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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ Departamento de Economia e Contabilidade Departamento de Estudos Agrários Departamento de Estudos da Administração Departamento de Estudos Jurídicos CURSO DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO NILSON HEIDEMANN A GESTÃO NOS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL (CAPS): AS CONCEPÇÕES DE GESTOR NA DINÂMICA GERENCIAL Ijuí (RS) 2009

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ

Departamento de Economia e Contabilidade

Departamento de Estudos Agrários Departamento de Estudos da Administração

Departamento de Estudos Jurídicos

CURSO DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO

NILSON HEIDEMANN

A GESTÃO NOS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL (CAPS):

AS CONCEPÇÕES DE GESTOR NA DINÂMICA GERENCIAL

Ijuí (RS)

2009

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO

DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ

NILSON HEIDEMANN

A GESTÃO NOS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL (CAPS):

AS CONCEPÇÕES DE GESTOR NA DINÂMICA GERENCIAL

Ijuí (RS)

2009

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NILSON HEIDEMANN

A GESTÃO NOS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL (CAPS):

AS CONCEPÇÕES DE GESTOR NA DINÂMICA GERENCIAL

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Desenvolvimento – Mestrado, Linha de Pesquisa: Gestão de Organizações e do Desenvolvimento, objetivando a obtenção do grau de Mestre em Desenvolvimento. UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

Orientadora: Doutora Enise Barth Teixeira

Ijuí (RS)

2009

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UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul

Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento – Mestrado

A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação

AA GGEESSTTÃÃOO NNOOSS CCEENNTTRROOSS DDEE AATTEENNÇÇÃÃOO PPSSII CCOOSSSSOOCCII AALL ((CCAAPPSS)):: AASS

CCOONNCCEEPPÇÇÕÕEESS DDEE GGEESSTTOORR NNAA DDII NNÂÂMM II CCAA GGEERREENNCCII AALL

elaborada por

NILSON HEIDEMANN

como requisito parcial para a obtenção do grau de

Mestre em Desenvolvimento

Banca Examinadora: Profª. Drª. Enise Barth Teixeira (UNIJUÍ): ________________________________________ Profª. Drª. Denize Grzybovski (UPF): ____________________________________________ Profª. Drª. Lurdes Marlene Seide Froemming (UNIJUÍ): _____________________________

Ijuí (RS), 31 de agosto de 2009.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha orientadora, Enise Barth Teixeira, por acolher este projeto, pelas

intensas horas de orientação, por compartilhar sua experiência e seus saberes e por dar

continência às angústias que surgiram no decorrer do mestrado.

Aos coordenadores, servidores, usuários e familiares, e aos demais profissionais dos

Centros de Atenção Psicossocial, que acolheram este projeto e contribuíram para sua

realização.

Aos colegas do Mestrado, com os quais tanto aprendi sobre questões de administração.

Ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Unijuí, pela

formação de qualidade.

Aos amigos e colegas de tantas lutas que, em espaços acadêmicos ou extra-

acadêmicos, compartilharam idéias, em especial à colega psicóloga Luciane Gheller

Veronese, aos advogados Niki Frantz e Giovana Mattioni Viecili e à acadêmica de Direito da

Unijuí, Daiana Uecker de Moura.

À minha família, que compartilhou com meu estresse quando da produção desta

dissertação.

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RESUMO

Esta dissertação trata da relação entre gestor, equipe, usuários e familiares e servidores dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e Unidades Básicas, e tem como principal objetivo discutir os sentidos que circulam em CAPS sobre a presença do gestor e sobre as práticas desenvolvidas por ele no interior desse serviço público. Sustenta-se no aporte teórico de teorias psicanalíticas, administrativas, sociológicas e psicológicas e inspira-se metodologicamente em entrevistas com atores sociais dos CAPS de Ijuí/RS. Através da análise documental da legislação pertinente e de ofícios, atas, relatórios, registros e comunicações informais dos CAPS e da produção científica do material publicado em livros e artigos científicos constantes em revistas indexadas e redes eletrônicas. A pesquisa participante é desenvolvida a partir da interação entre o pesquisador e os atores sociais que compõem o CAPS I e II de Ijuí/RS e selecionados para as entrevistas; foram traçados movimentos de aproximação entre as políticas públicas em saúde mental e a função do gestor. O trabalho de campo foi realizado nos dois CAPS do Município de Ijuí/RS. Apesar das entrevistas terem sido gravadas na íntegra, foram utilizados apenas alguns fragmentos do material produzido em campo para visualizar pontos de articulação entre o coordenador, a equipe, usuários, familiares e a rede. Ao final da investigação foi possível perceber que a presença do gestor no CAPS exige funções sociais da instituição que não se resumem à simples implantação de programas de atividades no interior do serviço, o que permite vislumbrar a constituição de uma gestão de CAPS e suas práticas que mobilizam subjetividades na busca de outras formas de organizar o cuidado em saúde mental, identificadas com a reinserção social, a desinstitucionalização e a humanização.

Palavras-chave: Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Saúde mental. Gestor. Subjetividade. Desinstitucionalização.

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ABSTRACT

This dissertation treats of the relationship among manager, team, users and family and servers of Attention Psicossocial (CAPS's) and Centers and Basic Units, and it has as objective principal the senses that circulate in CAPS on the manager's presence to discuss and on the practices developed by them in the interior of that public service. It is sustained in the theoretical contribution of theories psicanalitical, administrative, sociological and psychological and it is inspired metodological by interviews with social actors of CAPS of Ijuí/RS. Through the documental analysis of the pertinent legislation and of occupations, minutes, reports, registrations and informal communications of CAPS and of the scientific production of the material published in books and constant scientific goods in indexed magazines and electronic nets. The participant research is developed starting from the interaction between the researcher and the social actors that composes CAPS I and II of Ijuí/RS and selected for the interviews; approach movements were traced among the public politics in mental health and the manager's function. The field work was accomplished in two CAPS of the Municipal district of Ijuí/RS. In spite of the interviews they have been recorded in the complete, just some were used fragments of the material produced in field to visualize articulation points among the coordinator, the team, users, family and the net. At the end of the investigation it was possible to notice that the manager's presence in CAPS demands social functions of the institution that they are not summarized to the simple implantation of programs of activities inside the service, the one that allows shimmer the constitution of an administration of CAPS and your practices that mobilize subjectivities in the search in other ways of organizing the care in mental health, identified with the social reinsert, the desinstitutional and the humanization.

Key words: Centers of Attention Psicossocial (CAPS). Mental health. Manager. Subjectivity. Desinstitutional.

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LISTA DAS FIGURAS

Figura 1 - Forças de coesão e/ou divergência............................................................. 23 Figura 2 - Modelos de comunicação........................................................................... 25 Figura 3 - Cone invertido............................................................................................ 34 Figura 4 - Esquema de cone invertido........................................................................ 38 Figura 5 - Comparação entre grupos e equipes de trabalho........................................ 40 Figura 6 - Maníacas. Esquirol, Des Maladies Mentales, 1838................................... 54 Figura 7 - Lipemaníacas. Esquirol, Des Maladies Mentales, 1838............................ 54 Figura 8 - Organograma do Sistema Municipal de Saúde de Ijuí/RS ........................ 101 Figura 9 - Foto 1 de tela pintada por paciente do CAPS II......................................... 102 Figura 10 - Foto 2 de tela pintada por paciente do CAPS II ........................................ 102

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LISTA DOS QUADROS

Quadro 1 - Caracterização de indivíduos e organizações ........................................... 31 Quadro 2 - Acompanhamentos realizados em grupos terapêuticos............................. 82 Quadro 3 - Síntese das percepções dos coordenadores sobre a gestão dos CAPS....... 86 Quadro 4 - Trabalho inter-redes e função do gestor na visão dos servidores.............. 95 Quadro 5 - Entrevista com servidores da UB .............................................................. 99 Quadro 6 - Entrevista com usuários dos CAPS I e II .................................................. 103 Quadro 7 - Entrevista com familiares de usuários dos CAPS I e II ............................ 104

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................9

1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO ..........................................................................12 1.1 Apresentação do tema.........................................................................................................12 1.2 Problema.............................................................................................................................14 1.3 Objetivos.............................................................................................................................15 1.3.1 Objetivo geral ..................................................................................................................15 1.3.2 Objetivos específicos.......................................................................................................16 1.4 Justificativa.........................................................................................................................16

2 REFERENCIAL TEÓRICO ..............................................................................................19 2.1 Organização formal: burocrática e pública.........................................................................19 2.2 Dinâmica organizacional em organizações públicas ..........................................................22 2.3 A função gerencial e a liderança.........................................................................................30 2.4 Grupo e trabalho em equipe nas instituições/organizações formais...................................37

3 METODOLOGIA ................................................................................................................44 3.1 Classificação da pesquisa ...................................................................................................44 3.2 Descrição da realidade institucional ...................................................................................45 3.3 Sujeitos da pesquisa............................................................................................................47 3.4 Coleta de dados...................................................................................................................48 3.5 Análise e interpretação dos dados ......................................................................................49

4 GESTÃO EM CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL – CAPS..........................50 4.1 Fragmentos históricos da loucura .......................................................................................50 4.2 Dos manicômios aos Centros de Atenção Psicossocial: a imagem no social.....................52 4.3 O Hospital Psiquiátrico São Pedro – HPSP........................................................................57 4.4 Um traço da história institucional na gestão da loucura em Ijuí/RS ..................................60

5 DAS PREMISSAS REGULAMENTARES DO MINISTÉRIO DA SAÚ DE À GESTÃO DOS CAPS DO MUNICÍPIO DE IJUÍ/RS ........................................................77 5.1 Constituição e funcionamento dos CAPS...........................................................................78 5.2 A gestão no olhar dos atores sociais...................................................................................85 5.2.1 Considerações sobre a equipe de saúde mental dos CAPS de Ijuí/RS ............................89 5.2.2 Uma possibilidade de passagem de grupo para equipe ...................................................94 5.2.3 Da narrativa dos servidores da Unidade Básica à visão dos coordenadores e dos CAPS...............................................................................................................................98 5.2.4 Da rede de cuidados à rede intersetorial ..........................................................................99

CONCLUSÃO.......................................................................................................................106

REFERÊNCIAS ...................................................................................................................108

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INTRODUÇÃO

A presente dissertação apresenta as práticas e intervenções no campo da saúde mental

estão atreladas a discursos dominantes, os quais determinam a especificidade da gestão

institucional, assim como a concepção da função gestor, fundamental na dinâmica da equipe

na instituição. A necessidade de abordar este tema provém da relação profissional do

pesquisador como servidor público no Município, no cargo de Psicólogo do CAPS II e como

seu gestor no período 2000/2003.

Apesar de o tema sofrimento humano ser recorrente e interessar ao homem desde a sua

existência/desde sempre, foi necessário delimitá-lo, pois permite vários enfoques.

A partir do momento em que foi criada uma instituição para cuidar dos doentes

mentais, denominada de manicômio, o que remonta à fundação da psiquiatria moderna,

também se instituiu uma forma de gestão, com procedimentos e intervenções que sofreram

influência das descrições constantes nos compêndios da psiquiatria.

O período que interessa à presente análise é a partir de 1980 até a atualidade, mas, para

entender a gestão dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), há de se considerar o passado

deste processo.

A questão de investigação se atém à concepção do gestor dos CAPS, vinculada à

proposição do Ministério da Saúde e, ao mesmo tempo, às dificuldades que se encontram

quando a concepção do gestor se contrapõe aos princípios que fundamentam a referida

proposta.

O suporte teórico está em teorias administrativas, sociológicas, da psicológica

humanista existencial e da psicanálise.

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A investigação empírica tem como objeto os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS I

e II) do Município de Ijuí/RS, tendo como sujeitos os atuais coordenadores, o ex-coordenador,

servidores do CAPS, usuários da instituição e familiares, bem como servidores da rede básica.

Partindo do referencial teórico, inicialmente se aborda o fato de as instituições

necessitarem da burocracia. Hoje é impossível pensar a sociedade sem ela, razão pela qual foi

conferida uma discussão sobre a função da burocracia na instituição CAPS, a qual aponta para

a organização do trabalho, assim como para a impessoalidade nas relações na instituição.

Esse diálogo teórico fez o enlace com a dinâmica organizacional e o trabalho em

equipe proposto pelo Ministério da Saúde para compor a proposta em saúde mental. Conduzir

as equipes com base na função gerencial e da liderança, nas teorias administrativas, com os

estilos gerencial sistêmico controlador e sistêmico processual relacional, e trazer a função do

líder na teoria psicanalítica também possibilita visualizar o grupo e o trabalho em equipe nas

organizações/instituições.

Definem-se como níveis que constituem todo e qualquer trabalho: o grupo, a

organização e a instituição1. Há, ainda, uma proposição de ser acrescida à equipe como um

quarto nível.

Para falar na gestão em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), foi necessário

abordar a gestão da loucura, com fragmentos de sua história que compõe o processo de

inserção nas instituições que abrigaram os doentes mentais por séculos: os manicômios. Estes

formaram os primeiros recortes da instituição de doentes mentais e de modelo de gestão.

Os Centros de Atenção Psicossocial são modelos diferentes de instituição, com

propósitos diferenciados na gestão, pois em seus fundamentos as subjetividades constituem

paradigma à impessoalidade. Com isso, outra imagem começa a se desenhar para os loucos e

suas instituições.

O hospital São Pedro foi o único endereço dos loucos do Estado do RS e é símbolo das

passagens das políticas de Saúde Mental. Essa instituição manteve relações com todos os

municípios do Estado, incluindo Ijuí, cujo vínculo se deu por meio do Poder Executivo,

representado primeiro pelo Intendente e depois pelo Prefeito. A partir de uma política de

1 Entende-se por organização o conjunto de normas que organiza a instituição e produz efeitos no discurso que

dá o lugar das falas na instituição.

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saúde da vigilância sanitária dos anos 60, a relação passou a se efetuar pelos médicos

contratados pelo Estado para também tratar e encaminhar pacientes aos hospitais

psiquiátricos. Isso ocorreu durante décadas, até 1998, quando foi fundado o Centro de

Atenção Psicossocial de Ijuí. Com esse novo serviço de atenção à saúde mental, as

internações passam para o Hospital Geral e Hospitais Psiquiátricos, com sensível decréscimo

no número de internações.

Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são regulamentados pelo Ministério da

Saúde, que prescreve as normas institucionais e o processo de gestão. Para ilustrar esta

prescrição foram efetuadas pesquisas com a equipe de saúde mental dos CAPS de Ijuí. Ainda,

teceram-se articulações entre conceitos de rede de cuidados e rede inter-setorial para dizer que

esta interface auxilia na possibilidade de trabalhar a instituição no seu processo de abertura à

aprendizagem. Na sequência, as entrevistas com gestores, servidores, usuários e familiares

vão apontar os ganhos da proposta dos CAPS, mas também vão mostrar os entraves gerenciais

e subjetivos que se instalam nestes centros.

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1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO

A contextualização do estudo compreende a apresentação do tema, a problematização,

o propósito a que se pretende atender por meio da definição de seus objetivos (geral e

específicos) e a justificativa do estudo.

1.1 Apresentação do tema

O sofrimento humano interessa ao homem desde a Pré-História. Para adentrar ao tema,

serão analisados quatro importantes momentos históricos, sendo os dois primeiros de forma

sucinta e os outros de uma forma mais enfática, por sua importância para o cenário atual.

Assim, pode-se caracterizar: com Hipócrates (384-322 a.C.); com a Idade Média (476-1650);

com Philipe Pinel (século XVIII); e século XX, a partir da década de 80.

A medicina antiga tem em Hipócrates (384-322 a.C.) o seu fundador, o qual diz que as

doenças mentais nada têm de sobrenatural e que o verdadeiro centro da atividade mental é o

cérebro. Os médicos do Império Romano seguiram a tradição da medicina grega ao dizer que

o sofrimento não era demoníaco e chegaram a estabelecer uma nosografia para os alienados.

O segundo momento histórico pode ser considerado a partir da queda do Império

Romano e do surgimento de uma sociedade feudal, marcada pela relação senhor e escravo,

com um sistema de trocas sustentado por essas duas posições, as quais vão estabelecer o

sistema de poder da Idade Média. O clero era o detentor do conhecimento científico da época,

julgava os fenômenos sociais e psíquicos pela inquisição, do exorcismo e para expirar os

males na fogueira.

A monarquia era outra instância do poder, a qual fazia de seus súditos trabalhadores

para a Coroa. Esse sistema perdurou por mais de dez séculos, cerca de 200 anos depois do

Renascimento, deixando marcas profundas no tratamento dos doentes mentais. Quando

Erasmo de Rotterdam, com sua obra “O Elogio da Loucura”, entre outras vozes importantes

da época como a de Santa Tereza D´Avila, começou a questionar a forma dos procedimentos

dados aos preceitos da tradição, fez com que o indivíduo começasse a ter visibilidade na cena

social.

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O terceiro momento histórico da saúde mental tem início com Philipe Pinel, no século

XVIII. Inicia-se a denominada Psiquiatria Moderna, a qual produzira um recorte na condução

dos tratamentos, dando um lugar específico para os loucos: os manicômios. Pinel isolou o

alienado numa instituição especial, mas só ficavam num hospício os loucos considerados

nocivos e perigosos para a sociedade, ali permanecendo enquanto doentes, e assim que se

tivesse certeza de sua cura, eram reinseridos nas suas famílias (BERCHERIE, 1989).

Já o quarto momento tem início ainda no pós-guerra, na Europa e nos EUA, com um

amplo questionamento sobre a estrutura institucional dos hospitais psiquiátricos. No Brasil, a

inquietação aconteceu na década de 1980 com o Movimento dos Trabalhadores em Saúde

Mental, haja vista que a sociedade brasileira, nessa mesma década, enfrentava a ruptura de

uma política nacional ditatorial. No campo político, a efervescência se estabeleceu pela

redemocratização do país. A passagem da governança militar para a civil criou espaços para

movimentos sociais quebrarem os paradigmas constituídos e fomentar novas formas de

instituir o instituinte.

Respondendo a uma exigência do sistema capitalista da atualidade, defrontava-se

também com a ebulição da globalização, o que implicaria uma regionalização do poder

mundial. As políticas econômicas passaram a influenciar em todos os recantos do país. O

capitalismo contemporâneo está se transformando para adequar-se aos novos tempos. Ao

remodelar-se, cria mecanismos para continuar a expandir e controlar, direta ou indiretamente,

todas as formas de atividades humanas (BRUM, 1999).

Na economia, o Brasil vive um movimento de instabilidade, pois na década de 80

mergulhava numa profunda crise, com índices inflacionários elevados decorrentes de

estrangulamentos internos e de dificuldades externas. De acordo com Brum (1999, p. 110), “O

maior problema externo estava relacionado com o endividamento junto aos bancos

internacionais, sobretudo os norte-americanos”.

Na Região Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, a terra representava o valor

simbólico de pertença a um determinado ethos2 que orientava o laço no social até meados dos

anos 80, ou seja, tinha sua organização social e econômica em torno do setor agrícola e sofria

profundamente com as turbulências do mercado nesse período em que as transformações

econômicas marcavam novas formas de reconhecimento social. Com isso, ao invés de a terra 2 A palavra ethos significava para os gregos antigos a morada do homem, isto é, a natureza, uma vez processada

mediante a atividade humana sob a forma de cultura, faz com que a regularidade própria aos fenômenos naturais seja transposta para a dimensão dos costumes de uma determinada sociedade (LASTÓRIA, 2001).

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ordenar as referências simbólicas, dá-se passagem à tecnologia e à produtividade como

sustentação à entrada de novos símbolos na cultura.

As novas leis de mercado e os sistemas de troca atravessavam, na década de 80, as

individualidades e produziam outras formas de gestão nas instituições, percebendo-se essas

mudanças particularmente no setor agrícola com a implementação da tecnologia e o aumento

dos índices de produtividade. Essa nova forma de se relacionar com a terra contribuiu para a

quantificação ser tomada como referência de valor. Assim, a variável produtividade/lucro

tornou-se central também na área da saúde mental, pois o modelo hospitalocêntrico primava

pela quantidade de internados para manter a sua estrutura. No senso comum, diríamos:

“quanto mais, melhor”. As instituições operavam nesta lógica, que se instaura através da

economia e da política, com seus efeitos sociais/institucionais.

Com o projeto de Lei da Reforma Psiquiátrica iniciado na década de 1990, surgiram os

Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), os Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS) e

também os Centros de Atenção Integrada à Saúde (CAIS). A Lei nº 10.216, de 06/04/2001,

com o firme propósito de romper com o paradigma de funcionamento dos hospitais

psiquiátricos, fez com que a gestão da “instituição loucura” sofresse deslocamentos, assim

como o sofrimento, que passou a ser contextualizado de maneira diferente, com ênfase em um

estatuto puramente biológico, reduzindo o sofrimento psíquico a uma linguagem química

cerebral produzida a partir de um ideal que apresenta os fármacos como uma ilusão de

felicidade.

Neste contexto, a pesquisa centra-se na gestão dos CAPS e na discussão da função do

seu gestor, como um agente que utiliza dispositivos de inclusão da subjetividade no

tratamento do sofrimento psíquico no serviço público e as influências das subjetividades na

dinâmica gerencial.

1.2 Problema

A partir do momento em que foi criada uma instituição para cuidar dos doentes

mentais, o que remonta à fundação da psiquiatria moderna, também se instituiu uma forma de

gestão com procedimentos e intervenções que sofreram influência das descrições constantes

nos compêndios da psiquiatria.

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O momento que interessa para a presente análise é a partir de 1980 até a atualidade.

Para entender a gestão dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), há que se considerar o

passado deste processo.

Até os meados de 1980, a gestão se constituía em uma estrutura hierárquica (vertical)

para a condução do trabalho hospitalar e fora dele, isto quer dizer, o discurso médico era o

único a reger o processo de condução dos propósitos terapêuticos e de instrumentalização do

grupo de funcionários. A partir da década de 1980, no Brasil, com o Movimento dos

Trabalhadores em Saúde Mental, que surge para questionar a estrutura e a condução de

intervenções nos hospitais psiquiátricos, é criado um novo modelo para atender a demanda

crescente de pessoas em sofrimento psíquico. A Constituição de 1988 implantou o Sistema

Único de Saúde (SUS) e sua municipalização. No conjunto da Constituição, a Saúde Mental

garante dispositivos de lei que favorecem a articulação para a construção de um novo modelo

de instituição para cuidar dos doentes mentais.

Com o processo da Lei da Reforma Psiquiátrica implantou-se um modelo de gestão

formado por uma equipe mínima de diversas áreas do conhecimento humano para pensar a

terapêutica, ou seja, outros discursos além do discurso médico começam a participar da vida

institucional e dos procedimentos que conduzem os planos terapêuticos dos usuários.

A descentralização da posição de um discurso único na condução dos casos abre outras

possibilidades de intervenções, as quais vão produzir sintomas que diferem dos que se

instituíram a partir da concepção hospitalocêntricas. Com os Centros de Atenção Psicossocial

(CAPS), depois de uma década de trabalho, uma pergunta ecoa: que concepção de gestor se

faz necessária para conduzir a instituição CAPS?

1.3 Objetivos

1.3.1 Objetivo geral

Analisar a concepção de gestor e as influências da subjetividade na dinâmica gerencial

no modelo de gestão proposto aos CAPS.

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1.3.2 Objetivos específicos

– Realizar um estudo sistemático e interdisciplinar que delineia a relação entre as

concepções de sujeito, de organizações e de gestão em saúde mental.

– Examinar a trajetória das Políticas de Saúde Mental, especificamente em Ijuí/RS.

– Descrever a dinâmica organizacional, seus paradoxos de trabalho em equipe

multidisciplinar e a sua complexidade nos CAPS existentes em Ijuí.

– Identificar as concepções de gestor e seus efeitos nos CAPS I e II em Ijuí.

– Analisar os traços subjetivos que compõem o estilo de gestor dos CAPS existentes no

Município de Ijuí/RS.

1.4 Justificativa

A pesquisa sobre gestão dos CAPS, sobretudo as concepções de gestor, pretende levar

em consideração o desenvolvimento regional e o deslocamento das formas de intervenção da

saúde mental nos diferentes espaços e épocas.

Nos primeiros tempos, cujo período de referência vai de 1890 a 1960, por cerca de 70

anos, as intervenções no campo da saúde mental eram efetivadas pelas figuras representantes

do poder estatal e municipal – o espaço para os “loucos” era o presídio municipal, quando não

era possível o encaminhamento para o Hospital São Pedro, em Porto Alegre/RS, tido como

referência para os alienados no Estado.

No final da década de 60, o Hospital São Pedro esgota sua capacidade de internação,

obrigando o Estado, por meio da Vigilância Sanitária, a utilizar novos procedimentos, nos

quais o conhecimento médico determinava as ações, intervenções, conduções e

encaminhamentos daqueles que necessitavam de atendimento das patologias mentais. Assim,

os espaços dos alienados passaram a ser suas residências familiares e os hospitais

psiquiátricos do Estado do Rio Grande do Sul. Esta nova conduta ofereceu escassa

organização no campo da saúde mental, efetivando-se apenas mediante os reagendamentos de

consultas médicas e visitas familiares.

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Nos anos 80, a especialidade psiquiátrica passa a ser referência em Ijuí/RS. A

demanda de atendimento reprimida e a busca de um especialista na área começam a mostrar o

cenário e a organização por parte do poder público estadual. A crescente procura por

atendimentos nesta área de especialidade médica vai ao encontro das políticas públicas

instituídas pela União.

Os municípios são chamados pela política do Sistema Único da Saúde (SUS) para

prestar os serviços de cuidados aos loucos, isso nos anos 90. Na sequência, surgem os Centros

de Atenção Psicossocial (CAPS), os Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS) e os Centros de

Atenção Integrados à Saúde (CAIS) para difundirem um novo paradigma, um novo espaço,

com equipes multidisciplinares para intervir nas ações, intervenções, conduções,

encaminhamento e tratamentos dos doentes mentais.

Após dez anos de inserção destas instituições na cultura, cuja concepção está no

processo de gestão que promoveu a ruptura hegemônica de métodos que orientavam

funcionários e pacientes, ocorre, para as equipes e usuários, a substituição de uma estrutura de

poder verticalizada para uma gestão horizontalizada. Eis a vertente dialética destas duas

posições, pois elas se confundem.

Essa trajetória mostra a relevância do tema a ser pesquisado, porque faz emergir a

hierarquia de uma amarração discursiva única de poder, que vai das autoridades estaduais e

municipais à autoridade do discurso médico nas condutas e procedimentos vinculados ao

destino dos loucos.

Apesar de uma nova concepção de instituição de saúde mental, observa-se que essa

antiga forma aparece sob outra roupagem nas instituições da atualidade, mesclada pelo

discurso da ciência que dá ao sujeito um lugar de auto-regulação, ou seja, o sujeito é encarado

como uma máquina orgânica (MORGAN, 1996), cuja deficiência é suprida pela

medicalização, em detrimento do sujeito da relação. Quando se fala de mudanças propostas

pelos CAPS para promover a cidadania, pode-se pensar: Como elas se estabelecem? Até onde

elas avançam? E por que elas não progridem?

Se por um lado ainda perdura a forma antiga, é no modelo de CAPS que se vai

produzir uma ruptura deste paradigma. Com isso, a pesquisa vai deparar-se com o papel do

gestor como agente de condução da gestão dos CAPS. Isto quer dizer: o Ministério da Saúde,

no que tange à proposta de saúde mental, tem seus princípios norteadores definidos; de outro

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lado, a gestão dos CAPS está definida a priori, após o declínio do discurso hegemônico

hospitalocêntrico que determinava a ordem na condução da loucura.

Com a reforma psiquiátrica, outro paradigma e uma nova forma de gestão são

estabelecidos para conduzir os trabalhos com os loucos. Esta nova forma rompe com

pressupostos antigos, de fundamental importância para a função do gestor, pois se sabe o

quanto de resistência provoca uma nova concepção.

A razão da escolha do tema decorre do fato de o pesquisador ter participado como o

primeiro profissional da área da psicologia no CAPS II, bem como ter tido a atribuição de

gestor durante o período de 2000/2003 nesta instituição, no Município de Ijuí/RS.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

O quadro teórico de referência congrega conceitos básicos necessários para o

desenvolvimento da pesquisa sobre a gestão nos CAPS com enfoque nas concepções de gestor

e as influências das subjetividades na dinâmica gerencial. Nesta abordagem, serão utilizadas

concepções de organização formal burocrática e pública, a dinâmica organizacional e o

trabalho em equipe, a função gerencial e liderança, o grupo e o trabalho em equipe nas

organizações e instituições para se articular com os princípios que sustentam os CAPS.

2.1 Organização formal: burocrática e pública

O fato de as instituições necessitarem da burocracia para organizar o fluxo do trabalho

exige que se inicie citando a organização da forma burocrática ligada aos serviços públicos no

imaginário nacional para, posteriormente, fazer-se menção de como Weber concebia a

burocracia e em seguida como ela se estrutura, para daí adentrar na função do Gestor a partir

da burocracia.

A propósito do imaginário social no Brasil existe certa ligação entre serviço público e

burocracia. As primeiras idéias que vêm à mente sobre serviços prestados pela rede pública

são de morosidade, de trabalho emperrado, de excesso de formulários para autenticar a ação.

O que inquietava Weber era como as organizações ultrapassavam o tempo, as gerações

e continuavam seu destino. Ele chamou de burocracia os aspectos essenciais que davam

suporte à continuidade de uma organização. Isso retira a imagem fixa daquilo que se concebe

como burocracia, pois para este autor é o modo como as organizações se perpetuavam no

tempo. Para isto, as organizações possuíam princípios que se vinculam: ênfase da forma,

modelo hierárquico, com cargos estabelecidos, regras e normas bem delimitadas.

A especialização da tarefa e da competência por meio do preparo técnico adequado fez

com que o treinamento adquirisse importância nesse contexto. O quadro administrativo prima

pela qualificação, tanto dos diferentes quanto da homogeneidade do quadro de funcionários.

As regras e as normas entram para garantir e orientar os objetivos a serem alcançados. As

responsabilidades são definidas de forma que cada ocupante de cargo tenha clareza da

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extensão da sua competência em relação à tarefa que executa. Os relatos, a documentação, as

atividades e tarefas importantes na e da organização devem ser registradas.

A burocracia é, portanto, consequência formal, e seu caráter é impessoal, com

conotação profissional. Essas características são as condições fundamentais para que se

obtenha a previsibilidade e o controle de comportamentos dos membros e usuários de uma

organização. Na sociedade civil, a corporação é a burocracia, enquanto que no Estado “a

burocracia é a corporação” (LAPASSADE, 1989, p. 105). Nesta instância, ela adquire caráter

de lei, com objetivo de unificar a diversidade.

O formalismo da burocracia se expressa no fato de que a autoridade deriva de um

“sistema de normas racionais, escritas e exaustivas, que definem com precisão as relações de

mando e subordinação, distribuindo as atividades a serem executadas de forma sistemática,

tendo em vista os fins visados” (MOTTA; PEREIRA, 1986).

Na visão de Caravantes (1998), a administração é formalmente planejada, organizada,

e sua execução se realiza por documentos escritos. Com isso se definem as características do

caráter formal das burocracias. Assim sendo, o discurso de uma organização é que vai dar o

tom das características burocráticas mais evidenciadas, a racionalização integral da produção

e da dinâmica institucional.

Um termo utilizado na estrutura moderna das organizações, e citado por Gouldner

(apud MENEGASSO, 2001), é o da dimensão, a qual aponta os exageros dos desvios do

modelo burocrático weberiano. A velocidade em escala gigantesca dos fenômenos

burocráticos que invadem o Estado introduz um novo sistema de valores, um controle de cima

para baixo, verticalizado através do sistema que serve de modelo para as relações humanas.

Esse processo retira, em grande parte, o poder de decisão, iniciativa, responsabilidade dos

atos, a comunicação, dificultando a apropriação da aprendizagem e da formação. Robert

Merton (apud CARAVANTES, 1998, p. 50), sociólogo que interpretou os estudos da

burocracia weberiana, determinou esses desvios ou exageros de disfunção da burocracia.

Referindo-se a ela descreveu:

Uma estrutura social formal, racionalmente organizada, implica modelos de atividades claramente definidos, nos quais idealmente cada série de ações está ligada funcionalmente aos objetivos da organização. Em tal organização há uma série integrada de funções, de status hierárquicos, que implica um número de privilégios e obrigações, definidas por regras limitadas e específicas. Cada uma dessas funções compreende uma esfera de competência e responsabilidade. A autoridade, o poder

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de controle, vindo de um regulamento reconhecido, é prerrogativa do cargo e não da pessoa que ocupa o mesmo. O sistema de relações estabelecido entre diversas funções implica um grau considerável de formalismo e define claramente a distância social, separando os indivíduos que ocupam esses cargos. Assim, o tipo ideal de uma organização formal seria a burocracia, e para melhor compreensão, a análise clássica da burocracia seria a de Weber. O principal mérito da burocracia é a sua eficiência técnica. Ela prima por precisão, rapidez, avaliação, continuidade. Marx mostra o caráter ilusório dessa eficiência, ao conservar a análise hegeliana e referendar que o verdadeiro espírito da burocracia é a rotina administrativa e o horizonte de uma esfera limitada (CARAVANTES, 1998, p. 50).

Dessa forma, tem-se um paradoxo entre o ideal de uma organização formal situada na

burocracia e a burocracia nos órgãos públicos. Nota-se, no contexto das instituições públicas,

que as ações ficam travadas nas engrenagens da máquina3 estatal devido ao “espírito geral da

burocracia é segredo, o mistério guardado em seu seio pela hierarquia, e para o exterior, o seu

caráter de corporação fechada” (LAPASSADE, 1989, p. 106).

A rígida adesão às regras e aos instrumentos traz consequências negativas, tais como

perda das faculdades críticas, timidez e conformismo, conservadorismo, tecnicismo,

incapacidade de adesão, resistência às mudanças, defesa e interesses pessoais, corporativismo

e conflito com o usuário da rede pública de saúde.

Os desvios e exageros das características do modelo ideal de burocracia auxiliam na

redução da precisão do seu funcionamento e, conseqüentemente, a sua eficiência, pois os

seres humanos ficam privados de sua atividade humana. Ao se utilizar do principal mérito da

burocracia, que é sua eficiência na técnica, também a avaliação passa a ser instrumento e não

objeto de trabalho. “A partir desse momento, o laço que liga o indivíduo à sua comunidade e à

terra fica preso numa nova estrutura e passa por uma nova mediação. Por outro lado, o

controle social não é mais apenas assunto que pertence a toda a coletividade: ele passa a ser

exercido por funcionários” (LAPASSADE, 1989, p. 109). Isto contextualiza uma faceta da

organização formal-pública.

Lapassade (1989) entende que o primeiro momento da burocracia é o da passagem da

gestão para o domínio e à exploração, isto é, um momento político, às vezes politiqueiro.

Talvez por isso, no contexto atual e em uma projeção futura, fica impossível conceber o

pensar uma sociedade de massa sem a presença da burocracia. O lugar oficial ocupado pelo

indivíduo na hierarquia das organizações burocráticas confere a ele um poder limitado, que

será tanto mais restrito quanto mais a separação entre preparação e tomada de decisões. A 3 A mecanização assume o comando e as organizações são vistas como máquinas. As organizações planejadas e

operadas como máquinas são burocratizadas devido à maneira mecanicista de pensamento (MORGAN, 1996).

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complexidade da organização da vida humana, à medida que o processo civilizatório passa

por um refinamento das relações entre os homens e dos contratos necessários para dar

sustentação à espécie, a burocracia continuará sendo o instrumento de adesão dos objetivos

comuns.

Certamente, os deslocamentos dos traços e dos laços que constituem uma determinada

época abrirão espaços para outras formas de organização. Para efeito desta pesquisa, pode-se

afirmar que a função do gestor nas organizações formais públicas não irá prescindir do caráter

burocrático para conduzir a proposta de trabalho com a equipe profissional e usuários. Ao

dimensionar a função da gestão, é importante ressaltar ao gestor as suas limitações, que estará

sempre sujeito a ser redimensionado, que seu objetivo é o bom funcionamento do grupo. Ele

existe porque o poder burocrático é incapaz de cuidar de tudo, pois este reintroduz o elemento

humano num mecanismo tido como totalmente formalizado. Mas, o gestor preenche os vazios

da organização burocrática, ele é simultaneamente sua contradição e sua afirmação.

Contudo, a concepção de gestor é que vai emprestar a esta organização burocrática um

espaço menos alienante e mais humano. A participação da equipe, com seu poder de auto-

determinação, dá à burocracia um lugar de defesa ao abrupto do humano que aparece nesse

local de trabalho e institucionaliza a legitimidade da equipe na condução menos alienante dos

alienados.

2.2 Dinâmica organizacional em organizações públicas

Para abordar a dinâmica organizacional e o trabalho em equipe, faz-se necessário

perceber a complexidade da proposição idealizada pelo Ministério da Saúde, pois os grupos

de trabalho em saúde mental são formados a partir de concursos públicos e determinados

pelos Gestores (Secretários de Saúde) para atuarem nas unidades que compõem a Secretaria

de Saúde.

Em muitas ocasiões, o profissional não pretende trabalhar em uma unidade de saúde.

Isso faz surgir um impasse na constituição de um trabalho, tornando complexa a estruturação

da interdisciplinariedade, pois é paradoxal idealizar uma equipe e ao mesmo tempo não

proporcionar que o desejo articule o laço de trabalho.

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Segundo Pichon (2005) e Lapassade (1989), a abordagem sobre a dinâmica

organizacional e o trabalho em equipe passa pelo grupo e seus fenômenos. Os grupos se

organizam por diversas razões, seja por afinidade política, laços familiares, culturais,

profissionais, entre outros. Neste estudo aborda-se o grupo constituído por profissionais dos

Centros de Atenção Psicossocial.

Como se observa, todo grupo se organiza e possui leis de funcionamento no seu

interior, e são estas que determinam a sua finalidade, ou seja, seus objetivos, seu sistema de

participação, as tarefas, a comunicação e a gestão. Em suma, a implementação de um

conjunto deontológico, de uma dinâmica, cujo objetivo é o funcionamento do grupo, do qual

se há de observar a coesão, a criatividade, a comunicação e o comando.

No esquema proposto por Lapassade (figura 1) pode-se observar as forças que

impulsionam os grupos à coesão ou à divergência em torno do objetivo.

FORÇA DE COESÃO GRUPO OBJETIVO

DIVERGÊNCIAS GRUPO OBJETIVO

Figura 1: Forças de coesão e/ou divergência. Fonte: Lapassade (1989, p. 68).

Um grupo, para manter-se coeso, precisa de visibilidade, pertinência das finalidades,

assim como clareza e aceitação. Isso possibilita o trânsito do objeto de trabalho, as suas

tarefas em comum para participação em toda a organização. Por outro lado, um grupo pode

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divergir em suas finalidades e com isso desarticular todo o processo de organização do objeto

de trabalho, pois seus membros não adotam os valores, as normas e a finalidade de que se

constitui o objetivo e o objeto de trabalho. Quando o grupo se posiciona pela divergência,

coloca-se um paradoxo no seu interior. Por um lado, há rejeição dos membros que divergem,

mas por outro, a divergência traz elementos para questionamentos. Quem tem a clareza do

objeto de trabalho e dos objetivos também possui uma ilusão, a de querer unir o grupo. Ao

não conseguir a união, os divergentes ficam na posição de inimigos do processo que organiza

o trabalho e fortalecem aqueles que aceitam as finalidades dos propósitos instituídos

(LAPASSADE, 1989).

Assim, a convergência dos objetivos ou a divergência dos objetivos se estabelece no

processo de troca no interior do grupo. Aí, há que se dar lugar ao sistema de comunicações, a

circulação das informações, as redes formais (circulares, memorandos, relatórios, notas de

serviços e as redes informais de comunicações, sussurros de corredores, boatos a fatos novos).

Essa complexa teia de comunicação passa pela enunciação. Quem fala a quem? O que se fala?

Fala-se muito ou pouco? Qual a atitude, a empostação da fala? As comunicações são

preferencialmente verbais ou não verbais? Como circula a comunicação? (LAPASSADE,

1989, p. 69).

Facilita a observação do processo de comunicação em grupo, que se estabelece da

seguinte maneira, nem sempre nessa ordem ou de uma única forma, pois a estrutura da

comunicação se flexibiliza ou se imobiliza, conforme o grupo.

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Comunicação em cadeia

1) � � �

O Processo é verticalizado de cima para baixo, o qual abre poucas possibilidades para

a circulação da palavra.

2) Outra possibilidade de comunicação pode ser estabelecida em forma de estrela.

Esse Processo tem “um” que concede a palavra aos outros.

3) O terceiro modelo de comunicação é em forma de círculo.

Figura 2: Modelos de comunicação. Fonte: Lapassade (1989, p. 70).

Nesse processo, todos têm possibilidade de falar. As estruturas de comunicações

produzem efeitos no clima do grupo, assim, por exemplo a forma de estrela favorece o

rendimento grupal, mas também pode fazer crescer a frustração e manifestações agressivas. A

comunicação em círculo pode ser evasiva, improdutiva, como pode aglutinar as forças

grupais. Quando o processo acontece em cadeia, a passividade e a falta de iniciativa são a

tônica do grupo.

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Ainda para perceber as estruturas das organizações e suas formas de comunicação, não

se pode furtar de aludir as teorias administrativas, que passam de forma explícita ou implícita

dos gestores às instituições. Para exemplificar as teorias, parte-se das primeiras que

constituíram os modelos organizacionais e, quando necessário, à pesquisa, faz-se alusões a

outras, pois se acredita que foram essas teorias que fundaram as bases das mais complexas

formas dos processos de gestão.

Para iniciar a primeira fase do pensamento de uma organização, temos que citar a frase

do racionalismo mecânico, período das “teorias clássicas” de Taylor e de Fayol. Tempo e

movimento constituíam a base do controle para alcançar as metas de produção. O trabalho

repetitivo constitui o desenrolar das tarefas. Atualmente ainda 2/3 do trabalho alinha-se a este

modelo. “Estatísticas simples são difíceis de encontrar, mas uma boa estimativa dos trabalhos

modernos, é que pelo menos 2/3 são repetitivos” (SENNET, 2003, p. 50) por um lado aliena e

produz sofrimento aos humanos, mas que por outro lado organiza as “pulsões4” que põe em

evidência a humanidade.

Diderot (apud SENNET, 2003, p. 37) tentou explicar como o ator ou a atriz explora as

profundezas de um papel repetindo as falas sem parar. E esperava encontrar essa mesma

virtude da repetição no trabalho industrial. “Vamos trabalhar, sem teorizar”, diz Martin em

Cândido de Voltaire. “É a única forma de tornar a vida tolerável”. Embora mais inclinado a

teorizar, Diderot acreditava, como Voltaire, que dominando a rotina e seus ritmos, as pessoas

ao mesmo tempo assumem o controle e se acalmam (SENNET, 2003, p. 38).

Para ilustrar esta narrativa, utiliza-se um exemplo da obra de Dejours (1992), “A

loucura do trabalho”, que cita um caso de sofrimento produzido pelo trabalho e o não trabalho

repetitivo. Um homem de 30 anos é conduzido ao hospital psiquiátrico de uma cidade do

interior. Na noite anterior ele apresentava sinais de agitação e no próprio dia seu estado tinha

agravado: ele mantinha diálogos incoerentes, havia batido com violência no médico.

Movimentos de agressividade alternavam-se com frases de ansiedade, alucinações e vozes

ordenavam certos comportamentos, como andar de quatro e comer flores e plantas verdes. No

hospital, tratado com fortes doses de neurolépticos e de ansiolíticos, seu estado melhora

rapidamente. Mas é então preciso cuidar de seus problemas metabólicos, uma vez que o

paciente sofre de uma diabete insulino-dependente. Levado a Paris por um serviço

4 É o representante psíquico de uma contínua fonte de excitação proveniente do interior do organismo

(CHEMAMA, 1995, p. 178).

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especializado, sua glicemia é rapidamente controlada, mas seu estado mental dominado pela

ansiedade permanece muito preocupante. A investigação permite o esclarecimento de alguns

elementos recentes, determinantes na aparição do episódio agudo. Este homem ocupava há 10

anos o posto de chefe de armazém numa fábrica.

Contramestre, sua função era de organizar e de controlar o trabalho de uma equipe de

uma dúzia de operários. Entretanto, ele punha “a mão na massa” e, além de suas funções de

vigilância, assumia um trabalho equivalente ao dos operários que ele dirigia. Sua esposa,

gerente de um salão de beleza, insistia, havia vários meses, com seu marido para que ele

abandonasse seu emprego por uma profissão mais “respeitável”. Diante do esforço conjugado

de sua mulher e de seus amigos, o paciente havia finalmente renunciado, a contragosto, a seu

trabalho na fábrica para aceitar um emprego numa companhia de seguros. Lá, seu trabalho

consistia em ler autos policiais de seguro e ver sua conformidade. Muito mal adaptado a este

trabalho sedentário, ele assistia, impotente à acumulação de autos sobre a sua mesa. No fim de

alguns dias de trabalho particularmente esgotantes, ele havia encontrado um meio de gastar

sua energia e de descarregar sua tensão. Jogador de futebol, ele tinha se tornado em algumas

semanas presidente do clube municipal e esta atividade secundária particularmente intensa lhe

proporcionava o relaxamento que não lhe ofereciam suas horas no escritório. Entretanto, nada

mudava, as dificuldades profissionais continuavam. Procurando, numa fuga desenfreada fora

do trabalho, compensar os efeitos nocivos de seu novo emprego, ele deveria logo sucumbir à

fadiga e ao esgotamento. Foi neste momento de hipoglicemia provocada por um esforço físico

não compensado por um suporte alimentar insuficiente que o precipitou na descompensação

psiquiátrica de que falamos. Assim, como é o caso com esse tipo de sujeito, as atividades

psicomotoras, esportivas ou os trabalhos de forte carga física são as únicas defesas

verdadeiramente funcionais para assegurar o equilíbrio. Foi decidido com o paciente e a

família que, deixando o hospital, ele deveria retomar seu antigo posto de chefe de armazém.

Esta simples decisão foi suficiente para acalmar a angústia do paciente e para permitir um

controle rigoroso do metabolismo após a suspensão dos tratamentos psicofarmacológicos.

Esse traço de organizar e se organizar está presente implícita ou explicitamente nos

grupos, organizações e instituições, haja vista que o tempo e a realização da tarefa ocorre de

acordo como a atitude e a postura de cada um, em cada grupo. Isso vem demonstrar o seu

movimento em dois sentidos, um pela sua implicação com o trabalho proposto, o outro, pela

sua agilidade de intervenção e condução do propósito.

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No campo que ora se propõe a analisar, a produção do trabalho, as metas a serem

alcançadas nem sempre são congruentes com as determinações verticalizadas, como propõe a

reforma clássica da Administração. Isso por que não raro dois campos se interpõem: o da clí-

nica e o da política. Esse impasse produz nos grupos de trabalho um descompasso nas ações.

Com isso, se pode inferir que, quando o racionalismo mecânico faz da máquina administrativa

o único agente sem interlocução com os agentes do processo, a máquina emperra.

De acordo com Morgan (1996), a partir do momento em que a máquina automatizada

entra em cena, novas demandas de organização de trabalho, surgem, em especial na vida das

indústrias. O conhecimento começa a ser introduzido, novas técnicas de produção e de

trabalho são exigidas, o que torna mais complexas as tarefas e a vida institucional. Fayol,

outro representante institucional da teoria clássica da administração, produziu conceitos que

ainda hoje são empregados nas organizações: “Administrar é prever, organizar, coordenar e

controlar” (CARAVANTES, 1998, p. 43). Por sua vez, esta abordagem mostra a performance

anatômica e fisiológica que dá ênfase à estrutura da organização.

De cima para baixo são comandados os agentes dos processos de trabalho.

Planejamento, controle, coordenação são alguns dos temas mais citados nas funções

administrativas, compostas por departamentos (Secretarias). À medida que se complexificam

as organizações, os grupos nas instituições buscam outros aportes conceituais fundamentados

em teorias diversas. Aqui, para fins de auxiliar, situar, grupos, organizações, instituições e

equipes, busca-se também a abordagem burocrática, das relações humana e estruturalista,

como matrizes das articulações do processo trabalho.

A abordagem das relações humanas do psicólogo Elton Mayo exorta os administrado-

res a mostrar interesse pelos empregados, e adaptar práticas psiquiátricas de consultoria ao

local de trabalho. Contudo, os psicólogos como Mayo eram lúdicos. Sabiam que podiam

temperar as dores do tédio, mas não as abolir na janela de ferro de tempo (SENNET, 2003, p.

46). É momento da emergência da psicologia industrial no campo das teorias administrativas.

Um campo do conhecimento, o da psicologia industrial, na sequência organizacional e

trabalho, tem suas raízes neste período, com efeitos diversos. Na grande maioria das vezes,

solicitado para diluir o tédio através do lúdico, o que põe questão, mas não é o propósito da

pesquisa. O incentivo econômico não é a única força motivadora a que o trabalhador

responde, sua produção é fortemente influenciada tanto por suas relações com os outros

agentes de trabalho quanto por seus problemas pessoais, tanto dentro quanto fora da fábrica.

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O trabalhador não se compara como um ser isolado, mas sim como um membro do

grupo. Tais inter-relações criam aquilo que se denomina de organização informal. A

especialização funcional não cria necessariamente a organização mais eficiente. “Tanto que a

rotação de cargos, em que o indivíduo alterna tarefas a serem executadas, contribui para seu

melhor desempenho” (CARAVANTES, 1998, p. 56).

Esses pressupostos apontam para uma quebra de paradigma na relação

produção/relação humana, e seus efeitos na subjetividade, ainda que timidamente, começam a

ser visualizados no contexto do trabalho. Destarte, o estruturalismo, ao introduzir uma lógica

que leva em consideração o indivíduo e também a organização, dá lugar à integração dos

fenômenos que ocorrem, propiciando análise das organizações, dos desempenhos. Novos

temas que passavam despercebidos surgem assim como conflito, alienação, poder que será

analisado no decorrer da pesquisa.

A análise é do discurso e põe a organização como um ente em processo constante de

suas atribuições tanto internamente com seu grupo de agentes como externamente por seu

lugar no contexto social. Dessa forma, a “subjetividade é o centro previamente constituído da

experiência de cultura e história, e como tal fornece o fundamento básico das ciências sociais

ou humanas” (GIDDENS, 1989, p. 1).

Para Giddens (1989, p. 2) essa “abordagem só muito parcimoniosamente pode apoiar-

se na filosofia analítica da ação” como é vista por autores contemporâneos. A ação não é uma

sucessão de “atos”, os “atos” são constituídos de experiências de vida na forma de discurso.

Nessa perspectiva, faz-se necessária a estruturação para inscrever a nova ação,

ressaltando Giddens (1989, p. 2) quando diz que a “estrutura tem primazia sobre a ação e suas

qualidades restritivas são fortemente acentuadas”. Essa conceitualização é que trata dos laços

entre as estruturas sociais e a ação. A idéia da estruturação visa a “habilitar o analista das

práticas sociais a apreender as estruturas sob o ângulo do movimento, de sua historicidade,

levando em conta a maneira como elas constituem-se em um momento e em local específico”

(DAVEL; VERGARA, 2007, p. 225).

Duas teses fundamentam a teoria da estruturação: a da qualidade estrutural e da

competência do agente. A primeira possui uma visão circular de construção da realidade

social, fazendo com que a ação tome as dimensões estruturantes e estruturadas no momento

da efetivação do propósito a ser atingido. A segunda é a da competência do agente. Essa

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competência social exprime-se nas “falas, pelo viés da consciência prática. Além do controle

reflexivo que cada indivíduo exerce nos percursos da ação, a estruturação do social é limitada

pelas motivações inconscientes dos agentes e pelas conseqüências não intencionais e não

reconhecidas da ação” (DAVEL; VERGARA, 2007, p. 226).

Observa-se que, com o enfoque que os autores dão à teoria da estruturação, o

indivíduo é capaz de aprender e mudar a partir da ação, pois entende que a capacidade

reflexiva está enraizada no desencadear de um processo cognitivo, o qual emerge

racionalmente (explícito) quando os espaços privilegiam a experiência humana, as relações

com terceiros, em suas múltiplas intenções cotidianas nas quais as formações inconscientes

(implícito) se presenciam nos laços que se constituem.

2.3 A função gerencial e a liderança

As funções gerencial e de liderança nos aspectos tradicionais e contemporâneos devem

ser considerados. No primeiro, a função gerencial decorre de uma visão ordenada e tradicional

na qual o dirigente é um decisor racional, um planejador sistemático e um coordenador e

supervisor eficiente das atividades organizacionais (MOTTA, 1991). Hoje essa visão é

contrária. “Sua atenção é constantemente desviada por chamados diversos, o que fragmenta

sua ação e torna intermitente o seu envolvimento no processo decisório organizacional”

(MOTTA, 1991, p. 20).

Já na arte de liderar, o vício excessivamente técnico, restrito a uma área ou profissão,

pode trazer prejuízo à função gerencial. O autor usa a metáfora de um túnel para explicar a

visão essencialmente técnica: “vê-se a luz ou ambiente ao final, porém restrita à dimensão do

diâmetro desse túnel. Na profissão, vê-se somente um caminho obscurecido pela

impenetrabilidade dos raios de outros conhecimentos” (MOTTA, 1991, p. 27).

O mesmo autor comenta que o mundo moderno exige dos dirigentes capacidade de

negociação entre os interesses e as demandas múltiplas e de integração de fatores

organizacionais cada vez mais ambíguos e diversos. Essa capacidade gerencial só se consegue

pelo aprendizado, “o mais importante que ocorre é que não somente podem se esclarecer e

corrigir problemas e situações, mas sim que gradualmente tem lugar uma meta-aprendizagem

que consiste em que os implicados na tarefa apreendem a observar e refletir sobre os

acontecimentos e a encontrar seu sentido, seus efeitos e integrações”, não se trata de um

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processo educacional para formar um profissional, mas para abrir novos caminhos e valores

(BLEGER, 1984, p. 47).

Para observar os efeitos da função gerencial e de liderança no comportamento das

equipes, as quais possuem valores e traçam caminhos, será utilizado o modelo de gestão que

enfatiza “duas formas alternativas de caracterizar discursivamente as atividades organizacio-

nais e gerenciais: uma forma sistêmico-controladora e outra processual-relacional”

(WATSON, 2005, p. 14). Utiliza-se o Quadro 1 para dar maior visibilidade às formas

sistêmico-controladora e processual-relacional de caracterização de indivíduos e

organizações.

Quadro 1: Caracterização de indivíduos e organizações

Fonte: Watson (2005, p. 14).

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Os padrões de relacionamento decorrem dos estilos de gestão e da estrutura de poder

existentes nas instituições. O foco do modelo gerencial no discurso de boa parte dos

administradores públicos é voltado, além destas duas lógicas, para a gestão de resultados, o

que não acontece com fluidez porque a “máquina” emperra, isto é, o sistema burocrático se

atravessa (MORGAN, 1996).

O discurso da gestão de resultados, que por ora será chamado de dominante, está em

evidência frente às mudanças em curso para adaptar a organização a uma dinâmica mais

flexível, o que é paradoxal, porque a linha de pensamento é inovadora, mas a ação continua

conservadora. Para ilustrar, reporta-se ao pensamento de Hegel

Hegel (1941) tratou em profundidade das contradições lógicas e perspectivas. Para o filósofo, a lógica baseia-se na dialética tese-antítese e síntese, que é a única maneira pela qual podemos alcançar a realidade e a verdade como movimento interno da contradição. Hegel afirma que a realidade é o fluxo eterno dos contraditórios. Assim, termos paradoxais não são dois positivos excludentes, mas dois predicados contraditórios do mesmo sujeito e só existem negando-se um ao outro (Sabelis, 1996). Dessa forma, o paradoxo se expressa pela proposição “A e não-A”, em uma impossibilidade lógica de se atribuir ao mesmo objeto, ao mesmo tempo, duas qualidades opostas e mutuamente excludentes (POOLE; VAN DE VEM, 1989 apud VASCONCELOS; VASCONCELOS, 2004, p. 4).

A exemplo disso, “o modelo de gestão por e para resultados fundamenta-se no

programa para a excelência que focaliza quatro variáveis básicas de todas as instituições:

filosofia, resultado desejado, pessoas e processo” (MENEGASSO, 2001, p. 74). A excelência

nos resultados está relacionada com o investimento nas pessoas, mais um paradoxo entre o

discurso e a prática, haja vista os fracos investimentos em qualificação no setor público.

Para que aconteça um processo de mudança em uma organização, a instituição precisa

contar com um grupo dirigente estratégico, que deseje levar a efeito as mudanças, uma vez

que a cúpula é a responsável pelo processo de sustentabilidade da instituição e a garantia do

desenvolvimento da ação proposta (PICHON-RIVIÈRI, 2005). Para isto, um projeto de

mudança precisa ter claros seus objetivos, conhecimento destes e atores socializados

(dirigentes, equipe, usuários) com a nova filosofia e o novo estilo de gestão.

Assim, neste momento, pensar no líder e sua função para o suporte do grupo é

pertinente para o propósito do estudo. Le Bon (apud FREUD, 1969) traz considerações sobre

o líder de grupos, dizendo que, quando seres vivos se reúnem em um número, sejam eles um

rebanho de animais ou um conjunto de seres humanos, se colocam instintivamente sob

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influência de um chefe. Um grupo é um “rebanho obediente, que nunca poderia viver sem um

senhor. Possui tal anseio de obediência, que se submete instintivamente a qualquer um que se

indique a si próprio como chefe” (FREUD, 1969, p. 105). Assim, as necessidades de um

grupo o conduzem ao encontro de um líder. Este deve ajustar-se às características e

qualidades pessoais daquele.

O líder deve ser fascinado por uma intensa fé (numa idéia) a fim de despertá-la no

grupo, que não tem vontade própria e que possa ser contagiado pela idéia dele (líder). Em

geral, acredita-se que os líderes se fazem notados pelas idéias em que eles acreditam

fanaticamente. Além disso, por atribuírem às idéias e aos líderes um poder misterioso e

irresistível, a que chamam de “prestígio”. O prestígio é uma espécie de domínio exercido

sobre o ser humano por outro, um trabalho ou uma idéia. Tem a força de paralisar nteiramente

a faculdade crítica. Enche o indivíduo de admiração, desperta um sentimento com

“fascinação” na hipnose.

Importante distinguir prestígio adquirido ou artificial de prestígio pessoal. O primeiro

vincula-se ao nome, fortuna e reputação; o segundo liga-se a pessoas que se tornaram líderes,

e com esse prestígio fazem com que todos sejam guiados como por uma força de alguma

magia. Nesse caso, o prestígio se conquista pelo sucesso e se perde no fracasso.

Dessa forma, o importante é visualizar dois tipos de liderança: o transacional e o

transformacional. A liderança transformacional, segundo Vasconcelos e Vasconcelos (2004,

p. 14), “por ser mais um conjunto de premissas, teorias e idéias dispersas e inter-relacionadas

por meio de temas específicos do que um modelo prescritivo, estruturado em torno de regras

específicas.” Já a liderança transacional, ainda segundo os autores citados, caracteriza-se pela

troca não duradoura entre o líder e o liderado, que pode ser política, psicológica ou

econômica. O indivíduo aceita seguir um líder, o seguidor aceita as ordens do líder por uma

questão de poder formal, o que implica benefícios de caráter extrínseco. Por outro lado, na

liderança do tipo transformacional ou administração dos sentidos, o líder caracteriza-se pela

articulação da experiência e dos sentidos compartilhados pelo grupo para viabilizar

determinadas ações.

Sabe-se que nas instituições todo processo de mudança produz resistências, e para

pensar o medo do novo a ser instituído, toma-se emprestado de Pichon-Rivière (2005) o

esquema do cone invertido, para permitir a circulação da palavra.

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Figura 3: Cone invertido.

Fonte: Pichon-Rivière (2005, p. 279).

Nesse esquema, o que aparece primeiro é “o explícito; o implícito, em contrapartida é

o que corresponderia à zona do inconsciente. Mas é partindo do explícito e por uma espiral

constante que se pode chegar ao implícito, analisando-se que elementos atuam e como podem

romper a estrutura rígida da situação para poder chegar à situação de progresso e uma nova

formulação” (PICHON-RIVIÈRE, 2005, p. 279).

Em um órgão público, mais precisamente nos serviços de saúde, é preciso investir na

mudança de estrutura assistencial e gerencial; é

preciso criar novas formas de organização, capazes de produzir outra cultura e de lidar com a singularidade dos sujeitos. Nessa esteira, considerar a competência humana do chefe, baliza a concepção de gestão que por um lado mostra o poder baseado na personalidade do chefe. Determinadas qualidades excepcionais, determinados atributos, que somente poucas pessoas têm, conferem-lhe a capacidade de obrigar o outro a realizar certos atos ou a abster-se deles (BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. NÚCLEO TÉNICO DA POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO, 2004, p. 26).

Assim, a relação entre as aptidões do chefe, as características de sua personalidade,

seu comportamento e as “dimensões” da pessoa e do grupo por ela dirigido devem ser levados

em consideração. Por outro lado, o poder é vivido como uma relação. Essa relação ocorre

numa situação que se encaixa em determinada estrutura que tem a predisposição de co-gestão

entre o gestor e a equipe. Assim a relação do chefe passa pela identificação.

O poder, na experiência primitiva, é apreendido, ao mesmo tempo, “como recusa e

como referência” (ENRIQUEZ, 2007, p. 27): a identificação com a pessoa do mesmo sexo, no

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final do complexo de Édipo, é a marca da referência a essa pessoa. O filho internaliza os

valores parentais, o que lhe possibilita se definir como homem ou como mulher. O caminho

da socialização passa necessariamente pela identificação.

Na experiência do dia-a-dia, a identificação se faz constante. Identificação do aluno

com o mestre, de um membro da empresa com a própria empresa, por exemplo, são sinais de

forte fascinação. A esse respeito, é preciso observar que, nos textos de psicologia social e de

sociologia, a identificação, que se dá baseada no amor ou no medo, se embaraçam

(ENRIQUEZ, 2007, p. 27).

O termo identificação, no sentido que a ele é conferido pela psicanálise, equivale a

estabelecer um laço de referência com o pai, fato que atribui ao sujeito, por sua vez, a

capacidade de ser pai. A referência supõe um ato livre. Por outro lado, a identificação por

medo ou por conformismo parece marcar uma identificação falha: com efeito, o ser não

encontrou sua própria identidade. Ele permanece dependente do outro e se asfixia num

comportamento estandarizado. Não se trata, então, de uma identificação, mas de uma fusão,

de um rebaixamento na relação.

O processo de fusão pode ser provocado pelo medo das punições ou pelo desejo de

recompensa, e opera na pulsão amorosa. Quando um “indivíduo sente-se possuído por outro,

quando suas ações são totalmente moldadas nas do outro, é por que ele sente por esta pessoa

um amor total (que pode se transformar em ódio total) e se abandona completamente a ela.

Nesse caso não de pode mais falar em identificação. Trata-se de um decaimento, de uma

perda da individualidade” (ENRIQUEZ, 2007, p. 28).

Dessa forma, o poder é reconhecido como sagrado, provoca respeito, e o amor é

apreendido como sagrado. Tal espécie de amor-fusão só é possível no caso de um poder

carismático, tal como foi definido por Weber: “A legitimidade do poder carismático baseia-se,

assim, na crença em poderes mágicos, na crença na revelação, na crença nos heróis; sua fonte

é a ‘confirmação’ da qualidade carismática através dos milagres, vitórias e outros sucessos

tais como a prosperidade dos governados” (ENRIQUEZ, 2007, p. 29).

Se por outro lado, não se confirmar a crença, ela se extinguirá, deixando seu lugar ao

ódio. Com efeito, o que caracteriza esse amor é que ele é profundamente repressivo. As

tendências à autonomia, à realização de si desaparecem. O que aparece são sujeitos

dependentes do mestre e tentam se tornar semelhantes a ele, com “medo da liberdade”, este

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indivíduo precisa de um suporte mágico, de um poder exterior a si. Esse poder é coercitivo:

ele impõe determinados atos, determinados pensamentos, proíbe outras ações. Afinal ele

“sabe tudo, ele pensa por nós todos. Em troca, ele permite que sejamos fortes contra os outros.

Mas, quando a submissão ao chefe deixa levar à submissão dos outros, à crença na

superioridade dos discípulos, o movimento se inverte e queima-se o que era adorado. É o

assassinato do pai; é a transgressão, é a negação do poder enquanto castrador. A negação do

poder traz ao chefe uma questão: a legitimidade” (ENRIQUEZ, 2007).

Pode-se inferir dessa análise que todo poder busca ser legítimo, umavez que não

nascer com tal prerrogativa e pretende adquirir adesão unânime, a qual o legitima e confere a

ele duração. Um poder fundado na força só pode ser banido por outra força; um poder

constituído no amor pode ser fulminado pelo surgimento de outro objeto de amor. Revela-se

assim outro caráter da legitimidade: a recusa histórica das relações humanas da possibilidade

de se criar um mundo sem conflitos.

A legitimidade é sempre pontual, reflexo do poder de um grupo sobre outros. Os

critérios de legitimidade demonstram isso claramente (ENRIQUEZ, 2007). Conforme os

casos, invocar-se-ão a idade, a casta ou a categoria social, a raça, a graça divina, o nível de

inteligência, o sexo, os laços de sangue, a competência, a estrutura social, a vontade coletiva,

os valores, a adesão do grupo, a eficácia, cada um no lugar de poder.

A partir do momento em que os valores parecem estar internalizados pelas equipes,

eles se tornam legítimos e passam a ter em mãos um poder racionalmente constituído. O

poder que busca ser legitimado quase sempre tem por base o consentimento: por

internalização, por medo ou por amor: Quando o poder é fundado na internalização, na

aceitação das regras estabelecidas, ele então se torna legítimo e como tal é reconhecido. Ele

define os direitos e as obrigações, cria um mundo ordenado que tende a durar. E essa criação é

possível à medida que atende a uma dupla necessidade:

– necessidade que os indivíduos têm de viver em estruturas estáveis, a fim de prever os

comportamentos dos outros atores e de orientar sua própria conduta, em relação a eles;

– necessidade de tornar as ações eficazes, conhecendo as fronteiras da ação e suas

modalidades de realização (ENRIQUEZ, 2007, p. 31).

Em um CAPS isso se atualiza na dinâmica de trabalho da equipe e no real do trabalho

com os usuários e familiares.

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2.4 Grupo e trabalho em equipe nas instituições/organizações formais

A existência de um “grupo”, de uma “organização social” é sempre determinada por

uma instituição. “Existe assim uma relação de interdependência entre os conceitos de grupo,

de organização e de instituição” (LAPASSADE, 1989, p. 14).

Segundo o autor, o sistema social se utiliza destes três níveis: grupo, organização e

instituição na linguagem do cotidiano para situar sob o ponto de vista tópicos as narrativas

que se estabelecem entre estas instâncias. O primeiro nível é o do grupo. Neste nível se

constitui a base (oficina, escritório, classes) assim como os fenômenos de grupo. Neste nível

do sistema social, já existe a instituição: horários, ritmos, normas de trabalho, sistema de

controle e estatutos.

As instituições regem a base da sociedade, fazendo emergir o humano e o desumano

nas relações de produção, de domínio, de exploração. O poder do discurso dominante, do

Estado, está presente no chão da fábrica, na oficina, na sala de aula, no escritório, nas

repartições públicas. Os efeitos dos fenômenos grupais se fazem sentir na afetividade, na

sexualidade, nos contrastes geracionais, nas novas formas de configurações de laços de

família e no sistema de trocas, constituindo a base do sistema.

O segundo nível é o da organização, da representação como unidade total: fábrica,

universidade, Poder Judiciário, reino da organização burocrática. Neste nível, apresentam-se

as formas jurídicas, assim como a propriedade privada e os meios de produção.

O terceiro nível é o da instituição: “para Durkheim e para os sociólogos que o

seguiram, as instituições definem tudo o que está ‘estabelecido’, quer dizer, em outras

palavras, o conjunto que está ‘instituído’” (LAPASSADE, 1989, p. 15). O terceiro nível, na

verdade, é o Estado, que faz a lei.

A base do sistema é instituída pelos dirigentes, e somente em situações de crise de um

modelo institucional é que se suspende a repressão da cúpula sobre a base. Nesses momentos,

liberta-se a palavra social; torna-se possível a criatividade coletiva, as instituições se

reinventam e não são inicialmente marcadas pelo discurso dominante do Estado. Isso

aconteceu na década de 1980, com os movimentos sociais e, no campo da saúde mental, os

grandes questionamentos à ordem estabelecida.

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Nesses três níveis, observa-se um esquema anatômico e dinâmico dos grupos,

organizações e instituições, o qual produz a seriedade da velha ética de trabalho que impunha

pesados fardos ao Eu trabalhador. As pessoas tentam provar seu próprio valor pelo trabalho.

Aqui se sugere um quarto nível, o da equipe, a qual enaltece a sensibilidade nos outros

e exige aptidões, como ser bom ouvinte e cooperativo. Acima de tudo, o trabalho em equipe

realça a adaptabilidade às circunstâncias. É a ética de trabalho que serve a uma economia

política do flexível. Na atualidade, fala-se em equipe como sendo algo instituído e estruturado

naturalmente. No entanto, indicar profissionais de diferentes áreas para trabalhar em uma

instituição não constitui um ato de formação de uma equipe. A formação de uma equipe não

se dá de forma natural, ela se constrói a partir da concepção que organiza uma instituição e

com muito trabalho.

Apesar de todo o empenho psicológico da administração moderna sobre o trabalho em

equipe, é o ethos de trabalho que permanece na superfície da experiência. “O trabalho de

equipe é a prática de grupo da superficialidade degradante” (SENNET, 2003, p. 118). A posi-

ção narcísica das equipes constitui resistências às mudanças. A equipe posiciona-se dialetica-

mente: de um lado, querendo que a organização do trabalho ordene a ação e, por outro, os

fenômenos de grupo promovendo resistências ao processo que conduz as ações do trabalho.

Para trabalhar com a perspectiva de mudança, faz-se necessária “a constatação

sistemática e reiterada de certos fenômenos grupais, que permitem construir uma escala de

avaliação básica através da classificação de comportamento grupal” (PICHON-RIVIÈRE,

2005, p. 268).

Figura 4: Esquema do cone invertido. Fonte: Pichon-Rivière (2005, p. 268).

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O esquema do cone invertido é constituído por vários vetores na base dos quais se

fundamenta a operação no interior do grupo. A partir da análise interrelacionada desses

vetores, chega-se a uma avaliação da tarefa que o grupo realiza. A eleição do desenho do cone

invertido se deve a que em sua parte superior estariam os conteúdos manifestos e, em sua

parte inferior, as fantasias latentes grupais. Pichon-Rivière (2005) propõe que o movimento de

espiral é que vai fazer explícito o que é implícito, atuar ante os medos básicos subjacentes,

permitindo enfrentar o temor à mudança.

Um conjunto de pessoas que se unem por objetivos diversos constitui um grupo, mas a

diferença dos grupos se dá pelo objetivo comum que os faz funcionar. Exemplos: família,

atividade profissional, cultural, oficina. O “grupo é ainda passagem dialética da quantidade à

qualidade”. Nessa perspectiva, é preciso haver deslizamento do modelo mecanicista para uma

lógica do incompleto, da ação que precisa sempre ser recomeçada. O grupo, a organização,

será uma totalização em processo, jamais realizada. Com isso o grupo se movimenta nesse

espaço aberto para a palavra que faz ato. O grupo, com efeito, define-se não um ser, mas um

ato. “Um grupo só é verdadeiramente tal se for fundado, de maneira permanente, ao mesmo

tempo na autogestão, ou na autodeterminação, e na autocrítica, ou na auto-análise”

(LAPASSADE, 1989, p. 229).

Esses traços no grupo são os que marcam a passagem para a constituição da equipe, o

que demonstra a diferença entre grupo e equipe. No dizer de Robbins (2004, p. 106-107,

grifos do autor),

Grupos e equipes não são a mesma coisa. [...] vamos definir e esclarecer as diferenças entre grupo de trabalho e equipe de trabalho. [...] definimos grupo como dois ou mais indivíduos, em interação e interdependência, que se juntam para atingir objetivos específicos. Um grupo de trabalho interage basicamente para compartilhar informações e tomar decisões para ajudar cada membro com seu desempenho em sua área de responsabilidade. Os grupos de trabalho não têm a necessidade nem a oportunidade de se engajar em um trabalho coletivo que requeira esforço conjunto. Portanto, seu desempenho consiste apenas no somatório das contribuições individuais dos membros que os compõem. Não existe uma sinergia positiva capaz de criar um nível geral de desempenho maior do que a soma das entradas. Uma equipe de trabalho gera uma sinergia positiva por meio do esforço coordenado. Os esforços individuais resultam em um nível de desempenho maior do que soma das entradas individuais. [...].

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Figura 5: Comparação entre grupos e equipes de trabalho. Fonte: Robbins (2004, p. 107).

O trabalho em equipe é abordado de um modo mais efetivo, mundialmente, a partir da

década de 70, com repercussão no Brasil nos fins dos anos 80, pois o padrão de acumulação

de capital sustentado por produtos de bens duráveis entra em crise, há perda do poder

aquisitivo, entrada de novos países produtores, a formação de blocos regionais fomentou a

busca de novos modelos de organização. Isso vem colaborar para o declínio da “organização

científica do trabalho”, como técnica de dominação do capital sobre o processo de trabalho.

A resistência dos trabalhadores ao trabalho parcelado e repetitivo e a depreciação da

força de trabalho contribuíram para o surgimento do trabalho em equipe. Neste contexto de

mudanças, as instituições de toda ordem começam a reestruturar as relações de trabalho, e o

que constituía um grupo de trabalhadores passa a ser uma equipe, um time. Essa maneira de

narrar os laços constitutivos de trabalho produz um ethos.

O fato de pessoas estarem juntas fazendo algo não significa que se constitui uma

atividade ou a ética de equipe. A formação das equipes não se dá de forma automática; é

preciso construir esse trabalho (FIGUEIREDO, 1997, p. 2).

Há equipes de diferentes tipos que se organizam em determinados setores com funções

diversas. Para ilustrar, De Masi (2003, p. 376) ressalta a história do primeiro grupo de físicos,

na Itália, a trabalharem como um time. Dirigido por Enrico Fermi contribuiu não somente

para a ciência, “mas também à experimentação avant lettre das formas organizacionais pós-

industriais”. A história desse grupo é a de uma “progressiva transformação de indivíduos

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estudiosos em um único time tão compacto a ponto de redigir e assinar os artigos

coletivamente, após tê-los enviado, na forma de pré-impressão, a uns 40 físicos no mundo

inteiro”.

O que caracterizava esses trabalhos dos físicos era a interdisciplinaridade, a autoridade

do líder e as decisões tomadas pelo colegiado. No campo da saúde mental, a equipe torna-se

responsável pela atenção integral do doente, cuidando de todos os aspectos de sua saúde,

através dos planos terapêuticos. Nesse sentido, cada trabalhador de um CAPS faz dos

diferentes profissionais pares de trabalho, o que possibilita uma valorização profissional e, ao

mesmo tempo, a efetividade das ações. Numa linguagem de gestão administrativa, fica

atrelada a resultados, à produção de procedimentos. A concepção de gestor é que vai conduzir

a equipe a trabalhar integrada e não somente ligada ao status ou prestígio de determinadas

profissões.

Ao serem analisadas as equipes seguem duas posições para o propósito deste estudo.

São elas hierárquicas e igualitárias. Essas categorias são analisadas por Figueiredo (2005, p.

3): a equipe hierárquica preserva, como o nome já diz, a hierarquia das profissões,

distribuição mais verticalizada do poder da intervenção. Logo, nas instituições médicas,

normalmente prevalece a autoridade do médico seguida da do enfermeiro ou do psicólogo,

mas pode variar. O efeito disso é que a primeira e a última palavra estarão dadas de antemão

seja pelo olhar do médico ou pela especialidade que, em determinada situação, se autorize.

Este é o reino das especialidades no qual a autorização tende a ser mais restrita e as outras

opiniões devem contar o menos possível, pois, caso contrário, a hierarquia estaria ameaçada

em sua base.

Ou seja, quanto mais hierárquica for a organização da equipe, mais hierarquia ela

produzirá. Esse modelo pode ser mais impregnante nos hospitais gerais ou nos hospitais

psiquiátricos e ambulatórios, mas está presente, ainda que de forma velada, no interior das

equipes dos CAPS’s, podendo predominar em diferentes situações, principalmente em relação

ao trabalho dos médicos. Nesse caso, a questão da autorização se confunde com a de uma

autoridade vertical, inquestionável. A equipe igualitária se apresenta no extremo oposto, onde

as especialidades sofrem uma implosão, devendo todos os participantes ter a palavra seja em

que momento for. A hierarquia dá lugar a uma autorização difusa e sempre questionável de

um profissional para outro.

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Ao contrário da anterior, as discussões são infindáveis e a cada argumento novo, surge

uma nova situação ou uma nova dúvida. Tudo pode ser discutido, e o que prevalece é o

conforto de ‘igualdades’, no qual cada diferença pode ser tomada como desavença ou ameaça

ao equilíbrio harmonioso do todo no qual se sustenta a equipe. Aqui, a equipe se sustenta na

lógica do ‘todo’. O igualitarismo corre o risco permanente de desconsiderar a especificidade

de certas ações no trabalho clínico em nome de abolir especialidades profissionais ou de

confrontá-las (FIGUEIREDO, 2005).

Os estudos psicossociológicos dos últimos vinte anos trouxeram à tona uma nova

forma de poder: a realização das funções que permitem ao grupo atingir os objetivos

planejados. A legitimidade do poder individual é oriunda de sua capacidade de propor

objetivos da equipe, de sua adaptação às necessidades variáveis de seu grupo, de sua

influência sobre a velocidade de progressão de sua equipe, da autenticidade de suas

comunicações para facilitar a coesão consciente entre os membros da organização.

O poder está, portanto, ligado à contribuição trazida ao desenvolvimento e à coesão do

grupo. Na própria medida em que todos os membros intervêm ativamente no funcionamento

do grupo, todos eles são investidos de determinado poder. Essa distribuição do poder não

impede a atribuição das responsabilidades definidas e a diferenciação do status. No entanto, as

responsabilidades subordinadas a uma forma de organização que favoreça clara ligação entre

os objetivos gerais da comunidade e as razões pessoais de cada um organizam o grupo.

A repartição do poder concretiza-se pela participação de todos nas decisões (decisões

coletivas, direção colegiada) ou então pela delegação às diferentes equipes da possibilidade de

elas mesmas fixarem seus objetivos de trabalho, escolherem os meios e os métodos, definirem

os instrumentos e os critérios de avaliação do resultado de suas ações.

A autonomia das equipes é uma condição importante para, além de gerir suas próprias

atividades, aproximar a organização da democracia. Democracia, que é política no sentido

mais preciso da palavra, favorecer e aperfeiçoar o processo de participação de todos os atores

de uma organização, sem estabelecer poder diferenciado. Assim, muitas vezes, decisões

importantes podem partir de indivíduos de níveis inferiores.

Na prática democrática, os aportes de informação, as decisões coletivas associadas ao

entendimento de que em cada indivíduo há um duplo desejo: a realização pessoal e

participação na vida coletiva viabilizam o trabalho da equipe e a ele dão sentido.

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Em uma equipe, mesmo antes que estejam seus integrantes prontos a se confrontar, a

admitir a existência de desacordos seguidos até mesmo de conflitos, a se aceitar mutuamente

como seres humanos e não como objetos manipuláveis, a se comunicar, sabendo que a

comunicação sem falhas não existe, o poder pode ser continuamente redimensionado. A

distância psicológica entre os membros das equipes pode ser reduzida, e o detentor do poder é

a própria equipe. O gestor designado é simplesmente aquele que tem melhores capacidades de

levar o grupo a alcançar os fins coletivos. Caso seja necessário, outro indivíduo será

encarregado por seus mandantes a tomar a direção da equipe. De qualquer forma, seu poder é

limitado e se pretende limitado; ele é partilhado na equipe.

Desta maneira, o poder pode ser exercido por ser legítimo e porque sua legitimidade é

fundada no desejo que a equipe tem de alcançar determinados fins. O poder, tal como

imaginado nessa concepção, é partilhado, discutido, limitado, um poder continuamente

redimensionado, conforme as trocas entre os membros da equipe. A relação que ele implica

entre as pessoas é marcada pelas diferenças. O desnível na concepção das tarefas de trabalho é

ínfimo.

Trata-se, pois, de uma relação fraterna, na qual se expressa o laço positivo de

alteridade entre os participantes. As transgressões já não têm mais razão de ser, não há mais

características totalitárias. Vemos que aqui se desvela uma forma de poder totalmente

singular, que nega todas as formas anteriores. Ela se torna possível, desde que se quebre a

dialética: fraternidade-destruição do outro, ou seja, desde que o possuidor do poder (o pai)

aceite relações simétricas. Talvez seja essa a razão pela qual seja tão difícil aceitá-la e

conduzi-la.

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3 METODOLOGIA

A metodologia adotada para o desenvolvimento do estudo utilizou a teoria

psicanalítica intercruzada com as teorias administrativa, psicológica e sociológica, utilizando-

se de pesquisa de campo.

3.1 Classificação da pesquisa

Considerando-se o critério de classificação de pesquisa proposto por Vergara (2000),

Cervo e Bervian (1996), a presente pesquisa classifica-se como aplicada, qualitativa,

exploratória, descritiva, bibliográfica, documental, de levantamento e participante.

Quanto à natureza, trata-se de uma pesquisa aplicada, pois ela objetiva gerar

conhecimentos para aplicação prática e dirigidos à solução de problemas específicos e

interesses locais dos CAPS I e II do Município de Ijuí/RS.

A pesquisa é qualitativa e se ocupa com o universo dos significados, das atitudes, dos

valores, pois os fenômenos sociais estão em questão. Esta compreensão profunda de

determinados fenômenos sociais é da maior relevância do aspecto subjetivo da ação social

(GOLDENBERG, 2003, p. 49). Assim, no que se refere à forma de abordagem do problema, a

pesquisa assim se classifica, pois considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e

o sujeito. A interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados são básicas no

processo de pesquisa qualitativa. O ambiente natural é a fonte direta para coleta de dados, e o

pesquisador é o instrumento-chave. Ainda, trata-se de uma pesquisa descritiva, pois o

pesquisador busca os dados indutivamente, sendo os focos principais de abordagem o

processo e o significado que os atores atribuem à instituição.

É uma pesquisa exploratória e descritiva, pois visa proporcionar maior familiaridade

com o problema com vistas a torná-lo explícito e a descrever as características de uma

determinada população (gestores dos CAPS), assumindo a forma de pesquisas bibliográfica,

documental e participante, pois investiga o local onde ocorre o fenômeno mencionado,

incluindo-se entrevistas com os sujeitos citados no item 2.3. Na utilização do meio

documental, são analisados os documentos conservados no interior dos CAPS I e II, como

atas, registros, regulamentos, circulares, ofícios, memorandos, comunicações informais. Na

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pesquisa bibliográfica, o estudo sistematizado e desenvolvido tem como base o material

publicado em livros, artigos científicos constantes em revistas indexadas e redes eletrônicas.

Ainda, trata-se de uma pesquisa participante, pois se desenvolve a partir da interação entre o

pesquisador e os atores sociais selecionados para as entrevistas e que compõem o CAPS I e II

de Ijuí/RS.

3.2 Descrição da realidade institucional

A instituição objeto deste estudo, apesar de ser uma entidade de saúde pública em

âmbito nacional, é efetivada apenas nas existentes no Município de Ijuí/RS, mais

especificamente nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS I e II). O primeiro completou

onze anos de existência em 2009 e o segundo possui três anos de atividades. São unidades de

atendimento intensivo, semi-intesivo e não-intensivo que atendem psicóticos e neuróticos

graves, constituindo-se a partir de uma equipe mínima. Assim sendo, é um serviço de atenção

extra-hospitalar, destinado a prestar assistência psicossocial a pacientes, com ênfase na

reabilitação e reinserção social de seus usuários.

Os CAPS são serviços de atenção diária, com abrangência territorial restrita, que

oferecem suporte aos familiares, procuram a reinserção social dos usuários e laborativa desta

clientela, com a participação comunitária para reverter o estigma que envolve o paciente

psiquiátrico.

Historicamente, as políticas de saúde mental têm sido formas sistemáticas de exclusão

econômica e social de setores da sociedade, isto é, têm sido formas de marginalização (LUZ,

1994, p. 86).

Esse caráter favoreceu o surgimento de críticas e de reivindicações em prol da

transformação do padrão de intervenção do Estado sobre os doentes mentais. Dessa forma, a

Psiquiatria, como campo de saber e como prática assistencial que legitima essas políticas, foi

alvo de uma série de críticas que questionavam sua legitimidade e sua capacidade para tratar e

curar os doentes mentais. “No fundo, o conjunto da psiquiatria moderna é atravessada pela

anti-psiquiatria, se por isso se entende tudo aquilo que recoloca em questão o papel do

psiquiatra, antigamente encarregado de produzir a verdade da doença no espaço hospitalar”

(FOUCAULT, 1991, p. 124).

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As propostas contemporâneas de reformas psiquiátricas surgiram no período posterior

à Segunda Guerra Mundial. Nesse período, a situação de violência, abandono e cronificação

dos internos nos hospitais psiquiátricos deixava exposta a incompetência dessas instituições

para alcançar a finalidade de tratamento e recuperação a que se propunham, além de lembrar a

situação dos prisioneiros de campos de concentração (AMARANTE, 1995a, p. 28).

A “discussão sobre a loucura e a psiquiatria saiu definitivamente dos compêndios para

as páginas dos jornais, para as telas dos cinemas e foi invadida pelos olhares críticos da

Filosofia, Antropologia, Sociologia e História” (BEZERRA JUNIOR, 1995, p. 172).

A partir de então, as obras de autores como Foucault (1991), Castel (1991), Goffman

(1996), Basaglia (1991), entre outros, ganharam repercussão mundial. Embora estes autores

apresentem muitas diferenças em suas idéias, “todos criticavam a medicalização da loucura e

a psiquiatrização do sofrimento; tinham em comum uma perspectiva que lhes fazia ver

história, cultura, sociedade naquilo em que a psiquiatria só enxergava biologia e idiossincrasia

individual” (BEZERRA JUNIOR, 1995, p. 172).

As experiências de transformação do modelo psiquiátrico clássico em andamento em

outros países e as obras destes autores influenciaram, de forma decisiva, o movimento de

Reforma Psiquiátrica Brasileira, que teve início no final dos anos 70, no contexto das lutas por

redemocratização.

Assim, as propostas de reforma procuravam criar novas bases teóricas e institucionais

para o tratamento das doenças mentais, surgindo os CAPS como resultado de um processo de

questionamento dos tradicionais equipamentos assistenciais em saúde mental e das mal-

sucedidas tentativas de mudança.

“A discussão de alternativas institucionais de atendimento da psicose e neurose grave

não se inicia pela decretação pura e simples da falência dos hospitais e ambulatórios, em

nome da suposta apreensão imediata do doente num contexto psicossocial” (GOLDBERG,

1994, p. 28).

Nesse contexto, foi constatada, então, a necessidade de um outro lugar terapêutico,

estabelecendo-se no CAPS um projeto público de atendimento a pacientes psicóticos e

neuróticos graves, ou seja, uma clínica de cuidados que “conjuga num mesmo espaço o

tratamento e a reabilitação e busca uma atuação mais globalizada frente às questões da saúde

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mental, com a implantação de setores de ensino e pesquisa” (GOLDBERG, 1994, p. 22). Sua

proposta é lidar com a psicose e a neurose graves e seus procedimentos de marginalização e

cronificação, surgindo com o propósito de substituir o modelo psiquiátrico tradicional.

Os CAPS são unidades de saúde extra-hospitalares, abertas e comunitárias, em

substituição ao modelo hospitalocêntrico. Apresentam-se como referência para pessoas com

transtornos severos e persistentes. São regionalizados, com população definida pelo âmbito

local. Oferecem atendimento em regime intensivo, semi-intensivo e não-intensivo, assim

como propiciam o atendimento de cuidados intermediários entre o ambulatório e o hospital.

São multidisciplinares e devem gerenciar projetos terapêuticos oferecendo tratamento clínico

eficiente e personalizado. Promovem a reabilitação psicossocial dos usuários.

3.3 Sujeitos da pesquisa

Em virtude do objeto de estudo, são os seguintes os atores sociais ou “sujeitos

incluídos no estudo” (MINAYO, 2007, p. 48) que foram analisados na rede pública de saúde

mental: os dois coordenadores atuais, dois ex-coordenadores, dois servidores do CAPS II e

dois do CAPS II, dois usuários e dois familiares, sendo um de cada CAPS e três servidores de

unidades básicas diferentes.

Inicialmente a escolha recaiu sobre os coordenadores que estão diretamente ligados à

instituição, ou seja, os gestores do CAPS, que refletem, em alguns casos, a própria instituição

com as tomadas de decisão e concepções políticas institucionais adotadas. Os demais

servidores (equipe) que trabalham no CAPS, que não têm função de coordenação, são atores,

pois possuem uma visão diferenciada em relação ao objeto de trabalho. Portanto, também

conduzem a instituição com um olhar clínico, de acordo com sua formação profissional. Além

dos profissionais, também são partes integrantes da instituição os familiares e usuários que

participam do processo de gestão da unidade. Para um maior entendimento de como a unidade

está inserida na rede, integram ainda a pesquisa três servidores que trabalham em três

unidades diferentes da rede básica.

No entendimento de Goldenberg (2003), para pesquisar a multidisciplinaridade, o

pesquisador tem de se despir e se caracterizar pelo interesse real dos pesquisados, colocando-

se em uma posição de flexibilidade e sensibilidade com as concepções diferentes que se

apresentarem. Isso porque, para além da pesquisa bibliográfica, foram promovidas entrevistas

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dialogadas, nas quais a intenção entre pesquisado e pesquisador é percebida diretamente, face

a face, onde o semblante produz efeitos.

Com isto, Vergara (2007, p. 68) exige do pesquisador “habilidade para interagir com o

pesquisado, conduzindo a entrevista sob a forma de um diálogo”, sendo o outro da relação que

se presentifica na entrevista. A autora salienta os cuidados com a autenticidade dos relatos que

se fizerem necessários.

3.4 Coleta de dados

Considerando que se procura saber quais são as concepções de gestor e as influências

das subjetividades na dinâmica gerencial, as entrevistas dialogadas e semi-estruturadas com

os sujeitos citados no item 3.3, como observações iniciais e com caráter exploratório e de

coleta de informações, foram estabelecidas com base em um planejamento para que, no

momento em que elas estiverem sendo realizadas, as informações necessárias não deixem de

ser colhidas. Para tanto, a pesquisa de campo foi realizada através de entrevistas semi-

dirigidas, com quinze sujeitos, sendo quatro gestores, sete servidores, dois usuários e dois

familiares, a partir de uma guia de campo a seguir exposta.

1. Coordenador atual: qual é a sua prática de gestão com: equipe, usuários, familiares, rede,

registros e manutenção da instituição?

2. Ex-Coordenador: qual foi a sua prática de gestão com: equipe, usuários, familiares, rede,

registros e manutenção da instituição?

3. Servidor do CAPS: como acontece o trabalho interdisciplinar e qual é a função do gestor

na equipe?

4. Usuário: como é o atendimento da equipe e do Coordenador?

5. Familiares: como você percebe o atendimento da equipe e do Coordenador?

6. Servidor da Unidade Básica: como você percebe a relação entre a unidade e o CAPS, e a

função da Coordenação nesta relação?

Com relação à escolha da ordem e dos sujeitos entrevistados, referente ao CAPS II,

decorreu de uma reunião dos seus integrantes; já com relação ao CAPS I foi estabelecido com

a sua coordenação.

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3.5 Análise e interpretação dos dados

A análise dos dados é a ocasião de agrupar todos os dados coletados com a teoria

previamente referenciada. “Deve-se analisar comparativamente as diferentes respostas, as

idéias novas que aparecerem, o que confirma e o que rejeita as hipóteses iniciais, o que estes

dados levam a pensar de modo mais amplo” (GOLDENBERG, 2003, p. 94).

A análise dos dados é um momento reflexivo do pesquisador, pois este se detém na

interpretação dos “ditos” e dos “não-ditos” pelos pesquisados. Tanto Cooper e Schindler

(2003) quanto Goldenberg (2003) chamam a atenção para a relevância das informações

coletadas nas entrevistas e nas suas análises.

Goldenberg (2003) alerta para o risco de o pesquisador usar mais sua intuição do que o

quadro de referência teórico apropriado para analisar os dados. As ferramentas metodológicas

empregadas para a realização do estudo, o percurso teórico, a maturidade intelectual são

balizadores de uma pesquisa.

Na concepção de Cooper e Schindler (2003, p. 73), o pensamento é científico e

condição sine qua non para resolver problemas gerenciais de pesquisa. Com isso, nas

narrativas das entrevistas abertas pretende-se que as informações sejam descritas a partir de

palavras, expressões, frases, o que pode abrir uma infinidade de conteúdos. Cooper e

Schindler (2003, p. 253) advertem que o “que dizemos ou fazemos como entrevistadores pode

construir ou destruir um estudo.” Nessas circunstâncias, a Psicanálise deu sustentação teórica

para a escuta psicanalítica dos entrevistados,pois a escuta das entrelinhas são dos “ditos e não-

ditos”, são materiais de trabalho da Psicanálise.

A análise foi realizada a partir de uma triangulação entre os conceitos pesquisados e

abordados na revisão bibliográfica, na análise documental e no conteúdo das entrevistas.

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4 GESTÃO EM CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL – CAPS

Para se estudar a Gestão em Centros de Atenção Psicossocial-CAPS, há que se abordar

as políticas de saúde mental no Brasil, de forma a se situar alguns aspectos históricos da

loucura para identificar as diferentes épocas. O surgimento dos hospitais psiquiátricos é o

marco que define o estatuto do louco. No Estado do Rio Grande do Sul, o hospital São Pedro

constitui-se como símbolo, referência e primeiro endereço dos loucos.

Os manicômios fundados por Pinel já traziam em seu bojo concepções científicas de

seu tempo; depois, com Kreaplim, que passou a organizar a nosografia e a nosologia

psiquiátrica, teve seus sucessores/questionadores nas correntes psicanalíticas e, por último, os

opositores dos manicômios pela antipsiquiatria, culminando com a reforma psiquiátrica.

Nessa perspectiva, as políticas de saúde mental do país e do Município de Ijuí/RS passarão a

ser contextualizadas sob o ponto de vista histórico-político e econômico.

4.1 Fragmentos históricos da loucura

O sofrimento humano é tão antigo quanto a história da humanidade. Em todos os

tempos sempre houve pessoas interessadas em dar suporte para aquelas que não conseguiam

se inserir em seu contexto (BASTOS, 2000). Em um primeiro momento, era conferida aos

feiticeiros, babalaôs, xamãs, sacerdotes, entre outros, a tarefa de cuidar do sofrimento

humano.

Numa segunda fase, a Medicina antiga procurou desfazer a visão mística dada a esses

acontecimentos, advertindo que nada de sobrenatural acontecia nas pessoas que padeciam de

tal mal, pois tudo tinha uma relação orgânica, conforme as palavras de Hipócrates,

considerado o pai da Medicina, que se manifestou sobre a epilepsia, até então considerada um

mal sagrado.

Já num terceiro tempo, a Idade Média, tem-se uma época em que o mal dos espíritos

eram expiados na fogueira; a religião cuidava desses fatos e sentenciava. No Renascimento,

apesar de não se ter modificado muito a ordem das coisas, talvez um fato possa ser

significativo nesse período: os diferentes não iam mais para a fogueira (BASTOS, 2000).

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A insuportabilidade de convivência com os loucos, no entanto, fez com que as

autoridades, com o apoio da sociedade, colocassem os insanos em uma nau e os soltassem rio

abaixo, para imaginariamente desaguar no mar. Esse ato ficou conhecido como

“Narrenschiff”, ou a nau dos loucos (FOUCAULT, 1997, p. 9). Nesse mesmo período

também se inicia um processo de institucionalização muito precário e desorganizado, em que

os diferentes eram trancafiados e isolados do restante da sociedade.

Em 1650, iniciou-se na Europa um movimento que pregava a internação nos hospitais

gerais de todas aquelas pessoas que não se enquadravam nas regras e normas impostas pela

sociedade. O objetivo da internação era livrar a população dos riscos que aquelas pessoas

poderiam oferecer, protegendo-a também dos atos que poderiam cometer. Embora fossem

considerados hospitais, em momento algum ali se fazia o tratamento das pessoas internadas.

O espaço destinava-se tão somente ao enclausuramento e à segregação daqueles que não se

adaptavam às normas existentes, devendo, por isso, ser isolados do convívio social.

Os indivíduos pertencentes a essa população vinham de quatro regiões ou domínios de experiências diferentes: havia aqueles que apresentavam um desregramento no campo da sexualidade, como os venéreos, as prostitutas, os sodomitas, havia também aqueles que se envolviam em fenômenos considerados como desordem moral e ou social, como a blasfêmia, o suicídio, a magia, a alquimia, a feitiçaria; ou ainda que se subordinavam aos desejos do coração, como os libertinos; e finalmente havia os loucos. Toda essa população trazia consigo a marca da desrazão e, aos olhos do leigo, o louco, desprovido que era da razão, se encaixaria bem neste novo espaço que ora se inaugurava (FOUCAULT, 1997, p. 70).

Com o fim dos hospitais gerais, criam-se os manicômios ou hospitais psiquiátricos,

também com a finalidade de reclusão. Concomitantemente começa a se delinear a Psiquiatria,

que até o século 18 não possuía teoria formalizada. O que impulsionou o nascimento da

Psiquiatria foi justamente a observação dos doentes internados na estrutura manicomial. Com

base no ideário da Revolução Francesa, de liberdade, igualdade e fraternidade, eram estas as

palavras que davam possibilidades para o social se organizar.

A Psiquiatria surge nesse contexto para realizar o que Birman (1992, p. 74) chamou de

“ortopedia moral do louco”, ou seja, recuperar esse cidadão de modo a torná-lo responsável e

moralmente compatível com os ideais vigentes. O manicômio, como “local privilegiado da

sociedade reproduzia a hierarquia, exigindo do louco a obediência ao poder, à vontade

coletiva e o reconhecimento das normas que regulavam o contrato social”.

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Ao mesmo tempo em que o manicômio é marcado pela exclusão, é ele que vai

promover a criação da Psiquiatria e estabelecer um novo olhar sobre a loucura, instaurando

um objeto de estudo. Desse modo, o hospital psiquiátrico tornou-se a instituição que

catalogou o louco, reduzindo a loucura à doença mental.

Os loucos, leprosos e prisioneiros, todos em uma mesma casa de internamento,

passaram a ser classificados de acordo com sua especificidade nosográfica. Nesse processo

classificatório, os loucos foram separados dos demais encarcerados, surgindo os manicômios

(FOUCAULT, 1997).

4.2 Dos manicômios aos Centros de Atenção Psicossocial: a imagem no social

Philipe Pinel, fundador da Psiquiatria moderna, introduziu um novo espírito de

orientação. No plano clínico, não acrescentou nada de essencial aos antigos procedimentos,

nem no plano nosológico, tampouco no institucional ou terapêutico. “Inversamente, no plano

do método, veremos que ele fundou uma tradição: a clínica, como orientação consciente e

sistemática” (BERCHERIE, 1989, p. 31).

Pinel ligou-se ao grupo dos ideólogos, pensadores franceses do século 18, que

marcaram época por seus princípios metodológicos por meio da observação empírica dos

fenômenos, matéria-prima da percepção, que eram agrupados e classificados pelos estudiosos.

A História Natural serviu de recurso a um método para a abordagem da loucura.

Dentro do rigor e da doutrina do campo médico, surge a obra “O Tratado Médico-Filosófico

da Alienação Mental”, um retorno a Hipócrates em seu culto à clínica em detrimento de

Galeno, em sua observação empírica e clínica com bases explicativas e cuja transmutação

seria o positivismo. Neste sentido, nomeiam-se duas vertentes da Medicina antiga: a grega,

com Hipócrates, e a romana, com Galeno.

A primeira alia-se ao positivismo, e a segunda ao empirismo. O método de Pinel

libertou das correntes os prisioneiros das celas e os que estavam sob suspeita no ano de 1793,

colocados ali pela Revolução Francesa. Pinel teve o mérito de ter protegido aristocratas e

sacerdotes ao opor-se à sua extradição sob pretexto de que eram alienados.

A partir da Revolução Francesa, os alienados só ficavam num hospício se fossem

considerados nocivos e perigosos para a sociedade; os loucos só permaneciam neles enquanto

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doentes, e assim que se tivesse certeza de sua cura, eram reinseridos nas suas famílias. A

“prova disso está na saída geral de todos os que recobravam o bom senso, e mesmo daqueles

que haviam sido condenados à prisão perpétua por este Parlamento, sendo dever da

administração manter presos apenas os loucos sem condição de gozar da liberdade”

(FOUCAULT, 1997, p. 464).

A Psiquiatria procurou respostas orgânicas para o tratamento dos alienados, mas desde

Pinel somente foi encontrado um tratamento moral, em que o corpo era “entregue a sua reação

natural, na alienação mental, inversamente, o espírito perturbado podia ser reconduzido à

razão com o auxílio da instituição de atendimento” (BERCHERIE, 1989, p. 41).

Pinel isolou o alienado numa instituição especial, primeiramente para retirá-lo de suas

percepções habituais, aquelas que haviam gerado a doença ou, pelo menos, acompanhado seu

despontar, e depois, para poder controlar inteiramente suas condições de vida. A disciplina

regida pela lei médica consistia na ação dosada de ameaças, recompensas e consolações, “e

pela demonstração simultânea de uma grande solicitude e de uma grande firmeza, era

progressivamente assujeitado à tutela médica e à lei coletiva da instituição, ao ‘trabalho

mecânico’ e ao ‘policiamento interno’ que regiam” (BERCHERIE, 1989, p. 42).

A contenção mecânica e o policiamento interno pertencem a uma categoria de

instituições nas quais seus integrantes parecem reunir muitos aspectos em comum. Segundo

Goffman (1996), criam e mantêm um tipo de tensão entre o mundo doméstico e o

institucional, e usam como força de estratégia o controle dos pacientes. Essas instituições são

definidas como totais, e colocam entre o internado e o mundo externo uma ruptura inicial

profunda com os papéis anteriores e um processo de institucionalização daquele, o qual, se

porventura se rebelar à ordem, é contido mecanicamente, podendo-se citar como exemplos as

camisas de força e as celas solitárias, como ilustram as seguintes imagens:

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Figura 6: Maníacas. Esquirol, Des Maladies Mentales, 1838.

Fonte: Bercherie (1989, p. 33).

Figura 7: Lipemaníacas. Esquirol, Des Maladies Mentales, 1838.

Fonte: Bercherie (1989, p. 34).

Os psiquiatras vigiavam os alienados e descreviam os fenômenos clínicos observados.

Essa clínica, denominada de descritiva, pertence aos primeiros clássicos da literatura

psiquiátrica, tal como Esquirol, em 1837 (França) e Griesinger em 1845 (Alemanha).

Paralelamente ao avanço da clínica em seu método, surge o determinismo onipotente dos

médicos Gall e Lombroso. O primeiro pretendia ver “no formato da calota craniana, o reflexo

das estruturas anatômicas do córtex cerebral e localizadas nestas as características da

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personalidade”, enquanto o segundo (Lombroso), descrevia as características morfológicas de

‘ Il uomo delinquente’ (BASTOS, 2000, p. 11), isto é, as características físicas e/ou fenótipo

como determinantes da delinqüência.

Segundo Bastos (2000), o final do século 19, em toda a Europa, foi marcado pelo

início da Psiquiatria científica, com a classificação e descrição das doenças mentais feitas pelo

psiquiatra Emil Kraepelin. Nessa mesma época ocorria a descrição da anatomia, fisiologia e

histologia e do sistema nervoso central e suas correlações com os quadros clínicos.

A principal doença da época, a sífilis, foi definida pela Psiquiatria como a responsável

por inúmeros casos de loucura, mas em 1916 com o seu isolamento microscópico, teve seu

quadro clínico definido. Nesse período disseminava-se na Europa a enfermidade histérica e a

correlação desta com a hipnose como técnica para intervir, além de sugestões desenvolvidas

por Berheim, mas foi com Sigmund Freud que surgiram as intervenções clínicas, as quais

fizeram os histéricos falarem da sua enfermidade, surgindo, com isto, a Psicanálise.

Assim, a Psiquiatria do século 20 prosseguiu com a criação da Psicanálise por Freud,

trazendo outros enfoques, como a Psiquiatria dinâmica. A Psicanálise, desde então e até a

década de 70, foi a sustentação teórica para o psicopatológico, enquanto a Psiquiatria

absorveu as referências psicanalíticas para trabalhar seus casos. Freud, em seu texto “O

sentido do sintoma”, descreve que um famoso psiquiatra de sua época, Dr. Leuret, dizia “que

mesmo nas idéias delirantes do insano se poderia encontrar um sentido, bastaria que

compreendêssemos a maneira de traduzi-las” (FREUD, 1969, p. 305).

Curiosamente, mesmo a Psicanálise, tendo grande influência no campo da

psicopatologia dentro das instituições psiquiátricas, não se aplicava como possibilidade de

intervenção, salvo exceções. No Brasil, por exemplo, nos hospitais psiquiátricos a médica

Nise da Silveira, ao trabalhar com oficinas, ela conferia o estatuto de sujeito aos pacientes.

Até a década de 50, os hospitais psiquiátricos faziam seus tratamentos empregando a

contenção mecânica. Em 1950, Chapontier e sua equipe sintetizaram a cloropromazina, o

primeiro neuroléptico, e, em 1953, Delay e Deniker descobriram seu uso psiquiátrico. A partir

de então o tratamento dos estados psicóticos passou a não necessitar de internação em

manicômios, e pôs-se fim a uma onda de psicocirurgias, iniciada de 1936, que teve seu ápice

nos Estados Unidos da América entre 1949 e 1951, quando cerca de 20.000 pacientes foram

lobotomizados (BASTOS, 2000).

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Apesar de os psicofármacos descobertos nessa época trazerem avanços ao tratamento

psiquiátrico, as décadas de 60 e 70 acompanharam o surgimento das críticas às internações

manicomiais de uma Psiquiatria tradicionalmente repressiva. Na Inglaterra, a antipsiquiatria

fundada por Laning, Cooper, Szatz e Basaglia, pelo lado da Psiquiatria social, e por Foucault

e Goffman, pelas Ciências Sociais, tiveram grande influência em questionamentos críticos a

uma cultura repressiva instalada nos manicômios.

A década de 80 é marcada pela Psiquiatria biológica e a intensificação de estudos

sobre as substâncias neurotransmissoras cerebrais, numa busca por drogas com ações

específicas e com menos efeitos colaterais, bem como por movimentos políticos e sociais de

redemocratização do Brasil, encabeçados pelos trabalhadores da saúde mental (MTSM), tendo

como eixo principal a clínica institucional e a Psiquiatria democrática italiana, marcada por

uma abordagem mais política das questões que envolvem a saúde mental.

A ciência moderna dá lugar a outra forma de conhecimento, que pretende um senso

comum esclarecido e uma ciência prudente, ou melhor, uma nova configuração do saber que

se aproxima da phronesis aristotélica, ou seja, um saber prático que dá sentido e orientação à

existência e cria o hábito de decidir bem (SANTOS, 1989, p. 38-9).

A phronesis combinada com o caráter prático e prudente do senso comum, com o caráter segregado e elitista da ciência, uma vez que é um saber que só cabe aos mais esclarecidos, isto é, aos sábios. Daí a necessidade da dupla ruptura epistemológica que permitia destruir a hegemonia da ciência moderna sem perder as expectativas que ela gera. A nova configuração do saber é, assim, a garantia do desejo e o desejo da garantia, de que o desenvolvimento tecnológico contribua para o aprofundamento da competência cognitiva e comunicativa e, assim, se transforme num saber prático e ajude a dar sentido autêntico a nossa existência.

Esta posição cria um paradoxo: assim como os medicamentos produzem um avanço

nos tratamentos psiquiátricos e uma nova camisa de força, a química, a psicofarmacologia

toma a cena dos tratamentos para o sofrimento psíquico, tornando-se uma espécie de

imperialismo ao carregar o estandarte da promessa da cura. De fato, ela permite que todos os

médicos abordem da mesma forma qualquer tipo de sofrimento psíquico, com poções

medicamentosas que pouco se diferenciam, sem que jamais se saiba de que tratamento elas

dependem, com diagnósticos unificados para diversas patologias.

Assim, psicoses, neuroses, fobias, melancolias e depressões são tratadas pela

psicofarmacologia como estados ansiosos, decorrentes de lutos, crises de pânico passageiras

ou de um nervosismo extremo, devido a um ambiente difícil: “O medicamento psicotrópico só

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se transformou no que é”, um produto a mais a ser consumido perdendo as propriedades de

pharmacon (ZARIFIAN apud ROUDINESCO, 2000, p. 23-4). A psicofarmacologia tornou-se

a marca da ciência glorificada, aquela que explica o irracional e a cura incurável. O

psicotrópico sinalizou a vitória do pragmatismo e do materialismo sobre as infindáveis

discussões psicológicas que procuram definir o homem.

Influenciada pelos movimentos dos anos de 60/70, a reforma psiquiátrica chega ao

Brasil na década de 80, trazendo, para alguns, uma marca distinta de indissociação entre

clínica e política, apesar de ser observada, na prática, resistência à clínica, pelo fato de esta

propiciar que o sujeito se enuncie, uma vez que os ideais da cidadania privilegiam o social.

Em muitos momentos as manifestações singulares caminham em direção oposta às pretensões

coletivas. Nessas ocasiões, a clínica e a política ficam dissociadas. Basaglia, idealizador da

reforma psiquiátrica italiana, foi o inspirador do processo da reforma psiquiátrica brasileira,

com princípios vinculados ao social.

4.3 O Hospital Psiquiátrico São Pedro – HPSP

A partir do século 19, denominado século dos manicômios, os hospícios proliferam

como o principal sistema de tratamento da loucura, pois eram considerados a modalidade

terapêutica mais eficaz.

O primeiro manicômio do Estado do Rio Grande do Sul foi o Hospital Psiquiátrico São

Pedro, nome que referenciava a Província, assim denominada. Inaugurado no dia 29 de junho

de 1884, com a presença da Princesa Isabel, foi por décadas o endereço dos loucos do Estado.

Contava com 40 leitos e foi construído longe da cidade de Porto Alegre/RS, indicando a real

exclusão que veio a representar. Hoje, a área em que está instalado, no Bairro Partenon, faz

parte do centro da cidade, e a sua infra-estrutura, tida como cartão de visitas da capital, foi

tombada como patrimônio histórico do Estado.

Longe da área urbana da cidade, o São Pedro foi erguido para atender às indicações terapêuticas vigentes na época. Natureza, córrego, local para o trabalho agrícola compunham o cenário ideal. Ali, também, diversas práticas terapêuticas foram empregadas antes do surgimento das medicações psiquiátricas, tais como os banhos, a insulinoterapia, eletroconvulsoterapia e malarioterapia. Esta última introduzida no Brasil pioneiramente no HPSP e considerada com grande sucesso, segundo os padrões da época. O fundamento destes “choques” era a busca da desmontagem da estrutura psíquica doente para uma eventual reconstrução sadia. (CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA CRPO7, jul/ago 2002, p. 4).

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A fragmentação da estrutura psíquica era tratada com a eletroconvulsoterapia, que

consiste na aplicação de uma carga elétrica no cérebro, com o paciente anestesiado. Esta carga

elétrica age diretamente no cérebro, originando uma convulsão, daí o nome

eletroconvulsoterapia. Suas principais indicações: esquizofrenia, depressões graves,

transtorno bipolar ou Parkinson com depressão.

Outro método utilizado era a insulinoterapia que consistia num choque insulínico, em

que o produto era injetado nos pacientes para que as células do pâncreas retirassem a glicose

do sangue. Isso provocava um quadro de hipoglicemia grave que produzia, como

conseqüência, a convulsão, levando o paciente a um estado de prostração.

Além desses, nas décadas de 30 e 40, antes da invenção dos psicofármacos, que

ocorreu em 1950, foram bastante utilizados os banhos e a malarioterapia. No primeiro,

buscava-se a desmontagem do que não estava funcionando bem por choques térmicos,

alternando no paciente banhos quentes e frios; no segundo, se tratava-se da inoculação do

agente transmissor da malária para quebrar as resistências físicas e psíquicas do paciente.

Esses foram os principais métodos utilizados nos primórdios do São Pedro, alguns dos

quais, por mais polêmicos que possam parecer, continuam sendo empregados atualmente.

Com a construção dos hospitais psiquiátricos, estabelece-se o que é normal e o que é

patológico, o que vai tendo seus contornos nas diferentes épocas. Os hospitais, como eram o

único endereço destinado aos loucos, acabaran gerando superlotação, inobstante bom número

dos internados não necessitar deste tipo de tratamento.

Grande parte dos pacientes foram internados por não concordarem com normas e

idéias estabelecidas na cultura. A população que superlotava a instituição era constituída, na

sua maioria, por pessoas sem nenhuma necessidade de tratamento. Assim, podemos referir a

uma certa semelhança à casa dos internados, que abrigava aqueles que não se alinhavam à

bela ordem antes de Pinel. Curiosamente, os manicômios continuam com a função de dar

suporte ao discurso dominante de cada época.

A década de 60 foi um marco nas internações, uma vez que a instituição alcançou

aproximadamente seis mil internados.

Nos anos 70, começaram a surgir discussões em relação ao hospício e ao valor terapêutico do isolamento dos doentes. A equipe do hospital começou a procurar as famílias dos pacientes para tentar reinseri-los na sociedade. Desde a década de 80 se intensificaram os avanços no desenvolvimento de drogas psicotrópicas e as

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mudanças no tratamento dos doentes. Em 1987, abrigando 1350 pacientes, o hospital criou uma área hospitalar com 130 leitos e estabeleceu rígidas normas para internação (ESPERANÇA, 1996, p. 6).

Na década de 80 intensificam-se os questionamentos sobre a visão hospitalocêntrica, e

esta procura flexibilizar com melhoramentos os aspectos físicos dos hospitais ao organizar

alas específicas para categorias diferentes de patologias.

As conferências de saúde mental tiveram papel importante na proposição de um novo

paradigma para a saúde mental. As organizações panamericana e mundial de saúde

convocaram, na década de 90, na Venezuela, o evento denominado Declaração de Caracas.

Um dos seus efeitos no Rio Grande do Sul foi colocar em prática a reforma psiquiátrica,

instituída pela Lei Estadual nº 9.716, assinada pelo governador Alceu Collares em agosto de

1992. Pela forte influência do modelo italiano, organizada por Franco Basaglia, a lei para

regulamentação da reforma psiquiátrica aqui no RS surgiu dez anos antes que nos demais

Estados do país,

A lei prevê a criação de uma rede de serviços de saúde para as “pessoas que padecem de sofrimento psíquico”, ou seja, os doentes mentais. A rede seria composta por unidades de internação psiquiátrica em hospitais gerais, centros residenciais de cuidados intensivos, lares abrigados e pensões comunitárias, entre outros (ESPERANÇA, 1996, p. 5).

O Hospital São Pedro passa de asilo de loucos a hospital psiquiátrico, com pacientes

residentes que ali permanecem tão somente por não possuírem família ou condições

econômicas para se sustentarem. Atualmente, as pessoas envolvidas com a instituição estão

empenhadas no projeto São Pedro Cidadão, por meio do qual foram construídas pequenas

casas, em que os internos poderão resgatar o vínculo com a sociedade. Nas 40 residências que

este projeto dispõe, os seus moradores administram seu próprio espaço físico e as rotinas

domésticas, além de freqüentarem oficinas de geração de renda.

Está prevista também a revitalização do espaço hospitalar com atividades culturais

para a comunidade, além da criação de um Memorial, onde ficará exposto tudo que possa

contar a história da instituição. Estas iniciativas são tidas como referências no tratamento em

saúde mental. Abordar essas questões, como também conhecer a história do Hospital

Psiquiátrico São Pedro, significa percorrer o próprio percurso da loucura no Rio Grande do

Sul, pois foi nessa instituição o início de qualquer intervenção sobre a doença mental no

Estado.

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4.4 Um traço da história institucional na gestão da loucura em Ijuí/RS

No Município de Ijuí, antes de analisar o fenômeno da loucura, é relevante considerar

alguns aspectos históricos da sua fundação. Em 1890, quando se deslocaram imigrantes das

colônias, “é de notar que grande parte desses imigrantes procediam da zona urbana, tendo

pouca ou nenhuma afinidade com o trabalho na agricultura” (MIRON, 1998, p. 60).

Aproximadamente 17 etnias povoaram Ijuí/RS, cada uma trazendo traços psicológicos

singulares, mas todas passam a ter em comum sua ligação com a terra, que é o ordenador

simbólico e que dá o estatuto de pertença na sociedade e na família, ou seja, aquele que não

aceitasse as lides da terra estava fora.

A colônia de Ijuhy, criada em 1890 sob a coordenação geral da Comissão de Terras,

nomeada pelo governo estadual republicano, representou a ocupação das últimas terras

disponíveis do Estado. Ijuhy, que na língua guarani significa “Rio das águas claras” ou “Rio

das águas divinas”, atualmente é conhecida por Terra das Culturas Diversificadas, Cidade

Universitária, Colmeia do Trabalho, Terra das Fontes de Água Mineral e Portal das Missões

(LAZZAROTTO, 2002).

Localizada no Planalto Médio Gaúcho, possui uma área de 689,124 quilômetros

quadrados, com uma população, em 2007, de 76.739 habitantes, o terceiro Município mais

populoso da região Noroeste, que abrange 216 municípios. Por ser uma cidade universitária e

com amplos recursos hospitalares, tem um fluxo de aproximadamente 100.000 pessoas,

constituindo o maior e mais importante centro populacional da região.

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)5 de Ijuí é de 0,803, segundo o Programa

das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em 2000. Possui um Produto Interno

Bruto (PIB) de R$ 788.789,006, consoante dados de 2007 da Fundação de Economia e

Estatística (FEE) e um PIB per capita de R$ 10.061,007, igualmente conforme dados da FEE

de 2007.

5 A metodologia de cálculo do IDH envolve a transformação destas três dimensões em índices de longevidade,

educação e renda, que variam entre 0 (pior) e 1 (melhor), e a combinação destes índices em um indicador síntese. Quanto mais próximo de 1 o valor deste indicador, maior será o nível de desenvolvimento humano.

6 PIB total do Estado do Rio Grande do Sul: R$ 142.874.226,00 – FEE/2007. 7 PIB per capita do Estado do Rio Grande do Sul: R$ 10.061,00 – FEE/2007.

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A cultura dos povos é uma tradição de Ijuí, pois a cidade caracteriza-se pela

diversidade de etnias: afro-brasileiros, índios, portugueses, franceses, italianos, alemães,

poloneses, austríacos, letos, holandeses, suecos, espanhóis, japoneses, russos, árabes,

libaneses, lituanos, ucranianos, dentre outros.

A imigração da Europa para o Brasil teve como origem o contingente da população

excluída pelo processo de industrialização, seja por questões políticas e religiosas, seja porque

simplesmente representava uma ameaça à ordem estabelecida (GILES, 1997). Os efeitos da

exclusão são sentidos nos indicadores sociais, pois a organização do laço social ocorre a partir

das posições subjetivas decorrentes do interjogo das relações interpessoais.

Nesse processo ocorrem as organizações de trabalho nas diferentes instituições. Giles

relata que a especialidade, tanto das formas organizativas (clubes, cooperativas, associações

de mútua ajuda) quanto de suas manifestações socioculturais (o ensino da língua de origem na

escola, corais e grupos de dança), é fruto de um conjunto de fatores, “onde as relações e

contradições próprias de uma economia mercantil baseada na pequena produção agrícola e no

trabalho em regime de família estão associadas a um esforço de preservação da identidade,

com base de sustentação do grupo” (GILES, 1997, p. 14).

Ao se pensar a saúde mental nesse contexto, é necessário levar em consideração que

os imigrantes que aqui chegaram e seus descendentes têm como referência de inserção no

contexto social a sua língua materna (do país de origem), jogada em meio a tantas outras e

todas sendo barradas pela língua oficial do país que os recebeu, ou seja, a língua portuguesa.

Na visão de Giles (2001), somos referidos como sujeitos a diferentes registros

identificatórios. Um destes é a experiência do espelho, que nos permite a identificação

imaginária. Esta se apresenta insuficiente, sendo necessárias outras identificações que

possibilitem permanência, como os elementos da nossa história, família, cultura, filiação,

enfim, elementos simbólicos. Quando existe uma discordância entre as referências simbólicas

e as imaginárias, origina-se um mal-estar, não somente individual, mas também social. Diante

disso, pode-se pensar o contexto multiétnico deste município como problemático, pois

encontra dificuldades em garantir referências simbólicas autênticas aos sujeitos que estejam

em consonância com a identidade imaginária. Isso produz um mal-estar que pode ser a causa

do sofrimento psíquico na cidade.

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Os colonos vindos da Europa tinham como função expandir a fronteira agrícola. Caso

não fossem capazes dessa tarefa, eram reprimidos pelos funcionários do INCRA - Instituto

Nacional de Colonização e Reforma Agrária (MIRON, 1998). O fato de que essas condições

de existência condicionam e determinam o modo como se relacionam com o social não é

levado em conta.

A economia local é de subsistência, o sistema de trocas acontece entre as famílias. A

figura central das cenas da colônia tem como protagonista o pai, o que vai ter deslocamentos

no decorrer da história. Como afirma Miron (1998), a loucura, resultado dessas condições de

existência, recebe a mesma repressão comum a outros delitos, como bebedeiras, desavenças.

O significado social aqui não se vincula ao caráter de insanidade, mas sim à necessidade de

dar produtividade à terra.

A partir da década de 60, a loucura começa a receber no Município uma atenção

sistematizada por parte da prefeitura, com a criação de uma Unidade Sanitária SSMA/RS.

Esta política pública aconteceu por duas vias: primeiro a da Vigilância Sanitária do Estado,

que treinou os médicos clínicos gerais do INPS (Instituto Nacional de Previdência Social)

para receber os egressos; e segundo, a descoberta dos psicofármacos, a partir de 1955, que

começaram a substituir a camisa de força mecânica pela “camisa de força química”.

Louvam-se essa descoberta e os efeitos que produziram os medicamentos para a

condução dos tratamentos psiquiátricos, proporcionando a desinstitucionalização. Resta,

porém, uma interrogação dessa prática clínica devido aos excessos nas prescrições.

Importa ressaltar que a desinstitucionalização é um termo criado nos anos 60, com o movimento da psiquiatria preventiva ou comunitária (EUA), para designar o processo de altas administrativas e reinserção de pacientes psiquiátricos na comunidade, tendo sido empregado como sinônimo de desospitalização. No contexto da psiquiatria democrática italiana, entretanto, a desinstitucionalização é empregada como sinônimo de desconstrução. A instituição que se nega é a própria psiquiatria, bem como a redução que ela opera ao aprisionar a loucura no conceito de doença mental. Em outros termos, a desinstitucionalização proposta pela vertente italiana, à qual a reforma psiquiátrica brasileira recorre, não é um processo que dispensa instituições. Ela propõe a criação de dispositivos institucionais com base em uma nova lógica de assistência, visando superar o paradigma clínico racionalista da psiquiatria (ALTOÉ; LIMA, 2005, p. 149-150).

Conforme Miron (1998, p. 164), entre 1959 e 1972 funcionou em todo o país um

programa, o Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência (SAMDU), que atendia

na residência o paciente em surto. No Município de Ijuí, essas visitas eram feitas por duas

equipes, formadas por médico, enfermeiro e motorista. Também havia outro espaço para o

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atendimento ao doente mental além da Unidade Sanitária: o Posto de Assistência Médica

(PAM), quando já não mais havia a ida da equipe até o domicílio, mas o paciente devia buscar

o atendimento.

Retomando o curso da constituição da loucura em Ijuí/RS, muitos que aqui vieram não

conseguiram se identificar com o ordenador simbólico, a terra, que dava o estatuto de sujeito,

ou seja, carregava o traço de representação junto ao seus semelhantes na colônia.8

Em não havendo essa possibilidade de representação, o sujeito enlouquecia. Quando

isso acontecia, a família recorria ao intendente, que era a autoridade máxima do município,

dono dos destinos de homens e mulheres e com plenos poderes, que hoje se equivale ao

prefeito, que exerceu a mesma função até 1960.

Esta relação é verticalizada, isto é, o intendente, ou o prefeito, era quem encaminhava

os loucos para o Hospital São Pedro. Na linguagem exata de algumas das nossas mais antigas

instituições totais9, as quais segregavam os pacientes, começa uma série de degradações,

humilhações e profanações do eu, o seu eu é sistematicamente, embora muitas vezes não

intencionalmente, mortificado. Começa a passar por algumas mudanças radicais em sua

carreira moral, uma carreira composta pelas progressivas mudanças que ocorrem nas crenças

que têm a seu respeito e a respeito dos outros que são significativos para ele (GOFFMAN,

1996).

Para Miron (1998), a única instituição hospitalar que a região possuía na década de 20

era o Hospital Ijuhy. Localizava-se em uma casa de dois pisos, com dez leitos que, por vezes,

atendia pessoas que passavam por momentos de loucura. Esse atendimento consistia na

contenção mecânica e na aplicação de medicamentos por injeção. O Dr. Kuhlmann, um dos

8 Quando empregamos esse termo “sujeito”, é importante destacar que o diferenciamos de “indivíduo”, “pes-

soa”, “personalidade” ou qualquer outro termo que signifique unidade ou todo. O sujeito não é todo, ele é antes de tudo um efeito. Um efeito da intervenção do Outro. Podemos dizer que o sujeito porta o Outro na sua própria constituição, nele se aliena e dele se separa pontualmente, parcialmente, e nunca se faz um com o outro. O sujeito não faz Um, nem com o outro, nem com seu objeto. Nada o complementa. Pelo contrário, se às vezes temos a impressão de estar diante de um sujeito completo, a quem parece faltar nada porque nada demanda, este deve estar suspenso em seu próprio isolamento, seu autismo particular, sua recusa ao Outro como o ápice de sua patologia. Cabe a nós provocá-lo para sair disso. O sujeito é uma abertura, é sobredeterminado, como nos ensinou Freud, em sua abertura ao Outro (FIGUEIREDO, 2005, p. 8).

9 Ao analisar as diferentes instituições da sociedade ocidental, constata-se que umas são mais fechadas do que outras. Seu fechamento, ou seu caráter total, é simbolizado pela barreira, a ausência de relação social com o mundo externo e por proibições à saída, que muitas vezes estão incluídas no esquema físico, por exemplo, portas fechadas, paredes altas, arame farpado, fossos, água, florestas ou pântanos. A tais estabelecimentos dá-se o nome de instituições totais (GOFFMAN, 1996).

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donos desse hospital, na maioria dos casos enviava esses pacientes para internação na capital,

pelo fato de que a insanidade não fazia parte da clínica médica.

No final da década de 20, é criada no Rio de Janeiro a Liga Brasileira de Higiene

Mental (LBHM), que exerceu forte influência nas práticas da saúde na cidade. Baseada nos

ideais da Psiquiatria alemã, como a purificação da raça, esta Liga surgiu com “a tarefa de

normalizar e disciplinar uma parcela da população que apresenta desvios morais e

comportamentais em relação à sociedade” (MIRON, 1998, p. 139). A LBHM conseguiu, num

jornal de circulação no Município de Ijuí, um espaço para a divulgação de suas idéias de

cunho moralista. Em algumas reportagens inclusive abordava a incapacidade e a inferioridade

dos doentes mentais.

Em Ijuí, em 1940, conforme registra Miron (1998, p. 144), o Hospital Ijuhy foi

substituído pela Associação Hospital de Caridade de Ijuí (AHCI). Este já registrava, em seu

primeiro regimento, uma proibição quanto à internação de loucos, o que vai mudar mais tarde

pelas políticas adotadas pelo Estado para a desospitalização dos internos do Hospital

Psiquiátrico São Pedro. Quando não havia espaço para internação, o louco permanecia no

presídio da cidade, até que abrisse uma vaga na instituição. “Esse é o recurso visível e

disponível, pois não há durante esses primeiros 70 anos (1890-1960) uma estrutura

sistemática no município para atenção à doença mental” (MIRON, 1998, p. 64).

Assim, o destino do doente era, geralmente, o presídio, pois o hospital não possuía

estrutura para recebê-lo devido a sua “periculosidade”. A instituição hospitalar nunca era

ponto de referência, a não ser como um lugar onde era aplicada a medicação, possibilitando o

seu deslocamento para outro espaço, como o hospital psiquiátrico ou a cadeia.

As Polícias Civil e Militar eram acionadas para buscar e levar aqueles que estavam

apresentando algum tipo de distúrbio. Para cumprir essa tarefa, os policiais utilizavam a força

para intimidar o sujeito, atitude que causava reações por parte da família. Esta, ao mesmo

tempo que solicitava a ação, interferia para que ela não se efetivasse. Segundo depoimento de

um dos policiais da época, participante da pesquisa de Miron (1998), nenhum dos policiais

gostava de ser chamado para esse tipo de intervenção, pois se sentiam constrangidos pela

abordagem violenta do sujeito diante dos seus familiares.

Era muito difícil porque a gente assume pessoas que não raciocinam e a gente não consegue manter aquele diálogo pra poder... então tinha que chegar e agarrar mesmo, não tinha outro jeito. Então era muito difícil. Às vezes as pessoas, quando chegava para escalar alguém lá — “Bali, me deixa fora dessa”, O pessoal não queria

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ir, dificilmente, Tanto que cada um dizia, as famílias estão perto, fica ruim, porque tem que agarrar, derrubar e amarrar, então fica difícil. Se sentiam mal fazendo esse tipo de atendimento (MIRON, 1998, p. 107).

Não restando alternativa, o destino era Porto Alegre. O traslado era feito de trem, que

dispunha de um vagão específico, nomeado de o “Vagão dos Loucos”. Essa relação das

famílias com o Executivo e o Hospital São Pedro perdurou até a década de 60, quando a

superlotação do manicômio atinge 5 mil internados.

Quase sempre as instituições dessa natureza parecem funcionar apenas como depósito

de internados. Usualmente se apresentam ao público como organizações racionais,

conscientemente planejadas como máquinas eficientes para atingir determinadas finalidades,

oficialmente confessadas e aprovadas. Esta é a contradição entre o que a instituição realmente

faz e aquilo que oficialmente deve divulgar que faz.

Dentro deste contexto, talvez a primeira coisa a declarar a respeito da equipe dirigente

é que o seu trabalho e, portanto, o seu mundo, se refere apenas às pessoas. “Como material de

trabalho as pessoas podem adquirir características de objetos inanimados” (GOFFMAN,

1996, p. 69-70), o que vem confirmar a instituição representada como uma máquina

(MORGAN, 1996).

Perde-se de vista o conteúdo dos objetivos organizacionais, pelo apego excessivo a

regras e formalismos, que não deixa margem à nenhuma flexibilidade ou questionamento do

sistema, revelando-se uma engrenagem do sistema. Com isso, toda instituição conquista parte

do tempo e interesse de seus participantes e lhes dá algo de um mundo, em resumo, toda

instituição tem tendência de fechamento (MOTTA; VASCONCELOS, 2004).

Somente a partir da década de 60, um leve deslocamento acontece no que diz respeito

à instituição total como a única forma de acolher doentes mentais. A relação família-

executivo-hospital declina, iniciando-se outra constituição relacional: família-médico-

hospitais psiquiátricos. Nesse momento histórico da saúde mental, os internados nos hospitais

psiquiátricos, principalmente no Hospital São Pedro, retornam as suas cidades de origem.

Desta forma, os médicos começaram a tratar dos pacientes egressos do Hospital São

Pedro que eram trazidos pelos familiares para consulta. No senso comum, assim como na

cultura da população desta região, quando um paciente recebe alta hospitalar é porque está

curado, mas este não é o caso das doenças mentais. Apesar de os pacientes virem com a

prescrição do hospital psiquiátrico para dar continuidade ao tratamento no Município com os

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médicos do INPS, os familiares não se sentiam seguros, pois sabiam da realidade da patologia

e o que os aguardava com o retorno do familiar enfermo, o que mostra uma ambigüidade, pois

a fantasia vai muito longe quando se trata da relação médico/paciente. Em muitas ocasiões, no

imaginário social, é como se esta relação pudesse dar conta de todos os sofrimentos.

Os familiares acreditavam que o seu doente estava sob cuidados médicos, mas ele não

seguia as prescrições. Como a maioria não tomava os medicamentos, voltavam os surtos.

Com isso, o retorno aos hospitais psiquiátricos teve seu reinício, agora com o

encaminhamento do médico e não mais do Poder Executivo. As referências a doentes mentais

procedentes de Ijuí, nesse período, são escassas. Isso decorre do fato de que por essa época o

serviço público estadual já tomava conta de grande parte dos encaminhamentos e tratamentos

desse tipo de pacientes, não sendo mais a prefeitura a protagonista da história. A Medicina aí

passa a ocupar o “lugar principal no encaminhamento e na atenção aos doentes mentais”

(MIRON, 1998, p. 70).

Os anos 60 foram marcados por um movimento evasivo de Psiquiatria Comunitária.

Muitos foram os questionamentos sobre os hospitais psiquiátricos, seus tratamentos e sua

organização administrativa, que tiveram início com o movimento antimanicomial, cujo ápice

ocorreu nos anos 90. O primeiro processo de reforma psiquiátrica brasileira surgiu entre os

anos de 1978 e 1980, quando da criação do Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental

(MTSM).

Para Amarante (1995a, p. 52), o MTSM caracterizava-se por ser "o primeiro

movimento em saúde com participação popular, não sendo identificado como um movimento

ou entidade da saúde, mas pela luta popular no campo da saúde mental", haja vista a

verticalidade das condutas terapêuticas dos trabalhadores que antecederam o MTST. As

primeiras discussões oficiais do Movimento ocorreram em 1987, quando da realização do

evento que ficou conhecido como Congresso de Bauru, no qual foi lançado o lema “Por uma

Sociedade Sem Manicômios”.

A forma de condução da gestão hospitalar perpassava os tratamentos dos internados,

os quais ficavam, ou eram colocados, numa posição de objeto. “Quase sempre, muitas

instituições totais parecem funcionar como depósitos de internados” (GOFFMAN, 1996, p.

69), devido à forma verticalizada de administrar uma instituição em que o objeto de trabalho é

o ser humano. Nesse período, os ambulatórios começam a oferecer uma assistência

psiquiátrica desvinculada dos hospitais. Este leve deslocamento de lugar foi caracterizado

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como um início de reformismo chamado de “ambulatorização”. Sob a influência da ditadura,

as decisões nos serviços de saúde eram tomadas por um

pequeno grupo que ocupa cargos mais altos na hierarquia destes serviços, e cuja organização é baseada no poder das corporações profissionais, tende a gerar descompromisso e falta de interesse de participação na maioria dos trabalhadores. Processo de trabalho centrado em procedimentos burocráticos, e que se restringem a prescrever, tendem a fragilizar o envolvimento dos profissionais de saúde com os usuários (GOFFMAN, 1999, p. 5-6).

Com o início da luta pela redemocratização do Brasil, o tema da saúde mental foi

incluído no debate dos movimentos sociais, os quais eram influenciados por dois processos

que se encontravam em plena ebulição: a globalização e a regionalização, respondendo a uma

exigência do sistema capitalista vigente e implicando uma regionalização do poder mundial.

O capitalismo está se transformando para se adequar aos novos tempos. Ao remodelar-

se, cria mecanismos para continuar a se expandir e controlar, direta ou indiretamente, todas as

formas de atividades humanas (BRUM, 1999).

Na Região Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, essencialmente agrícola, os

sinais que vêm marcar os novos tempos começam a se apresentar. As insuficiências do

mercado atravessam as individualidades e produzem novas formas de gestão das instituições,

tendo em vista que no campo econômico começa a se acentuar o desenvolvimento tecnológico

no setor agrícola. Ao invés da terra ordenar as referências simbólicas, dá-se vez à tecnologia e

à produtividade para se firmarem como sustentação de referência.

Essa nova forma de se relacionar com a terra também vai influenciar na condução dos

tratamentos no campo da saúde mental, pois desde então a variável produção entrou como

quantificação de procedimentos para obter recursos financeiros da União e do Estado para

aquisição dos psicofármacos e manutenção de toda a estrutura voltada à saúde mental.

Nessa perspectiva, Ijuí inicia uma nova organização em saúde mental. Na metade da

década de 70 consolida-se o Programa de Interiorização das Ações de Saúde Mental,

ocorrendo atendimentos sistemáticos de doentes mentais por clínicos gerais. A chegada de

enfermeiros vem trazer um elemento a mais nesse trabalho que extrapola o espaço restrito da

unidade, ampliando-se para visitas domiciliares. A eles cabe “realizar a pré e pós-consulta

médica, o controle de faltosos e a intervenção em casos de reagudização no domicílio”

(MIRON, 1998, p. 162).

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Atento a essa situação, o setor da enfermagem começou a organizar um

reagendamento desses pacientes, ou seja, consultas médicas periódicas. Este foi o início de

trabalho na Saúde Mental em Ijuí/RS, de forma mais sistemática e organizada. O objetivo dos

reagendamentos foi controlar para que os pacientes não entrassem em surto10, além de conter

os suicídios, que eram muito frequentes no universo desses enfermos. Importante salientar

que todo este movimento de trabalho ocorreu na década de 70, marcada pelo êxodo rural e

pelo aumento das patologias mentais, o que nos leva a acreditar que a perda do referencial da

terra, como estatuto simbólico, mostrava seus efeitos, pois nesse período o número de

internações psiquiátricas cresceu sensivelmente.

Como no Município não existiam hospitais psiquiátricos, a Secretaria Municipal de

Saúde disponibilizava um veículo para levar os doentes mentais para essas modalidades

hospitalares existentes na região, ou mesmo fora dela. A demanda era excessiva, pois os

pacientes não tinham condições de serem acompanhados sistematicamente, não havendo

alternativa a não ser o encaminhamento aos hospitais psiquiátricos. Na época, todo o trabalho

de saúde mental era prestado pela Secretaria de Saúde e Ação Social do Município em

parceria com o Estado, por meio da SSMA/RS, como afirma Miron (1998, p. 94),

[...] uma variação na idade dos sujeitos encaminhados ao hospício desde menores (8, 10, 12 e 15 anos) até idosos (76, 80 anos), a maioria em idade produtiva (18/55 anos), permanecendo no espaço asilar grande parte de seus anos mais férteis [...] nota-se que a maior parte destes pacientes estão ligados à atividade agrícola, o que é compreensível em um município de economia predominantemente rural [...].

A reflexão sobre a loucura passou a integrar as discussões nas universidades e dos

profissionais de instituições psiquiátricas. A luta corporativa por melhores condições de

trabalho, dignidade e autonomia profissionais questionava as condições de atendimento aos

pacientes e a hegemonia dos hospitais privados, que representavam a assistência psiquiátrica

até então, mobilizando setores da sociedade civil em favor dos direitos dos pacientes.

Essa década, definida pelos economistas como “a década perdida” devido à estagnação

econômica, também foi um momento de forte movimentação dos trabalhadores em saúde

mental, apesar de as instituições evoluírem em suas práticas ultrapassando o modelo

tradicional, qual seja, os atendimentos ambulatoriais e de internações hospitalares permanece

o paradigma hospitalocêntrico.

10 Ocorrência inesperada de um novo sintoma ou de um sintoma antigo, com duração superior a 24 horas.

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Nessa época, ocorrem quatro fatos importantes para o entendimento do processo de implantação da reforma psiquiátrica no Brasil, a saber: a) 8ª Conferência Nacional de Saúde, marco criador do SUS (Sistema Unificado de Saúde); b) II Congresso Nacional de Trabalhadores em Saúde Mental; c) apresentação do projeto de lei nº 3657/89, de autoria do deputado Paulo Delgado; e d) 2ª Conferência Nacional de Saúde Mental (RABELO; TORRES, 2006, p. 57).

Toda essa movimentação termina por enriquecer a trajetória da reforma psiquiátrica no

Brasil, que passa a articular as transformações técnico-assistenciais a campos político-

jurídico, teórico-conceitual e sociocultural (AMARANTE, 1995a).

As produções teóricas buscam outras referências conceituais para definir um novo

objeto de conhecimento para dar suporte à clínica institucional. Curioso é notar que a

Psicanálise, até então ordenadora da psicopatologia, dá lugar à Psiquiatria biológica. Com

isso, a ciência assume a condução dos tratamentos em detrimento de um espaço para o sujeito,

propósito da reforma psiquiátrica. Já no que diz respeito à gestão institucional, esta

continuava sob os efeitos de uma clínica positivada, considerando que a especialidade médica

era quem estabelecia as orientações aos enfermos mentais. Já nos outros campos, citando

Amarante, as autoras assim se manifestam

O campo técnico-assistencial tenta construir novos espaços de sociabilidade, trocas e produção de subjetividades. O campo jurídico-político propõe a revisão das legislações que envolvem os doentes mentais e tenta instaurar a construção de novas possibilidades de ingresso social. Por último, o campo sociocultural tem por objetivo transformar o imaginário social acerca da loucura, buscando práticas sociais de solidariedade e inclusão dos diferentes (RABELO; TORRES, 2006, p. 58).

A partir do movimento dos trabalhadores em saúde mental e de todas as discussões

feitas em fóruns; com a efervescência dos movimentos de redemocratização do país, com a

proposta das “Diretas Já” e no embalo de um novo modelo de gestão, mais democrático,

voltando-se ao resultado para o usuário e não para a produção de procedimentos terapêuticos,

resultou na instituição de dois projetos piloto: em São Paulo, o Centro de Atenção

Psicossocial (CAPS) e em Santos, o Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS).

São modelos de instituições com propósitos opostos ao da visão dos hospitais

psiquiátricos que visam à internação dos pacientes. Esses modelos vão permitir que

profissionais de diferentes áreas do conhecimento atuem de modo transdisciplinar e juntos

construam vínculos terapêuticos e uma responsabilização compartilhada entre pares na equipe

e também com o usuário em seu plano terapêutico.

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Seguindo esta tendência, é apresentado o projeto de Lei nº 3.657/89, do deputado

Paulo Delgado, procurando a extinção progressiva das instituições públicas manicomiais e

regulamentando os direitos dos doentes mentais. Como declara Gondim (2001, p. 34), o

referido deputado apresentou seu projeto de lei com base na constatação de que o

“crescimento desordenado da oferta de internações psiquiátricas gratuitas, ao longo da

segunda metade dos anos 60 e até o terceiro quarto da década de 70, torna-se o principal

obstáculo para a implantação de programas assistenciais mais competentes”. Em linhas gerais

propõe:

a) a proibição da expansão dos leitos manicomiais públicos; b) um novo desenho do dispositivo de cuidado, ou seja, um novo tipo de cuidado; c) uma rede de serviços a ser construída pelas administrações regionais de saúde, e d) o fim das internações compulsórias.

Assim foi-se constituindo uma adesão dos trabalhadores em saúde mental a novos

saberes, com a substituição do paradigma da Psiquiatria clássica, que produziu durante três

séculos uma relação direta entre doença/manicômio/periculosidade, por um novo estatuto, que

tem como proposta a inserção dos doentes mentais na sociedade, promovendo sua cidadania.

A influência do Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental na cidade de Ijuí/RS

não difere das outras cidades da região. Fato marcante neste período é a chegada de um

especialista para assumir o trabalho na SSMA/RS e a partir daí, as referências voltam-se para

a Psiquiatria. Na década de 80 Ijuí passa a contar com um Psiquiatra (MIRON, 1998). Os

pacientes eram encaminhados para os hospitais psiquiátricos da região. A demanda era

excessiva, acreditando-se que este aumento estava relacionado com a perda do ordenador

simbólico, que era a terra, uma vez que nessa época inicia-se o fenômeno da globalização,

com quase todos os países latino-americanos mergulhando em profunda crise (BRUM, 1999).

O efeito dessa realidade no campo das patologias mentais é uma massificação do

desejo e uma impossibilidade de marcar a diferença, o que é antagônico nesse mesmo

momento, pois o ser humano vem deliberadamente polir-se para poder representar a sua

singularidade numa sociedade que cada vez mais exige um espetáculo para que seja possível

alcançar um reconhecimento individual. “Nos perguntamos em que medida barrar a

individualidade de muitos é condição sine qua non para a individualidade de alguns, ou se a

individualidade, sem sua presente versão, pode ser outra coisa que não um privilégio”

(BAUMANN, 2007, p. 39-40).

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Com vários segmentos da sociedade percebendo os efeitos dos tratamentos nos

doentes mentais, uma mudança no sistema foi se impondo para que se preservasse a

integridade psíquica e se restabelecesse a condição de cidadão dos pacientes. Acredita-se que

culturas manifestam-se fundamentalmente por meio de sua inserção nas instituições e

organizações. Para Castells (2002, p. 209):

Por organizações, entende-se os sistemas específicos de meios voltados para execução de objetivos específicos. Por instituições, compreende-se as organizações investidas de autoridade necessária para desempenhar tarefas específicas em nome da sociedade como um todo. Lógicas organizacionais são as bases ideacionais para as relações das autoridades institucionalizadas.

O modelo de gestão das práticas de saúde seguia a estrutura do modelo hierárquico

imposto no país naquele momento histórico, e as instituições respondiam ao discurso

dominante, cuja cultura estabelecida era determinada pela produção de atendimentos ao invés

de criar espaços para os sujeitos; era a quantidade de pessoas atendidas que balizava o

trabalho, o que perdura até o presente momento na cultura dos serviços em saúde.

Quando a ênfase é dada exclusivamente aos fatores econômicos, Brum (1999) refere-

se à década de 80 como uma “década perdida” em termos de desenvolvimento, com taxas de

inflação elevadas e um processo de passagem de um longo período de ditadura militar para

uma governança civil, o que produz efeitos nas instituições. Sob o ponto de vista das receitas

públicas, logicamente que o número de atendimentos vai captar mais recursos das esferas

federal e estadual para o Município, mas se a produção for o propósito de uma política de

saúde, a população que busca este serviço passa a ser massificada e categorizada por

procedimentos.

Apesar de o Município de Ijuí/RS instituir o CAPS em 1998, os hospitais continuaram

a desempenhar um papel importante, principalmente nos casos em que a contenção do

sofrimento psíquico requer uma instituição com uma equipe preparada para tal finalidade. “A

principal mudança pode ser caracterizada como a mudança de burocracias verticais para

empresa horizontal” (CASTELLS, 2002, p. 221). É importante ressaltar, contudo, que neste

momento histórico do movimento da saúde mental, os hospitais não são a única instituição

capaz de trabalhar com as afecções psíquicas.

Assim, coexistem as duas formas de condução do tratamento das pessoas em

sofrimento psíquico. A opção de trabalhar em uma vertente do conhecimento ou noutra

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depende muito das concepções teórico-conceituais adotadas, da formação de cada equipe,

assim como também das concepções de sujeito e, principalmente, de gestor.

Com o início dos trabalhos do CAPS pela Secretaria de Saúde, um novo paradigma de

atendimento e concepção da loucura se estabelece no Município de Ijuí. Os anos 90 se

caracterizaram pelo fortalecimento do processo de globalização e a utilização mais eficiente e

eficaz do sistema de relações em rede. Essas diferentes tendências da transformação

organizacional da economia informacional são relativamente independentes entre si. A

formação de redes de subcontratação centralizadas em empresas de grande porte constitui um

fenômeno diferente da formação de redes horizontais de pequenos e médios negócios. A

estrutura em forma de teia resultante das alianças estratégicas entre as grandes empresas é

diferente daquela de uma empresa horizontal. As redes são os componentes fundamentais das

organizações e são capazes de se formar e se expandir por todas as avenidas e becos da

economia global porque contam com o poder da informação, propiciado pelo novo paradigma

tecnológico (CASTELLS, 2002).

Por meio das novas tecnologias ficaram facilitadas as informações e as comunicações,

passando o serviço de saúde mental a se organizar em rede, isto é, os encaminhamentos dos

usuários às instituições psiquiátricas ocorrem via rede pública de atendimento. Como regra,

um paciente que chega ao CAPS foi encaminhado por um ambulatório da rede. Na hipótese

de ele necessitar de hospitalização, normalmente é mediante a avaliação feita no CAPS que

será encaminhado a um hospital geral ou para uma clínica especializada, no caso um hospital

psiquiátrico.

Assim, podem-se considerar três níveis de atendimento: primeiro o da rede básica, o

ambulatório; segundo, o do CAPS, um atendimento especializado; e terceiro o da

hospitalização, para atendimentos dos casos mais complexos. Este nivelamento caracteriza o

atual modelo de organização em rede para esta especificidade de trabalho.

Com o fenômeno da globalização e o advento do avanço das pesquisas nas

neurociências, novas patologias começaram a surgir, levando a loucura, paulatinamente, a

tomar outro lugar na cena social. Nem todo louco é institucionalizado: muitos circulam e

gozam das prerrogativas da cidadania, e são reconhecidos por marcarem uma diferença numa

sociedade que tem o propósito de tornar todos iguais.

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É na quebra das fronteiras entre os povos que também as fronteiras e os limites entre

Eu e o Outro11 se enfraquecem. Com esses limites enfraquecidos, as representações de “um

dentro e um fora” declinam. O efeito disso é a elasticidade que se estabelece entre “o dentro e

o fora de mim”.

Até meados dos anos 70, “fora de mim” significava um estado de loucura, enquanto

“dentro de mim”, definia um sujeito autocentrado. Hoje, na sociedade do espetáculo, diz-se

que o sujeito está “fora da casinha”, é um diferente, polindo seu próprio Eu e como

conseqüência tendo grandes dificuldades de estabelecer relações interpessoais (BIRMAN,

1998).

Outrora esse sujeito era “considerado um alienado, na relação mestre e escravo, como

ato imoral ou irracional pelo qual alguém entrega todos os seus bens para o gozo de Outro.

Esse é o sentido negativo do termo que será preservado na Psiquiatria” (POLI, 2005, p. 95).

Atualmente é visto como um narcisista que transita em sua errância em uma sociedade

organizada em rede e sob efeito da medicalização do espírito, uma forma sutil de aprisionar e

controlar os humores humanos. Em detrimento desta análise, fica-se inclinado a ver nos

arranjos contemporâneos do poder uma nova e melhorada versão das velhas e basicamente

inalteradas técnicas panópticas12 (BAUMANN, 1999).

A psicofarmacologia tornou-se uma espécie de imperialismo, permitindo que todos os

médicos abordem da mesma maneira todo tipo de afecção psíquica. Atualmente se utiliza em

escala mínima a camisa de força mecânica, e opta-se pela camisa de força química, ocorrendo

assim um avanço na contenção e nos tratamentos da loucura, apesar da perda da condição

humana verificada quando o sujeito fica imobilizado quimicamente.

Este é um paradigma, o da Psiquiatria biológica, que concebe o homem como uma

máquina que pode ser ajustada, e que todo o sofrimento humano tem uma matriz na

bioquímica cerebral, bastando administrar a dose certa para que funcione, ficando o

especialista no comando do tratamento, uma verticalização que se mantém pela hierarquia das

profissões.

11 Lugar onde a Psicanálise situa, além do parceiro imaginário, aquilo que, anterior e exterior ao sujeito, não

obstante o determina (CHEMAMA, 1995). 12 Arquitetura de uma instalação penitenciária bastante especial. Trata de um princípio apropriado tanto para

prisões quanto para fábricas, escritórios, hospitais, escolas, casernas, reformatórios, entre outros (PINOCHET apud MOTTA; VASCONCELOS, 2004).

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Metaforicamente, pode-se afirmar que foi “passada a régua” no sofrimento humano.

Assim, receitados tanto por clínicos gerais quanto por especialistas em psicopatologia, “os

psicotrópicos têm o efeito de normalizar comportamentos e eliminar os sintomas mais

dolorosos do sofrimento psíquico, sem lhes buscar a significação” (ROUDINESCO, 2000, p.

21).

Outro paradigma é composto pelas Ciências Humanas – Psicologia, Psicanálise,

Sociologia, Antropologia, Filosofia, Assistência Social – que dão à loucura a dimensão do

humano e suas desmesuras como constituinte da espécie, não tendo a pretensão de banir o

sofrimento psíquico, mas trabalhar em busca do próprio sentido do que faz um ser humano

enlouquecer, estabelecendo uma horizontalidade na relação entre os profissionais e os

usuários. Esta forma igualitária pode ter efeitos de discussões infindáveis e sem

resolutibilidade, mas também pode dar um lugar de sujeito, sujeito da enunciação, isto é,

oportunizar ao usuário de se implicar em seu sofrimento por intermédio da sua fala.

A partir dessa nova concepção de saúde, o conhecimento médico passou a ser

questionado pelo seu caráter apenas curativo, exigindo assim uma atuação mais ampla,

visando ao bem-estar físico, mental e social das pessoas.

Pinel já havia acentuado o fato de haver contradições entre a prática psiquiátrica, que as instituições do grande enclausuramento apontavam, e o projeto terapêutico-assistencial original da medicina mental. Seu ato de “libertação” dos loucos ressignificou práticas e fundou um saber/prática que aspirava reconhecimento e território de competência sobre um determinado objeto: a doença mental. Fundou um monopólio de competência de acordo com a realidade sócio-histórica vigente. Assim, as reformas posteriores à reforma de Pinel procuram questionar o papel e a natureza, ora da instituição asilar, ora do saber psiquiátrico, surgindo após a Segunda Guerra, quando novas questões são colocadas no cenário histórico mundial (AMARANTE, 1995b, p. 21).

Outro marco importante que permitiu repensar a forma de assistência hospitalocêntica

então vigente foi a descoberta da clorpromazina, na década de 50, o que mudou o perfil dos

doentes psiquiátricos, tornando mais viável sua volta ao convívio social. No fim da década de

50, a situação da assistência psiquiátrica brasileira era caótica: superlotação, deficiência de

pessoal, maus tratos, condições de abrigo deploráveis nos hospitais. A clínica medicamentosa

veio para dar um alento a tais condições, e muitos pacientes em sofrimento, a partir de então,

não necessitavam mais de serem institucionalizados.

Amarante (1995b) subdivide, para fins metodológicos, o processo da reforma

psiquiátrica em três momentos. O primeiro, o período inicial da reforma, coincide com os

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últimos anos do regime militar e com a fase do “milagre econômico”, em que houve

crescimento da insatisfação popular, decorrente da falta de liberdade na ditadura militar,

provocando um aumento da participação social e política dos cidadãos.

Em meio a esse contexto, formam-se grupos na área da saúde, como o Centro

Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), que se constituiu pela própria necessidade de

discussão e organização das políticas de saúde. O Cebes, com a participação de outras

organizações, dá origem, no ano de 1978, ao Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental

(MTSM), que assumiu papel relevante ao denunciar as irregularidades do sistema psiquiátrico

brasileiro, como torturas, corrupções e fraudes.

É principalmente a partir destas organizações que são sistematizadas as primeiras denúncias de violências, de ausência de recursos, de negligência, de psiquiatrização do social, de utilização da psiquiatria como instrumento técnico-científico de controle social e a mobilização por projetos alternativos ao modelo asilar dominante. É neste momento, efetivamente, que começa a se construir em nosso meio um pensamento crítico sobre a natureza e a função social das práticas médicas e psiquiátrico-psicológicas (AMARANTE, 1995a, p. 90).

O segundo momento da reforma psiquiátrica trata-se do movimento sanitarista, que se

iniciou nos primeiros anos da década de 80. Grande parte do movimento da reforma sanitária

e da reforma psiquiátrica passou a ser incorporada ao aparelho do Estado. Resultante de uma

tática desenvolvida inicialmente no seio da reforma sanitária, de ocupação dos espaços

públicos de poder e de tomada de decisão como forma de introduzir mudanças no sistema de

saúde, num momento em que se renovavam as lideranças tecnoburocráticas (AMARANTE,

1995a).

Nesse período, foi elaborado o Plano de Reorientação da Assistência Psiquiátrica no

âmbito da Previdência Social, que se desdobra em Ações Integradas de Saúde, que constituem

os Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde (SUDS), que darão lugar ao Sistema

Único de Saúde (SUS).

O terceiro momento da reforma iniciou-se em 1987, com a 1ª Conferência Nacional de

Saúde Mental, que marca o fim da trajetória sanitarista, por confrontos ideológicos entre os

grupos organizadores e o início do projeto de desinstitucionalização. Também ocorreu nesse

período o Congresso Nacional dos Trabalhadores em Saúde Mental, quando foi lançado o

lema “Por uma sociedade sem manicômios”. Surge, a partir daí, o Centro de Atenção

Psicossocial em São Paulo, modelo de atenção adotado até hoje.

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A consolidação da proposta da reforma psiquiátrica exige uma série de mudanças nos

mais diversos setores da sociedade para que estes estejam preparados para receber a

população que será desinstitucionalizada, não dando continuidade à exclusão até então

existente. Para que o projeto da reforma alcance seus objetivos, é fundamental que as pessoas

desinstitucionalizadas consigam estabelecer vínculos sociais, possuir autonomia, além de

apoio familiar, e ter assegurados os direitos de usuários dos serviços de saúde mental.

A rede pública deve colaborar para a concretização dos princípios da

institucionalização por meio da redução do número de leitos hospitalares e com o

concomitante incremento dos serviços em saúde que se responsabilizem pelo

acompanhamento dos pacientes psiquiátricos, de maneira a evitar seu redirecionamento para

internação hospitalar. Para atender a essas mudanças, o Município de Ijuí dispõe, desde 1991,

de um serviço público que presta atendimento clínico e ambulatorial à parcela da população

em sofrimento psíquico. É a partir desse ano que o Município passa a contar com

atendimentos psicológicos no serviço público de saúde.

Em agosto de 1998, é inaugurado o CAPS e contratado o primeiro psicólogo na

Secretaria Municipal de Saúde e Meio Ambiente. Até então esse profissional prestava serviço

somente na Secretaria de Ação Social. Neste novo modelo de atenção – o CAPS – as mais

diversas áreas que constituem a equipe multidisciplinar têm como objetivo, por meio do

“trabalho institucional aos sujeitos em sofrimento psíquico, que se possibilite o deslocamento

desse sofrimento numa forma em que se resgatem e/ou construam um lugar de cidadania”

(Projeto Técnico do CAPS de Ijuí, 2003).

E para que isto aconteça todos os processos, tanto de organização quanto de

planejamento das ações da instituição, devem ter a participação dos pacientes, seus familiares

e os profissionais envolvidos, de modo a possibilitar aos sujeitos em tratamento a construção

da autonomia. Esta é importante na reabilitação, pois propicia ao sujeito o convívio social e,

por consequência, a sua inserção.

É assim que os CAPS buscam alcançar a reformulação dos paradigmas até então

vigentes sobre o tratamento da doença mental. Há muito a ser construído no que se refere às

práticas para a concretização da reforma psiquiátrica, mas, com certeza, muitos efeitos o

trabalho já produziu na interlocução da loucura como constituinte da condição humana e

produto do social que inclui e exclui.

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5 DAS PREMISSAS REGULAMENTARES DO MINISTÉRIO DA SAÚ DE À

GESTÃO DOS CAPS DO MUNICÍPIO DE IJUÍ/RS

Apesar de a concepção e o território de localização de um CAPS serem variáveis e de

que isto influencia na condução dos trabalhos da instituição, todas as gestões dos CAPS

seguem as mesmas prescrições, eis que regulamentadas em todo o país pelo Ministério da

Saúde, através de Portarias.

A primeira normatização foi a Portaria nº 224, de 29 de janeiro de 1992, que

estabeleceu as normas para implantação destas instituições. Referida norma foi revogada pela

Portaria nº 336/GM, de 19 de fevereiro de 2002, a qual veio para regulamentar as diferentes

categorias destes Centros (CAPS I, CAPS II, CAPSad e CAPSia).

Esta regulamentação é válida em todo o território nacional, o que estabelece uma certa

unidade padrão para a instituição CAPS, mas cada CAPS está inserido em um determinado

território e atuação e sob a coordenação de um gestor, que coloca em movimento, ou não, as

políticas de saúde mental estabelecidas nesta linha de trabalho.

A Portaria nº. 336/GM, de 19 de fevereiro de 2002, estabelece que os serviços de

CAPS I se instalam em municípios com população entre 20.000 e 70.000 habitantes e CAPS

II que se alojam em municípios com população entre 70.000 e 200.000 habitantes, os quais

possuem as seguintes características: sob coordenação de um gestor local, a equipe dos CAPS

se responsabiliza pela organização da demanda e da rede de cuidados em saúde mental,

devendo ainda possuir capacidade técnica para desempenhar o papel de regulador da porta de

entrada da rede assistencial no âmbito do seu território e/ou do módulo assistencial, definido

na Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS), além de coordenar as atividades de

supervisão de unidades hospitalares psiquiátricas, supervisionar e capacitar as equipes de

atenção básica, serviços e programas de saúde mental no âmbito do seu território e/ou do

módulo assistencial, bem como realizar, e manter atualizado, o cadastramento dos pacientes

que utilizam medicamentos essenciais para a área de saúde mental regulamentados pela

Portaria/GM/MS nº 1077 de 24 de agosto de 1999 e medicamentos excepcionais,

regulamentados pela Portaria/SAS/MS nº 341 de 22 de agosto de 2001, dentro de sua área

assistencial.

Ainda nos termos constantes na Portaria nº. 336/ 02, para atuação no CAPS I, para o

atendimento de 20 pacientes por turno, tendo como limite máximo 30 pacientes/dia, em

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regime de atendimento intensivo, há a determinação de uma equipe técnica mínima de 09

(nove) profissionais, assim composta: um médico com formação em saúde mental; um

enfermeiro; três profissionais de nível superior entre as seguintes categorias profissionais:

psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro profissional necessário

ao projeto terapêutico; e quatro profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de

enfermagem, técnico administrativo, técnico educacional e artesão.

Já para atuação no CAPS II, a Portaria estabelece que a equipe técnica mínima para o

atendimento de 30 pacientes por turno, tendo como limite máximo 45 pacientes/dia, em

regime intensivo, será constituída de onze profissionais, devendo estar assim constituída: um

médico psiquiatra; um enfermeiro com formação em saúde mental; quatro profissionais de

nível superior entre as seguintes categorias profissionais: psicólogo, assistente social,

enfermeiro, terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro profissional necessário ao projeto

terapêutico; e seis profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico

administrativo, técnico educacional e artesão.

Importante ainda acrescentar, com base na Portaria já mencionada, as atividades

desenvolvidas pelas equipes que compõem os CAPS. Assim, para os pacientes dos CAPS I e

II, são estabelecidas as seguintes atividades: atendimento individual (medicamentoso,

psicoterápico, de orientação, entre outros); atendimento em grupos (psicoterapia, grupo

operativo, atividades de suporte social, entre outras); atendimento em oficinas terapêuticas

executadas por profissional de nível superior ou nível médio; visitas domiciliares;

atendimento à família; atividades comunitárias enfocando a integração do paciente na

comunidade e sua inserção familiar e social; os pacientes assistidos em um turno (quatro

horas) receberão uma refeição diária, os assistidos em dois turnos (oito horas) receberão duas

refeições diárias.

5.1 Constituição e funcionamento dos CAPS

Para entender uma proposta de trabalho de uma instituição, faz-se necessária a

apresentação. Será apresentado o CAPS II do Município de Ijuí/RS, com sua organização e

proposta de atividades, utilizando os dispositivos prescritos na referida Portaria, os quais são

conduzidos pela equipe e pelo gestor. Os dispositivos vão-se articular com a proposta das

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políticas públicas de saúde mental, à medida que estiverem alinhados com as concepções que

fundam o novo paradigma através da reforma psiquiátrica.

O serviço de saúde mental em Ijuí/RS, com uma equipe mínima, multidisciplinar,

iniciou suas atividades no ano de 1991. A partir desse ano, o Município se insere nas políticas

de saúde mental, até então de responsabilidade do Estado. Seu engajamento maior dá-se

através dos CAPS I e II.

Para verificar a proposta das instituições construídas na interface das gestões e equipe,

necessário fazer um relato da organização dos trabalhos através das atividades desenvolvidas

no CAPS II. A pesquisa ainda vai apresentar as entrevistas efetuadas com os gestores,

servidores, usuários e familiares, as quais serão articuladas com referencial teórico.

Devido à incidência elevada de pessoas em sofrimento psíquico e à necessidade de um

atendimento qualificado e aperfeiçoado para atender essas pessoas, de forma a terem uma

vida independente e produtiva, fez-se necessário ampliar o Programa de Saúde Mental. A

partir de agosto de 1998, este serviço se constitui como Centro de Atenção Psicossocial,

atendendo à Portaria MS/SAS nº 224, de 29 de janeiro de 1992.

No ano de 2002 o CAPS de Ijuí/RS foi recadastrado como CAPS II, de forma a

atender a Portaria nº 336/GM de 19 de fevereiro de 2002 e a Portaria nº 189, de 20 de março

de 2002. A política de atendimento ambulatorial acompanha o início e a história do CAPS II,

por isso o CAPS de Ijuí/RS presta atendimento clínico e ambulatorial às pessoas em

sofrimento psíquico do Município e tem como principal objetivo proporcionar à comunidade

atenção na área de saúde mental, estimulando a socialização do indivíduo em sofrimento

psíquico, possibilitando-lhes o desenvolvimento de uma vida independente e/ou produtiva,

bem como do exercício pleno de sua cidadania.

Dentre os objetivos constantes no Plano de Trabalho do CAPS II de Ijuí/RS constam:

– Proporcionar à comunidade um local que oportunize às pessoas em sofrimento psíquico

ter um espaço de escuta e terapêutica, com acompanhamento dos familiares, através da

equipe multidisciplinar;

– Realizar oficinas de trabalho e expressão com os pacientes;

– Reduzir as internações hospitalares, possibilitando ao sujeito, sua permanência no seu

meio sócio-familiar;

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– Promover trabalho de educação junto à comunidade, para sensibilização quanto à

reintegração das pessoas em sofrimento psíquico, ao meio social e os preconceitos em

relação à doença mental;

– Promover ações que incentivem o lazer e a preservação dos valores culturais das pessoas

em sofrimento psíquico;

– Realizar e participar de grupos de estudos, seminários, fóruns, debates, jornadas, com a

equipe multidisciplinar e outras entidades e profissionais afins;

– Promover e incentivar ações de integração do CAPS com os diversos seguimentos da

comunidade de Ijuí/RS;

– Promover trabalho de educação aos profissionais de toda a rede básica, capacitando-os

para o atendimento de pessoas em sofrimento psíquico.

O Centro de Atenção Psicossocial atende a demanda e a incorpora ao sistema de

saúde. É neste tipo de acesso em que a noção de vínculo de acolhida garante não só o

atendimento dos pacientes no serviço, mas o comprometimento da equipe por sua saúde

integral de forma individual e coletiva. Os pacientes, na sua maioria, são encaminhados por

médicos, psicólogos e enfermeiros que atuam na rede básica. São também encaminhados por

outros serviços de saúde ou egressos de internação hospitalar. As pessoas que procuram o

serviço espontaneamente são também acolhidas.

O primeiro atendimento é feito pela enfermeira, que realiza o acolhimento, a triagem e

avaliação inicial. Na entrevista levanta dados de identificação, queixas principais, sinais e

sintomas clínicos. A partir disso, faz o encaminhamento para os outros atendimentos,

conforme severidade do quadro clínico do paciente e/ou da indicação do profissional que o

acompanha.

Durante o período de tratamento, o paciente recebe o acompanhamento da equipe

multidisciplinar. Ele possui um prontuário único e individual, onde são registrados o Plano

Terapêutico Individual, os atendimentos da equipe e ou intercorrências do paciente. O

controle dos medicamentos é realizado pela equipe de farmácia e enfermagem, que orienta,

administra e faz o acompanhamento clínico necessário. No prédio do CAPS, também

funciona a farmácia de psicotrópicos da SMSMA, que fornece gratuitamente os

medicamentos aos pacientes que consultam na rede básica.

O serviço de psicologia é realizado pelos psicólogos da instituição. O indivíduo que

demandar atendimento psicológico será agendado conforme disposição de horário. O setor de

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Assistência Social realiza coleta de dados para avaliação sócio-familiar. As visitas

domiciliares são realizadas em dois períodos semanais pelos setores de assistência social e

enfermagem.

As internações locais pedidas pelos médicos da instituição são encaminhadas pela

Assistente Social para hospitais especializados, fora do Município, através da 17ª

Coordenadoria de Saúde.

A equipe do CAPS II reúne-se semanalmente, na segunda-feira, das 13h30min às 17h,

visando discutir assuntos clínicos e questões administrativas do serviço, bem como para

realizar estudos de casos e estudos sobre as psicopatologias, com elaboração de planos

terapêuticos dos casos discutidos.

O Centro de Atenção Psicossocial – CAPS II Colméia foi criado para ser um serviço

substitutivo ao hospital psiquiátrico e para promover a construção de uma rede efetiva de

cuidados em saúde mental. Sua principal função é constituir-se em um lugar de referência e

tratamento para pessoas que sofrem de transtornos mentais cuja severidade e/ou persistência

demandem sua inclusão num dispositivo de cuidados intensivos. Dentre as atividades

desenvolvidas no CAPS II Colméia, destacam-se atendimentos individuais, visitas

domiciliares, oficinas terapêuticas, atendimentos em grupo, alimentação, reuniões de equipe,

supervisão clínico-institucional.

Equipe deste CAPS se compõe de: um Coordenador; dois Médicos Psiquiatras; uma

Médica Clínica Geral; uma Enfermeira; duas Técnicas de Enfermagem; três Psicólogas; uma

Farmacêutica; uma Assistente Social; uma Terapeuta Ocupacional; três Auxiliares

Administrativos; dois Estagiários; dois Auxiliares Técnicos de Farmácia; e duas Serviçais.

Atualmente, o CAPS II atende a uma demanda de em torno de 373 pacientes com

transtornos mentais graves e persistentes, nas modalidades intensivo, semi-intensivo e não-

intensivo.

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Quadro 2: Acompanhamentos realizados em grupos terapêuticos

Fonte: CAPS II, Ijuí/RS.

Os princípios que regem os encontros de grupo foram sendo construídos pelos

próprios integrantes. A proposição é construir um lugar possível de ser sujeito. Fica claro no

trabalho que há um fazer-se. É um processo, uma passagem de vida, uma filosofia de

solidariedade que permeia o discurso dos envolvidos no processo grupal. No trabalho em

grupo, a possibilidade de resgate da auto-estima tem espaço genuíno. Este espaço coletivo

resgata o olhar e oferece a possibilidade de reconhecimento de um sujeito ativo que age e

reage na busca de novas perspectivas de vida, com reinserção na cena familiar e/ou social.

Os grupos terapêuticos têm como objetivos:

– criar espaços de fala onde os sujeitos possam trazer situações vivenciadas não só em

termos de sofrimento, mas de avanços nas relações familiares e no social. Os grupos são

abertos a familiares;

– incentivar um resgate prazeroso de atividades, buscando o ressurgimento da motivação;

– estimular capacidades;

– instigar os componentes do grupo via estímulos solidários vindos do próprio grupo;

– acolher as queixas e propor a busca de alternativas com o próprio grupo;

– buscar autonomia.

O grupo funciona como um continente, como suporte, onde os integrantes têm nome e

lugar próprio. O estar no grupo permite compartilhar suas questões e aliviar tensões além de

exercitar a capacidade de socialização.

Observa-se que, embora haja a solicitação constante por parte dos profissionais sobre a

participação dos familiares pelo menos a cada dois ou três meses, poucos a fazem. Os

pacientes desculpam-se por serem sozinhos ou porque os familiares trabalham e não podem

dispor desse tempo.

Modalidade Nº de pacientes Percentual (%)

Pacientes Intensivos 24 6

Pacientes Semi-Intensivos 67 18

Pacientes Não-Intensivos 114 30

Pacientes sem APAC (Autorização de Procedimentos

Ambulatoriais de Alta Complexidade/Custo)

168 46

TOTAL 373 100

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Os CAPS, além de se apresentarem como organizadores da rede de assistência à saúde

mental, atuando ao lado das demais instituições, surgem com o principal objetivo de substituir

os tratamentos psiquiátricos tradicionais, em especial a internação, proporcionando, assim,

uma nova imagem da sociedade em relação aos doentes mentais.

A partir do momento da estabilização do paciente, segue-se a reinserção em sua rede

social, incluindo seu acompanhamento clínico na Unidade Básica (U.B.) de sua referência.

Para conduzir a inserção dos usuários no social, a instituição organiza atividades

comunitárias. Visando promover ações que incentivem a preservação dos valores culturais e

sociais das pessoas em atendimento, o CAPS promove passeios e festas em datas

comemorativas.

As festas desenvolvidas anualmente são a Festa de São João, Festa do aniversário do

CAPS e a Festa de Natal. No período da Feira de Exposições anual do Município (EXPOIJUÍ e

FENADI), o CAPS desenvolve também um passeio à Feira. Já foram realizados passeios às

Ruínas de São Miguel, um importante ponto turístico e histórico da região, e passeios à Fonte

Ijuí, Usina do DEMEI e Museu Antropológico Augusto Pestana, pontos turísticos de Ijuí/RS.

Ainda, como forma de incentivar os valores artísticos e culturais, os usuários do CAPS são

motivados a participar com apresentações musicais e poesias nas festas e eventos promovidos em

Ijuí/RS.

A diversidade do enquadramento clínico de cuidados se realiza pelas atividades

prescritas na Portaria nº 336/2002 e gestadas nos CAPS pela relação estabelecida entre o

coordenador e a equipe. Nesta visão, as atividades podem ter um cunho de ordem clínica ou

burocrática, com tendências mais a uma do que a outra, ambas com efeitos na equipe e

usuários. A clínica respalda o sujeito; a burocrática, a organização. A primeira coloca a

singularidade do sujeito como prioridade da ação terapêutica, enquanto a segunda faz emergir

a impessoalidade. Dependendo da concepção de gestor, uma das tendências vai apontar para o

traço da instituição.

Ao ingressar um usuário em um CAPS, há que se ter a clareza de que nenhuma relação

se dá a priori. Os vínculos iniciais são frágeis e demandam atenção e cuidados especiais;

qualquer deslize pode rompê-los. Por esta razão, perceber em que e qual mundo é deste ser

(família, trabalho, amigos), assim como ele se posiciona neste mundo, é tarefa da coordenação

e dos cuidadores.

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A complexidade do ofício de quem cuida passa pela recepção, acolhimento, pela

clínica medicamentosa, atendimentos individuais, em grupo, oficinas expressivas e de geração

de renda, projetos de residência terapêutica, articulações intersetoriais, plano ou projeto

terapêutico individual.

O projeto terapêutico individual (PTI), elaborado pela equipe do CAPS, se reveste de

fio condutor da proposição e direção do tratamento. Envolve na proposta: o usuário, seus

familiares, bem como integrantes de equipes profissionais de outros serviços, ativados a partir

da necessidade do usuário.

Estabelecido o enquadramento clínico (PTI), o trabalho inicia com a responsabilização

e o compromisso com o tratamento. Em algumas ocasiões, a família resiste ao tratamento

proposto, quer internar o usuário num hospital psiquiátrico; o seu empregador pretende

demiti-lo, enquanto a escola não o aceita. Não raro, existem divergências entre os integrantes

da equipe do CAPS quanto a melhor intervenção ou projeto terapêutico. Nessas situações, a

posição do gestor pode ocasionar omissão, fechamento ou abertura para a condução do PTI.

Confirmado o projeto terapêutico (PTI), um integrante da equipe do CAPS fica como

referência para verificar os efeitos das ações no usuário. Ao coordenador, que tem a função de

conduzir a instituição, se os efeitos de sua comunicação fazem eco. A forma de comunicação

pode balizar as concepções prescritas das políticas públicas em saúde mental. Conforme

Lapassade (1989), o lugar de trabalho se estrutura através de três níveis: do grupo, da

organização e da instituição. A proposição de um quarto nível, qual seja, o da equipe, emerge

por considerar que a concepção do gestor tem participação direta na circularidade dos níveis,

pois, ao relacionar os efeitos da comunicação do gestor no grupo, os fenômenos grupais

podem emergir e produzir “coesão ou divergência” (LAPASSADE, 1989).

Comunicação, narrativa e discurso se entrelaçam com os níveis. O fenômeno de

coesão ou de divergência propicia a narrativa da organização, a qual se explicita na maneira

de os profissionais contarem suas trajetórias de trabalho na instituição. Esta tem um discurso

próprio de articular as relações de trabalho capaz de produzir alteridade ou não entre os pares

da equipe, usuários, familiares, ou seja, construir espaços para o sujeito fazer circular a

palavra capaz de produzir ato. Com isto, pretende-se estudar o lugar/estilo do gestor que tem a

função e a responsabilidade de administrar pessoas, como sugere Goffman (1996).

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O levantamento das comunicações feitas pelos gestores, da narrativa dos servidores do

CAPS e das unidades básicas, além do discurso dos usuários e seus familiares são

apresentados por fragmentos de suas falas (Quadros 6 e 7).

5.2 A gestão no olhar dos atores sociais

A questão da gestão é um tema recorrente em diversas instituições. Nos CAPS I e II,

começa a se evidenciar. Com isso, quer-se perceber como o gestor se comunica, qual é o seu

estilo de relacionamento e de liderança e como concebe o processo de aprendizagem nos

CAPS.

As concepções de gestor e as influências das subjetividades na dinâmica gerencial se

presentificam na complexa teia de comunicação que passa pela posição do gestor e a

influência deste nas subjetividades que se reúnem em torno do coordenador. Seu estilo de

estabelecer vínculos e de se relacionar com os atores da instituição pode facilitar ou inibir o

processo de aprendizagem. Com vínculos estabelecidos em processo de aprendizagem, os

implicados com os propósitos da instituição podem aprender a observar, refletir sobre os

acontecimentos e encontrar sentidos no trabalho, haja vista que esta forma de estabelecer

laços com pessoas e com o objeto que os reúne produz subjetividade. Assim sendo, pode-se

utilizar as palavras de Guatarri e Rolnik (1986, p. 28), quando dizem: “produção de

subjetividade é a matéria-prima de todo e qualquer trabalho”.

As instituições dizem respeito a esta produção, ficando aos coordenadores a

incumbência de facilitar ou inibir o processo.

No quadro a seguir transcrito são levantados fragmentos de falas dos coordenadores.

Percebe-se que a comunicação em cadeia se evidencia no coordenador “A” e em estrela nos

coordenadores “B” e “C”, enquanto no coordenador “D”, ela ocorre em círculo.

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Quadro 3: Síntese das percepções dos coordenadores sobre a gestão dos CAPS COORD A B C D EQUIPE Quem conduz a equipe

sou eu. Quem faz essa gestão sou eu.

Só alguns opinam nas reuniões. “É eu pensar que tenho essa situação.”

Nossa equipe tinha uma posição clara, bem unificada. Procuro valorizar os profissionais.

Equipe pequena visão puramente psiquiátrica. Meu trabalho foi trazer toda essa discussão.

USUÁRIO A gente tem dificuldade com o usuário, principalmente a frequência.

Eu vejo o usuário como na parte administrativa, técnica e assistência, ênfase no plano.

Uma demanda bastante acentuada. Definir quem seria atendido.

Meu lugar era de gestora, o máximo que eu fazia era conversar com eles.

FAMÍLIA Falta de participação da família. Eu cobro.

Sempre com um familiar junto.

A gente procurou fazer assembléia com familiares.

Demanda muito grande de atendimento. A família pressionava junto ao secretário, vereador para ser atendida.

REDE Sempre tem que estar restabelecendo esse vínculo. Referência/contra-referência.

Proposta de capacitação de toda rede pela equipe matricial.

A gente semeou uma semente após ouvir muitas colocações das necessidades

Foi feito um trabalho de marketing de que o CAPS era uma clínica pública, com isso os preconceitos diminuíram.

REGISTROS/ INSTITUIÇÃO

Tudo era muito solto, não tinha alguns documentos, coisas não registradas. Tudo passa pela coordenação.

O registro é importante, mas muito pouco é feito.

Registros eram todos manuais, era apenas uma idéia a interação em rede com os ambulatórios.

O estilo de relacionamento sistêmico controlador aparece no coordenador “A”; já uma

forma mista entre os estilos sistêmico-controlador e processual-relacional são evidenciados

nos coordenadores “B” e “C”, enquanto traços processual-relacional no coordenador “D”.

No que se refere aos estilos de lideranças, transacional e transformacional, assim se

apresentam: no coordenador “A”, o transacional; nos coordenadores “B” e “C”, o

transacional/transformacional, enquanto no coordenador “D”, o transformacional. Esta forma

oferece maior visibilidade aos traços mais evidenciados. Isto não significa que não possa

haver alternância nos estilos.

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Quanto à aprendizagem, que é um processo, esta não se estabeleceu. As qualificações,

os eventos, as jornadas, as visitas às outras instituições estão na ordem da aquisição de

conhecimentos e da comparação do fazer da instituição.

O que se depreende dessas considerações, das falas dos gestores/coordenadores é a

interferência das prescrições que dão o norte da instituição, trazendo à tona a impessoalidade

que marca a história das instituições que trabalham com doentes mentais em detrimento de

um lugar que possa levar a singularidade como traço organizador da instituição,

principalmente nos casos mais difíceis.

Sobre a prática da gestão foram observados quatro estilos diferentes: o sistêmico-

controlador, a liderança por prestígio, a liderança por identificação “amor-fusão” e a liderança

“flexível”, este utilizando o marketing social13.

Na equipe a gente tem reuniões semanais. Quem conduz a reunião sou eu. Eu faço a parte dos avisos gerais, de algumas coisas, como alguns conflitos que acontecem durante a semana e após essa discussão, após todos esses avisos, a gente passa para parte das discussões dos casos, mas tudo quem faz essa gestão sou eu. Eu e a equipe, a gente está sempre fazendo uma auto-avaliação de como está o trabalho no grupo. A gente faz grupo de estudo. Então tudo isso, coisas que não tinha e que hoje a gente está colocando em prática, porque o CAPS não tinha uma coordenação, então tudo era muito solto, não tinham alguns documentos e algumas coisas não eram registradas (Coordenador “A”).

O coordenador “A” manifesta traços que podem ser relacionados para os efeitos da

função gerencial e de liderança no comportamento das equipes como uma forma sistêmico-

controladora, pois o “eu” do coordenador está para garantir o cumprimento das tarefas que

asseguram a realização dos objetivos.

Os registros, toda a documentação que sai do CAPS, relatório, tudo passa pela coordenação antes de ir pros determinados lugares, eu faço o controle de tudo isso. Todos os profissionais registram no prontuário, e se eu chamo alguém pra conversar, algum usuário ou familiar, também é registrado nos prontuários, que a coordenação teve essa conversa. Tudo isso é registrado também no prontuário pela coordenadora, que sou eu (Coordenador “A”).

13 Segundo Philip Kotler e Gerald Zaltman, marketing social é a modalidade de ação mercadológica institucional

que tem por objetivo atenuar ou eliminar problemas sociais, carências da sociedade relacionadas principalmente com questões de higiene e saúde pública, trabalho, educação, habitação, transporte e educação. (KOTLER; ROBERTO, 1992, p. 25).

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Na mesma linha de pensamento, o coordenador “B” se apresenta como legítimo por ter

uma vasta trajetória de trabalho prestados à vida pública, e esta gestão é somente mais uma.

Neste sentido, a comunicação se processa a partir do prestígio adquirido na política.

Eu falei com o Prefeito que era fundamental que a gente começasse a se entrelaçar com todas as outras estruturas públicas. Nós precisamos da Secretaria de Obras, da Assistência Social, da Secretaria de Educação, por isso que aos poucos aí regando como uma planta, para que depois a gente possa usufruir (Coordenador “B”).

A liderança com esse traço é uma espécie de domínio exercido sobre o ser humano por

outro, um trabalho ou uma idéia, tem uma força de paralisar inteiramente a faculdade crítica,

enche o indivíduo de admiração, desperta um sentimento como a fascinação na hipnose

(FREUD, 1969).

Ainda sobre os traços que constituem as concepções dos gestores apresentadas tem-se

o depoimento do coordenador “C”:

A nossa equipe, no momento que eu estava atuando, era bem unificada, com uma posição muito clara sobre o que era e para quem dirigir os atendimentos. A partir disso então a identificação dos profissionais, conhecendo o seu percurso e também a sua atividade externa que também era correspondente a atividade interna. Nós tínhamos um diálogo mais aberto e franco, e a gente procurou valorizar os nossos profissionais, trazendo junto a Secretaria da Saúde algumas questões que tenha melhoramentos internos da instituição para oportunizar com esse trabalho da equipe também um melhor tratamento aos nossos usuários. Nós encontramos entre os usuários uma demanda bastante acentuada, onde foram necessárias muitas discussões e debates para então definir quem realmente teria o seu atendimento junto a instituição CAPS (Coordenador “C”).

A busca da identidade pelo trabalho ou pelas funções exercidas, em muitas ocasiões, é

alvo de desejo de recompensa, reconhecimento, busca de legitimação para o exercício da

função. Beira as relações de poder como o “Amor-Fusão”. “O mundo é um teatro em que

cada um é obrigado a desempenhar um papel. A boca mata mais do que a faca” (ENRIQUEZ,

2007, p. 183).

Por sua vez, o coordenador “D”, que vem pela via do marketing, afirma:

Não existia a idéia do CAPS como uma clínica pública. Foi feito todo um trabalho de marketing nesse aspecto na comunidade e junto aos veículos de comunicação para se trabalhar essa idéia de que o CAPS era uma clínica pública. Isso fez com que acontecesse um aumento imenso de pacientes, porque se tinha a idéia de quando ele estava lá no centro de saúde, que era um local que atendia “loucos”, e muita gente tinha o preconceito de buscar o serviço. Quando a gente começou a trabalhar essa idéia de clínica pública, se percebeu na época que houve um aumento da demanda de pessoa que entenderam que era uma clínica nos mesmos patamares de uma clínica privada (Coordenador “D”).

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O coordenador “D”, no momento de implantar o novo modelo na saúde mental para

tornar visível a proposta e também para administrar as mudanças, conduziu de forma flexível

os trabalhos da equipe.

Outra questão que era importante, que eu considerei com a equipe em termos de gestão foi no sentido de que pra mim o importante não era a questão de cumprir horário, aquela coisa que o profissional tinha que ficar ali de tal a tal hora, havia isso muito engessado na equipe. Nesse sentido, em termos de práticas, eu sempre respeitei todos os profissionais, pois o importante era a qualidade do atendimento e não a quantidade. Isso foi algo também novo que eu comecei a trabalhar com a equipe. O importante não era ficar quatro horas lá, mas se permanecer duas ou três horas, deveria fazer um trabalho de qualidade nos atendimentos. Isso era o que era realmente valorizado na minha gestão (Coordenador “D”).

Nas falas dos gestores aparecem traços que singularizam em cada um o intuito de

conduzir a instituição. Por outro lado, em momento algum se percebe a concepção de um

sujeito, que talvez fosse um fio condutor para descaracterizar os traços individuais e

evidenciar o objeto de trabalho.

Da comunicação do trabalho, parte-se para a narrativa, isto é, como os servidores

contam aquilo que lhes é comunicado. Os relatos a seguir descritos são dos servidores dos

CAPS e das unidades básicas; como os lugares da rede se complementam, há semelhança de

narrativa.

5.2.1 Considerações sobre a equipe de saúde mental dos CAPS de Ijuí/RS

A equipe de saúde mental sempre está envolta com suas intervenções, produções e

invenções, para a desconstrução de modelos fixos e construções que permitam um lugar

singularizado para o usuário. Questionamentos de como intervir com o usuário que se torna

dependente do serviço; com aquele que se recusa ir ao serviço; com a família que exige a

internação em hospital psiquiátrico; ou com o usuário que incomoda a vizinhança, são

questões que fazem parte do cotidiano da instituição. Como trabalhar com isto que não cessa

de aparecer?

Por sua vez, a produção de intervenções divergentes desencadeia afetos e efeitos nos

vínculos de trabalho entre os profissionais de um CAPS e dos seus usuários. Para trabalhar

com efeitos de afetos e vínculos, é necessário inventar. As invenções estão atreladas a uma

realidade que pode se modificar caso a instituição se encontre em processo de aprendizagem.

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Esta pode se constituir em formação, desde que ocorra em etapas graduais e que estejam

relacionadas à concepção de sujeito.

O mais importante que ocorre é que não somente podem se esclarecer e corrigir problemas e situações, mas sim que gradualmente tem lugar uma meta-aprendizagem que consiste em que os implicados na tarefa apreendem a observar e refletir sobre os acontecimentos e a encontrar seu sentido, seus efeitos e integrações”, não se trata de um processo educacional para formar um profissional, mas para abrir novos caminhos e valores (BLEGER, 1984, p. 47).

Em muitas ocasiões, o que se observa em uma equipe multidisciplinar são os diversos

problemas se tornarem dispositivos burocráticos. Com base em Figueiredo (2005), a divisão

do trabalho em um CAPS não raro emerge da hierarquização das relações, nas quais o saber

médico prepondera sobre os outros saberes que ocupam um papel secundário.

Por exemplo, no cotidiano dos ambulatórios de saúde mental, que se propõem como espaços de trabalho em equipe multiprofissional, o reflexo desta divisão se dá com a consulta do psiquiatra como a atividade prioritária e essencial, com agenda repleta, atendimentos de curtíssima duração visando uma alta produtividade; depois há a consulta do psicólogo, geralmente individual e com longa lista de espera; depois os grupos de orientação coordenados pela Enfermeira ou pela Assistente Social; e o grupo de atividades da Terapeuta Ocupacional (YASUI, 2009).

A constatação inicial é de que as equipes são multidisciplinares em detrimento da

interdisciplinariedade. Têm-se assim dois pressupostos teóricos: o primeiro, o “multi” e o

outro, o “inter”, sendo o primeiro um

mero somatório de diferentes campos, que não estabelecem diálogo, não apresentam nenhuma cooperação entre si, mantendo seus limites e fronteiras e olham desde suas perspectivas e lugares para um mesmo objeto: no nosso campo, a doença mental. Assim a equipe multiprofissional, por esta caracterização, já está fadada a ser um apenas grupamento de profissionais de distintas áreas que ocupam o mesmo espaço físico (YASUI, 2009).

A passagem de um agrupamento profissional para uma equipe interdisciplinar de

trabalho em saúde mental pode se efetivar à medida que a equipe passa a ter claros alguns

conceitos que inibem ou facilitam o processo de aprendizagem da estrutura de um CAPS.

Interessante seria às equipes se apropriarem dos conceitos de fenômeno de grupo apresentado

por Pichón Riéver para perceber os movimentos na dialética multidisciplinar -

interdisciplinar.

O modelo de assistência de um Centro de Atenção Psicossocial – CAPS, tido como

ideal, e de um trabalho em equipe multidisciplinar visando à interdisciplinaridade passa pela

concepção de gestor na condução das políticas de saúde mental.

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A transformação da assistência em saúde mental nos moldes do CAPS exige uma série

de mudanças para uma verdadeira adequação substitutiva ao modelo manicomial. Isso

importa a necessidade de ruptura com o paradigma comprometido com a visão reducionista de

doença mental, ruptura que impõe a interlocução com campos diferentes do conhecimento,

quebra da hegemonia do discurso sobre a loucura, ou seja, a prática interdisciplinar como

propósito da condução da cura.

O sujeito que enlouquece apresenta seu sofrimento em várias dimensões, as quais, ao

mesmo tempo em que mostram a multiplicidade da possível causualidade da sua loucura,

desnudam a singularidade de sua dor. Dar lugar para a singularidade num contexto

institucional que ao longo da história, se constituiu em depósito de internados, é compreender

para além de uma axiomática, e transformar os paradigmas até então existentes, propiciando o

aparecimento do sujeito, esse que “não é o todo, ele é antes de tudo um efeito. Um efeito da

intervenção do outro” (FIGUEIREDO, 2005, p. 08).

Uma nova visão de saúde mental recusa o determinismo e a cristalização dos

conhecimentos. A diversidade da clínica recusa a hegemonia de um só conhecimento, de uma

só técnica. No trabalho em equipe, o sujeito precisa ser tomado como ente das suas relações

sociais e das suas instâncias psíquicas, enquanto que o trabalho da equipe precisa ater-se aos

fenômenos do grupo que a compõe.

Focalizar os dois níveis, o de grupo e o de equipe, é também abrir espaço para situar a

organização e a instituição. Esses níveis: grupo, organização, instituição e equipe possibilitam

a inserção dos atores sociais na dinâmica subjetiva que compõe um CAPS.

Qualquer membro desta equipe deve estar habilitado para atender individualmente ou em grupos, acompanhar internação e promover os cuidados básicos, visitar o domicílio do paciente, atuar nas oficinas terapêuticas, às vezes junto a outros profissionais não ligados à área de saúde (artistas plásticos, artesâos, contadores de histórias, etc.) e participar intensivamente do cotidiano institucional e de seus problemas administrativos. A única especialidade mantida é ministrar medicação, só facultada aos médicos (FIGUEIREDO, 2005, p. 7).

A interdisciplinaridade é o ideal que se busca alcançar para o trabalho em equipe de

saúde mental, pois se leva em consideração o homem como ser bio-psico-social. Reconhecer

o sujeito em atendimento nessas três dimensões é, segundo País (1996, p. 25), “admitir a

impossibilidade de abordar a problemática da saúde do homem desde uma só disciplina”.

Assim, o homem é concebido em sua totalidade e deve ser atendido na sua integralidade. Isso

pode ser percebido nas diretrizes que organizam as ações em saúde mental na rede pública.

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No trabalho em equipe, o sujeito não deve ser tomado em partes, ou seja, cada área do

conhecimento se interessar apenas pelo objeto do seu campo, sem considerar a relação desse

objeto com o sujeito como um todo, que também é resultado das relações sociais e das suas

instâncias psíquicas.

A interdisciplinaridade propõe-se uma atividade que não consiste na justaposição de saberes alheios entre si, senão na constituição de um espaço comum em que o conhecimento não se esgota em sua própria identidade, mas vai além de si mesmo numa articulação mais abrangente (PAIS, 1996, p. 30).

Buscar o desenvolvimento interdisciplinar na equipe é se haver com os impasses, pois

exige que cada profissional repense sua própria prática, para assim construir uma abordagem

mais ampla do sujeito em tratamento, levando em conta também o seu sofrimento psíquico.

Esta proposta desloca o profissional de seu suposto lugar de saber, pois exige um

diálogo com outras áreas através do qual surgem idéias contrárias que certamente apontam

limites presentes em cada campo. É justamente com esta falta de saber que cada um dos

profissionais da equipe interdisciplinar deve se confrontar, para que não se interesse apenas

pelo determinismo de sua disciplina de saber, mas também em buscar o desconhecido.

Na prática interdisciplinar é mister que cada especialista seja capaz de transcender as fronteiras de seus domínios epistêmicos, que seja capaz de abandonar a segurança e o conforto que outorga um saber supostamente adquirido e se arrisque a escutar outros discursos que, só pelo fato de serem pronunciados questionam e colocam os limites do próprio (PAIS, 1996, p. 30).

Essa inter-relação entre as disciplinas não significa que cada área deva abdicar de suas

especificidades, mas que deve conhecer também os fundamentos epistêmicos de outros

campos. Para que a interdisciplinaridade ocorra, é necessário superar o especialismo, e

também manter a especificidade de cada função. Para isso, deve-se ter clareza de que existem

particularidades em cada área do conhecimento, mas que, para a condução dos casos clínicos,

devem ser levadas em consideração as diferentes abordagens clínicas da equipe.

A aposta na interdiseiplinariedade surge a partir da necessidade de uma intervenção que busque tomar um sujeito sem compartimentá-lo nas diferentes disciplinas que dele possam se ocupar (GIONGO, 2003, p. 10).

Para que as diversas áreas do conhecimento consigam acompanhar o sujeito em

tratamento sem separá-lo por partes, é necessário que a concepção de sujeito esteja clara para

a equipe, ou seja, deve haver uma comunicação expressiva entre os diferentes discursos. O

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trabalho da equipe só se viabiliza então pela comunicação, a qual deve possibilitar a

construção de um lugar de enunciação, compreensível por todos os participantes.

Muito se trabalha sobre a interdisciplinaridade, o que aponta para uma necessidade

cada vez maior de compor, em outros discursos, possibilidades de respostas para as

limitações. É no contexto do trabalho em equipe interdisciplinar que se busca alcançar uma

equipe de saúde mental. Sabe-se que a equipe, ao acompanhar um usuário, não pode deixar de

levar em consideração a dimensão da inter-relação que acontece por meio da linguagem, pois

é pela fala que o homem biológico se faz valer como sujeito, e é este que interessa para o

profissional permeado pela ética do bem dizer.

Dentro deste contexto, talvez a primeira coisa a dizer a respeito da equipe dirigente é

que o seu trabalho e, portanto, o seu mundo, se refere apenas às pessoas. “Como material de

trabalho as pessoas podem adquirir características de objetos inanimados” (GOFFMANN,

1996, p. 69), o que vem demonstrar a instituição representada como uma máquina

(MORGAN, 1996).

Nessa, perde-se de vista o conteúdo e a concretização dos objetivos organizacionais,

uma vez que o apego excessivo a rotinas, regras e formalismos não deixa margem à

flexibilidade ou ao questionamento do sistema em questão, tornando-se uma engrenagem e

com isso toda instituição conquista parte do tempo e do interesse de seus participantes e lhes

dá algo de um mundo, em resumo, toda instituição tem tendência de “fechamento” (MOTTA;

VASCONCELOS, 2004).

A proposta é ter instituições de referência, que podem ser primária, secundária ou

terciária. Sempre que se utiliza de uma ou outra que constitui a rede, um sistema de contra-

referência se estabelece, estando o usuário de um território sob a responsabilidade de uma

determinada equipe, denominada de referência territorial, segundo a cartilha da PNH –

Política Nacional de Humanização (BRASIL, 2004).

Essas equipes são compostas por profissionais de diferentes áreas: médicos,

enfermeiros, psicólogos, farmacêuticos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, auxiliares

e outros profissionais. Esta formação da equipe dá um caráter multidisciplinar, com

propósitos de interdisciplinaridade, modalidade própria dos atuais tempos.

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Pensar a interdisciplinariedade na prática significa pensar nestes intercessores que se

apresentam em cada caso, em cada projeto terapêutico, e que nos provocam e nos levam a

refletir em torno da utilização dos esquemas conceituais referenciais que transformam esse

processo. Por exemplo, quando dois profissionais de distintas áreas elaboram uma

determinada atividade e exploram não apenas as habilidades e competências técnicas de cada

um, mas vão além e investem em outras alternativas para criar nos intervalos desses dois

campos profissionais um novo dispositivo de trabalho.

Ao produzir estes encontros, produzimos novas possibilidades de compreensão da loucura, da subjetividade humana, do sofrer psíquico; novas perspectivas de olhar para “aquilo que não faz sentido”. Arriscar-se a esta aventura misteriosa que é trabalhar com a loucura, com a dimensão humana, nos provoca a permanecer em uma constante disponibilidade para perceber detalhes, acolher angústias, estar atento ao inusitado, ao inesperado (YASUI, 2009).

O cotidiano do trabalho em um CAPS é delicado e sutil, pois possibilita encontros e

desencontros que dizem respeito a uma prática de cuidados, os quais remetem à escuta

daquele que sofre de excesso e da falta da condição humana (ARENDT, 1992).

Apesar de todo o empenho psicológico da administração contemporânea sobre o

trabalho em equipe, é o ethos de trabalho que permanece na superfície da experiência. “O

trabalho de equipe é a prática de grupo da superficialidade degradante” (SENNET, 2003, p.

118). A posição narcísica das equipes constitui resistências às mudanças. A equipe posiciona-

se dialeticamente: de um lado, quer que a organização do trabalho ordene a ação e, por outro,

os fenômenos de grupo promovem resistências ao processo que conduz as ações do trabalho.

Para trabalhar com a perspectiva de mudança, faz-se necessária “a constatação

sistemática e reiterada de certos fenômenos grupais, que permitem construir uma escala de

avaliação básica através da classificação de comportamento grupal” (PICHON-RIVIÈRE,

2005, p. 268).

5.2.2 Uma possibilidade de passagem de grupo para equipe

O esquema do cone invertido apresentado na figura 4 (p. 38) é constituído por vários

vetores na base dos quais se fundamenta a operação no interior do grupo. A partir da análise

inter-relacionada desses vetores, chega-se a uma avaliação da tarefa que o grupo realiza.

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Desconstruir conceitos e categorias, além de inventar outras, possibilitar articulações

semânticas e teóricas, desfazer entraves entre as disciplinas, proporcionar novas produções,

facilitar vínculos de trabalho, estabelecer relações transferenciais14 na equipe, usuários e

familiares fazem com que a pactuação de um projeto de cuidado que emerge da demanda do

sofrimento psíquico, objeto de trabalho dos CAPS, fique atrelado a um esquema referencial

conceitual e às subjetividades que circulam na instituição.

A respeito do trabalho em equipe dos servidores e a relação estabelecida com a

unidade básica, foram observadas posições sobre a multi e a interdisciplinaridade, como

também a articulação da rede de cuidados e a ação do gestor nesses propósitos.

No olhar dos servidores, como acontece o trabalho interdisciplinar e a função do

gestor na equipe.

Quadro 4: Trabalho inter-redes e função do gestor na visão dos servidores

Servidores A B C D

O olhar da equipe de trabalho

“O que se está discutindo é a necessidade de ter um objetivo bem focado para que essa equipe multidisciplinar funcione... A Teoria Lacaniana é diverge da concepção da psiquiatria biológica”.

“É importante a participação de todos os profissionais...É um trabalho em conjunto... No primeiro plano a gente se baseia na área médica”.

“Com a equipe é um trabalho muito bom... Eu sou a mãe de todos... Equipe unida”.

“Essa equipe é coesa...A medicina tem um olhar mais evidenciado...tem poder com a questão da medicação”.

Função do Gestor

“Antes era o número de pacientes muito grande. Agora é uma idéia de administração baseada em resultados”.

“Tem uma parte bem política também na saúde. A gente enfrentou bastante dificuldade”.

“A coordenadora anterior dava mais segurança. Essa é um pouco mais distante”.

“Muitas vezes a clínica se impõe e o gestor não consegue então dar conta, como também às vezes a burocracia, toda essa questão administrativa se impõe e a clínica sofre”.

14 Vínculo afetivo intenso, que se instaura de forma automática e atual, entre o paciente e o analista (na equipe

entre os pares e com gestor) comprovando que a organização subjetiva do paciente (organização subjetiva da equipe e gestor) é comandada por um objeto que Lacan denominou de objeto a, objeto do desejo (CHEMAMA, 1995, p. 217).

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Com a quebra da hegemonia da organização hospitalocêntrica surgem outras maneiras

de narrar o trabalho da instituição que cuida dos loucos.

Os serviços em saúde mental no Município de Ijuí/RS iniciaram-se em 1991. Até

então, o Estado conduzia as ações. Por esta razão, o servidor se refere aos 18 (dezoito) anos

de trabalho, pois foi um dos pioneiros da organização em saúde mental no Município de

Ijuí/RS. Assim, conta:

Ao longo desses 18 anos, esse trabalho, então, foi se solidificando com a participação de vários profissionais de outras áreas, acho que foram criando necessidades da participação desses profissionais, porque num primeiro momento o objetivo era afastar ou ajudar as pessoas a não realizarem um surto, se manterem nas suas casas com suas famílias, mas isso não foi, isso criou uma outra necessidade, é que essas pessoas também pudessem manter alguma motivação pra se sentir capazes de fazer alguma tarefa, então, aí foram surgindo outros profissionais, a assistência social pra trabalhar a família, terapeuta ocupacional pra motivar e ensinar determinadas atividades, então isso foi surgindo de uma forma bastante natural, capaz com bastante profissionais. Então, foi surgindo naturalmente essa equipe multidisciplinar, então, hoje existem vários profissionais, a psicologia, a assistência social, a terapia ocupacional e também a enfermagem. Uma outra idéia é de que os mesmos profissionais ligados a área de serviço, a recepção, enfim, que o trabalho deles também possa de alguma forma representar um trabalho com uma atividade terapêutica para o paciente. O que hoje se está discutindo mais, é a necessidade de ter um objetivo bem focado pra que essa equipe multidisciplinar funcione realmente como uma equipe, e com a passagem então desses profissionais de formar o CAPS, ou seja, o Centro de Atendimento Psicossocial e depois de CAPS I para CAPS II que é a realidade atual (Servidor “A”).

Ainda, por parte do entrevistado, tem-se a sua concepção de equipe multidisciplinar,

quando, ao se referir a gestão, afirma

As anteriores estavam mais preocupadas em responder aos pedidos e cobrir as demandas de atendimento ... A gestão atual busca resultados: parece-me que algumas idéias de administração estão vindo para a área da saúde já estão sendo implementadas ... É uma idéia de administração já baseada em resultados ... Parece que também possa ser um aspecto novo ... Então, primeiro que o CAPS foi de um local de passagem e não de cronificação das pessoas, mas que têm que ser devolvidas à comunidade. E segundo, essa idéia que possa ter uma meta de avaliação dos resultados. Como isso está sendo conduzido e os objetivos pra isso, parece que esse é um momento novo que está se vivendo pelo menos na saúde de Ijuí, para saúde mental. Essa possibilidade de se trabalhar baseado em resultados... acho que isso também merece ser respaldado (Servidor”A”).

Os padrões de relacionamento decorrem dos estilos de gestão e da estrutura de poder

existente nas instituições. O discurso da gestão de resultados está em evidência frente às

mudanças em curso para adaptar a organização a uma dinâmica mais flexível, o que não

acontece com fluidez, porque a “máquina” emperra, isto é, o sistema burocrático se atravessa

(MORGAN, 1996). Pensamentos inovadores, mas ações conservadoras.

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A narrativa descrita vem dizer de uma equipe multidisciplinar a qual se confirma na

fala do servidor “B”.

A princípio o que eu vejo o trabalho em grupo com os colegas é bem interessante, é um trabalho que compõe de vários profissionais que atuam cada um dentro de sua área, então d ncia deste entrosamento. No trabalho em equipe é muito importante a participação a importâ de todos os profissionais que se envolvem no serviço, e principalmente estes que convivem com pacientes em sofrimento mentais. É importante que todos participem, é um trabalho em conjunto, não é um só que encaminha as coisas é toda a equipe. A importância da equipe é fundamental, mas o primeiro plano se baseia na área a médica. Eu acho que é primeiro os médicos e depois a equipe (Servidor “B”).

Contudo, o servidor “B” reitera que é importante a participação de todos os

profissionais, pois é um trabalho em conjunto. Quando as influências político-partidárias se

manifestam na clínica, os impasses também se manifestam: “a gente enfrentou bastante

dificuldade”. Inferimos que estas interferências criam um clima de insegurança e ameaça ao

grupo. O medo do ataque e de perdas, o que é próprio dos fenômenos que constituem um

grupo em sua estrutura, se manifesta na fala do servidor (PICHON, 2005).

O servidor “C” procura contar sobre a unidade da equipe.

Com a equipe é um trabalho muito bom, muito gratificante. Eu não tenho assim, de ninguém, nada de contrário. Eles me tratam muito bem e eu sou a mãe de todos, tanto aqui dentro do CAPS como fora. Eu vou a casa deles e eles vêm na minha. A gente é uma equipe muito unida (Servidor “C”).

A função do gestor passa pela capacidade deste construir vínculos de proximidade, os

quais produzem segurança. Por outro lado, quando as relações são mais distantes, diz:

Quanto a coordenadora eu não tenho nada contra ela.... com a coordenadora anterior, a gente se dava melhor, ela era mais antiga, eu tinha até mais segurança junto com ela, porque ela comprava a dor da gente. Junto com a atual, eu não tenho nada contra ela, eu gosto dela e tudo ... o que eu puder fazer pra ajudar ela eu vou fazer, assim como também com os pacientes ... eu considero todos como meus filhos ... com a coordenadora é um pouco mais distante (Servidor “C”).

Na fala do servidor “C”, o que une a equipe passa por uma identificação maciça com

o trabalho (PICHON, 2005).

Dos servidores dos CAPS, tem-se ainda o “D”. Após os relatos, serão descritas as

narrativas vindas das Unidades Básicas (UB).

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O servidor “D”, ao se expressar sobre a equipe, diz que esta é coesa. A coesão de um

grupo aponta para a definição do objeto de trabalho (LAPASSADE, 1989). Em outras

palavras, para o autor esta perspectiva organiza as ações de um grupo.

Quanto à função do gestor, na percepção que tece o servidor: “Muitas vezes a clínica

se impõe e o gestor não consegue dar conta, como também às vezes a burocracia, toda essa

questão administrativa se impõe e a clínica sofre”, pode-se inferir que a clínica que se impõe é

a médica, que tem um olhar mais evidenciado na medicalização como magia na operação da

cura. A isto se atribuí o discurso da ciência operando como promessa. Boa parte da

humanidade se rende a essas promessas, ficando tênue a interlocução com outros campos do

conhecimento.

A partir das declarações dos servidores dos CAPS, fica claro que o trabalho é de uma

equipe multidisciplinar. Às vezes são percebidos movimentos de interdisciplinaridade, mas é

tênue, até porque o discurso médico faz a diferença discursiva.

No que concerne à UB e ao setor da rede do Município de Ijuí/RS, serão apresentadas

algumas considerações sobre a relação estabelecida com o CAPS e a função da Coordenação.

5.2.3 Da narrativa dos servidores da Unidade Básica à visão dos coordenadores e dos

CAPS

A posição dos servidores é de que a relação com o CAPS não é satisfatória. O CAPS II

conseguiu estabelecer minimamente vínculo através de contatos, principalmente dos

servidores do CAPS com servidores da U.B.

Já a função das Coordenações para estabelecer laços de trabalho são considerados

fracos. Sempre focalizam que o CAPS II se insere um pouco mais. A expectativa é com a

atual coordenação para integrar os serviços.

O fato do CAPS II se inserir no contexto, ainda não como esperado, pode estar

relacionado a duas variáveis: 1ª) quanto à existência – o CAPS II possui onze anos de história,

enquanto o CAPS I, três anos; 2ª) quanto à locação do serviço – o CAPS II está ligado

diretamente à Secretaria de Saúde e às políticas municipais de saúde mental através de seus

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gestores, enquanto o CAPS I está ligado a uma instituição – o hospital (Hospital Bom Pastor)

que, apesar de toda sua inserção social, possui uma visão de gestão privada.

O Quadro 5 expressa, de forma sintética, a relação entre a UB, os CAPS e a função da

Coordenação nesta relação.

Quadro 5: Entrevista com servidores da UB

Servidor da UB A B C Relação da UB com o CAPS

“A gente tem bastante dificuldade em trabalhar integrado ... a dificuldade maior é com o CAPS I ... com o CAPS II a gente consegue se relacionar melhor”.

“ O CAPS I é mais distante ... Os profissionais do CAPS II vieram para encaminhamento de pacientes para nossa equipe”.

“A relação com o CAPS não é muito próxima ... a gente tem uma certa dificuldade de conversar com o CAPS”.

Função da Coordenação nesta relação

“Nunca teve nenhuma reunião, algum encontro para esclarecimentos para se ver algum caminho para se conseguir trabalhar mais integrado”.

“Já teve uma reunião colocando como vai funcionar a partir de agora, e a gente ficou bastante motivada”.

“A coordenação nunca fez um movimento de integração.”

A função do gestor sem representatividade junto as U.B. aponta para uma dificuldade

de organizar o trabalho em rede na saúde mental, temática estudada a seguir.

5.2.4 Da rede de cuidados à rede intersetorial

Falar em rede ou de rede traz inúmeras representações, o que demonstra a polissemia

da palavra, pois pode representar um valor para múltiplos usos: pode servir para acomodar um

corpo cansado que necessita de instantes de repouso; uma rede pode delimitar dois lados de

um território e dar contornos para um bom jogo; uma rede pode nos ligar com muitas outras

pessoas para que possamos nos comunicar; uma rede pode aparar a queda do corpo de um

trapezista, uma rede pode ser um instrumento de captura de enredamento, de alienação.

A rede aqui referida é a de atenção de cuidados em saúde mental. O CAPS, como

representante da política nacional de saúde mental, deve posicionar-se como uma estratégia de

transformação da assistência portadora de cuidados. A sua equipe inscreve-se na organização

da rede, ocupando um lugar de referência, pois sua escuta deve proporcionar abertura para o

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diálogo, para o planejamento, organização, execução e avaliação das ações de saúde mental

dos municípios.

Atribuir a responsabilidade da organização da rede de cuidados não significa dizer que a totalidade das tarefas deva ser executada pelo serviço. A organização de um CAPS que assume isoladamente a responsabilidade de “dar conta” de toda a demanda e toda a complexidade da vida do sujeito é muito semelhante à proposta pretensiosa e autoritária do Hospital Psiquiátrico. Um CAPS, assim, transforma-se em mais uma “instituição total” (YASUI, 2009).

O Ministério da Saúde entende que um representante da política nacional de saúde

mental pode se configurar como uma instituição total, ou seja, com restrição a abertura do

processo `a aprendizagem. Na esteira do conceito de saúde, amplia a concepção de cuidados e

compõe a rede intersetorial através das Secretarias de Assistência Social, Planejamento,

Obras, Administração e Educação, as quais, a partir de sua estrutura e organização, vão

contribuir na execução dos planejamentos dos CAPS quanto a concepção da definição do

conceito de saúde previsto na Constituição Federal. No paradigma do SUS, saúde não é

ausência de doença, mas faz parte dos direitos sociais, como dispõe os artigos da CF/88:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Para garantir a participação intersetorial, os CAPS não têm a resolução de todas as

demandas dos sujeitos em sofrimento psíquico, assim como a pretensa ilusão autoritária das

instituições totais, com sua fantasia de onipotência sobre os internados.

Os usuários e familiares, nesta relação com outros setores, terão que participar e, com

isto, depararem com o real de suas demandas, não mais protegidos pela instituição que o

amparou, promovendo-se, desta forma, a autonomia do usuário.

O organograma a seguir, do Município de Ijuí/RS, traz um modelo de rede de cuidados

em saúde mental.

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Sec. Municipal de Saúde

Relações Institucionais

UNIJUI

FORUM

Min. Publico

B. Militar

COMUID

Hosp. Espec.

CX. Sul

Pelotas

POA

Irai

Hosp. Geral

HCI

Bom Pastor

S. Francisco

Grupos de Apoio

AA

NA

Amor Exigente

Igrejas

CAPS

CAPS A/D

CAPS I

CAPS II

Vida c/ Dignidade

CISA

Ambulatórios

Luis Fogliato

Glória

T. Neves

T. Souza

Herval

Boa Vista

Pindorama

CSU

Meio Rural

Modelo

Jardim

Penha

Mundstock

Posto Central

CMS

Com. Terapêutica

AVINAE

CRUZ AZUL

SOS Vida

Leão de Judá

AVIPAE

Coor.Adm.

Coor. Saúde

Coor. Saúde Mental Equipe Matricial

Figura 8: Organograma do Sistema Municipal de Saúde de Ijuí/RS Fonte: CAPS – Ijuí/RS (2009)

17ª Coordenadoria Regional de Saúde do Estado

Secretária de Estado da Saúde

Ministério da Saúde

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Nesta pesquisa, os CAPS I e II da cidade de Ijuí/RS dão mostras de seu processo de

engajamento nas políticas de saúde mental do Município. As políticas de saúde mental

começam ter um estatuto próprio no campo da medicina com Pinel. O endereço do louco era o

manicômio, o qual funcionava como depósito. Este local transfigurava o ser humano; havia

tratamentos de toda ordem, os quais já citados e questionados desde o movimento da anti-

psiquiatria até a reforma psiquiátrica.

A quebra do modelo hospitalocêntrico acontece em vários países, influenciando na

ruptura deste modelo também no Brasil. Com isto, as políticas de saúde mental em nosso país

têm nos Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), uma organização de instituição com seus

propósitos.

Para inserir os excluídos em seu contexto social, os Centros de Atenção Psicossocial

(CAPS), que assistem psicóticos e neuróticos graves, possuem uma organização com diversas

atividades, incluindo atendimentos individuais e em grupo, oficinas terapêuticas e produtivas,

atividades de lazer e cultura, bem como o acompanhamento ao externo (à residência, à escola,

ao banco) (ALTOÉ; LIMA, 2005), trazendo novos dispositivos para o tratamento dos

usuários.

Para ilustrar as oficinas terapêuticas do CAPS de Ijuí/RS, apresentam-se duas fotos da

oficina de pintura e as entrevistas realizadas com usuários e familiares dos CAPS do

Município de Ijuí/RS:

Figura 9: Foto 1 de tela pintada por paciente Figura 10: Foto 2 de tela pintada por paciente do do CAPS II do CAPS II Fonte: CAPS II, Ijuí/RS. Fonte: CAPS II, Ijuí/RS.

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Sobre os usuários e familiares, foram observadas a percepção do trabalho da equipe e a

do gestor, assim como a dicotomia do atendimento em hospitais psiquiátricos e os CAPS.

Quadro 6: Entrevista com usuários dos CAPS I e II

Usuário A B Atendimento da equipe

“Estou no CAPS há 13 anos ... quando comecei, comecei mal... eu não aceitava os remédios, agora eu estou aceitando e eu estou melhor. Sou atendido por psicólogo, psiquiatra, grupos”.

“É tudo que a gente tem... eu fiquei doente faz 22 anos ... eu gastei tudo com minha doença... os doutores viram que eu não tinha mais condições de me tratar por conta, daí me passaram para o CAPS... aqui é ótimo, eu sou suspeito para falar porque sou um beneficiado, mas é ótimo... isso aqui é tudo que a gente pode ter e os meus colegas eu acho que pensam a mesma coisa”.

Atendimento do coordenador

“Eu não vejo nenhum outro lado de dentro do CAPS. Eu vejo do lado de fora... eu varro, eu limpo lá fora, eu não tenho essa visão de dentro. De fora vejo que funciona bem. O último coordenador foi mais que um coordenador”.

O eixo central do trabalho se sustenta nas premissas da reforma psiquiátrica de

autonomia, ressocialização e cidadania, como seus alicerces, objetivando reduzir as

internações hospitalares e proporcionar às pessoas em sofrimento psíquico um lugar na

comunidade de seu território.

O usuário “A” inicia como contestador ao tratamento e se rende aos medicamentos

“eu comecei mal... Eu não aceitava os remédios, agora estou aceitando e estou melhor...”.

Quanto ao atendimento do coordenador, não consegue emitir juízo crítico, apenas manifesta

gratidão ao último, dizendo: “foi mais que um coordenador”.

O usuário “B” faz uma nítida distinção entre o trabalho privado e o público. “Aqui é

ótimo ...eu sou suspeito”. Ao referir sua percepção sobre a Coordenação prossegue: “Porque

eu sou um beneficiário, mas é ótimo, isso aqui é tudo que a gente pode ter e os meus colegas

eu acho que pensam a mesma coisa”.

Em termos da visão dos familiares sobre o atendimento da equipe e do Coordenador, o

quadro seguinte apresenta uma síntese:

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Quadro 7: Entrevista com familiares de usuários dos CAPS I e II

Familiar A B

Percepção do atendimento

“Quando começou meu problema com meu esposo, foi muito difícil... quando surgiu, eu procurei o recurso. Foi difícil, porque era uma pessoa completamente fora de si. Aqui é super bem tratado”.

“A equipe é muito boa porque a gente se trata há muito tempo aqui...gostamos muito...somos bem tratados”.

Percepção do coordenador

“Para mim é elogiável, não tem o que falar, eu só tenho a agradecer e elogiar, porque o que seria de nós assalariados se não existisse ... o problema é que o pobre não passa por doente.. só se passa por louco”.

“A coordenação está bem...qualquer coisa eu só peço para ele e ele dá um jeitinho”.

O familiar “A” se posiciona nas mesmas linhas que o usuário “B”, dizendo: “somos

bem tratados”. E, em relação à coordenação, o jogo interpessoal é da sedução: “Para mim é

elogiável, não tem o que falar, eu só tenho a agradecer e elogiar”. Já o familiar “B”

menciona: “Qualquer coisa só peço para ele e ele dá um jeitinho”.

O familiar “A” ainda refere: “O que seria do assalariado se não existisse o CAPS?... o

pobre não passa por doente.... só se passa por louco...”. A questão deste familiar traz à tona o

preconceito e a exclusão, temas de trabalho dos CAPS, pois a inserção social e a cidadania

são conceitos que circulam na instituição. Algumas dessas conseguem colocar na prática,

através dos trabalhos realizados pelo gestor e equipe nos territórios onde vivem os usuários

em sofrimento psíquico, a inserção social dos usuários. No discurso dos usuários e familiares

dos CAPS I e II de Ijuí/RS, fica demonstrada essa interface do trabalho interno e externo

voltada para as atividades que acontecem dentro da instituição. Já o trabalho de socialização,

que é um dos princípios da recuperação da doença mental, não fica evidente.

O discurso dos usuários demonstra certa gratidão por receberem atendimento na

instituição. No mínimo duas possibilidades de interpretação são possíveis: 1ª) que a referência

aos hospitais psiquiátricos em suas passagens foi traumática; 2ª) a gratidão é um esforço para

assegurar um lugar.

A pesquisa de campo apontou, nas falas dos atores sociais, que o modelo da gestão nos

CAPS, dá lugar para a singularidade das subjetividades dos seus gestores, que em muitas

ocasiões preponderam aos princípios norteadores do modelo de gestão prescrito pela Portaria

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organizadora da instituição. Observa-se essa constatação na fala dos servidores quando

identificam a primazia do discurso médico sobre a proposta da interdisciplinaridade almejada

pela política de saúde mental articulada pelo Ministério da Saúde.

Outrossim, diz respeito aos usuários e familiares que não manifestam a participação na

co-gestão da instituição. Mesmo assim, percebem-se avanços, apesar dos impasses produzidos

na inter-relação do coordenador, equipe, rede, usuário e familiares dos CAPS I e II de Ijuí/RS.

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CONCLUSÃO

A dissertação não se volta para uma verdade única. Isso seria muito incoerente com os

referenciais adotados ou mesmo com a lógica da diversidade que embasa a Reforma

Psiquiátrica. Também não teve a pretensão de esgotar as discussões acerca dos temas que a

constituem. Cada uma das partes e dos capítulos ou seções poderiam compor projetos de

pesquisa específicos sobre o que ali foi arrolado.

Como destacado no decorrer da dissertação, a pesquisa não teve como objetivo

investigar benefícios de uma determinada prática de gestão. Ao determinar isso, afastou-se da

principal característica das produções científicas que possibilitam relações entre gestão e

desempenho. Isto constituiu um impasse à investigação, pela dificuldade em acessar literatura

acadêmica que contemplasse as influências da subjetividade na dinâmica gerencial dos CAPS,

questão norteadora da pesquisa.

A pesquisa contemplou perspectivas psicossociais, abordando a relação do gestor com

os atores institucionais, a partir da concepção de CAPS proposto pelo Ministério da Saúde.

Apesar de referir modelos, não houve a pretensão de elaborar um manual sobre a função do

gestor de CAPS. Estes foram utilizados apenas para destacar traços de gestor/gestão e

possibilidades de trabalho em equipe.

Os resultados apontam que o gestor assume uma identidade profissional de saúde

mental, sob a qual compõe suas práticas voltadas para a administração de cuidados dos

portadores de sofrimento psíquico. Às vezes essas práticas escapam a sua especificidade, mas

é a partir de sua identidade de coordenador de CAPS, de seu relacionamento com atores da

instituição que este profissional pode abrir espaços para a subjetividade às práticas do

contexto dos CAPS.

Para estabelecer uma crítica sobre a função do gestor, visualizam-se traços singulares

que interferem na condução da equipe, usuários, familiares e rede de atenção. Referente às

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equipes, estas possuem tendências híbridas entre a igualitária e hierárquica. O CAPS I

apresenta característica mais igualitária (horizontalizada), e o CAPS II hierárquica

(verticalizada). Além de possuírem um grau de dependência do saber do médico, constituem-

se num modelo multidisciplinar em detrimento a interdisciplinaridade. Com relação aos

usuários, estes apresentam um grau de dependência muito grande com a instituição, haja vista

os anos de tratamento recebido nos CAPS I e II. Já os familiares, estes agradecem, não sabem

bem o que ou a quem, o que vem mostrar um caráter impessoal das instituições públicas. E

nas redes de atenção, não se configura o laço entre as instituições CAPS e Unidade Básica.

Esta crítica se estrutura a partir dos estilos de relacionamento e liderança, assim como

a forma de comunicação estabelecida entre o coordenador e os atores. Considera ainda a

forma como o gestor investe na instituição, no seu processo de aprendizagem ou de

conhecimento para estabelecer comparações com outras instituições da mesma natureza.

Os CAPS, como instituições recentes da sociedade que promoveram a ruptura com a

lógica hospitalocêntrica, estão no limbo para o processo de abertura através da aprendizagem,

ou seja, a aprendizagem constitui o processo de formação que acontece em etapas graduais e

contínuas. Já o conhecimento, se articula de forma não sistemática, privilegiando a forma

organizacional em detrimento da clínica institucional.

Há ainda que se destacar outro processo, o da presença do gestor nos serviços, que

mobiliza as subjetividades e propicia interrogações sobre a seriedade dos cuidados dos

doentes mentais, a integralidade e as especificidades das profissões.

Como é o gestor quem poderá proporcionar, ou não, as produções subjetivas dos

atores da instituição, observa-se a necessidade de um programa de formação continuada para

que ele possa desenvolver, com enfoque no sujeito, a sua função. A complexidade do serviço

de atenção à saúde mental requer a implicação com a produção discursiva desta lógica.

Enfim, sobre a temática pesquisada, a continuidade deste estudo teria que pautar sobre

o aprofundamento do entrelaçamento dos níveis, grupos, organização/instituição e equipe com

comunicação narrativa e discurso, pois a forma de como se utiliza a palavra dá um lugar para

quem a enuncia e a sua percepção frente ao outro e a sua instituição. Isto instiga, porque as

instituições formais burocráticas na maioria das vezes não conseguem dar um lugar para os

diferentes posicionamentos. Desta maneira, o impessoal prevalece a despeito da subjetividade

e compõe a instituição CAPS.

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