a grande depressão da década de 30

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    A ECONOMIA POLÍTICA DA GRANDE DEPRESSÃO DA DÉCADA DE 1930NOS EUA:VISÕES DA CRISE E POLÍTICA ECONÔMICA, SEMELHANÇAS E

    DIFERENÇAS COM A CRISE ATUAL

    Luiz Carlos Delorme Prado (*) [email protected]

    1- IntroduçãoUma frase conhecida, escrita por J.M.Keynes, observava que as idéias dos

    economistas e dos filósofos políticos, certas ou erradas, são mais poderosas do quenormalmente se considera1. Uma outra forma de apresentar a mesma proposição, deforma mais amena, é afirmar que as idéias dos economistas têm o potencial de gerarpoder político. Isto é, idéias na forma de teorias econômicas (e de políticas propostas apartir delas) são justificativas para que burocratas, políticos e outros membros do

    aparato do Estado tomem decisões e realizem escolhas entre estratégias econômicas epolíticas que considerem viáveis ou convenientes.

    Mas simplesmente afirmar que as idéias são importantes é muito pouco: elas não sãovariáveis puramente exógenas2. As razões porque determinadas idéias são escolhidas eoutras abandonadas devem ser buscadas não apenas na história das idéias, mas tambémna dinâmica dos interesses econômicos ou políticos, ou seja, na história de uma dadasociedade.3 Mas as idéias econômicas são formuladas e difundidas a partir de caminhospeculiares a esse campo de conhecimento4. A economia, sendo uma ciência social, tem

    como uma das principais formas de testar empiricamente suas proposições a análise defenômenos históricos. Estes são, portanto, um objeto de estudo para a disciplina dehistória econômica, mas são, também, um laboratório para testar o poder de explicaçãode um modelo teórico.

    Nesse sentido, a Grande Depressão da década de 1930 tem sido um campo fértil5.Esse fenômeno foi estudado por todas as correntes econômicas. Suas interpretaçõesforam armas em alguns dos mais ferrenhos embates acadêmicos do século XX. Em

    (*) – Professor do Instituto de Economia da UFRJ.1 - Keynes, 1936, p.383.2 - Ver para uma discussão do tema, Hall, 1989, cap.14.3 - “ Idéias legitimam o poder, são sua essência, pois dão-lhe o caráter de justiça ou de inevitabilidadeque permitem que seja exercido em atos rotineiros, com a assepsia da normalidade .” Prado, 2006, p.2544 - Ver sobre a difusão das idéias econômicas o livro editado por Colander & Coats, 1993.5 - Usei a expressão a Grande Depressão da Década de 1930, porque há historicamente outras depressões,como a Grande Depressão do Século XIX, iniciada em 1873. No entanto, daqui para frente quando usar aexpressão Grande Depressão, com letras maiúsculas, estarei sempre tratando do fenômeno do século XX.

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    especial, esse foi um dos cenários em que as duas principais correntes do pensamentoeconômico ocidental se enfrentaram.

    Por um lado, os defensores da idéia de mercado auto-regulado, em especial osmonetaristas, viam a crise necessariamente como resultado de erros de política

    econômica. Afinal, para eles, sem a ação humana, as forças de mercado poderiamconviver com ciclos econômicos, onde recessões seriam naturalmente revertidas pormecanismos automáticos, mas não produziriam depressões persistentes com a da décadade 1930.

    Por outro lado, aqueles que consideravam que a dinâmica da economia de mercadonão é incompatível com diversos tipos de equilíbrio, inclusive muito distantes dassituações de pleno emprego, como os keynesianos, entendiam que a crise poderia tercausas não monetárias, como flutuações autônomas no consumo, com efeitos sobre ademanda agregada nos EUA. Mas, esses economistas explicavam a extensão e duraçãoda crise pela incompreensão de sua natureza pelos economistas ortodoxos e, portanto, os

    policy makers, orientados por essas idéias equivocadas, eram incapazes de usar políticaseconômicas corretas para combatê-las.

    Este trabalho pretende revisitar esta crise recuperando as interpretações sobre suanatureza realizadas à época dos eventos e aquelas formuladas pelas diversas correnteseconômicas nos anos do pós-guerra. Mas o trabalho tem também o objetivo de mostrar

    as transformações no papel do Estado e na política econômica como resultado dasinterpretações sobre a Grande Depressão. Finalmente, este trabalho pretende apontaralgumas semelhanças e diferenças entre a crise atual e aquela de 1930.

    Este é um trabalho de história das idéias econômicas. Mas, as interpretaçõeseconômicas e políticas, assim como os aspectos de teoria das relações internacionaisnão serão tratados como áreas de conhecimento separadas, mas como elementosfundamentais para compreensão dos debates sobre as causas da crise e sobre as políticaspúblicas necessárias para enfrentá-las.

    2- Bolhas,Crashes , Pânicos e Crises Econômicas

    Nas referências sobre crise econômica no período entre-guerras não é incomumcerto grau de confusão entre eventos de duração relativamente limitada, tal como a

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    bolha ou mania na bolsa de valores de Nova York e seu estouro (oucrash ) em outubrode 1929 e a Grande Depressão. Esta, diferente daquele evento, que foi limitado notempo e espaço, é um fenômeno extenso no espaço e prolongado no tempo. Chamamosde Grande Depressão, não ocrash de 1929, mas a deflação do preço das mercadorias e

    ativos, causada pela dramática redução do nível de atividade econômica, que afetou aeconomia norte-americana, mas também, embora de maneira desigual, a economia damaioria dos países do mundo, durando cerca de uma década, ou seja, até o advento daSegunda Guerra Mundial.6

    No estudo de crises econômicas é fundamental a identificação adequada deprocessos com efeitos parecidos, mas produzidos por mecanismos muito distintos, paraevitar erros conceituais relativamente simples.7 Para isso serão definidos os seguintesconceitos: (i) Estouro de bolha oucrash ; (ii) Pânico ; (iii) Flutuações ou cicloseconômicos; (iv) crises financeiras; (v) crises econômicas; (vi) recessão e (vi)depressão.

    O estouro de umabolha (um crash ) é o colapso dos preços de ativos, tais comoações ou títulos negociados em bolsas de valores ou a quebra de um grande banco ou deum grupo de empresas em um setor da economia.8 Pânicos são corridas sem causaaparente que envolve fuga de ativos considerados mais arriscados para ativos maisseguros e/ou a retirada de depósitos bancários, e outros mecanismos de busca de

    refúgios seguros para a aplicação de ativos e uma súbita elevação da preferência pelaliquidez.9 Umacrise financeira pode ser produzida por qualquer um desses fenômenos

    6 - A grande exceção foi a economia da União Soviética que, desvinculada da economia mundial, nãopassou pelas dramáticas quedas de nível de atividade, ao contrário, viu-se em um período de fortecrescimento econômico como resultado dos planos qüinqüenais. Alguns países periféricos, como o Brasil,foram capazes de sair da crise relativamente rápido, mesmo sendo afetados nas suas receitas deexportação. Na Europa os efeitos da crise foram distintos, sendo que alguns, como a França, queinsistiram em manter o padrão ouro, a depressão durou por mais tempo e outros, como a Alemanha,foram capazes de entrar em uma trajetória de recuperação já a partir de 1934. Para uma visão ampla sobrea Grande Depressão na Europa ver Clavin, 2000. A interpretação clássica sobre os efeitos no Brasil daGrande Depressão é de Furtado, 1959. Para um estudo sobre a economia brasileira na década de 1930 verLeopoldi, 2003. Ver também o livro editado pela professora Thorp, 1984, com vários estudos sobre osefeitos da Grande Depressão nos países latino-americanos.7 - Na definição desses conceitos a obra de referência é o livro de C.P.Kindleberber, 1989. Esta obra quevai aprofundar sua teoria sobre crises financeiras, propostas em trabalho anterior (ver Kindleberger1987), entra em grande detalhe na identificação de cada um desses mecanismos.8 - Entre exemplos desses fenômenos temos a crise do Encilhamento no Brasil, ocrash da NYSE deoutubro de 1929. Um exemplo recente é ocrash do NYSE em 19 de outubro de 1987, quando o índiceDow Jones da Bolsa de Valores de Nova York caiu 508 pontos ou seja 23%.9 - Este é um fenômeno comum em situações de boatos de quebra de bancos, ou no temor da mudança deuma política econômica, como no caso da corrida pela liquidação dos depósitos em dólar nos bancos

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    ou pelos dois que podem surgir em qualquer ordem, ela caracteriza-se pela elevaçãosúbita da percepção de risco pelos bancos e outras instituições financeiras, com efeitossobre a oferta de crédito, solvência dos bancos e liquidez da economia.10

    Crises financeiras normalmente são acompanhadas por redução do nível de

    atividade econômica e, em muitos casos, porcrises econômicas, comorecessões. Estaé uma crise econômica de duração relativamente curta, que pode ser localizada emcertos setores da economia, que pode ou não ser acompanhada por queda do preço dosativos e mercadorias.Depressões econômicas são fenômenos mais raros, implicam emsimultânea e duradoura redução de preços de ativos e mercadorias, normalmenteprovocada por forte queda do nível de atividade econômica, que são acompanhadas porfalências e fechamento de negócios em vários setores da economia, forte aumento dataxa de desemprego, redução de atividades de comércio exterior e instabilidade social epolítica.Crises econômicas são fenômenos de redução da demanda e súbito aumentoda percepção de risco, afetando empresas do setor real da economia, com efeitos sobre asolvência das atividades econômicas e queda na taxa de lucro e nos níveis deinvestimentos, podendo se manifestar como recessões ou depressões.

    Flutuações econômicas, ou ciclos econômicos, são alterações na dinâmica dasatividades econômicas, que se manifestam por aceleração ou redução da taxa decrescimento econômico, investimento, nível de emprego, taxa de lucro ou nível dos

    preços. Mas essas oscilações do ciclo econômico não levam necessariamente adepressões, nem mesmo a recessões, mas são caracterizadas por diferentes ritmos daatividade econômica, associadas a diferentes fatores, tais como, acumulação de estoque,nível da capacidade instalada, características técnicas de investimentos e/ou mudançastecnológicas.11

    Para se estudar crises econômicas é necessário deixar claro a unidade de análise. Oestouro de uma bolha é um evento, parte de uma conjuntura econômica. Por sua vez, énecessário distinguir uma mudança conjuntural, associada a flutuações nos ciclos

    argentinos nas vésperas do fim da conversibilidade. Para uma interessante descrição de um pânicobancário em um período recente ver Souza, 2007, PP.260-264.10 - Ver Kindleberger, 1989 p.126.11 - Para uma teoria dos ciclos econômicos ver Schumpeter, 1934 ver, também, the Lowell Lecture,(Schumpeter1941), aula IV uma interessante apresentação do autor para um público não especializado. Aprincipal obra de Schumpeter sobre Ciclos Econômicos (Schumpeter 1939) é excessivamente extensa,tem mais de 1000 páginas, e nem sempre é muito clara. Um trabalho interessante é o livro clássico sobreciclos econômicos de Wesley, 1927. Para uma história do debate sobre ciclos econômicos na década de1930, ver Boianovsky & Trautwein, 2006.

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    econômicos de curto ou médio prazo, de mudanças de tendências, que sãotransformações estruturais12. Crise é definida por Braudel como “uma ruptura, umadescontinuidade, um instante. ..”.13 Usa-se o termo crise para tratar simultaneamente defenômenos que impactam a conjuntura e que provocam mudanças estruturais. Estas

    últimas implicam em mudanças nas tendências de longo prazo e, portanto, levam aalterações que transcendem a esfera econômica, envolvendo aspectos políticos,culturais, jurídicos etc.

    Por sua vez, depressões econômicas são fenômenos conjunturais que podem (ounão) levar a mudanças estruturais. Por exemplo, a Grande Depressão do século XIX,que iniciou-se em 1873, não levou mudança estrutural na economia mundial, como aprovocada pela Grande Depressão da década de 1930. No primeiro caso, manteve-se osistema monetário internacional e, nas relações políticas e econômicas internacionais, aGrã-Bretanha continuou com seu papel hegemônico, apesar do desafio do surgimento daAlemanha unificada, como a maior potencia continental. No entanto, no segundo caso,tanto o Sistema Monetário, como a potencia hegemônica e outros elementoseconômicos e políticos fundamentais (como o papel do Estado), alteraram-se devidos osacontecimentos ocorridos entre a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial.

    Este trabalho estudará as interpretações da crise econômica que afetou aeconomia norte-americana e mundial na década de 1930 e que levou a mudanças de

    longo prazo na ordem econômica internacional. Ou seja, a Grande Depressão foi umacrise que transcendeu a conjuntura, levando a mudanças estruturais. Estasinterpretações foram, também, justificativas para as decisões econômicas e políticas quelevaram as essas mudanças. Portanto, discutir as visões das diversas correnteseconômicas sobre a Grande Depressão, implica, também, em mostrar como essas

    12 - Qualquer definição de tempo histórico passa necessariamente pela contribuição de Braudel. Na obra“O Mediterrâneo”, Braudel distingue três unidades temporais de análise: Along durée , com mudançaslentas, imperceptíveis durante a vida do homem; aconjuntura, com mudanças que se processam em anosou em poucas décadas; e osacontecimentos, que tratam dos fatos cotidianos, relatados na forma narrativados historiadores tradicionais. Para ele “acontecimentos são poeira: atravessam a história com brevesclarões; mal nascem regressam logo à escuridão e muitas vezes ao esquecimento .” Braudel, 1966,vol.II,p.273. Ou seja, na sua unicidade acontecimentos não ensejam nenhuma explicação. Mas, osacontecimentos são engendrados pelas estruturas e conjunturas, podem ser rupturas do equilíbrio ourestabelecimento desses. Nesse sentido, os acontecimentos podem ser estudados para entender asmudanças nas dimensões mais permanentes das conjunturas e das estruturas. Ver Le Goff,1998, p.113.Observe-se que, nesse artigo, não faço uma aplicação literal dos tempos históricos braudelianos, faço, noentanto, distinção entre estrutura (com mudanças mais lentas, com instituições e mecanismos próprios defuncionamento), conjuntura (mudanças dentro de uma estrutura) e eventos, acontecimentos que ocorremnas estruturas econômicas.13 - Ver Braudel, 2002, p.130.

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    abordagens influenciaram ou foram influenciadas pelas novas idéias econômicas, naforma de teorias ou políticas econômicas.

    3- Do Boom à Crise

    A economia mundial na década de 1920 foi caracterizada por grande instabilidadefinanceira e pelas frustradas tentativas de se reintroduzir o Padrão Ouro. Esse sistemamonetário foi abandonado durante os primeiros meses de Guerra pelas naçõesbeligerantes. Isto decorreu da necessidade desses países de empreender políticasmonetárias expansionistas para fazer face aos compromissos de guerra, levandoinclusive a pressões inflacionárias desconhecidas na Europa desde as GuerrasNapoleônicas.14

    Terminada a Guerra o processo de reconstrução das economias européias foi

    demorado e marcado por crises inflacionárias e reformas monetárias. Cinco paísespassaram por violentas hiperinflações na década de 1920 para afinal estabilizar suaseconomias sob uma nova moeda15. Outros países, tais como a França, Bélgica eInglaterra passaram por surtos inflacionários menores, mas nem por isso desprezíveis.

    Quase a totalidade dos países envolvidos no conflito foram obrigados a reduzir oconteúdo de ouro em suas moedas com referência ao período anterior ao conflito. Asexceções foram os EUA, que retornou ao Padrão Ouro em junho de 1919 e a Inglaterra,que retornou à ao Padrão Ouro em abril de 1925. No, entanto, enquanto no primeirocaso, os EUA assumiram no pós-guerra a posição de maior credor mundial e entraramem um período de prosperidade sem precedentes, a Inglaterra enfrentou grandesdificuldades financeiras, com uma decisão de manter uma taxa de câmbiosobrevalorizada, por razões mais políticas do que econômicas.16

    A década de vinte caracterizou-se por rápido aumento da produtividade das plantasindustriais norte-americanas. Este foi um resultado da aplicação do conhecimentocientífico acumulado nas décadas anteriores e do desenvolvimento de novas

    14 - Para uma descrição dos problemas monetários desse período ver, Drumond, 1987, PP.29-30; VerAlcroff , 1987 para um detalhado estudo de História Econômica do período 1919-29.15 - Esses países foram Alemanha, Austria, Hungria, Polônia e Rússia. Os preços desses paísesaumentaram, segundo dados de Alcronft, (1978, p.138), sobre o preço base do ano anterior a Guerra ospreços foram multiplicados por 1 trilhão, 14.000, 23.000, 2,5 milhões e 4 bilhões.16 - Ver Drumond, 1987, p.30. A Grã-Bretanha retornou ao padrão ouro com a paridade da Libra doperíodo pré-guerra em Abril de 1925, com conseqüências funestas para sua economia. Tal fato foicriticado em famoso panfleto de Keynes (1925). Ver sobre os problemas de estabilização da Libra e doFranco o interessante trabalho de Bordo & Hautcoeur, 2003.

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    tecnologias para as instalações e equipamentos fabris. Essa onda de inovações aumentoua eficiência das fábricas instaladas e dos equipamentos empregados, mas o tamanho dasfábricas e do estoque físico de equipamentos permaneceu o mesmo. As principaiscaracterísticas do período foram a mecanização e padronização, que associada à

    eletrificação industrial, viabilizaram a produção em massa.17

    Nesse período houvesimultaneamente um rápido aumento da produtividade, ampliando a oferta de produtosindustriais com redução dos preços, e um rápido aumento da demanda, em decorrênciado crescimento da renda e dos novos mecanismos de crédito.

    O aumento da demanda por produtos como automóveis, rádios, raion estimulou ademanda por gasolina, tintas, solventes, produtos químicos, produtos metalúrgicos etc.18 O dinamismo da economia na década de 1920 teve como seu grande símbolo aconstrução dos arranhas-céus em Nova York, como o Empire State, por muitas décadaso prédio mais alto do mundo, e o Rockfeller Center, mas também pelo vigor da vidacultural em grandes cidades como Nova York e Chicago, que não foi substancialmenteperturbada por uma Lei Seca que não impedia o fácil acesso à bebidas aos quedesejassem.19

    A principal indústria do período foi a automobilística. Antes da Guerra, em 1913,os EUA produziam 485.000 veículos, mais do que o resto do mundo somado. Em 1925a produção alcançou 3.7 milhões de automóveis, empregando direta e indiretamente 4,3

    milhões de trabalhadores, com faturamento total no país e valor de exportação superiora qualquer outra industria manufatureira. Em 1928, quando a produção alcançou seuapogeu na década, foram produzidos nos EUA cerca de 4, 4 milhões de veículos.20

    Nesse período, os setores mais dinâmicos da economia norte-americana já eramliderados por empresas de grande porte, operando nacionalmente, muitas delas comgestão profissional, sob controle de uma burocracia chefiada por executivoscontratados.21 A regulação ou coordenação de autoridades ou órgãos públicos erasuave. Antes de 1930, havia um grau de liberdade de atuação empresarial, protegida da

    17 - Ver Lorant, 1967, p.243.18 - O artigo de Lorant, 1967 descreve as diversas inovações técnicas nos EUA, em bens intermediários,na década de 1920. Entre elas as técnicas de craqueamento de derivados de petróleo, as novas tecnologiasna fabricação de papel, vidro e outros produtos.19 - Para uma descrição da vida cultural e política dos EUA ver Brogan, 1985, cap.21.20 - Dados de Foreman-Peck, 1982, p.867 e tabela 1, p.868. Em 1929 havia 26,7 milhões de veículosregistrados nos EUA, que, na época, tinha 122 milhões de habitantes. Ver Brogan 1985, p.509 e USA -Census Bureau, Historical Statistics, 2009.21 - Ver Chandler, Jr & Galambos, 1970, p.207.

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    interferência do Estado, sem qualquer paralelo com o ambiente empresarial, muito maisregulado, do mundo posterior a Grande Depressão.22

    A Primeira Guerra Mundial foi benéfica para a economia norte-americana. Elesestavam separados por um oceano do local do conflito, e tornaram-se grandes

    fornecedores de produtos essenciais à subsistência e ao esforço de guerra de seusaliados. Mas a sociedade norte-americana continuou, essencialmente isolacionista: opaís pouco contribuiu para a reconstrução e estabilização européia. Ao final do conflitoos EUA tornaram-se a mais importante e a maior economia do mundo. O país entrou naGuerra como devedor líquido de 3 bilhões de dólares e saiu como credor líquido de 6bilhões de dólares, fora os créditos de guerra com os aliados.

    Esse país retornou ao padrão ouro, logo depois da Guerra, com a mesma paridade deantes do conflito, mas com sua posição financeira fortalecida. Sua participação nasreservas mundiais desse metal aumentou de menos de ¼ em 1913, para cerca de 40%em 1921.23

    Os antigos credores, as ex-potencias exportadoras de capital européias, passaram adepender dos EUA para seu próprio financiamento. Inglaterra e França, grandes fontesde financiamento internacional até a Primeira Guerra Mundial, ficaram dependentes deempréstimos de longo prazo dos EUA, para continuar com operações de empréstimosde curto prazo para outros países. Desde o século XIX, os EUA tinham uma tradição de

    praticar elevadas tarifas alfandegárias. Sua nova posição econômica não alterou suaspolíticas comerciais. A manutenção do protecionismo pelos EUA não contribuía parareduzir os problemas de balança de pagamento de seus parceiros na Europa. E, ainda, aausência de qualquer coordenação, ou mesmo um mínimo de consistência nas políticascambiais européias fazia a situação financeira do continente ainda mais difícil. Ou seja,a combinação da libra sobrevalorizada, do franco desvalorizado e do nacionalismoeconômico e o protecionismo norte-americano fez com que oboom da economiaeuropéia, a partir de 1925, fosse frágil e de curta duração. Nas palavras de Kindleberger:

    “ Depois da recuperação, a partir de 1925, veio o boom. Não era generalizado,ininterrupto ou amplo. E, ainda, mostrava sinais crescentes de tensão: na acumulação

    22 - O ambiente de maior liberdade para a atuação das empresas deve ser entendido de forma comparativa.Ou seja, não se vivia em um mundo de absolutolaissez-faire . Havia interferência do governo em certasáreas e existiam leis de defesa da concorrência, que permitiam algum controle das empresas com grandepoder de mercado. Ver Chandler, Jr. & Galambos, 1970, p.206.23 - Ver Mitchell, 1975, p.6.

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    de estoques de produtos primários; no aumento do preço dos títulos à níveis

    estonteantes; e na exacerbação das dificuldades financeiras e políticas. Mas era um

    boom .” 24

    A crise econômica interrompeu esse novo ciclo de crescimento na Europa. Os

    primeiros efeitos deram-se a partir da recessão norte-americana de 1929, mas com adepressão, em 1930, a Europa sofreu forte desaceleração econômica. Em 1931 ocontinente passou por uma das maiores crises bancárias de sua conturbada históriafinanceira, para, afinal, enterrar definitivamente a ilusão de que o Padrão Ouro poderiasubsistir.

    Se a produção industrial é um indicador confiável para o início da depressão, essasurgiu, na maioria dos países, aproximadamente na mesma época. O pico da produçãono período entre guerras deu-se em 1929 para maioria dos países, cujos dados sãodisponíveis por estatísticas preparadas pela Liga das Nações.25 Entre aqueles em que aprodução alcançou seu pico nesse ano, incluem-se as principais economiasindustrializadas, entre elas os EUA, Canadá, Alemanha, Japão e Reino Unido. Asexceções foram França e Suécia que tiveram o pico da produção em 1930. A queda donível de atividade na indústria foi particularmente severa nos EUA, que sofreu umaredução da produção muito maior que a média mundial e dos países europeus.26

    A produção industrial continuou caindo rapidamente, e a taxas ainda maiores, em

    1931 e 1932. Embora em todo o mundo a crise se aprofundasse, há variaçõesimportantes da redução da produção entre os países. Novamente, para a maioria dospaíses, o nível mínimo de produção foi em 1932. Este foi o caso dos EUA, Alemanha eReino Unido. As principais exceções foram o Japão, que chegou ao piso em 1931 e aFrança, cujo o piso foi em 1935.27

    Tal como a queda, a retomada do crescimento deu-se, para a maioria dos países,aproximadamente na mesma época. No entanto, o tamanho da redução da produção e avelocidade de recuperação econômica diferiu substancialmente entre os países. Por isso,houve significativa diferença entre os anos em que os países voltaram a registrar nívelde atividade no patamar anterior a crise.24 - Kindleberger, 1987, p.42.25 - Minhas fontes são League of Nations, Statistical Yearbook, 1938-39 e, ainda, o bem documentadoartigo de Romer, 1993, pp.20-23. Para dados dos EUA uso também USA – Census Bureau ,HistoricalStatistics, 1975.26 - Ver tabela I, em Anexo.27 - Dados de Romer, 1993 e da League of Nations, Statistical Yearbook, 1938-39.

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    O Japão foi um dos primeiros países a recuperar o nível de produção para opatamar anterior a depressão. Esse país, já em 1933, voltara a alcançar a mesma patamarprodução de 1929. Para Dinamarca, Finlândia e Suécia o ano de total recuperação foi1934; o Reino Unido alcançou esse nível em 1935; a Alemanha em 1936; e em 1937 foi

    a vez de Itália, Canadá e Austria. Pelos dados da Liga das Nações, os EUA, Bélgica,França e Holanda, tiveram que esperar ainda mais para a total recuperação da produçãoindustrial.28

    Esses números mostram que não é possível, baseado exclusivamente nos dados denível de atividade, concluir que a crise econômica originou-se nosEUA. Esses dados sugerem que esse país seguiu um curso muito similar a outraseconomias industrializadas. Mas tais informações também indicam que a queda do nívelde atividade foi maior nesse país. Ou seja, nos EUA a crise foi mais profunda e a datafinal de recuperação foi uma das mais tardias. Por outro lado, há indícios de uma rápidarecuperação da produção industrial em 1933 pelos EUA, mas que não manteve o vigorem 1934, retornando a acelerar em 1935 e 1936, para voltar a enfrentar uma retração em1937.

    Embora, não possa se tirar conclusões definitivas exclusivamente de dados deprodução industrial, fica claro que a crise econômica nos EUA e no resto do mundo estáfortemente correlacionada. Mas, não há dúvida que os primeiros indícios de uma crise

    surgiram nos EUA, não apenas pela desaceleração da atividade produtiva, mas também,pelo estouro da bolha no mercado de ações.

    O debate sobre a origem da Grande Depressão foi muitas vezes influenciado peloevento mais visível, que foi ocrash na bolsa em 1929. Mas, a rápida deflação do preçodas ações, isoladamente, não explica a profundidade, nem a extensão da crise. Portanto,essa primeira discussão terá necessariamente que mostrar a ligação entre este primeiroevento, o estouro da bolha, com o sucessivo comportamento de pânico, e a rápidaredução do nível de atividade econômica, a crise bancária de 1931 e finalmente a

    extensão geográfica e a duração da depressão.

    28 - Os dados da Liga das Nações não são mantidos na mesma base depois de 1937, não permitindocomparação adequada. Usando os dados do Federal Reserve Board, os EUA retornaram ao nível deprodução industrial de 1929 em 1937, mas a produção reduziu-se com a crise econômica desse ano, sendoque a produção de 1938 caiu para o nível de 1935. Por outro lado, outras fontes mostram que o PIB dosEUA voltam ao nível de 1929 em 1937, mas a renda per capita daquele ano só será novamente alcançadadurante a Segunda Guerra Mundial. Ver dados de USA-Census Bureau, Historical Statistics, 1975.

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    4- DoCrash a Depressão: A visão dos Contemporâneos

    Um erro comum em história econômica é imaginar que os contemporâneospudessem tomar decisões baseados em uma perspectiva dos acontecimentos que só asgerações futuras poderiam ter. No ano de 1929, apesar da atividade econômica teriniciado sua desaceleração em junho, não havia qualquer indicação que uma grandecrise econômica estava para ser gestada.29 Ou seja, embora possa ser plausível que osíndices da produção industrial possa ter afetado algumas decisões de compra, ninguémpoderia na época saber e/ou prever o início de um processo duradouro de redução dosníveis de atividade econômica. Portanto, a súbita inversão do preço das ações no outonode 2009 não podem ser buscada em qualquer percepção dos contemporâneos de que aprosperidade da década de 1920 estava terminada.

    Como argumentou Gailbraith, em seu famoso estudo sobre ocrash , “é da naturezade um boom especulativo que qualquer coisa pode derrubá-lo ”. 30 Mas a GrandeDepressão não se explica pelo estouro da bolha entre 21 e 24 de outubro de 1929. Esseseventos certamente levariam a uma crise financeira e uma recessão, mas não era por sisó suficientes para provocar uma depressão, como a que devastou a economia dos EUAe do resto do mundo, transformando-se em uma crise política que foi uma das causasremotas da Segunda Guerra Mundial.

    Nenhum dos serviços de projeção econômica, comuns à época, tais como os de

    Harvard e Yale, que usavam as teorias de ciclo para fazer indicadores do ambiente dosnegócios, foram capazes de antecipar a crise, ou mesmo avaliar a gravidade da situaçãoeconômica até que essa ficasse óbvia ao final de 1930.31 Quando o tamanho e a extensãoda crise foi percebida, surgiu a discussão sobre sua natureza e sobre que medidasdeveriam ser tomadas para enfrentá-la.

    De início a influencia de idéias que viriam ser mais tarde formalizadas por Keynesem 1936, eram praticamente inexistentes. Nesse debate havia uma correlação entre aexplicação da origem da crise e a possibilidade de políticas ativas para reduzir ou

    29 - De fato a produção industrial chegou ao pico em junho e iniciou um lento processo de desaceleração,sendo que é possível que em agosto já houvesse sinais que a economia poderia estar entrando emrecessão. Dados de Galbraith, 1988, p.88.30 - Galbraith, 1988,p.90.31 - Estudos recentes mostram que, mesmo com as técnicas contemporâneas, considerando-se asprincipais teorias sobre a Grande Depressão, dificilmente a crise poderia ser antecipada. VerDominguez,Fair & Shapiro, 1988. Para uma história dos serviços de Forecasting do período, ver Rötheli,2007.

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    reverter seus efeitos. Entre os contemporâneos duas interpretações polarizaram o debatenos EUA, esses dois grupos podem ser chamados de (i) céticos da estabilização e (ii)defensores da estabilização. :

    Para oscéticos da estabilização a crise era um processo inevitável, característico da

    dinâmica econômica, sendo provocada por choques reais, ou seja, pelos mecanismosque criavam os ciclos econômicos, fenômenos conhecidos e estudados na literaturaeconômica da época. Esta interpretação, por sua vez, podia ser dividida em duascorrentes: (a) liquidacionista - a que considerava que a crise tendo seguido seu cursoiria necessariamente ceder, purgando o ambiente econômico de suas empresas maisineficientes, tese que foi posteriormente chamada de liquidacionista32; (b)- crise derealização - e a que considerava que essa era produto dos ciclos econômicos típicos dadinâmica de uma economia capitalista, ou seja, era um problema de realização.33;

    Para os defensores da estabilização a crise era causada por erros de políticaeconômica e, portanto, poderia ser corrigida por ação das autoridades, ou era provocadapelo comportamento de empresários gananciosos e de um governo que não controlavaações de trustes e cartéis, o que também poderia ser corrigido por regulação.

    Entre economistas acadêmicos, o debate dava-se em duas partes: primeiro, adiscussão sobre a origem da depressão; segundo; a discussão sobre os remédios paracombatê-la. Uma amostra interessante dos debates acadêmicos do período foi registrada

    pela American Economic Association em uma sessão realizada no Encontro de 1931sobre o tema da depressão econômica de 1930.34 A discussão foi organizada a partir daapresentação de dois artigos de eminentes economistas: Joseph Schumpeter, na ocasião

    32 - A Tese liquidacionista argumentava que era inerente ao ciclo econômico purgar o sistema dasempresas mais ineficientes e projetos menos rentáveis. Ou seja, a quebra de empresas era a contrapartidapara um período de crescimento na fase ascendente do ciclo. Para um estudo detalhado sobre esta tesever, De Long, 1990.33 - Esta era uma tese defendida por marxistas e outros autores de esquerda. No caso dos EUA ainfluencia dessa corrente era pequena e quase inexistente nos meios acadêmicos. Por outro lado, J. AHobson, que não era marxista, mas cujas idéias foram importantes para autores marxistas, influenciou odebate através de autores institucionalistas como John R.Commons. O autor britânico, no entanto, emborapartidário da tese de que a economia capitalista tinha problemas de realização e produzia desemprego,considerava a possibilidade de políticas de redistribuição de renda tivessem um efeito anti-cíclico. Parauma interpretação de Commons sobre a Teoria de Desemprego de Hobson ver Commons, 1923. Osmarxistas era praticamente inexistentes nas grandes universidades norte-americanas. O mais importanteacadêmico, economista marxista, norte-americano, Paul Sweezy, só passou a considerar-se marxista em1932. Mas segundo ele, precisou a maior parte da década de trinta para adquirir, como autodidata, umarazoável formação marxista.Ver Sweezy, 1996.34 - Este debate encontra-se nosPapers and Proceedings of the Forty-Third Annual Meeting of the

    American Economic Association . A referência completa está na bibliografia com o nome dos primeirosautores, ver Adams, Arthur et alii, 1931; Schumpeter, 1931 e Snyder, 1931.

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    professor da Universidade de Bonn, Alemanha, e Carl Snyder, famoso estatístico eeconomista conservador que trabalhava no Federal Reserve Bank de Nova York.35 Essesartigos seriam comentados por economistas renomados, membros da EconomicAssociation.

    O artigo de Schumpeter parte da argumentação de que todo fenômeno individualtem causas múltiplas e, portanto, escolher um fator, só tem sentido se o argumento forde que a importância de tal ponto é tal, que outras causas podem ser negligenciadas emuma primeira aproximação. Nessa linha o autor discute se a crise pode ser atribuida acausas externas, ou seja “a uma seqüência de eventos desafortunados, sem os quaishaveria uma contínua prosperidade, ou ao menos, seria mantido o fluxo normal da vida

    econômica ”.36 O economista austríaco rejeita esta hipótese.

    Schumpeter atribui a crise aos seguintes fatores. Em primeiro lugar, as mudançastecnológicas no pós-guerra teriam criado perturbações que por si só eram suficientespara provocar adaptações ou recessões. Para ele tais mudanças têm efeitos comintensidades distintas até que o progresso técnico leve as alterações nos métodos deprodução e tenham tempo suficiente de produzir resultados, ou seja, até que os novosplanos fabris tenham sido executados e as mercadorias produzidas dessa forma cheguemao consumidor. Para o autor, cada uma dessas ondas de inovação afetam, de diferentesformas, os negócios e interferem umas com as outras. Três tipos de ondas são

    reconhecidas (as ondas longas; o ciclo Juglar; e os ciclos de curto prazo, isto é, com 40meses), Schumpeter argumenta que em 1930 esses ciclos coincidiram em uma fasedepressiva.

    Para ele, no entanto, se essa fosse a única razão os efeitos poderiam ser de umarecessão ou redução das taxas de crescimento. Mas a profundidade da crise teria que serexplicada pela confluência de outros fatores. Esses seriam a crise no setor agrário, cujadinâmica era independente da crise no setor manufatureiro, mas igualmente grave egeneralizada. Finalmente, fatores monetários contribuíram para a depressão. Entre eles

    o retorno ao padrão ouro e o pagamento de reparações de guerra pela Alemanha, quecontribuíram para que fossem tomadas medidas deflacionárias.

    35 - Snyder foi presidente da American Statistical Association. Escreveu em 1940 uma obra de grandeerudição, intituladaCapitalism the creator , (ver Snyder, 1972) que é considerado um manifesto liberal,precursor do liberalismo militante de economistas contemporâneos, como Friedman. Nesse trabalho eleenfatiza a incapacidade do Federal Reserve de agir para evitar a expansão descontrolada do crédito eestabilizar o estoque de moeda, como uma das principais causas da crise de 1929.36 - Schumpeter, 1931, p.179.

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    Finalmente, Schumpeter aceita duas afirmações comum à época, embora atribua aelas menos importância que seus contemporâneos, ou seja, a pouca flexibilidade dossalários e as taxas de juros de longo prazo relativamente elevadas. O autor argumentaque o nível dos salários não é causa da depressão, mas essa pode ter sido agravada por

    esse fato. Ele enfatiza que o nível de desemprego não pode ser atribuído aos salárioselevados, mas que nas circunstâncias vigentes esses não eram compatíveis com plenoemprego. O autor também sustenta que a queda da taxa de juros de curto prazo não foiacompanhada por uma queda suficientemente elevada na taxa de juros de longo prazo.Contudo, ele não atribui importância exagerada a isto, pois argumenta que nascondições atuais, muitas empresas não tomariam empréstimo mesmo que a taxa de jurosfosse próxima a zero.

    Em síntese, Schumpeter sustenta que 90% da crise pode ser explicada por: (i) – asperturbações geradas pelo rápido progresso técnico no pós-guerra, aliadas a conjunçãode um ciclo depressivo de longo, médio e curto prazo; (ii) – a gravidade e amplitude dacrise no setor agrário; (iii)- as políticas monetárias deflacionárias do retorno ao padrãoouro na Europa e das indenizações de Guerra alemã; (iv)- a pouca flexibilidade, comreferência a preço, dos fatores de produção, sejam os salários, sejamos juros de longoprazo.

    Portanto, para Schumpeter esta é uma crise mundial, com causas que não podem ser

    atribuídas exclusivamente a problemas da economia norte-americana. Na visão doeconomista austríaco, erros de política econômica agravaram a crise, mas não aprovocaram. Ele não considerava que essa poderia ter sido evitada, nem julgava quehavia políticas econômicas capazes de superá-la. Ações poderiam ser feitas paraminorar seus efeitos, mas a crise seguiria seu curso, produziria efeitos, até que um novociclo de crescimento viria inverter o processo. Portanto, como outros economistas daescola austríaca, para efeito prático, Schumpeter era um liquidacionista, ou seja, umcético da possibilidade das políticas econômicas estabilizarem a economia.

    O segundo artigo, do estatístico e economista Carl Snyder, segue umainterpretação muito diferente da de Schumpeter. Ele chama atenção para o carátermundial da crise, mas, em sua interpretação, a depressão originou-se nos EUA econtaminou a economia mundial através dos mecanismos financeiros e monetários. Seuargumento é que a prosperidade da década de vinte era um fenômeno norte-americano,sendo que o crescimento da Europa era muito recente para caracterizar um fim de um

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    ciclo de expansão. Portanto, a crise norte-americana alcançou o mundo que, ainda,enfrentava uma situação econômica precária. Como muitos países eram dependentesdos EUA, em função de suas elevadas compras de matérias primas e dos empréstimosde bancos norte-americanos, o efeito da depressão americana foi imediato no resto do

    mundo.Para Snyder havia causas monetárias para o boom da década de 20 e para o fim

    da prosperidade em 1929. O grande aumento do estoque de ouro nos EUA ao fim daGuerra teria permitido expansão da oferta monetária e preços em alta, particularmentedepois de 1921. Em 1927-28 os EUA enviaram enorme quantidade de ouro para oexterior, particularmente para a França. Tal fato não era preocupante, uma vez quehavia grande redundância na oferta doméstica de ouro. Ao contrário, isto trariabenefícios pois permitia que outros países, com a Grã-Bretanha, França e Alemanhavoltassem a sustentar suas moedas, de forma mais confortável, com maior reserva deouro. Tal fato contribuiria para a expansão da economia desses países.

    No entanto, em decorrência do boom da Bolsa de Valores, os EUA aumentarama taxa de juros, para tentar conter a euforia nesse mercado. Tal reação reverteu adireção do fluxo de ouro e os EUA voltaram a receber elevada quantidade desse metal.Quando a taxa de juros doméstica chegou a nível extremamente elevado, os bancos dasoutras partes do mundo também tiveram que elevar suas taxas de juros, com efeitos

    deflacionários sobre suas economias. Somando-se a isso, as taxas de juros elevadastambém interromperam as linhas de crédito dos bancos norte-americanos para oexterior. Além disso, a França, tal como os EUA, desde o início de 1929 acumulouquantidades muito elevadas de ouro, levando as outras nações européias à ficarempressionadas entre os movimentos de ouro para os EUA e para a França, perdendogrande quantidade desse metal. Tal fato obrigou a esses países praticarem também taxasde juros muito elevadas.

    Snyder discutiu, em detalhe, a depressão no setor agrícola, que tinha provocado

    elevada queda no preço das commodities. Mas argumentava que o aumento excessivodos estoques deu-se depois da crise industrial e não antes. Ou seja, embora tenha havidouma grande queda de preço desde 1928, essa não foi diferente de outros períodos dequeda, e nem a produção agrícola vinha crescendo a taxas mais elevadas que em outrosperíodos. Portanto, teria sido a depressão geral que provocou o aprofundamento dadepressão agrícola e não ao contrário.

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    Finalmente, quando as taxas de juros nos EUA provocaram o efeitodeflacionista sobre os negócios e interromperam a alta da bolsa, essa redução dasatividades econômicas levou a uma crise internacional, que já vinha se gestando emconseqüência da política monetária que provocava elevada influxo de ouro para os EUA

    e o fim dos empréstimos internacionais.Em síntese, ao contrário da interpretação de Schumpeter a crise não era

    decorrência de uma conjunção de ciclos econômicos e/ou questões tecnológica, mastinha causa monetária, e podia ter sido evitado, se políticas corretas tivessem sidopraticadas. Nesse sentido, Snyder era um partidário da visão de que a políticaeconômica poderia contribuir para estabilizar a economia. Observe-se, contudo, que suavisão da natureza da crise é mais próxima da explicação que viria a ser dada na obrafamosa de Friedman & Schwartz, 1963, do que nas teses keynesianas.

    No debate da American Economic Association quatro comentários, deimportantes economistas da época, merecem ser registrados, os realizados por ArthurB.Adams, Carter Goodrich, Willard L.Thorp e Alvin H.Hansen.

    Arthur B. Adams eradean da Universidade de Oklahoma e especialista emciclos econômicos, autor de um livro conhecido sobre o tema37. Esse economistaentendia que a crise era causada pelo crescimento do produto a um ritmo superior ao dopoder de compra dos trabalhadores. Para ele o aumento do volume físico da produção

    de todos os bens deu-se com grande redução do custo dos fatores por unidade deprodução, devido a substituição de trabalho por máquinas e a produção em massa.38 Opreço dos produtos não caiu, no entanto, na mesma proporção da redução do custo deprodução. Ou seja, as margens de lucro subiram, o que alimentou o rápido aumento dopreço das ações. Esse processo teria levado a uma concentração de renda na mão dosempresários, sendo que a participação dos trabalhadores na renda estaria decrescendo. Oresultado desse processo é que a capacidade de compra dos trabalhadores nãoacompanhou o aumento da oferta de produtos, gerando uma crise de consumo. Adams

    considerava que tal processo era possível em vista da concentração do capital e do poderdos cartéis, monopólios e associação comercial.

    Esta tese da distribuição da renda dos fatores, defendida por Adam, teve grandepopularidade no período, embora a literatura recente sobre a Grande Depressão tenha

    37 - Ver Adams, 1925, ver também sobre sua interpretação da depressão Adams, 1931.38 - Ver, Adams et alli, 1931, p.183.

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    mostrado que a análise da distribuição funcional da renda feita à época possuía muitoserros e as suas suposições não se sustentavam em vista dos dados disponíveis.39 Noentanto, como na disputa política nos EUA o governo republicano de Hoover era vistocomo defensor da grande empresa, os democratas de Roosevelt, tinham na tese de que

    as grandes empresas e os seus dirigentes, que agiam contra a concorrência, eram osprincipais culpados da crise, uma posição politicamente conveniente40.

    A visão de Adams, melhor explicada em artigo publicado no Jornal of Business,era cética quanto a possibilidade de combater a crise com mais intervenção do governo.No entanto, Adams defendia obras públicas, que tinham efeito de criar emprego, e naação mais dura contra os cartéis e os trustes através da legislação antitruste.41 Portanto,Adams era partidário da tese de que a crise tinha entre suas principais causas a ação deempresários gananciosos que, no entanto, puderam aumentar seus ganhos pelarelutância em aplicar de forma mais dura a legislação de defesa da concorrência.42

    Carter Goodrich era professor da Universidade de Colúmbia e foi um dos 31economistas renomados que subscreveu um manifesto de 1931 a favor do aumento dogasto do governo em obras públicas e da expansão do crédito. Ele sustentou que a quedade salários como forma de combater a crise era inadequada, discordando da posição deSchumpeter de que os preços dos fatores não eram o suficiente flexíveis. Ao contrário,afirmou que o aumento do poder dos movimentos sindicais para forçar manutenção dos

    salários teria efeito positivo. Goodrich, portanto, estava claramente a favor das idéiasque seriam posteriormente implementadas por Roosevelt no New Deal. No entanto, nãohá indicações de que essas idéias tivessem naquele momento qualquer relação com ainterpretação de Keynes sobre a crise, ou seja, sua tese era mais próxima da visão deAdams da insuficiência de renda devido a distribuição da renda dos fatores.

    Outro participante do debate, Willlard L. Thorp, era à época jovem professor noAmherst College. Posteriormente, no entanto, fez brilhante carreira na área pública,tendo sido servido vários governos democratas: trabalhou na formulação de programas

    do New Deal; foi Secretário adjunto de Estado para Assuntos Econômicos no governo

    39 - Ver Keller, 1973.40 - Para uma discussão do papel do movimento anti-monopolista entre os defensores do New Deal ver,Brinkley,1995 Capítulo 6.41 - Ver Adams, 1931.42 - Para um artigo da época defendendo a aplicação mais branda da legislação anti-truste ver Harriman,1932.

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    Truman, tendo sido um dos formuladores do Plano Marshall; e trabalhou inclusive como presidente Kennedy da década de 1960.43

    Thorp fez detalhada discussão da relação entre o ambiente concorrencial e acrise. Criticou empresários, como Mr. Proctor, da Vermont Marble Company, que tinha

    defendido que as leis antitrustes deveriam ser relaxadas. Ele também entendia que nossetores em que a concorrência era menor, em vista da existência de empresasmonopolistas ou associações profissionais fortes, eram os que conseguiam estabilizarpreços a custa de desestabilizar o emprego dos trabalhadores. Para ele a concorrênciaforçaria os preços para baixo até ajustar com o poder de compra dos trabalhadores.Finalmente, defendia que, tal como argumentado pelo professor Snyder, a crise eramundial e, portanto, as soluções passavam pela negociação internacional. Em suaspalavras: “ A prosperidade delas (das outras nações nos ajudam; a depressão delas nos

    prejudica. ”44

    O último dos participante desse debate, que vale a pena comentar, é umeconomista que viria a ser o grande divulgador da idéias de Keynes nos EUA o entãoprofessor da Universidade de Minessota, Alvin Harvey Hansen. Posteriormente, esseeconomista viria a se tornar Professor de Economia Política em Harvard, sendo oprimeiro da velha geração a tornar-se keynesiano. Foi professor de Paul Samuelson e deJames Tobin, sendo que seus muitos livros viriam a contribuir para a rápida difusão das

    idéias de Keynes nos EUA na década de 1940.45

    A participação de Hansen, no entanto,mostrava uma visão convencional, muito distante do que seriam seus trabalhos algunsanos depois. No debate, Hansen concordou com Snyder que a má distribuição de ourono mundo era uma das principais razões para a crise mundial e concordava comSchumpeter quanto ao papel dos ciclos econômicos, os quais considerava ser nãoapenas um fenômeno real, ou seja, afetando o nível de atividade econômica, mas,monetário, ou seja, afetando os preços das mercadorias e de outros ativos.46

    Entre as visões da crise um nome destacado é o de Irving Fisher. Professor de

    Yale e um dos renomados economistas norte-americanos por ocasião da grandedepressão é geralmente lembrado pela sua incapacidade de prever acrash na bolsa em

    43 - Thorp morreu com 92 anos em maio de 1992. Ver, New York Times,1992.44 - Adams et alli, p.197.45 - Hansen explica em detalhe como virou Keynesiano em Hansen, 1996. Sua primeira obra importantekeynesiana é Hansen, 1941.46 - Ver Adams et alli, p.198-201.

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    1929 e por sua relutância de perceber a gravidade da crise. A visão otimista de Fisher,que era responsável por um dos mais prestigiosos serviços de previsão econômica, oYale Forecast Service, ganhou notoriedade até os dias atuais pelas repetidas referênciasa suas declarações feitas em um dos mais vendidos livros sobre a grande depressão, o

    The Great Crash 1929, de Galbraith. Este autor relata que em 15 de outubro de 1929, ouseja, nove dias antes da quinta-feira negra (24/10/1929), que é o primeiro dia associadoao pânico de 1929, o professor Fisher declarou: “O preço das ações alcançaram o que

    parece ser um patamar permanentemente elevado .”47 No entanto, posteriormente,Fisher desenvolver uma teoria para explicar a crise e defendeu políticas ativas dogoverno para combatê-la. Ou seja, diferentemente de Schumpeter, Fisher entendeu que adepressão não seria rapidamente resolvida sem a participação do governo e foi favorávela uma política de estabilização. Sua visão foi apresentada em um artigo em que resume

    o que chama de Teoria do débito-deflação (Debt-Deflation Theory) das GrandesDepressões.48

    Fisher propõe que o estudo da teoria econômica inclui (a) o estudo de umequilíbrio ideal e (b) o estudo do desequilíbrio. Ele chama o primeiro de estáticaeconômica e o segundo de dinâmica econômica. O estudo da dinâmica econômica podetratar de fatos, o que chama história econômica, ou de tendências, que ele consideracomo ciência econômica. Embora a economia tenda para o equilíbrio, há segundo oautor, poderosas forças que podem gerar desequilíbrios. Para ele o desequilíbrio quegera as grandes depressões é provocado por dois fatores predominantes: o sobre-endividamento e a deflação.

    O modelo apresentado por Fisher propõe que, uma vez que o equilíbrio éperturbado por um sobre-envididamento, a sua liquidação implicará em uma cadeia deacontecimentos de nove fatores que podem ser derivados dedutivamente.Resumidamente, o autor argumenta que a liquidação do débito obriga a pressão devenda que contrai os depósitos à vista em moeda, na medida que os empréstimos

    bancários vão sendo pagos. A contração dos depósitos e sua velocidade precipita asvendas sob pressão de baixa, em vista da queda do nível de preços. Se não houver uma

    47 - Ver , Gailbraith, 1988, p.70 e 94.48 - Ver, Fisher, 1933. Para uma visão atual da importância dessa abordagem ver Wolson, 1996.

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    interferência que leve a reflação49, ou seja, à manutenção do nível de preços, haveráainda um processo de realimentação da pressão de baixa dos preços e da redução dovalor dos negócios, com queda nos lucros. A redução do produto, do comércio e doemprego leva a falências, que produz pessimismo e queda de confiança, que por sua fez

    leva ao entesouramento, reduzindo ainda mais o nível de atividade da economia.Embora, ao final o processo acabe por se inverter, alega Fisher, que políticas

    públicas de reflação, ou seja, de manutenção do nível de atividade econômica, podeinterromper o processo que leva a depressão econômica, com menor custo para asociedade. A grande dificuldade do processo terminar naturalmente é que a própriaação dos devedores de apressar o pagamento das dívidas, e portanto, levar a rápidadeflação, aumenta a dificuldade da liquidação do débito. Ou seja, Fisher, no seu modelo,faz uma distinção entre taxa de juros real e nominal. Para ele a queda dos preços leva aque a taxa de juros real aumente na medida que os devedores vão pagando seus débitos,ou seja, a dívida não reduz na mesma velocidade da sua liquidação. Portanto a essênciade seu modelo é que os preços dos ativos e das mercadorias caem rapidamente, assimcomo caem todos os outros preços, exceto os das dívidas e da taxa de juros sobre asdívidas.50

    Entre os economistas norte-americanos nos primeiros anos da década de 1930, aposição defendida pelo grupo dos grandes professores de Chicago, ou seja, Frank

    Knight, Henry C. Simons e Jacob Viner, merece especial atenção51

    . Diferente do seuscolegas das grandes universidades britânicas, como Edwin Cannan e T.E Gregory, daLondon School of Economic, de alguns economistas de Cambridge, como D.H.Robertson e dos Austríacos, inclusive Lionel Robbins, os três grandes de Chicagodefenderam o uso de política fiscal para combater os efeitos da grande depressão. Arecusa de ter uma posição passiva ante os efeitos da grande depressão, sem qualquermudança significativa de visão teórica, seria uma possível explicação para o fato dessaescola ter sido a menos influenciada posteriormente pelas idéias keynesianas.52 A

    49 - A palavra “reflação” ou reinflação não existe em português, o conceito, no entanto, é o de agir nadireção contrária da deflação, portando provocar uma inflação para manter os níveis de preços anteriores,nesse sentido, uso uma palavra “reflação”, como uma boa tradução de “reflation” em inglês.50 - Ver sobre a aplicabilidade desse modelo para os dias atuais, Wolson, 1996.51 - De Long, 1990, chama esses três economistas de “ Old Chicago Monetarists”52 - Esta é a interpretação de Lawrence Miller, 1962. Milton Friedaman, segundo Ronnie Davis, 1968,p.476, também teria explicação semelhante.

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    posição desses economistas é bem apresentada pelo o texto de uma conferência deViner proferido na Universidade de Minnesota em 1933.53

    Viner argumenta que a depressão é causada pela queda mais rápida dos preçosdos produtos vendidos do que do custo de produção. Isto porque os salários e outros

    custos de produção, como aluguel, não são absolutamente flexíveis, assim como a quedadas vendas aumenta o custo de produção por unidade vendida. Esse processoprosseguiria até os custos caírem mais que os preços, e os empresários retomassem suacapacidade de investimento, voltando a expandir a produção e venda. No entanto, essacapacidade auto-regulatória estaria ausente na depressão de 1930, em vista, de fatoresdomésticos e internacionais. No plano doméstico a pressão do governo Hoover contra aredução dos salários e a característica de muitos negócios, tais como as ferrovias, deresistir a redução dos preços, em vista de sua posição de quase-monopólio, restringia acapacidade de auto-regulação da economia. No plano internacional, a rigidez dosorçamentos públicos, o crescimento do protecionismo, com cotas e tarifas astronômicas,os compromissos de dívidas públicas elevadas, contribuía para o declínio dos preçosmundiais e eram altamente prejudiciais ao retorno a um ambiente mais estável para osnegócios.54

    Viner defendia, nessa circunstância, uma política que ele chamada de “deflaçãoequilibrada induzida”.55 Ou seja, o economista de Chicago defendia que o governo

    induzisse um equilíbrio em preços e custos através de políticas ativas. Viner mantinha aposição que o mercado se auto-ajustaria em seu devido tempo, mas dada ascircunstâncias, ou seja, a erros cometidos nos EUA e na economia mundial, queprejudicava o bom funcionamento do mercado, era necessário recriar as condições parasua adequada operação, sob pena do processo de ajuste ser lento e com custo socialmuito elevado. O autor era cético de que isso poderia ser feito apenas com políticamonetária, uma vez que dado o clima dos negócios, os empresários não tomariamrecursos nem a custos muito baixos.

    Viner defendia uma política de ações para estabilizar os preços, através daredução de impostos, de subsídios para determinadas atividades, como transportes, eatravés de aumento do gasto público. Mas ele não sustentava que isoladamente uma

    53 - Ver , Viner, 1933. Este texto de grande importância tem uma cópia digitalizada disponível na internet,verhttp://road.www.edu/road/glossers/402sp04/viner.pdf .54 -, Viner, 1933, p.7-9.55 - Em inglês, “Induced Balanced Deflation”. Ver Viner, p.13.

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    política monetária de expansão dos meios de pagamento, para inflacionar os preços,fosse eficiente. Para isso ele entendia que a manutenção do Padrão Ouro eraincompatível com esse tipo de política. Embora não fosse um grande defensor doPadrão Ouro, Viner julgava difícil para os EUA sair desse padrão monetário de forma

    unilateral. Como achava improvável que fosse possível uma saída negociada dos EUAdo padrão ouro, considerava que sua estratégia de deflação equilibrada induzida eramais eficaz que a de reflação.

    As opiniões de Viner levaram este economista a contribuir com o governoRoosevelt, chegando inclusive a ser assessor especial (special assistant) do secretáriodo tesouro Henry Morgenthau Jr. Em 1934. Nesse ocasião Viner foi responsável portrazer para trabalhar no Governo Federal alguns jovens economistas de Harvard, queforam chamados de “freshman brain trust”.56

    A posição do Viner em Chicago não era isolada, ao contrário, era compartilhadapelos outros professores. Isso pode ser comprovado pelo memorando para ocongressista Pettengill, em 1932, defendendo, uma inflação fiscal assinado por 12professores daquela instituição, entre eles, Frank Knight, Henri C.Simons e JacobViner.57 O que é notável em retrospectiva é que a visão do professor de Chicago podeser vista como uma precursora de uma posição mais ativa na promoção de políticas“market friendly” atuais. Ou seja, Viner manteve-se consistentemente crítico da posição

    de Keynes de que os mercados não eram auto-ajustável e necessitavam de constanteregulação do governo. Mas, para os economistas de Chicago o bom funcionamento domercado deveria ser restaurado: era necessário uma intervenção do governo justamenteporque medidas equivocadas tinham prejudicado seu funcionamento, e não porque estenão era auto-regulado.

    Pela exposição acima pode-se perceber que, mesmo antes que a influência deKeynes tenha se feito sentir, a defesa da intervenção para combater a crise econômica jávinha acumulando forças, o que permitiu à Roosevelt implementar o New Deal.

    Entretanto, exceto pelos institucionalistas e pelos quase inexistentes socialistas, as

    56 - Não confundir com o “Brain Trust”, formado pelos professores de direito de Columbia: RaymondMoley, Rexford Tugwell e Adolf Berle. Entre os “freshman brain trust” de Viner estavam LauchlingCurrie, mais tarde um famoso keynesiano, e Harry Dexter White, que veio a ser um dos principaisnegociadores de Bretton Woods em 1944. Esses economistas de Harvard, junto com Paul T. Ellsworthforam autores de um famoso memorando, datado de 1932, propondo políticas monetárias e fiscaisexpansionistas como única forma de enfrentar a grande depressão. Sobre o memorando de Harvard verLaidler & Sandiland, 2002.57 - Davis, 1968, p.478.

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    principais correntes econômicas nos EUA entendiam que o mercado, embora sujeito aciclos econômicos, possuía mecanismos de auto-ajustamento58. Mesmo assim, osinstitucionalistas como força intelectual eram particularmente pragmáticos, muitos delesaceitavam a explicação de que a causa da crise era a assimetria na distribuição funcional

    da renda, e tendiam a fazer críticas mais morais do que teóricas ao funcionamento domercado. Um dos melhores exemplos do espírito prático de alguns institucionalistasimportantes é a intervenção de J.J.Spengler, um brilhante economista, com amplacultura e retórica afiada, em um debate na famosa reunião de 1931 da AmericanEconomic Association, sobre o teoria econômica institucionalista. Nela afirmou que:

    “Que nenhum palestrante tenha delimitado ou definido teoria econômicainstituicional parece-me prova de uma pragmatismo saudável da economiacontemporânea. Dogmatismo em metodologia é fútil. Nenhum método pode sercelebrado, às expensas de todos os outros. Se os economistas querem

    macaquear os cientistas físicos, que macaqueiem também o pragmatismo doscientistas físicos. A função do economista é definir seu problema e entãoresolve-lo, o melhor que puder, usando os métodos disponíveis ou qualqueroutro método que o engenho humano é capaz de vislumbrar .”59 A principal crítica feita pela oposição no início da década de 1930 ao governo

    Hoover era sua inação. Gailbraith relata que a principal ação do presidente foi realizarencontros com homens de negócios e autoridades na Casa Branca, anunciando que acondições econômicas estavam em via de alterar-se, sem maiores medidas de impacto.60 Essa aproximação de Hoover com os grandes empresários, em especial com os

    representantes financeiros de Wall Street, passou a ser um importante instrumento napolítica da oposição democrata.

    Portanto, a política econômica ativa de Roosevelt, não era necessariamente oproduto da influencia de seu Brain Trust , que era formado por professores de direito deColúmbia, não particularmente versados em economia. Vários economistas importantesque trabalharam no governo Roosevelt defendiam políticas econômicas ativas,principalmente políticas fiscais. Mas essa não foi a única razão para a políticaeconômica apoiada pelo presidente, mesmo se essas idéias não fossem baseadas emsólida doutrina econômica, seriam uma boa escolha na guerra da política partidária. Issopercebeu, com sua tradicional argücia, um velho keynesiano, John Kenneth Gaibraith,que afirmou:

    58 - Para uma discussão da tradição dos economistas institucionalistas e de outras correntes radicais nosEUA ver Bronfenbrener, 1985.59 - Homan et alli, 1931.60 - Ver Galbrailth, 1988, p.139, 140.

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    “ As Administrações de Coolidge e Hoover mantiveram aberta aliança com o grandeinteresse financeiro que Wall Street simbolizava. Com o advento do New Deal os

    pecados de Wall Street tornaram-se os pecados do inimigo político. O que era mal para Wall Street era mal para o partido republicano .61

    5- Keynes e a Grande Depressão.

    Durante os anos do governo Hoover a crise econômica foi ficando cada vez maisgrave. Embora não fosse partidário de financiamento via déficit orçamentário, a quedade arrecadação fez com que a dívida pública crescesse substancialmente em suaadministração.62 Nesse sentido, a principal diferença da nova administração, em 1933,não foi a menor preocupação com o equilíbrio orçamentário, mas o compromisso daimplementação de uma agenda de reformas. O liberalismo reformista foi a marca do

    governo Roosevelt, que até hoje é visto como o arquétipo do governo Liberal nosEstados Unidos.

    Esse conceito, liberalismo, tem um sentido particular nos EUA. No resto do mundoessa idéia está associada aos defensores do Laissez Faire e, portanto, à direita noespectro político. Nesse país, Roosevelt e o chamados “New Dealers”, ou seja, ospartidários do New Deal, conseguiram tomar a palavra liberal dos convervadores,substituído a expressão de progressistas (progressives), como alguns deles seintitulavam, por “reformistas liberais”. 63 Em um país em que idéias socialistas eramvistas com profunda desconfiança, onde idéias marxistas eram amplamente rejeitadasmesmo pelos movimentos sindicais, os liberais não associavam seu nome à rejeição docapitalismo, mas a idéia de que os indivíduos, as comunidades e o próprio sistemaeconômico deveria ser defendido contra a ação dos trustes e cartéis e, em geral, dopoder do grande capital. O liberalismo também defendia a solidariedade entre oscidadãos, com algum grau de proteção quanto às intempéries da vida, afirmando ser umdireito do cidadão um nível básico de subsistência e dignidade, que deveria ser providopelo Estado.

    Embora keynesianismo nos EUA tenha sido associado ao uso de política fiscalanticíclica, esta política econômica antecede a influencia das interpretações keynesianas

    61 - Galbraith, 1988, p.155.62 - Mitchell, 1947, PP.34-37.63 - Ver Brinkley, p.1996,p.8-11. Sobre como os New Dealers se apropriam do termo liberal, verRotunda,1968.

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    da crise. A influencia de Keynes, durante a maior parte da década de 1930 foi limitadanos EUA, sendo que o New Deal não foi formulado a partir de uma visão keynesiana demundo. As medidas econômicas do primeiro governo Roosevelt foram motivadas poruma percepção da necessidade de reformas, sendo que a busca de alternativas

    econômicas é mais política do que resultado do debate teórico dos economistasacadêmicos. Portanto, as mudanças na política econômica, naquele momento, foramprodutos do movimento reformista, de inspiração mais institucionalista,particularmente vebleniana, que keynesiana64. Tal fato pode ser apreendido dostestemunhos apresentados em um debate promovido pela American EconomicAssociation em 1972, com acadêmicos e ex-funcionários públicos que participaram daformulação do New Deal e ocuparam postos importantes à época.65

    Allan Sweezy, que foi o autor de um dos artigos que serviram de base ao debate,apresentou o problema chamando atenção que antes de 1936 (ano de publicação daTeoria Geral) não poderia haver keynesianos no sentido acadêmico, ou seja, partidáriosdo modelo teórico que só foi apresentado integralmente nessa ocasião. Isso não querdizer que não haja elementos do keynesianismo que antecedam esse ano, no entanto, aimportância dessas idéias variou em extensão e em ênfase.66

    Sweezy argumentou que a maioria dos economistas tendiam a analisar as razões quelevaram a Grande Depressão, mas não apresentavam políticas para enfrentá-la. Não

    apenas a idéia de gasto tinha conotações pejorativas, como as depressões eram vistascomo tendo funções teurapêuticas depois dos excessos e desajustamentos do boom.Havia também pouca compreensão para os mecanismos da inflação, e uma preocupaçãoexcessiva em não deflagrar um processo inflacionário descontrolado.

    64 - Para uma visão da crítica de Veblen à sociedade norte-americana escrita por um importante marxistanorte-americano ver Sweezy, 1958.65 - Entre os participantes do debate, que comentaram artigo do professor Alan Sweezy, estavam LeonH.Keyserling, que foi advogado do Agricultural Adjustment Administration, em 1933, e Secretário eassessor legislativo do Senador Robert Wagner de Nova York, durante o período 1933 e 1937, tendo sidono pós-guerra o presidente do Council of Economic Advisors; Robert R.Nathan que foi na década de1930 funcionário do Departamento de Comércio, trabalhando como Simon Kuznetz, tendo participado dodesenvolvimento das primeiras estatísticas de Contas Nacionais dos EUA, como Renda Nacional e PIB,posteriormente,m durante a Segunda Guerra Mundial, foi Presidente do War Production Board´s PlaningCommittee; Lauchlin B.Currie, canadense, naturalizado norte-americano, que trabalhou como funcionáriodo Federal Reserve, com White Dexter White, sendo um dos Freshman Brain Trust, foi assessor deRoosevelt durante a Segunda Guerra Mundial, posteriormente, foi perseguido pelo McCartismo ,renunciou a cidadania norte-americana, e continuou participando do debate acadêmico até sua morte, apartir de seu país de adoção, Colômbia.66 - Ver Sweezy 1973, p.116

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    Segundo Sweezy , a partir de 1934, a principal influencia de idéias keynesianas foio Federal Reserve, sob a direção de Marriner Ecles, que trouxe como assessor, vindo doTesouro, Lauchlin Currie, um dos primeiros policy-makers que percebeu a relaçõesentre assuntos fiscais e monetários. Mas, para Sweezy, foram necessários vários anos e,

    ainda, o choque que foi o recrudescimento da depressão em 1937, para que osargumentos de Keynes e Hansen fossem amplamente aceitos.

    No debate que se seguiu, Keyserling observou que os programas do New Deal erammais influenciados pelas idéias políticas do Partido Democrata, desde o movimentoPopulista da década de 1890´s, do que por idéias keynesianas que eram desconhecidas.Para ele, foram as condições políticas e sociais da época que fizeram viável o NewDeal. Finalmente, afirmou Keyserling:

    “Com todo o respeito a Keynes, eu não consigo perceber qualquer evidênciarazoável de que o New Deal teria sido muito diferente se ele nunca tivesse vivido esem que uma corrente econômica tivesse tomado seu nome .”67 O depoimento mais importante foi do Lauchlin Currie, que era o mais antigo, auto-

    intitulado, keynesiano no governo.68 Ele relata que osnew dealers eram cerca de 200 a300 pessoas, a maioria advogados e economistas, do segundo e terceiro escalão dogoverno. Esses funcionários eram pragmáticos e sensíveis às questões políticas, sendoque o aumento do gasto público no período era visto, no congresso e pela sociedade,mais como um mecanismo de azeitamento da máquina (na expressão da época: pump-

    priming ) do que um instrumento permanente de política econômica.69 Currie, também,atesta que o keynesianismo influenciou pouco as políticas públicas norte-americanas atéàs vésperas da Segunda Guerra Mundial.

    Portanto, são muitas as fontes que relatam as limitações da influência de Keynespara as políticas de combate aos efeitos da Grande Depressão nos EUA. Entretanto,Keynes tinha, sem nenhuma dúvida, uma audiência nesse país e suas idéias eram, aomenos, consideradas pelo público culto70. É possível mostrar isso, a partir da

    67 - Ver Keyserling et allii, p.134.68 - Currie afirmava que desde seus anos na London School of Economics, 1922-25, e depois em Harvarddurante a depressão, tinha afinidade com as idéias de Keynes. Ver Keyserling et alli, p.139.69 - Pumb-priming é um expressão que caiu em desuso, mas foi comum na década de 1930, refere-se aoaumento do gasto governamental durante as depressões para promover a expansão dos negócios. Apalavra deriva de uma operação nas bombas hidráulicas antigas (pump), na qual um pequena válvula desucção de couro deveria ser umedecida (ou primed ) com água para funcionar adequadamente.70 - Um exemplo da pouca influencia de Keynes na formulação do New Deal, pode ser percebida pelo fatode que um artigo de 50 páginas intitulado the “ New Deal” in the United States ”, escrito por J.Henry

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    repercussão das conferências que proferiu na New School em Nova York em 1931. Naocasião a imprensa noticiou amplamente seus pontos e, em especial, o New York Timesdescreveu sua conferência, que teria sido assistida por 400 pessoas, e que propunha,para a saída da crise, três pontos: (i) restauração da confiança; (ii) obras públicas, sem

    financiamento em impostos e (iii) redução da taxa de juros de longo prazo. A notíciadescreve uma resposta a uma pergunta da platéia, na forma irônica conhecida deKeynes: perguntado se uma guerra seria solução para a depressão, a resposta foi “nãohá nada que o presidente Hoover possa fazer, que um terremoto não possa fazer

    melhor ...”.71

    Também não se pode desconsiderar o impacto de sua carta aberta ao PresidenteRoosevelt, publicada no New York Times e seu breve encontro com o presidente. Acarta publicada em 31 de dezembro de 1933 tem o inequívoco estilo incisivo, mas aomesmo tempo elegante de Keynes. Há considerações nessa carta que mostra que Keynesnão dá a ênfase às reformas, que era a prioridade de alguns dos principais New Dealers,que são nesse ponto, como foi mencionado por Keyserling, acima, mais influenciadospelo debate interno no Partido Democrata ou a visão de institucionalistas como Veblen,do que pela sofisticada análise das políticas anticíclicas keynesianas. Nesse trechoKeynes afirma que:

    “O senhor está comprometido com duas tarefas, recuperação e reforma –recuperação da queda do nível de atividade e a aprovação dessas reformas sociaise das atividades empresariais que há longo tempo deviam ter sido realizadas. Paraa primeira, velocidade e presteza são essenciais. A segunda pode ser tambémurgente; mas precipitação pode ser prejudicial, e sabedoria para perseguirobjetivos de longa duração são mais importantes do que resultados imediatos. Seráatravés do aumento do prestígio de sua administração no processo de curto prazode recuperação da economia, que o senhor terá o impulso necessário para realizaras reformas permanentes. Por outro lado, mesmo reformas sábias e necessárias

    podem, sob certo ponto de vista, impedir e complicar a recuperação. Por que essasações irão afetar a confiança do mundo dos negócios e enfraquecer as suasmotivações para agir, antes que o senhor tenha tempo para apresentar outrosmotivos que cumpram o mesmo papel .”72

    A revolução keynesiana tem duas dimensões que não devem ser confundidas: (i)a crítica à visão “clássica”, que fundava-se na Lei de Say, que afirmava, que a produçãogera sua própria demanda, sendo que o único limite ao atendimento das necessidades

    Richardson, no Economic Journal, uma revista em que o economista britânico era o editor, não tinha umaúnica referência a ele, ou citação de algum trabalho de sua autoria.71 - Essas conferências estão descritas em detalhe em Kent 2004. A transcrição da notícia do New YorkTimes está na página 202.72 - Keynes, 1933.

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    humanas é disponibilidade de recursos para um determinado nível de produção, ou seja,que o sistema econômico é auto-regulado e tende ao pleno emprego de máquinas epessoas; (ii) - A crítica à visão de que não há instrumentos na economia para combateras crises econômicas, a não ser uma política de garantir que o bom funcionamento das

    forças de mercado e a flexibilidade dos preços dos fatores de produção. Ou seja, acrítica da idéia que, como o mercado é auto-regulado e tende ao equilíbrio, qualquerinterferência do Estado é, no mínimo, inócua e, muito provavelmente, nociva.

    À primeira crítica corresponde uma formulação de um novo princípio, o da demandaefetiva, que explica os mecanismos de determinação do produto e do emprego, ondeKeynes afirma que “a demanda efetiva, invés de ter um único valor de equilíbrio, temum número infinito de valores de equilíbrio, todos igualmente admissíveis .”73

    À segunda crítica corresponde a idéia de que é possível fazer política econômica ealterar o comportamento dos agentes econômicos, nos estritos limites de uma economiade mercado, ou seja, de que é possível administrar os níveis de atividade na economia,sem que seja necessário, controlar os meios de produção.

    Nas palavras de Keynes:“ Em certos aspectos a teoria apresentada é moderadamente conservadora em suasimplicações. Se, no entanto, ela indica a importância vital de estabelecer certoscontroles centrais em matérias as quais são atualmente deixadas nas mãos dainiciativa individual, há um vasto campo de atividades que não são afetadas.” (....)

    “Não é a propriedade dos instrumentos de produção que são importantes para o Estado assumir. Se o Estado é capaz de determinar a quantidade de recursosagregados devotados a aumentar os instrumentos e a taxa básica de remuneração

    para seus proprietários, terá realizado tudo o que é necessário .”74 Essas duas dimensões da Revolução Keynesianas são partes de uma mesma

    construção teórica, mas suas implicações são distintas. Isso ocorre, porque a primeiraparte dessa proposição repercute principalmente no debate acadêmico e, em especial,nas limitações dos modelos neoclássicos.

    A revolução teórica é até hoje sujeita a intenso debate entre os que pretenderamdomesticá-la, em uma síntese neoclássica, e os partidários do aprofundamento das

    73 - Keynes, 1936, p.26. No entanto, para o autor, pleno emprego é possível, porque “a competição entreos empresários sempre levará à expansão do emprego até o ponto em que a oferta do produto deixa deser elástica, isto é, onde um maior aumento da demanda efetiva não seja acompanhado por qualqueraumento de produto.” (idem, p.26) 74 - Keynes, 1936, p.378.

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    implicações para a teoria econômica das idéias originais de Keynes75. Há, também, osque não aceitam que o pensamento Keynesiano é uma revolução científica e os quecontestam suas principais teses.76

    A segunda dimensão do pensamento keynesiano, tem implicações para a função do

    Estado, cumprindo um papel de justificar uma ação mais profunda do governo, sem quetais intervenções confundam-se com socialismo, ou seja, com controle direto dos meiosde produção. Este aspecto da teoria keynesiana foi amplamente aceita, sendo a base daconstrução da ordem econômica internacional do pós-guerra, influenciandoprofundamente as políticas públicas mundiais até passar por um forte período decontestação a partir da década de 1970.

    Portanto, embora a influência de Keynes só pode ser sentida em toda sua plenitudenos EUA durante a Segunda Guerra Mundial, quando as obras dos keynesianos norte-americanos, como Hansen, começam a ficar populares, a influência dessas idéias apartir da década de 1940 não podem ser minimizadas. Mas a interpretação Keynesianada Grande Depressão foi um elemento fundamental na retórica dos formuladores daordem econômica internacional do pós-guerra. Essa interpretação explica a origem dadepressão a partir da dinâmica da economia norte-americana, mas sua difusão para aeconomia mundial pela inadequação do sistema monetário internacional baseado noPadrão Ouro. Portanto, essa explicação vai, não apenas, indicar um nova forma de

    gestão da economia, mas também, defender a necessidade de uma ordem econômicainternacional compatível com as políticas macroeconômicas ativas no plano doméstico.

    Keynes apresentou uma interpretação da depressão no capítulo 22, da TeoriaGeral, onde discute as crises cíclicas. Ele argumenta que qualquer flutuação noinvestimento que não corresponda a uma mudança na propensão ao consumo resulta emflutuação no nível de emprego. O autor apresenta os mecanismos do boom econômico,mostrando a importância das expectativas para as decisões de investimento, e aprecariedade dessas expectativas em condições de incerteza. Segundo Keynes, é da

    natureza de mercados de investimentos organizados, sob a influência de compradores,em grande medida ignorantes do que estão comprando, e de especuladores, que estãomais preocupados em prever as próximas alterações nos sentimentos do mercado do que

    75 - Para discussão sobre as semelhanças e diferenças entre velhos e novos keynesianos ver Greenwald &Stiglitz, 1993. Para uma visão desse debate em uma perspectiva pós-keynesiana ver Misky, 1975,Davidson, 1992 e Carvalho 1992.76 - Sobre a crítica a idéia de revolução Keynesiana ver Laidler, 1999.

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    no retorno real de seus investimentos, que haja um grande sentimento de desilusãoquando o quadro real mostra-se muito inferior a suas expectativas exageradamenteotimistas.77 Nesse caso, se essa súbita alteração nas expectativas vier acompanhada deelevação na taxa de juros, pode haver um declínio acentuado dos investimentos. Nessas

    horas a preferência por ativos líquidos e a redução dos investimentos combinam-se parafazer a crise tão difícil de tratar. Nesse momento, embora a redução da taxa de juros sejacondição necessária para uma retomada, ela não será certamente suficiente, já que adeterioração das expectativas fará com que qualquer taxa de juros seja demasiadamenteelevada para justificar novos investimentos. Tais fatos também reduzem drasticamente apropensão da população ao consumo, sendo esse um mecanismo que tende a seretroalimentar. Os instrumentos para combater a depressão propostos por keynesbaseiam-se nas políticas públicas para garantir a demanda efetiva. Para ele: “O remédio

    correto para o ciclo econômico não pode ser encontrado em se abolir o boom e mantera economia em permanentemente em semi-recessão (semi-slump); mas abolir as

    recessões (slump) e nos manter em permanente quase-boom. ”78 No entanto, para ele,tais políticas não podiam ser feitas com as amarras existentes no padrão ouro, quechamou em um artigo “grilhões de ouro”79. Keynes foi um duro opositor do sistema depadrão ouro e foi um defensor e um dos responsáveis pela criação de um novo sistemamonetário internacional em 1944.

    O debate da economia da depressão foi o cadinho que levou ao surgimento damoderna macroeconomia. Nesse sentido, ficou muito difícil separar as interpretaçõessobre a crise da década de 1930 feitas no pós-guerra dos debates acadêmicos da novadisciplina. A próxima seção tratará de algumas das principais abordagens sobre aGrande Depressão, procurando mostrar como essas se situam em relação ao pensamentode Keynes e a importância da economia da depressão para a moderna teoriaEconômica.

    Portanto, as interpretações que se seguem podem ser divididas em três grupos: o

    primeiro pretende apresentar uma interpretação que explica a crise como causada porrazões monetárias, tendo como principal eixo a crítica da interpretação keynesiana; o

    77 - Keynes, p.316.78 - Keynes, 322.79 - Em inglêsGold Fetters . A citação completa é a seguinte: “ Há poucos ingleses que não comemoraramo fim de nos grilhões de ouro. Nos sentimos que temos finalmente liberdade para fazer o que é correto. A

    fase romântica acabou, e nós podemos discutir realisticamente qual é a melhor política .” Keynes,1931,p.288. A expressão Gold Fetters foi usada como nome de um celebrado livro de Eichengreen sob oPadrão Ouro.

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    segundo apresenta uma interpretação das razões da extensão da crise ou do seu carácterinternacional, tendo como pano de fundo os papéis da Inglaterra e dos EUA; o terceirosão as interpretações de síntese, que embora possam dar maior ênfase para umadeterminada explicação da crise, fazem-no em uma perspectiva de história econômica,

    em um momento que consideram que a economia da depressão não é mais uma questãoeconômica premente para o mundo atual.

    6- Interpretações Recentes da Grande Depressão

    O historiador econômico Barry Eichengreen afirmou que a literatura damacroeconomia da Grande Depressão pode ser dividida em duas grandes linhas80. Umaassociada aos estudos dos erros da política econômica doméstica dos EUA para explicara singularidade da profundidade e extensão da Grande Depressão. A outra, que éassociada principalmente ao nome de Charles Kindleberger, enfatiza o malfuncionamento do sistema internacional. Embora compartilhe da visão Eichengreen queesse é um bom ponto de partida para estudar o tema, considero que há, ainda, outrosaspectos que são importantes de serem considerados nessa literatura. Nesta seção, levoem conta, também, as explicações da crise por razões estritamente monetárias, emrejeição as teorias keynesianas e as explicações ecléticas da Grande Depressão,associadas a visão de que a economia da depressão tem, apenas, interesse histórico,sendo pouco relevante para as questões atuais.

    A teoria de Milton Friedman e Anna Schwartz da Grande Depressão é um exemplode uma