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A “hipoteca genérica” A importância do registro na determinação da prestação garantida Rafael Vale e Reis

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Page 1: A hipoteca genérica A importância do registro na determinação da prestação garantida Rafael Vale e Reis

A “hipoteca genérica”

A importância do registro na determinação da prestação garantida

Rafael Vale e Reis

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O Caso – Ac. TR Coimbra de 11/16/2004

A... e B..., deduziram, em 31/03/2003, embargos de executado no processo de execução ordinária nº 118/03, a correr termos pelo Tribunal da comarca de Tábua, em que é exequente a C...., com os seguintes fundamentos, em síntese:A proprietária do bem imóvel hipotecado, e sobre o

qual se inicia a penhora nos autos principais, é um terceiro – D.... – que não foi demandado na execução, quando deveria ter sido, pelo que falta à instância executiva um pressuposto processual, o que a torna irregular, devendo ser julgada extinta.

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O Caso – Ac. TR Coimbra de 11/16/2004

A hipoteca em causa é uma hipoteca genérica, e a lei não permite a constituição de hipoteca como forma de garantia a dívidas futuras., sendo nula, visto o seu objecto ser indeterminável.

A cláusula 7ª foi fixada no contrato de mútuo sem ter sido previamente informada aos executados, não tendo correspondência com as cláusulas gerais inseridas no documento assinado pela executada e fiadores, sob o título de “Condições Gerais”.

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O Caso – Ac. TR Coimbra de 11/16/2004

Os juros fixados configuram para a exequente um benefício excessivo e injustificado, pois ultrapassam o que é justo.

A exequente não alega o momento do vencimento da dívida, sendo certo que a executada B...fez entregas à exequente, por conta da dívida, de várias somas no decurso do ano de 2002, pelo que não aceitam o valor constante do requerimento executivo como sendo esse o saldo devedor em 01/12/2001, sendo nula a cláusula 7ª do contrato de mútuo.

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O Caso – Ac. TR Coimbra de 11/16/2004

Terminam, pedindo que, na procedência das excepções invocadas, seja arquivada a instância por falta de um pressuposto processual, ou, se assim se não entender, seja julgada nula a hipoteca constituída pelo terceiro por força do disposto no artº 280º, nº 1, do C.Civil e, se ainda assim se não entender, deve indeferir-se o pedido formulado de juros à taxa de 13,5% acrescida de 4% a título de mora, sobre o capital mutuado e em dívida.

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O Caso – Ac. TR Coimbra de 11/16/2004

A embargada contestou, defendendo a improcedência dos embargos.

Foi proferido despacho saneador/sentença, no qual foi decidido inexistir qualquer irregularidade da instância executiva, bem como a nulidade da hipoteca e da cláusula 7ª do contrato de mútuo, sendo, em consequência, julgados improcedentes os embargos e os embargantes condenados como litigantes de má fé na multa de 2 UC.

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O Caso – Ac. TR Coimbra de 11/16/2004

Inconformados, interpuseram os embargantes recurso de apelação, rematando a sua alegação com extensas conclusões que, por isso, nos abstemos de reproduzir, mas que se reconduzem a duas questões: 1 - A hipoteca em que a embargante B...se

responsabilizou perante a embargada é nula, por indeterminação do seu objecto;

2 - Os embargantes não deveriam ter sido condenados como litigantes de má fé, visto estarem em causa a interpretação e aplicação das regras de direito.

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A questão em discussão

No exercício da sua actividade de crédito agrícola e demais actos inerentes à actividade bancária, a ora embargada concedeu à ora embargante B..., em 19/09/2000, um empréstimo no montante de 384.708,74 €, pelo prazo de 16 anos

Este empréstimo foi titulado por documento particular.

Para garantia do bom e integral pagamento de todas as quantias devidas por força do empréstimo, foi constituída hipoteca a favor da mutuante, por escritura pública, sobre um bem imóvel propriedade da sociedade D

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A questão em discussão

O teor da escritura pública:

«Para garantia do bom e integral pagamento à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Beira Serra, C.R.L., adiante designada somente por “Caixa Agrícola”, de:

a) Todas e quaisquer responsabilidades ou obrigações assumidas ou a assumir por eles próprios, pela sociedade “D...”, que representam, ou ainda pela sociedade “B...” – seja qual for a sua natureza ou origem, quer derivem, designadamente de letras, saques para aceite bancário, livranças, extractos de factura, saldos devedores ou descobertos de contas de depósito à ordem ou de contas de qualquer natureza, prestações de fiança ou avales, empréstimos concedidos ou a conceder por qualquer forma, quer derivem de quaisquer outras operações ou títulos;

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A questão em discussão

O teor da escritura pública:

b) Respectivos juros remuneratórios à taxa à data praticada pela “Caixa Agrícola”, actualizável por simples aviso, actualmente de quinze por cento ao ano, acrescidos, em caso de mora, da sobretaxa de quatro pontos percentuais, a título de cláusula penal, e capitalizáveis nos termos gerais; e

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A questão em discussão

O teor da escritura pública:

«c) Todas e quaisquer despesas judiciais ou extrajudiciais, incluindo honorários de advogados e outros mandatários, feitas ou a fazer pela “Caixa Agrícola” para assegurar o seu crédito, calculadas, unicamente para efeitos de registo, em dois milhões quinhentos e oitenta mil escudos,

constituem hipoteca a favor daquela Instituição sobre o prédio urbano antecedentemente referido pertencente à representada “D...”, até ao montante de sessenta e quatro milhões e quinhentos mil escudos».

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Algumas notas sobre a hipotecaA característica da acessoriedade

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Hipoteca: figura consagrada em quase todos os ordenamentos jurídicos ocidentais

Portugal: artigos 686.º e ss. C.Civ.Brasil: artigo 1.125; artigo 1473 e ss. C. Civ.

Desenvolvimento no Direito romano: Inicialmente não está verdadeiramente autonomizada do

penhor (pignus)

modalidade do penhor, nos casos em que a coisa/objecto não saía da esfera de domínio do proprietário

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Pigus stricto sensu: contrato real (que implicava a perda da disponibilidade

material do bem)

Hypotheca: contrato meramente consensual: o exercício de poderes de

facto por parte do credor era diferido para o momento do inadimplemento do crédito garantido

podia ser mobiliária ou imobliliária - a distinção entre essas classes de bens só passou a ser fundamental no período do ius comune

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Direito romano antigo: cumprimento da obrigação garantido com recurso à fiducia

cum creditore: transmissão a favor do credor de uma coisa (através da mancipatio ou da in iure cessio)

transmissão tida por definitiva em caso de incumprimento da obrigação e independentemente do valor da coisa

originava locupletamentos injustos do credor (que podia dispor da coisa fiduciada antes de se verificar o incumprimento da obrigação, restando ao devedor o recurso à actio fiduciae a fim de ser indemnizado)

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O pignus surgiu como mecanismo adequado a evitar estes inconvenientes

apenas se transmitia para o credor o domínio da coisa e já não a propriedade

porém, o devedor dispunha das utilidades da coisa e via-se incapacitado de obter novo crédito à custa dela

HYPOTHECA

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Actualmente Hipoteca:

direito real de garantia que permite ao credor satisfazer o seu direito à custa do valor de certas coisas imóveis ou equiparadas

artigo 104.º da Ley Hipotecaria espanhola: “La hipoteca sujeta directa e inmediatamente los bienes sobre que se impone, cualquiera que sea su poseedor, al cumplimiento de la obligación para cuya seguridad fue constituida.”

direito acessório do crédito a que serve de garantia

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Acessoriedade da Hipoteca – desvios

transmissão da hipoteca não acompanhada da transmissão do crédito garantido

mútuos bancários: registo provisório da hipoteca – não há garantia mas há “reserva de prioridade”

“hipoteca genérica”: garante todas e quaisquer dívidas assumidas e a assumir pelo devedor

contratos de abertura de crédito ou de contas correntes bancárias

“hipoteca de máximo”, (direito espanhol e alemão) - garante créditos condicionais ou futuros, fixando-se um limite máximo de crédito garantido

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Acessoriedade da Hipoteca – desvios

“hipoteca independente do proprietário” – Direito alemão – modalidade da Grundschuld (hipoteca independente): originária derivada: o credor renunciou à garantia ou o

devedor/proprietário pagou integralmente o crédito que a hipoteca garantia, sendo que esta não é cancelada (não é absorvida pelo domínio)

pressupõe que o grau seja fixo

contraria a regra romanista segundo a qual a reunião na mesma pessoa da posição de credor hipotecário e proprietário da coisa onerada determina a extinção da garantia

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Voltando ao caso...

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A decisão judicial

Como se sabe, a hipoteca, como garantia real das obrigações, confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo (artº 686º, nº 1, do Código Civil)

A obrigação garantida pela hipoteca pode ser futura ou condicional (nº 2 do mesmo preceito).

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A decisão judicial

No entanto, a vulgarmente designada hipoteca genérica, para ser válida, tem de obedecer a parâmetros objectivos de determinabilidade.

É que o objecto da obrigação não pode ser indeterminável, sob pena de nulidade, de acordo com o disposto no nº 1 do artº 280º.

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A decisão judicial

Como dizem Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte (Garantias de Cumprimento, 4ª ed., 93/94), nada obsta a que o objecto do negócio esteja, a dada altura, indeterminado; o que não pode ser é indeterminável, havendo uma diferença jurídica, para além de linguística, entre “indeterminado” e “indeterminável”: a prestação pode ser indeterminada, mas determinável, desde que se possa saber, no momento da constituição, qual o seu teor através de um critério para proceder à fixação do respectivo objecto. A prestação será indeterminável se não existir um critério para proceder à sua determinação.

O problema põe-se com mais acuidade em relação à fiança genérica, em que há uma obrigação pessoal do fiador perante o credor, correspondente à do devedor principal (cfr. artº 627º).

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A decisão judicial

No que diz respeito à hipoteca, que é o que está em discussão nos presentes autos, segundo aqueles autores (Romano Martinez e outro, ob. cit., pág.202), do contrato tem de constar um critério objectivo para a determinação da prestação garantida ou a garantir (aí referindo, na nota 432, que o Prof. Paulo Cunha, in Da Garantia nas Obrigações, T. II, pág. 313, exige que na hipoteca de créditos futuros, se indique o montante assegurado, ao menos aproximadamente), não revestindo, todavia, a hipoteca genérica a mesma complexidade da fiança omnibus, pois do registo constará o valor garantido.

Deste modo, mesmo que a hipoteca garantisse qualquer obrigação a constituir, estaria sempre limitada pelo montante constante do registo.

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A decisão judicial

No presente caso, além de constar do registo o valor máximo garantido pela hipoteca (64.500.000$00), é perfeitamente determinável o objecto da obrigação a constituir, visto que estão apenas cobertos direitos de crédito resultantes de operações bancárias, que se prendem com a actividade bancária da “Caixa Agrícola” e com o recurso ao crédito bancário por parte de “D...”, e de “B..., crédito esse já concedido e a conceder por aquela “Caixa”, sendo a actividade comercial, bancária e financeira destas sociedades do conhecimento dos outorgantes na escritura da constituição da hipoteca, E... e mulher, A..., visto serem os únicos sócios dessas mesmas sociedades, os quais podiam controlar as dívidas que viriam a ser por elas contraídas.

Conclui-se, assim, pela validade da garantia hipotecária, e, portanto, pela improcedência do recurso quanto a esta questão.

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O debate?

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“A reputação e crédito dependem apenas da riqueza que se guarda no cofre”

Juvenal