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A Guerra Hispano-Americana em movimento: as narrativas imagéticas dos Estados Unidos durante a década de 1890. GABRIEL CARNEIRO NUNES 1 Resumo: Pensando a partir da guerra Hispano-Americana, podemos notar as fortes relações imperialistas estadunidenses com a América Latina a partir de uma extensa produção visual encontrada na última década do século XIX. Ao relacionarmos o conflito à formação de uma sociedade estadunidense na sua formação imperialista em meio ao período moderno de sua história, encontramos uma postura agressiva que busca domínios extra territoriais ao estimular conquistas ideológicas e sensoriais através do visual, ajudando o primeiro cinema a encontrar em narrativas visuais publicadas em periódicos e revistas semanais propriedades de caráter nacionalista. As relações entre as demandas visuais proporcionadas pela guerra Hispano-Americana formam neste trabalho um paralelo entre as litografias do autor Louis Darlrymple e as produções de algumas películas registradas pela Edison Company e pela Biograph Company entre os anos de 1898 até 1901, todos disponíveis na Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos. Palavras-chave: Guerra Hispano-Americana, Primeiro Cinema, Modernidade. Abstract: Thinking from the Hispano-American War, we can note the strong US imperialist relations with Latin America from an extensive visual production found in the last decade of the nineteenth century. When we relate the conflict to the formation of an American society in its imperialist formation in the middle of the modern period of its history, we find an aggressive stance that seeks extra territorial domains by stimulating ideological and sensorial conquests through the visual, helping the first cinema to find in narratives visuals published in periodicals and magazines weekly nationalistic properties. The relations between the visual demands provided by the Hispano-American War form in this work a parallel between the lithographs of the author Louis Darlrymple and the productions of some films registered by the Edison Company and the Biograph Company * Mestrando em História Social pela Universidade Estadual Paulista de Júlio Mesquita Filho (UNESP) Campus Assis. Agencia Financiadora: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPES.

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A Guerra Hispano-Americana em movimento: as narrativas imagéticas dos

Estados Unidos durante a década de 1890.

GABRIEL CARNEIRO NUNES 1

Resumo: Pensando a partir da guerra Hispano-Americana, podemos notar as

fortes relações imperialistas estadunidenses com a América Latina a partir de uma extensa

produção visual encontrada na última década do século XIX. Ao relacionarmos o conflito

à formação de uma sociedade estadunidense na sua formação imperialista em meio ao

período moderno de sua história, encontramos uma postura agressiva que busca domínios

extra territoriais ao estimular conquistas ideológicas e sensoriais através do visual,

ajudando o primeiro cinema a encontrar em narrativas visuais publicadas em periódicos

e revistas semanais propriedades de caráter nacionalista. As relações entre as demandas

visuais proporcionadas pela guerra Hispano-Americana formam neste trabalho um

paralelo entre as litografias do autor Louis Darlrymple e as produções de algumas

películas registradas pela Edison Company e pela Biograph Company entre os anos de

1898 até 1901, todos disponíveis na Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos.

Palavras-chave: Guerra Hispano-Americana, Primeiro Cinema, Modernidade.

Abstract: Thinking from the Hispano-American War, we can note the strong US

imperialist relations with Latin America from an extensive visual production found in the

last decade of the nineteenth century. When we relate the conflict to the formation of an

American society in its imperialist formation in the middle of the modern period of its

history, we find an aggressive stance that seeks extra territorial domains by stimulating

ideological and sensorial conquests through the visual, helping the first cinema to find in

narratives visuals published in periodicals and magazines weekly nationalistic properties.

The relations between the visual demands provided by the Hispano-American War form

in this work a parallel between the lithographs of the author Louis Darlrymple and the

productions of some films registered by the Edison Company and the Biograph Company

* Mestrando em História Social pela Universidade Estadual Paulista de Júlio Mesquita Filho (UNESP)

Campus Assis. Agencia Financiadora: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CAPES.

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between the years of 1898 until 1901, all available in the Library of the United States

Congress

Key words: Spanish American war, Early Cinema, Modernity

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Introdução

A afirmação do imperialismo norte-americano transcorreu durante um processo

de intervenções e expansões marcadas por uma postura hostil perante à América Latina

dando início a uma era de domínio global. A artimanha de controle utilizada pelos Estados

Unidos ultrapassa as atividades bélicas para uma espécie de domínio ideológico,

globalizando sua atividade cultural para pacificar a opinião pública em relação as suas

práticas imperialistas e belicosas, gerando com isso inúmeros produtos culturais no setor

da narrativa visual. O segmento cinematográfico de cunho propagandístico apresenta

através de seu uso recreativo, ou seja através do entretenimento, inúmeras passagens

históricas onde a utilização do audiovisual foi fundamental para se criar uma esfera

ideológica a favor das posturas imperialistas estadunidenses, como por exemplo durante

a Guerra do Vietnam (1955 – 1975) e a Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945). O

seguinte trabalho visa encontrar na gênesis deste processo fílmico, as associações entre a

cultura visual que se manifestava durante o período chamado de modernidade e o

surgimento do cinema como um entretenimento inédito ao final do século XIX.

O conflito bélico entre a Espanha, Cuba, Filipinas e os Estados Unidos ocorreu na

passagem do século XIX para o século XX, um período marcado pelas transformações

tecnológicas e sociais vividas dentro da modernidade. A Guerra Hispano-Americana se

tornou um conflito de destaque por marcar o início das atividades imperialistas norte-

americanas diante um contexto interno cuja presença do cinema como novo meio de

comunicação e entretenimento era recente. A presença da câmera no conflito apresenta

na historiografia uma nova era de predominação das imagens (COSTA: 2005: p 18),

sendo este o primeiro conflito bélico a ser registrado e reproduzido contemporaneamente

em película. O encontro da câmera com a movimentação imperialista estadunidense em

relação a Cuba possibilitou uma análise capaz de relacionar os preceitos da modernidade

recém desenvolvida nos Estados Unidos, onde vamos encontrar narrativas visuais

ocupando um espaço de informação inédito na história, com a adaptação de meios de

comunicação como os jornais impressos e a linguagem fílmica recém criada e em plena

fase de desenvolvimento. As revistas norte americanas Punch, Puck e Judge Magazine,

compõem um conjunto de periódicos ilustrativos ativos durante o período da guerra, onde

o caráter sensacionalista é evidente nas imagens publicadas a favor da participação da

nação no conflito. As publicações que percorrem a década de 1890 compõem

propagandas visuais para a formação da opinião pública sobre as atitudes tomadas pelos

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Estados Unidos, demonstrando como a narrativa visual era de extrema importância para

a criação de uma visão nacionalista e imperialista que vinha a surgir. Além dela, os

principais periódicos de informações se adiantaram em publicar diariamente os detalhes

que aconteciam nas regiões de conflito, como a descrição das vestimentas dos soldados,

das batalhas navais, das condecorações que os almirantes e generais recebiam após os

feitos contra os insurgentes cubanos e filipinos e dos processos políticos entre Espanha e

Estados Unidos.

A partir da análise de algumas litografias do cartunista Louis Darlrymple, formado

pela Academia das Belas Artes da Pensilvânia, podemos encontrar paralelos entre as

narrativas cinematográficas no campo do Primeiro Cinema e nas imagens impressas em

revistas e periódicos ao buscarmos os preceitos políticos e ideológicos que a linguagem

visual é capaz de promover. O cartunista tornou-se o principal ilustrador para fazer

representações da guerra nas revistas de maior circulação do período, seus desenhos

deixam claras as propostas imperialistas e nacionalistas expressas em caricaturas. A

produção das ilustrações em litografia possuem uma participação importante na formação

da opinião pública, pois encontramos no visual uma importante proposta e demanda de

comunicação presente no período da modernidade. As litografias sátiras compõem um

dos pilares relacionados a propaganda nacionalista da década de 1890, trazendo em sua

linguagem escarnada os interesses imperialistas norte-americanos juntamente com uma

trágica presença de supremacia racial com fundamentos eugênicos que visam consolidar

e justificar suas ações bélicas.

Enquanto a produção cinematográfica, o trabalho selecionará algumas películas

da coleção digital Spanish-American War in Motion Pictures, que se encontra no acervo

American Memory, digitalizado e disponibilizado à livre acesso pela Biblioteca do

Congresso dos Estados Unidos. Nela podemos encontrar um extenso conteúdo de

películas, artigos, documentos e ensaios baseados na descoberta de registros fílmicos em

rolos de papeis (paper print) que tinham como utilidade a proteção autoral dos filmes

devido a carência de leis de patentes para as películas em nitrato. A chamada paper print

collection foi encontrada em 1940 armazenada em um cofre lacrado na Biblioteca do

Congresso, nele foram encontrados cerca de cinco mil rolos de papeis que as companhias

cinematográficas utilizaram para registrar as copyrights dos fotogramas individuais de

seus filmes durante os anos de 1894 até 1912, procurando com esta estratégia um amparo

legal para suas criações e evitando a pirataria. Diante destes rolos de papeis encontrou-se

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uma coleção de filmes sobre a Guerra Hispano-Americana, que nos fornece sessenta e

oito motion pictures2 produzidos pela Edison Manufacturing Company e pela American

Mutoscope & Biograph Company durante os anos de 1898 a 1901. As películas

apresentam encenações, recriações históricas, registros de personagens importantes

durante o conflito, cenas de navios e batalhões, comemorações em marchas militares e

uma exaltação de figuras heroicas que se destacaram durante o conflito. Estas produções

evidenciam e reproduziam alguns preceitos encontrados nas narrativas nacionalista dos

materiais impressos de Loius Darlrymple.

O paralelo entre as produções do cartunista em periódicos, onde encontramos a

presença de um forte estimulo visual causado pelas transformações dos meios de

comunicações modernas, com a produção dos filmes encontrados na Biblioteca do

Congresso, podemos analisar os eventos ocorridos e compreender a necessidade do visual

como nova forma de desenvolver relações políticas estimulando o nacionalismo e

inclinando a opinião pública sob o olhar cinematográfico. A linguagem fílmica pode ter

encontrado sua gênese propagandística no primeiro conflito bélico filmado onde através

da imagem em movimento o estático publicado em periódicos e jornais ganha o ritmo da

cidade, do bonde, do trem e do telégrafo, adaptando-se desta forma a comunicação ao

centro do período moderno e ao seu movimento.

Modernidade

O período referente a modernidade pode ser pensado a partir de Nicolau Sevcenko

através do conceito revolução técnico-científico (SEVCENKO, 2001: 15), representando

mudanças tecnológicas que ultrapassaram os limites do ambiente urbano penetrando nas

percepções dos indivíduos que se viam imersos ao novo ritmo das fábricas, dos novos

meios de transporte e comunicação em massa. A revolução técnico-científica apresenta

em sua estrutura; industrialização acelerada, urbanização massificada, crescimento

populacional até então não conhecido e a vasta difusão de tecnologias nos meios de

transporte e de comunicação. A explosão da cultura de consumo de massa emerge neste

meio urbano que vive uma nova era do consumo e de propaganda.

2Motion Pictures é o termo utilizado para as películas relacionadas ao início do cinema, sua tradução nos traz “imagens em movimento”.

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Outro acréscimo importante ao debate acerca da modernidade se faz a partir da ideia

em nível histórico que reflete os produtos e as causas das mudanças da sociedade para os

meios de comunicação pública. Analisando os movimentos artísticos que se auto

intitulavam de moderno (futurismo, por exemplo) sob a ótica da comunicação em larga

escala, a modernidade se direciona como um investimento em novas expressões que

surgiam nas novas cidades metropolitanas, centros também de um novo imperialismo

(ALBERA: 2012, p 12). As mudanças nessas comunicações se explicam nas

consequências ideológicas e tecnológicas que no final do século XIX proporcionaram

mudanças radicais nas produções culturais: a fotografia, o cinema o rádio, a televisão; a

produção e a gravação são marcos de avanços em sequência decisivos durante o período

modernista (WILLIAMS: 2011), neste seguimento teórico, o autor britânico Raymond

Willians trabalha a importância do cinema como revolução tecnológica para as

transformações no âmbito das comunicações em massa. Outra inserção do cinema ao

mundo moderno nos traz o paradigma das invenções cinematográficas como um novo

advento que redefine o conjunto de práticas sociais ligadas a era moderna, voltadas a

indústria e a tecnologia. O autor François Albera, em seu livro Modernidade e Vanguarda

do Cinema (ALBERA, 2012), congrega o sentido de moderno a malha e a sincronia do

século XIX, onde a velocidade, a ubiquidade e a massificação generalizada são presentes

no cotidiano da nova vida moderna, colocando o cinema como veículo central criado a

partir desde núcleo.

Vanessa R. Schwartz e Leo Charney, em O cinema e a invenção da vida moderna

(CHARNEY, SCHWARTZ, 2004) coletaram artigos que trabalham na contextualização

de uma modernidade visualmente revolucionaria e sensorialmente transtornadora.

Utilizado como centralidade nos debates propostos pelo livro, o cinema é pensado através

de seu nascimento ao traçar-se um paralelo à sociedade de finais do século XIX. A

participação da linguagem visual em propagandas que poluem os principais centro

urbanos dos Estados Unidos, além do sensacionalismo presente nas pictografias

publicadas em periódicos de maior circulação, como por exemplo o New York Journal

ou o The Standard que utilizavam-se de representações visuais para abordar os fatos mais

comentados na política ou até no cotidiano da cidade, sempre com um extremo

sensacionalismo ou figuras estereotipadas.

O moderno é capaz de mesclar as sensações proporcionadas através de um

hiperestímulo (SINGER, 2004: 95.) presente no cotidiano das cidades superpopulosas

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que experimentavam choques físicos e perceptivos na sociedade do movimento. Quebras

sensoriais nas percepções de tempo e espaço perante as inovações tecnológicas

impunham uma revolução neurológica no que conhecemos como modernidade. Podemos

pensar também na divisão moderna em aspectos socioculturais, voltados a circulação e

ao desejo do consumidor que em uma nova era de compras se relaciona diretamente com

ao olhar através de formas propagandistas invasivas à percepção visual do indivíduo.

Narrativas nacionalistas

Aproximando-se da guerra Hispano-Americana através das tendências modernas

entendemos a importância do período para a compreensão do aparato fílmico como viés

de análise do conflito. Também utilizamos as formas ideológicas reproduzidas nos meios

de comunicação impresso para traçar o paralelo entre a narrativa fílmica e a litografia

impressa de Darlrymple presente na década de 1890, ocasião fundamental para os meios

de comunicação sensacionalistas nos Estados Unidos. A chamada imprensa marrom:

Veio ganhar sua reputação de exagero e sensacionalismo através de

reportagens sobre a cruel opressão espanhola sobre os cubanos amantes da

liberdade. Levou apenas uns poucos meses para Pulitzer, Hearst e um monte

de concorrentes converterem a rebelião cubana numa moderna peça de

moralidade, com relatos detalhados de batalhas encarniçadas, fictícias e

reais, frequentemente suplementadas por narrativas em primeira pessoa de

autenticidade questionável, com o foco sempre sobre os atos particularmente

pusilânimes dos espanhóis. Todos os artigos traziam um apelo implícito ou

explícito aos funcionários em Washington para protegerem a honra da nação

diante das indignidades espanholas. (SCHOUTZ, 2010: 156)

O grupo midiático que ajudou a criar esse estado de espirito no público para uma

postura nacionalista perante a postura externa dos Estados Unidos era composto de

editores e diretores de jornais e revistas da nação. Nomes como Willian Hearst e Joseph

Pulitzer aderiram estratégias sensacionalistas para difundir informações duvidosas:

No final da década de 1890, Hearst estava apenas começando a desenvolver

seu talento para transitar dentro e fora da área cinzenta entre verdade e

fantasia, apenas começando a demonstrar que não havia baixeza jornalística

diante da qual ele recuaria; para proteger seu mercado, Pulitzer também

tornou-se ágil em transitar e não recuar. Procurando material para excitar

seus leitores, repórteres de ambos os diários logo fixaram seus olhares na

guerra de independência de Cuba. Desde o início eles foram ajudados em

grande escala pela junta em Nova York. (SCHOUTZ, 2010: 156)

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Esta atividade afetou a opinião pública, podemos notar este fato ao compararmos

os dados que mostram os índices de leitores quando iniciaram as publicações sobre as

atrocidades espanholas em Cuba. Segundo Lars Schoutz, Hearst vendia de forma

acelerada e crescente seus jornais em Nova York, a circulação do Journal subiu de 30.000

em 1895 para 400.000 em 1897, depois do naufrágio do encouraçado norte-americano

Maine no porto de havana, considerado o estopim da guerra, o periódico dedicava uma

média de 8 páginas por semana à tragédia, tornando-se o primeiro a vender um milhão de

cópias em um só dia. (SCHOUTZ, 2000: 148) A ideia de uma política dominante nas

notícias percorre a história dos Estados Unidos, onde um determinado assunto estratégico

dominava as páginas principais dos jornais. A consolidação desta prática acontece durante

a década de 1890 onde a atividade sensacionalista foi constante na esfera política norte-

americana. O domínio imperialista por territórios externos estava em ascensão nos

Estados Unidos, o que levou a um aumento subsequente do narcisismo nacional e também

da arrogância presente nos jornais que retratavam suas atitudes em relação aos domínios

desejados sob a forma de caricaturas políticas. Os desenhos publicados representavam os

líderes políticos ou personagens de assuntos estrangeiros específicos pintados em um

sentido mais literal e muitas vezes jocoso, sendo em sua grande maioria propagandas que

promoviam o nacionalismo e o patriotismo. Esses desenhos fizeram um excelente

trabalho para representar a natureza pomposa do governo dos Estados Unidos e trabalhar

sua supremacia racial no formato visual.

As imagens publicadas por Loius Darlrymple representam todo este contexto

visual que promovia um nacionalismo e uma aceitação das posturas imperialistas norte-

americanas. Podemos encontrar em sua pictografia intitulada “fora da frigideira”

publicado no dia primeiro de maio de 1898 pela revista Puck Magazine, um exemplo de

como a tensão entre a Espanha e os Estados Unidos cresciam sobre a posse de Cuba, tornando

esta imagem um grande exemplo de propaganda pró guerra. O desenho mostra Cuba

como uma mulher vulnerável à procura de ajuda, enquanto ela é mantida em uma

frigideira onde encontramos a seguinte frase talhada; “desgoverno espanhol”. Abaixo

dela estão as chamas da anarquia, ameaçando a soberania de Cuba, que sob a

representação feminina parece muito frágil e desamparada envolta da bandeira cubana e

ao que indica sua falta de orientação e assistência. A frigideira, por outro lado, está sendo

segurada por uma mão branca, indicando que a intervenção americana é uma

necessidade. Há uma citação na parte inferior da litografia, que diz: "O dever da hora de

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salvá-la não só da Espanha, mas de um destino pior". Ao acrescentar essa citação ao

desenho animado, Dalrymple insinuou que esse aparente “Desgoverno Espanhol” não era

apenas anarquia em que se referiam ao processo de independência cubana, mas algo que

exigia a intervenção americana. Este cartum definitivamente inspirou muitos americanos

à postura pró guerra que levou a intervenção norte-americana à guerra trazendo como

consequência a uma queda do estado espanhol e o pagamento generoso aos EUA por sua

ajuda, eles receberam novos territórios como Filipinas, Guam e Porto Rico.

Imagem 1 – Fora da Frigideira

A produção de imagens nacionalistas durante este período é extensa e a partir

destas produções visuais que se desenvolveram durante a modernidade podemos

encontrar nas produções fílmicas disponíveis na Biblioteca do Congresso elementos

nacionalistas que muitas vezes reproduziam as principais manchetes, os principais fatos

descritos nos periódicos e muitas vezes irrigados com uma caracterização estereotipada

do exército norte-americano aos moldes do que podemos encontrar nas publicações

visuais da época. No ano de 1898, a partir do início da guerra, o cinema ganha

propriedade de uma espécie de cine jornal, se tornando um dos maiores responsáveis por

levar as informações para o público estadunidense. O cinema terá a função de projetar

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imagens em movimento que representam uma ascensão imperialista impulsionada pela

guerra e com conteúdo irrigado das propagandas visuais já disponíveis pelos periódicos.

A película “Correspondentes de guerra” gravada pelo operador de câmera

Willian Paley em 21 de abril de 1898, nos traz um relatório completo da forte presença

do corpo jornalístico presente em Key West, Florida, mostrando uma profunda euforia

em um grupo de correspondentes de guerra dos diferentes jornais de Nova York que se

encontram subindo a rua para chegar ao escritório de cabo para obter sua cópia dos

cabogramas para serem transmitidos para os diferentes jornais. Na películas os

correspondentes correm diretamente para a câmera, viram uma esquina no primeiro plano

e desaparecem em uma rua lateral. Uma disputa ocorre para ver quem fará a curva

primeiro para obter as notícias inéditas da guerra, cidadãos curiosos assistem a cena

incomum e podemos notar em um cavalo e sua carruagem que aparecem em segundo

plano seu ritmo aparentemente lento, mostrando comparativamente que uma rápida

corrida a pé foi presenciada pelo espectador.

Imagem 2 – Correspondentes de guerra

O cinema traz consigo a capacidade de despertar sentimentos no espectador

através da impressão de realidade (MACHADO, 1997: 13), nesse sentido a cobertura da

guerra Hispano-Americana traz consigo uma junção entre as propagandas nacionalistas

visuais da década de 1890 e a participação propagandística a favor da guerra nos jornais,

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criando uma realidade visual capaz de comover a população e a conduzir sua opinião

enaltecendo figuras nacionalistas durante as primeiras vitórias contra a Espanha.

A película “Burial of the "Maine" victims”, gravada em 27 de março de 1898 pela

Edison Company, apresenta uma reconstrução visual do enterro das vítimas do

encouraçado Maine. Nela os registros da Biblioteca do Congresso indicam que tenham

sido uma reprodução fidedigna do fato original que por algum motivo não conseguiu ser

capturado, a data da filmagem realmente indica uma reconstrução do fato, pois ocorreu

cerca de um mês após o naufrágio. Tomada em Key West, Florida, a película se inicia

com um destacamento de marinheiros em primeiro plano, ao fundo encontramos alguns

meninos provavelmente acompanhando a gravação, dando um ar muito fidedigno as

posições militares públicas. Após este destacamento iniciam-se no plano algumas

carroças ornamentadas carregando os supostos caixões das vítimas do Maine, cobertos

provavelmente pela bandeira norte-americana, ao lado dos caixões encontram-se

marinheiros cabisbaixos indicando seu sofrimento pela perda de seus compatriotas no

naufrágio.

Ao recriar o acontecimento, a película não deixa de transparecer a tristeza dos

soldados que naufragaram na polêmica explosão do navio, além de demonstrar a

dedicação e o comprometimento do estado americano com os marinheiros que padeceram

em uma suposta missão de apaziguamento.

Imagem 3 – Enterro das vítimas do Maine

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Flavia Cesarino Costa nos aponta que no caso das películas reconstruídas o “filme

trabalha com uma artificialidade, construindo desta forma um momento mais

emblemático do que propriamente narrativo, trazendo para o formato fílmico do primeiro

cinema uma característica propagandística onde:

“No contexto sócio-cultural do primeiro cinema, o termo atualidade designa

uma forma particular de realismo, eu não é nem exclusivamente ficcional, nem

exclusivamente documentária, nem exclusivamente cinematográfica. É uma

forma de representação que lida com um repertório de referências culturais

amplas – compartilhado por mídias como os jornais, as revistas ilustradas, os

folhetins, o teatro, o circo, o museu de cera, a feira e a própria fotografia -

dramatizando o real de maneira espetacular” (CESARINO, 2008: 203)

As informações cinematográficas apresentam desta forma uma adesão a outras

narrativas complexas que surgem em uma sociedade moderna em crescimento, nos

trazendo uma forma aos primeiros filmes capazes de apresentar uma postura ligada as

litografias impressas nos principais periódicos que correspondiam o conflito. Também

encontramos informações sensacionalistas dos jornais ligadas à um espectro nacionalista

e imperialista que dava início a era de dominação imperial e cultural norte-americana para

além de suas fronteiras já estabelecidas. A guerra Hispano-Americana apresenta-se como

o primeiro conflito filmado que se encontra em um período nacionalista que já

apresentava novas formas de linguagem visual presentes na década de 1890. A

compreensão de uma modernidade norte-americana juntamente a criação de uma nova

tecnologia capaz de reproduzir imagens em movimento altamente difundidas entre a

população estadunidense e a apresentação de uma linguagem burlesca e nacionalista nos

levam a propor que os elementos visuais iniciaram seus usos imperialistas a partir de uma

ótica modernista perante ao imagético, difundindo-se ao cinema e o descobrindo como

um meio altamente capaz de difundir preceitos políticos e ideológicos.

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IMAGENS

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to save her not only from Spain, but from a worse fate. Vol 43, No 1105. < Disponível

em [https://www.loc.gov/item/2012647469/] Acesso em: [21/02/2018]