a guerra da restauração (1640-1668) e a implantação das...
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1 |Ana Teresa de Sousa, A Guerra da Restauração (1640-1668) e a implantação das fortificações
abaluartadas em Portugal e nos teritórios ultramarinos: a importância dos Regimentos e Aulas de
Fortificação
V EJIHM 2017 Coimbra| V Encontro Internacional de Jovens Investigadores em História
Moderna
A Guerra da Restauração (1640-1668) e a implantação
das fortificações abaluartadas em Portugal e nos
territórios ultramarinos: a importância dos Regimentos
e Aulas de Fortificação
Ana Teresa de Sousa
Doutoranda em História na Universidade de Évora: Bolseira de Doutoramento do Programa HERITAS – Estudos de
Património
CIDEHUS-UÉ (Universidade de Évora)/CIEBA-FBUL (Faculdade de Belas-Artes da
Universidade de Lisboa)
Resumo
O período da Guerra da Restauração (1640-1668) marcou a importância, em
termos das construções militares, do conhecimento científico para a defesa e identidade
dos territórios. Assim, deu-se maior importância às questões da defesa militar,
impulsionando-se a reestruturação das fortificações e alteração dos projetos elaborados
por engenheiros militares que serviram a Coroa portuguesa e que posteriormente
passaram a servir o inimigo castelhano (Langres e Cosmander, nomeadamente).
Desta forma, o principal objectivo da presente comunicação é analisar as
políticas dos monarcas D. João IV, D. Afonso VI e D. Pedro II, abrangendo o período
de 1640 a 1706, face a estas questões, partindo da análise e transcrição de fontes
documentais. Sublinham-se ainda as políticas empreendidas pelos monarcas com vista à
melhoria da formação científica dos engenheiros militares, cuja actividade se fez notar
não só em Portugal, mas também nos territórios ultramarinos: Brasil, Angola e
Mazagão.
Neste contexto, destacam-se as políticas de fomento de D. João IV, principal
impulsionador do princípio de defesa da fronteira com Castela, nomeadamente ao que à
província do Alentejo diz respeito. Sublinham-se ainda algumas práticas de D. Afonso
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abaluartadas em Portugal e nos teritórios ultramarinos: a importância dos Regimentos e Aulas de
Fortificação
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VI nesta matéria, sendo que sua mãe, D. Luísa de Gusmão, se mostrou forte defensora
do avanço das obras das fortificações no Alentejo, atuando já como rainha regente. Face
à deposição deste monarca, seu irmão, o príncipe D. Pedro, futuro D. Pedro II, surge
como protagonista das questões de defesa do Reino e dos territórios ultramarinos. Neste
sentido, distingue-se o Regimento para a Fortificação de Évora, de 1682, e o
Regimento da Praça de Mazagão, de 1692. Durante o seu reinado foram também
tomadas medidas para fomentar a formação dos engenheiros militares, surgindo
paulatinamente diversas Aulas de Fortificação.
Esta temática é importante no contexto da História Moderna e da História da
Arquitectura Militar e visa criar perspectivas abertas a novos debates, inserindo-se nos
interesses actuais a nível histórico, patrimonial e paisagístico.
A abordagem que se propõe é baseada na transcrição e análise de documentação
existente no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Biblioteca da Ajuda, Biblioteca
Pública de Évora e Archivo General de Simancas.
Palavras-chave: Guerra da Restauração; Diplomacia; Fortificação; Engenharia militar.
Contextualização introdutória
No período moderno impôs-se na Europa, no que respeita à defesa, a fortificação
abaluartada1. Deu-se início à transformação das antigas defesas, apostando em
estruturas baixas, aumentando a espessura das muralhas, criando terraplenos e exteriores
às muralhas. Também se elaboraram fortificações novas, partindo das linhas de tiro, dos
princípios da cobertura e do tiro de enfiada2, variáveis tidas em conta a partir do advento
da pirobalística.
1 Fortificação guarnecida com baluartes, possibilitando o ataque do inimigo com disparos de flanco ou
laterais, de modo a proteger as cortinas Ana Teresa de Sousa, O Conjunto Abaluartado de Évora, Faro,
Sílabas & Desafios, 2015, p. 171. 2 Grzegorz Bukal, «On Relations Between Medieval and Modern Defensive Architecture», em Acta
Universitatis Lodziensis: Folia Archaelogica, Vol. 14 (1991), pp. 53-60.
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Em Portugal, com a Guerra da Restauração (1640-1668), D. João IV procurou
dar ênfase aos assuntos militares, procedendo-se ao levantamento do apoio logístico que
as forças de Portugal necessitariam para a guerra com os castelhanos. Neste contexto,
surgiram fábricas de pólvora, salitre, armas, munições e arsenais. Também se reforçou a
criação de um exército permanente, bem como do Conselho de Guerra e da Junta da
Fronteira, com o objectivo de inspeccionar e tratar dos assuntos relacionados com as
fortificações e o estado de guerra. Este Conselho e esta Junta atuaram mediante uma
dimensão política e militar. Além de estratégias e assuntos puramente militares, o
Conselho de Guerra também tratava da gestão de fundos recolhidos para a guerra, bem
como dos soldos dos soldados3. Assim, também se criaram seis províncias militares –
Entre-Douro-e-Minho, Trás-os-Montes, Beira, Estremadura, Alentejo e Algarve -, sendo
a província do Alentejo a mais extensa e vulnerável pelas suas características
topográficas:
“huma continuada extenção de terreno, situado da parte
d’além do Rio Guadiana, cuja legitima posse não pode ser
contestada de modo algum se não pela injustiça, pela
violencia e pela muita força. Ella na maior parte da sua
extenção hé plana, e por esta cauza tem sido particularmente
escolhida em quazi todas as Guerras para as reprezentações
militares”4.
Neste contexto, houve um esforço significativo da Coroa portuguesa na
modernização das fortificações raianas, na designada fronteira seca5, onde estiveram
envolvidos mestres e engenheiros militares estrangeiros. A sua influência foi relevante
3 Maria Luísa Gama, O Conselho de Estado no Portugal Restaurado – Teorização, Orgânica e Exercício
do Poder Político na Corte Brigantina (1640-1706) (Dissertação de Mestrado em História Moderna)
Lisboa, Universidade de Lisboa, 2012, p. 80. 4 BPE, Fundo Manizola, Cod. 509-1, f. 7-8.
5 Fernando Dores Costa, «Interpreting the Portuguese War of Restoration (1641-1668) in a European
Context», em E-JPH, Vol. 3, n.º 1 (2005), p. 2.
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para o desenvolvimento teórico-prático dos seus aprendizes, pois tinham oportunidade
de exercer o ofício no próprio local, de acordo com os mestres que os instruíam6.
Inicialmente, o Alentejo beneficiou essencialmente da influência de engenheiros
militares estrangeiros7, tais como João Paschasio de Cosmander (1602-1648), Nicolau
de Langres (1???-1665), Charles Lassart, Pierre de Saint-Colombe e Jean Gilot (1576–
1642).
Em 1644, o matemático e engenheiro militar Cosmander, enviou ao Conselho de
Guerra de D. João IV um documento no qual constavam representações respeitantes à
fortificação do Alentejo. Aconselhava que houvesse nas fortificações ajudantes e que se
criassem no ofício sujeitos naturais do Reino, que o servissem melhor que os
estrangeiros8.
No mesmo ano, Nicolau de Langres atuava como engenheiro ordinário
encarregue de desenhar, erguer e reparar as fortificações do Alentejo. Por morte de
Cosmander, sucedeu-lhe, tendo recebido a patente de Coronel Superintendente dos
Engenheiros.
Por sua vez, o engenheiro militar Charles Lassart, nomeado engenheiro-mor do
Reino em 1642, examinava as fortificações do Alentejo. Quando se retirou da fronteira
sem licença, o Conselho de Guerra ordenou que assistisse na fortificação de Elvas9.
Em 1657 efetuou um projeto para Évora, onde constavam baluartes reais10
.
Denota-se que em 31 de julho do dito ano, o projecto ainda necessitava de aprovação:
“Já tinha mandado ajustar o contrato de Lassart (…), ha de hir
em companhia do Conde do Prado aprovar a planta da
fortificação que mando fazer nas Cidades de Evora e Beja”11
.
6 Antónia Fialho Conde, «Alentejo (Portugal) and the scientific expertise in fortification in the modern
period: the circulation of masters and ideas», em The Circulation of Science and Technology (apresentado
em Proceedings of the 4th
International Conference of the ESHS, Barcelona, 2010), p. 248. 7 Rafael Moreira, «Do Rigor Teórico à Urgência Prática: A Arquitectura Militar», em História da Arte em
Portugal. O Limiar do Barroco, Lisboa, Publicações Alfa, 1986, Vol. 8, p. 70-74. 8 Entre as quais, o forte de Santo António, em Évora; praça-forte de Estremoz, Olivença, Campo Maior,
Castelo de Vide e fortaleza de Juromenha. Sousa Viterbo, Dicionário Histórico e Documental dos
Arquitectos e Engenheiros Portugueses, Lisboa, Casa da Moeda, 1899, vol. I, p. 234. 9 Idem, vol. II, p. 64.
10 Tipo de baluarte que apresenta dimensões muito elevadas, possuindo vários entrincheiramentos. Ana
Teresa de Sousa, Op. Cit., 2015, p. 172. 11
BA, 51-VI-26 (132).
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Jean Gilot veio para Portugal no início da Guerra da Restauração e foi
encarregue de ver todas as praças fronteiriças12
. Em 11 de setembro de 1647, Martim
Afonso de Melo deu conhecimento da sua influência em Olivença e Juromenha.
Destacou que com a perda de Cosmander, preso pelos castelhanos, sobrevinham muitos
cuidados, particularmente ao que à vila de Juromenha dizia respeito, pois o inimigo
desejava empreendê-la para ganhar Olivença, ficando-lhe caminho aberto para Vila
Viçosa, Borba e outros lugares. Desta forma, foi pessoalmente prover o estado da praça
de Juromenha, analisando de que forma se lhe poderia acudir. Nomeou Gilot para a dita
tarefa, entregando-lhe o encargo da fortificação. Pela proximidade geográfica, poderia
assistir nesta praça e na de Olivença13
.
Entretanto, Saint-Colombe executou diversas obras na província do Alentejo. Os
seus desenhos para a fortificação de Évora resultaram numa discussão com Luís Serrão
Pimentel (1613–1679), conhecida como a Resposta Apologética do Tenente General
Pedro de Santa Colomba em defensão da sua planta de Evora ao papel de Luiz Serrão
Pimentel Lente de Mathematica, datada de 26 de dezembro de 166114
.
Luís Serrão Pimentel tinha grande influência como Cosmógrafo e Engenheiro-
mor do Reino e do Exército do Alentejo e Tenente General da Artilharia. Os trabalhos
que efetuou na área da arquitetura militar, sobretudo no que refere à fortificação,
capacitaram-no para leccionar Ciência Militar, Matemática e Cosmografia. Na
sequência do seu desempenho, conseguiu a instituição da Aula de Matemática e
Fortificação da Ribeira das Naus15
, a primeira escola de ensino militar especializado em
Portugal16
.
12
Sousa Viterbo, Op. Cit., vol. I, p. 423. 13
ANTT, Manus. Livraria, N. 610, fl. 273v-274v. 14
BA, 51-VI-1, fl. 93-96. 15
D. João IV fundou esta Aula a pedido de Pimentel, em 1647. Esta representava um passo decisivo na
institucionalização da engenharia militar no contexto português. A regência da lição foi entregue a
Pimentel, passando este a distinguir-se no ensino dos engenheiros. Miguel C. S. Soromenho, Manuel
Pinto de Vilalobos: da engenharia militar à arquitectura (Dissertação de Mestrado em História da Arte
Moderna), Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, 1991, pp. 3-4. 16
Alexandre Martins Ferreira, Luís Serrão Pimentel (1613-1679): Cosmógrafo Mor e Engenheiro Mor de
Portugal (Dissertação de Mestrado em História dos Descobrimentos e da Expansão), Lisboa, Faculdade
de Letras, 2009, p. 79.
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6 |Ana Teresa de Sousa, A Guerra da Restauração (1640-1668) e a implantação das fortificações
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Foi também autor do Methodo Lusitânico de Desenhar as fortificações das
Praças Regulares e Irregulares fortes de campanha, e outras obras pertencentes à
Arquitectura Militar, publicada em 1680.
A sua denominação como Método Lusitânico prende-se com o facto de ser o
primeiro a tratar esta matéria em língua portuguesa e com a apresentação de um novo
método, uma vez que vários reinos tinham os seus métodos de fortificar.
Desta forma, a defesa da fronteira alentejana teve forte impulso do monarca D.
João IV, a partir de 1640. Posteriormente, D. Afonso VI e o príncipe D. Pedro,
prosseguiram estas obras de reforço, pois temiam novas ameaças por parte dos
castelhanos. Contudo, e como se poderá observar, a falta de dinheiro condicionou a
continuação e conclusão das obras.
No entanto, através de uma carta de 22 de abril de 1670, destinada à Rainha
Governadora de Castela, Dona Maria Ana de Áustria, temos notícia de que as
fortificações da fronteira castelhana se encontrarem em miserável estado de defesa e
abandono, sendo que os portugueses tinham entretanto reparado eficazmente as suas,
estando agora mais defensáveis do que em tempo de Guerra. Além disso, também os
locais de fronteira estavam prontamente assistidos, os terços recrutados e a artilharia
preparada17
.
Entretanto, D. Pedro II, que governou entre 1683 e 1706, defendeu fortemente as
questões da defesa militar, impulsionando as obras de reestruturação das fortificações
danificadas após a dita Guerra.
Neste contexto, deu ênfase à reestruturação da fronteira alentejana, distinguindo-
se a importância do Regimento para as Fortificações de Évora, de 1682. Este serve de
base à análise da reconstrução de outras fortificações, das quais se irá tratar.
Durante o seu reinado também se tomaram medidas para impulsionar a formação
dos engenheiros militares, sobretudo no que diz respeito ao ensino da Matemática e
Engenharia militar.
Esta política de formação e defesa também se centrou em Angola e no Brasil,
como se poderá verificar.
A defesa da fronteira alentejana no século XVII
17
AGS, Est. Leg: 2617, Sf.
http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Methodo_Lusitanico_de_Desenhar_as_fortifica%C3%A7oens_das_Pra%C3%A7as_Regulares_e_Irregulares...&action=edit&redlink=1http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Methodo_Lusitanico_de_Desenhar_as_fortifica%C3%A7oens_das_Pra%C3%A7as_Regulares_e_Irregulares...&action=edit&redlink=1
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Do projecto de defesa dos monarcas D. João IV, D. Afonso VI e D. Pedro II,
englobava-se a adaptação das praças que se encontravam mais próximas da linha de
fronteira, destacando-se Arronches, Barbacena, Campo Maior, Castelo de Vide, Elvas,
Juromenha, Marvão, Monsaraz, Moura, Mourão, Ouguela e Serpa; bem como as mais
afastadas, como Beja, Estremoz, Vila Viçosa e Évora.
A 5 de dezembro de 1646, o mestre de campo general Joane Mendes de
Vasconcelos deu conta a D. João IV do estado em que se encontravam algumas das
fortificações do Alentejo:
“Envio (…) as Plantas de Elvas, Olivença, Campo Mayor,
Jurumenha e Ouguella, das quaes V.M. mandará ver o
estado em que se achão as Forteficaçoens destas Praças. A
Praça de Jurumenha hé a mayor consequencia que hoje há
para se haver de forteficar com toda a presteza e diligencia
que convem sem que se suspenda mais annos esta Rezolução
(…); se não satisfará o meu zêlo athé a ver forteficada (…)
pelo perigo que considéro a todos os lugares de huma e outra
parte de Guadiana se o Inimigo occupasse este Posto” 18
.
Já em 2 de dezembro de 1646, o dito general alertara D. João IV da necessidade
de se defender Ouguela, pois “está sem forteficação, exposta a que o Inimigo (se a
intentar) a ganhe com facilidade”. Conquistando-a, o inimigo teria acesso a outras
praças que ainda não estavam completamente defendidas, uma vez que “hé a porta de
Campo-Mayor, Arronches e todos os mais lugares”. Para tal não acontecer, seria
necessário que o monarca remetesse dinheiro para se prosseguir com a dita obra, “em
que logo se deve começar a trabalhar para que na Primavera tenha já com que rezistir
ao Inimigo, que se nam hade descuidar de vir sobre ella tendo occazião”19
.
18
ANTT, Manus. Livraria, N. 610, fl. 170-171. 19
ANTT, Manus. Livraria, N. 610, fl. 163-163v.
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A 6 de janeiro de 1647, Joane Mendes de Vasconcelos insistia em pedir o apoio
monetário esperado para a obra, referindo que “Ouguella espera dinheyro e resolução
com a qual se começará logo (…); eu sey quanto importa a brevidade”20
.
Na mesma carta, indica que o trabalho da Forteficação de Estremoz “se vay
continuando nesta Praça com todo o calor que hé possivel”. Adianta que se deveria
proceder à elaboração das estradas cobertas e da cortina da Porta dos Banhos, “com que
esta cidade ficará com toda a defensa”. Segundo o general, os fossos que se iam
abrindo “o melhor que pode ser”, bem como o que ainda estava por acabar na dita
fortificação, se poderia efetuar de forma mais fácil e com menos custo monetário do que
se efetuaria no início da obras. Contudo, no dito início:
“se metterão os terraplenos nos Baluartes e Cortinas antes
de se lavantarem as muralhas; o que foi pelo contrario, e
como sem terraplenos nam há Forteficação, tenho feito
metter grande quantidade de terra de fora por pontes”21
.
Este facto levou a que a obra se fizesse com maior dificuldade e com “muito
mais excessivo gasto do que se podia fazer então”. No entanto, confere que está
adiantada parte considerável da fortificação, sendo que já seria possível efetuar ronda a
metade da mesma “com cinco cavallos em fileyra”22
.
No dia seguinte, a 7 de janeiro de 1647, o mesmo General destacou que já
haveriam condições para se iniciarem as obras da fortificação de Juromenha, enviando-
se dinheiro para condução da mesma. Inicialmente, estas ficaram a cargo de Cosmander.
Na ausência deste, interferiram Langres e Gilot:
“foi servido rezolver que se começasse a Forteficação da
Villa de Jerumenha pela Planta e concerto que fizeram
20
ANTT, Manus. Livraria, N. 610, fl. 180-183. 21
Idem, fl. 181-182. 22
Ibidem.
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Langres e Gilot, comecey logo a dispôr o necessario para
ella na dita Villa estam já alguns petrechos”23
.
Referiu ainda que para se iniciarem as obras, mandaria entregar os sete mil
cruzados que o monarca enviara para o reforço da fortificação no ano passado. Contudo,
realça que ainda seria necessário que se remetesse mais dinheiro “para que por falta
delle nam parem as obras”24
.
A 12 de junho de 1647, o Governador das Armas do Alentejo, Martim Afonso de
Melo, informa que “com todo o calor se vay trabalhando nas forteficaçoens de Elvas,
Olivença, Campo Mayor e Jerumenha, por ser o que mais nos importa”. Contudo, seria
necessário o monarca ajudar monetariamente os engenheiros, uma vez “que será grande
lástima parar-se com estas obras quando temos tempo pera as fazer à nossa vontade”.
A ajuda monetária seria urgente a Juromenha e Campo Maior, por estarem “menos
defensaveis” e com “pouco rendimento dos reaes d’agoa” 25.
Posteriormente, a 27 de setembro de 1647, o dito Governador voltou a destacar a
importância de Campo Maior, sendo necessário continuarem-se as obras na fortificação,
para as quais escasseava o dinheiro, comprometendo as questões de defesa. Indicou que:
“Hé grande o sentimento que tenho de ver que as
Forteficaçoens principais desta Provincia estejam algumas
no mesmo estado que o primeyro dia que foi necessario
defenderemse e huma destas hé a de Campo-Mayor”26
.
Numa carta posterior, datada de 19 de setembro de 1648, o mesmo Martim
Afonso de Melo refere que “esta semana fui a Campo-mayor ver aquella Praça e a
forteficaçam della que de prezente está em muito bôa altura”, pelo que se denota que as
obras avançaram relativamente ao ano anterior, indicando que levou consigo “algumas
Peças de Artelharia para aquella Praça porque como crescêram os Baluartes
23
ANTT, Manus. Livraria, N. 610, fl. 183-184. 24
Ibidem. 25
ANTT, Manus. Livraria, N. 610, fl. 214-215. 26
ANTT, Manus. Livraria, N. 610, fl. 289-289v.
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10 |Ana Teresa de Sousa, A Guerra da Restauração (1640-1668) e a implantação das
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necessitava muito della”. Porém, na sua opinião, o edificado não mostrava ser da
durabilidade esperada:
“como não hé obra de pedra e cal estamos com o recêo de
que o Inverno lhe poderá fazer alguma ruina, o Inginheiro
Langres affirma que nam hade fazer” 27
.
Entretanto, já a 4 de setembro do mesmo, o dito Governador informara ter sido
advertido pelos conselheiros de D. João IV de que os oficiais da Câmara de Castelo de
Vide haviam recorrido de uma ordem sua para que no dito ano gastassem o imposto do
Real d’água na fortificação da vila:
“Sendo este Real d’Agoa huma couza de tam pouco
rendimento, em hum só anno se adiantava muito nesta obra,
porque os moradores com este favor que se lhes fazia
queriam ajudar esta Forteficaçam para que ficasse logo a
Praça serrada e defensavel”28
.
Sendo esta praça de importância tal que o monarca mandava assistir nela um
terço da infantaria de guarnição, bem como uma companhia de cavalos, “com que em
huma couza e outra se gastão cada anno mais de vinte mil cruzados”, terminando as
obras e ficando a praça fechada, poderia escusar o referido terço de infantaria, ficando
apenas com uma companhia paga que “lhe poderá bastar”. Desta forma, não lhe parece
ter feito desconsideração do monarca, defendendo que:
“Se antes de vir esta reprensão se me perguntara a razão porque o
fiz (…) com toda a sumissão torno a dizer (…) que os Ministros ou
Conselheiros que andam passeando em Lisboa ou no Terreiro do
Paço, e sentindo só se faltou neve aquelle dia ou não, que não podem
27
ANTT, Manus. Livraria, N. 610, fl. 574v-576. 28
ANTT, Manus. Livraria, N. 610, fl. 565v.
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avalear as couzas destas Fronteyras e Guerra do Alentejo melhor que
quem a tem entre mãos”29
.
Numa carta de 17 de agosto de 1657, D. João IV deu ordem para que o Conde do
Prado, do seu Conselho de Guerra, acompanhado por Nicolau de Langres, fossem
assistir até quatro dias numa junta respeitante ao melhor acerto para as fortificações de
Évora e Beja30
.
Mais tarde, por Decreto do Conselho de Guerra de D. Afonso VI, datado de 20
de julho de 1660, verifica-se que:
“A fortificação de Beja parece ao Conselho que V.M. deve mandar
que a planta que o Conde do Prado fes e tem em seu poder feita por
Nicolao de Langres e approvada pellos mais engenheiros do exercito
se deve remeter ao Conde d’Atouguia, ordenandolhe mande formar
huma junta que conste do Governador de Beja, do Provedor,
corregedor e mais os officiaes da Camara para que todos façam hum
Regimento de que hão de ser executores pelo qual se cobre e
despendão os efeitos para a fortificação (…) e da forma dos officiaes
necessários para a assistência da dita fortificação”31
.
Por outro lado, a preocupação com a cidade de Évora está patente numa carta de
27 de setembro de 1646, na qual D. João IV ordenou ao juiz de fora que retirasse mil
réis dos rendimentos da cidade para a imediata reparação das portas e dos panos de
muralha que acusavam roturas32
.
A 1 de abril de 1657, a Rainha regente D. Luísa de Gusmão, expressou o desejo
de ver esta cidade fortificada33
. Foi Langres quem traçou uma planta de emergência,
29
Idem, fl. 565v-566. 30
BA, 51-VI-26 (132), fl. 29. 31
ANTT, Cons. Guerra, M. 19, fl. 50. 32
Túlio Espanca, «Fortificações e Alcaidarias de Évora», em A Cidade de Évora - Boletim da Comissão
Municipal de Turismo, nº 9-10 (1945), p. 72. 33
BPE, C. 1, N. 18, fl. 51.
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constante de baluartes atacados aos muros, com algumas obras cornas de dilatado
circuito34
.
Em setembro de 1659, Langres, já provido no lugar de engenheiro-mor, em
substituição de Lassart, fez uma segunda planta para Évora, semelhante aos princípios
técnicos do anterior projecto35
, merecendo reparos do Conselho de Guerra, em 5 de
novembro de 165936
. Apossando-se posteriormente da planta, Langres passou a servir o
inimigo, comandando a sua artilharia aquando do ataque de 1662 à Fortaleza de
Juromenha, por ele projetada e construída37
.
Faltando os planos definitivos para o prosseguimento das obras e impondo-se a
sua alteração estrutural, Saint-Colombe realizou uma nova planta, criticada por Luís
Serrão Pimentel, em 1661, na já referida Resposta Apologética38
.
Apesar da controvérsia, Pimentel também elaborou um projecto para Évora,
vendo a sua planta aprovada pelo Conselho de Guerra, retomando-se as retificações, em
cumprimento do Decreto de 4 de maio de 166039
.
Regimento para a Fortificação da cidade de Évora
Ainda como príncipe, e apoiado pela sua mãe, a rainha regente D. Luísa de
Gusmão, D. Pedro havia manifestado o seu interesse pela protecção do reino e
territórios ultramarinos, bem como na paz com Espanha e legitimação da casa de
Bragança face aos outros reinos europeus40
.
34
BPE, CXXII/1-12 d., fl. 173a. 35
Gastão Melo de Mattos, Nicolau de Langres e a sua obra em Portugal, Lisboa, CHM, 1956, p. 4. 36
BA, 51-V-79, f. 35v. 37
ANTT, Manus. Livraria, N. 610, fl. 183-184. 38
BA, 51-V-79, fl. 93-96. Documento transcrito e analisado em Ana Teresa de Sousa, «Saint-Colombe y
Luís Serrão Pimentel: debates e confrontaciones», em Guerra y tecnologia - Actas del IV Congreso
ASEHISMI (2017), pp. 212-224. 39
Túlio Espanca, Op. Cit., p. 76. 40
Maria Paula Marçal Lourenço, D. Pedro II, Rio de Mouro, Círculo de Leitores, 2007, p. 215.
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13 |Ana Teresa de Sousa, A Guerra da Restauração (1640-1668) e a implantação das
fortificações abaluartadas em Portugal e nos teritórios ultramarinos: a importância dos
Regimentos e Aulas de Fortificação
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Neste contexto, deu ênfase à reestruturação e protecção da fronteira alentejana,
destacando-se primordialmente a sua preocupação pela conclusão das obras iniciadas
em Évora41
.
Entretanto, o futuro monarca insistiu na conclusão das obras e na conservação do
que estava por acabar, sendo as obras da fortificação custeadas por ele, contribuindo a
cidade com o imposto criado voluntariamente.
Em 26 de outubro de 1680, nomeou-se por carta patente como técnico de
engenharia militar e assistente permanente da fortificação de Évora Dom Diogo Pardo
Osório, discípulo de Luís Serrão Pimentel, com o posto de sargento-mor.
Mostrando as referidas intenções, em 1682, D. Pedro II mandou que se redigisse
o mencionado Regimento para as Fortificações de Évora, para urgente defesa da dita
cidade. Segundo ele, convinha ao seu serviço e à própria defesa dos moradores de
Évora, a conclusão da sua fortificação. Para este efeito, dever-se-ia contribuir para a
despesa através da aplicação do real de água das fortificações do Reino, dos excessos de
papel, pólvora, munições e sal que se assentaria no pagamento usual dos presídios42
.
Este Alvará transmite-nos informações essenciais para o entendimento da
organização das obras de uma fortificação, tratando de assuntos como a
superintendência das obras, as funções do arcebispo43
, do tesoureiro44
, do escrivão da
receita e despesa da fortificação, as funções do vedor45
, dos empreiteiros e do
engenheiro responsável pela mesma. Como se poderá observar nas análises seguintes,
serve de base à reconstrução de outras fortificações, pela capacidade de informação e
detalhe que nos é transmitido.
Superintendência das obras
41
Ana Teresa de Sousa, Op. Cit., 2015, p. 80. 42
ANTT, Manuscritos da Livraria, Número 1634 (58), fl. 239. 43
“O Arcebispo se chama Metropolitano como Bispo da Cidade Metropoli, ou principal, & cabeça da
Provincia”. Rafael Bluteau, Vocabulario portuguez e latino, Lisboa, Officina de Pascoal da Sylva, 1727-
1728, Vol. 1, p. 473. 44
“O ministro, que recebe, guarda, despende, & distribuie o dinheiro do Principe”. Idem, Vol. 8, p. 156. 45
“Inspector, e director dos negócios, e fazenda, de obras. O que tem inspecção, e faz prover do
necessário”. António de Morais Silva, Diccionario da lingua portugueza composto pelo padre D. Rafael
Bluteau, reformado, e accrescentado por Antonio de Moraes Silva natural do Rio de Janeiro, Lisboa,
Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1789, p. 513.
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14 |Ana Teresa de Sousa, A Guerra da Restauração (1640-1668) e a implantação das
fortificações abaluartadas em Portugal e nos teritórios ultramarinos: a importância dos
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A superintendência das obras estaria a cargo do arcebispo da cidade, (no caso de
Évora, D. Domingos de Gusmão). Estariam às suas ordens todos os oficiais da câmara e
justiça46
.
O arcebispo tinha quatro funções principais: conferir se as obras eram realizadas
no tempo devido, devidamente ajustadas com a planta do engenheiro; realizar despachos
dando aos engenheiros dinheiro na forma dos contratos; elaborar mandados para que o
tesoureiro tomasse conhecimento do que se despendia nas obras; e informar D. Pedro II
que medidas tomar, através da Junta dos Três Estados47
.
Vedoria das obras
Também se indica a necessidade de um vedor para tratar dos negócios da
fortificação. Este deveria ser “pessoa de autoridade, respeito e inteligência”. O seu
provimento era de três anos. Acabado o dito tempo, o arcebispo deveria informar D.
Pedro II sobre o seu procedimento, através da Junta dos Três Estados. Caso ele não
tivesse procedido bem, além de correr o risco de não ser eleito novamente, não teria
salário. Ele poderia continuar no cargo ou poder-se-ia optar pela eleição de outra
pessoa48
.
Pertenciam-lhe funções importantes, tais como: o expediente do negócio da
fortificação e sua despesa; passar ordens para que nas praças públicas da cidade se
apregoassem as obras de empreitada; assinalar o tempo da arrematação e assistir à
mesma; ser vigilante e cuidadoso a inspecionar as obras e ver se estas corriam como
estava expresso nos contratos e plantas. Também competia às suas funções, mandar
comprar os materiais necessários às obras; aprovar os preços fixados pelos mesmos e
dar os despachos para os pagamentos; averiguar se o apontador procedia devidamente,
inspecionando o Livro do Ponto sempre que necessário; confirmar se o tesoureiro e o
escrivão cumpriam as suas obrigações, dando conta ao arcebispo para que havendo que
emendar irregularidades, se mandasse castigar quem não cumprisse49
.
46
Manuscritos da Livraria, Número 1634 (58), fl. 239. 47
Idem, fl. 239-239v. 48
Idem, fl. 239v. 49
Ibidem.
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Moderna
Outros oficiais
Era obrigatória a existência de um tesoureiro, “pessoa rica e abonada”50
. Este
era eleito pelos oficiais da Câmara para servir três anos. No fim desse período, tinha de
dar conta na Contadoria Geral de Guerra, e lembrar o vedor de quais os provimentos
necessários, num tempo devido, para que não houvesse faltas durante as obras.
A Câmara nomeava também um escrivão da receita e despesa dos negócios da
fortificação, “sujeito de autoridade, e capaz”. Mas para os trabalhos extraordinários era
necessário um apontador, nomeado pelo arcebispo. Este deveria ser cuidadoso,
inteligente e bem procedido “por ser este ofício de muita confiança”51
.
Os Livros essenciais às obras
Durante as obras de uma fortificação deveriam existir cinco livros “do tamanho,
que parecerem necessários”52
: um para a receita e despesa do tesoureiro; outro para a
ementa com os empreiteiros e outras pessoas que fizessem obras na fortificação; o que
incluía os contratos do registo de fianças; o do registo dos mandados e ordens; e um
para o ponto dos oficiais que trabalhassem de empreitada.
Estes livros, cada um com o respetivo título, eram numerados e assinados53
pelo
vedor. Infelizmente, não se conhecem exemplares dos mesmos.
Regimento para a Praça de Mazagão
Seguindo estes princípios, e adaptando outros consoante a pertinência das
fortificações em causa, D. Pedro II impulsionou várias Regulamentações e Alvarás
relacionadas com as fortificações e defesa do território português e das terras
50
Idem, fl. 240. 51
Ibidem. 52
Idem, fl. 240v. 53
“Com seos ensemamentos no fim das folhas, que cada hum tiver”. Ibidem.
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ultramarinas. O seu Regimento para a Praça de Mazagão, de 169254
, é extremamente
complexo, abrangendo todas as necessidades da praça, respeitantes ao governo, às
pessoas de guerra, às questões da fazenda e da justiça, ao almoxarifado, às provisões e
mantimentos.
D. Pedro II expressa que é o Governador da Praça quem “manderá fazer as
despesas dos materiaes, e munições, por mandados correntes, com intervenção do
Védor Geral”, bem como “todas as obras necessárias na Praça, para sua conservação,
e defensa, com intervenção do dito Védor Geral”. Caso lhe parecessem inúteis, este “lhe
replicará por escripto, e dará conta pelo Conselho da Fazenda; mas executará sempre
o que o Governador lhe mandar”55
.
Para as ditas obras, permaneceria na Praça continuamente um engenheiro
militar, “com capacidade para o serviço della, e vencerá de soldo o que lhe fôr
concedido por seu Alvará de mantimento”56
.
Extremamente bem ordenado, neste Regimento refere-se a importância da
atuação do capitão de artilharia, juntamente com os seus artilheiros para a eficaz defesa
da praça:
“Haverá na Praça um Capitão de Artilharia, e trinta e cinco
Artilheiros, e cinco Condestaveis, em razão da circunferência
da fortificação estar repartida em cinco Baluartes. (…)
Terão especial cuidado do bom tratamento da Artilharia, e
dos reparos della”57
.
D. Pedro II ressalta ainda a necessidade de o Governador da Praça nomear dois
Mestres Pedreiros, dois Carpinteiros, um Ferreiro, um Serralheiro, um Espingardeiro,
um Caboqueiro e um Calafate. Consideradas pessoas que melhor préstimo tivessem no
exercício dos ditos ofícios58
.
54
José Justino de Andrade e Silva, Collecção Chronologica da Legislação Portugueza – 1683-1700.
Lisboa, Imprensa Nacional, 1859, pp. 277-290. 55
Idem, p. 278. 56
Idem, p. 279. 57
Idem, p. 280. 58
Ibidem.
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17 |Ana Teresa de Sousa, A Guerra da Restauração (1640-1668) e a implantação das
fortificações abaluartadas em Portugal e nos teritórios ultramarinos: a importância dos
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Contudo, em termos de detalhe relacionado com as obras numa fortificação, este
Regimento revela-se muito vago, sendo o Regimento para as fortificações de Évora
mais preciso e exemplar.
A defesa do Território: a questão das fortificações
A partir do referido, pode entender-se como se organizavam as obras em outras
fortificações no período em questão. Estas preocupações advinham desde D. João IV e
D. Afonso VI. Também a rainha regente, Dona Luísa de Gusmão e D. Pedro II
defenderam fervorosamente a defesa, recuperação e legitimidade de todo o seu
território. No Alentejo continuaram as obras de reparação das fortificações que haviam
sido grandemente danificadas com a Guerra da Restauração.
Também a barra de Lisboa, a costa algarvia e as Ilhas mereceram grande
preocupação. Relativamente a Lisboa, destaca-se o Regimento da cobrança e despesa para
o presídio e defesa da Corte por D. Afonso VI, datado de 10 de outubro de 1654, no qual
indica que se efetuaria a medição da fortificação pelo Medidor da Cidade e engenheiro
militar que assistisse na mesma, passando uma certidão relativa à sua qualidade, alturas
e grossuras, apontando o preço do que já havia sido feito59
.
Note-se que, relativamente ao Faial, no Alvará sobre a autorização e
providências acerca de obras de fortificação na Ilha do Fayal, datado de 1687, D.
Pedro II defendia que as obras se deveriam findar com a ajuda dos moradores,
assistindo o seu capitão-mor, devendo ainda os oficiais receber o seu salário60
.
Em 1679, D. Pedro II reconheceu os serviços do arquitecto e engenheiro real,
Mateus do Couto (sobrinho)61
no que respeita às fortificações, ressaltando o seu notável
trabalho:
59
José Justino de Andrade e Silva, Colecção Chronologica da Lesgislação Portuguesa - 1648-1656,
Lisboa, Imprensa de F. X. de Souza, 1856, p. 328. 60
José Justino de Andrade e Silva, Op. Cit., 1859, pp. 474-475. 61
Antónia Fialho Conde, Maria Virgínia Henriques, Nuno Gracinhas Guiomar, «A costa algarvia três
séculos depois – o olhar entre a Geografia e a História», em IV Simpósio Luso-Brasileiro de Cartografia
Histórica (apresentado na Faculdade do Porto entre 9 e 12 de Novembro de 2011), p. 5.
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18 |Ana Teresa de Sousa, A Guerra da Restauração (1640-1668) e a implantação das
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“Nos fortes da costa, praça de Cascaes, Setuval, Santarem,
Abrantes, Pinhel, Brelenga, fortes da barra e fortificação de
Lisboa, praças da província do Alentejo e outras do reino”62
.
A fortaleza de Monção, na província do Minho, também foi alvo de grandes
reparações por ordens deste monarca. O engenheiro da província do Minho e Mestre na
Academia de Fortificação de Valença do Minho, Manuel Pinto de Villa Lobos (1680-
1730) terá sido um dos engenheiros militares que mais contribuiu na mesma. Contudo,
destaque-se que aquando da Guerra da Sucessão de Espanha, esta fortaleza ainda não
tinha as suas obras de reparação concluídas63
.
Como mestre que era na dita Academia, o dito engenheiro militar efectuou
inúmeros estudos das fortificações do Minho, com o intuito de se proceder à sua
recuperação por ordens de D. Pedro II, mas também para ensinar os seus discípulos.
Neste âmbito, em 1713, temos os casos da fortificação de Viana do Castelo, Caminha,
Vila Nova de Cerveira, Castelo de Lindoso, a praça de Valença, a fortaleza de Ínsua, a
fortaleza de Nossa Senhora da Conceição de Castelo de Póvoa64
.
Os seus estudos também se alargaram à província de Trás-os-Montes, incindindo
na praça de Chaves65
.
Destacam-se ainda os serviços prestados por António Rodrigues Ribeiro,
soldado ajudante e capitão engenheiro, entre 21 de abril e 11 de novembro de 1699.
Segundo uma informação de D. Pedro II, de 25 de fevereiro de 1700, indica-se o
seguinte dos seus préstimos:
“O (ano) de 687 entrar em hum partido da Aula e no de 688
acompanhar a Luis Pimentel a provincia do Alentejo na qual
asestio aos desenhos que foram necessários, e de 689 passar
a Ilha da Madeira em companhia do Ajudante Enginheiro
62
Sousa Viterbo, Op. Cit., Vol. I, p. 258. 63
Ayres de Carvalho, Catálogo da Colecção de Desenhos, Lisboa, Biblioteca Nacional de Lisboa,
Presidência do Conselho de Ministros – Secretaria de Estado da Cultura, Direcção-Geral do Património
Cultural, 1977, pp. 120-121. 64
Idem, pp. 121-124. 65
Ibidem.
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Manoel Gomes Ferreira, com o qual asestio aos desenhos
que se fizeram nas Villas daquela Ilha. E de 690 (…) passar
de Soccorro a Mazagão onde asestio com Luis Pimentel aos
dessenhos daquela praça the agosto de 691 (…), e de 692
passar com o posto de Ajudante Enginheiro a provinçia do
Alentejo (…), deo licença as fortificações della dando
também alguns avizos convenientes para se evitarem alguns
descaminhos pertencentes as mesmas fortificações, e
passando com o mesmo posto de Ajudante a provinçia de
Trás os Montes ser nella provido no posto de Capitão,
asestindo com grande zello e cuidado a todas as fortificações
da mesma Provinçia fazendo vários desenhos, e dando conta
de se restringir o desenho da obra do ornavique de Sancta
Madalena da praça de Chaves que o Mestre de Campo
Miguel de Lescol tinha desenhado fora do tiro de
mosquete”66
.
Segundo Eugénio de Ávila Lins, a atuação deste capitão engenheiro está
registada em diversos documentos de denúncia enviados ao Conselho Ultramarino. Uma
delas remete para o preço e qualidade das obras realizadas por empreiteiros, sem a
presença deste capitão engenheiro. “Os documentos deixam transparecer que o
Governador Geral não permitiu que o referido engenheiro assistisse às obras”67
. Já a
segunda denúncia remete para o seguinte:
“As arbitrariedades cometidas pelos vereadores da Câmara,
conjuntamente com o medidor da cidade: davam aos
moradores de sesmaria os lugares deputados para os
terraplenos da muralha, e para os fossos e obras exteriores
66
ANTT, HOC, L.A, Mç. 52, n. 82. 67
Eugénio de Ávila Lins, «Engenheiro António Rodrigues Ribeiro e sua prática profissional da Bahia
setecentista», em VII Colóquio Luso-Brasileiro de História da Arte (apresentado na Universidade do
Porto, 2007), p. 156.
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20 |Ana Teresa de Sousa, A Guerra da Restauração (1640-1668) e a implantação das
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para os levarem e edificarem cazas com prejuízos da
fortificação e defença dessa Cidade”68
.
Deve destacar-se que em todas estas localidades, era a população que contribuía
monetariamente para os seus reparos, pelo que, se não houvesse verba, as mesmas não
avançariam. Relativamente a Évora, destaca-se uma memória de José Romão da Cruz,
intitulada Descrição de Portugal que tem por principal assunto falar de suas praças, na
qual se indica que “he tão grande o seu recinto, que seria necessario fazer-se despeza
grande para regulamente se fortificar”69
. Em 20 de junho de 1696, no Treslado da
ordem da Junta dos Três Estados sobre a defesa da cidade de Évora, D. Pedro II deu a
saber aos oficiais da Câmara de Évora que:
“Por ser conveniente a meu serviço e à defença desta cidade
que as contribuições que se impuseram para a fortificação
dela se administrem como convem e cobrem efectivamente
para que cresça a obra de que tenho a presente mandado
tratar com todo o cuidado: fui servido por provisão da data
desta ordenasão o provedor desta comarca que daqui em
diante tenha cuidado de arrendar a renda do sal dessa
cidade apresada a dita fortificação com sua prezenca com
todas as solenidades necessarias na forma de minhas ordens
e que o arrendamento do real voluntario imposto oferese fora
separado do real de agoa da coroa”70
.
Como já foi anteriormente referido, D. Pedro II também teve grande interesse na
defesa dos territórios ultramarinos. No Brasil, o engenheiro militar, Gregório Gomes
Henriques de Matos, foi nomeado em 1694, para reparar as fortificações do Rio de
Janeiro e para ensinar sobre fortificação. Contudo, o seu trabalho não foi muito do
agrado do governador do Brasil, pelo que em 1698, foi substituído pelo engenheiro
68
Idem, p. 157. AHU-CU, Cód. 246: 225. 69
BPE, Fundo Manizola, Cod. 509/1, fl. 15. 70
ADE, Câmara de Évora – Livros de Registos, Lº 140, fl. 190v-191.
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21 |Ana Teresa de Sousa, A Guerra da Restauração (1640-1668) e a implantação das
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militar José Velho de Azevedo, que há seis anos servia como sargento-mor e mestre de
Artilharia, no Maranhão71
.
As Aulas de Fortificação: Incentivo à Formação, Construção e Reparação
As Aulas de Fortificação ou Arquitetura Militar tratavam-se essencialmente de
lições teórico-práticas, ministradas pelo cosmógrafo ou engenheiro-mor do Reino, no
caso de Lisboa. Nos casos ultramarinos, estas eram ministradas pelo engenheiro-diretor
ou engenheiro-diretor de uma determinada província ou praça72
.
O ensino apoiava-se sobretudo na experiência dos mestres. Em Portugal, o
cosmógrafo-mor do Reino, Pedro Nunes (1502-1578), ensinou na Aula de Matemática,
em 154773
, e o arquitecto Miguel de Arruda (1500-1563) ensinou na Aula de
Arquitetura Militar, em 1550, sendo Mestre de Obras e das Fortificações do Reino e da
Índia.
Na Aula do Paço, em Lisboa, ensinava-se Geometria, Cosmografia e Arquitetura
Militar. Em 1559, esta Aula passou a designar-se como Escola Particular dos Moços
Fidalgos da Ribeira, ensinando-se Arquitetura Militar através do mestre-mor das
fortificações, António Rodrigues (1525?-1590). Este terá sido autor de um Tratado de
Arquitetura, essencialmente teórico, com objectivos didáticos, pelo que terá sido
elaborado para dar apoio aos seus discípulos. Contém importantes representações
geométricas e desenhos de plantas de fortificações74
(Fig. 1).
71
Nireu Cavalcanti, Rio de Janeiro Setecentista: a vida e a construção da cidade da invasão francesa até
a chegada da corte, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2004, p. 294. 72
Beatriz Piccolotto Siqueira Bueno, «Entre teoría e prática: a cartografia dos engenheiros militares em
Portugal e no Brasil, séculos XVI-XVII», em Cartografias Ibero-americanas: Terra Brasilis (2007), p.
16. 73
João Filipe Queiró, «A Matemática (1537-1771)», em História da Universidade em Portugal – Sec. 5,
Cap. V – «O Saber: dos aspectos aos resultados», ed. A. Ferrer Correia, L. A. Oliveira Ramos, Joel
Serrão, A. Oliveira, 1537-1571, Coimbra, Universidade de Coimbra – Fundação Gulbenkian, 1993, p. 8. 74
António Rodrigues (1575-1576) - http://purl.pt/27112/5/index.html (consultado em 23 de março 2016).
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22 |Ana Teresa de Sousa, A Guerra da Restauração (1640-1668) e a implantação das
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Fig. 1 – Terrapleno de um baluarte desenhado por António Rodrigues no Tratado de Arquitetura, 1575-
1576
Indique-se que no período da União Ibérica, esta Aula foi transferida para
Madrid, com o nome Academia das Matemáticas e Arquitetura. Posteriormente voltou a
deslocar-se para Lisboa, sendo que o arquitecto italiano Filipe Terzi terá reaberto a Aula
do Paço da Ribeira.
Com a inicial transferência da Aula para Madrid, em 1590, os jesuítas criaram a
Aula da Esfera, no Colégio de Santo Antão, em Lisboa. Desta Aula saíram formados
Francisco Frias de Mesquita e Luís Serrão Pimentel. O primeiro, em 1603, foi escolhido
como Arquiteto-mor para o Brasil. O segundo, em 1641, criou a Aula de Artilharia e
Esquadria, que em 1647 ficou conhecida por Aula Régia, na Ribeira das Naus, onde se
ensinava sobre Fortificação e Arquitetura Militar. Esta Aula destinava-se a formar
engenheiros portugueses.
Posteriormente, esta Aula passou a designar-se por Academia Militar. Em
Janeiro de 1689, D. Pedro II procurou consolidá-la através da instituição do Regimento
dos Mestres Arquitectos dos Paços Reais, documento que passou a orientar o ensino da
Arquitetura. Segundo o mesmo:
“Os Arquitectos Mestres serão obrigados a ter muito
cuidado de ensinar Arquitectura civil aos Aprendizes, que lhe
forem commettidos para aprender, e farão que elles saibão, e
vão todos os dias tomar lição; e quando faltem a isso os que
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23 |Ana Teresa de Sousa, A Guerra da Restauração (1640-1668) e a implantação das
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tem praça de aprender, darão conta ao Provedor, para que
lhes não passe certidão para haverem de cobrar os seus
ordenados; e também o informarão da sufficiencia de cada
hum, para que o Provedor possa saber o seu prestimo; e
assim os levarão a todos ás medições, e avaliações, e mais
funções, a que forem os ditos Mestres, para que aprendão a
forma dellas, e melhor saibão a pratica”75
. Além disso, “os
Arquitectos serão obrigados a ensinar aos que tem praça de
aprender Arquitectura, que serão quatro, como até agora; e
levará cada hum destes Aprendizes, à custa da minha
Fazenda, vinte mil reis cada anno, com obrigação de
assistirem á lição da Arquitectura, que os ditos Arquitectos
serão obrigados a lhes ler na fórma que o Provedor lhes
nomear; ao qual darão conta de como assistem os
Aprendizes, e da sufficiencia deles”76
.
D. Pedro II criou ainda o I Corpo de Engenheiros Militares, que consistia num
corpo permanente de engenheiros ao serviço do Estado.
Retomando ao caso do Brasil, foi através trabalho do engenheiro militar
Gregório Gomes Henriques de Matos77
, que em 1694 se iniciou o ensino sobre
fortificação e arquitetura militar no Rio de Janeiro. Sensivelmente desde o mesmo
período, já o engenheiro militar José Velho de Azevedo, ensinava sobre Artilharia no
Maranhão e no Pará.
Depois de 1699, terá começado a funcionar a Escola de Artilharia e Arquitetura
Militar na Baía, com o intuito de diminuir a escassez de profissionais aptos para a
manutenção das fortificações e outras construções civis. O conteúdo programático iria
de encontro ao que se leccionava em Lisboa, sendo que incidia no estudo dos tratados
75
José Roberto Monteiro de Campos Coelho e Sousa, Systema, ou Collecção de Regimentos Reaes,
Lisboa, Oficina de Francisco Borges de Sousa, 1783, p. 276. 76
Idem, fl. 277. 77
De nacionalidade portuguesa, terá sido enviado ao Rio de Janeiro com o intuito de reparar as suas
fortificações.
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24 |Ana Teresa de Sousa, A Guerra da Restauração (1640-1668) e a implantação das
fortificações abaluartadas em Portugal e nos teritórios ultramarinos: a importância dos
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Moderna
de arquitetura militar, alargando-se ao campo da matemática, aritmética, geometria,
fortificação, ataque e defesa das praças, desenho, artilharia, longimetria, altimetria, e ao
estudo dos materiais construtivos.
O já mencionado António Rodrigues Ribeiro, foi primeiro lente na Aula de
Fortificação na Baía, na qual se preocupava com a formação dos seus discípulos: “me
pareçeo dizer vos que como muitos dos livros que são necessários para os disípullos
dessa aulla se não acham nesta Corte, se manda vir do Norte, e nesta ocasião se
remetem os que comtão da Rellação que leva o Mestre, e se aviza ao Governador vollos
manda entregar. Porem tem de entendido que estes livros sempre se hão de conservar na
aulla de maneyra que sirvão de huns disipullos para os outros”78
.
Já em 1701, foi instituída uma Aula de Fortificação no Recife. E em 1705, o
monarca nomeara dois novos mestres para a Aula do Rio de Janeiro, os sargentos
António João e José Ribeiro. Decretando ainda que os capitães engenheiros-mores
deveriam ensinar quem quisesse seguir a profissão de engenheiro militar. Esta questão,
aliada ao crescente aumento do número de engenheiros militares nestas áreas
geográficas revela nitidamente a necessidade de povoamento e defesa destes territórios,
associada à sua defesa e à do próprio Reino79
.
A preocupação face à defesa e ensino da engenharia e arquitetura militares
também enquadrava Angola. Neste contexto, temos o registo de uma carta de D. Pedro
II, sobre as Providências para se ensinar Fortificação em Angola, datada de 15 de Janeiro
de 1699, onde indicava que:
“Por ser conveniente ao meu serviço, hei por bem que nesse
Reino, em que não há Engenheiro, haja Aula, em que elle
possa ensinar a Fortificação, havendo nella tres discípulos
de partido, os quaes serão pessoas que tenham a capacidade
necessaria para poderem aprender – e para se aceitarem
78
Correspondência encaminhada ao Conselho Ultramarino: 18 de agosto de 1706. AHU-CU, Cód. 246:
255. 79
Gina Veiga Pinheiro Marocci, «As Aulas de Engenharia Militar. A Construção da Profissão Docente no
Brasil», em IV Congresso Brasileiro da Educação (apresentado na Universidade Católica de Góias,
2006).
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25 |Ana Teresa de Sousa, A Guerra da Restauração (1640-1668) e a implantação das
fortificações abaluartadas em Portugal e nos teritórios ultramarinos: a importância dos
Regimentos e Aulas de Fortificação
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Moderna
terão ao menos dezoito anos de idade, os quaes, sendo
soldados, se lhes dará, além do soldo, meio tostão por dia, e
não o sendo, vencerão só o dito meio tostão; e todos os annos
serão examinados, para se ver se se adiantam nos estudos, e
se tem genio para eles; porque, quando não aproveitem pela
incapacidade, serão logo excluídos, e quando seja pela
pouca applicação, se lhes assiganará tempo, para se ver o
que se melhoram; e não aproveitando nelle, serão também
despedidos – e quando haja pessoas que voluntariamente
queiram aprender, sem partido, serão admitidas, e
ensinadas, para que assim possa nessa mesma Conquista
haver Engenheiros, e se evitem as despesas, que se fazem
com os que vão deste Reino, e as faltas que fazem ao meu
serviço, em quanto chegam os que se mandam depois dos
outros serem mortos”80
.
Quando iam projectar uma fortificação, os engenheiros militares deveriam
sempre levar consigo dois ou três ajudantes, por norma seus discípulos nas Aulas, que
soubessem medir o terreno, sendo auxiliados por uma prancheta circular, pedómetro,
cordas, uma tábua delgada, na qual poderiam efectuar rascunhos, lápis, estojos de
Matemática e réguas de pinhos para efectuar as medições81
.
Considerações Finais
Através das análises e transcrições apresentadas, é notória a influência do
contexto da Guerra da Restauração nas estratégicas militares e construtivas da época. A
necessidade de defesa constante levou a que surgissem, a partir do Conselho de Guerra
de D. João IV, inúmeros Decretos e Consultas referentes à interveniência de
80
José Justino de Andrade e Silva, Op. Cit., 1859, p. 424. 81
Beatriz Piccolotto Siqueira Bueno, Op. Cit., p. 13.
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engenheiros militares em todo o Reino, sobretudo no que respeita ao Alentejo, a
província mais vulnerável e cobiçada pelos castelhanos.
Desta forma, desde D. João IV até D. Pedro II, foi frequente a troca de cartas
entre os Governadores da província do Alentejo e os referidos monarcas, dando conta de
todos os acontecimentos nos lugares de fronteira, destacando-se a divisão das
guarnições ordenadas pelo monarca, e o avanço ou bloqueio das obras de fortificação.
Como se pôde observar, eram frequentes os pedidos de apoio monetário aos monarcas.
Entretanto, o Regimento para a Fortificação de Évora, de 1682, impulsionou a
continuação das obras de defesa da cidade, mas também todas as outras do Reino, cujas
preocupações comuns era restaurar o que havia sido destruído durante a época da
Guerra da Restauração (1640-1668), e sobretudo, a resposta eficaz face a uma possível
nova ameaça da estabilidade. Esta preocupação levou sobretudo D. Pedro II a interferir
inclusivamente no Brasil e Angola, por forma a defender os seus territórios,
constantemente ameaçados.
Desta forma, D. Pedro II compreendeu a necessidade da formação relacionada
com a arquitectura militar, tanto em Portugal como no Brasil e em Angola, para que
mestres e discípulos trabalhassem em conjunto de uma forma mais eficaz e experiente.
Devo ainda destacar que, esta preocupação pela formação relacionada com a
construção e arquitetura militar ultrapassou o reinado de D. Pedro II. Já no reinado de
D. João V, em 1732, decretou-se que além das Academias Militares já estabelecidas na
Corte e na Praça de Viana do Minho, se estabelecessem mais duas na Praça de Elvas e
na Praça de Almeida, onde se ensinaria sobre Fortificação, Topografia e Estratégia
Tática82
.
Bibliografia
82
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Compilação das Ordenações do Reino, Publicadas em 1603, Coimbra, Real Imprensa da Universidade,
1819, pp. 327-329.
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BPE, Fundo Manizola, Cod. 509-1, f. 7-8.
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