes trechos recolhidos da publicação que se encontra

na página 126, Volume 147, da Revista Forense:

Nas Preliminares

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"Já exaramos,repito,exaramos para mais de 50 decisões de ajuste de moratória,negando ao inconformado Banco do Brasil direito aos juros capitalizados"

"O Banco do Brasiul S.A.,ciente e consciente de que lhe assiste todo direito à cobrança das importâncias que seu pedido de habilitação especifica-manifestação inequívoca dos compromissos que assumiu o Sr. José Alves da Cunha, - interpõe o presente recurso, objetivando, com êle, a reforma da sentença."

O Sr. MINISTRO OROZIMBO NONATO (Relator) : Em face das citações do recorrente, que, incontendivelmente, põem de manifesto, no caso, a ocorrência de dissídio jurisprudencial,conheço do recurso, com fundamentoto na letra d do art. 101, nº III, da Constituição federal.

Circa mérita, porém, não dou razão ao recorrente. A tese que êle defende é que, posto vede a Lei de Usura ( dec. nº 26.626, de 7 de abril de 1933, art. 4º ) se contem juros de juros, não proibe a capitalização quando expressamente estipulada. E não faltam juristas de prol que a abonam, e acreditam.

O argumento-aquiles em que se esforça o requerente é o que o art. 4º reproduziu apenas o art. 253 do Código Comercial, e êste não impedia a capitalização quando expressamente estipulada.

A condenação ao anatocismo expressa no art. 4º da Lei de Usura não impediria, como o art. 253 do Código de Comércio, a capitalização derivada de cláusula contratual.

Nesse sentido, CAMILO NOGUEIRA DA GAMA, 'Penhor Rural', 2ª Ed., nº 38, tira a lume a lição de TEIXEIRA DE FREITAS, PAULO DE LACERDA, JOSé XAVIER CARVALHO DE MENDONÇA, ORLANDO , MANUEL INACIO CARVALHO DE MENDONÇA, CLóVIS BEVILáQUA, EDMUNDO LINS, AFONSO PENA JUNIOR CARVALHO SANTOS e outros.

Sigo, data vênia , opinião contrária, no regime da Lei de Usura, surgida em período de vitória do socialismo jurídico e do "dirigismo" contratual, é em tais circunstâncias que a vedação se categoriza como de ius cogens , como princípio de ordem pública que o pacto dos particulares não pode derrogar ( grifo nosso, pela importância do argumento na decisão ).

Registre-se que, ainda no regime anterior, em face do art. 253 do Código Comercial, combinado com o art. 1º da lei de 1832, em que se fundava a lição de TEIXEIRA DE FREITAS, autoridades de grande suposição acabavam pela impossibilidade da cláusula de anatocismo, como BENTO DE FARIA, FELíCIO DOS SANTOS e LACERDA DE ALMEIDA.

Em pleno regime jurídico de liberdade contratual quanto ao juros, dizia FELíCIO DOS SANTOS: " A lei de 24 de outubro de 1832, só teve por fim facultar às partes a estipulação dos juros que quisessem; o legislador não tinha em mente permitir o anatocismo condenado pela legislação de todos os povos civilizados ( Projeto de Código Civil e Comercial, Vol. 5º ao art. 2.441 )."

E LACERDA DE ALMEIDA, citando WINDSCHEID e PUCHTA, ensinava : "A lei de 24 de outubro de 1832 se teve por fim facultar às partes o convencionarem livremente a taxa de juros, nem por isso permite o anatocismo, que o Cod. Comercial, lei posterior, e com maior razão de permiti-lo, proibiu.

Assim o entendemos, em contrário ao sábio autor da Consolida ção das Leis Civis, cuja opinião, sem a menor contestação, foi seguida por ORLANDO ( Código Comercial, nota 333 ao art. 253 ). Sempre nos repugnou admiti-la, apesar da grande autoridade que a apadrinha, e, hoje, convence-nos mais do que tudo o fato de que na Alemanha, apesar da lei de 14 de novembro de 1867, idêntica à nossa de 1832, entendem os mais notáveis civilistas estar ainda de pé estas e outras restrições ( Obrigações, § 43, nota 22).

Se assim se podia entender em regime de plena liberdade na fixação dos juros, induvidoso se torna o caráter de ius cogens que assume a vedação do anatocismo em seu sistema, que considera até criminosa a estipulação de juros imodestos ( usura pecuniária).

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Revogada que se acha a última parte do art. 1.262 do Código Civil, a proibição do anatocismo aparece com todas as marcas de princípio de ordem pública, e a esta luz é que se deve considerar a natureza do preceito do art. 4º da Lei de Usura e não em função dos elementos que preponderam no regime caduco.

Razão, pois, assiste a EDUARDO DE MENESES FILHO ( Conta corrente Contratual, pags, 256-257), quando adverte: Ambas as leis - a de Usura e a de Economia Popular - por serem proibitiva e de ordem pública, impõem observância rigorosa, como doutrina CARLOS MAXIMILIANO, in ' Hermenêutica e Aplicação do Direito, nº 242" ... considera-se de rigorosa observância a norma quando perceptiva ou proibitiva e de ordem pública'

Tratando-se de ius cogens, fica êle sobranceiro à vontade das partes, conforme aquilo de ULPIANO : ' Privatorum conventio iuri publico non derogat '- Conheço do recurso e nego-lhe provimento. " - decisão unânime.

A essa decisão seguiram-se outras e o princípio ' ius cogens ' domina na jurisprudência que

então se firmou. Interessante notar, todavia, que o Ministro Orozimbo Nonato vai buscar outros

argumentos, inclusive para defender a proibição dos juros de juros ( anatocismo ), mesmo em

circunstâncias legais onde se convencione os juros livremente, mas não avança na parte doutrinária

além do princípio'ius cogens' . Neste caso a proibição tem por fundamento ' a lei pela própria lei '

A subordinação do assunto ao Conselho Monetário Nacional, por força da Lei 4595/64,

ficou cristalizada na Súmula 596 do STF:

"AS DISPOSIÇÕES DO DEC. Nº 22.626/33 NÃO SE APLICAM `AS TAXAS DE JUROS E AOS OUTROS

ENCARGOS COBRADOS NAS OPERAÇÕES REALIZADAS POR INSTITUIÇÕES PúBLICAS OU

PRIVADAS QUE INTEGRAM O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL ". e cuja nota do julgamento de

outro Recurso Extraordinário (RE 99.721 - LEX Jurisp. STF 72/132), traz o entendimento :

"... se é verdade que pela jurisprudência consagrada na Súmula 596 o Pretório Excelso considerou revogadas as disposições do Decreto n. 22.626, no tangente à limitação de juros e outros encargos, o fez por entender não aplicável ela às instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, considerando revogado o art.,1º daquele decreto pela Lei 4595/64, como ficou expresso no voto do Sr. Ministro Oswaldo Trigueiro, Relator do RE paradigma nº 78.953 ( Revista Trimestral de Jurisprudência nº 72 de 1975, página 916) "

Pelo visto, o Brasil ficou com essa curiosa base jurídica: não há limite para cobrança de juros

(pelo menos enquanto o Conselho Monetário Nacional assim entender), mas o anatocismo

(capitalização de juros sobre juros ) é vedado, e são muitos os casos acolhidos pela Súmula 121 do

STF.

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Alguns casos, no entanto, onde a capitalização dos juros se fazia necessária, a lei ressalvou,

dispondo contrariamente ao princípio que se firmou a partir do art. 4º do Dec. 22.626/33. A ressalva

fica bem clara na leitura do Art. 14 do Dec. Lei 413, de 9.01.69, quando trata das características do

título de crédito denominado "Cédula de Crédito Industrial" .

A jurisprudência passou a incorporar esses casos, ressalvados por lei, conforme se depreende

de um recurso análogo, relatado pelo Ministro Cordeiro Guerra, no julgamento do Recurso

Extraordinário 85.094 ( Revista Trimestral de Jurisprudência nº 81 pág. 918 ) :

Pelo visto, a capitalização de juros, ressalvada em dispositivo de lei, não se sujeitaria ao

princípio 'ius cogens' do Art. 4º do Decreto nº 22.626/33, que impede a prática do anatocismo. Nem

tampouco se pode alegar que a base doutrinária que separa o principal do acessório tem sustentação

inabalável, pois a própria Lei de Usura excepciona na parte final do art. 4º. Ademais, usando

argumento de maior força, basta que a lei disponha expressamente para que a capitalização possa ser

feita, deixando de ser proibido o anatocismo. Mas em que casos a lei deve dispor dessa forma ? Em

legislação mais recente, onde é criado o Sistema de Financiamento Imobiliário, no inciso VIII do Art.

7º da Lei 9514/1977, que trata dos Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), encontra-se a

disposição legal a que alude os juristas e a exceção - ao que parece - deve ser introduzida pelo

legislador. Assim, desde que a lei esteja revestida de todos os requisitos constitucionais, não restará

aos juízes outro caminho que não a impuganação dos recursos contra a capitalização dos juros.

3.h ) – Mais uma vez o governo

Na ditadura dos anos 30 surgiu o Decreto- nº 22 626/1933 com a Lei de Usura; eis que agora,

no início do ano 2000, surge um novo alento para essa discussão sobre o anatocismo. O Governo

Federal, através da Medida Provisória nº 1963 – 17, do dia 30 de Março, na hora de convalidar a

anterior de número 1963-16 , introduziu mais um artigo; agora, fazendo as vezes do legislador, dispôs

provocando fendas no que aquele Decreto dispunha.:

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Artigo 5º “ Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano .

Parágrafo Único Sempre que necessário ou quando solicitado pelo devedor, a apuração do valor exato da obrigação, ou de seu saldo será feita pelo credor por meio de planilha de cálculo que evidencie de modo claro, preciso e de fácil entendimento e compreensão o valor principal da dívida, seus encargos e despesas contratuais, a parcela de juros e os critérios de sua incidência a parcela correspondente a multas e demais penalidadees contratuais. “

Em veemente discurso da tribuna do Senado, no dia 28 de Abril do mesmo ano, o Senador

Pedro Simon disse, entre outras coisas :

"Essa atitude é fantástica, brutal, injusta e incompreensível É mais uma facilidade do Governo ao sistema financeiro.

… … … … … … … … . … … … … Sr. Presidente, eu repito, porque é importante absurdo da medida provisória baixada pelo Governo. O efeito prático pode ser assim exemplificado: uma taxa de juros de 10% ao mês , linear, corresponde a 120% de juros ao ano.Já uma taxa de 10% ao mês, capitalizada corresponde a 213,84 % ao ano. “

Eis aí o típico exercício da democracia em sua plenitude; tanto em 1933, como agora em

diferente contexto político, a questão do juro foi tratada por medidas “quase legislativas“ de natureza

excepcional, mas agora a representação legislativa se pronuncia livremente, atraindo com o seu

discurso o pronunciamento de orgãos de defesa do consumidor. No seu termo final o Judiciário deverá

ser chamado a se pronunciar e a questão relevante é saber se uma Medida Provisória se reveste

daqueles poderes excepcionais da lei a que aludiu a Suprema Corte na Súmula 596. Os juristas …

bem, os juristas dificilmente abrirão mão do princípio “ius cogens” e poderão perguntar a razão que

justifica a capitalização dos juros por uma instituição financeira e não por um comerciante que vende a

prazo a sua mercadoria e necessita do empréstimo bancário para cobrir as defasagens do seu fluxo de

caixa.

3.i ) – O princípio da eqüivalência de capitais

Os financistas, tanto quanto os juristas, têm também os seus princípios para lidar com

questões financeiras; o princípio da eqüivalência de capitais, por exemplo, é o raciocínio fundamental

para montagem das operações financeiras, que envolvem distribuição de valores no tempo.

A igualdade entre o valor atual dos pagamentos vincendos e o valor do principal no momento

em que a operação se realiza é o portal atrás do qual se encontram os sistemas de amortização de

dívidas:

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n

C0 = ∑ Pk v k

k=1

Com essa expressão é possível obter a série de pagamentos Pk que garante a liquidação integral

do débito dentro do prazo acordado, incluindo a remuneração devida pelo uso do capital de terceiros;

mas o fator de atualização vk = (1+i) – k denuncia a presença da capitalização pelo número de

períodos em que cada parcela se encontra afastada do momento da contratação; isto é : a primeira

parcela de pagamento terá o fator de acumulação de juros u 1 = (1+i) a posicioná-la ao final do 1º

período ; já para a segunda parcela o fator que a posiciona ao final do 2º período será u 2 = ( 1+i) 2 e

assim sucessivamente, até que a última parcela ficará posicionada no n ésima período pelo fator de

acumulação (entenda-se capitalização) u n = (1+i) n .

Em alguns sistemas de amortização de dívidas, onde se destaca em particular o de prestações

crescentes da série de pagamentos gradiente, a estrutura analítica tem uma construção tal que durante

um certo número de períodos iniciais os valores pagos pelo devedor não cobrem nem mesmo a parcela

de juros que se destina à remuneração do capital. Neste caso, o valor devido tende a aumentar, pois

além de não ter havido amortização do principal, o devedor tem o seu débito aumentado por força da

remuneração que não ocorreu, imputando-se nos períodos subseqüentes a taxa de juros sobre os juros

não pagos que se incorporaram à dívida; importante observar que, nesse caso, o não pagamento dos

juros não se deu por inadimplemento, mas por uma condição estrutural do sistema de amortização.

A doutrina jurídica subjacente que repudia o anatocismo fundamenta-se exatamente nesse

ponto, pois distingüe o juro do principal, elencando-os como categorias de naturezas distintas, não

podendo assim uma ser incorporada `a outra. A lógica econômica não faz essa distinção e identifica

ambas como parcelas de capital que evoluem no tempo, acumulando-se uma sobre a outra. Poder-se-ia

dizer que a lógica econômica consagrou-se pela prática, faltando-lhe uma fundamentação doutrinária

mais precisa do que o princípio de acumulação capitalista.

Acontece que, se os sistemas de amortização de dívidas fossem construídos com a mesma

idéia da eqüivalência de capitais distribuídos no tempo, mas definindo-se os fatores de acumulação (Lk)

e de atualização de pagamentos ( lk ), respectivamente, como formas lineares do regime de juros

simples ter-se-ia :

L k = ( 1 + k . i ) l k = ( 1 + k . i )-1

onde a taxa de juros incidiria, sempre, sobre o principal deduzidas as quotas de amortização. A

aplicação dessa metodologia de cálculo para a construção de sistemas de amortização, no entanto, traria

muitos transtornos, devido ao enraizamento do princípio de eqüivalência de capitais, que é considerado

na metodologia convencional de gerenciamento de dívidas.

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De fato, se não há limitação na contratação de juros, na relação abaixo obtém-se a taxa de

juros simples " is" que produz o mesmo efeito que a de juros compostos "ic" em uma operação que

acumula juros no prazo de "n" períodos, mas que pode ser utilizada para obtenção dos fatores simples

Lk e lk :

is = (1+ic)n - 1

n

EXEMPLO CONVENCIONALSISTEMA DE PRESTAÇÕES IGUAIS COM JUROS COMPOSTOS

( tabela price )K Saldo

DevedorAmortiz.

J k

JurosJ k

PrestaçõesP k

Tx.Jur 10% Fator de

Val.AtualValor Atual

0 1 000,00 --------- -------- -------- -------- Vk=(1+i)-k Pk . v k

1784,52919 215,4708 100,0000 315,47080 10,00 0,909090 286,7916

2 547,5113 237,0179 78,45292 315,47080 10,00 0,826446 260,7197

3 286,7916 260,7197 54,75113 315,47080 10,00 0,751315 237,0179

4 0,000000 286,7916 28,67916 315,47080 10,00 0,683013 215,4708

∑ =1000,00 ∑ =261,8832 ∑ =1000,00

EXEMPLOS MODIFICADOS

PRESTAÇÕES IGUAIS COM JUROS SIMPLES

( sistema de taxas variáveis por período )K Saldo

DevedorAmortiz.

J k

JurosJ k

PrestaçõesP k

Tx.Jur 10% Fator de

Val.AtualValor Atual

0 1 000,00 --------- -------- -------- -------- l k=(1+kik)-1 Pk . l k1

784,52919 215,4708 100,0000 315,47080 10,00 0,909090 286,7916

2 551,4339 233,0952 82,3756 315,47080 10,50 0,826446 260,7197

3 296,8047 254,6293 60,8415 315,47080 11,0333 0,751315 237,0179

4 15,77066 281,0340 34,4368 315,47080 11,6025 0,683013 215,4708 ∑ =1000,00 ∑ =261,8832 ∑ =1000,00

PRESTAÇÕES IGUAIS COM JUROS SIMPLES

( sistema de taxas variáveis por período )K Saldo

DevedorAmortiz.

J k

JurosJ k

PrestaçõesP k

Tx.Jur 10% Fator de

Val.AtualValor Atual

0 1 000,00 --------- -------- -------- -------- l k=(1+kik)-1 Pk . l k1

790,0129 209,9871 100,0000 309,9871 10,00 0,909090 281,8065

2 559,0271 230,9858 79,00129 309,9871 10,00 0,833333 258,3226

3 304,9427 254,,0844 55,90271 309,9871 10,00 0,769231 238,4516

4 25,4498 279,4928 30,49427 309,9871 10,00 0,714286 221,4194 ∑ =974,5502 ∑ =265,3983 ∑ =1000,0

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Em todos os três casos as prestações foram calculadas através da relação de equivalência

C0=∑Pvk onde se obtém a constante P = C0 /∑ vk , mas os resultados obtidos no regime de juros

simples não preservam a consistência dos sistemas de amortização. A diferença significativa surge na

operacionalização das dívidas evoluídas com essa metodologia, pois o valor atual das prestações

vincendas, obtido pelo método prospectivo, não mais teria a garantia de igualdade com o saldo devedor

evoluído pelo método retrospectivo. Em outras palavras, as amortizações de dívidas por séries de

pagamentos não mais garantiriam o integral pagamento do débito no prazo contratado.

Embora o princípio da eqüivalência tenha sido observado na construção das série de

pagamentos nos 3 casos, nas planilhas construídas com juros simples a dívida apresenta um valor

residual ao final do prazo ( saldo devedor igual a 15,77066 e 25,4498 respectivamente), em contraste

com a metodologia convencional - como a da tabela price - que assegura a integral liquidação da

dívida ao final do prazo contratado. A explicação encontra-se nas quotas de juros simples que ficaram

muito altas no sistema de taxas variáveis e no valor da prestação que ficou muito baixo no sistema de

taxa fixa, impedindo a integral amortização do principal.

Essa é a razão invocada na defesa do princípio da eqüivalência com capitalização de juros.

Para que os métodos retrospectivo e prospectivo se revelem consistentes é preciso que os fatores de

atualização incorporem a técnica da capitalização de juros período a período no prazo contratado.

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4. QUANDO CORREÇÃO E JUROS SE CONFUNDEM

A correção monetária sobre empréstimos em dinheiro teve também um longo e tortuoso

percurso, particularmente no Brasil. Do opróbrio inicial à consagração final, passou por repúdios e

questionamentos até se tornar incorporada ao quotidiano da vida nacional. Incorporou-se tanto que se

tornou difícil para a sociedade brasileira livrar-se de sua prática, que terminou mostrando-se danosa

pelos efeitos retroalimentadores do processo inflacionário, em meio a um grande número de

indexadores.

A profusão de índices de correção monetária, em certa medida, deveu-se a frustradas tentativas

de combater a inflação, adotando-se índexadores novos (não contaminados pelo processo ) ou de

evolução mais amena. Foram inúmeras as tentativas de desindexação da economia e não menos

engenhosos os artifícios utilizados.

Notabilizou-se, pelas repercussões nos contratos em curso, a eliminação do Bônus do Tesouro

Nacional (BTN) com a adoção da Taxa Referencial (TR) como indexador oficial dos contratos,

substituindo outros anteriormente acertados entre as partes ( BTN, OTN, UPF, UPC, IPC, . . ., etc ).

Esse foi o efeito pretendido pelo legislador e prontamente rechaçado pelo Procurador Geral da

República, na Ação Direta de Inconstitucionalidade dos artigos 18 "caput" e §§ 1º e 4º; art. 20; art. 21 e

parágrafo único; art. 23 e §§; art. 24 e §§, da Lei 8.177, de 1º de março de 1991, por contrariarem o

disposto no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal, que assegura não poder a lei prejudicar o ato

jurídico perfeito.

Por se tratar de uma ação de inconstitucionalidade, moveu-se a Suprema Corte para dizer a

respeito. A impugnação de um novo índice aos contratos antigos era o tema central de abertura do

Acórdão; é como esclarece um dos seus itens :

" 5. Deixa o autor de considerar, como objeto desta ação, outras normas contidas nas representações acima aludidas, uma vez que não se referem a contratos firmados anteriormente, não se vislumbrando, portanto, ofensa à garantia constitucional de que a lei não pode prejudicar ato jurídico perfeito."

O Ministro Moreira Alves (Relator), já na preliminar expõe a complexidade do julgamento,

quando responde ao Ministro Marco Aurélio:

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" Imagine V. Exa. que a legislação tivesse extinto os índices de indexação e se não houvesse estabelecido a TR para, em certos casos, ser usada no lugar deles. Como ficaria ? Uma de duas : ou seria inconstitucional acabar com os índices, ou, então, obviamente, deixariam esses índices de existir. Com a adoção da TR, o problema que surgiu foi o de saber se ela é, ou não, índice de atualização monetária, e, não o sendo, se pode ser usada como se o fosse. Essa questão, porém, não pode ser resolvida em pedido de julgamento de liminar.

No julgamento do mérito, após ser concedida medida cautelar com efeito suspensivo, o

Acórdão do Tribunal Pleno da Corte Suprema, não deixou pedra sobre pedra : julgou inconstitucional a

Lei 8.177/91 nos artigos apontados pelo Procurador Geral da República e foi além :

" Ocorrência, no caso , de violação de direito adquirido. A Taxa Referencial (TR) não é índice de correção monetária, pois refletindo as variações do custo primário da captação dos depósitos a prazo fixo, não constitui índice que reflita a variação do poder aquisitivo da moeda. Por isso não há necessidade de se examinar a questão de saber se as normas que alteram índices de correção monetária, se aplicam imediatamente, alcançando, pois, as prestações futuras de contratos celebrados no passado, sem violarem o disposto no artigo 5º, XXXVI, da Carta Magna ."

Mas, da data da ação proposta, até o julgamento do mérito alguns (poucos) contratos

estabeleceram a TR como índice de correção monetária, muitos contratos ( quase a totalidade no SFH ),

no entanto, usam a TR indiretamente com o nominativo de " mesmo índice de remuneração dos

depósitos de poupança ". Isso se dá em decorrência da necessidade de fazer constar, no contrato do

mutuário, a equação de equilíbrio econômico e financeiro do sistema como um todo. Os custos dos

recursos de terceiros com que opera o sistema devem ser repassados integralmente para os mutuários,

conforme exemplo esquemático que se segue :

Juro Puro

Correção Monetária

spread

Taxa de Juros Intermediação < custo operacional

risco

Variação Cambial

Tributação

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Admitindo-se que R$ 50.000,00 seja o valor de uma dívida no início de um período qualquer

que se pode designar como mensal, ao terminar o mês deve-se adicionar a esse saldo a obrigação do

mutuário, representada pelo custo mensal desses R$50.000,00- p. ex. j% =3 % ao mês, representando o

rendimento da Caderneta de Poupança - isso eleva a dívida do mutuário para R$ 51.500,00. Essa

dívida, sendo financiada pelo prazo remanescente, é constituída de elementos da mesma natureza

( principal acrescido das correções monetárias sobre o seu valor inicial ) e é parte integrante do cálculo

da prestação periódica, que terá embutido em seu valor duas componentes : a quota de amortização

(A) do que está sendo financiado e a quota de juros (J), representativa da taxa convencionada em

contrato, como remuneração da intermediação financeira (r%). O juro como componente acessório é

calculado periodicamente fazendo-se incidir a taxa de juros sobre o saldo devedor e é pago na

prestação, ou seja: P = A + J.

Não se identifica nesse cálculo de juros reincidência na cobrança de elementos de natureza

acessória, pois a base em que incide a taxa de remuneração da intermediação financeira não contém

nenhum valor de juros passados. Por aí, ao que parece, não há como configurar a prática do

anatocismo, desde que se admita o princípio da eqüivalência no uso da taxa r%.

Outro é o entendimento, todavia, se a taxa "j" de custo dos recursos de terceiros for entendida

como " taxa de juros " . Nesse caso, sua incidência sobre o saldo devedor, produz um resultado

"acessório" que não deveria compor com o principal a base de cálculo do período seguinte, pois se

configuraria o anatocismo. Mais ainda, quando a taxa "r" do juro remuneratório incide sobre as duas

componentes tem-se como resultado uma parte "legal" proveniente do principal e uma outra "ilegal"

resultante da incidência de "r" sobre um acessório; novamente o anatocismo.

Esse "imbroglio" tem ido aos tribunais e as sentenças não podem escapar da clareza da

Súmula 121, onde a jurisprudência firmou-se na direção apontada pelo Min. OROZIMBO NONATO e

esclarecida pelo jurista PONTES DE MIRANDA : os juros permaneçam sendo sempre juros e não

experimentem aumento de outros juros, nem o incremento de juros aceda ao antigo capital".

Os credores, por óbvio, não podem ficar com a substância dos capitais desprotegida, ao longo

de um processo inflacionário renitente, e os juízes, usando o poder de julgar, têm acolhido as

reclamações, mas sem poderem fugir ao dever de promover justiça, não têm deixado ocorrer o

"enriquecimento sem causa" dos devedores, que procuram o judiciário para não pagar a TR como

correção monetária; isso dá aos juízes um outro poder, qual seja arbitrar um índice que seja justo para

as partes :

"A desindexação não é uma questão apenas de políticaeconômica. Na raiz da indexação está um equívoco lógicoe uma aberração jurídica. A doutrina da correção monetária estabelece uma falsa relação de causa e efeito entrea inflação e o reajustamento dos montantes dos atos jurí

cos em geral, mesmo daqueles definitivamente constituidos. Essa idéia foi largamente difundida entre nós nos últimos

30 anos,e está fortemente arraigada na cultura brasileira”.

Letácio Jansen-Adv. in "Uma pequena história da desindexação no Brasil". Revista Forense Vol.330

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De variadas origens , a questão vem sendo posta nos tribunais com mutuários alegando

impropriedade no procedimento, por resultar no cômputo de juros sobre juros; na legislação futura, que

tratará da reforma do Sistema Financeiro Nacional, poder-se-á fazer uma ressalva legal que permita

a capitalização nas operações financeiras (tal como se fez para o SFI, na Lei 9514/1997, no item III do

seu artigo 5º) e por essa via resolve-se a questão da TR produzindo juros que se incorporam ao saldo

devedor, sem apelar para as Medidas Provisórias. Mas, para isso precisamos de uma Lei.

TABELA DE FATORES acumulação atualização atualização recuperação acumulação amortização simples simples de anuidades de anuidades de anuidades de anuidades

SÉRIE DE PAGAMENTOS UNIFORME ( 1 + i )n 1 (1+i) n - 1 i (1+i) n (1+i) n - 1 i . (1+i)n i (1+i)n (1+i)n - 1 i (1+i)n -1

un vn a a-1 s s-1 . n/i n/i n/i n/i

(1+i)n (1+i)- n a[n,i] a-1 [n,i] s [n,i] s-1[n,i]

F P S F S P F R P F P R F R S F S R

SÉRIE DE PAGAMENTOS GRADIENTE

1 a___ - n v n i s___ - n i ( 1 + i )n n/i n/i (1+i)n a___ - n v n s___ - n

i n/i i n/i

G___ G-1___ S ___ S-1___ un vn n/i n/i n/i n/i

SÉRIE DE PAGAMENTOS DO SISTEMA ALEMÃO

1 (1- i )n - 1 - i (1- i)n - 1 - i vn

( 1 + i )n

(1+i)n - i (1-i)n -1 - i vn (1-i)n -1

A __ A-1 _ V V-1 _ un v n n/i n/i n/i n/i

SÉRIE DE PAGAMENTOS EXPONENCIAL (g≠i)

1 (1+g)n g - i (1+g)n-(1+i)n g - i ( 1 + i ) n -1 (1+i)n 1+i) n (1+ g) n -1 g - i (1+g)n - (1+i)n

g - i (1+ i)n

un vn E _ E-1 _ F _ F-1 _ n/g,i n/g,i n/g,i n/g,i

SÉRIE DE PAGAMENTOS EXPONENCIAL (g=i)

1 n ( 1+ i ) 1

(1+i)n n (1+i)n-1 (1+i)n (1+i) n n(1+i)n-1

E__ E-1__ F __ F-1__ un vn n/i,i n/i ,i n/i,i n/i,i

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