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  • 8/16/2019 A globalização enlaces e faces nos estudos das organizações educativas

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    A globalização enlaces e faces nos estudos das organizações educativas 

    Carlos Antonio de QueirozUniversidade do Minho

    [email protected]

    Marly Alfaia Simões de QueirozUniversidade do Minho

    [email protected]

    Fabiane Maia GarciaUniversidade Federal do Amazonas

    [email protected]

    Resumo -  A análise objetiva discutir a questão da globalização enquanto tema presente em

    pesquisas de pós-graduação nomeadamente na área da Política Educativa e Organização e

     Administração Escolar. Toma como referência três trabalhos desenvolvidos a partir de estudo

    de caso em que a globalização emerge com múltiplas inferências e determinantes em relação

    ao campo educativo brasileiro e português. No primeiro caso, desenvolve uma análise que

    discute o cenário da globalização, que mundializou o capitalismo e a democracia. No segundo

    caso a globalização está presente como parte da necessidade formativa que configura as

    políticas neoliberais de acesso ao ensino superior. No último estudo, a questão da globalização

    é parte das discussões dos conceitos de qualidade, eficiência, eficácia e efetividade presentes

    nos processos avaliativos hoje inerentes aos sistemas educativos. Nos três estudos, a

    globalização se apresenta referenciada nas principais teorias que configuram o estado

    moderno nas suas formas de estruturação, organização e controlo na execução das políticas emúltiplas inferências nas organizações educativas.

    Palavras-chave: Globalização, Ensino superior, Estado.

    Introdução

    O estudo da globalização se apresenta como central em muitas pesquisas em andamento. Nas

    pesquisas há uma convergência no sentido de perceber como esse processo influencia e se

    apresenta em áreas e temáticas distintas. No campo educacional, a globalização é vista como

    parte do contexto económico que provoca implicações na composição das políticas e na forma

    como o Estado e as organizações educativas planejam e desenvolvem suas ações cotidianas.

    Nessa perspetiva, a análise proposta evoca o resultado de três estudos de caso sobre assuntos

    distintos em que a globalização é vista como forma de entender o cenário educativo brasileiro.

     Assim, o estudo apresenta uma definição conceitual da globalização e sua emergência na

    configuração do Estado moderno. A partir dessa formulação a globalização é tomada como

    ferramenta para o entendimento de questões vinculadas a democracia e a autonomia, a influência

    do neoliberalismo nas políticas de acesso e permanência no ensino superior do Brasil e aos

    processos de avaliação a partir do accountability presentes no sistema educativos.Como parte da compreensão do Estado moderno a globalização é percebida como um processo

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    pelo qual a maioria deles não teve opção ou defesa. Esse ideário acaba por justificar as mudanças

    evidenciadas no século XXI. De modo geral, o discurso da globalização se apresenta como parte

    da premissa de que o mundo vive tempos, cultura e história com características homogéneas.

    Desse modo, há um conjunto de teorias que aponta o encadeamento das políticas, sejam no

    campo económico, educacional e/ou cultural. Esse contexto é percebido por Ianni (1998) comosistémico, no qual se privilegiam as relações internacionais, a interdependência das nações, a

    integração regional, a geoeconomia e a geopolítica. Por outro lado, é também possível observar

    perspetivas que entendem a adoção dos processos globais como parte dos interesses dos

    Estados e das próprias estruturas localizadas do poder, pois encontram nas políticas, tidas como

    globais, formas eficientes de impor seus interesses. Para Estêvão (2012, p. 70) a globalização tem

    vindo a impor um novo mandato aos diferentes países, pois em nome das vantagens competitivas

    que podem alcançar e também em nome do combate à crise, redefinam os seus sistemas de

    ensino e de formação nacionais em termos de qualidade, avaliada segundo padrões

    internacionais. Dito isso, ratifica-se que algumas políticas se alinham ou refletem os interesses e

    processos globais, o que não significa que o contrário não se estabeleça.

    Em relação a globalização é possível que o termo seja entendido como parte da mundialização.

    Desse modo, a questão se vincula às experiências vivenciadas com e a partir dos avanços

    tecnológicos e da integração espacial e cultural entre os territórios, tanto em termos físicos, como

    no caso das viagens, quanto no caso do acesso a informação. Segundo Garcia (2015),

    “…é mister descrever que na maioria das leituras realizadas há uma vinculação do termo

    globalização aos processos económicos, enquanto a mundialização daria conta dos aspectos

    políticos, sociais e económicos. Ainda que distintamente trabalhados os dois termos vinculam-

    se e dependem um do outro, pois se a globalização proporcionou a ditadura de um modelo

    económico, ele só se sustentou por conta da mundialização do modo de viver e compreender

    essa sociedade” (p. 83).

    Como visto a globalização se compõe como um conceito a partir da própria configuração que

    assume. Assim, a globalização também pode ser tomada como uma ideologia do “pensamento

    único”, que considera as políticas de cunho neoliberais com base no mercado e sem fronteiras

    como forma irreversível de uma sociedade sobreviver numa “aldeia global”, em decorrência dos

    fenômenos que abrangem as áreas financeira, comercial, produtiva, social, institucional,

    tecnológica e cultural. Ao mesmo tempo, a globalização impõe certas características e agendas

    para a maioria dos contextos educacionais, mas os Estados nacionais também conseguem

    imprimir características e políticas que os legitimam junto às comunidades locais. Para Afonso

    (2012) o Estado-avaliador coincide com uma autonomia relativa do Estado nacional e, nesse

    sentido, a avaliação promovida pelos governos assume-se, particularmente, como dispositivo

    interno de controlo sobre a educação, os professores e as escolas. Para o autor, essas práticas

    também viabilizam a expansão de lógicas de mercado e de escolha educacional, do interesse das

    famílias e de outros consumidores, nomeadamente mediante a publicitação dos resultados

    académicos e respetivos rankings.

    A globalização e a democracia

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     A propagação da democracia enquanto um direito moderno, além de uma marca da globalização é

    também globalizada pela justificativa dos processos de “livre adesão”  por parte de cada Estado

    nacional ao modelo de política e realidades convergentes que se configuraram com o fim da

    Segunda Guerra Mundial. Dessa forma, se irradiam processos democráticos que virão

    essencialmente evitar as atrocidades anteriormente registradas. A partir disto, foram necessáriosacordos dos chamados Estados nacionais desenvolvidos, no intuito de estabelecer espaços

    institucionais mundializados, coletivos e participativos, nos quais eles pudessem vislumbrar

    modelos políticos essencialmente democráticos.

     A globalização democrática resultante do pós-guerra pretendia assegurar que as violações,

    registradas nos períodos de guerra e em espaços ainda não democráticos, não ameaçassem o

    modelo de desenvolvimento capitalista estabelecido. Nesse sentido, Wolkmer (2010, p. 13)

    salienta que “… nos marcos de um cenário globalizado, os direitos humanos em emergência

    materializam exigências reais da própria sociedade diante das condições emergentes da vida e

    das crescentes prioridades determinadas socialmente”.

    O modelo proposto assegura aos Estados integrantes ou aos que desejem participar desse projeto

    de mundo melhor, investimentos financeiros. De início o mecanismo financeiro integra e atende as

    demandas integrativas aos processos globais, se torna, portanto, extremamente atrativo, seja para

    as forças políticas locais ou para os grupos que já dominam e exploram economicamente esses

    países. Nesse movimento há duas formas manifestas de Estado, um voltado para a promoção

    social e da economia chamado de “Estado providencia”, e posteriormente outro chamado “Estado

    liberal” contrário ao forte controlo do estado na economia e na vida das pessoas. Nesse último

    caso, Picó (1999, p. 04) acredita que de início, o Estado é visto como um instrumento passivo com

    a função de apenas facilitar as regras e o quadro em que as forças sociais operam. Para ele,

    nessa relação o Estado não deve tomar qualquer papel na mudança social, mas responder,

    sempre que necessário, os problemas causados pela economia de mercado. Já para Mouffe

    (1999, p. 187) os defensores do liberalismo político concebem que o Estado liberal deve

    necessariamente fazer referência a ideia de bem comum sem ser neutro com respeito à moral.

    Para ela, eles reconhecem que não podem prescindir de uma teoria do bem comum, mas ela se

    enquadra como uma teoria mínima. Logo, segundo a autora, esta teoria deve ser distinta das

    visões abrangentes, pois a sua é uma moral comum, que se restringe a princípios que podem ser

    aceitos por pessoas que possuam ideais e condições de vida diferentes das suas.Inicialmente a ideia de um “Estado mínimo” sugeria uma diminuição das forças do Estado a partir

    dos pressupostos da livre concorrência e mercado impostas pela globalização, mas o que se

    evidenciou foi um processo de desresponsabilização do Estado com formas sutis e capilares de

    controlo e burocratização. Para Gentili (2006),

    “A promessa de reduzir o peso do Estado não se cumpriu, nem no primeiro nem no terceiro

    mundo. O que diminui foi o investimento público em áreas como a saúde, a educação e a

    segurança social, reorientado para a criação de condições de investimento e de garantias aos

    investimentos privados. As economias não se tornaram necessariamente mais competitivas,

    antes cresceu a desigualdade e a injustiça social, com a consequente diminuição dos direitossociais dos cidadãos” (p.12).

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     Ao analisar a questão sobre o fim do Estado frente a globalização, Vilas (2000, p. 30) afirma que o

    número de estados tem crescido dramaticamente nos últimos anos. Cita como exemplo, o caso

    das Nações Unidas que tinha 143 membros, e em 2000 tinha mais de 200. O autor argumenta,

    que de fato, há estados e estados - como ilustrado pela desigualdade institucionalizada de direitos

    no Conselho de Segurança da ONU em si - caso em que a questão em discussão é a capacidadee a eficácia dos Estados Unidos e sua viabilidade como organização política eficaz. Nesses casos,

    o Estado não só persiste, como se fortalece nos contextos globais, mas é repensado ou entendido

    a partir questões que o contexto demanda. Assim, segundo Ortiz (1997)

    “… As identidades nacionais são abaladas pelo movimento da globalização. Ela anuncia

    acomodações e resistências. Seria ingênuo acreditar que a nação ´acabou`, ou que o mundo

    se transformou numa ´aldeia` na qual todos falariam a mesma língua. A modernidade-mundo

    multiplica os referentes identitários, retirando, porém, do Estado-nação, a primazia de defini-

    los” (p. 274).

     A pressão pela diminuição do Estado ocorre, quase sempre, quando o capital internacional ouglobal, presente nos quatro hemisférios, encontra um Estado que regula e impõe normas para se

    auto legitimar mediante ao cenário local. Essa realidade é extremamente prejudicial aos objetivos

    dos negócios mundializados, uma vez que demanda adequações e negociações, nem sempre

    favoráveis ao expansionismo do modelo económico. Sendo assim, o melhor é um Estado mínimo

    que não interfira e permita a plenitude dos princípios básicos do capital, ou seja, a livre escolha e

    concorrência. Nesse contexto, Santos (2005, p. 4) adverte que a democracia mesmo privada de

    seu potencial redistributivo, tornou-se completamente compatível com o capitalismo, e em tal grau

    que ambos se transformaram nos conceitos gémeos que presidem ao novo modelo global das

    questões políticas e sociais, um modelo imposto a nível mundial pela globalização neoliberal,

    pelas políticas de ajustamento estrutural e também, mais recentemente, pela guerra neocolonial. 

    No percurso apresentado, a globalização, com e pela democratização, se difunde entre os

    chamados Estados capitalistas democráticos que no geral transparecem a ideia de inevitabilidade

    e irreversibilidade dos movimentos económicos em andamento. Por outro lado, foi a globalização

    da mesma democracia que nos permitiu perceber que outros caminhos democráticos são

    possíveis, mesmo que estes, hora não sejam hegemónicos ou globalizáveis. De fato, há um

    conjunto de estudos que tendem a dar realce a movimentos locais e nacionais constituídos pelos

    princípios de uma democracia participativa e radical. Desse modo, segundo Garcia (2015),“Apesar da aparente impotência ou determinação do Estado, a partir dos chamados ditames

    internacionais, não se pode de maneira alguma afirmar que esta simbiose alinha ou

    homogeneíza os Estados Nacionais e suas políticas. Também seria ingénuo imaginar que os

    mesmos conseguem resistir às investidas e pressões e se manterem ímpares e distintos, por

    menor e mais isolado que seja o Estado” (p.72).

    Corroborando a ideia contrária a uma sociedade indefesa ao processo de globalização, e da

    imagem de possível isolamento e independência destas mesmas sociedades Vilas (2000, p. 42)

    esclarece que o Estado como uma vítima da globalização é apenas uma parte simplificada da

    questão. Para o autor, o estado também tem provado ser facilitador da globalização, um agente

    estratégico para o seu desenvolvimento. Ressalta que na América Latina e outras regiões do

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    mundo o Estado tem reforçado, por meio da desregulamentação e privatização em grande escala,

    a capacidade de decisão dos atores da economia internacional. Logo, podemos seguramente

    afirmar que nessa relação e orientados por novas correlações de forças, os Estados competem

    entre si para oferecer as melhores condições ao investimento estrangeiro. Essa circunstância foi

    usada pelos investidores para aumentar suas necessidades de segurança na aplicação de seusrecursos e seu livre regresso quando necessário.

    A globalização em suas múltiplas relações com as políticas neoliberais de acesso ao

    Ensino Superior no Brasil

    Sem se distanciar ou negar as referências da democracia já discutidas, o segundo estudo pontua

    as relações que as políticas neoliberais de acesso ao ensino superior tendem a assumir a partir

    das relações estabelecidas com a globalização. Desse modo, a política neoliberal, baseada no

    ideário da globalização interfere diretamente nas políticas dos países, tanto dos países centrais e

    os chamados de periféricos do capitalismo. Desse processo resultam transformações nas noções

    de direito sociais, de saúde, de educação, de lazer e de cultura, pois o mercado passa a ser

    tomado como regulador das relações sociais. Com a abertura, principalmente a econômica, vê-se

    cair diante do mercado mundial as fronteiras, e permite o avanço do capital e da tecnologia que

    cada vez mais interfere na estrutura dos países periféricos, os quais tendem a perder sua

    autonomia econômica e, junto com ela, sua autonomia política. As transformações são visíveis

    apontando para processos de unificação e adaptação, assim como, para o nivelamento de

    padrões de consumo e uma crescente e inevitável massificação cultural. Essas transformações

    também incidem na educação, visto que, esta não pode ser pensada em um contexto sociopolítico

    isolado. Neste sentido, Libâneo e Oliveira (1998) afirmam que:

    “As transformações gerais da sociedade atual apontam a inevitabilidade de compreender o

    país no contexto da globalização, da revolução tecnológica e da ideologia do livre mercado

    (neoliberalismo). A globalização é uma tendência internacional do capitalismo que, juntamente

    com o projeto neoliberal, impõe aos países periféricos a economia de mercado global sem

    restrições, a competição ilimitada e a minimização do Estado na área econômica e social” (p.

    606).

    O projeto neoliberal para a educação não se diferencia muito dos seus objetivos ideológicos e

    econômicos quais são: de constituição de um mercado livre, da participação mínima do Estado, do

    aumento da competitividade, da liberdade e do individualismo. Contudo, no ideário neoliberal é

    dado um papel estratégico para educação que é de servir aos propósitos empresariais e

    industriais, como também de ser um transmissor das ideias de defesa do livre mercado e da livre

    iniciativa.

    Neste contexto, o projeto neoliberal para a educação superior tem como objetivo a formação de

    mão-de-obra para o mercado, esta, constituída de pessoas descontextualizadas, despolitizadas,

    individualistas e de uma forma geral, sem sentimento crítico. Desta forma, a educação superior

    deixa de ser definida como um espaço público e político de discussão, e passa a ser redefinida

    como um bem de consumo, e avaliada pela sua produtividade baseada em critérios oriundos dosistema capitalista empresarial. Assim, Dave Hill (2003) adverte que: 

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    “Nas universidades e estabelecimentos de cursos superiores vocacionais a linguagem da

    educação foi amplamente substituída pela linguagem do mercado, aonde os professores

    universitários ‘entregam o produto’, ‘operacionalizam a entrega’ e ‘facilitam o aprendizado dos

    clientes’, dentro de um regime de ‘gestão da qualidade’ em que os estudantes viram fregueses

    selecionando módulos ao acaso aonde, nas universidades, ‘o desenvolvimento da habilidade

    técnica’ ganha importância em detrimento do desenvolvimento do pensamento crítico”  (pp. 33-

    34).

    Pode-se afirmar que nas políticas neoliberais para o ensino superior é adotado a lógica do

    mercado, amparada pela relação entre oferta e procura do serviço educativo e introduz um novo

    conceito no âmbito acadêmico, onde a universidade torna-se “produtora” de serviço, e o aluno

    passa a ser “consumidor”, numa relação puramente comercial. 

    Neste contexto, a universidade que se caracterizou como um espaço de excelência para o

    desenvolvimento do conhecimento, torna-se alvo fácil de ajustes e reformas na lógica do projeto

    neoliberal “A orientação teórica dominante assenta-se no neopositivismo, na fragmentação do

    conhecimento, no empiricismo, em micro-análises rasteiras e a-históricas, no estudo das

    identidades e representações em detrimento da análise concreta de situações concretas”.

    (Abramides, 2005, p. 1).

    Nesta analise do Estado, da globalização e do neoliberalismo, a educação se apresenta como um

    ponto de pauta na formulação das políticas nacionais e internacionais como elemento de controlo

    e/ou emancipação, seja pelo Estado ou pelos movimentos organizados da sociedade civil.

    Todavia, a aceitação de ideias externas no sistema educacional local, contempla a preocupação

    com a difusão de uma cultura global na formação dos indivíduos, constitui uma estratégia política

    mais ampliada ligada à busca de uma hegemonia econômica, política, cultural e ideológica sobretodas as regiões com o objetivo de fortalecer a posição de liderança neoliberal na ordem mundial.

    A globalização e os processos de avaliação dos sistemas educativos

    No terceiro e último estudo referenciado há uma evidente vinculação dos processos de qualidades

    advindos das diversas e variadas formas de avaliação dos sistemas educativos. Na pesquisa há

    uma preocupação em entender as formas atuais de avaliação dentro do contexto da globalização.

     Assim, de modo geral as avaliações globalmente difundidas, a exemplo do PISA - Programme for

    International Student Assessment, compõem as formas modernas de controlo e transparecem

    uma forma nova e diferente de intervenção nas políticas locais. Do mesmo modo se percebe a

    referência ao legado tradicional da gestão científica e da teoria burocrática no modelo de controlo

    direto que ainda vigora. Logo, por esse modelo seria possível ter um conhecimento completo

    sobre todas as alternativas de escolha na tomada de decisão e as suas consequências, bem como

    sobre os próprios contextos políticos, sociais, culturais e econômicos nos quais as instituições se

    situam (Santiago, Magalhães, & Carvalho, 2005).

     As pressões externas são sentidas no âmbito da educação superior e buscam influenciar a

    organização dos currículos e dos processos de ensino, no sentido de alinhá-los com as noções de

    qualificação e de competência profissional e com os requisitos percebidos do mercado de

    trabalho, além dessas pressões há as imposições originárias de organismos internacionais, como

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    a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, o Banco Mundial, o Fundo

    Monetário Internacional, e a Organização Mundial do Comércio. Apoiadas desta feita nas teorias

    do capital humano, em algumas das narrativas económicas neoliberais e na crença sobre a

    existência de uma relação direta e unívoca entre ensino superior e o desenvolvimento económico,

    a retórica e as práticas destes organismos têm insistido que a investigação deve ser de acordocom a economia, de valorização das áreas de formação em que o mercado de trabalho demonstre

    interesse assim como mantenha interesse também na eficiência, na qualidade e na competição

    para melhoria do funcionamento dos sistemas e das instituições. Esses temas fazem parte do rol

    de metas, as quais deverão ser alcançadas por organismos favoráveis aos mercados econômicos

    globais (Santiago, Magalhães & Carvalho, 2005)

    Como parte desse cenário, a universidade foi orientada no sentido de suprir e realizar as

    demandas do mercado, desta feita dando margem a trocas de suas finalidades, objetivos,

    estruturas e formas de gestão. A crescente mobilidade dos estudantes também contribui não só

    para a crescente internacionalização dos sistemas educativos como para o desenvolvimento de

    mercados internacionais de ensino superior. Os programas comunitários desenvolvidos pela União

    Europeia, visando favorecer a mobilidade dos estudantes, promovem uma internacionalização dos

    currículos, na medida em que implicam a elaboração de planos de transferências de unidades

    capitalizáveis a nível europeu, visando o reconhecimento e a validação dos períodos passados em

    instituições de ensino superior estrangeiras. A necessidade de comparar cursos e diplomas

    universitários incentiva a constituição de mecanismos de avaliação, fortalecendo a dimensão

    internacional dos currículos (Seixas, 2003). Assim, a globalização estimulou a internacionalização

    dos processos educacionais, ajudada pela evolução das tecnologias de informação que facilitaram

    a mercadorização do conhecimento, cultura e do ensino superior. Se esse processo não se dá

    alheio aos interesses locais, também fica latente que nas instâncias locais e nacionais é

    conjugado com o medo e com a sensação de irreversibilidade. Para Dale (2004, p. 425), esse

    processo se manifesta em especulações, profecias, dúvidas, medos que salientam e celebram a

    “globalização” e suas consequências. 

    No fundo, o que perpassa nas novas estratégias políticas de controlo e regulação é a ideia de que

    a combinação entre mercado e uma maior aproximação ao princípio da autoregulação produziria

    mais eficiência e eficácia no sistema e nas instituições de ensino superior. Esta combinação

    proporcionaria a criação de ambientes de competição entre as universidades:  –  por alunos (aescolha livre dos alunos surge como um instrumento de regulação) - por recursos financeiros e

    pelo acesso à informação – que estimularia a busca da qualidade e da excelência. A importação

    das narrativas e práticas de gestão do sector privado foi amplamente facilitada pela adesão a esta

    crença. As universidades, encorajadas pelo discurso sobre a conquista da autonomia, em

    particular no plano financeiro e orçamental, passaram a assumir um maior número de ações

    pautadas pelo objetivo de captar recursos no exterior ou a aproximar algumas delas do ethos do

    negócio empresarial: consultoria, investigação sob contrato, programas de ensino direcionados

    para o sector empresarial, marketing comercial (Santiago, Magalhães, & Carvalho, 2005).

     Além da busca de recursos externos nas denominadas parcerias com privados, a universidade

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    passa a substituir a relação de teor mais burocrático por uma gestão de contratos. Nesse modelo

    há a separação do prestador de serviço e o financiador desses mesmos serviços numa relação

    que dá ênfase na prestação de contas baseada na avaliação externa que produz mudança nos

    processos e estruturas organizacionais das Instituições de Ensino Superior.

    Em termos educacionais, existe uma compreensão crescente de que a versão neoliberal daglobalização, particularmente da forma implementada (e ideologicamente defendida) por

    organizações bilaterais, multilaterais e internacionais, reflete-se em uma agenda educacional que

    privilegia, se não impõe de modo direto, certas políticas de avaliação, financiamento, padrões,

    formação de professores, currículo, instrução e testes. Diante dessas pressões, são necessários

    mais estudos sobre as respostas locais para defender a educação pública contra a introdução de

    mecanismos de mercado para regular as trocas educacionais e outras políticas que busquem

    reduzir o patrocínio e o financiamento estatal e impor modelos de administração e eficiência

    emprestados do setor empresarial como um arcabouço para a tomada de decisões envolvendo a

    educação.

    Nesse terceiro estudo desenvolve-se também a premissa de que outras formas de avaliação são

    possíveis e necessárias ao ensino superior. Por esse caminho está sendo construído um

    aprofundamento teórico que possibilite uma discussão crítica diferenciada sobre a presença da

    accountability como forma de avaliação. Para Abrucio (2006) a accountability , na esfera pública,

    aprimora as instituições, quanto ao desempenho dos programas governamentais, transparência e

    responsabilidade social. Já para Campos (1990, p. 01-02), a accountability   não é apenas uma

    questão de desenvolvimento organizacional ou de reforma administrativa, pois para o autor os

    mecanismos de controlo burocrático tradicionais não se mostraram suficientes para tornar efetiva

    a responsabilidade dos servidores públicos no sentido da prestação de contas e transparência em

    relação a comunidade.

    No contexto educacional, as novas formas de mercado trazidas pela globalização trouxeram novas

    maneiras de fiscalização e acompanhamento que buscam essencialmente fortalecer os processos

    de controlo de concorrência entre as organizações. Para Afonso (1999) há uma ênfase genérica

    na avaliação dos resultados e a desvalorização do acompanhamento dos processos. Assim,

    segundo o autor “independentemente da natureza e dos fins específicos das organizações ou

    instituições públicas consideradas é preciso responsabilizar as pessoas por esses processos,

    pelos resultados mensurados” (Afonso, 1999, p. 8). 

    Considerações finais

    Temas como globalização, neoliberalismo, democracia, processos de avaliação, políticas de

    acesso e permanência nos sistemas educativos estão atualmente presentes nos estudos e

    discussões relevantes ao cenário educativo como se perspetivou neste trabalho. No geral, a base

    da discussão foi pautada na ideia de uma globalização baseada no ideário neoliberal

    fundamentada pela existência de um mundo sem fronteiras, com mercado livre, participação

    mínima do Estado, aumento da competitividade, da liberdade e do individualismo. Neste contexto

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    a educação assumiu um papel fundamental na formação da força de trabalho para dar

    prosseguimento ao modelo capitalista de desenvolvimento.

    Tanto na economia como na educação ocorre uma pressão de organismos multilaterais,

    principalmente nos países periféricos para adoção de políticas que transformem o ensino superior

    em um bem comercial e que este seja preferencialmente oferecido por empresas privadas oumesmo públicas com a utilização de mecanismos oriundos do mundo empresarial. É neste

    diapasão que a educação superior tende a proporcionar uma formação descontextualizada,

    despolitizada, individualista e de uma forma geral, sem sentimento crítico para quem possa arcar

    com seus custos.

     A diminuição da participação estatal é apontada pelos defensores da globalização neoliberal como

    um fundamento para a expansão do ensino superior visto que o ensino público demanda um

    volume expressivo de recursos e que os mesmos em muitos dos casos são mau utilizados, para

    esses defensores o ensino privado teria melhores condições de gerir os recursos e que os

    consumidores teriam melhores condições de escolha através da divulgação dos resultados obtidos

    por essas instituições de ensino.

    Em um contexto em que a globalização é vista como um processo irreversível para a criação de

    “Aldeia global” onde cada país tem que se alinhar as políticas ditadas pelo poder hegemônico do

    capitalismo tendo a competitividade entre instituições de ensino como um modelo saudável para

    sua sobrevivência, a avaliação e os rankings sendo cada vez mais utilizado como ferramenta de

    mensuração da qualidade que observamos no Brasil com as reformas universitárias, como em

    Portugal com a adesão ao Processo de Bolonha, uma tendência cada vez mais crescente de um

    modelo de educação superior orientado para a adoção de políticas neoliberais com crescimento

    do ensino privado ou adoção de práticas importadas da iniciativa privada para referenciar o

    modelo adotado.

    Referências

     Abramides, M. B. (2005). A reforma do ensino superior no Brasil sob a lógica neolibral no governo

    Lula. http://www.apropucsp.org.br/revista/r21_r04.htm. Acessível em 15 de julho de 2015.

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