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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais Waldeir Eustáquio dos Santos A GEOPOLÍTICA DA GUERRA-FRIA: a relação entre Turquia e Estados Unidos na estratégia da contenção Belo Horizonte 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais

Waldeir Eustáquio dos Santos

A GEOPOLÍTICA DA GUERRA-FRIA:

a relação entre Turquia e Estados Unidos na estratégia da contenção

Belo Horizonte

2013

Waldeir Eustáquio dos Santos

A GEOPOLÍTICA DA GUERRA-FRIA:

a relação entre Turquia e Estados Unidos na estratégia da contenção

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Relações Internacionais da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais para obtenção do

título de Mestre em Relação Internacionais.

Orientador: Prof. Dr. Otávio Soares Dulci

Belo Horizonte

2013

FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Santos, Waldeir Eustáquio dos

S237g A geopolítica da guerra-fria: a relação entre Turquia e Estados Unidos na

estratégia da contenção / Waldeir Eustáquio dos Santos. Belo Horizonte, 2013.

155f. : il.

Orientador: Otávio Soares Dulci

Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais.

1. Geopolítica. 2. Guerra Fria. 3. Turquia – Relações exteriores – Estados

Unidos. I. Dulci, Otávio Soares. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais. Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais. III. Título.

CDU: 327.54

Waldeir Eustáquio dos Santos

A GEOPOLÍTICA DA GUERRA-FRIA:

a relação entre Turquia e Estados Unidos na estratégia da contenção

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Relações Internacionais da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais para obtenção do

título de Mestre em Relação Internacionais.

__________________________________________

Otávio Soares Dulci - Orientador PUC Minas

__________________________________________

Oswaldo Bueno Amorim Filho - PUC Minas

__________________________________________

Elena Lazarou – FGV/RJ

Belo Horizonte, 10 de Abril de 2013.

Ao Deus da minha vida!

À minha mãe!

À minha esposa!

Essa conquista também é de vocês!

À memória de Juraci Soares - a profetisa da minha vida!

AGRADECIMENTOS

Quero agradecer a todos que contribuíram para que essa dissertação, parte importante

dos meus sonhos, pudesse se concretizar e peço a Deus que abençoe grandiosamente a vida de

cada um:

Primeiro é preciso agradecer à minha grande família, meu apoio, meu maior orgulho,

Maria das Dores, Joice, Diana, Bernardo, Eder, Michelle, Marcelino, Eduardo.

Quero agradecer aos meus amigos, todas e todos, que também contribuíram para que

eu pudesse chegar aqui! Você sabe meu amigo, minha amiga, da importância que tens em

minha vida e em minha maturidade profissional e acadêmica! Obrigado!

Ao meu nobre orientador Professor Otávio, muito obrigado pela paciência e pelos

ensinamentos.

Agradecimento especial à Professora Matilde, Professor Javier, Professor Eugênio e

Professor Danny, muito obrigado pelo apoio e confiança. Aos colegas de turma, com os quais

partilhei as dificuldades e alegrias durante o curso.

Quero agradecer também ao Professor Oswaldo, pela ajuda no desenvolvimento desse

trabalho. Um agradecimento à Paula Mayrink. Paula foi importante nesse meu processo,

desde o primeiro dia no Programa, muito obrigado! Por fim agradeço a todos do Programa!

Eu posso ir muito além de onde estou, vou nas asas do Senhor, o Teu amor é o que

me conduz. Posso voar e seguir sem me cansar, ir pra frente sem me fatigar. Vou

com asas, como águia, pois, confio no Senhor! Que me dá forças pra ser um

vencedor! Nas asas do Senhor, vou voar, voar!

(Celina Borges, 2009)

RESUMO

A dissertação aqui apresentada tem como objetivo analisar a relação entre Turquia e Estados

Unidos (EUA) no período da Guerra Fria. Uma das hipóteses defendidas por este trabalho foi

que durante o conflito supracitado a Turquia foi um dos países que ajudaram na contenção do

crescimento soviético, ou do ideal socialista, tanto para o Ocidente, como para o Oriente

Médio. Para comprovar essa hipótese a teoria geopolítica do Rimland foi o apoio principal.

Dois poderes anfíbios, tratados nessa pesquisa, EUA e Turquia, durante os anos de 1947 a

1989 traçaram uma estratégia lenta, mas vigilante contra o poder do Heartland, representado à

época pela URSS. O primeiro capítulo do trabalho foi construído com teor histórico,

resgatando o período do Império Otomano, a importância do Islã e a história da República da

Turquia. O segundo e o terceiro capítulos formam o eixo central da pesquisa, pois tratam de

Relações Internacionais, da Guerra Fria, da geopolítica e da relação entre os dois países aqui

debatidos e pesquisados, Turquia e EUA. O quarto capítulo analisa as consequências desta

amizade para a Turquia no pós – Guerra Fria. Por fim, a conclusão da dissertação vem

referendar as hipóteses levantadas e responder à pergunta de pesquisa: Qual a importância da

Turquia como país de contenção, para os EUA, durante a Guerra Fria? Parte da resposta pode

ser encontrada na afirmação de um diplomata americano, Henry Kissinger, que afirmou ser a

Turquia indispensável para os EUA nas fronteiras do Oriente Médio, da Ásia Central, da

URSS e da Europa. Por sua situação estratégica em face de cada uma dessas regiões.

Palavras-chave: Turquia, EUA, Guerra Fria, Contenção, Geopolítica.

ABSTRACT

The dissertation presented here aimes to analyze the relationship between Turkey and the U.S.

during the Cold War. One of the hypotheses proposed by this study was that during the

conflict aforementioned Turkey was among the countries that helped in containment of the

expansion of the Soviet influence and the socialist ideology, toward both the West and the

Middle East. To confirm this hypothesis the geopolitics theory of the Rimland was the

principal base. Two powers amphibians, treated in this research, the U.S. and Turkey, during

the years 1947 to 1989 outlined a strategy slowly but vigilant against the power of the

Heartland, represented at the time by the USSR. The first chapter of this study was

constructed with historical content, rescuing the period of the Ottoman Empire, the

importance of Islam and the history of the Republic of Turkey. The second and third chapters

form the core of the research, because dealing with International Relations, Cold War

geopolitics and the relationship between the two countries here discussed and researched

Turkey and USA. The fourth chapter analyzes the consequences of friendship to Turkey in the

post - Cold War. Finally, the completion of the dissertation comes endorse the hypotheses and

answer the research question: What is the importance of Turkey as a containment country to

the U.S. during the cold war? Part of the answer can be found in the statement of an American

diplomat, Henry Kissinger, said that Turkey is indispensable to the U.S. in the borders of the

Middle East, Central Asia, Europe and the USSR. For its strategic position in the face of each

of these regions.

Key words - Turkey, USA, Containment, Cold War, Geopolitics.

LISTA DE MAPAS

Mapa 1 - A Turquia e os Estreitos de Bósforo e Dardanelos (a oeste).......................... 42

Mapa 2 - A Ilha do Chipre ............................................................................................. 48

Mapa 3 - O hipotético Curdistão (área mais clara) ........................................................ 54

Mapa 4 - O Oriente Médio ............................................................................................ 80

Mapa 5 - O Cáucaso e Ásia Central ............................................................................ 128

Mapa 6 - Os países dos Bálcãs .................................................................................... 130

LISTA DE SIGLAS

AEA - Agência de Energia Atômica

AKP - Partido da Justiça e Desenvolvimento

CIA - Agência Central de Inteligência

CIJ - Corte Internacional de Justiça

CUP - Comitê para União e Progresso

CSONU - Conselho Segurança da Organização das Nações Unidas

EUA - Estados Unidos da América

IED - Investimento Externo Direto

IO - Império Otomano

ISI - Industrialização por Substituição de Importação

OCDE - Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico

OCE/ECO - Organização de Cooperação Econômica

OCEMN - Organização de Cooperação Econômica do Mar Negro

OCSE - Organização de Seguridade e Cooperação Européia

OCI - Organização de Cooperação Islâmica

OI - Organizações Internacionais

OMC - Organização Mundial do Comércio

OM - Oriente Médio

ONU - Organização das Nações Unidas

OTAN - Organização do Tratado do Atlântico Norte

NSC - Conselho Nacional de Segurança

PD - Partido Democrata

PE - Política Externa

PJ - Partido da Justiça

PJD - Partido da Justiça e Desenvolvimento

PKK - Partido dos Trabalhadores do Curdistão

PM - Primeiro Ministro (Premier)

PME - Potências Médias Emergentes

PMDR - Países com Menor Desenvolvimento Relativo

PMT - Potências Médias Tradicionais

PRP - Partido Republicano do Povo

RI - Relações Internacionais

RSCT - Teoria do Complexo Regional de Segurança

UE - União Européia

UNFICYP – Força de Manutenção de Paz das Nações Unidas no Chipre

URSS - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

US - Estados Unidos

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO --------------------------------------------------------------------------------------- 11

2 O PROCESSO HISTÓRICO: DOS OTOMANOS À TURQUIA MODERNA -------- 19

2.1 Breve histórico do Islã e do Oriente Médio --------------------------------------------------- 19

2.2 Império Otomano ---------------------------------------------------------------------------------- 22

2.3 Fundamentos do Islã ------------------------------------------------------------------------------ 26

2.3.1 Islã e a Política ------------------------------------------------------------------------------------ 30

2.4 Breve histórico da Turquia ---------------------------------------------------------------------- 36

2.4.1 Turquia e Chipre --------------------------------------------------------------------------------- 42

2.4.2 Turquia e os Curdos------------------------------------------------------------------------------ 48

2.4.3 O caso dos Armênios – o maior constrangimento turco ----------------------------------- 54

2.4.4 Os golpes ------------------------------------------------------------------------------------------- 56

2.5 Nação, Nacionalismo e o caso turco ------------------------------------------------------------ 60

2.6 A conturbada relação com a Grécia ----------------------------------------------------------- 64

3 RELAÇÕES INTERNACIONAIS, GEOPOLÍTICA E GUERRA FRIA --------------- 75

3.1 Conceitos fundamentais de Geopolítica e sua influência ---------------------------------- 78

3.1.1 Escola Anglo Saxônica -------------------------------------------------------------------------- 81

3.1.2 A geopolítica de Rimland - Nicholas Spykman ---------------------------------------------- 84

3.2 Histórico da Guerra Fria ------------------------------------------------------------------------- 85

3.3 EUA e Turquia ------------------------------------------------------------------------------------- 90

3.3.1 Política Externa Turca e a visão do Governo ------------------------------------------------ 92

3.3.2 Breve Histórico da PE dos EUA --------------------------------------------------------------- 95

3.3.3 A relação com os Estados Unidos da América ---------------------------------------------- 97

4 A TURQUIA NO PÓS - GUERRA FRIA ------------------------------------------------------ 112

4.1 Economia Política, Potência Média e Relações Internacionais -------------------------- 113

4.1.1 Turquia como potência média ----------------------------------------------------------------- 117

4.2 A coalizão na II Guerra do Iraque ------------------------------------------------------------ 122

4.3 A geopolítica da Turquia hoje ------------------------------------------------------------------ 125

4.4 A relação com os vizinhos do Oriente Médio------------------------------------------------ 130

4.5 Religião, Cultura e Modernidade: um debate atual --------------------------------------- 132

5 UMA RELAÇÃO MARCADA POR PARADOXOS, MAS TAMBÉM POR

CONQUISTAS ----------------------------------------------------------------------------------------- 139

5.1 Diplomacia e pragmatismo na Turquia ------------------------------------------------------ 143

REFERÊNCIAS --------------------------------------------------------------------------------------- 146

ANEXO A - QUADRO PRESIDENTES E PRIMEIROS MINISTROS ------------------ 153

1 INTRODUÇÃO

“Sabei que todo muçulmano é irmão do outro,

e que os muçulmanos são irmãos”. Profeta

Maomé.

O objetivo primeiro desta pesquisa seria estudar a relação dos EUA (Estados Unidos

da América) e o Oriente Médio (OM), mas, devido à necessidade do recorte que viabiliza a

pesquisa, chegamos1 ao ponto que hoje nos leva a estudar a Turquia. Este trabalho está

inserido em uma pesquisa pensada/formulada pelos professores do Programa de Pós-

Graduação em Relações Internacionais da PUC/MG2. Diante do desafio e das complexidades

que se encontram no Oriente Médio (veja mapa 04) chegou-se à ideia de analisar a Turquia,

por suas riquezas históricas e culturais, seu aspecto geopolítico, sua característica ocidental,

sua relevância no cenário internacional, entre outros. Tendo sido escolhido o país, não

querendo fugir ao objeto principal, optou-se por analisar a relação desse país com os EUA no

período da Guerra Fria. O passo seguinte foi pensar em termos de Relações Internacionais

(RI) qual a teoria adequada para compreender a história dessa relação.

Com o olhar voltado para a empiria, pensou-se que uma teoria não propriamente de

RI, mas fortemente vinculada à disciplina, principalmente ao realismo, poderia contribuir para

a leitura histórica, política e geográfica da Turquia e sua ligação com o Ocidente - a

Geopolítica. Portanto, o desenvolvimento dessa pesquisa tenderá a verificar em que medida as

questões que ligam EUA e Turquia estão diretamente relacionadas à posição e localização

desse país geograficamente Médio Oriental, com aspirações de ser reconhecido europeu. O

histórico de amizade e em alguns momentos inimizade, “a troubled alliance”, numa referência

a Harris (1972), envolve questões estratégicas para os dois países e possivelmente verificar-

se-á que não houve vencedor ou perdedor, pois as duas nações tiveram vantagens e

desvantagens nessa construção histórica. Após esse esforço reflexivo ficou traçado o objetivo

principal da pesquisa: analisar a relação geopolítica e geoestratégica entre a Turquia e os

Estados Unidos para compreender o papel da Turquia como país de contenção à expansão

soviética durante a Guerra Fria.

Para auxiliar a concretização do objetivo geral da pesquisa, foram organizados e/ou

pensados alguns objetivos específicos que são: discutir como as teorias do Rimland e do

Heartland influenciaram as tomadas de decisões durante a Guerra Fria; estudar a política

1 Nesse trecho está sendo colocada a terceira pessoa do plural, pois, é preciso ressaltar a ajuda de colegas e

professores na escolha do tema. 2 Os Estados Unidos da América, a formação de agenda e o processo decisório em Política Internacional.

12

norte-americana de contenção e o papel exercido pela Turquia no período da Guerra Fria;

discutir como os fatores geopolíticos possibilitaram o aumento de poder aos dois países aqui

estudados; analisar aspectos da política externa dos dois países (EUA e Turquia) durante o

conflito bipolar e, por fim, analisar a importância política, econômica e cultural da Turquia no

pós-Guerra Fria para as relações internacionais e principalmente para o Oriente Médio.

A orientação teórica é primordial para a concretização da pesquisa. As principais

abordagens teóricas que ajudarão na compreensão do problema de pesquisa serão a

geopolítica, dialogando por vezes com o realismo. Por outro lado, para fazer um contraponto e

que não deixa de ser um diálogo, o construtivismo em Relações Internacionais, pois em

determinados momentos do texto serão focados assuntos internos, aspectos religiosos,

culturais e a questão da identidade. A abordagem sociológica do construtivismo poderá

auxiliar na compreensão de algumas questões específicas e esses aspectos estão distribuídos

ao longo do texto. A Escola Inglesa poderá auxiliar a compreensão de alguns aspectos

relacionados também aos níveis de análise doméstico, regional e internacional, através da

Teoria do Complexo de Segurança Regional.

É preciso mencionar as principais premissas do realismo: que o Estado é o ator central

nas Relações Internacionais; que no cenário internacional a anarquia ou ausência de

autoridade, é fator preponderante o que justifica muitos conflitos. E ainda a auto-ajuda (self-

help) é um princípio cardeal, pois nenhum Estado pode contar com outro para defender seus

interesses e sobrevivência, ou seja, garantir a paz interna e a segurança internacional. Com

base no pensamento hobbesiano a anarquia, para o realismo, assemelha-se ao estado de

natureza, assim a falta de um governo coloca os Estados em situação de desconfiança, o que

gera a possibilidade da guerra de todos contra todos. Essa situação faz intensificar a busca por

poder e sobrevivência (segurança) nesse ambiente anárquico. Poder enquanto soma de

capacidades e sempre em comparação aos demais Estados.

Há dentro da Geografia um debate focado na geopolítica, sobre qual a relevância e a

distinção ou não da Geografia Política (COSTA, 2010). Há também, em virtude da

geopolítica alemã, um espectro negativo sobre a geopolítica, devido à sua apropriação pelo

nazismo de Hitler. Essa disciplina teve na Europa e na América do Norte suas três principais

escolas: a alemã, a anglo-americana e a francesa. Os teóricos alemães estavam

demasiadamente preocupados com a construção de uma nação forte e desejavam recuperar o

atraso relativo aos demais países europeus; os teóricos da escola anglo-saxônica estavam

interessados na manutenção do Império Britânico e posteriormente na formação do Império

Americano. Já os franceses, escola com pouca autonomia, apesar de muito relevante, criaram

13

uma geopolítica como reação aos alemães e ingleses, segundo Amorim Filho (2011).3

Para esta dissertação será importante a análise da geopolítica anglo-americana que

serviu de base para as estratégias da Guerra Fria (PECEQUILO, 2005). Dessa escola serão

estudados os autores Sir Halford Mackinder (1861 – 1947), britânico e Nicholas Spykman

(1893 – 1943), americano, sendo esses os principais teóricos. Mackinder que foi o criador da

teoria do Heartland ou, em tradução livre, o Coração Continental, também poder terrestre.

Spykman é o autor da teoria do Rimland, uma síntese do poder terrestre e do poder marítimo,

que formaria um anel em torno do Heartland de forma a conter sua expansão de poder.

As teorias supramencionadas serão a base para a compreensão da estratégia que ficou

conhecida como “contenção”. Por um lado, o desejo da URSS em difundir ou expandir sua

ideologia socialista pelos países do mundo e por trás desse sonho, um projeto de poder, ou

seja, domínio mundial. Por outro, percebe-se o desejo expresso de conter a expansão dessa

política por parte dos Estados Unidos. Assim, a política de contenção, adotada pelo governo

estadunidense e seus aliados, foi impulsionada por teóricos das Relações Internacionais (RI),

alinhados à vertente realista e por geopolíticos como Spykman. Para o desenvolvimento da

pesquisa o termo Contenção será entendido sob o viés geopolítico, através da teoria do

Rimland.

Para aprimorar a estratégia da contenção o governo norte-americano pensou em

organizações que pudessem viabilizar o processo. A intenção e/ou o discurso dos EUA para o

mundo era auxiliar os países que ainda não estavam sob a influência dos russos a se manterem

livres, democráticos e em paz. No entanto, a dúvida foi instaurada: quais seriam esses países e

como se daria essa ajuda? Nesse contexto surgem algumas políticas como a Doutrina Truman

e o famoso Plano Marshall, ambas em 1947, além da criação de organismos como a OTAN,

entre outros, que vislumbravam conter o crescimento do comunismo soviético e de certa

forma garantir a segurança e a paz na Europa.

A identidade ou construção de uma identidade é fundamental para compreensão do

processo de alianças. Essa ideia apresentada por Barnett (1996) possibilita compreender em

parte a aproximação entre turcos e americanos. Nesse caso, contudo, não por terem uma

ligação identitária, mas pelo fato de buscarem se defender daqueles que possuíam

semelhanças no aspecto religioso, étnico e ideológico. Com esse foco Barnett (1996) auxilia

no entendimento de outros fenômenos. A busca de alianças para o autor sempre se dá em face

do aumento de segurança diante de riscos externos, reforço de “capabilities”. Para Barnett

3 Notas de aula ministradas no segundo semestre de 2011, por Oswaldo Bueno Amorim Filho.

14

(1996) as alianças são feitas mais por oportunidades que por princípios. Assim os dois países

aqui estudados mantiveram uma relação que foi nutrida por interesses específicos.

No pós-Guerra Fria foi fomentada uma nova forma de aliança através das identidades.

A Turquia buscou naquele tempo histórico estabelecer vínculos com os países que se

identificava etnicamente como Turcomenistão, Azerbaijão, Cazaquistão, Uzbequistão,

Quirguistão. Buscou também várias alianças no âmbito regional, uma vez que o nível de

segurança exigido já era bem menor nesse período, foi o momento da cooperação e menos da

competição. Portanto, é possível perceber que a questão identitária é fundamental para que se

possa entender as relações internacionais da Turquia desde sua fundação em 1923, por seu

líder e herói nacional Mustafá Kemal Atatürk.

Essa pesquisa justifica-se pelo fato de estar crescendo no Brasil o interesse por estudos

norte-americanos e da inegável importância que a Turquia e os Estados Unidos têm para as

relações internacionais. Outro aspecto significativo é que a Turquia está inserida num espaço

sensível, do ponto de vista econômico, político e de segurança, para a política global. O país

não tem ainda uma forte projeção internacional, como EUA, mas, esse fato está sendo

alterado a cada ano, conforme avalia Pinto (2010). A aliança foi para os turcos um importante

fator de desenvolvimento econômico e militar, principalmente ao analisar sua entrada para a

OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e a relação desse país com a Europa.

No período da Guerra Fria o mundo foi envolvido por um conflito diferente dos

demais (HALLIDAY, 1999), havia certo jogo de forças. Em alguns momentos os Estados

utilizavam-se de medidas psicológicas, em outros, estratégias bélicas, mas as duas potências

não se enfrentavam diretamente. Por vezes outros países eram utilizados para o confronto

através do envio de armas e soldados, por exemplo. Muitas perguntas ainda ressoam, pelos

espaços acadêmicos ou políticos, sobre esse conturbado momento histórico mundial. Este

trabalho objetiva responder uma delas ao investigar a relação entre os EUA e Turquia no

período supramencionado.

Estudar a relação dos Estados Unidos com o Oriente Médio com foco na Turquia é

importante por uma série de fatores e alguns deles serão elencados a seguir. O primeiro é que

o país norte-americano é a atual potência hegemônica, assim compreender como se concretiza

sua presença na região é essencial. O segundo ponto é que o Oriente Médio, além de sua

cultura diversa e seu contexto religioso, provoca debates intensos, conflitos e pouco consenso.

O terceiro ponto é que é impossível pensar em Oriente Médio e não pensar nas suas matrizes

energéticas: petróleo e gás, por exemplo, e a importância dessas commodities para o

desenvolvimento mundial. Importa também, pois, a questão energética na contemporaneidade,

15

talvez seja o maior empecilho ao crescimento econômico mundial. E está justamente no

Oriente Médio o maior reservatório de fontes de energia, gás e petróleo do mundo.

Sendo assim, um estudo com essa relevância pode produzir conhecimentos diversos

relacionados às duas Nações supracitadas e suas respectivas áreas de influência. O estudo da

Turquia adquire relevância devido ao seu passado de Estado que surge das “cinzas” do

Império Otomano e país que não experimentou a colonização, o que o diferencia da maioria

dos membros dos chamados países emergentes. Justifica-se como forma de analisar em que

medida esses fatos passados impactam no seu atual estágio de desenvolvimento. Um país de

população majoritariamente muçulmana, mas que opta por um Estado secular. A Turquia no

estudo será relevante devido ao seu aspecto de fronteira entre dois mundos, que lhe atribuem

características importantes e diferentes, conforme avalia Peixinho (2009).

A Turquia é um país que está despontando no cenário global e conforme será avaliado

no Capítulo IV desta dissertação participa de vários organismos regionais e internacionais. O

país é membro do G20, portanto, qualificado como economia emergente de relevância

internacional. Tem pretensões antigas de entrar para a União Européia e está integrado como

membro associado à Comunidade Européia desde 1963. O país tem algumas peculiaridades

em relação às potências médias, pois nunca foi colônia, conforme mencionado, e tem uma

história de democracia relativamente duradoura. Mesmo os golpes militares que experimentou

não demonstraram similitudes com aqueles acontecidos na América Latina, por exemplo. Os

militares ficaram um tempo relativamente curto no poder, não demonstrando aspirações de

governar o país. É importante ressaltar, no entanto, que a última Constituição do país foi

promulgada pelos militares no ano 1982. Há em relação a essa constituição um clamor geral

por renovação.

No que se refere ao aspecto metodológico o trabalho dissertativo terá o recorte

temporal da Guerra Fria, portanto, será considerado o período de 1947 a 1989. Mas a pesquisa

estará incompleta se não forem analisadas as consequências do fim da Guerra Fria,

principalmente para a Turquia. O ano de 1947 marca o início formal da Guerra Fria tendo

alguns documentos, discursos e formulação de políticas durante o ano que funcionaram como

uma espécie de “declaração de guerra” por parte dos americanos. O discurso do presidente

Truman, anunciando o apoio aos países ameaçados pelo totalitarismo da URSS, o Plano

Marshall, de ajuda financeira para a reconstrução da Europa destruída pela guerra, e o artigo

lançado na “Foreign Affairs”, sob o pseudônimo X, confirmando quem era o inimigo a ser

combatido, são pontos norteadores do argumento principal desse trabalho.

16

Um dos meios para se realizar a pesquisa qualitativa é a análise de documentos, que

serão coletados, selecionados e avaliados pelo pesquisador. Todos esses passos metodológicos

sempre ligados com a teoria na qual o problema de pesquisa está inserido. Para o

desenvolvimento da pesquisa foi relevante a consulta a documentos sobre a Política Externa

(PE) norte-americana e sobre a PE da Turquia. Os materiais produzidos pelos ministérios das

relações exteriores, organizações nacionais e internacionais que estão disponíveis, podem

conter um significativo arcabouço documental. Alguns exemplos desses documentos são os

acordos assinados entre EUA e Turquia no período pós-segunda guerra, tratado entre Turquia

e Israel, o importante Tratado de Lausanne, e o Tratado de Sévres, assinado pelas potências

vencedoras da Primeira Guerra, que podem ser consultados.

A pesquisa bibliográfica foi outro instrumento para o desenvolvimento do trabalho. A

bibliografia sobre a política externa norte-americana e suas atividades nas relações

internacionais é diversificada, por outro lado, no que se refere a Turquia, o acervo

bibliográfico ainda é pequeno no Brasil. Contudo, vale ressaltar que em outras partes do

mundo, como nos EUA a bibliografia é farta. A dificuldade para acesso à bibliografia foi um

problema que ocasionou algumas falhas no desenvolvimento do trabalho. Mas ainda assim a

busca por livros, periódicos, artigos em geral que abordem a relação entre os países acima

mencionados proporcionou as principais fontes para a construção desta dissertação.

Esta pesquisa tem como problemática debater a formação de alianças entre os Estados

Unidos e Turquia no contexto da Guerra Fria e suas conseqüências para a Política

Internacional. E tem como problema: Qual a importância da Turquia como país de contenção,

para os EUA, durante a Guerra Fria? As hipóteses apresentadas a seguir, deverão ser

confirmadas, ou não e debatidas no último capítulo desse trabalho: a posição e localização da

Turquia possibilitam sua ligação aos países do centro, principalmente aos EUA e lhe

proporcionam hegemonia local; nessa condição, a Turquia foi parte do plano norte-americano

de contenção da União Soviética na Guerra Fria; além disso, exerceu também o papel de

contenção político-estratégica dos países do Oriente Médio frente ao chamado “Ocidente”.

Estudar a Turquia e suas relações internacionais possibilitará ainda o aprofundamento

e conhecimento sobre o papel das potências médias no atual cenário. Para tanto, será

necessário avaliar o papel desse país em sua área de abrangência e fazer comparações com

países como o Brasil, Índia e outros. Será uma análise breve, pois não é esse o objeto

principal da pesquisa, mas é algo importante e deve ser debatido. A escolha do tema foi

estratégica do ponto de vista acadêmico, por sua localização, sua cultura, o papel que

desempenha e atual posicionamento desse país em questões internacionais.

17

As variáveis segundo Laville e Dione (1999) podem ser de causa e efeito,

respectivamente independente e dependente. As variáveis independentes podem causar

variações nas outras e ainda podem apresentar mais de um estado ou valor. Assim elas são

importantes para o desenvolvimento da pesquisa e devem ser constantemente observadas pelo

pesquisador. Para a conclusão da dissertação será necessário apontar algumas categorias de

análise que permitam comprovar ou não a utilização da Turquia na política de contenção

estadunidense. Os aspectos que serão avaliados e posteriormente deverão subsidiar a

confirmação ou refutação das hipóteses são:

a) períodos de alinhamento (PE) entre os dois países;

b) formulação de acordos militares;

c) venda de armamentos;

d) uso do território turco com bases militares;

e) utilização dos estreitos Bósforo e Dardanelos (conforme mapa 01);

f) alocação de recursos financeiros.

g) pressão dos EUA para que a Turquia se alinhe ao “Ocidente”.

Em se tratando do desenvolvimento e organização, o trabalho será dividido em cinco

capítulos buscando contemplar os objetivos apresentados e verificar as hipóteses. O primeiro

capítulo é esta introdução, conforme orientação da PUC. O segundo capítulo trata do processo

histórico desde os Otomanos à Turquia Moderna e propicia ao leitor análises do Islã e do

nacionalismo turco. Assim será possível conhecer parcialmente os principais problemas

geopolíticos internos e externos da Turquia que são: a questão do Chipre, os Curdos, a

situação do Povo Armênio e a relação entre Grécia e Turquia. A parte destinada às

explicações do Islã e a questão do nacionalismo são fundamentais para a compreensão do

capítulo IV. O nacionalismo turco propicia até mesmo a compreensão das estratégias

geopolíticas defendidas por Mustafá Kemal Atatürk, com seu olhar fixo no Ocidente, como a

troca de populações ou expulsão dos cristãos que já estavam presentes na Anatólia antes da

chegada dos turcos. Deverá ser analisada a fusão interessante entre nacionalismo e geopolítica

no início da história turca.

No terceiro capítulo denominado Guerra Fria, Relações Internacionais e Geopolítica, a

pesquisa aborda alguns conceitos de geopolítica. É debatido nesta parte o tempo histórico que

interessa diretamente e no qual se insere o trabalho, além de abordar a temática central, ou

seja, a relação entre EUA e Turquia. O capítulo trata também de aspectos importantes que

18

marcaram a relação entre os dois países, as alianças militares e as ajudas financeiras. São

analisados momentos de tensão em que os dois países estiveram envolvidos, como por

exemplo, a Crise dos Mísseis, focaliza aspectos das Políticas Externas da Turquia, dos

Estados Unidos e analisa o período da bipolaridade.

O quarto capítulo analisa a Turquia depois da Guerra Fria. São abordadas, neste

capítulo, a geopolítica atual, a relação com os países do Oriente Médio e o complexo tema da

religião, cultura e modernidade. Para essas três últimas categorias o construtivismo foi

essencial. Para auxiliar na compreensão do capítulo a discussão de Economia Política

Internacional, globalização e os blocos regionais também serão fundamentais. Há neste

capítulo a tentativa de reflexão da importância da religião (visão conservadora) e da

modernidade (visão progressista) dentro da Turquia. Aqui dividida para facilitar a

compreensão, mas que não se percebe assim muito facilmente. No quinto e último capítulo

denominado, “Uma relação marcada por paradoxos, mas também por conquistas”, estão as

considerações finais.

19

2 O PROCESSO HISTÓRICO: DOS OTOMANOS À TURQUIA MODERNA

A política de um Estado está em sua geografia. (Napoleão)

2.1 Breve histórico do Islã e do Oriente Médio

Na região onde atualmente está localizada a Turquia passaram vários impérios até o

nascimento do Império Otomano, mas não é objeto deste trabalho apresentá-los por completo,

importa destacar aqueles mais próximos do povo turco e vinculados ao território da Anatólia.

A presença desses impérios no espaço pode explicar alguns dos conflitos existentes na

contemporaneidade devido à diversidade étnica, religiosa e cultural. Esse fato também ajudará

na compreensão do esforço de construção nacional dos turcos e permitirá avaliar a

importância dos aspectos geopolíticos naquele contexto.

Para este trabalho dissertativo foi adotada a narrativa a partir do Império Hitita, grupo

étnico que habitou a região em meados de 1600 a 1200 a.C.. Um povo indo-europeu que

ocupou a região da Anatólia, que tinha sua vida baseada na agricultura e desenvolveu a escrita

através de desenhos. Os Hititas acreditavam em vários deuses (Água, Vento, Terra), foi um

povo guerreiro que conquistou a Babilônia passando pelo Egito e pela Síria. Em 1200 a. C.

foram dominados/conquistados.

Outro Império que deve ser brevemente apresentado é o Persa (LEWIS, 1996). Foi um

dos mais importantes impérios da antiguidade e se localizava nas regiões da Turquia, Irã e

Iraque. O Império foi iniciado por Ciro – O Grande – em 559 a.C., que 20 anos depois

conquistou a Babilônia. Dominou os gregos em 525 a.C. e posteriormente conquistou o Egito.

O Império Persa foi derrotado e incorporado ao Império Greco-macedônio em 479 a.C. por

Alexandre Magno. O povo persa foi influenciado por seus dominados, assimilando sua cultura

e pôde assim com essa base executar obras importantes de engenharia. Adoravam o Sol, a

Terra e a Lua. Zoroastro organizou a religião, ou Zoroastrismo, cujo deus era Ormuz. O

Império Macedônico surgiu no norte da Grécia em 359 a.C. por Felipe II. Promoveu

integração com o Império Persa e dominou toda a Grécia anos depois. Em 334 a.C. Alexandre

dominou parte da Ásia, a Síria, Palestina e Egito, em 327 a.C. invadiu a Índia. Alexandre

morreu em 323 a.C. e seus generais entraram em guerra. Conforme Lewis (1996) esse período

possibilitou a cultura grega se fundir com a Oriental, origem da cultura helenística.

No início da era cristã o Oriente Médio estava dividido por dois Impérios que muito

contribuíram para a história mundial e da Turquia em especial. O Império Romano que tinha

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sua extensão até o Mediterrâneo, passando pelo Bósforo e chegando ao Rio Nilo. Do outro

lado do OM estava a zona controlada pelo Império Persa (LEWIS, 1996). A influência desses

dois povos se faz presente ainda hoje na região. Por exemplo, o nome Bagdá é persa e

simboliza “dádiva de Deus”. No ano de 395 d.C, após a morte de Teodósio, o Império

Romano se dividiu. Consequentemente foram estabelecidos o Império Romano do Ocidente e

o Império Romano do Oriente. O primeiro teve sua sede mantida em Roma e o segundo

constituiu a sede em Constantinopla.

O Império do Romano do Ocidente sofreu uma série de ataques, foi invadido vários

vezes e consequentemente extinto. O Império Oriental, posteriormente denominado

Bizantino, teve pela frente mais 1000 anos de vida após a cisão. O nome que recebeu vem de

um povoado que vivia nos limites imperiais. Bizâncio era o primitivo nome de

Constantinopla, a capital do Império que depois sob o Império Otomano, recebeu o nome de

Istambul. Tanto os Bizantinos quanto os Católicos tiveram na sua formação a influência

grega. Do século VII em diante, quando surge o Islã, os Bizantinos sofreram várias derrotas,

mas a Ásia Menor continuou cristã e grega (LEWIS, 1996). Esse dado é importante para

análise da relação grego-turca nos séculos XIX e XX.

Para a surpresa de muitos, um dos aspectos relevantes da disputa territorial daquele

período, era o controle das rotas comerciais. O Ocidente se utilizava desses caminhos para

negociar com a Índia, por exemplo, ora os bizantinos dominavam as rotas, ora os persas

estavam no controle. Contudo, um dado desperta a atenção, que não se encontram registros de

que turcos e árabes tenham contribuído para o desenvolvimento das civilizações antigas do

local, afirma Lewis (1996). Ainda analisando a questão territorial, naquele tempo histórico, os

bizantinos desejavam retirar a Armênia e a Mesopotâmia do controle persa. Argumentavam os

Bizantinos, que essas regiões eram habitadas por povos cristãos, portanto, deviam lealdade

àqueles que professavam a mesma fé.

Segundo Lewis (1996), os turcos iniciaram seu processo de conversão ao islamismo

em meados do século X. No século seguinte chegam à Anatólia com os turcos seljúcidas.

Com sua chegada esse povo conquistou vários territórios e por breve período de tempo o

Oriente Médio foi unificado. Após 1092 o Império desmoronou por uma série de conflitos

internos. A situação ficou ainda mais complexa com as batalhas travadas contra os cristãos

através das cruzadas. Naquele momento histórico os Cruzados invadiram o crescente fértil e

chegaram até a Síria. Portanto, as disputas para os seljúcidas se davam em três frentes

distintas. Por um lado, o ocidental, contra os cristãos, uma segunda frente de batalha contra os

infiéis, ou seja, era uma questão interna e por fim contra outros povos que ameaçavam entrar

21

na Anatólia pelo oriente.

A força de vontade, a fé arraigada e a coragem fizeram com que os turcos lograssem

êxito em sua campanha, inclusive expulsando os cruzados. Desde a chegada à Anatólia e a

conversão ao Islã, os turcos se dedicaram a defesa e a expansão da religião. Nesse período o

sunismo era predominante, como sempre foi, e a restauração do islamismo era a principal

bandeira. Esse processo seria alcançado caso algumas metas fossem cumpridas: “derrubar os

regimes xiitas e restabelecer o califado; reformular e disseminar a resposta sunita ao desafio

das ideias xiitas; e a mais difícil missão seria integrar a instituição religiosa na vida política do

islã.” (LEWIS, 1996, p. 94 e 95).

O início do século XIII foi marcado pelo surgimento de uma nova força imperial vinda

da Ásia Central. Em 1205, sob o comando de Gêngis Khan, os mongóis iniciam sua

caminhada de conquistas e avançam em direção à Anatólia. Em 1240, os mongóis chegam ao

Irã, Geórgia, Armênia e parte da Mesopotâmia. Por fim, em 1258 caiu o último Califa diante

do poderoso Império. Os mongóis não se fizeram totalmente presentes nas áreas conquistadas.

Com certo nível de tolerância por parte dos dominadores, o Islã foi sendo reconstruído no

Oriente Médio, dessa vez sob influência do Sufismo. Após a dominação mongol três forças se

constituíram no local e conviveram por algum tempo. O primeiro grupo era pagão e mongol,

se converteu posteriormente ao Islã, estava localizado no Irã. O segundo, turco e muçulmano,

permaneceu por algum tempo sob o domínio dos mongóis, sendo influenciado inclusive na

sua cultura. O terceiro grupo tinha também uma forte presença de turcos, mas era formado

basicamente por outras etnias.

No início do séc. XIV o Estado seljúcida foi completamente extinto. Outros povos

turcos, ainda fugindo dos mongóis localizados na Ásia, começaram a chegar na Anatólia.

“Entre os principados que participaram das novas conquistas, um deles se transformou em um

vasto e poderoso império.” (LEWIS, 1996, p. 105). Osmã iniciou seu processo de conquistas

em 1325. Em 1356, já estava dominando terras européias. Entre os anos de 1371 e 1389 os

Otomanos estavam com a península balcânica dominada. Na década de 50 do século XIV, as

Cidades-Estado Gênova e Veneza, estavam em guerra. Os genoveses enfraquecidos pedem

apoio militar aos Otomanos e oferecem em troca uma alta quantia em dinheiro. Em 1352

realizam o Tratado Comercial Otomano-Genovês.

Até meados de 1451 foram diversas lutas na Europa, contra os cristãos ou na Anatólia

defendendo internamente a religião. Nesse ano o Sultanato foi assumido por Mehmed II que

encontrou um reino ainda dividido e em constante conflito. Mas esse Sultão protagonizou

uma das mais importantes conquistas da história internacional. Em 29 de Maio de 1453 os

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turcos tomam Constantinopla. Assim, a cidade imperial cristã se transforma no centro do

Poder muçulmano, posteriormente recebeu o nome de Istambul. Esse episódio é celebrado

pelos islâmicos como a grande vitória sobre os infiéis – a Fetih por excelência.

(FERNANDES, 2008).

Segundo Lewis (1996), a região do OM foi influenciada por povos ocidentais e

orientais, mas principalmente a partir do século XIII a influência oriental no Oriente Médio

foi mais intensa com os Mongóis, por exemplo. A construção histórica do Oriente Médio se

deu numa sequência de eventos militares (guerras) e políticos, desse fato decorre

provavelmente as diversas crises na atualidade. Os costumes, como tomar um café, os móveis,

até os uniformes militares foram sendo adaptados ao modelo ocidental. Talvez o símbolo

maior dessa modernização seja de fato a Turquia, mas outros países também se modificaram,

claro que não na mesma intensidade. O autor afirma ainda que no caso turco a figura de

Kemal Ataturk foi emblemática, pois, o militar/presidente e seus parceiros sabiam onde

queriam chegar. Por isso, o Pai dos Turcos é chamado por Bernard Lewis de o “mestre do

simbolismo social.”

A mudança foi tamanha que em locais da Turquia é possível presenciar um belo

espetáculo de ópera ou ouvir belas orquestras. A ressalva, ainda triste, é que na maioria dos

países árabes, nos quais é possível se encontrar a cultura do cafezinho, não é se pode avistar

mulheres (nos Cafés), a menos que sejam estrangeiras. Outro ponto importante para a

modernização na Turquia, que pode estar vinculado à força do Império, foi sua vanguarda em

relação à imprensa e à figura do jornalista. O país de Mustafá Kemal saiu na frente de muitos

outros do mundo muçulmano em se tratando de modernidade e cultura.

2.2 Império Otomano

Um dos grandes Impérios que passou pelo Oriente Médio antes dos Otomanos foi o

Império Abássida ou o Califado Abássida, povo descendente de al-Abbas -, iraniano. O

Califado surgiu em meados do ano 749 d.C. a partir da luta de um dos sobrinhos de al-Abbas

contra a opressão e escravidão vivida pelo seu povo sob o Império dos Omíadas. A conquista

do poder por esse povo foi avaliada pelos historiadores como uma revolução no OM.

(LEWIS, 1996). A vitória foi marcada pelo fato de conseguirem se sobrepor a um antigo

reinado e instaurarem um califado iraniano ou nas palavras de Lewis (1996) um Islã

Persianizado. Ressalta-se, no entanto, que a luta foi especificamente contra o sistema opressor

e não contra os árabes. Os Abássidas controlaram a maior parte das terras do Islã por cinco

23

séculos. Conquistaram parte da África e Europa inclusive.

Segundo Hourani (1994) o Império Abássida começou a se desintegrar alguns séculos

antes do surgimento do Império Otomano. Para o autor as dinastias tombam sempre vítimas

de sua própria fraqueza, no caso do Islã, os governantes perdem a referência da Sharia e se

esqueceram dos acordos realizados com seu povo. Utilizavam-se do povo para conquistar e

depois de certo grau de estabilização, abandonaram seus governados. O povo Abássida

buscava nas montanhas homens saudáveis para recompor o seu exército. Esses soldados à

medida que conquistavam outros povos, se voltavam contra o soberano, ou seja, dentro do

exército surgiam novos líderes e isso enfraquecia o Império. A desintegração desse reino se

deu por completo entre os séculos X e XI, tendo como consequência os deslocamentos, as

influências étnicas e fatores religiosos.

O Império Otomano teve sua ideologia sempre voltada para os princípios do

islamismo, ou seja, a religião era o fator que se sobrepunha a qualquer outro aspecto, político

inclusive. A origem do Império é do final do século XIII e início do XIV, sendo que sua

expansão se deu em grande parte sobre o decadente Império Bizantino. Fernandes (2005a)

afirma que os Seldjúcidas, povo de origem turca, conquistaram o Planalto Central da Ásia

Menor e deram ao local o nome de Rum, ou Terras Romanas influenciados pelo Império

Romano e também significava dizer que a partir daquele momento os turcos sucederiam os

romanos na autoridade sobre Constantinopla. Depois o termo Terras Romanas foi traduzido

para Anatólia que significa – Leste.

A chegada dos turcos na Anatólia foi meados do ano 1071. “Os turcos que invadiram a

Anatólia oriental no século XI eram ainda nômades do deserto.” (Anderson, 1985, p. 361).

Eram provenientes dos planaltos áridos e frios da Ásia Central. Após a conquista das terras,

os turcos optaram por adotar o nome de Turquia como forma de contemplarem sua origem. O

Grande Império Seldjúcida foi formado nas localidades da Pérsia e da Mesopotâmia, tendo

Bagdá como capital. Contudo, foi local de diversos conflitos, entre ramos do povo seldjúcida

e invasores mongóis no século XIII. “A região converteu-se num mosaico de pequenos

emirados e grupos de pastores nômades.” (Anderson, 1985, p. 363). Esse argumento é

fundamental para compreensão da história turca e seus conflitos nacionais e geopolíticos.

O Império Otomano foi uma dinastia muçulmana, fundada por Osman. Utilizou-se de

várias formas de expansão, relações diplomáticas, conquistas e novas forças humanas. Era

uma potência no Mediterrâneo e no Mar Vermelho. Foi uma das principais estruturas políticas

que o mundo conheceu desde o fim do Império Romano. Dominou a maioria dos povos das

regiões do Oriente Médio, parte da África e Europa por mais de 400 anos outros por até 600

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anos. O soberano e sua família eram conhecidos como a Casa de Osman, a sucessão se dava a

princípio por hereditariedade, depois passou a ser realizada pelo membro mais velho da

família.

Em 1302, segundo Anderson (1985), o sultanato de Osmã se transformou na potência

dominante em todo o mundo islâmico. Desde o início, o Império se empenhou em uma guerra

santa contra os infiéis, principalmente os cristãos/católicos. Na fronteira ocidental do império

estava o mundo cristão, esse fato fez vigorar o fervor militar e religioso do Império Otomano.

O avanço dos Otomanos foi rapidamente direcionado para a Europa Oriental – os Bálcãs. Sua

capital em determinado momento chegou a ser transferida para o outro lado do Estreito de

Bósforo. Os turcos viam-se como muçulmanos governando a terra do Islã, assim

estabeleceram o Estado, também conhecido como a “Sublime Porta”. Seu poder se expandiu

rapidamente, destruíram totalmente o Império Bizantino e em 1453 Maomé II tomou

Constantinopla. A tomada de Constantinopla é considerada por Libero (1998) tão importante

quanto a descoberta da América em 1492.

Para Hourani (1994) a primeira fase expansionista do Império foi marcada por uma

forte organização governamental. Os oficiais da cavalaria Sipahis além da função militar

podiam coletar impostos e não precisavam repassar para o Estado aquilo que arrecadavam. No

século XVI foi estabelecida uma burocracia complexa a Kalemiye que estava dividida entre os

secretários, responsáveis pela documentação e outros responsáveis pelo setor financeiro do

Império. Todo material produzido foi cuidadosamente guardado nos arquivos imperiais.

Havia ainda os Divan que eram altos funcionários do exército e do governo.

O funcionamento do Império se deu através da instalação de vários governos locais,

pode-se dizer descentralizados, e esses foram transformados em províncias chamadas de

eyalet. Eram como uma espécie do governo central em uma dimensão bem menor. Uma das

principais funções do governo era coletar impostos:

a) no campo sobre as atividades agrícolas e pecuárias;

b) no meio urbano, inclusive cobrando pedágios; e

c) impostos pessoais que recaiam sobre os judeus e cristãos. A sociedade muçulmana à

época do Império estava dividida entre os dominantes e os dominados. Os primeiros eram

soldados, altos funcionários, membros de corpos armados, os segundos – súditos.

Na tradição islâmica o soberano era o Paxá ou Sultão, também chamado de Califa.

Naquele período o soberano devia se preocupar com a defesa das fronteiras, pois a Leste

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havia a preocupação com os safávidas do Irã de tradição Xiita, o que agravava a situação. A

Oeste, a Europa Cristã que apesar da queda de Constantinopla ainda representava ameaça ao

Império Otomano. O Califa também seria o responsável por guardar os locais sagrados –

Meca e Medina no Hedjaz e Jerusalém na Palestina. Contudo, o dever mais importante para o

Sultão era manter o respeito à Sharia e seus mandamentos. Os soberanos criaram muitas leis e

regulamentos para manter o controle. O soberano que conquistou Constantinopla, Mehmet II,

criou um complexo escolar significativo, Suleiman “o Magnífico” criou outro complexo

semelhante nos séculos XV e XVI, esses locais foram organizados para formar membros da

elite geralmente composta por burocratas e soldados.

O Império atingiu dimensões gigantescas. Tinha possessões na África, Ásia e Europa.

Com o tempo e diante da extensão territorial enorme foram sendo criadas novas formas de

governar dentro das terras Otomanas e o poder foi descentralizado. Conforme mencionado

acima o Irã e a Europa causavam maior preocupação ao Império. O Egito também não foi

dominado e ficou longe do poderio Otomano. Sob o poder da Sublime Porta, judeus e

armênios tiveram sua importância relativamente aumentada, pois, desenvolveram forte

tendência comercial e bancária no caso do povo judeu e importante comércio da seda no caso

dos cristãos armênios. (HOURANI, 1994)

A política externa Otomana foi marcada pelo caráter ofensivo e expansionista e seu

objetivo principal era conter o crescimento dos Habsburgos. “As principais realizações da

diplomacia otomana dessa época eram as chamadas capitulações.” (ERMIDA;

FERNANDES, p. 5, 2012). Essa política foi marcada por acordos realizados com as grandes

potências européias: França, Inglaterra e Holanda. Seu inicio se deu em meados do século

XVI e terminou apenas no século XX com o fim do Império Otomano. Através dessas

alianças os Otomanos entraram para o concerto europeu, ou seja, passaram a fazer parte das

grandes potências.

Há indícios de que a política de alianças promovida entre as potências da época tinha

como objeto a contenção do crescimento austríaco para o Oriente Médio, uma espécie de

prefiguração da Guerra Fria. Contudo, como não havia ainda uma regulação consistente as

alianças eram frágeis e facilmente quebradas. Na vigência dos séculos XV e XVI o exército

Otomano era mais organizado e equipado que os europeus. Assim pode-se concluir com a

afirmação de Kennedy (1989), de que no século XVI numa perspectiva histórica e geográfica,

a Sublime Porta foi a maior ameaça à cristandade. Já o século XVII marca o início da

derrocada Otomana, com isso seus principais inimigos – Áustria e Rússia –, iniciaram nesse

período a conquista das terras que pertenciam ao Império.

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No fim do século XVIII a amizade com a França foi rompida, pois, os franceses

invadiram o Egito e esse fato não foi aceito pelo Sultão Otomano. Antes desse episódio o país

de Napoleão era o maior aliado dos turcos, inclusive com apoio e treinamento militar. Nos

anos de 1800 o Império Turco servia como barreira ao crescimento do Império Russo e

impedia sua chegada ao Mediterrâneo. (ERMIDA; FERNANDES, 2012). Esse fato

fundamenta o artigo desenvolvido por Mackinder em 1904 quando o autor declara que a

Rússia era o verdadeiro inimigo a ser combatido pela Coroa Britânica. Pode inferir-se que

desde os séculos, XVIII e XIX, a política de contenção já era utilizada e no mesmo território

onde hoje está localizada a Turquia. Primeiro restringindo o crescimento do Império Austro-

Húngaro e posteriormente contendo o crescimento da Rússia.

O Império Otomano mantinha uma tradição de não enviar embaixadores para outros

países, talvez para preservar a religião da influência cristã, ou devido ao fato de o Império não

pertencer até meados do século XIX ao sistema de países da Europa. Somente depois de

estabelecer um Ministério próprio para cuidar dos assuntos internacionais e sentir a

necessidade de valorizar o império diante dos países europeus, foi que os diplomatas foram

enviados a outros países. (ERMIDA; FERNANDES, 2012). À crise do Império Otomano

estão associadas outras situações estratégicas do final do século XIX e início do XX. A

Europa se via em situação complicada, pois, com o fim da Sublime Porta teria facilmente uma

expansão em suas conquistas territoriais. Por outro lado criaria sérios problemas com os

países que ficariam independentes na região e as conseqüências desse fato poderiam ser

desastrosas.

Os dois últimos séculos do Império Otomano foram marcados por reformas rumo ao

secularismo e à aproximação com a Europa. As reformas mais importantes, segundo

Fernandes (2005a), datadas do século XIX, foram as Reformas Tanzimat, que visavam o

estabelecimento da ordem. No ano de 1876 foi adotada uma nova constituição, formou-se um

aparelho civil/administrativo secular que obteve o apoio de grupos tradicionais. Essa nova

organização tinha por objetivo substituir a elite militar, os Yenitcherni, que era responsável

pelo recrutamento de crianças; por uma elite religiosa os Ulemás, que era composta por

doutores da lei corânica, os Mufti interpretes da Sharia e os Notáveis provinciais.

2.3 Fundamentos do Islã

O início do séc. VII estava marcado pela dominação dos Impérios Bizantino e

Sassânida. Maomé inicia sua missão e convida homens e mulheres à conversão. Aquele

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homem casado com uma comerciante começa a anunciar e a falar de Alá (Deus) para o seu

povo. Um pequeno grupo de seguidores foi reunido em torno do pregador e isso foi fazendo

sua situação local mais difícil. Os moradores do local não concordavam com fato de que ele

utilizasse o nome de Deus e se auto-intitulasse Profeta, Maomé era visto como um

blasfemador. “Por fim, sua posição tornou-se tão difícil que em 622 ele deixou Meca e foi

para um oásis trezentos quilômetros ao norte.” (HOURANI, 1994, p. 34). Esse lugar ficou

conhecido mais tarde como Medina e o movimento realizado pelo Profeta foi denominado

Hégira ou retirada.

Em Medina Maomé se tornou influente e adquiriu certo grau de poder. Entrou em luta

com outros povos, segundo Hourani (1994), pelo controle das rotas comerciais. A batalha fez

surgir um espírito de comunidade entre os seus seguidores e passaram a acreditar que daquela

forma defendiam algo nobre. Nesse contexto de luta e de acentuado nível de proselitismo o

Islã ganha seus contornos finais. As orações que antes eram direcionadas para Jerusalém são a

partir desse momento voltadas para Meca. O Profeta se vê como descendente espiritual de

Abraão, o Grande Patriarca das três religiões: cristianismo, judaísmo e islamismo. Em 629,

após retomar o contato com os habitantes de Meca, Maomé promove uma peregrinação para a

cidade. Em 630, praticamente sem nenhuma resistência o local sagrado foi reconquistado. A

força do Islã, com esse episódio, aumentou consideravelmente e o governo é estabelecido,

para controlar a situação, o Profeta se utilizava de delegados. Esses representantes

dominavam e controlavam povos na região e lutavam para que o Deus único fosse

reconhecido. Em 632 morreu o fundador do islamismo e deixou para seus seguidores uma

herança importante e muito significativa que foi o livro sagrado: Corão.

No caso do islã a religião funciona em substituição às ideologias políticas, ou paralela

a elas. A própria fuga do Profeta em 622 de Meca para Medina é usada por alguns seguidores

do Islã como uma retirada política. Assim no Islamismo religião e política se juntam e fazem

o povo unido, apesar de algumas ressalvas e discordâncias. O Profeta fez em sua vida o

pedido de que todos os muçulmanos permanecessem unidos em torno da fé. Desta forma,

antigos vínculos sociais como a família experimentavam uma fé comum através da UMMA

(comunidade dos crentes). O Islã em alguns períodos históricos era visto como a

materialização da tolerância e da razão. Pregava modo de vida e o equilíbrio entre a ação

religiosa e as práticas da vida cotidiana.

A vinculação entre islamismo e ciência ocorreu de forma mais completa em território

iraquiano nos tempos do Império Abácida. Para Hourani (1994), a base dos trabalhos era o

Corão, Deus que se manifesta. A segunda questão era saber como as comunidades se

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organizariam sem a presença do Profeta. A busca pelo conhecimento dos aspectos religiosos

começou muito cedo no mundo islâmico e isso foi fundamental para a formação de diversas

escolas e pensadores. Um dos primeiros questionamentos que apareceu no Islã foi em relação

à autoridade. Quem pode ser considerado líder? E, qual o tipo de autoridade? Como escolher

o Califa? Quem deveria suceder o Profeta? As duas mais importantes escolas do Islã são o

Sunismo e o Xiismo, sendo que o Sunismo – é a principal escola. Os sunitas acreditam que os

três primeiros sucessores de Maomé, os califas, que não tinham parentesco com o Profeta,

foram escolhidos na comunidade graças a suas qualidades de liderança. Portanto, merecedores

do respeito de todos os islâmicos. Já o Xiismo – segunda maior escola do Islã – considera que

os parentes de Maomé são os sucessores naturais do Profeta, não reconhecem, portanto, os

três califas sunitas.

Para os sunitas todos os muçulmanos deveriam viver em paz, todos os Califas

deveriam ser aceitos desde que não desrespeitassem o Livro Sagrado. Os sunitas não vêem o

Califa como um profeta e não é um interprete infalível da fé, ele é um chefe que deve manter

a paz e a justiça na comunidade. Há uma significativa diferença entre a fé islâmica e a cristã.

Para o Cristão a relação com Deus se expressa em Jesus, para os muçulmanos a relação com

Deus (Alá) se dá através do Livro, “portanto, o problema do status do Livro é fundamental”

(HOURANI, 1994, p. 79). E como não podia deixar de ser é motivo de controvérsias entre os

estudiosos da religião. O século I do islamismo corresponde ao século VII da era Cristã.

É significante para o povo muçulmano o debate entre ter ou não o livre arbítrio, pois

lei e religião estão ligadas pela Sharia. No séc. II do Islã surgem os Mu’tazilis – aqueles que

se mantêm à parte. Para esses pensadores Deus é uno e não tem atributos humanos. O Corão

não poderia ter sido ditado por Ele, outra polêmica. Deus é justo e o homem é livre em suas

atitudes, mas será julgado por suas obras. Outra vertente, liderada por Ahmad ibn Hanbal,

defende que a única posição a ser tomada é aquela presente no Corão e nas Suna do Profeta.

Deus é todo-poderoso, sua justiça não é como a humana e seus atributos são divinos. O Corão

é a fala d’Ele, assim está escrito e os homens devem praticar bons atos além da fé.

A Sharia segundo Nasser (2005), é o conjunto de normas e prescrições que orientam o

muçulmano e a comunidade em relação ao caminho a ser seguido. Ela prescreve a relação

entre Deus e os crentes e normatiza as relações sociais. O Corão diz aos homens o que deseja

que eles façam, como agradar a Deus e como será o julgamento no último dia. Segundo o

autor essas prescrições são conhecidas como os pilares da fé: Shashada - Só há um Deus e

Maomé é o seu Profeta; Salat - as Preces Rituais cinco vezes ao dia e com posturas adequadas

do corpo; Zakat - doação de certa quantia dos ganhos para obras de caridade; Sawn - severo

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jejum da manhã à noite, durante um mês no Ramadan; o Hadj ou peregrinação à Meca, pelo

menos uma vez na vida; e a Jihad – seguir o caminho de Deus e combater pela expansão das

fronteiras do Islã. Os “ulemás” eram os responsáveis por interpretar e administrar a Sharia,

seu lugar social era de fundamental importância.

A tradição em torno do Profeta tinha um caráter consuetudinário (HOURANI, 1994).

Havia a tendência de interpretar o Suna em sentidos diferentes. O Profeta criou um Suna

(padrão de conduta) e a comunidade aos poucos foi criando a sua própria condição de

organização da vida. Os estudiosos firmaram um “acordo” de que o Suna jamais poderia

contradizer o Corão. Havia sempre o cuidado de retomar as falas de Maomé, às vezes até

registrado em livros. Pertencer a uma comunidade de fiéis expressava-se na ideia de que era

dever dos muçulmanos cuidarem das consciências uns dos outros, a vivencia em comunidade

sempre foi respeitada. (HOURANI, 1994).

Também se desenvolveu no islamismo uma tendência ao misticismo. Segundo

Hourani (1994) essa forma era similar ao Sufismo, que quer dizer a transcendência de Deus e

a dependência de todas as criaturas. “O Corão contém poderosas imagens da proximidade de

Deus com o homem e da maneira como o homem pode responder”. (HOURANI, 1994, p. 87).

Esse fato interliga dois processos: por um lado as preces, a pureza da intenção, renúncia ao

egoísmo e por outro a meditação sobre o sentido do Corão. Nos primeiros místicos a relação

distância e proximidade se expressa em linguagens de amor. Os sufistas se consideravam os

amigos de Deus, pois, sentiam-se mais próximos do Criador. Esse movimento de união afeta

tanto a mente quanto a alma do ser.

Nos primeiros místicos a experiência transcendental de Deus foi muito forte

adquirindo a ideia de doçura e proximidade. No séc. III islâmico o caminho para o

conhecimento de Deus foi traçado de forma sistemática: amor a Deus; proximidade com o

Amado; coração humano cheio da presença do Amado. Mesmo os homens da Sharia tinham

uma convicção da presença de Deus na vida humana – Deus modela a vida humana. O

movimento sufista sofreu também influência dos gregos: ciência e filosofia. Influências da

Índia, do Iraque, do Irã e do judaísmo. Com isso o islamismo foi se difundindo entre os povos

espalhados pelo globo, sua ideologia de respeito e de vida em comunidade era vista com bons

olhos por aqueles que a conheciam.

Nos séc. X e XI d.C. o debate se amplia e estava direcionado para a relação entre o

seguimento do mesmo mestre e o caminho a ser escolhido. O Islã apontava nesse período dois

caminhos possíveis. A primeira opção estava ligada à Sharia, ou seja, a obediência a Deus e

aos mandamentos prescritos no Corão. A opção seguinte era o contato direto com o Pai que se

30

daria através da Tariqa. Nesse modelo havia uma forma de se libertar das distrações do

mundo, através da dhikr – uma repetição do nome de Alá até o transe e a perda da consciência

em alguns casos. A ideia da proximidade com Deus levou à possibilidade da santidade.

Sempre haveria santos no mundo.

Os santos podiam realizar curas, milagres e sua santificação se concretizava no pós-

morte. Alguns estudiosos da época se preocuparam com a intercessão entre Deus e os

homens. Assim as festividades aconteciam para comemorar a data de nascimento de santos,

algumas em âmbito local, outras com maior participação, ocorriam inclusive visitas aos

túmulos. O Profeta era visto como santo e sua intercessão seria aguardada para o juízo final.

O aniversário do Profeta era ocasião de festa. Em meados dos séculos XIII e XIV isto já

estava difundido em todo mundo islâmico. Essa prática é muito semelhante ao que os

católicos praticam na atualidade. (HOURANI, 1994)

Esse breve relato do Islã teve o objetivo de apresentar a tradição que acompanha o

povo muçulmano desde a fundação da religião. O conhecimento desses fatos permite

posteriormente a análise do caso da Turquia. O mundo islâmico observa com desconfiança a

questão da modernidade, mesmo na Turquia pós - Atatürk. O corpo é valorizado no Islã, pois,

faz a mediação com os sacramentos religiosos, portanto é sagrado para a religião. Quanto à

igualdade de gênero, vêem como assalto ao ambiente privado e às relações sociais. A

hierarquia entre homens e mulheres é clara. O véu serve também para atestar a supremacia de

Deus (Alá) e somente a Ele está ligada toda a verdade. Assim, segundo Fernandes (2005a), é

que o Islã observado como estilo de vida, ultrapassa as ideologias e cria uma “comunidade

política imaginada”.

2.3.1 Islã e a Política

Uma das mais importantes teorias da Escola Inglesa é a conhecida “Teoria do

Complexo de Segurança Regional” - RSCT, conforme Buzan e Waever (2003). Para essa

teoria importa analisar o contexto político e o militar, nos níveis internos e regionais. A teoria

possibilita a compreensão dessa estrutura, permite avaliar a relativa balança de poder e as

tendências entre globalização e regionalização. A RSCT auxilia na compreensão dos

fenômenos que ocorreram na história do Oriente Médio e na contemporaneidade, para avaliar

assim como esses fatos se desenvolveram. A teoria busca analisar os aspectos regionais,

globais e locais, como a religião, conflitos étnicos, o que possibilita um diálogo com o

construtivismo. No que se refere ao Oriente Médio é certo afirmar que a estabilidade religiosa

31

pode significar fator de segurança regional. Qualquer sinal de conflito religioso, ou mesmo

étnico, em um determinado país afetará toda a região.

Há uma forte divergência no mundo muçulmano: a dicotomia religião e política. Para

uma parte dos islâmicos, o Islã é a política (MEZARI, 2005). O Islã fornece regras de vida e

orientação espiritual, tanto no mundo material, quanto no que tange aos interesses. Ao ligar o

Islã e a Política, simultaneamente religião e Estado, o homem teria sua vida organizada:

relação homem/Deus e homem/homem seriam reguladas. Questões como aborto, herança,

juros e escolha de líderes seria organizadas pela Sharia. Outro grupo defende a separação

entre o Islã e a política. Na lógica da modernidade, o Estado deve ser laico, ou seja, sem

interferência de forças religiosas.

A RSCT auxilia na compreensão dos níveis externos, o que se demonstra brevemente

a seguir. Alguns desafios se fazem presentes: no âmbito externo a questão é a implantação da

democracia no mundo árabe, objetivo patrocinado por EUA e Europa. Também tem peso

importante a situação das populações islâmicas fora do mundo muçulmano, como por

exemplo, na Europa. Nesse ponto o debate passa pela liberdade de expressão religiosa e

cultural nesses países. No aspecto interno o desafio é conciliar o lugar da política e da

religião.

O Islã Político surge oficialmente nos anos 1920, com Hassan Al Bana. Também nessa

década a experiência da Turquia provocou uma situação interessante no Oriente Médio e no

mundo islâmico. O país nasceu das “cinzas” do Império Otomano, que até então era tido

como o Guardião do Islã. Durante sua “guerra de independência” Atatürk utilizou-se do

discurso da religião como fator preponderante para vencer a luta e alcançar a liberdade frente

às potências européias. Contudo, conquistado esse objetivo, o país foi declarado laico, a

religião não foi mantida como oficial pelo Estado, apesar de sua população majoritariamente

muçulmana.

É importante ressaltar que o conflito Israel-Palestina teve seu início no final do século

XIX quando os Israelenses manifestaram pela primeira vez o desejo de criar um Estado judeu.

Nos anos 1920 o território chegou a ser dividido utilizando o Rio Jordão como fronteira. Em

1935 foi criado na palestina um movimento paramilitar de nome Fellahin (camponeses

palestinos). De 1936 a 1939 uma grande revolta árabe se estende dos centros urbanos aos

meios rurais, esses fenômenos podem ser considerados como parte do movimento de luta

muçulmana. Parte significativa dos movimentos políticos do Islã se dedica à luta pela

libertação dos árabes em relação à Israel. Esses foram fatos que não tiveram muito alcance, o

que significa afirmar que por um determinado período o Islã esteve paralisado.

32

(MASSOULIÉ, 1996)

A década de 1960 marca o retorno aos debates do islamismo político, enfraquecido

nesse espaço de 40(quarenta) anos. Contudo, nessa etapa a radicalização do discurso foi o

ponto culminante. A ideia seria resgatar o salafismo, movimento forte na Arábia Saudita, que

quer dizer “origens”. Esse grupo entendia que a modernidade era semelhante a

ocidentalização, diferente dos pensamentos de Al Bana em 1920 que pensava e debatia a

modernização, sentimento partilhado por parte do povo turco. Assim nos anos 60 o debate

modernidade x tradição ganha força e chega por vezes ao conflito armado. Os teóricos do

pensamento político desse período são: Mawudi no Paquistão; Qotb no Egito e Khomeini no

Irã, afirma Messari (2005).

Um dos líderes do movimento de 1960, Qotb, era contrário à modernização.

Acreditava que os muçulmanos deveriam ser reislamizados, pois, não seguiam os preceitos do

Corão. Um avanço no período foi que Qotb levou o debate para as camadas pobres, até então

alijadas do processo, pensava que as massas deveriam conduzir as discussões, isso seria a

islamização por baixo. O pensador e ativista foi morto em 1966, pelo regime do Presidente

egípcio Nasser. Também um pensador importante na época foi Al Mawdudi que acreditava na

necessidade de criação do Estado muçulmano, e essa seria a única solução possível para a

união do povo árabe. Esse argumento foi a base do pensamento da islamização por cima,

criando o Estado e a legitimação necessária para conduzí-lo.

Outro aspecto importante dentro do Islamismo é o debate em torno das fontes e da

interpretação das leis. Quais fontes são legítimas? Quem pode interpretá-las? Que o Corão é

uma fonte importante é consenso, mas a Hadith, que são os discursos do profeta, gera

polêmica. No Islã não existe um poder clerical como o da Igreja Católica, não deve existir

intermediários entre Deus e o homem. Os xiitas construíram um corpo clerical com hierarquia

e graus de autoridade, mesmo assim por paradoxal que seja, os xiitas seguem mais a risca o

Corão. Os Sunitas dão legitimidade terrestre aos líderes à medida que o mesmo segue os

preceitos da Sharia. Os xiitas dão legitimidade à Deus.

Esse é o debate no Irã: é legitimo o modelo político-religioso? A estratégia do governo

é dar legitimidade às ações políticas conquistando a confiança da população. Os xiitas em

geral estão divididos em várias seitas, seguindo seus líderes. Para os xiitas os mandatários

políticos mundanos são desqualificados. Por outro lado, o sunismo está dividido em quatro

escolas com leituras distintas do texto sagrado, os autores não são clérigos, são estudantes,

sábios. A escola Hanafi – presente na Turquia e Índia; a escola Hanbali, é a mais rigorosa,

presente na Arábia Saudita; a Maliki que é encontrada no Norte da África e por fim a Shafi’i

33

que geralmente está presente no sudeste asiático. O aspecto religioso gera uma discussão

profunda no mundo islâmico quando se fala de homogeneidade/heterogeneidade na região do

Oriente Médio. (MESSARI, 2005).

O ano de 1973 ficou marcado na luta do Islã Político com dois acontecimentos

históricos relevantes: a guerra do Yom Kippur e a crise do petróleo. A guerra foi o momento

em que líderes árabes, do Egito e Síria, conseguem mostrar ao povo muçulmano que Israel

não era imbatível. Contudo, a Guerra não atingiu os objetivos esperados. Através da luta os

árabes conseguem resgatar parte da confiança do mundo islâmico em uma possível mudança

até mesmo em relação à Palestina (ZAHREDDINE; LASMAR; TEIXEIRA, 2012). E a crise

do petróleo mostra ao mundo que o Oriente Médio tem força econômica e política para

combater o Ocidente e reivindicar melhores condições de preço para seus bens naturais.

No ano de 1979 foi proclamada a República Islâmica do Irã após uma revolução,

tendo à frente Aiatolá Khomeini – como Líder Supremo, ou seja, em suas mãos estavam o

comando religioso e do Estado. A revolução apenas obteve êxito em virtude da coalizão:

lideranças religiosas, movimentos de esquerda e de intelectuais. No primeiro momento,

depois da revolução houve consenso/convivência entre esses grupos, mas, o Clero aos poucos

assumia o controle, com mãos de ferro. Com o passar do tempo os antigos parceiros do Líder

Religioso começaram a ser eliminados, foi um período extremamente violento. Após 01 ano e

meio de gestão o Irã já era uma República Islâmica. Khomeini, o líder, pregava que a

liderança política e religiosa deveria ser investida em apenas uma pessoa. Internamente essa

estrutura foi e ainda é criticada. O fato curioso é que o Irã, nação Persa e Xiita consegue

realizar o grande sonho de uma nação Islâmica, mas, não árabe.

Em termos de afronta à soberania, a ameaça para o Irã e ao movimento islâmico

naquele país é representado pelos EUA, considerado o “Grande Satã” por significante parte

do mundo muçulmano. No nível interno do Irã, os estadunidenses podem influenciar os

reformistas (oposição) iranianos e dar início a uma revolta interna contra o sistema. Porém,

por outro lado, o Governo pode usar a influência americana para colocar a população contra

os reformistas, acusando-os de vassalos dos americanos e traidores, esse fato pode fazer a

situação dos reformistas bastante adversa. Paralelamente a isso, a ideia de nação islâmica

pregada por Nasser no Egito, pelos iraquianos e pela Síria, fracassou e causou frustração. Era

uma propaganda que atingia as massas e que levava o povo a acreditar nesse ideal e combater

a ocidentalização. A presença de Israel e as sucessivas derrotas, impostas ao Islã, deixaram os

árabes ainda mais humilhados. O sionismo era visto como parte do projeto imperialista

americano, para os árabes a força de Israel estava na ajuda das potências externas. Isso

34

provocou o sentimento de rebeldia, radicalismo e o discurso com um único foco, o combate

religioso (COGGIOLA, 2007).

Algumas observações importantes quanto ao islamismo político: segundo Messari

(2005), no Irã as mulheres participaram da revolução e ainda hoje estão integradas à vida

política do país; na Turquia as mulheres podem votar e esse é um fato raro dentro do Islã.

Vale ressaltar as atividades políticas de Organizações ditas terroristas. Grupos como o Hamas

promovem “assistência social”, criam creches, ambulatórios, fornecem comida e roupa, além

de auxiliar os desempregados, atividades que o Estado não cumpre plenamente; na Argélia

ajudaram as vítimas do terremoto de 1980. Em outras frentes recolhem os lixos da rua,

quando o Estado falha. Isso mostra a força dos movimentos e lhes atribuem credibilidade.

Esses aspectos são de fundamental importância para que o papel de grupos, considerados

terroristas, seja avaliado. Evoluções e paradoxos no mundo mulçumano: a aproximação entre

o Islã e o Estado no caso do Irã. Nesta situação o Islã é a política? O caso da Turquia –

separação entre Islã e Política – contudo, recentemente um partido islâmico chegou ao poder.

Isso reflete na organização política do país?

Outro aspecto da RSCT é a avaliação da globalização e da segurança. Para Buzan e

Waever (2003), se a globalização for vista como ameaça, então, o processo de securitização

ficaria mais exposto. A globalização pode ter um lado escuro que é a divisão do mundo entre

ricos e pobres, centro e periferia. Foi, sobretudo, esse lado da globalização que esteve

fortemente presente no Oriente Médio e provocou as revoltas mencionadas acima. O objetivo

do processo global era manter a fraca posição da periferia em relação ao centro, perspectiva

dominado/dominante. Assim para os autores, a globalização é menos um processo em busca

da autonomia e mais uma situação de demonstração de hegemonia dos EUA.

Esse movimento pôde ser percebido mais claramente nos anos 1990 e 2000. Contudo,

em 1979 algumas manifestações, no Irã, tiveram peso importante. A grande massa da

população vivia a penúria em meio à fartura do petróleo. Assim começam a surgir os

protestos contra injustiças sociais. Ao se observar o caso do Irã em 1979, percebe-se que o

Xá, no período pré-revolução, vivia “enclausurado” distante do povo e fortemente alinhado

aos EUA. A dinâmica de Khomeini foi necessariamente diferente. Chegou com o discurso da

unidade, agregando comerciantes, pobres e até a classe média secular. Desta maneira

organizou uma base popular que viabilizou a Revolução naquele país.

A década de 80, para o Oriente Médio, foi marcada pela disputa entre Irã de Khomeini

e a Dinastia dos Sauditas na Arábia. Na ótica da escola inglesa, os padrões de amizade e

inimizade se faziam ver claramente. Nesse caso, a inimizade entre os dois países estava se

35

manifestando fortemente e somava-se a isso a presença de duas potências externas EUA

(Estados Unidos da América) e a URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), cada

qual defendendo seus interesses, a Guerra Fria estava presente no Oriente Médio. O Irã

influenciado e apoiado pela URSS na lógica da expansão do socialismo e a Arábia Saudita

alinhada aos EUA na perspectiva da contenção ao crescimento socialista, e da busca de fontes

de energia, conforme Vizentini (1996). Nesta época os sauditas ainda gozavam de apoio do

mundo islâmico. Havia o sonho do povo islâmico em constituir o grande Estado Muçulmano

e árabe. Esse sonho foi concretizado pelo Irã, isso fez enrijecer ainda mais os sentimentos

contra o país de Khomeini, principalmente por parte do Iraque.

Em 1980 o Iraque declara guerra ao Irã. Um dos receios de Saddam Hussein era que a

revolução iraniana fosse exportada para seu país. Mas essa década foi marcada por outro fator

relevante, apesar da guerra Irã x Iraque ter durado quase dez anos, as atenções do mundo se

voltaram para o Afeganistão, país invadido pela URSS em 1979. A Jihad afegã superou a

questão Israel x Palestina, pois, o Afeganistão é um lugar sagrado para o Islã. Para combater a

URSS a Arábia Saudita se alinhou aos EUA. Para agradar o povo árabe os americanos

desejavam treinar e enviar um príncipe árabe para a guerra santa (MASSOULIÉ, 1996).

Contudo, nenhum príncipe se mostrou hábil para a tarefa, o escolhido foi um jovem de família

rica ligada ao Rei, Osama Bin Laden. Assim levados ao Afeganistão os americanos treinaram

os homens da Jihad para lutarem contra a URSS. Alguns anos depois os soviéticos foram

expulsos do solo afegão.

Para Buzan e Waever (2003), o nível regional foi significante durante a Guerra Fria,

pois, através das organizações de blocos militares regionais era possível garantir a segurança

internacional. Esse nível de análise contém aproximações com o neorealismo e com o

globalismo, mas, opta por níveis inferiores de avaliação. As lutas no Oriente Médio sempre

foram muito intensas, por envolver questões étnicas e religiosas na maior parte das vezes.

Sabe-se ainda que outros fatores sempre estiveram presentes naquela região, principalmente

geopolíticos e geoestratégicos. Assim para os autores da Escola Inglesa, o RSCT, poderia

simbolizar uma complementaridade do neorealismo na estrutura sistêmica.

Em 1989 os serviços de inteligência de três países (EUA, Arábia Saudita e Paquistão)

perceberam que os homens da Jihad no Afeganistão estavam fora de controle, mas não

promoveram nenhuma atitude específica, pensando na lógica de um grupo sem expressão. No

ano seguinte em 1990 o Iraque invade o Kwait desejando anexar o pequeno emirado, que

segundo Saddam fazia parte do território iraquiano. O Iraque estava devastado por quase 10

anos de guerra contra o Irã, mas Saddam acreditava que o fato de o emirado estar entregue à

36

luxúria dos petrodólares o ajudaria, atraindo a classe média, os pobres e os muçulmanos em

geral.

Nesse momento Osama Bin Laden retorna a Arábia e pede permissão ao Rei para fazer

a Jihad contra o Iraque. O pedido foi negado e Osama passou a ser visto como inoportuno

pelos líderes árabes e americanos. Bin Laden não queria a presença dos estadunidenses em

solo árabe, por ser um local sagrado e os americanos, considerados infiéis. Contudo, a Arábia

permitiu a utilização de seu território pelos EUA e desse momento em diante passou a ser

questionada, em sua legitimidade islâmica, tanto pelo próprio Bin Laden, como por Saddam.

Os defensores do Islã não aceitaram a presença dos Estados Unidos e sua ligação com a

Arábia Saudita e resolveram lutar contra os ímpios. (MASSOULIÉ, 1996).

Os grupos “terroristas” em 1990 radicalizaram seus movimentos. Em 1996 Bin Laden

proclama a Jihad contra a ocupação dos lugares considerados santos pelo Islã, segundo

Massoulié (1996). Paradoxalmente, nesse ano muitos líderes abandonaram a ideia de luta

armada e pensaram em buscar meios pacíficos para a solução dos problemas do mundo árabe

e do islã. Por isso acredita-se na queda do movimento na década de 90, vivenciando dois

extremos. Em 1997 com a eleição de Khatami no Irã a ideia de moderação foi fortalecida e

fez sentir-se um efeito dominó. Países como Turquia, Argélia, Paquistão e Sudão optaram por

esse caminho. Para Bin Laden a Jihad era justificada, pois, dois lugares sagrados estavam

ocupados na Arábia Saudita. Contudo, em 2001 o saudita agrega dois fortes elementos em seu

discurso e consegue aumentar sua popularidade no mundo muçulmano: 1) a morte de crianças

no Iraque; 2) ataques de Israel à Palestina. Assim ao se comparar com o Grande Profeta, Bin

Laden deseja promover a Jihad que culminara nos ataques ao território norte-americano em

11/09/2001.

2.4 Breve histórico da Turquia

O povo turco teve suas origens na Ásia Central há aproximadamente 4 (quatro) mil

anos e se espalhou por parte da Ásia e do Oriente Médio, regiões que ainda ocupa.

Historicamente o povo turco viveu em constante caminhada fosse ela para conquistar outros

povos, ou para fugir de condições de vida inadequadas (STIERLIN, 1999). Pensando

geopoliticamente, os turcos viveram em busca do Espaço Vital – teoria formulada no final

século XIX por Ratzel. Em 552 conquistaram vasta região e sua força, demonstrada pelas

armas, os colocou em contato com os Sassânidas. Por volta do século X os turcos se

convertem ao Islã de tendência sunita e se aproximaram dos povos árabes, herdando desses

37

vários aspectos culturais. Por volta do ano 1000 foi criado o sultanato dos Seldjúcidas por

Tughrilbeg. Já no ano de 1055 os turcos fazem de Bagdá a capital do “governo” e Tughrilbeg

se auto-proclama Protetor do Califado. Entre os anos de 1063 e 1073 tomam a cidade de

Alepo e dominam a Armênia.

Os turcos estão fortemente ligados aos mongóis pela língua, há uma semelhança

significativa, segundo Stierlin (1999). A posterior adoção do alfabeto latino significou,

portanto, uma ruptura com o passado e a influência histórica árabe, a modernização idealizada

por Atatürk. Dentro do Islã os turcos quebraram uma das mais importantes tradições,

mantiveram o uso da língua de origem, quando a tradição diz que o árabe é a língua oficial do

povo muçulmano. Os turcos eram hábeis guerreiros, nômades ou semi-nômades e viviam das

atividades do campo.

Conforme Keyder (1979), a Turquia nasce das cinzas do Império Otomano, assim

sendo, apesar do conceito de nação e seus derivados como nacionalismo serem modernos, sua

construção vem da Idade Medieval. Quando chegaram à Anatólia, os turcos encontraram uma

terra repleta de história. Após a vitória sobre os Bizantinos, os turcos se instalaram no centro

da Anatólia. Por lá passaram os hititas, os persas, os gregos entre outros. Desse momento em

diante a penetração turca na Ásia Menor encontrou pouca resistência. Para Libero (1998) a

tomada de Constantinopla em 1453 foi responsável pela visão pejorativa que o mundo

ocidental teve (talvez ainda tenha) da Turquia. Os turcos eram vistos como bárbaros,

violentos, com vícios terríveis e vida sexual desregrada. A autora aponta que não se tinha

conhecimento da capacidade intelectual e da civilidade alcançada por aquele povo,

principalmente em virtude do Islã. Sabe-se que o alcorão prega entre outras coisas o cuidado

com as viúvas, com os órfãos e o respeito aos mais velhos.

Contudo, é preciso ressaltar que um paradoxo marca o início da Turquia moderna, a

negação da história Imperial por um grupo e o desejo de manutenção da história e dos

privilégios da Monarquia por outro. Naquele momento de transição do Império para a Turquia

Moderna, a negação ao passado Otomano foi mais fortemente liderada pelos partidários do

kemalismo, mas, a vinculação otomana, que é também religiosa, ficou adormecida no ideário

de um povo majoritariamente muçulmano, não se apagou. Hoje com o AKP (Partido da

Justiça e Desenvolvimento) no poder, por mais de 10 anos, a discussão religiosa toma rumos

inesperados por alguns grupos, principalmente da parte dos kemalistas, defensores do

nacionalismo de Atatürk.

A história desse país é, portanto recente, a Turquia surge em 29 de Outubro de 1923

após o fim da luta pela independência e a queda do Império Turco Otomano. Ao fim da I

38

Grande Guerra, meados de 1918, as potências vencedoras, Inglaterra, França e Itália

planejavam a divisão do antigo Império Otomano e a criação do Estado do Curdistão4,

segundo Fernandes (2005), o que não se concretizou. Ainda segundo esse mesmo autor, a

divisão se daria através do Tratado de Sèvres (1920), contudo esse acordo não chegou a ser

ratificado pelas potências. Durante três anos (1919 a 1922) os militares turcos auxiliados por

uma burguesia local – (CUP)5 Comitê para União e Progresso – travaram uma campanha pela

independência, tendo à frente Mustafá Kemal.

Mustafá Kemal foi membro do exército otomano, devido às suas capacidades e

habilidades militares, muito cedo se tornou oficial. A história da Turquia está intimamente

ligada a esse homem, figura até os dias atuais venerada no país. Nascido entre os anos de

1880 e 1881 em Salônica, “ironicamente6” território grego. Ainda hoje é o nome mais

importante da história da Turquia. Sua relevância jamais foi suplantada por outro homem no

país. Foi o primeiro presidente e governou até sua morte em 10/11/1938. Não foi possível

constatar com essa pesquisa se Atatürk teve alguma influência das teorias de Geopolítica,

contudo suas estratégias foram conduzidas com muita eficiência nos termos dessa disciplina.

Segundo Fernandes (2007) após o fim do Império multi-étnico surgiram vários

Estados-Nação nos Bálcãs e na Anatólia. Dois deles, Turquia e Grécia, foram marcados por

um acontecimento que causaria estranhamento nas RI caso acontecesse na cena

contemporânea. Foi o que ficou marcado pela historiografia da Política Internacional como

“troca de populações entre gregos e turcos”. Esse episódio foi acertado na Suíça entre os

meses de janeiro e julho de 1923, através da Convenção (30/01/1923) e do Tratado

(23/07/1923) de Lausanne. A Grécia moderna havia ficado independente do Império em

meados de 1832, através de um acordo celebrado em Londres. O país tinha à época seu

território bem menor que o atual. Para alcançar a atual dimensão foram travadas diversas

batalhas com o exército imperial Otomano, já decadente.

O nacionalismo grego tem um fator que o diferencia do tradicional modelo europeu.

Por estarem subordinados à Sublime Porta (nome dado ao Império Otomano, ou apenas –

Porta), os gregos não tinham exército formado e nem Estado organizado, naquele período

transitório. Sabe-se que, tradicionalmente, os promotores do nacionalismo europeu foram o

Estado, a Igreja e os exércitos. Portanto, sem duas das principais instituições, aquela que mais

4 Ver Mapa 03, (página 51).

5 Grupo formado por mercadores, notáveis locais e burguesia muçulmana emergente, em meados de 1908.

Fizeram parte do movimento de modernização turca, auxiliaram no jogo político que pôs fim no Regime

Monárquico do Império. Para Keyder (1979) o CUP liderou uma espécie de Revolução por cima. 6 Ironicamente, pois a Guerra de Independência da Turquia foi travada principalmente contra a Grécia.

39

influenciou diretamente a formação nacional na Grécia foi a Igreja Ortodoxa. Por outro lado,

os turcos tinham encontrado dificuldades para se fixar no solo da Anatólia quando chegaram.

Nas terras já estavam fixadas várias etnias desde a Idade Média, curdos, gregos e armênios.

Além disso, no outro extremo do território havia problemas com a população árabe do Oriente

Médio. Qual era a situação então? Uma mistura de populações de difícil solução.

Fernandes (2007) afirma que o objetivo da Convenção de Lausanne era resolver esse

problema, populacional/étnico diplomaticamente. Ou seja, promover a troca de populações.

Pois, com o fim do Império Otomano, que abrigava populações multi-étnicas, multi-religiosas

os conflitos poderiam se descongelar. Devido ao seu passado, os dois países, Grécia e

Turquia, tinham à época uma população formada de vários movimentos migratórios que

ocorreram num período de mais de 100 anos. Para o Líder turco, Kemal, a incógnita era

articular a legitimação dos turcos nos solos da Anatólia, que conforme menção anterior,

sempre foi ocupada por outros povos.

A solução possível para aquele momento foi a retirada da população grega das terras

turcas e da mesma forma deslocar os turcos que habitavam a região da Grécia. O episódio

deixou marca indelével nos dois povos. De todos os lados se perderam casas, negócios e

algumas pessoas perderam até a vida em virtude de confrontos diversos que ocorreram nesse

período. Acredita-se que aproximadamente 400 mil turcos saíram da Grécia e um número

maior de gregos, aproximadamente 01 milhão, deixou a Anatólia. Uma situação que ainda é

controversa está relacionada com o fato de que para a escolha da população que seria retirada,

foi usado o critério religioso. Havia gregos muçulmanos e turcos cristãos, portanto, a etnia

não estava definida para aqueles que realizaram a troca das populações.

A troca de populações ocorreu devido ao conflito, de proporção também catastrófica,

entre os dois países. Nos anos de 1912 e 1913 houve uma guerra na Região dos Bálcãs,

quando o Império estava apresentando fortes sinais de declínio. Nesse período muitos

membros da administração imperial eram dos Bálcãs. Por outro lado havia na Grécia o desejo

da “Megali Idea”, o sonho de dois continentes e quatro mares, conforme Fernandes (2007).

Esse objetivo fez o país encarar a guerra de forma muito convicta, contudo, o movimento foi

frustrado por Ataturk e seu exército. Mas o conflito entre os dois países foi marcado por muita

violência. Um dos acontecimentos foi o incêndio da cidade de Esmirna em 1922, no qual a

população não cristã tentou fugir pelo mar, sem nenhuma estrutura adequada, o que gerou

uma tragédia. Nesses 10 anos foram gerados vários problemas, sérias crises humanitárias e

elevado número de pessoas refugiadas dos dois lados. Ainda hoje as marcas desse fato estão

presentes nas relações entre os dois Estados.

40

O conflito entre Grécia e Turquia se agravou pela saída das potências. Nesse período

histórico do imediato pós-guerra os países vencedores não se entenderam em relação à

partilha das terras do Império Otomano. A França mais preocupada com suas possessões no

Líbano e na Síria assinou acordo bilateral com a Turquia. As potências arquitetavam um

acordo secreto, a Rússia, que provavelmente se viu prejudicada, denunciou a trama e passou

de inimigo histórico a maior fornecedor de armas para os turcos. A Itália insatisfeita com seu

quinhão resolve abandonar a parceria com os vencedores e também assina acordo em

separado com o movimento independentista de Atatürk. Restaram no conflito Grécia e Reino

Unido. A Inglaterra com interesses em se utilizar dos estreitos turcos, abandona a Grécia em

conflito isolado com a Turquia.

Os turcos saíram vitoriosos da guerra e proclamaram a independência frente às

potências e consequentemente o nascimento do novo país em 1923, além disso, assinaram o

Tratado de Paz, conhecido como Tratado de Lausanne, o líder do movimento, que comandou

os militares durante a Luta de Independência, entrou para a história da Turquia como Atatürk

ou Pai dos Turcos e ainda é sem dúvida a figura mais emblemática do país (LIBERO, 1998).

Esse fato foi marcante por dois outros aspectos:

a) turcos e curdos lutaram juntos, numa mistura de sentimento nacionalista e

solidariedade islâmica defendendo o ideal de nação mulçumana livre dos infiéis;

b) a Turquia sendo valorizada no mundo islâmico. A Anatólia foi declarada como “Lar

Nacional” do povo turco.

Esse episódio histórico pode ser analisado sob o olhar da Geopolítica. Para Frederich

Ratzel a Geografia Política é o estudo da organização humana desde os primórdios. O Estado é

a forma mediadora entre o solo e o povo, é uma entidade biogeográfica, como um ser vivo, se

expande ou retrai, tem vida e tem demandas básicas. A forma mais avançada de organização

social. O Estado que perde território ou não consegue administrá-lo está fadado ao fim. As

necessidades básicas estão ligadas ao espaço. Alguns Conceitos de Ratzel: Espaço = área

compreendida em três pontos – Local amplo; Território= humanização do espaço; Limite=

espaço natural; Fronteira= fronteira entre dois países ou duas soberanias; [Der Lebensraun (O

espaço vital)]. Essa parte dos estudos de Ratzel auxilia na compreensão da luta de Atatürk e

de seus companheiros por um espaço para o povo turco.

As relações entre os Estados são semelhantes àquela existente na natureza, isto é,

prevalência do mais apto. O conflito é fruto de um espaço finito, a terra é demasiada pequena

41

para um grande Estado é como a luta pela vida, a finalidade primeira é obter espaço

necessário para desenvolvê-la. O teórico desenvolveu a ideia da cultura mais complexa e

menos complexa e qual a relação que o povo tem com o território. Quanto maior o vínculo

com a terra mais força o Estado alcançará, cultura – ligação com o solo – Estado desenvolvido

e resistente. Ratzel não era determinista e Ratzel não era nazista, mas pensava e desejava o

crescimento de sua nação.

Conforme Amorim Filho (1991), a obra de Ratzel foi fortemente influenciada por

Charles Darwin, assim como as Ciências Sociais do final do século XIX e início do XX.

Alguns conceitos darwinianos como: competição entre as espécies, sobrevivência dos mais

aptos, necessidade de expansão, entre outros foram incorporados à geografia. O Estado é um

organismo vivo, na visão de Ratzel. Dessa forma precisa de espaço para crescer. Estado é a

forma mais avançada de organização social, responsável pelas relações entre o povo e o solo.

“Der Lebensraum” ou “Espaço Vital” é um conceito importante nos estudos de Ratzel. Todo

Estado possui um Espaço vital, o seu território. Isso pode ter grandes repercussões. Justifica-

se analisar a Turquia por esse viés, pois, a retirada/expulsão dos cristãos que ocupavam a

Anatólia pode ser explicada por essa teoria. Embora não seja possível afirmar que Mustafá

Kemal tenha tido acesso à obra geográfica elaborada por Ratzel. Povos com grande vínculo

com a terra têm expressões culturais mais fortes.

As décadas de 1920 e 1930 foram marcadas por múltiplas medidas para criar nova

identidade e uma organização burocrática estatal semelhante ao modelo europeu. Para isso foi

abolido o Califado, adotaram uma Constituição Republicana e um novo Código Civil. Nessa

nova situação político-social chama atenção a ressignificação do pape da mulher que teve no

nível constitucional seus direitos igualados aos do homem, inclusive a possibilidade de votar.

O país adotou o alfabeto latino em 1928 e o Islã deixou de ser a religião oficial do Estado.

Pode-se resumir em seis os pontos principais da reforma política, social e cultural da Turquia

pós-Império: reformismo; secularismo; republicanismo; nacionalismo; populismo; estatismo.

Mustafá Kemal precisava legitimar a presença dos turcos na Anatólia e para isso criou

a Sociedade de História. O presidente da Sociedade foi o historiador russo Yusuf Akçura. A

primeira medida foi ignorar o esquema historiográfico ocidental/europeu e desvalorizou a

história muçulmana. A parceria de Atatürk e Akçura foi estrategicamente bem pensada.

Aproveitou-se das “zonas cinzentas” da história, dos poucos recursos científicos e

transformou, por sua própria história, hipótese científica em certeza. Povos como os Hititas,

ou os Etruscos, além de figuras como Gengis Khan foram chamados turcos, ou no mínimo

ligados, por essa história, aos turcos. (FERNANDES, 2005a). No mapa 01 é possível

42

visualizar o território atualmente ocupado pelo povo turco e os dois estreitos, Bósforo e o

Dardanelos que ligam o Mar Negro (Black Sea) ao Mar Mediterrâneo (Mediterranean Sea).

Esse capítulo terá ainda mais alguns fenômenos e/ou acontecimentos da Turquia.

Devido à importância histórica, étnica, cultural ou geográfica será dado maior destaque a

esses fatos. Estão, todas as narrativas diretamente vinculadas à história, mas serão analisadas

separadamente de forma que possa despertar a atenção do leitor desse trabalho e auxiliar na

compreensão de alguns desses fatos são relevantes para o país ainda nos dias de hoje, como o

caso do Chipre e a questão Curda, por exemplo.

Mapa 1 - A Turquia e os Estreitos de Bósforo e Dardanelos (a oeste)

Fonte: University of Texas Libraries

2.4.1 Turquia e Chipre

“O impacto da questão do Chipre na Turquia é duplo, profundo e complexo”7

(HARRIS, 1972, p. 105). O caso dessa pequena Ilha situada no Mediterrâneo, muito próxima

da Turquia, da Síria e do Líbano (ver mapa 02), tem em seus pontos de discórdia sempre uma

dose dupla de fatores a serem analisados: duas nacionalidades (cipriotas gregos e cipriotas

turcos); duas línguas consequentemente; religiões diferentes e dois modos de interpretar a

história. Para completar, no nível externo três países que atravessam a relação objetivando

cada um alcançar seus interesses, são eles Inglaterra, Turquia e Grécia. Como será aqui

apresentado, o Chipre foi vítima das disputas e interesses estratégico-militares, políticos e

7 The impact of the Cyprus issue in Turkey is both profund and complex. (Tradução Livre)

43

financeiros do Império Otomano, da Inglaterra, da Turquia e da Grécia.

Em poucos momentos, o país pode resolver suas questões internas sem a interferência

de alguma força externa, mesmo depois da independência, em 1960. Para compreender esse

processo complicado e complexo será necessário um retorno ao passado. O Chipre foi

também, por um período, parte do Império Otomano e nesse período é que está o nascedouro

de uma das questões mais delicadas da Ilha. Outros pontos deverão ser analisados, pois,

passaram pelo país como dominadores: a Cidade-Estado de Veneza, os Cruzados e ainda os

Britânicos, cada um desses povos com seus interesses e culturas diversas. Segundo Fernandes

(2008) para entender minimamente a história do Oriente Médio e do Sudeste Europeu é

preciso considerar que dessas regiões 22 Estados Modernos foram parte do Império Otomano

no passado. Sendo assim, este trabalho faz um pequeno retorno ao passado do Chipre.

Logo no início do Cristianismo, em pleno domínio do Império Romano, a Ilha foi

visitada por Paulo Apóstolo e outro discípulo de nome Barnabé. Resolveram anunciar o

Evangelho, em princípio aos judeus que habitavam o local. Naquele tempo o Chipre era

governado por um Pró-Cônsul que manifestou o desejo de conhecer os dois apóstolos e ouvi-

los falar da Boa Nova. Paulo e Barnabé conseguiram converter o governador e a Ilha passou

então a ser administrada por um Cristão. Permaneceu assim até o cisma dentro do Império

Romano, a partir disso passou a ser controlada pelo povo Bizantino e a Igreja Ortodoxa.

Sendo essa Igreja a responsável por parte significante da cultura e até mesmo do governo

local posteriormente.

Por volta do século VII a Ilha foi atacada pelos soldados de Allá. Num primeiro

momento sem muito sucesso. Posteriormente, do final desse século até meados do século X, o

Chipre experimentou uma administração partilhada entre Bizantinos e Muçulmanos. Do

século XI em diante as Cruzadas alcançaram o país cipriota, o domínio voltou às mãos da

Igreja Ocidental e também a influência cultural se sobrepôs ao costume local. Uma Família

Imperial, os Lusignans, dominou nesse período e o Chipre teve que conviver com a instalação

da Igreja Católica Romana em seu território. Essa família não suportou a pressão por muito

tempo e foi sucedida pelos Venezianos. O Governo de Veneza assume o controle da Ilha em

meados de 1489 segundo Fernandes (2008).

Para a administração da Cidade-Estado havia duas ameaças:

a) internamente a população não aceitava a troca de impérios e possivelmente a

imposição do catolicismo;

b) no nível externo a pressão dos Otomanos era forte. Em 1571, alegando questões de

44

segurança e de proximidade geográfica, os turcos da Porta invadem o Chipre e o incorporam

às possessões do Império. Com exceção da Rússia, todos os povos do cristianismo ortodoxo

foram conquistados pelo Império Otomano em seu período de dominação do Oriente até parte

do Ocidente.

De acordo com o Corão e com a Sharia, atividades econômicas e empresariais, bem

como o trabalho nos bancos e a cobrança de juros, eram proibidas. Por isso, os povos que

foram dominados pelo Império Otomano, por exemplo, judeus, armênios e gregos, ficavam

responsáveis por esse serviço. Portanto, argumenta Fernandes (2008) a aceitação desses povos

e a não exigência da conversão está ligada a interesses diversos, e não simbolizava

exatamente a tolerância. Dessa forma, a religião poderia ser exercida sem nenhum tipo de

constrangimento ou ofensa à lei corânica. A importância de que esses povos mantivessem sua

fé ativa é que deveriam pagar impostos ao Governo Islâmico, caso houvesse conversão em

massa essa fonte de renda ficaria comprometida e isso não era interessante naquele momento.

Em sua obra, Fernandes (2008) elabora uma discussão em torno de conceitos caros às

Relações Internacionais: ideologia e imperialismo. Para esta dissertação interessa em

momento posterior a questão ideológica. Segundo o autor, esses conceitos são parte

estruturante do cotidiano dos turcos otomanos. Este trabalho defende que também foi

relevante o aspecto ideológico na formação da Turquia moderna. Para os Sultões do Império a

retórica do “poder mundial” atingiu seu ápice nos séculos XV e XVI, sob o comando de

Mehmed II, o conquistador de Constantinopla, e Suleiman I. Mehmed se comparava a

Alexandre o Grande, no entanto, suas conquistas se deram em sentido contrário, do Oriente

avançando para o Ocidente. Devido a série de vitórias os muçulmanos entendiam que eram de

fato abençoados por Allá e que deveriam estabelecer uma fé única.

Apesar de não abandonar a lei do Corão, os turcos do Império optaram por um

governo indireto. Para isso adotaram algumas medidas que possibilitavam maior controle,

entre elas:

(a) colher um tributo anual em ouro ou prata e donativos; (b) fazer da liderança local

responsável pela disciplina da sua própria comunidade; (c) controlar as mudanças

dessa liderança (d) controlar as importações e exportações de certos bens,

especialmente de produtos necessários para alimentar a capital e os exércitos; (e)

reservar-se o direito de pedir subsídios e serviços especiais em tempo de guerra.

(FERNANDES, 2008, p. 50).

Até 1571, ano da conquista, não havia população turca no Chipre. Com a anexação

foram enviados muçulmanos para fazer parte do controle, membros do exército e até mesmo

novos moradores. Já era costume dos Otomanos utilizarem-se dos métodos de deportação e

45

recolocação territorial. Na Ilha não foi diferente. Para lá foram enviados ainda criminosos que

perturbavam o Centro do poder imperial. Sabe-se que essa estratégia ainda hoje é utilizada por

grandes potências. Assim deu-se o início do processo de divisão populacional no Chipre. A

relação do Império Otomano com o povo cipriota foi relativamente bem conduzida até o final

do século XIX, quando a influência das ideias modernas de nação e nacionalismo começou a

ser conhecida no Oriente.

Outro fator que tirou a tranquilidade dos Sultões Otomanos foi o processo de

independência da Grécia. Em 1821 os gregos iniciam a campanha contra o Império em busca

de sua autonomia. Seis anos mais tarde, uma esquadra comandada por Inglaterra, França e

Rússia derrotou a marinha turco-otomana. Desse evento resultou a Grécia Moderna. O

episódio foi para a Sublime Porta um episódio delicado, pois, iniciou o processo de queda do

até então poderoso Império.

Em 1878, ou seja, após três séculos de domínio Otomano, o Chipre foi entregue ao

poder Britânico. Nesse período a Europa já havia diagnosticado a “doença” ou a debilidade

dos Otomanos. No ano anterior a Rússia havia vencido novamente a Sublime Porta na Guerra

Russo-Otomana. Nesse conflito os Otomanos foram fortemente derrotados, enfraquecendo

ainda mais o poder do Império. Segundo Fernandes (2008), curiosamente os ingleses no final

do século XIX fizeram um acordo para auxiliá-los. Para a Inglaterra seria naquele período

histórico mais fácil manter a Sublime Porta de pé, pois, com os Sultões seria mais fácil

dialogar e mantê-los no controle da Região dos Bálcãs do que ter a Rússia avançando para

dentro da Europa. Pode-se dizer desse episódio uma prefiguração da Contenção. Os ingleses

garantem o apoio aos Sultões, contudo, exigem em contrapartida a administração da Ilha do

Chipre. No aspecto geopolítico, a Ilha se encontra em ponto estratégico ainda hoje. Naquele

tempo, no entanto, para a Coroa Britânica era um local que facilitaria o acesso comercial para

a Índia.

Com a entrada da administração inglesa surgiram outros problemas internos,

principalmente pós – 1950. Internamente despontaram grupos, inclusive para-militares para

reivindicar a autonomia da Ilha em relação ao Poder Britânico. Por outro lado, os ingleses

iniciaram nessa mesma década algumas medidas com objetivo de possibilitar uma maior

liberdade de ação dentro do país. Foram celebradas em 1959 várias negociações que

culminaram em 1960 nos Acordos de Zurique e Londres, consequentemente a independência

do Chipre. A essa altura, em plena Guerra Fria, os EUA pressionavam, pois Turquia, Grécia e

Inglaterra eram membros da OTAN e estavam diretamente envolvidos na questão.

46

Também durante o controle Britânico as tensões entre populações ficaram mais

acirradas. A Inglaterra permitiu que a Turquia participasse das negociações como país

“garantidor”, sendo que pelo Tratado de Lausanne os turcos não podiam participar de

assuntos referentes ao Chipre. (FERNANDES, 2008). Para a Inglaterra o grupo turco-cipriota

era relevante em sua estratégia de dividir para dominar, pois, balanceava as relações

comunitárias no Chipre. Percebe-se com isso que até 1960, os três Estados

(Turquia/Grécia/Inglaterra) negociavam à revelia dos maiores interessados, o povo Cipriota.

Em 1960, após a Independência, foi promulgada a Constituição do Chipre. Para sua

elaboração foi levada em conta a proporcionalidade populacional. A legislação foi pensada

com base em uma proporção de 70% de gregos para 30% de turcos. Contudo, cipriotas gregos

contavam com uma maioria de 80% contra apenas 20% dos cipriotas turcos. Durante os três

anos seguintes foi sendo acumulada uma cultura de divisão e intensa rivalidade na Ilha. Até

mesmo a criação do exército foi motivo de conflito, não sendo possível organizar as Forças

Armadas. Havia intensa confusão entre governantes e governados. Não aconteciam

casamentos mistos e nem mesmo a participação conjunta em eventos sociais. Até os

municípios eram criados em função da etnia/religião.

Em 1963 o Presidente, Arcebispo Makários III, propôs uma revisão Constitucional

para minimizar as diferenças e buscar a unificação do país. Não será avaliado neste trabalho o

mérito da questão: tentar mensurar a quem a proposta presidencial beneficiava. Internamente

a proposta não foi bem recebida por nenhuma comunidade. Do lado externo a Turquia foi a

primeira a se manifestar contrariamente ao documento, e naturalmente a Grécia também saiu

em defesa de seus compatriotas. Em dezembro desse mesmo ano, diante do impasse instalado

e do clima que já há muito estava conturbado, explodem os conflitos armados.

De um lado da Ilha se instalaram as forças turcas e do outro os militares gregos,

situação que intensificou os combates. Diante da violência o Governo Cipriota solicitou a

intervenção da ONU através do Conselho de Segurança (CSONU). Em fevereiro de 1964 foi

criado a UNFICYP – Força de Manutenção de Paz das Nações Unidas no Chipre. Mesmo

com a presença dos Capacetes Azuis a Turquia continuava seu deslocamento de guerra. Só

não houve invasão nesse momento devido à interferência americana.

Desta crise resultou também uma lição geopolítica importante: Chipre era

extremamente vulnerável à ação das forças militares da Turquia (a cerca de 75km de

distância, no ponto mais próximo) enquanto que, pela sua distância da Grécia

Continental (cerca de 800km), estava fora do raio de ação da Força Aérea Grega

que, assim, estava impossibilitada de atuar pelo menos em tempo útil.

(FERNANDES, 2008, p. 133).

47

Paralelamente a tudo isso, a Grécia viveu nas décadas de 60 e 70 um período tenso em

sua política doméstica. O país foi assolado por uma ditadura militar que influenciou

diretamente a população grega do Chipre. Makários era considerado por muitos como o Padre

Vermelho. Para fazer frente aos turcos o Presidente optou por uma aliança com a URSS,

deteriorando ainda mais as relações internas e externas. Conforme mencionado acima, não foi

possível criar o exército cipriota. Assim o Presidente organizou uma Guarda Nacional. Em

Julho de 1974 essa Guarda, apoiada pela Junta Militar grega, afastou Makários do poder, por

um golpe de Estado.

A Turquia obviamente não concordou com essa situação sob o argumento de defender

os turcos na Ilha. A primeira alternativa turca foi provocar aos britânicos para que eles

promovessem uma intervenção colocando fim ao golpe. Não obtiveram sucesso. Enviaram um

aviso aos gregos, solicitando a retirada da Junta Militar e a volta à normalidade, também sem

resposta. Na verdade, afirma Fernandes (2008) essa situação era tudo de que a Turquia estava

precisando para deflagrar a invasão e dividir de vez o país. Assim, em 19 de Julho de 1974,

desconsiderando a presença da ONU, a Turquia invadiu a Ilha com bombardeios e, apesar da

resistência da Guarda Nacional, ocupou a parte norte, onde está até hoje o exército turco.

A invasão provocou apenas do lado cipriota grego, algo em torno de 3.400 mortes e

mais de 1000 desaparecidos, para não falar dos turcos que morreram também. Houve

deslocamento de gregos para o sul e de turcos para o norte, deixando para trás suas casas,

comércios etc. Em 1975 foi proclamado o Estado Federado Turco do Chipre. Desse ano até

1983 foram vários esforços diplomáticos e negociações realizadas pela ONU sem nenhum

resultado positivo. Para complicar ainda mais, em 1983 os turcos cipriotas proclamam a

República Turca do Norte do Chipre, que foi reconhecida apenas pela Turquia. Foram vários

os protestos das Nações Unidas, da Grécia e de outras potências, tudo em vão. Desde 1983

essa situação permanece sem solução. Alguns apontamentos de solução inclusive com a

participação da União Européia foram conversados, mas, a Força de Paz permanece no país e

o exército turco também. Segundo Fernandes (2008) é a mais longa Força de Paz da ONU a

atuar.

48

Mapa 2 - A Ilha do Chipre

Fonte: University of Texas Libraries

2.4.2 Turquia e os Curdos

Na guerra de independência turca os curdos, minoria dentro da Turquia, de origem

iraniana, lutaram ao lado dos herdeiros do Império Otomano. A estratégia de Mustafá Kemal

era nutrida pela ideia da nação muçulmana na luta contra os infiéis, a Jihad (guerra santa). A

iniciativa de Atatürk pode ser vista como uma organização da “comunidade imaginada” de

Anderson (1996). Ao fim da guerra Kemal declara a independência da Turquia e a proclama

uma república secular, ou seja, o Estado não teria uma religião oficial. Também como forma

de garantir a unidade territorial turca não permitiu a criação do Curdistão (ver mapa nº 03).

Ressalta-se que a criação do Estado curdo não dependia e ainda não depende apenas da

Turquia, há também uma população curda no Iraque, no Irã e na Síria.

Segundo Fernandes (2005) o Tratado de Sèvres em um de seus artigos determinava a

fundação do Curdistão. O acordo previa inclusive a instauração da comissão responsável para

acompanhar o processo de criação do novo Estado. A garantia dessa criação foi gestada no

âmbito do debate da construção da paz, dentro do idealismo do Presidente Wilson. Buscava-

se, portanto, a autonomia local, a independência, com base nos conceitos da modernidade.

Mas o Tratado de Lausanne (1923) não reconheceu a liberdade dos curdos e não tratou de

direitos específicos. O autor supracitado aponta ainda outra questão, pois a diferença não era

de cunho religioso e esse fato apenas fez a situação ainda mais complexa para o povo

chamado também de “turcos da montanha”.

49

O que chamou a atenção na luta de independência foi a forma com que turcos e curdos

se uniram. A guerra e os acordos pela dissolução e divisão do Império Otomano tinham outros

atores envolvidos: além dos gregos e europeus já mencionados, os armênios que residiam em

terras da Anatólia. Os armênios naquela época eram uma minoria formada quase que

exclusivamente por cristãos. O problema é que os territórios ocupados por armênios eram

basicamente os mesmos dos curdos. Os curdos ajudaram os turcos a expulsá-los, como etnia

dos infiéis, e entendiam que com a retirada dessa população a criação do Estado Curdo seria

facilitada. Fato não concretizado.

Durante o governo de Ataturk (1923 a 1938) foram várias revoltas, aproximadamente

18, segundo (FERNANDES, 2005). Sendo que a maior parte dos movimentos ocorreu na

região leste da Turquia. O autor afirma ainda, que na atualidade a nação curda pode ser

considerada o maior grupo étnico sem Estado no mundo, com uma população de

aproximadamente 30 milhões de pessoas. Por isso, pensando em termos geopolíticos, para o

Estado turco é questão de segurança nacional e de política internacional, pois, envolve outros

atores. Invocando a ideia de nacionalismo turco, todas as revoltas foram combatidas e

derrotadas. Alguns tratados foram assinados entre Turquia e Irã (1926); entre Turquia, Irã,

Iraque e Afeganistão em 1937 buscando conter o problema curdo.

Uma das rebeliões mais marcantes foi a Revolta do Monte Ararat, em 1930. Em

virtude desse episódio a Turquia edita uma legislação específica, em 1932, que permitia a

deportação em massa e possibilitava os ajustes no espaço territorial, estratégia muito utilizada

no Império Otomano. A grande dúvida que se fazia presente e ainda persiste é relativa à

organização social e união/desunião dos curdos. Ao observar os escritos do pós - Guerra do

Golfo percebe-se que a Turquia facilmente conseguiu colocar os curdos iraquianos em luta

contra os curdos turcos, utilizando-se da famosa tática ocidental-européia de dividir para

dominar.

Se for organizada a análise no aspecto geopolítico, foram utilizadas algumas

estratégias para minimizar o problema no leste turco. O primeiro aspecto era aumentar

consideravelmente a população de turcos no local, para proporcionar um equilíbrio étnico.

Outro ponto seria investir na assimilação da cultura, criando pólos de divulgação, assim seria

possível minar o crescimento cultural curdo. Incentivar a imigração da população de etnia

turca para as regiões férteis da Anatólia Leste, e fazer com esse episódio fosse visto como

autônomo, sem ajuda do Governo. Por fim, um aspecto puramente militar: algumas zonas

deveriam ser evacuadas, por questões de segurança, ou sobrevivência do Estado.

50

Nos anos 20 o Islã funcionou como fator unificador, depois passou a servir como

ponto de clivagem – aqueles que defendem a religião contra os apoiadores do secularismo,

divisão que ainda prevalece. Alguns políticos de etnia curda foram se filiando no lado do

Governo Atatürk e por vezes receberam cargos importantes. Alguns desses políticos

chegaram a ser eleitos Primeiro Ministro e Presidentes. O povo curdo se dividiu em vários

grupos religiosos e políticos, parte da estratégia dos turcos foi alcançada e a luta curda foi

enfraquecida.

Atualmente dentro do país existe um grupo considerado terrorista, pelo governo local,

por alguns países europeus e americanos. Segundo Zürcher (2004) o problema dos Curdos

pode ser explicado nos seguintes aspectos: restrição de direitos, aumento da imposição sobre

o povo, proibição das expressões de identidade como a língua e uma série de processos e

prisões contra músicos e artistas em geral. O grupo que foi classificado como terrorista é o

PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), que foi fundado em 1978 por Abdullah

Öcallan. Uma das primeiras estratégias pensadas pela organização seria abandonar o país e

buscar novas terras, contudo, logo desistiram. O início das atividades foi concentrado nas

montanhas. É preciso ressaltar ainda que o PKK não foi a primeira forma de organização dos

curdos. Foi, no entanto, o único que voltou o olhar para a população empobrecida curda.

Em 1980, conforme explica Zürcher (2004), o membros do PKK passaram por um

treinamento na Síria, foram preparados por soldados palestinos e sírios. Ainda segundo o

mesmo autor, o primeiro Congresso do partido aconteceu no ano de 1981 e foi realizado na

fronteira da Síria e do Líbano. No Iraque havia duas organizações dos curdos: o PDK (Partido

Democrático do Curdistão) e o UPK (União Patriótica do Curdistão), ambos de tendência

conservadora, ligados à direita. Durante o ano de 1982 devido ao conflito Irã/Iraque os dois

partidos ficaram livres de perseguição do Governo iraquiano. Apesar de nunca terem mantido

relações cordiais com o movimento curdo da Turquia, o PDK permitiu por algum tempo que

Öcallan e seus liderados ocupassem a fronteira. Desta forma, o PKK possuía duas entradas

para o país turco, uma pela Síria e outra pelo Iraque.

O ano de 1984 foi marcado como início do movimento de guerrilha. Sua revolta surgiu

a principio como protesto contra a proibição da celebração do ano novo curdo, no dia 21 de

março. O povo Curdo ganhou força devido à existência da diáspora curda na Europa e ao

Parlamento Curdo no exílio. Esse último, formado por um grupo de deputados expulsos das

terras turcas. Em seus documentos de Política Externa a Turquia condena veementemente

todas as formas de terror, numa alusão direta ao PKK. “All kinds of terrorism are a crime

51

against humanity. There are no exceptions8.” (TURQUIA, 2001). Contudo, o dito grupo

terrorista turco PKK é um partido político de inspiração marxista que tem como bandeira a

criação do Estado independente para a nação curda. A população curda do norte do Iraque

também está organizada em partido político, contudo, com tendência de centro-direita, fato

que explica em parte as disputas entre os dois partidos “irmãos”.

Como forma de combater o PKK o governo da Turquia promoveu uma série de

recrutamentos nos vilarejos à sudeste do país, Zürcher (2004). Os escolhidos eram homens

com histórico de violência e crimes cometidos, forma aproximadamente 18 mil homens. No

ano de 1986 os recrutas receberam armas do governo para lutar contra o partido guerrilheiro.

Em 1987, como forma de resposta às ações do governo o PKK promoveu vários ataques às

vilas. Segundo Zürcher (2004), os homens do movimento “rebelde” estavam armados com

metralhadores Kalashnikovs e os recrutas do governo com fuzis da II Guerra Mundial. Foi um

massacre. A partir desse episódio iniciou-se intensa campanha de difamação ao PKK e o

Exército passou a combater, sem muito êxito no princípio. O PKK não possui o monopólio da

luta nacionalista curda e ainda passou a ser rejeitado pelo seu povo. Segundo Fernandes

(2005) foram oito (08) organizações que firmaram um pacto anti-PKK, chamado de Tevger.

No ano de 1988 ocorreu uma significativa mudança na imagem de Ocallan. O líder do

movimento esquerdista reconheceu que os ataques às Vilas foi um erro (ZÜRCHER, 2004). A

imprensa turca, deste momento em diante passou a mostrar o lado bom do militante marxista:

um homem que gosta de futebol, capaz de reconhecer seus erros, etc. Contudo, em 1989 o

PKK forma alianças com guerrilhas urbanas de esquerda. Isso promove mudanças na forma

como o grupo era analisado. Esse movimento demonstra principalmente que o partido tinha o

objetivo de abandonar as montanhas e reivindicar seus direitos nos grandes centros urbanos da

Turquia.

Mesmo com esse direcionamento, durante os anos de 1989 a 1993 os ataques ficaram

adormecidos, segundo Zürcher (2004). Já em meados de 1993 a retomada da luta armada.

Foram assassinados 12 (doze) professores na região sudeste do país. Por um período o

governo turco acreditou que o potencial de ataque do PKK estava circunscrito à fronteira.

Mas, depois de ter reconquistado o apoio popular ficou mais fácil, para o grupo, penetrar nas

Vilas. Segundo Zürcher (2004) também no ano de 1993, o exército turco atacou a cidade de

Lice, como vingança pela morte de um comandante dos militares. Nesse período outra

estratégia de combate ao PKK foi a retirada de moradores das vilas onde habitavam membros

8 “Todos os tipos de terrorismo são crimes contra a humanidade. Não há exceção”. (tradução livre)

52

do Partido. Assim, entendia o Governo turco que acabaria com as bases do movimento.

Após a I Guerra do Golfo (1991) os americanos apoiaram os curdos do norte do

Iraque. Caso atingissem a independência a Turquia teria sérios problemas com sua população

curda. O fato é que o movimento iraquiano foi fortemente reprimido por Saddam Hussein.

Esse apoio aos curdos do Iraque, a principio incomodou o governo turco e abalou sua relação

com os EUA. Mas, em um segundo momento a Turquia aproveitou-se das disputas dentro da

etnia e se alinhou aos dois principais partidos curdos do Iraque. Vale lembrar que as relações

entre os curdos turcos e iraquianos nunca foram cordiais.

Conforme Zürcher (2004), os anos 1990 foram marcados por um intenso crescimento

das forças militares de combate ao PKK. Em 1991 eram aproximadamente 150.000 (Cento e

Cinquenta Mil) homens, em 1994 já atingia um total de 250.000 (Duzentos e Cinquenta Mil).

O número de mortos durante os conflitos também assustavam as lideranças da Turquia: em

1994 já contabilizavam um número próximo de 7.000 (sete mil) mortos, em 1996 – 17.000

(dezessete mil) e 30.000 (trinta mil) em 1999. Nos dias atuais esse número ultrapassa 40.000

(quarenta mil) vidas perdidas em virtude desse conflito, da busca por liberdade e talvez da

falta de diálogo entre as partes.

Outros pontos importantes: os curdos possuem uma forte diáspora na Europa,

principalmente na Alemanha (ZÜRCHER, 2004). Esse grupo exerce pressão sobre o governo

da Turquia, pois, tem apoio dos europeus. No âmbito interno qualquer partido que defendesse

a causa curda era visto como traidor, por exemplo, o PLP (Partido das Pessoas do Trabalho)

foi banido por ser considerado separatista. Anos antes o DP (Partido da Democracia) foi

perseguido como sendo o predecessor do PLP. A situação dos curdos provocou na Turquia

um grande trauma, assim eles pensavam que a única solução seria via diplomacia, apesar de

ainda hoje não terem alcançado essa possibilidade.

O ano de 1998 foi marcante para o PKK e seu líder, segundo Zürcher (2004), uma

intensa pressão política e militar sobre a organização. Öcallan foi levado para Rússia e

permaneceu em Moscou por aproximadamente um mês. Ao sair da terra de Lenin foi

convidado por parlamentares da esquerda italiana para ser asilado em Roma. Em seguida

recebeu apoio da Grécia ficando em Nairobi na Embaixada grega. Em 1999 o líder do PKK,

Abdullah Öcallan, foi preso com possível ajuda da CIA/EUA.

Até 1999 com problemas de PKK, o líder do PKK estava escondido na Síria. Ele

está preso e ficará preso para toda a vida. Por que ele é líder de terrorismo, de

organização criminosa. Organização terrorista que continua suas atividades até

53

agora, começou nos anos 1980, depois de trinta anos ainda ativa. Mais de 40.000

(quarenta mil) pessoas morreram por causa desse conflito. (Cônsul Özgün Arman)9

Em novembro de 2003 ocorreu um atentado terrorista em Istambul, provocando a

morte de 60 pessoas aproximadamente. Num primeiro momento a culpa foi atribuída à Al

Qaeda, contudo, descobriu-se que os responsáveis foram turcos, pertencentes ao Hizballah

(Partido de Deus), que não é o mesmo Grupo do Líbano. Esse grupo tinha como alvo

membros do PKK. Assim como a situação do Chipre, a questão curda é de difícil solução,

também pelo fato de envolver a soberania e possessões territoriais de quatro Estados, ou seja,

a questão não é apenas da Turquia.

Na contemporaneidade, conforme afirmação de Özgün Arman, os curdos possuem

uma maior organização política e também são mais respeitados dentro da Turquia. Existe um

partido político que representa os curdos, apesar desse fato não ser oficial, pois a Constituição

proibida partidos com representação étnica ou religiosa, para não provocar divisão interna.

Contudo, afirma o Cônsul, há ainda uma dívida com o povo curdo, principalmente no aspecto

cultural e educacional. A missão do Governo Turco é minimizar essas diferenças, dando aos

curdos melhores condições de vida.

9 Entrevista ao Cônsul Geral da Turquia no Brasil, M. Özgün Arman, em São Paulo dia 31/01/2013. Durante o

texto dissertativo será utilizado o nome do Cônsul. O autor da pesquisa recebeu autorização para essa utilização

desde que os objetivos fossem estritamente acadêmicos. Não é permitido o uso dessas falas (transcrições) em

matérias publicadas na Imprensa.

54

Mapa 3 - O hipotético Curdistão (área mais clara)

Fonte: University of Texas Libraries

2.4.3 O caso dos Armênios – o maior constrangimento turco

Ainda há uma nuvem escura sobre os acontecimentos do final do Império Otomano

(1915/1917) com a população armênia localizada a leste da Anatólia. Neste local, segundo

Fernandes (2004), vários Impérios na Antiguidade e Idade Média travaram sucessivas lutas,

Bizantino, Otomano, Persa e outros. Por fim as terras foram dominadas pelo, multi-étnico e

multi-religioso, Império Otomano em meados do século XIV. O povo armênio já havia

desenvolvido sua identidade nacional ligada à Igreja Cristã Ortodoxa. Além da Anatólia, os

armênios estavam presentes em outras regiões do leste europeu e Oriente Médio. A primeira

controvérsia que surge quanto aos armênios é sobre a relação com a administração Otomana.

55

Historiadores turcos defendiam que fora amistosa, já os europeus acreditavam que estava

marcada por muita violência.

Para aqueles historiadores que tinham uma visão até certo ponto romântica, os

armênios eram para a Porta como uma Millet – comunidade étnico-religiosa – chefiada por

um patriarca nomeado pelo Sultão. Possuíam alguma autonomia política e administrativa,

podiam resolver suas questões internamente. Eram vistos como a “nação amiga” ou “nação

fiel”. Essa amizade foi quebrada quando a ideia de nacionalismo vinda da Europa influenciou

os dois povos. Os defensores da outra vertente (os armênios eram inimigos do Império)

acreditavam que os armênios formavam uma Dhimmi (Zimmi/Raya), termo que se refere aos

cristãos, judeus ou zoroastristas. Pagavam impostos para exercer a religião, não podiam

participar de julgamentos contra os muçulmanos, pagavam impostos pela vida, portanto, eram

reprimidos, não havia liberdade.

Durante a I Guerra Mundial havia um duelo à parte entre a Rússia Czarista e o Império

Otomano. Era para o povo armênio a oportunidade de se constituir como nação tendo o apoio

dos russos; por isso, alguns se juntaram ao exército do Czar. Diante desse fato os membros da

burguesia otomana se viram “obrigados” a proceder com a deportação dos armênios, alegando

para isso a sua traição. Para Fernandes (2005a) os pontos de controvérsia são: havia

necessidade da deportação? Qual é o número real das vítimas? Era intenção do CUP, através

de seus membros, cometer o genocídio? Outro argumento possível à época era saber quem

estava contra e quais eram favoráveis ao Império. Mas um fato pode ser confirmado: o

governo Otomano participou da política de deportação.

As violências cometidas contra o povo armênio tiveram início nos anos de 1894 e

1895, com sucessivos ataques aos povoados. Em meados de 1915, mês de Abril, teve inicio

uma série de perseguições a intelectuais armênios, episódio que marcou o começo da crise

entre os dois povos. Posteriormente houve uma onda de assassinatos de armênios dentro da

Turquia, fato que até a presente data não foi plenamente esclarecido. Também nesse mesmo

período, afirma Fernandes (2004), a Inglaterra e aliados tentaram tomar o Estreito de

Dardanelos. Em outra frente de batalha, o conflito era contra os russos, que segundo suspeitas

do governo Otomano tinham o apoio dos armênios. No entanto, afirma o mesmo autor, que os

armênios presentes na luta eram de outras regiões, da própria Rússia e da diáspora, não

aqueles ligados ao Império.

Diante dessa situação o governo Otomano adotou duas atitudes que culminaram

naquilo que a ONU e alguns países membros desta OI denominaram genocídio. Os armênios,

do sexo masculino, com idade entre 15 e 60 anos eram incorporados ao exército Otomano.

56

Em seguida foram convocados pelo CUP e integrados em pelotões de obras; enviados para

locais distantes ficavam desarmados, segundo Fernandes (2004). Como não podiam se

defender, muitas vezes os armênios foram assassinados pelos próprios membros do exército,

que segundo relatos, os confundiam com inimigos. Por outro lado, através de decretos, o

povo armênio era deportado para terras fora da Anatólia, em direção à Síria principalmente.

Nesse trajeto, sem alimentação, água adequada, tratamento médico, seguidos atos de

extermínios, segundo denúncias, perpetrados pelo exército imperial e até por civis (turcos e

curdos), foram dizimadas aproximadamente 1.000.000 (um milhão de vidas).

Dados do Governo Imperial dão conta de 100.000(cem mil) a 200.000 (duzentas mil)

mortes. Os armênios apontam para o exorbitante número de 1.500.000 (um milhão e

quinhentas mil) a 2.000.000 (dois milhões) de pessoas mortas. Como não se sabe ao certo a

população armênia na Anatólia e devido ao fato de que cada entidade defende seu interesse,

fica difícil precisar a quantidade, por isso autores como Fernandes (2004) trabalham com a

média acima apresentada. O fato é que a deportação ocorreu, contudo, a divergência está na

forma e no número de vidas perdidas. Portanto, é possível concluir que também a situação dos

armênios está ligada à construção da identidade e a disputa territorial em solo turco.

2.4.4 Os golpes

O destaque dado aos golpes militares tem como objetivo ressaltar que a função, ou o

papel social, desse grupo foi e ainda é relevante na história da Turquia. O exército funciona

como os vigilantes do secularismo, nas palavras de Barker (2012) “the guardians of

secularism”, e quando a religião exerce algum tipo de pressão a intervenção desse grupo pode

ser uma das formas de repressão do movimento. No atual governo do AKP (Partido da Justiça

e Desenvolvimento), partido islâmico moderado, a força dos militares tem sido habilmente

controlada por Erdogan, o Primeiro Ministro, inclusive com prisão de oficiais, dentre eles

generais.

Em 1960 a situação política do país estava insustentável. Crise na balança de

pagamentos, desvalorização comercial e industrial, fatores que provocaram forte pressão da

oposição. Burocratas, comerciantes, intelectuais e estudantes formavam o movimento

contestatório. Com objetivo de apaziguar os conflitos, o governo criou um Comitê

Parlamentar Extra-Constitucional, que não alcançou grandes resultados e o golpe militar

aconteceu. Dentre os membros do golpe havia dissenso sobre os rumos do governo

provisório. Uma ala defendia maior militarização e que o desenvolvimento econômico deveria

57

ser pensado como bandeira principal. Outro ala, essa majoritária, desejava organizar as

eleições e deixar a cargo do governo eleito os rumos do país.

Com foco nas ajudas financeiras, a política doméstica turca sofreu ingerência dos

americanos. Isso ficou mais forte na década de 1950, no Governo do Partido Democrata (PD)

de Menderes. Segundo membros da oposição, os estadunidenses se aproveitavam dos

empréstimos para interferir na autonomia interna. Os oposicionistas não eram

necessariamente contrários aos empréstimos, mas queriam reduzir o uso político que os EUA

faziam disso e, portanto evitar o seu controle. Outro ponto de atrito foi o fato de que a relação

com os americanos estava muito ligada ao Premier Menderes. Houve um clamor geral para

que as negociações se dessem entre nações, não entre indivíduos. Temia-se uma ditadura.

O governo do PD foi considerado por Keyder (1979) mais aberto à democracia que o

governo do PRP (Partido Republicano do Povo), o partido democrata permitiu até certo ponto

a pressão da oposição e dos partidos políticos. Mesmo quando organizou a repressão aos

movimentos e manifestações o fez de forma mais amena. O que chamou atenção no Golpe de

1960 foi o fato de que os dois primeiros Presidentes da Turquia10

foram homens saídos do

exército. Tanto Ataturk quanto Inönü foram formados pelo exército, se tornaram líderes

militares de destaque e posteriormente Presidentes da República. À época do golpe de 1960

estava à frente do governo o Partido Democrata de Adnan Menderes, que foi avaliado pelos

militares e por membros do PRP como traidor dos ideias de Mustafá Kemal. Portanto, a

presença de Menderes pode ter causado estranhamento e insegurança, provocando o medo da

quebra do regime que já durava quase 30 anos.

Em 27/05/60 um grupo, liderado pelos militares, tomou o poder com o objetivo de

“defender a unidade nacional”. Em abril desse ano o ex - Presidente Inönü havia recebido um

mandato de prisão por sua oposição ao governo, os militares não aceitaram o uso do exército

para fins políticos. Foi criado o Comitê Nacional da Unidade – junta militar. O Exército não

tomou o poder com objetivo de mudar a Política Externa, desejava fazer ajustes pequenos na

Constituição e prevenir os abusos possíveis. Contudo, não sabiam ao certo o que fazer e nem

por quanto tempo deveriam ficar no poder (HARRIS, 1972), (KEYDER, 1979). Os militares

tinham uma certeza apenas, deveriam organizar a vida política da Turquia, pois, avaliavam

positivamente a amizade com os EUA e refutavam qualquer relação com a URSS. Esse fato

está ligado diretamente à questão da contenção. Para o Governo americano esse

posicionamento dos militares era fundamental.

10

Veja quadro nº 01 com a relação de Presidentes e Primeiros Ministros da Turquia.

58

Em 1961, mês de outubro, ocorreu nova eleição e os militares deixaram o poder.

Como resultado, ou nas palavras de Keyder (1979) – o mais importante legado do Golpe foi a

elaboração de uma nova Constituição, por um Comitê de Professores Universitários. Nesse

documento foram garantidas instituições que viessem a salvaguardar as liberdades

democráticas. De 1963 a 1971 a indústria turca cresceu aproximadamente 9% ao ano. Mais de

90% do capital investido era interno e menos de 1% era externo. As importações eram em sua

maioria de bens de capital e o déficit na balança chegou a $ 500 milhões de Dólares. O que

deu fôlego à economia foi a remessa de dinheiro feita pelos trabalhadores turcos residentes na

Alemanha.

Após o golpe, os militares entregaram o poder ao ex-presidente Inönü, que voltou a

liderar e assumindo a função de Primeiro Ministro e governando até 1965. Esse ano foi

conturbado na história da Turquia. Os turcos acusam o PJ (Partido da Justiça) de ser

influenciado pelo governo americano e promover uma espécie de golpe contra o Governo de

Inönü, quando assume o Premier Suleyman Demirel. O fator espionagem foi percebido

dentro da Turquia através da presença da CIA, agência de inteligência americana. Isso fez

criar o sentimento de repulsa, anti-americanismo, dentro do país de Atatürk. A CIA

subsidiava inclusive a Fundação Ford, influente organização estadunidense voltada para a

educação.

Em 1971, apesar do crescimento importante da década passada, novo golpe militar.

Para entender essa outra interferência do Exército será preciso voltar um pouco na história. As

eleições que aconteceram em 1961 não tinham alcançado o sucesso desejado, assim o país

viveu durante esses dez anos sob intensa crise política. Em 1965 foram realizadas novas

eleições, mas o Partido da Justiça (PJ), de Demirel, foi o vencedor, mas não governou

tranqüilo. Segundo Keyder (1979) o PJ seria um herdeiro das tradições políticas do PD. O PJ

venceu as eleições em 1969, desta vez, com pequena margem de diferença. Paralelamente a

isso os militares estavam fortemente integrados à economia da Turquia. Criaram um fundo de

pensão que rapidamente se tornou lucrativo e os militares se transformaram em proprietários

de várias instalações de empresas transnacionais no país. Portanto, além dos interesses

secularistas somavam-se agora os capitalistas.

Em 1970 protestos trabalhistas eclodiram na Turquia. Isso reacendeu na burguesia a

intenção de diminuir as liberdades democráticas, pensavam as elites, que as garantias

constitucionais estavam avançadas demais para o país. Além disso, surgira no país, o PJ um

partido com tendência revolucionária. Para esse grupo, a presença americana significava

perda da autonomia política e da soberania. O caso do Chipre foi então emblemático, e

59

passaram a condenar veementemente a presença americana e a aliança entre Turquia e EUA.

O partido passou a demandar a saída da OTAN e o fim do pacto de amizade. Por outro lado, a

direita turca temia a entrada do comunismo no país e isso levou a vários confrontos entre a

polícia e estudantes causando algumas mortes.

A elite turca insistia na ideia de que o país não estava apto para viver uma abertura

política sem determinado nível de controle e o Exército concordou com esse argumento. Os

militares “considerando” a incapacidade do governo e do parlamento para enfrentar a

“anarquia” resolveram intervir no país em 12 de março de 1971 e tomaram o poder

novamente. Em 1973 o descontentamento da população era geral, trabalhadores e burguesia

firmaram posição contra o regime autoritário. O golpe final ao regime foi quando um dos

militares abriu mão do cargo temporário de Chefe de Governo para concorrer legalmente à

presidência. Ao ser comparada com as ditaduras latino-americanas, a saída dos militares do

governo turco após o golpe foi relativamente rápida.

Novo golpe em setembro de 1980. O exército por mais uma vez assume o poder na

Turquia, na pessoa do General Kenan Evren que se tornou o presidente. O país foi colocado

sob estado de sítio. Em 1981 o governo militar estabeleceu a Comissão Constituinte. Em

1982, após referendo popular, a nova constituição foi promulgada. Em 1983 a vida política do

país foi restabelecida com os militares fora do poder. A Turquia entrou em um período de

mudança na condução de sua política externa. Percebe-se que a luta de classes está por trás

dos golpes na Turquia. As intervenções do exército turco foram sempre pontuais,

aparentemente não havia intenção de longa presença à frente do Governo. A questão que

sempre orientava a atuação dos militares era mesmo a manutenção do secularismo de Atatürk.

Pode-se dizer que houve um quarto golpe militar, ocorrido em 1997, contudo, suas

características diferem dos anteriores. Para Fernandes (2005a) foi o que muitos chamaram de

Golpe pós-Moderno. Nesse fato o Governo de Necmittin Erbakan (Partido da Prosperidade)

caiu, mas o exército não precisou deixar os quartéis. Novamente se expressa uma das

atribuições “quase que precípua” do exército, guardar o secularismo. O Partido de Necmittin

tinha tendência islâmica e foi o mais votado nas eleições para a Grande Assembléia Nacional.

A queda do Governo se deu em virtude de forte pressão dos militares, através do Conselho

Nacional de Segurança – o garantidor do processo, e da ala defensora do secularismo. Ainda

de uma forma velada esse debate ganha destaque na Turquia devido a longa presença no

governo do Partido islamita moderado de Erdogan.

60

2.5 Nação, Nacionalismo e o caso turco

Toda a compreensão da história humana moderna passa pelo entendimento do termo

nação. Essa questão se torna fundamental e básica para a constituição do Estado, pois, vincula

a existência social de seus membros e sua identificação individual, ou seja, a questão do

nacionalismo pode interferir na formação social e nas características de ser social. Para

Hobsbawm (2008) todas as tentativas de definir nação apresentaram falhas, pois, sempre

havia exceções. Ele afirma ainda, que o nacionalismo surgiu antes de nação, que é um

conceito moderno. Os indivíduos se ligavam por alguns traços comuns, como língua, etnia

entre outros.

O debate em torno da nação sempre gerou controvérsias na época moderna. No final

do século XIX com a implantação dos Estados-Nação, as discussões em torno do

nacionalismo foram fortalecidas. Assim, a nação deveria ser una, indivisível e trazia para a

cena a ideia de povo, e deveria necessariamente estar vinculada à questão do território.

Paralelamente agregava o elemento da cidadania, da escolha e da participação de massa

conforme, Hobsbawm (2008). O fator complicador à época seria a definição dos critérios

para distinguir a nacionalidade: língua, etnia, traços físicos, características biológicas e em

alguns casos até a religião poderia ser critério para nacionalidade. Um exemplo desse conflito

foi vivenciado pelos franceses, uma situação no mínimo paradoxal. Em seus estudos, os

teóricos franceses afirmavam que a língua não seria fator definidor da nação. Contudo, um

dos critérios para que se atingissem as condições plenas de cidadania francesa era que o

cidadão adotasse o francês como língua oficial.

Mas, o fato que impulsionou a ideia do nacionalismo foi o capitalismo, tanto que

Hobsbawm (2008) afirma que o Estado-nação teve uma função específica para o

desenvolvimento desse sistema. O caso do nacionalismo turco é emblemático, seu

nacionalismo foi totalmente direcionado para o esforço de adequação ao sistema capitalista11

.

Desta forma o país poderia voltar todos os esforços para a entrada na Europa, os países do

centro eram o exemplo principal de crescimento. O século XX foi marcado pelo crescimento

da economia internacional, assim, ao mesmo tempo em que promovia a integração através do

comércio entre as nações, acelerava a disputa entre elas. Para os liberais a princípio a ideia de

nação não seria interessante, pois, a riqueza individual deveria ser diferente da riqueza

11

“Since the establishment of the Republic of Turkey, the people´s vision has been blurred by the official

ideology of introverted ethnic nationalism and the Eurocentric enlightenment view of history. The resultant of

these tendencies is a society trying to decide on its identity and to define the identify of its state.” (SOMEL,

2011, p. 210)

61

nacional. Contudo, viam no Estado-nação a possibilidade de regulação das ações econômicas.

Por isso o autor afirmou que “... nenhum economista – mesmo da mais extrema convicção

liberal – podia negligenciar... a economia nacional.” (HOBSBAWN, 2008, p. 40).

A tendência das economias durante a passagem do século XIX para o século XX era

se desenvolver internamente para ter capacidade de entrar no mercado global. Não será objeto

desse trabalho, mas a obra desenvolvida por Lênin (1916)12

aborda a temática da

internacionalização do capital. Para avançar nesse movimento seria necessária uma burguesia

capitalista que pudesse liderar o processo. Essa burguesia agiria em outros países adotando a

estratégia das empresas multinacionais, ou seja, para conquistar outros povos, essas

companhias atuaram como nacionais em países que não eram aqueles de sua origem. No

entanto, os lucros adquiridos eram enviados à sede que jamais saíra do país onde foi criada a

empresa.

Hobsbawm (2008) afirma que foram desenvolvidos pelos liberais três formas de

classificar um povo como nação. Primeiro fato é sua associação histórica com um Estado

existente ou de passado recente e razoavelmente durável, no que pode ser enquadrado o caso

da República da Turquia. Os turcos foram ligados ao Império Otomano que teve seu fim

decretado após a I Guerra Mundial. A segunda é a criação de uma elite cultural longamente

estabelecida – com vernáculo administrativo e literário escrito, característica que enquadra

parcialmente o CUP. Por fim, a capacidade da conquista, essas formas representavam a

superioridade das raças e a prova da evolução.

O processo de expansão do nacionalismo aconteceu também com base nas conquistas.

Aquelas nacionalidades maiores acolhiam as menores, desde que houvesse consenso, caso

contrário, poderia ser pela conquista. “Alguns povos ou nacionalidades foram destinados a

nunca se tornarem nações” (HOBSBAWM, 2008, p. 48). Essa tese pode ser aplicada ao povo

curdo, considerada a maior nação sem Estado do mundo atual. Vários movimentos já foram

realizados por esses países de forma a inviabilizar a criação do Estado curdo. As pequenas

nações geralmente são submetidas às poderosas. O nacionalismo estava muito ligado ao

progresso, ao alargamento das possibilidades econômicas, sociais e culturais.

Assim, a ideia de nação sobrevive nos termos de Anderson (1991) como uma

“comunidade política imaginada”. É política, pois, possui limites próprios e é também

soberana. Por trás desse ideário está presente uma ideologia ou várias que fazem da

perspectiva nacional fator de dominação e de conflitos. Para Hobsbawm (2008) a comunidade

12

LENIN, V. H. O Imperialismo: fase superior do capitalismo. São Paulo: Editora Parma, 1979. 1º Ed.

62

imaginada funciona como forma de suprir o vazio emocional deixado pela queda e

desintegração ou mesmo inexistências de relações humanas estáveis. Anderson (1991) afirma

que desde a Segunda Guerra toda a revolução tem sido definida em termos nacionais. O

nacionalismo evoca uma ideia de imortalidade/eternidade, nos termos de Anderson (1991),

um sentimento quase religioso.

O nacionalismo passou por várias mudanças. Para o desenvolvimento desse trabalho

interessa o período de 1870 a 1918. Os anos de 1880 a 1914 o nacionalismo passa a

reivindicar um território para se constituir como Estado. Para se estruturar uma nação

precisaria de um Espaço, foi essa a visão de Atatürk, aqui a geopolítica se transforma em algo

essencial. Novamente é possível recorrer à teoria de Ratzel e perceber que esse espaço

também gera identidade. A geopolítica e o construtivismo dialogam nesse aspecto. A língua e

a etnia se tornam centrais para a existência da nação. Foi também nesse período que a

esquerda passou a exigir o direito à nação, à cidadania, fato considerado um movimento

totalmente novo e revolucionário para o período. O nacionalismo turco surgiu nesse período

conturbado da história mundial. Mas hoje os turcos se identificam com a Anatólia.

Um fato que agravou, pode-se entender assim, a questão nacional foi a transformação

implementada pelas ciências sociais na segunda metade do século XIX, quando

transformaram a raça em conceito central para o nacionalismo. Com essa mudança muito da

barbárie humana podia ser justificada, expulsão do território, mortes violentas, entre outros

fatores. Desse período em diante raça e nação passaram a simbolizar sinônimos possíveis.

Hobsbawm (2008) afirma que o nacionalismo triunfou no pós I Guerra, marcado por dois

fatores principais:

a) o fim dos impérios multinacionais como o Turco-Otomano e Austro-Húngaro;

b) a revolução russa. Nesse momento as teorias geopolíticas ganham relevância,

principalmente aquelas influenciadas pela biologia.

Os movimentos nacionalistas do início do século XX tiveram como característica a

rejeição ao socialismo do proletariado. O movimento dos trabalhadores era também

internacionalista, pois, pregava a união da classe trabalhadora no âmbito internacional e esse

fato entrou em choque com o desejo de expansão das companhias multinacionais. Mas, o

apelo nacional foi mais forte que a ideia socialista, a partir do momento que os trabalhadores

se enfrentaram para defender, cada um, sua nação.

63

O período entre-guerras foi marcado pela aspiração do Presidente Wilson de fazer as

fronteiras nacionais coincidirem com as fronteiras dos Estados. Os acordos de 1918

expressaram essa tendência e posteriormente o Acordo de Sèvres também evidenciou esse

objetivo. Portanto, a divisão da Anatólia não se deu em Versalles, mas em Sèvres, ao menos

formalmente. Para Hobsbawm (2008) esse período ficou conhecido como a era das minorias

oprimidas em detrimento aos povos oprimidos no período dos Impérios Multinacionais.

Anderson (1991) afirma que o nacionalismo foi o mal que atravessou o século passado. A

questão do povo armênio confirma a frase supracitada. Depois de 1917 os armênios

praticamente desapareceram das terras turcas. Esse grupo étnico composto por uma maioria

cristã ortodoxa estava localizado na região ao sul do Cáucaso, entre o Mar Negro e o Mar

Cáspio.

Outras etnias habitavam a Anatólia quando os turcos chegaram, portanto, a Anatólia é

considerada nos termos de Fernandes (2005b) a segunda casa dos turcos. Por isso uma das

formas encontradas por Atatürk para legitimar seu povo foi através da história. Fundou

durante seu governo a Fundação da Sociedade de História e a Sociedade para Língua Turca.

Aproveitando-se dos fatos históricos “mal resolvidos” esses grupos fundaram o “turquismo”,

reformularam a história turco-otomana, deixando em segundo plano a história muçulmana,

dos impérios e aquilo que era dúvida, até mesmo científica, na formação desses povos foi

transformado em certeza a favor da Turquia.

Na avaliação de Fernandes (2005a), a identidade nacional turca é fragmentada, isto

inclui aspectos religiosos, étnicos, ideológicos e até geopolíticos. Apesar da propaganda do

secularismo, o Islã nunca foi abolido na Turquia e isso traz certo sentimento anti-ocidental no

povo daquele país. Não houve consenso em torno da ideia secular que foi “imposta” por

Atatürk. O movimento de certa forma contrário à religião fazia parte de um esforço para se

adequar às exigências da modernidade e se aproximar do estilo de vida europeu e, além disso,

superar as debilidades do Império Otomano.

A ideia da nação secular, aliada a outros problemas analisados no capítulo II, fez da

Turquia um país com algumas clivagens, nas palavras de Fernandes (2005a). De um lado e

seguindo a linha do fundador Kemal surge um grupo, elitista, burocrático e com a

participação de militares “os guardiões do secularismo”, segundo Sem Fronteira (2011) -,

ligado à academia, imprensa e à esquerda européia. Por outro lado, uma contra-elite,

influenciada por movimentos islâmicos, também com apoio de parte da imprensa, empresarial

e de tendência mais à direita. Os outros paradoxos, ou clivagens, são: étnico-territoriais, no

caso dos turcos x curdos; religiosos, muçulmanos divididos entre sunitas e xiitas, ainda uma

64

minoria cristã.

2.6 A conturbada relação com a Grécia

Quando terminou a Primeira Guerra Mundial, os líderes do Império Otomano

acreditavam que estariam em condições de se manterem organizados como Estado, eles

pensavam isso devido às falas de homens como o Presidente Wilson (ORAN, 2010). O

discurso à época era o de manutenção da paz, da harmonia e do respeito mútuo entre as

nações. Contudo o IO já estava dividido no papel pelas grandes potências. Ainda segundo

Oran (2010) uma situação era certa, os líderes europeus daquele período não podiam manter

os Otomanos no comando da área onde hoje se localiza o Oriente Médio.

Por outro lado, para a Grécia e para os gregos residentes na Anatólia, a derrota do

Império Otomano parecia simbolizar a possibilidade de realização da Megali Idea (Grande

Ideia). O Primeiro Ministro Elefterios Venizelos desejava unir todos os gregos em único

território sob um mesmo Governo. Para que o sonho se tornasse real, os gregos exigiam o

controle dos Estreitos, do Chipre, cidades como Izmir, entre outras, ou seja, a região Oeste da

Anatólia. Segundo Oran (2010) a Grécia usou a justificativa da auto-determinação dos povos.

Várias estatísticas foram utilizadas, através do número de fiéis nas Igrejas Ortodoxas,

reduzindo a quantidade de moradores muçulmanos e aumentando a taxa de gregos no local.

As reivindicações do Premier grego dividiram as opiniões. Ingleses e franceses

defendiam a ideia, já os norte-americanos e italianos eram contrários. Esses desacordos

fizeram com que em 24/04/19 a delegação italiana abandonasse a Conferência de Paris. No

dia 15/05/19 os gregos ocuparam Izmir e esse episódio fez intensificar o ódio entre as

populações. Após essa invasão os representantes do Império que participavam da reunião na

capital francesa fizeram algumas exigências junto aos demais participantes, mas não foram

ouvidos. Em junho do mesmo ano a delegação Otomana foi convidada a deixar a Conferência.

Dois pontos causaram problemas na reunião: a) na “Turquia” iniciou-se um movimento de

resistência; b) os aliados não conseguiam se entender, cada um defendia evidentemente seu

interesse e o diálogo ficou comprometido. (ORAN, 2010)

O movimento de resistência era bem organizado e após a invasão grega ficou ainda

mais intenso, conforme Oran (2010). A ideia dos aliados a princípio seria restringir o campo

de ação da Grécia, contudo as tropas gregas avançavam em direção a outras cidades da

Anatólia. Dentro do grupo dos aliados França e Itália sempre optavam pelo debate, enquanto

Inglaterra e Grécia usavam da força para alcançar seus objetivos. Internamente a “Turquia”

65

organizou um pacto nacional que objetivava a restauração da soberania turca. Contudo, em

março de 1920 os aliados invadem a cidade de Istambul. Aproveitando a oportunidade os

gregos pedem permissão à Inglaterra para avançar em terras Otomanas. Os britânicos

permitem, mas avisam que não poderão fornecer apoio.

Oran (2010) informa que em julho de 1920 a Grécia penetra ainda mais as terras turcas

e ocupa as cidades de Usak, Edirne e Bursa. No mês de Agosto foi assinado o Tratado de

Sèvres pelo Governo de Istambul. Os turcos organizaram a TGNA (Grande Assembléia

Nacional Turca) que foi a responsável pela assinatura do documento. A questão a saber é se a

assinatura do Tratado foi uma forma de ganhar tempo. A TGNA também buscou nesse

período a aproximação com Moscou. Conforme menção feita nesse trabalho, após as diversas

crises entre aliados e a retirada das potências, explode o conflito Grego-turco entre 1920 e

1922. Após a assinatura do Tratado de paz a população francesa e a inglesa desejavam suas

tropas de volta a seus países.

Em 1921 na cidade de Londres a Turquia declarou que não reconhecia o Tratado de

Sèvres. Os turcos resistiram bravamente aos aliados e à Grécia. Os aliados enviaram uma nota

conjunta, depois de algum tempo de luta, propondo uma Conferência para debater a paz.

Segundo Oran (2010) a Conferência de Paz de Lausanne foi aberta em 20/11/1922, para o

autor os problemas entre Turquia e Grécia podem ser agrupados em três pontos:

a) questão territorial e fronteiriça;

b) problemas humanitários com a troca de populações;

c) questão financeira e de reparação.

Quanto à questão territorial as Ilhas do Egeu e Trace eram os dois focos. Quanto a Trace os

dois países não se entendiam quanto aos limites da fronteira. Foi feito um acordo, mas em

1938 o pacto foi quebrado. Quanto as Ilhas no Mar Egeu, problema ainda hoje gera

controvérsias. Para a Turquia as Ilhas fazem parte da Anatólia, portanto, são essenciais para

sua estabilidade e segurança. Segundo Oran (2010) a ambição grega poderia ser prejudicial à

Anatólia. Para a Grécia as Ilhas estão sob sua soberania.

As questões humanitárias estão diretamente ligadas à troca de populações entre os dois

países, na Conferência a delegação turca sugeriu a ideia. Seria feita a seguinte mudança: os

gregos ortodoxos, residentes na Turquia, voltariam para a Grécia e os turcos mulçumanos,

residentes na Grécia, retornariam para a Turquia. Para se ter uma ideia, após o conflito entre

os dois países e a retirada do exercito grego, aproximadamente 01 (um) milhão de pessoas

66

saíram da Anatólia em direção à Grécia. Foi uma das situações mais constrangedoras da

história das relações internacionais. Para debater a troca de populações foram elencados

alguns pontos: a troca seria obrigatória ou voluntária? Quais grupos seriam incluídos? Como

ficariam os limites de Istambul? (ORAN, 2010)

Para o TGNA a troca deveria ser compulsória, o que acabou acontecendo. O grupo

queria ainda que todos fossem incluídos na troca, sem exceção. Para o Governo da Grécia a

troca deveria ser voluntária, os gregos afirmavam que não condições físicas e muito menos

financeiras para receber tantas pessoas, mas não teve alternativa. Segundo Oran (2010) a troca

foi assinada em 30/01/1923, antes mesmo da conclusão do Tratado. A assinatura do

Documento de Lausanne foi para a Turquia o símbolo maior da conquista, o país se tornou

um Estado-nação e adquiriu com isso o reconhecimento internacional. Por outro lado, para os

gregos a imigração significou o fim da “Megali Idea”.

A década de 1920 significou para os dois países o período de reconstrução e até

mesmo de alguns esforços para a paz. Organizaram os Tratados de Ancara em 1925 e de

Atenas em 1926. O Tratado de Ancara foi o primeiro esforço de acordo entre os Estados,

neste acordo trataram de temas como: patriarcado e propriedades daqueles que foram

incluídos nas trocas de populações. Já o documento de 1926 deveria resolver questões

relativas às finanças. Apesar de tentar resolver problemas relativos as disputas os tratados

nunca foram ratificados pelos países. (ORAN, 2010).

O período de 1928 à 1939 ficou marcado como o período do bom relacionamento

entre os dois países. Segundo Oran (2010) a Turquia estava com sua atenção voltada para o

Ocidente, pensava um processo de paz, inclusive buscava incluir os Bálcãs nessa situação. Na

Grécia, Venizelos foi eleito Primeiro Ministro e devolveu ao país a estabilidade que há muito

não existia. A Política Externa no novo Governo era bem diferente daquela vivenciada na

década de 1920. Para os dois Estados a paz poderia promover desenvolvimento econômico e

reformas sociais. O problema é que tanto Itália quanto França permaneceram com interesses

na região balcânica. Apesar dos avanços a questão dos Bálcãs permanecia incomoda. A

solução vislumbrada pelos dois Estados, segundo Oran (2010) seria através de acordos

regionais. Ainda segundo Oran (2010) países como Alemanha, Itália e Bulgária não estavam

satisfeitos com os resultados do pós – Guerra. Foi promovida uma questão apenas para tratar

desse assunto.

O ano de 1928 foi marcado pelo início das conversas entre os países para resolver

pendências relacionadas à troca de populações (ORAN, 2010). Essas negociações levaram ao

encontro que ficou conhecido como Convenção de Ancara, em 10 de junho de 1930. Um dos

67

aspectos mais importantes do diálogo foi o reconhecimento dos cidadãos gregos na Turquia e

dos turcos na Grécia. Assuntos como a posse das residências, terras e estabelecimentos

deixados por aqueles que foram envolvidos na troca também estava na pauta. Através desta

Convenção foram acertadas questões políticas, econômicas e sociais. Em outubro de 1930

Venizelos visitou a Turquia e lá assinou outros três acordos13

. “Pela primeira vez, um período

de amizade foi inaugurado entre Grécia e Turquia”. (ORAN, 2010, p. 209)14

A amizade entre os países foi ficando cada vez mais enraizada era o que

demonstravam. No ano de 1933 foi assinado outro documento o Acordo de Cordialidade

Proteção. Com essa aliança os países se comprometiam em ajudar-se caso ocorresse qualquer

ataque às suas fronteiras. Portanto, o acordo tinha caráter militar e de segurança. A relação

estava tão promissora que em 1934 foi inaugurado um escritório em Istambul para tratar

apenas das questões relacionadas à Turquia e Grécia. (ORAN, 2010) A situação fez inclusive

que a vida das minorias nos dois países tivesse uma reviravolta, os muçulmanos da Grécia e

os ortodoxos na Turquia passaram a ser mais respeitados.

No período em que o mundo foi assolado pela II Guerra a ligação entre os países do

Atatürk e Venizelos esteve abalada. Logo em 1939 a Grécia foi invadida por militares

fascistas e posteriormente por nazistas. Após o final do conflito e devido às conseqüências da

invasão os gregos vivenciaram violenta Guerra Civil. Por outro lado a Turquia não foi

invadida, apesar de sua economia como em toda a parte do mundo ter sido muito afetada. A

posição adotada pelo Governo de Ancara foi de neutralidade e isso fez com que houvesse

intensa pressão, principalmente da URSS, para que os turcos assumissem um lado. A postura

de isolamento se deve, em parte, ao intenso relacionamento dos turcos e alemães.

Conforme já mencionado neste trabalho o ano de 1947 foi significativo para as

Relações Internacionais em geral. Nesse ano os EUA se posicionam contrários às políticas

adotadas pela URSS. Uma das estratégias usadas pelos americanos foi a aproximação com

Atenas e Ancara. A reclamação dos gregos naquele período foi quanto à deslealdade dos

turcos, pois sua neutralidade rompia com as determinações do Acordo realizado entre os dois

países. A Turquia não estava, segundo os gregos, cumprindo o Tratado assinado na década de

1930. O Governo de Venizelos solicitou ajuda quando foi invadido pelos italianos em 1940 e

depois novo pedido foi realizado quando da invasão alemã em 1941, e em ambas as situações

os turcos não concederam a ajuda. (ORAN, 2010).

13

Os três acordos assinados foram: Tratado de Amizade, Neutralidade, Conciliação e Arbitramento; Tratado de

Comércio e Navegação; Protocolo sobre o limite das Frotas. 14

“For the first time, a period of friendship was inaugurated between Greece and Turkey.” (Tradução livre)

68

A Turquia “soube” aproveitar o momento e suspendeu suas relações com a Grécia,

segundo Oran (2010). Ainda se utilizou das Ilhas do Mar Egeu como moeda de troca em

negociações com a Alemanha nazista e na negociação escolheu algumas ilhas que afetariam

diretamente sua segurança. Portanto, segundo Oran (2010) a amizade foi desprezada. Para

piorar a situação os turcos promoveram algumas perseguições às minorias gregas, rompendo

mais uma vez aquilo que havia sido acordado entre os países. Uma das medidas foi convocar

todos os homens de 18 a 45 anos para o exército entre 1941 e 1942. Esses homens eram

enviados para missões sem nenhum armamento. (ORAN, 2010).

A amizade seria restaurada a partir de 1947 e os parceiros se propuseram a analisar

situações da região que lhes afetava: os Bálcãs, a Ásia e o Oriente Médio. O período que Oran

(2010) denominou segundo momento da amizade foi mais intenso depois de 1950,

principalmente em virtude da entrada na OTAN. Na década de 1950 Turquia e Grécia

vivenciaram políticas semelhantes, principalmente devido à interferência americana. Era

nítido o interesse em vincular os dois países ao modelo capitalista ocidental e afastá-los da

influência soviética. Os dois Estados ficaram extremamente dependentes da ajuda financeira

dos EUA. “Com a entrada da Grécia e da Turquia para a OTAN em 1952, os EUA iniciaram a

implementação de sua política de contenção.” (ORAN, 2010, p. 351).15

Antes da efetiva entrada para a organização militar do Ocidente, os Gregos enviaram

soldados para a Guerra da Coréia, assim como os turcos. Segundo Oran (2010) em 1952 a

reaproximação foi mais perceptível devido ao número de visitas e reuniões realizadas pelos

Chefes de Estado. Ainda nesse ano os debates em relação ao Chipre começaram a ocupar as

agendas dos líderes. Em 1953 o Chipre ganhou demasiado destaque, mas a amizade

permaneceu. Assim como em 1930, nesse período a proximidade fazia com que o nível

interno dos países e o ambiente regional fossem positivamente influenciados.

Em 1954, já no auge da Guerra Fria, foi assinada a Aliança Balcânica com suporte dos

EUA. Esse pacto era mais uma forma de evitar o “perigo comunista”. Em um primeiro

momento, meados de 1952 e 1953, as conversaram foram direcionadas em torno do pacto

entre Turquia, Grécia e Iugoslávia, segundo Oran (2010), mas ainda não era uma aliança. Em

1954, os Estados firmaram a Aliança, nesse caso, uma ligação de cooperação política,

assistência mútua no campo militar e de segurança. O documento foi assinado em Agosto, foi

importante, no entanto, não fez prosperar a amizade, isso porque outros assuntos sempre

voltavam à agenda dos países vizinhos.

15

With the accession of Greece and Turkey to NATO in 1952, the US started implementing its containment

policy.

69

A ligação entre turcos e gregos seria de fato ameaçada pela questão cipriota. A

situação desse pequeno país-Ilha está diretamente vinculada à história do passado Otomano

que liga as duas nações. Sabe-se ainda que é uma problemática de difícil solução. Em 1955 a

Turquia passa a se envolver diretamente nas divergências do Chipre e isso incomoda a Grécia.

Os norte-americanos pensando em defender a OTAN e seus interesses promoveram algumas

intervenções no conflito buscando evitar maiores constrangimentos e selando a paz

temporariamente. Maiores detalhes da situação estão no item 2.4.1, que não serão rediscutidos

nesta parte do trabalho.

Segundo Oran (2010), a boa relação funcionou até o momento em que a situação do

Chipre explodiu, principalmente após a independência em 1960. Além dessa problemática,

voltou à agenda os debates em torno da divisão do Mar Egeu. As décadas de 1960 e 1970

foram importantes no âmbito internacional, pois elas marcaram a mudança na condução da

Guerra Fria pós Crise dos Mísseis. No aspecto interno, ambos os países vivenciaram

mudanças. Devido aos investimentos dos EUA as características agrícolas foram colocadas

em segundo plano, pois o objetivo era a aproximação com o mundo capitalista. A Turquia não

estava preparada para essas mudanças muito rápidas e isso levou ao golpe de 1960, conforme

apresentado no ponto 2.4.4. Foi, portanto, um período de transformações nos dois países.

“O Chipre permaneceu no centro das relações Turco-gregas desde a década de 1950.

Na segunda metade da década de 1970 o Chipre foi ultrapassado pelas questões relativas ao

Egeu” (ORAN, 2010, p. 452)16

. A questão entre os dois países sempre esteve ligada ao espaço

marítimo, partes do continente e às Ilhas localizadas no Egeu. Quando da assinatura do

Tratado de Lausanne foi acordado que cada país ficaria com (03) três milhas no Mar Egeu. Já

no ano de 1936 a Grécia estendeu seus limites para seis milhas sem uma objeção declarada da

Turquia que em 1964 manifestou o desejo de aumentar sua área limítrofe para seis milhas

também. Na verdade os dois países desejavam chegar às vinte milhas, mas o acordo nunca foi

alcançado.

No ano de 1959 a Grécia descobriu petróleo e reclamou o direito de explorá-lo no

Egeu. Em 1973 a Turquia reivindica para si o direito sobre o óleo na região. Não houve

diálogo novamente. Em 1975 os gregos reforçaram a presença militar nas Ilhas locais e os

turcos organizaram uma armada a partir de Izmir. O Premier grego em 1976 propôs o diálogo

e o fim da corrida armamentista que amedrontava a região. Não houve acordo e a situação

piorou novamente e segundo Oran (2010) os países estiveram muito próximos de um conflito.

16

Cyprus had been at the center of Turkish-Greek relations since the 1950s. In the second half of the 1970s

Cyprus was displaced by the questions relating to the Aegean.

70

O caso foi levado à CIJ (Corte Internacional de Justiça) sem alcançar sucesso.

Com a proximidade do conflito entre os membros da OTAN os americanos

promoveram a intervenção no conflito. Havia no Congresso dos EUA um forte Lobby grego e

esse pressionou bastante para que o embargo imposto à Turquia fosse mantido. Apesar disso,

turcos e gregos iniciaram algumas conversas que culminaram na Declaração de Bern em

1976. O objetivo desse documento era demarcar os territórios, mas, no entanto, outros

problemas permaneceram sem solução. O espaço aéreo do Mar Egeu também estava em

disputa. “As diferenças entre Turquia e Grécia não estavam resumidas ao ambiente

marítimo”. (ORAN, 2010, p. 457)17

. Em setembro de 1931 a Grécia baixou um decreto

presidencial no qual mudava seu espaço aéreo de 03 (três) para 10 (dez) milhas. A Turquia

reagiu, mas o assunto ficou paralisado até meados de 1974.

Segundo Oran (2010) a década de 1980 foi contemplada com dois grandes líderes:

Turgut Özal na Turquia e Papandreou na Grécia. Homens que souberam avaliar e se

utilizarem da situação de invasão do Afeganistão e da Revolução iraniana em benefício de

seus Estados. Os dois governantes sabiam que seus países seriam estrategicamente

fundamentais para os EUA. Com a chegada dos republicanos na Casa Branca em 1980 a

corrida armamentista foi intensificada. Por outro, lado o Islã adotou uma política mais

moderada nesse mesmo período.

O Regime ditatorial do início dos anos 80 na Turquia obteve apoio do Islã na luta

contra os “rebeldes” curdos e movimentos de esquerda, segundo Oran (2010). Os militares

estiveram também fortemente ligados à Washington para implementar a nova doutrina, militar

e econômica. O neoliberalismo, implantado nos EUA e Inglaterra principalmente, foi copiado

pela Turquia. A política adotada por Özal foi adequada ao movimento político e militar do

momento, para isso ele levantou os principais problemas do país no aspecto interno e no

aspecto da Política Externa. Sendo que os dois mais relevantes eram: o problema do Chipre e

a relação com os gregos.

Desde 1974, quando a Grécia voltou a ser uma democracia, os governos gregos

procuraram estabelecer políticas com bases sólidas. Até mesmo partidos como o Comunista

foram colocados na legalidade. (ORAN, 2010). A monarquia naquele país já havia sido

abolida em 1974 após a realização de plebiscito. Também nesse ano o país resolve sair da

OTAN e se aproximar mais da UE. Os gregos buscaram nesse período estabelecer vínculos

com os países dos Bálcãs e a URSS. Em 1980 a Grécia se torna membro associado da União

17

“The differences between Turkey and Greece were not confined to the maritime environment.”

71

Européia. Com isso parecia que de fato haveria maior aproximação entre os vizinhos, mas

isso não ocorreu.

A Europa buscava ignorar a administração ditatorial na Turquia e valorizar a Ilha

cipriota e esse fato colocava os militares muito próximos dos EUA. Ainda no clima da Guerra

Fria a Turquia se tornou um dos mais importantes defensores da política americana. Esses

alinhamentos serviam cada vez mais para colocar os dois países em pólos opostos. A

perspectiva da ameaça sempre estava presente principalmente do lado grego, que não pensava

em negociar com um país que não lhes transmitia confiança. Uma das condições impostas

pela Grécia para qualquer negociação seria a retirada das tropas do Chipre. Mas, sobretudo, a

solução dos problemas das minorias gregas presentes na Turquia permanecia como uma das

principais fontes de desgaste e tensão entre os países, junto com as questões do Mar Egeu. Em

março de 1982, por exemplo, cerca de 100 fazendeiros gregos perderam suas terras em

disputas com o Governo turco. (ORAN, 2010).

Quando Özal assume o Governo na Turquia suas primeiras iniciativas foram

direcionadas à reaproximação com a Grécia, mas não houve reciprocidade. Em meados de

1984 os gregos acusavam aos turcos de tentativas imperialistas. Turgut Özal afirmava que

essa acusação seria uma forma de internamente atrair atenção entre os próprios gregos e

afirmou que não era interesse da Turquia se apropriar das terras gregas. Papandreou mantinha

o discurso e não aceitava negociar. Os Ministros de Política Externa agendaram uma reunião

entre os Primeiros Ministros no ano de 1986, mas Papandreou desmarcou o encontro dias

antes de seu acontecimento. Em abril desse mesmo ano as duas Marinhas fizeram exercícios

de Guerra no Egeu e em junho aviões gregos fizeram vôos muito próximo ao Dardanelos.

Em 1987 explode outra crise do Mar Egeu. A Grécia optou por causar desgaste à

Turquia junto aos Estados da Europa. Assim o Governo grego intensifica a exploração de

Petróleo no mar e ignora os acordos anteriores feitos com os turcos. Novamente os dois países

se vêem diante de uma guerra, pois, as provocações são realizadas dos dois lados e suas

respectivas Forças Armadas ficaram em situação de confronto. A OTAN ficou em situação

complicada por temer um conflito entre dois membros da Organização. Através da

intervenção inglesa a situação foi acalmada. Segundo Oran (2010), a crise de março não foi

exceção nas relações bilaterais desses Estados.

O fim da Guerra Fria e da URSS provocou mudanças na relação turco-grega e no caso

o Chipre. Os dois países foram obrigados a rever sua política externa, pois, ambos estavam

envolvidos nas regiões dos Bálcãs, Oriente Médio e Cáucaso. A Turquia e seus formuladores

da Política Externa sabiam que o fim do conflito bipolar poderia diminuir sua importância. No

72

momento a Turquia percebeu que não tinha condições políticas e econômicas para liderar a

região e sua relação com os EUA estava abalada. Nesse momento o país de Atatürk opta por

fazer alianças com os países em seu entorno, inclusive com a Rússia. Para a Grécia com a

perda de importância geopolítica da Turquia haveria um equilíbrio na balança de poder

regional.

No período de 1990 a 1993 novas possibilidades de aproximação entre os países. A

Turquia mantinha relações muito próximas com os países dos Bálcãs e do Cáucaso, enquanto

a Grécia enfrentava dificuldades com esses Estados, inclusive problemas territoriais. Esse

momento tenso fez aumentar as possibilidades de união. Outra oportunidade de aproximação

ocorreu em um encontro em 1990 durante encontro da OTAN. Em 1991 foi debatida a

possibilidade de um tratado de não agressão. Segundo Oran (2010) em 17/05 a Grécia alegou

que seu espaço aéreo havia sido invadido e a questão que caminhava para a paz, voltou a ser

beligerante. Outra conversa aconteceu ainda em setembro do mesmo ano. Neste encontro

várias possibilidades foram levantadas. Contudo, nenhum dos dois lados estava dispostos a

ceder em assuntos mais sensíveis.

Entre 1993 e 1995 a relação esteve no limite (ORAN, 2010). A Grécia promovia sua

Política Externa em linhas bem diferentes daquela pensada pelos turcos. O caso emblemático

era percebido através do problema da Macedônia, país ao qual foi imposto um embargo por

parte dos gregos. Em 1993 foi anunciada uma Doutrina de Defesa Comum por gregos e

cipriotas. Segundo Oran (2010), a doutrina continha 04 pontos:

1 – O Chipre poderia fazer parte da área de defesa grega;

2 – Um ataque ao sudeste cipriota seria considerado ataque à Grécia;

3 – Formulação de plano de defesa conjunto entre os dois países;

4 – Os dois governos poderiam coordenar suas políticas em Fóruns internacionais.

Esse fato causou muito estranhamento à Turquia. Outra questão que por vezes aparecia na

discussão bilateral era a situação do Patriarcado da Igreja Ortodoxa. Em 1994 esse problema

estava na agenda novamente. A questão do Mar Egeu ressurgiu nesse ano, apesar das tensões

houve algumas tentativas de diálogo, em visita do Ministro das relações exteriores à Istambul.

Em 1990, segundo Oran (2010), a União Européia recebeu o pedido de Grécia e

Chipre para serem aceitos no bloco. Em 1993 esse pedido foi aceito como membros

associados. E a Turquia assinou um Tratado de União Aduaneira com a UE em 1995. Uma

das exigências do acordo era que o Governo turco firmasse acordos com a parte grega do

73

Chipre. Até o ano de 2001 deveria haver um Tratado de Livre Comércio entre os dois países.

Para a Europa esse passo significaria que o Chipre seria usado como ponte entre Turquia e

Grécia.

Em 1996 devido a problemas de saúde o Primeiro Ministro Papandreou teve que se

afastar do cargo. O possível substituto era homem de diálogo, mas visto como fraco por

alguns homens do Governo. O substituto Simitis sabia qual era o real lugar da Grécia na cena

internacional. Ele tinha uma visão importante dos aspectos econômicos da Europa. O novo

Líder grego deseja afastar a imagem de país beligerante e buscar aproximação com o

Ocidente. Contudo, seu grupo político não era favorável a essa ligação com o Ocidente. O

pensamento era aproveitar o embalo de entrada à UE e construir uma Grécia forte. Essa

construção passaria também pela aproximação com os Bálcãs, o Oriente Médio e o Cáucaso.

Até aquele momento o único país que a Grécia não buscava dialogar era a Turquia.

O antigo Premier Papandreou sempre fez o possível para manter o distanciamento em

relação à Turquia. Simitis sabia que não poderia promover mudanças repentinas, assim

manteve todos os programas políticos em funcionamento. A estratégia era atrair o maior

número de aliados, pois, estava ciente que o poder bélico turco era muito maior. Com isso o

novo Premier visava reduzir a tensão e transmitir para a União Européia as possibilidades de

solução do conflito. A União Européia detinha mais poder e argumentos para pressionar a

Turquia. Para alcançar esse novo estágio no processo de paz era preciso: diminuir as tensões,

iniciar diálogos e finalizar a imagem de país beligerante. Logo após assumir o poder Simitis

foi colocado diante de várias crises, dentre elas, uma no Chipre e outra referente aos curdos na

Turquia. Segundo Oran (2010) essas crises atravessaram três anos do Governo Simitis e foi

mais um daqueles períodos tensos entre os dois países.

A primeira questão naquele período surgiu em Dezembro de 1995 no Mar Egeu em

um conjunto de pequenas ilhas próximas à região de Kardak. Um navio cargueiro turco ficou

preso nas rochas próximas a essa região. Os tripulantes pediram ajuda e quem prestou o

devido socorro foram navios gregos. Para o Governo de Ancara esse fato significou

desrespeito à sua soberania. A Grécia respondeu que as rochas pertenciam ao seu espaço

territorial e isso desencadeou uma situação que esteve muito perto de um conflito entre os

países. O motivo da tensão foi devido ao fato que o país que fosse responsável pelo espaço

marítimo significaria a conquista de outras áreas importantes no local. O problema foi

solucionado com a intervenção do Presidente Clinton. Os países iniciaram o diálogo, mas, não

quer dizer uma solução resolvida, contudo, não houve conflito. A UE também entrou para

mediar e deu prioridade aos pedidos da Grécia e posteriormente pressionando a Turquia.

74

Outro momento de tensão foi em Agosto de 1996 e estava relacionado ao Chipre.

Alguns cipriotas gregos tentaram atravessar a Linha Verde, que dividia gregos e turcos

cipriotas. Fanáticos nacionalistas dos dois povos se instalaram na “fronteira” e deram início a

uma série de insultos e ataques utilizando pedras. Os conflitos provocaram duas mortes. Em

janeiro de 1997 o Governo grego cipriota assinou um acordo com a Rússia. Por essa parceria

seriam instalados no sul da Ilha alguns mísseis de longo alcance. Segundo a imprensa que

cobriu o fato, como o Financial Times, esses armamentos poderiam colocar a superioridade

turca em questão. Para minimizar os problemas os mísseis foram transferidos para a Grécia e

posteriormente guardados sob o controle do Governo grego. A série de eventos relacionados

ao Chipre fez com que sua entrada definitiva no Bloco Europeu fosse antecipada. Os europeus

entendiam que poderiam tirar a Ilha da confusa situação entre Turquia e Grécia.

A crise com o PKK atingiu a relação bilateral turco-grega, no ano de 1998 e 1999.

Conforme mencionado em outro item 2.4.2 desse trabalho, a Turquia estava em guerra com o

PKK desde os anos 1980. Segundo Oran (2010) esta foi a principal razão pela percepção

internacional da Turquia como uma país instável econômica e politicamente. A Grécia prestou

apoio aos curdos marxistas na lógica dos Direitos Humanos e do auxílio aos refugiados. A

Turquia obviamente não concordou com esse argumento. Outra justificativa grega era que

todos os seus atos estavam sob os auspícios da ONU. A permanência de Öcalan na

Embaixada grega no Quênia e em Atenas fez estremecer a relação e os gregos foram acusados

de proteger o terrorismo.

Nos anos 2000 a relações foram mantidas dentro de possibilidades de diálogo. Os dois

países ainda não resolveram seus problemas e são muitos pontos sensíveis a serem tratados.

Esse texto busca relatar alguns pontos da importante e histórica ligação entre Turquia e

Grécia, uma situação que explica muito a caminhada desses dois países. Outros pontos

relevantes ainda ficaram fora do trabalho e serão trabalhados em outros momentos e outros

textos.

75

3 RELAÇÕES INTERNACIONAIS, GEOPOLÍTICA E GUERRA FRIA

Dificilmente os governos e instituições político-administrativas que tem organizado,

desde as origens da história, a vida comunitária dos grupos humanos, poderiam tê-lo

feito sem alguma forma de conhecimento e de aplicação da geografia política.

(AMORIM FILHO, 1991).

A política internacional acontece em um espaço, que pode também ser qualificado

como cenário ou ambiente. “Sua característica básica é a anarquia, representada pela ausência

de um governo ou leis que estabeleçam parâmetros regulatórios para estas relações..."

(PECEQUILO, 2010, p. 18), forma oposta ao estabelecido pelo direito interno dos Estados.

Ao observar alguns conceitos da geopolítica como Espaço Vital, de Ratzel, percebe-se que os

Estados são constituídos por seus territórios, ou seja, um dos elementos essenciais, mas o

Internacional também tem um espaço, não regulado como o nacional. E no internacional essa

disputa por território e por sobrevivência analisada por Ratzel fica evidenciada. Os Estados

buscam sobrevivência em termos energéticos, precisam de carvão, de petróleo, de gás.

Precisam de espaço para sua população: a Europa no fim do século XIX com a corrida para a

África, a China, pelos cinco continentes no século XXI, são exemplos dessa afirmação e a

geopolítica auxilia na compreensão teórica.

O estudo da política internacional é algo intrigante e envolve a aplicação de outras

áreas do saber, das ciências sociais, econômicas e políticas, por exemplo. As RI surgiram

como disciplina acadêmica no período entre guerras, tendo em Edward Carr um dos

precursores. Em sua obra – “Vinte anos de Crise: 1919 – 1939” - o autor teve por objetivo

estudar as causas da I guerra mundial e entender as relações de poder existentes no cenário

mundial no período pós-guerra. Sua obra é analisada principalmente sob o ponto de vista do

realismo. Contribui essencialmente no debate em torno do idealismo de Wilson e o realismo

dos americanos. Esse debate do início do século teve influência direta na Turquia, quando se

discutia a questão do povo Curdo e a criação do Curdistão.

“É uma eterna disputa entre os que imaginam o mundo de modo a adaptá-lo à sua

política, e os que elaboram sua política de modo a adaptá-la às realidades do mundo” (CARR,

2001, pag. 17). Utopia x realidade, pode ser comparada, a livre arbítrio x determinismo. O

utópico, voluntarista, rejeita a realidade e o realista, com seu desenvolvimento pré-

determinado, não reconhece a possibilidade da paz entre homens. Toda ação humana bem

intencionada e, portanto, todo pensamento sadio, deve estabelecer um equilíbrio entre utopia e

realidade, entre livre arbítrio e determinismo, idealismo e realismo.

76

Para o realismo, as teorias de RI devem ser úteis para a solução de conflitos.

Conforme Morgenthau (2003) a disciplina precisa ser caracterizada como pragmática e

empírica, resolvendo de imediato os diversos problemas que lhe são apresentados. Observa-se

assim que as RI servem exatamente para estudar os Estados. Os realistas herdaram de

Maquiavel a questão do real, o mundo é como ele é, e não o que deveria ser. Para o

pensamento realista o Estado é o ator central e está inserido em um sistema anárquico, ou

seja, sem governo. Devido à anarquia muitos problemas da política internacional são

justificados, quando associada essa à condição humana. Assim o espaço internacional é local

de auto-ajuda e os países buscam garantir sua sobrevivência ou segurança, sendo a guerra uma

possibilidade constante.

Baseado no pensamento clássico de Thomas Hobbes, o realismo enxerga o homem

como naturalmente mau. O conflito e a guerra estão diretamente vinculados à natureza

humana. Para essa escola o homem é guiado por três sentimentos: o medo, o prestígio e a

ambição. Na transposição das relações humanas para a relação entre Estados, o prestígio ou

poder é o elemento central. Os seis princípios de Morgenthau fornecem subsídios para

compreender epistemologicamente o realismo:

a. – baseado na lei e na objetividade, a política e a sociedade conduzidas pela

natureza humana;

b. – interesses são definidos em torno do poder;

c. – poder varia no tempo e no espaço;

d. – valores éticos e morais subordinados à ação política;

e. – valores morais não são universais, valores de um Estado não podem ser

transferidos a outro;

f. – a esfera da política é autônoma.

Até os atentados de 11 de setembro de 2001, apesar de haver no cenário internacional

algumas mudanças, os atores internacionais de maior reconhecimento e relevância eram os

Estados. Depois desse episódio a relação no cenário internacional foi modificada e outros

atores passaram a ter cada vez mais importância. As relações multilaterais também foram

adaptadas às condições do momento da crise e a necessidade de redefinir se uma guerra deve

ser travada apenas contra um Estado. “O Estado, sujeito originário de direito internacional

público, ostenta três elementos conjugados: uma base territorial..., uma comunidade

humana..., e uma forma de governo...” (REZEK, 1998, p. 160). Com base nessa definição do

77

Professor Rezek é possível deduzir o que é necessário para a constituição do Estado. O

problema instalado foi o fato de que o ataque às Torres Gêmeas e a outros símbolos do poder

americano não foi realizado por um Estado. As organizações criminosas ou terroristas

reaparecem poderosas na cena internacional.

Surge nesse debate outra grande controvérsia: o país onde um grupo terrorista organiza

sua sede deve ser punido? Esse ente (organização terrorista) precisa da ajuda de outros países

do globo para se organizar enquanto Estado? Está posto o debate sobre os Estados:

“bandidos”, “falidos” ou ainda “delinqüentes”. Portanto, a partir do atentado do 11/09/01 os

atores internacionais, que não os Estados, ganharam força. As relações internacionais são

construídas a partir desse novo discurso, sob uma nova ótica.

Com a justificativa da guerra contra o terror, a guerra preventiva, e outros argumentos,

os americanos procuravam convencer aos países sobre a necessidade de um conflito. Suas

observações foram ouvidas, houve certa comoção mundial pelo acontecido. Mas, todos os

Estados envolvidos pensavam em atitudes coletivas e uma saída para a questão que não a

disputa bélica. Contudo, principalmente no episódio da segunda guerra contra o Iraque, os

EUA mostraram que não se importavam com opiniões ou se a guerra seria travada

individualmente. Seu poderio militar era forte o suficiente para enfrentar qualquer país, em

qualquer parte do mundo. Em 2003 após apresentarem ao mundo indícios de que o Iraque

possuía armas de destruição em massa, os americanos invadem o país, depõem o presidente e

iniciam a “caçada” às armas. Como será apresentado posteriormente, um crítico desse

episódio atribui à invasão outros fatores de cunho econômico (GOWAN, 2003).

O ataque ao Iraque de Saddam Hussein foi uma atitude unilateral dos norte-

americanos, que não respeitaram as decisões da ONU – Organização das Nações Unidas -, e

seus pares. A ONU ficou desacreditada no processo, contudo não deve ser considerada como

derrotada, sua obrigação enquanto órgão multilateral foi “cumprida”. Portanto, outra mudança

importante no mundo pós 11/09 é o fato de que os países voltaram a olhar seus próprios

interesses desvalorizando o sistema internacional. Conforme já mencionado no texto, o medo

tomou conta do ambiente internacional, as agendas de segurança das pequenas e médias

potências foram alteradas e as restrições para se entrar em um determinado país, seja como

turista, estudante ou como trabalhador, aumentaram muito. O ambiente internacional adquiriu

características policialescas, pois com o objetivo de cercar qualquer possibilidade de ataques

terroristas, todos os indivíduos passam a ser suspeitos.

Já em relação à geopolítica, segundo Amorim Filho (1991) a Geografia Política

sempre foi marcada por sua característica de ser aplicada às questões territoriais do Estado,

78

mas principalmente às relações entre os Estados e neste ponto ela se funde com as RI. Para o

autor o primeiro esforço de aplicar a Geografia Política às questões e tendências científicas e

às relações entre Estados foi de Ratzel em Geografia Política, de 1897. A obra desse alemão,

apesar do nome, é considerada o marco inicial da Geopolítica. Em Ratzel estão presentes as

propostas do Estado como organismo vivo, a necessidade de expansão territorial, a

necessidade de equilíbrio entre população e os recursos oferecidos e o conceito de Espaço

Vital, na sua obra de 1901 intitulada “O Estudo do Espaço Vital”. Nas duas obras de Ratzel o

evolucionismo de Darwin e a biologia são agregados à geografia.

3.1 Conceitos fundamentais de Geopolítica e sua influência

O embasamento geopolítico teve seu início marcado no final do século XIX, conforme

Amorim Filho (1991). A geopolítica na contemporaneidade apresenta várias mudanças e

interfere no cenário e nas disputas internacionais. Sua utilização tanto na academia quanto na

área militar tem sido mais difundida. Os principais teóricos, ou os clássicos são: Frederich

Ratzel, Karl Haushoffer, Halford Mackinder, Rudolf Kjellen, Alfred T. Mahan, Nicholas

Spykman. Os dois últimos estavam ligados às duas principais escolas da geopolítica: a anglo-

americana e a germânica.

O que é geopolítica? É uma questão de difícil resposta, mas a geopolítica se utiliza dos

conhecimentos espaciais (geográficos) e políticos para agregar poder ao Estado, ou mesmo

para auxiliar em questões de âmbito social. Como a geografia percebe a política? Como o

espaço influência na política? A Ciência tende a ser desinteressada? Como a política pode

interferir no espaço? São algumas perguntas a serem respondidas e que através de parte da

história turca e sua relação com os EUA este trabalho buscará responder. A geopolítica alemã

teve sua origem nos tempos do Império de Napoleão. Seria, para os alemães, uma espécie de

“anti-napoleanismo”. Trazia ainda em sua origem a necessidade de unificação da Alemanha e

a importância de se criar um império alemão consistente, forte.

Para isso era preciso uma convicção, de que não há geopolítica sem história, não há

geopolítica sem política e claro sem a geografia. Com esses três fatores associados, a

geopolítica surge nas disputas internacionais para não mais sair. As principais aplicações, em

atividades formais, da geopolítica são: pesquisa e ensino escolar, mídia e comunicação,

serviços militares e segurança. Ela pode ser utilizada para assessorias políticas e estratégicas a

órgãos governamentais formais, organizações internacionais e transnacionais. No campo das

atividades informais, pode ser utilizada para serviços de inteligências, centros de comando de

79

movimentos, guerrilhas e movimentos revolucionários, atividades criminosas e migrações

clandestinas.

Segundo Morgenthau (2003) a política e a sociedade em geral são regidas por leis

objetivas baseadas na natureza humana. O interesse humano, aqui conduzido para o objetivo

estatal, é definido em termos de poder. Os políticos pensam e moldam suas ações para

alcançar o poder, a dominação seja de sua própria nação ou de estrangeiras. Por isso

Morgenthau vai ser enfático em dizer que não interessa, a princípio, conhecer as convicções

políticas do condutor da Política Externa (P.E). É mister conhecer a priori sua capacidade

intelectual, pois, assim pode se perceber o que ele fará em termos de relações internacionais.

Diante dos fatos até aqui apresentados, observado o Capítulo 2 deste trabalho, verifica-

se que a construção da Turquia moderna demonstra fortes indícios de que sua trajetória foi

marcada pela influência da geopolítica e será defendido por esta dissertação que houve ainda

interferências do realismo político das Relações Internacionais. É possível inferir que a

ciência darwiniana chegou à geografia, assim como às ciências sociais e que um governo

militar, como no caso dos turcos, se encontrou diante da questão do território como forma de

vida, como identidade. Na entrevista realizada no Consulado Geral da Turquia foi possível

perceber que para o povo turco Mustafá Kemal Atatürk foi o homem que completou o

processo de conquista e/ou não perda da Anatólia, isso é um dos fatores que o fazem herói

nacional.

A Turquia é um país com grande dimensão territorial quando comparado aos países da

Europa, segundo (FERNANDES, 2005b). Possui uma extensão de aproximadamente 769.000

km², controla dois estreitos, o Bósforo na histórica e famosa Istambul e o Dardanelos, tem

uma população de aproximadamente 78,8 milhões, segundo dados de (ZAHREDDINE;

LASMAR; TEIXEIRA, 2012). Sua fronteira tem extensão de 2.648 km, e está ligada a 08

(oito) países bem diversos em termos de cultura, e para questões de segurança: Armênia,

Geórgia, Síria, Irã, Iraque, Bulgária, Grécia e Chipre. A Turquia pertence geograficamente à

Europa, ao Oriente Médio, à Ásia, ao Cáucaso, ao Mar Negro, ao Mediterrâneo e aos Bálcãs.

É com base nessa diversidade que este texto busca apresentar as possibilidades desse

importante Estado dentro das Relações Internacionais e principalmente no aspecto

geopolítico. O mapa 04 terá a utilidade de apresentar a região do Oriente Médio e os países

limítrofes da Turquia.

80

Mapa 4 - O Oriente Médio

Fonte: University of Texas Libraries

A geopolítica utiliza-se dos conhecimentos geográficos e políticos, o objetivo primeiro

é acadêmico, mas pode e é constantemente utilizada para aumentar a força dos Estados. É

interessante o uso da disciplina como estratégia e possibilita observar como o espaço

influencia na política e a maneira como a geografia interfere na política. Uma das causas do

conflito é a falta de espaço no mundo e os grandes Estados sempre buscam maior quantidade

de terras, seja para população, ou para investimentos econômicos. Essa foi uma das

estratégias do mercantilismo, a princípio que culminou na política colonial. A ligação de um

povo com o solo pode determinar o poder de um país.

O grande debate americano no período pós-guerra girava em torno do isolacionismo

contra a política externa expansionista, idealistas e realistas. Spykman, homem hobbesiano e

81

maquiavélico, estava filiado à P.E intervencionista, ao realismo das Relações Internacionais e

à Geopolítica. Naquele período, sob o ponto de vista realista, o sistema era belicoso,

anárquico e demonstrava a força dos Estados Nacionais. No âmbito interno a questão girava

em torno do monopólio do uso legítimo da força, autopreservação e segurança.

Os pensadores da política de auto-contenção isolacionista argumentavam que a defesa

deveria ser organizada no próprio território ou hemisfério, com base no poder parador das

águas. Para Spykman era necessário avançar a defesa e posicioná-la do outro lado do

Atlântico e do Pacífico, de forma a evitar uma aproximação do poder inimigo. Ele pensava a

geopolítica de forma abrangente e via a posição dos EUA tanto em relação à América Latina,

quanto à Europa como sendo de exclusividade. Acreditava que a Política Internacional do

século XX seria definida em termos de poder pelo domínio da Eurásia pelos norte-americanos

ou vice-versa. Em jogo de equilíbrio de forças global e não apenas regional.

No início do século XX, o Japão e o Reino Unido conseguiram impedir a expansão da

Rússia. Na Segunda Guerra de um lado estavam Alemanha e Japão, do outro EUA, Rússia e

Reino Unido. Caso os alemães e nipônicos vencessem o conflito formariam um poderoso

poder anfíbio. No caso de unificação da Eurásia pelos dois poderes imperiais a única solução

para os EUA seria a integração política e econômica do continente americano, pensou

Spykman, uma ideia semelhante às pan-regiões de Haushofer.

Outro pensamento instigante desse geopolítico é que não seria interessante para o

poder americano uma Europa federada. Sua intenção era de promover poderes divididos e

equilibrados no continente. Depois de sua morte foi publicada a obra “A Geografia da Paz”

que apresentava a teoria do Rimland. O Rimland substituiria o Inner Crescente que

contornava o Heartland. O ideal seria uma geografia anfíbia, com uma frente no oceano e

outra no continente -, uma zona amortizadora entre os poderes conflitantes marítimos e

terrestres. Para Spykman a história demonstra que Rússia e Inglaterra sempre lutaram contra

poderes saídos do Rimland, portanto, pensava que no Rimland estava localizada a ameaça.

3.1.1 Escola Anglo Saxônica

Esta Escola teve sua origem ligada ao pensamento de Mahan, seguido por Mackinder e

Spykman. A diferença entre Mahan, Mackinder e Spykman é a seguinte: o primeiro a tese –

poder marítimo; o segundo a antítese – poder terrestre; o terceiro a síntese – poder marítimo e

terrestre. Alfred T. Mahan – formulou a geoestratégia de poder marítimo. Historiador naval

americano viveu no período de 1840 – 1914. Mahan era um admirador do poder marítimo

82

britânico. A Grã-Bretanha naquele período dominava: Gibraltar, Hong Kong, Cidade do

Cabo, Costa da Índia, Golfo de Áden. Desejava ter os ingleses como aliados e que os EUA

ocupassem o espaço mundial deixado pelos britânicos. Acreditava que uma grande nação

deveria ter frotas fortes e ter vários pontos de controle nos mares e oceanos. Depois de Mahan

os EUA se tornaram uma potência marítima. Mahan buscou formas de imitar o poder

britânico. Sua obra principal foi “Influence of sea power upon history”.

Mahan foi o presidente do Naval War College e Almirante da Marinha Americana.

Acreditava em uma poderosa marinha americana e via nos EUA uma “ilha geopolítica”.

Acreditava que o aspecto defensivo de um Estado passava por saídas para os principais

oceanos e sem ameaças territoriais nas suas faixas de fronteiras terrestres. Essa condição

geográfica excepcional oferecia a possibilidade da expansão do Poder Marítimo norte-

americano. Segundo Melo (1999) os seis pontos de Mahan – estimulam a presença do poder

marítimo:

a) posição de território se relaciona com a existência ou inexistência de pressões nas

fronteiras terrestres e fazer fronteiras com vários países não é interessante;

b) configuração física baseada nas características do território;

c) extensão do território: agrega poder e a possibilidade de plantar ou distribuir

população. Dissemina poder quando o Estado não consegue distribuir sua população;

d) número da população pode impulsionar poder militar, industrial e tecnológico;

e) produção nacional caracteriza a necessidade de comércio marítimo internacional;

f) vocação ou tendência marítima marca a coragem e competência de lideres e elites.

Mackinder, por outro lado, criou um tipo de ensino na geografia que revolucionou a

Inglaterra: o ensino itinerante da geografia. Nacionalista, buscou sempre preparar estratégias

para destruir os inimigos do Império Britânico. Suas teorias davam conta de que um poder

terrestre muito forte que caso se juntasse a um poder marítimo destruiria a força britânica. Por

influência de Ratzel – era também organicista. Em 1904 Mackinder cria a Teoria do Coração

do mundo (Heartland), uma massa continental eurasiana. Para ele quem controlasse o

Heartland e se aliasse a uma potência naval seria invencível. Em 1943 o autor acrescenta uma

parte da China na Heartland. Criou por fim a teoria da periferia do mundo – Hinterland.

O Heartland seria na visão do autor uma vasta área de planícies inacessível para

qualquer poder marítimo. Portanto, a preocupação do teórico inglês era que um poder terrestre

poderia rivalizar com o poder marítimo britânico. Entendia que o Estado que controlasse o

83

Heartland poderia controlar o mundo. Segundo Melo (1999), na primeira formulação o

Coração Continental de norte a sul estendia-se das costas do Oceano Ártico aos desertos da

Ásia central. No sentido leste-oeste englobava todo território russo até o Mar Báltico. Com o

desenrolar da guerra e os fatos que pôde observar, Mackinder repensou suas formulações e em

1943 publicou novo artigo na Foreign Affairs com o título: The Round World and the winning

of the peace. O Coração Continental na primeira formulação em “1904 abrangia 23 milhões

de km², o Heartland de 1943 foi reduzido a 13 milhões de km²” (MELO, 1999, p. 63). Foi

retirado da formulação grande parte do território russo. Vale ressaltar que o conceito era

estratégico, portanto, seus limites não são rígidos (MELO, 1999).

A história só é o que é por causa da Geografia. O poder terrestre é central e o poder

marítimo teria caráter periférico. Isso foi como uma afronta aos ingleses devido a sua

poderosa esquadra naval. Dividir o poder marítimo e poder terrestre, sendo o Poder terrestre

mais autônomo e o Poder marítimo menos autônomo. O geógrafo estudou o nascimento,

desenvolvimento e a decadência dos impérios, o Heartland era incomparavelmente a mais

extensa região de planícies, região quase isolada do mundo exterior onde viviam vários povos

(culturas), uma fortaleza inacessível ao assédio do poder marítimo. A World Island: Europa,

Ásia e África formavam um único grande continente, o grande oceano, “quem domina a

Europa Oriental, controla o Heartland; quem domina o Heartland controla o Word Island;

quem domina o Word Island controla o mundo”. (MACKINDER, 1948, p.183).

O cordão sanitário deveria isolar a Rússia e Alemanha impedindo a aliança entre

ambas ou a invasão de uma pela outra. Para o autor existia um único oceano que cobria três

quartos das águas da terra. Mackinder acreditava que era bem mais prático para uma potência

terrestre construir uma esquadra e ser forte, que uma potência marítima constituir um exército

e ter poder sobre outros exércitos. Os americanos conseguiam controlar esses dois poderes e

por isso, Mackinder chegou a advertir os britânicos da força emergente: os EUA. Para o

teórico britânico os ideais democráticos tinham grande valor, mas nenhum Estado poderia

desprezar os impactos do pensamento estratégico das grandes potências que organizavam a

Política Internacional. Mackinder também foi um teórico importante para a Geografia Política

e a Geopolítica, apesar de seus textos não citarem a expressão geopolítica. Segundo Amorim

Filho (1991) a obra de Mackinder a princípio foi direcionada às manifestações espaciais e

estratégicas do poder. É em virtude do Coração Continental que surge uma das mais famosas

frases de Mackinder, conforme mencionada acima.

O poder marítimo inglês no começo do século XX era praticamente inquestionável, e

pouco havia sido testado até aquele momento. Contudo, com os acontecimentos da I Guerra e

84

os fatos até então desenvolvidos no II Conflito Mundial, Mackinder temia que um poder

terrestre originário do Heartland fosse capaz de confrontar a força Imperial Britânica.

Interessante é pensar que desde 1904, a Rússia já era vista pela geopolítica anglo-saxônica

como um perigo em potencial à sua hegemonia. “O poder marítimo inglês e o poder terrestre

ou continental da Rússia conservavam o centro do cenário internacional.” (MACKINDER,

1942, p. 178). Ao desenrolar a guerra e avançar a década de 40, duas outras possíveis

potências surgiam na cena internacional, EUA e Alemanha e aos poucos se equiparavam em

capacidade militar aos russos e ingleses.

3.1.2 A geopolítica de Rimland - Nicholas Spykman

Holandês, naturalizado americano, nasceu em 1893. Foi conhecido como um dos

precursores da “Teoria da Contenção”. Foi um dos fundadores da visão realista da política

externa dos EUA. Foi fortemente influenciado por Mackinder. Escreveu suas obras em um

momento decisivo para a política externa americana, sua principal contribuição teórica foi

“The Geography of the peace” (A geografia da paz), de 1944; Morreu em 1943 de Câncer aos

49 anos. Foi um crítico do presidente Wilson, que acreditava numa visão idealista na

possibilidade de harmonizar os interesses dos países do mundo. Mas, a conseqüência foi a II

Guerra Mundial. Sua Teoria da Contenção visava estudar formas de evitar que surgisse na

Europa um poder similar ao dos americanos.

Nos Estados Unidos aumentava o debate no nível acadêmico e político sobre a

participação do país nas questões da política internacional. Segundo Melo (1999), Nicholas

Spykman, professor na Universidade de Yale participou do debate ativamente e se posicionou

a favor do realismo e da ideia de intervenção norte-americana. A segunda obra clássica de

Spykman foi: Estados Unidos frente al mundo. O pioneiro nas formulações geopolíticas

estadunidense foi o Almirante Alfred Mahan que também exerceu forte influência sobre

Spykman. Contudo, Spykman foi o principal formulador da geopolítica tradicional dentro dos

EUA. Assim como outros geopolíticos do país, Spykman era um brilhante acadêmico e

contribui sobremaneira nos esforços de guerra. Entendiam os acadêmicos que com seus

pensamentos e teorias contribuíam para a questão nacional (MELO, 1999).

Perturbados com o alcance da geopolítica alemã os americanos buscavam formular sua

geopolítica com perspectiva diferente daquela apresentada pelos alemães. Ao menos no

“papel”, pensavam uma abordagem mais ética e política, afirma Costa (2010). Spykman numa

posição realista rompe com essa característica e defende uma geopolítica mais agressiva e que

85

atenda às pretensões de uma potência. Para o autor, o ideal nas relações internacionais seria o

equilíbrio de poder, não tratados e acordos. A Guerra Fria pode ser vista como esse momento

empírico do equilíbrio de poder.

Ainda no pensamento do geopolítico americano a guerra psicológica e a propaganda

podem transformar o conflito entre Estados numa guerra entre nações. Em seus trabalhos

Spykman sugere que os EUA formulem o mercado único com os países da América do Norte,

Central e do Sul. Chamou a atenção principalmente para o eixo ABC (Argentina, Brasil e

Chile), que tinha seu comércio mais voltado para a Europa. Assim além do comércio forte

poderia ser criado um sistema de defesa único. O pensamento de Spykman pode ser

considerado, conforme notas de aula, Amorim Filho (2011), a síntese dos pensamentos de

Mahan e Mackinder, respectivamente poder marítimo e poder terrestre. Com base nas duas

teorias Spykman criou a teoria do Rimland, um anel em torno do heartland, que teria a função

de conter o poder, ou o crescimento do poder, no coração continental.

Em torno dessa massa continental, desde a Grã-Bretanha até o Japão, e entre

continente do norte e os dois continentes do sul, segue-se o grande caminho

circunferencial do mundo. Este caminho parte dos mares internos e marginais da

Europa Ocidental (o Báltico e o mar do Norte);... cruza o mar Vermelho,... o

Indico... e termina finalmente no Mar de Okhstsk. (SPYKMAN, apud COSTA,

2010, p. 173).

3.2 Histórico da Guerra Fria

Oficialmente, ou mais aceitável entre os estudiosos do período, a Guerra Fria teve seu

início logo após o término da II Segunda Guerra Mundial. É preciso ressaltar que desde o

final do século XIX, os ingleses já se preocupavam com a Rússia, conforme a análise de

Mackinder. O início do século XX proporcionou outro episódio que colocou os russos em

destaque a revolução de 1917. Conforme US (2011), muitos autores marcam esse ano como o

início da Guerra Fria, pois, nessa data surge o primeiro regime comunista que desde então

passa a se contrapor ao sistema capitalista. Diante desses fatos pode-se afirmar que a Guerra

Fria (mais importante evento político e diplomático do pós – II Guerra) foi construída por um

longo processo histórico na Política Internacional. Para provar essa afirmação, a diplomacia

americana reconheceu a URSS apenas em 1933.

Durante o conflito de 1939 a 1945 EUA e URSS estiveram do mesmo lado na batalha

contra o Eixo. No fim desse período as diferenças se fizeram sentir novamente. Mas, a

hegemonia incontestável dos EUA marcou as duas décadas pós II Guerra Mundial. O

86

território americano não sofreu nenhum tipo de ataque no período. Assim a força de Wall

Street e do Pentágono fizeram o mundo experimentar o que ficou conhecido como a Pax

Americana (PECEQUILO, 2005). As décadas de 50 e 60 foram marcadas por crises diversas

dentro do contexto da bipolaridade entre as duas superpotências. O Terceiro Mundo emerge

principalmente em 1955, como resultado do fim da II Guerra e do colonialismo, contando

adicionalmente com a presença do socialismo em alguns desses países independentes. Outros

mantiveram a fidelidade à Metrópole e foram se alinhando aos países do sistema capitalista.

Esses fatos foram delineando a Guerra Fria, o que fez mudar os rumos das Relações

Internacionais após o seu término em meados de 1991. Uma guerra diferente das demais, pois,

não houve o duelo de fato, não abertamente entre as duas potências, mas por vezes, como em

Cuba no ano 1962, o mundo se viu próximo de um conflito nuclear. (ALLISON; ZELIKOW,

1999).

Quando a diferença se instalou entre EUA e URSS, cada Estado buscou defender seus

interesses, as alianças estabelecidas por esses dois países foram todas nessa direção, conforme

argumenta Barnet (1996). No fundo a impressão que se tem ao analisar o período é que,

apesar das propagandas de cada lado, as intenções eram semelhantes, buscavam os mesmos

objetivos, poder e influência sobre o Globo. A economia americana respondia por uma média

de 60% da produção mundial e buscava a queda dos principais concorrentes, principalmente

da Europa. A URSS, apesar de debilitada, gozava de prestígio, pois, havia derrotado o

Exército Nazista, que buscava conquistar parte do Heartland. Próximo do fim da Guerra os

militares soviéticos invadiram o Leste e o Centro Europeu, demonstrando claramente suas

intenções.

Cientes da ambição soviética por influenciar o Oriente Médio, os americanos

conseguiram algumas vitórias pontuais ainda em 1946. Nesse ano os soviéticos tentaram

controlar o petróleo no Irã além de exercer forte pressão sobre a Turquia pelo controle dos

Estreitos. O governo estadunidense exigiu e conseguiu a saída da URSS do território Iraniano;

nisso defendiam a importante questão energética do petróleo, até aquela data dominada pela

Inglaterra. As discussões em torno das fontes de energia já eram relevantes para o Planeta. No

caso da Turquia, diante da demanda soviética em relação aos estreitos de Bósforo e

Dardanelos (conforme Mapa 01), o auxílio americano seria essencial. Na Grécia, havia a

suspeita da “Insurgência Comunista”, os ingleses ainda desestruturados solicitaram ajuda dos

EUA para controlar os conflitos no território grego.

A política de contenção teve sua empiria esboçada por George Kennan, um importante

diplomata americano na Rússia. Kennan enviou um telegrama ao Departamento de Estado e

87

nesse documento deixou claro quais eram os desejos soviéticos. Dizia que a pressão de

Moscou por expandir seu poder deveria ser parada com uma firme e vigilante contenção. Sua

advertência foi reforçada com um artigo publicado na Foreign Affairs, importante revista nos

EUA. O Título do artigo era “The sources of Soviet Conduct” que foi publicado originalmente

sob o codinome X em 1947. Segundo Kissinger (2001a) esse artigo tinha uma conotação

muito filosófica, mas foi sem dúvida um dos pilares da estratégia de contenção.

Em 1947 o Presidente Truman fez uma visita ao Congresso Americano e em seu

discurso solicitou a ajuda de $ 400 milhões. Essa significativa ajuda seria dividida entre os

países da Europa, tinha viés econômico, mas principalmente militar e seria repassada também

à Grécia e Turquia. Iniciava-se assim a Doutrina Truman. Conforme avalia Pecequilo (2005),

a política de contenção tinha a importância de uma missão religiosa para os americanos. A

autora entende que a fundamentação da estratégia de contenção foram os seguintes

documentos: o texto lançado pela Foreign Affairs, a NSC 20 (1948) e a NSC 68 (1950), além

do discurso de Truman no Parlamento. Kissinger (2001a) afirma que a questão moral

perpassou os documentos basilares da política de contenção, a NSC 68 e o artigo de Kennan.

Para os americanos as derrotas morais eram mais perigosas que as derrotas militares.

Também no mesmo ano um dos Ministros do Governo Truman elaborou a política que

deveria salvar e/ou recuperar a economia européia, o Plano Marshall. “É lembrada geralmente

como uma das mais bem sucedidas iniciativas de política externa na história dos EUA.” (US,

2011, p. 262)18

. Os dois planos estadunidenses, Plano Marshall e Doutrina Truman, lançam as

bases para os blocos militares, a OTAN deveria completar a aliança econômica e a contenção

militar. Internamente os formuladores da PE americana viam na criação de agências a solução

para organizar e atender às demandas da nova situação mundial.

No aspecto geopolítico a Alemanha se constituiu num problema especial para os EUA.

O país de Hitler foi dividido em quatro zonas de influência (EUA, França, Inglaterra e

URSS). O governo americano temia perder Berlim, posteriormente a Alemanha e por fim a

Europa. Rapidamente a Guerra Fria se espalhou pela Ásia e Oriente Médio, resultado da

busca por influência. Dois países na Ásia causaram preocupação aos EUA, a China, onde

triunfou sua revolução em 1949, e a Coréia do Norte. Isso provocou ainda mais receio no

governo americano.

Em 1950 Truman autorizou o aprofundamento dos estudos para a criação de uma nova

Bomba de Hidrogênio. Esse governo reverteu a NSC 68 para o que ficou conhecido como a

18

“It is generally regarded as one of the most successful foreign policy initiatives in US history.”

88

Política de Retaliação Massiva. As armas nucleares seriam usadas caso algum aliado ou

qualquer ponto de interesse estadunidense fosse atacado por inimigos. Contudo, nesse

momento histórico a URSS não possuía armas de destruição em massa. Esse documento teve,

portanto, o objetivo de ampliar a contenção, organizar a mobilização para a guerra e

militarizou a P.E. (PECEQUILO, 2005). Na visão lançada pelo documento a URSS desejava

conquistar a Eurásia, avançar sobre o Atlântico e o Pacífico e chegar de vez ao Ocidente. A

NSC 68 definia estratégias para impulsionar o poder americano e dos aliados diante dos

soviéticos.

A contenção tinha então três principais objetivos: conter o crescimento da URSS;

conter a ideologia comunista; difundir a ideologia capitalista, através do livre mercado e da

democracia. Em 1953 o Governo de Eisenhower, republicano, entendeu que a estratégia da

Contenção não estava adequada e que dessa forma não seria capaz de conter a expansão

soviética. O conflito terminaria apenas quando uma das partes estivesse completamente

derrotada. Internamente os EUA foram afetados pela Guerra Fria. Segundo Pecequilo (2005),

o peso da propaganda dentro do país provocou o que ficou conhecido como o Pânico

Vermelho.

Para Pecequilo (2005) o período de 1947 a 1962 ficou caracterizado como a 1º fase da

Guerra Fria, marcada pela confrontação. Em nenhum outro momento histórico os EUA

demonstraram com tamanha ênfase seu poder. Adotaram a estratégia regionalista de modo

que pudessem garantir a ordem e a estabilidade no cenário internacional. Com isso buscavam

também impedir o crescimento de outros adversários ou qualquer outro poder que pudesse

confrontar os estadunidenses. A presença global americana enfraqueceu a URSS – isolando-a,

fato que posteriormente levaria à sua derrota. Na guerra da Coréia as duas superpotências

participaram ativamente e esse conflito foi decisivo para a entrada da Turquia na política da

contenção, pois marcou sua vinculação à OTAN.

Para os republicanos a política de Truman era considerada branda e conivente com o

crescimento soviético. No governo de Eisenhower a contenção foi elevada a uma maior

atividade e pragmatismo. A contenção deixa de ser uma política anti-soviética para ser

anticomunista (PECEQUILO, 2005). Nesse período surge o movimento do Terceiro Mundo,

reunindo países não-alinhados e esses Estados adotam posturas de acordo com as

ideologias/interesses de seus líderes. Com isso novos riscos e novos desafios foram

introduzidos na Política Internacional. Um exemplo disso são as guerras étnicas que explodem

no Continente Africano. Com a chegada de Kennedy à presidência em 1961, os investimentos

em armamentos são incrementados. O período Kennedy marca o início da 2º fase da Guerra

89

Fria.

Contudo, logo no segundo ano de governo, o presidente Kennedy enfrentaria a Crise

dos Mísseis em Cuba. Com a resolução desse evento há o início da fase de Coexistência e o

Terceiro Mundo se torna o centro das atenções. Na América Latina qualquer país que

esboçasse alguma tendência comunista era “visitado” pela CIA (Agência de Inteligência

Americana). Apesar da intensa vigilância política é preciso ressaltar que houve também

esforços de cooperação financeira, interessados, mas houve. A Aliança para o Progresso foi o

símbolo desse objetivo de influenciar a América Latina, também pela via econômica. Não foi

diferente na Turquia. Em meados de 1973 a contenção foi duramente questionada, pelo fato

de o “todo poderoso” ter sido derrotado por um país “insignificante” como o Vietnã à época.

Conforme anuncia Pecequilo (2005), a década de 70 marcou também o enfraquecimento

econômico dos EUA e esses dois fatores somados abalaram a liderança global americana.

Como resposta à crise dos anos 70, foi elaborada a estratégia da détente -, uma disputa

geopolítica que almejava novo alcance, caráter e flexibilidade para a diplomacia americana.

Os EUA passaram a reconhecer o crescimento e o valor dos soviéticos. A formulação dessa

P.E. promoveu uma mudança estratégica de hegemonia para liderança e a busca pela

multipolaridade19

, sem comprometimento incondicional. Com isso a ideia era diminuir as

tensões com a URSS trazendo para a cena novos atores internacionais. Promoveu assinatura

de acordos com a China para impedir qualquer projeção de poder na região do Pacífico. A

estratégia volta a ser antisoviética, não mais anticomunista. (PECEQUILO, 2005).

A détente foi considerada uma fuga à tradição americana. Por isso, nunca foi consenso

entre liberais, nem mesmo para os conservadores. A diferença em relação a contenção é que

esta pregava a destruição do inimigo e a pressão, enquanto a détente buscava a convivência e

a normalidade. A détente durou até o ano de 1979 quando a URSS invadiu o Afeganistão,

consequentemente houve o retorno a uma política mais ofensiva. Com a queda de Nixon,

devido a um escândalo interno, e após o curto governo Ford, Jimmy Carter assume

promovendo a reformulação da contenção. Dessa vez, no entanto, optando por uma política de

maior abertura econômica, política e social. Incorporou novos temas à agenda, diálogo com os

países do “terceiro mundo”, abertura à discussão dos direitos humanos e outros temas de

relevância global.

19

O termo multipolaridade está sendo utilizado nesta pesquisa como forma de exemplificar um sistema

internacional complexo (PECEQUILO, 2005) que se expressa pela desconcentração do poder político global,

dividido e influenciado por vários pólos. Nações emergentes como o Brasil e Turquia assumem

responsabilidades nos problemas de pobreza, guerra e outros assuntos de Política Internacional.

90

Um novo momento de transformação na política internacional foi a chegada de Ronald

Reagan à Casa Branca. Com esse novo governo a relação entre EUA e URSS foi modificada,

sendo apresentada uma tendência maior ao endurecimento do discurso, o que não ocorreu de

fato. Portanto, de 1981 a 1985 a disputa com os soviéticos voltou à pauta em Washington.

Nos quatro anos seguintes houve um maior relaxamento das tensões também em virtude das

mudanças no Governo Comunista, inclusive com o Governo de Gorbatchov sendo

considerado entreguista e traidor. Por outro lado, a URSS sofreu prejuízos políticos,

econômicos e militares ao invadir o Afeganistão. Pecequilo (2005) afirma que o país da Al

Quaeda para os soviéticos equivaleu ao Vietnã para os americanos. Um dos primeiros sinais

de queda do Bloco liderado pelo Kremlin foi o abandono da corrida armamentista.

Gorbatchov promoveu duas políticas de abertura, Glasnost e Perestroika; a primeira deveria

reformar a política e a segunda reformar a economia socialista, contudo, já era demasiado

tarde. Após uma série de crises internas, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas caiu –

determinando o fim da Guerra Fria.

3.3 EUA e Turquia

Nossos interesses nacionais são idênticos de todo ponto de vista, com a junção dos

interesses da Organização do Tratado do Atlântico Norte e com suas exigências

geográficas e militares. Köprülü – Chanceler turco em visita ao parlamento em

1951. 20

Para Kissinger (2001a) os americanos dominavam o “ar” e as “águas”, mas os

soviéticos dominavam o Heartland, ou seja, a força terrestre soviética seria quase imbatível.

Nesse ponto a Turquia seria importante aliado, pois possuía o poder anfíbio, força terrestre e a

marítima. Percebe-se, além disso, que para os americanos a Guerra Fria fazia parte de um

projeto de cunho moral. Os soviéticos seriam, na visão estadunidense, homens sem escrúpulos

e precisavam antes de tudo ser “convertidos”, o que fica mais claro nos escritos de Kennan

(1947) e nas críticas feitas por Henry Kissinger. Por isso Kissinger destaca que em seus anos

iniciais a contenção era marcada por três aspectos, o militar, o moral (correção do caráter) e o

missionário, o ideal de salvar o mundo.

Mesmo com o fim da Guerra Fria, a relação entre turcos e estadunidenses não sofreu

prejuízo estando sempre direcionada para a questão da segurança, mas abrindo possibilidades

para as negociações comercias. Este aspecto apenas reforça os argumentos de Michael

20

“Our national interests are identical from every standpoint with the joint interests of the North Atlantic Treaty

Organization and with its geographic and military requirements.” (HARRIS – 1972). Tradução Livre.

91

Barnett. Contudo, a partir desse momento a Turquia passa a ser avaliada como um Estado

ainda mais importante para a estabilização regional, conforme Pinto (2010). Por isso,

ancorado pelo status adquirido, o país participou da coalizão na I Guerra do Golfo e ainda

participa de outras movimentações militares, como será apresentado ao longo do texto. O

Iraque caso saísse vitorioso naquele conflito teria uma projeção de poder que poderia abalar

todo o equilíbrio do Oriente Médio. Certamente, a atitude turca de apoio à coalizão provocou

um racha nas relações diplomáticas e comerciais com o Iraque, mas manteria o equilíbrio de

poder na região, ou seja, evitaria a projeção iraquiana. Assim coube aos americanos incentivar

outros países sob sua influência a estabelecerem e/ou aumentarem o comércio com os turcos.

Segundo Harris (1972), a relação entre Turquia e EUA surgiu de uma união pensada,

planejada. Cada país tinha interesses específicos nessa situação. O autor aponta que de 1946

até 1971, período por ele analisado, foi uma amizade forte e para representá-la utiliza-se da

figura de um “impressionante prédio” que foi edificado ao longo dos anos. Principalmente

nessas duas décadas e meia a situação da política internacional se transformou, mas o vínculo

entre os Estados se manteve estreito, com pontos pragmáticos. Atualmente, mais de 66 anos

depois, EUA e Turquia mantêm ainda acordos estratégicos. E caberá a esta pesquisa a busca

por desvendar a interessante questão que é saber se houve ou não algum ganhador nessa

relação.

Para compreender a relação entre os países é necessário resgatar alguns tópicos

importantes da formulação e execução de Política Externa voltados para os dois países em

questão. Não será objetivo desta pesquisa aprofundar nessa abordagem teórica e também não

deve-se debater profundamente as questões institucionais que escapam da linha teórica

orientadora deste trabalho. Abre-se a exceção para a OTAN e União Européia que fazem parte

da história turca e da construção dos padrões de amizade. Isso se deve ao fato de que muitas

decisões na política internacional são tomadas com base nessas abordagens teóricas e deverão

ser mencionadas para proporcionar melhor compreensão do processo decisório e explicitar o

motivo pelo qual ocorrem determinadas escolhas.

Para Cintra e Pereira (2009), o processo de tomada de decisão em Política Externa está

diretamente ligado aos Poderes Executivo e Legislativo. Como há vários interesses de grupos

específicos em jogo, a relação entre os poderes ocorre, muitas vezes, fora do âmbito

oficial/tradicional. A P.E. americana é desenvolvida basicamente com a intervenção dos

grupos de interesse, lobbies e tomadores de decisão, ligados ao Executivo ou ao Congresso.

Esses grupos realizam intensas negociações antes de colocarem suas intenções para o debate.

Na história das relações entre EUA/Turquia a presença dos lobbies foi sentida, no caso do

92

Chipre com a atuação do Lobby Grego que fez por algum momento a situação ficar

balanceada favoravelmente para Chipre diante da disputa com os turcos.

Cintra e Pereira (2009) apontam duas situações em Política Externa que podem ser

aplicadas no caso da relação turco-americana. A primeira diz respeito ao conceito de reações

antecipadas – quando o presidente precisa tomar alguma decisão em política externa tende a

negociar com seus interlocutores antes de iniciar o processo, para conhecer algum possível

defensor ou até posicionamentos contrários à sua estratégia. Também exercem papel

significativo as agências/organizações que tem o objetivo de promover a ligação entre

Governo – População e Legislativo. A atuação dessas agências é relevante, pois, depois de

tomada a decisão fica inviável revertê-la.

Estudos recentes apontam que nos EUA a participação do Congresso ainda é marginal

em se tratando de P.E. Talvez essas afirmações possam ser confrontadas pela ativa

participação do Legislativo estadunidense na relação com a Turquia, principalmente na

aprovação das ajudas financeiras. O Executivo tem maior poder de ação, isso é fato

consumado. Primeiro porque é o responsável pela execução da política, segundo porque

exerce domínio sobre os formuladores e executores na prática política e por fim porque detém

o controle do processo de formulação, por isso seu destaque.

3.3.1 Política Externa Turca e a visão do Governo

De 1923 à 1945 a Turquia teve o foco voltado para a estabilização interna, foi um

período de construção e arranjos políticos, de situação econômico-social complexa e uma

incipiente estrutura militar. No ano de 1939, o país assinou com a Inglaterra um acordo de

assistência e em 1941 com a Alemanha um Tratado de Amizade e não agressão. Isso

demonstra uma interessante habilidade para se articular com países e blocos em diferentes

situações, de acordo com o momento e com a conveniência. (ERMIDA; FERNANDES,

2012). Com essas articulações pôde manter-se neutra no II Grande Conflito Mundial até bem

próximo do seu final. Em meados de 1944, após pressão e ameaças dos aliados, a Turquia

teve que se posicionar ao lado dos Aliados.

De 1945 a 1990 desenvolveu a política pró-Ocidente e bem próxima dos EUA,

conforme demonstrado em capítulo anterior. O país foi aceito na OTAN em 1952 e em 1963

foi integrado ao Conselho Econômico Europeu. Esse momento foi marcado por uma espécie

de “período sanfona”, pois a relação com os americanos ora se expandia, ora se retraia. O

final desse período teve a marcante presença de Turgut Özal. De 1983 a 1989 ele exerceu a

93

função de Primeiro Ministro, de 1989 a 199321

, foi o Presidente turco – falecendo em 1993.

Durante a década de 90 explodiram os conflitos nos Bálcãs e no Cáucaso, além de vários

episódios no Oriente Médio, portanto, período de insegurança e instabilidade econômica.

Segundo Ermida e Fernandes (2012), essa situação levou à aproximação com Israel, uma

aliança estratégica do ponto de vista militar e econômico.

Na década de 1990 problemas com a Grécia quase levaram a um conflito armado, a

relação com os gregos está abordada em ponto específico (ver item 2. ). A Turquia, sob o

governo AKP, nos anos 2000, tendo Davütoglu à frente do Ministério das Relações

Exteriores, baseia a condução de sua política externa no princípio “de paz em casa e paz no

mundo”. Privilegia a solução pacífica de conflitos e a cooperação. Sua democracia é garantida

por leis, reafirma os direitos humanos como princípio e procura sempre se alinhar à outros

países emergentes e Organizações Internacionais (OI’s). Esse fato pode ser comprovado pela

significativa presença da Turquia no G-20 e na parceria com o Brasil para buscar alternativas

pacíficas para o imbróglio do enriquecimento de urânio do Irã.

É um país doador, característica das potências médias, conforme Jordaan (2010), e

para regular suas doações criou a Agência Turca de Cooperação e Desenvolvimento. Acredita

na cooperação regional, para tanto participa de fóruns como: Cooperação Econômica do Mar

Negro, Iniciativa de Cooperação do Sudeste da Europa, Fórum de Vizinhos do Iraque,

Plataforma de Cooperação e Estabilidade do Cáucaso e Segurança em Energia com Petróleo e

Gás Natural. Essas participações auxiliam na tentativa de liderança regional e importância

global. O país acredita no processo de globalização. Em 2023, ano de seu centenário, deseja

estar completamente integrado à União Européia (UE), processo que será analisado em outra

seção desta dissertação. Assim se apresentará mais forte no cenário internacional e deverá

servir de exemplo para os países do Oriente Médio, no que se refere à democracia e

governabilidade. (TURQUIA, 2001). Há críticas quanto à questão dos direitos humanos e da

democracia, que serão aprofundadas no capítulo seguinte.

Os Turcos se vêem como parte da história da Europa. Na perspectiva de mudança do

foco militar para a articulação multilateral e comercial a Turquia participa da OCDE

(Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), da OCSE (Organização de

Seguridade e Cooperação Européia), da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte).

O país acredita que a UE é incompleta sem sua presença. Desde 1963 a Turquia é membro

associado da UE. Ainda em relação à Europa, em 1995 a Turquia assina o Tratado para

21

Veja quadro 01 constante nos anexos da pesquisa.

94

participar da União Aduaneira. A Turquia também é parte da Organização Mundial do

Comércio (OMC), da Organização de Cooperação Islâmica (OCI), Organização de

Cooperação Econômica do Mar Negro (OCEMN) e da Organização de Cooperação

Econômica (OCE). Atualmente é a 6º maior economia da Europa e a 16º economia mundial.

Planeja até 2050 ser a 2º economia do mundo. (TURQUIA, 2001)

Tem uma das maiores populações regionais, se comparada com a Europa e mesmo do

Oriente Médio, onde possui a segunda maior população, perdendo apenas para o Egito. Esse

fato chama a atenção por ser um grande mercado consumidor, na visão capitalista. Sua

população é de maioria muçulmana. Mas, “existe no país uma grande valorização da

democracia religiosa”. A Turquia está em ritmo de desenvolvimento tão intenso que muitos

turcos, residentes em outros países, fazem o caminho de volta, conforme seu documento de

Política Externa. Sua população é numerosa, cerca de 78 milhões de pessoas, conforme

Zahreddine, Lasmar e Teixeira (2012). Desses, cerca de 61% estão abaixo dos 34 anos,

portanto, população jovem, principalmente em comparação à faixa etária européia.

Um dos maiores gargalos da diplomacia turca é a Ilha do Chipre conforme debatido no

capítulo 2. Mas ainda assim, o caso do Chipre, não tira dos turcos a ideia de “zero problemas”

com os vizinhos. O terrorismo é para o povo turco uma vital e demasiadamente longa ameaça

à paz mundial. O governo acredita que será necessário grande esforço internacional e alianças

entre países para acabar com esse mal. O país luta contra o “terrorismo”, na visão turca, há 40

anos através de variadas estratégias. Afirma que todas as formas de terrorismo são crimes

contra a humanidade e não há exceção. O Oriente Médio é importante para a Turquia por sua

ligação histórica, religiosa, cultural e social. O país busca aumentar as relações econômicas e

políticas com a região da qual também se considera parte, o que acontece no Oriente Médio

impacta diretamente na Turquia. O Oriente Médio é o Berço das três principais religiões:

Judaísmo, Cristianismo e Islamismo. Mais da metade dos recursos em gás e petróleo do

mundo estão nessa região. Existem velhos conflitos no local que precisam ser resolvidos e a

Turquia vê possibilidade de solução no conflito Israel /Palestina. É preciso que os dois lados

estejam dispostos a conversar para que se inicie o processo de paz. (TURQUIA, 2001)

A relação entre Turquia e Israel sofreu modificações (ver item 2.). A política de Israel,

segundo a visão turca, não contribui para o processo de paz e também os palestinos podem

fazer mais pelo processo, a Unidade Nacional palestina é fundamental. A Turquia se propõe

como o lugar de suporte e facilitação da paz. Entre a Turquia e Israel existem laços fortes

desde a fundação do Estado Judeu. No entanto, essa relação de amizade foi abalada

recentemente com a interferência de Israel na ajuda humanitária, da qual participavam

95

também alguns turcos, ao povo palestino. Israel atacou e impediu a passagem de vários barcos

que seguiam para a Faixa de Gaza. Para a Turquia esse episódio é considerado uma agressão

aos direitos humanos, essas atitudes não podem ser esquecidas com facilidade, mas o governo

de Israel pode fazer algo para melhorar sua imagem. A situação Israel-Palestina precisa ser

resolvida com urgência e a Turquia clama para que esse processo ocorra o mais rápido

possível. As reformas devem acontecer e rapidamente, o país acredita ainda que esse

movimento não deva provocar divisões. A relação Turquia-Israel está abalada, mas os turcos

acreditam na possibilidade de diálogo e na construção da paz.

O governo turco reafirma sua história como sendo única e que cada país possui sua

trajetória individual. Segundo o seu documento de Política Externa a Turquia é um país

tradicionalmente aberto, com economia pluralista e que em caso de controvérsia, procura a

solução pacífica, por meios diplomáticos. Defende também que o Oriente Médio deverá ser

uma zona livre das armas de destruição em massa, e todo país deve acessar a energia nuclear

para fins pacíficos. As relações com o Irã são importantes para o país e acredita que os

desentendimentos do Irã com o Ocidente devem ser resolvidos através do diálogo. No ano de

2010, a Turquia em parceria com o Brasil assinou a declaração de Teerã, buscando

estabelecer o diálogo, façanha que até esse momento não havia sido alcançado pelas

organizações internacionais. (TURQUIA, 2001).

A Turquia, conforme “afirma seu governo”, atribui grande importância à relação com

a Armênia. Por ser um país vizinho, em 1991 os turcos foram os primeiros a reconhecer a

independência desse país. Contudo, devido ao fato de a Armênia ter invadido o Azerbaijão, as

relações diplomáticas e comerciais foram cortadas. (ver mapa nº 05). Sabe-se, no entanto, que

o problema é mais grave do o fato que se aponta no documento de Política Externa turca. Por

fim, a Turquia se considera um país atrativo, do ponto de vista turístico. Os turcos são

tradicionalmente receptivos. Sendo que de 2001 para 2010 o número de visitantes cresceu de

11 milhões para algo em torno de 28 milhões de turistas, por ano. Destacam-se as belezas

naturais e históricas, além da arquitetura do país. Também se mostra atraente para

Investimentos Externos Diretos (IED), alcançando números significativos nos últimos 08

anos. Isso devido ao forte programa de privatização que o país adotou.

3.3.2 Breve Histórico da PE dos EUA

Os EUA sempre se viram como uma nação especial e diferente das demais é o país

exemplo para a humanidade e tem no “Destino Manifesto” a ideologia utilizada para a

96

expansão do seu domínio político interna e externamente. É o povo que defende a

democracia, a liberdade, o livre comércio e os valores universais. Sua diferença em relação

aos demais impérios era que os americanos evitaram a anexação de territórios e políticas de

conquistas nos moldes do imperialismo antigo. Seu imperialismo se dá de outra forma, que

não cabe aqui aprofundar para não fugir do objeto. Os EUA convivem com os ideais de

liberdade e democracia, possuem uma visão pragmática do mundo, isso pode ser um fator

primordial para a compreensão do realismo.

Em um primeiro momento, até a primeira Guerra Mundial, a trajetória americana em

Política Externa foi marcada pelo isolacionismo e unilateralismo, conforme Pecequilo (2005).

Não era interesse do povo e do governo americano se envolver em problemas mundiais, como

guerras, por exemplo. A transição se iniciou no período entre - guerras. Depois da II Guerra

Mundial adotou-se na Política Externa americana duas estratégias: a contenção e a construção

da ordem. Essas duas formulações marcam a transição para a fase adulta norte-americana em

Política Internacional -, hegemonia e internacionalismo. Os estadunidenses se encontraram

diante de várias possibilidades, direções diferentes para conduzir as relações internacionais.

Havia após 1945 a relação entre o poder americano e a estabilidade global. Era

justamente o que não queriam os isolacionistas, pois o país deveria arcar com os custos do

estabelecimento do novo ordenamento mundial. A Europa estava destruída pelo conflito, suas

principais potências dependiam dos EUA para se reestruturarem, foi importante a introdução

do Plano Marshall. A posição do país de Roosevelt ficou muito confortável: vantagens

políticas, diplomáticas, econômicas e militares. Assim emergiu uma nova potência ao fim da

II Guerra. Essa tranquilidade foi abalada pelo surgimento da URSS também como potência,

mesmo tendo sofrido perdas significativas na guerra. Contudo, afirma Pecequilo (2005), a

hegemonia americana possibilitou a legitimidade para a ação e os recursos necessários para

que o fato se concretizasse.

Na visão de Pecequilo (2005), a política estadunidense foi direcionada para uma

política de consenso, com vistas a afastar o temor da dominação e este aspecto representava

também o desejo de atrair apenas os bônus da liderança. Na verdade, fica claro nesse período

histórico que EUA e URSS buscavam atingir os mesmos objetivos e assim o confronto,

mesmo que ideológico, seria inevitável. Até 1945 foi mantida a aliança russo-americana, o

Presidente Roosevelt apesar da desconfiança pode conduzi-la bem. Quando Truman assumiu

o poder na Casa Branca o pacto foi quebrado. Desse momento em diante as duas formulações

de PE foram mais objetivas, mais realistas. Nas palavras de Morgenthau, a busca pelo poder

foi mais transparente.

97

Talvez a mais clara demonstração dos interesses americanos foi a criação da OTAN

(Organização do Tratado do Atlântico Norte). Estratégia repleta de características

geopolíticas, principalmente no pensamento de Spykman, avançando a linha de defesa,

afastando-a das fronteiras nacionais. A OTAN é a marca de poder dentro das Relações

Internacionais (COSTA, 2012). Tem como objetivo organizar o Sistema de Segurança

Coletiva, legitimando um arcabouço de normas e condutas entre um conjunto de Estados. Foi

criada em 04/04/1949 como consequência do Tratado de Bruxelas. Quando foi fundada, a

Organização contava com 12 (doze) membros: França, Reino Unido, Bélgica, Holanda e

Luxemburgo (os cinco do Tratado de Bruxelas), EUA, Canadá, Dinamarca, Islândia, Itália,

Noruega e Portugal. Segundo Costa (2012) a OTAN podia ser considerada o braço militar do

Plano Marshall. A expansão do Bloco Militar provoca a URSS, que em 1955 cria o Pacto de

Varsóvia, como resposta aos americanos.

A Carta de Princípios da OTAN coincide com os princípios da Carta da ONU. O

Bloco reconhece a supremacia do CSONU (Conselho de Segurança da ONU) em questões de

paz. Seus objetivos principais são: manter e desenvolver por meios próprios ou dos Estados a

capacidade individual e coletiva de resistir a um ataque; um ataque a qualquer país membro

será considerado ataque a todos; composta por países da Europa, América do Norte e Oriente

Médio; No pós - Guerra Fria aparecem algumas modificações e ampliações da área de

atuação.

Este trabalho fala por várias vezes da Doutrina Truman, a mais importante para os

argumentos desta dissertação. Esse tipo de política, que traz o nome do Presidente ou de seu

pensador é uma característica das formulações de Política Externa americanas. Segundo Oran

(2010) a Doutrina diz respeito a princípios que guiam a PE em um assunto ou campo

específico. Durante a Guerra Fria as mais importantes foram: Doutrina Truman (1947);

Doutrina Eisenhower (1957); Doutrina Carter (1980) e por fim a Doutrina Reagan (1985).

Estas políticas possuem caráter regional ou global, mas, foram sem dúvida de fundamental

importância para as Relações Internacionais (ORAN, 2010).

3.3.3 A relação com os Estados Unidos da América

A República da Turquia nasceu e seus fundadores tinham como objetivo estabelecer

relações internas e externas estáveis. Para que esse fato se tornasse possível a sua diplomacia

foi pensada e/ou formulada para evitar conflitos e desestabilização na região do Oriente

Médio, afirma Rodrigues (2003). O Estado sempre manteve boas relações com a Alemanha,

98

pois grande parte dos turcos que residem no exterior está nesse país. No ano de 1944 a

Turquia rompe com a Alemanha e com seus aliados do Eixo, pois foi uma pré-condição para

receber as futuras ajudas norte-americanas. Em 1945 declara guerra ao Eixo e passa a ser vista

com bons olhos pelos EUA.

O relacionamento amistoso entre EUA e Turquia teve seu início após o fim da II

Guerra Mundial. A relação no período entre guerras (1918/1939) oscilou muito. Após a

Conferência de Paz e a vitória turca sobre a Grécia em 1923 houve certo distanciamento

(HARRIS, 1972). As décadas de 30 e 40 foram marcadas pela força do nacionalismo e

oposição aos EUA, talvez por influência do Islã Político. Nesse período a P.E. turca era

baseada no princípio de “Paz em casa e Paz no Mundo”. Segundo Harris (1972) esse princípio

foi desmembrado em 4 (quatro) importantes articulações:

a) manter boas relações com a URSS;

b) estabelecer amizade com França e Inglaterra;

c) promover alianças regionais com os países dos Bálcãs, Ásia Central e Cáucaso;

d) relacionamento amigável com a Alemanha.

Com o fim do Segundo Conflito Mundial existia o temor de que os soviéticos fizessem

da Turquia outro de seus países membros. A URSS manifestava ainda o desejo de renovar os

acordos oriundos do Tratado de Montreux (1936) sobre a utilização dos estreitos turcos.

Segundo Fernandes (2005) a relação com a URSS teve para a Turquia dois momentos

distintos: entre 1919 e 1922, Lenin subsidiou a luta turca enviando-lhe armamento e

propiciando apoio político. Já no período pós - segunda guerra, o desejo de expansão soviética

empurrou a Turquia para as alianças ocidentais. Esse alinhamento foi estratégico, pois a

URSS tinha por objetivo a conquista de parte do território turco, além da saída para os

oceanos que já foi mencionada. Isso explica parte da aproximação com o governo americano

no período da Guerra Fria.

No meio do século XX assiste-se no cenário internacional à inversão de papéis entre

EUA e Inglaterra. Os americanos, no após a Segunda Guerra se afirmaram como a grande

potência mundial, posição antes ocupada pelos ingleses. E uma das principais preocupações

americanas era diminuir a influência britânica no Oriente Médio, fruto de acordos inclusive

com a Turquia (RODRÍGUEZ, 2003). Outro desejo era impedir o crescimento soviético, tanto

para o Ocidente, como para o Oriente, uma das formas de controlar esse avanço comunista

seria através da utilização das alianças militares, como a OTAN, além de vários acordos

99

bilaterais. A contenção seria o fator essencial para impedir esse avanço. Como ressalta

Kissinger (2001a) a Turquia por sua localização tinha grande importância para as pretensões

estadunidenses.

Durante a II Guerra Mundial a relação entre EUA e Turquia permaneceu morna e a

relação com a URSS esfriou, pois o sonho soviético da utilização e/ou posse em definitivo dos

estreitos ainda era forte. Em 1941, após ser atacada pelos alemães, a República socialista

deixou em segundo plano a ideia de obter o acesso aos mares quentes. Durante a guerra houve

na Turquia considerável aumento na simpatia em relação à Alemanha e ao Ocidente em geral

e esse fato incomodou aos soviéticos. Moscou questionou a neutralidade turca, no final da II

Guerra a desconfiança e as várias suspeitas ditavam o tom na relação entre os dois Estados.

Com essa situação a Turquia também se colocava ainda mais na defensiva em relação ao

Kremlin.

Quando ocorre a morte de Ataturk em 1938, Ismet Inönü assume a presidência na

Turquia já marcada por divisões internas. O Ministro das Relações Exteriores e seus

apoiadores apresentavam uma tendência pró-Alemanha. Já o Presidente e seus interlocutores

demonstravam mais simpatia pelos ingleses. Como mencionado acima, a Turquia entrou na

Guerra, mas exigiu um alto preço, ou seja, reequipar por inteiro suas Forças Armadas. Havia

em virtude dos acordos de 1939 o vínculo com a Inglaterra. Para Harris (1972) a boa imagem

dos EUA na Turquia só se fez sentir após a vitória na II Guerra. Com o fim do conflito parte

dos turcos passaram a enxergar os americanos como defensores da paz, da justiça e da

humanidade.

No ano de 1945, segundo Oran (2010) foi elaborado um documento pelo

Departamento de Estado americano que definia a relação turco-americana como amigável e

pacífica. O documento elencava os princípios que deviam nortear essa amizade:

1 – A liberdade das pessoas para escolherem livremente seu sistema de participação

social, político, religioso e econômico;

2 – Igualdade de oportunidade no comércio;

3 – Liberdade para publicação, organização e reunião;

4 – Preservação das instituições de ensino americanas em operação na Turquia;

5 – Proteção dos direitos dos nacionais americanos.

Os dois primeiros princípios são os pilares do capitalismo, o terceiro é base da economia

liberal e os dois últimos são reflexos do imperialismo estadunidense. (ORAN 2010). A

100

Turquia devia manter-se livre da influência soviética e os Estreitos estavam entre os pontos de

maior importância estratégica no período. Ainda naquele ano o Departamento de Estado e a

Marinha dos EUA afirmavam que os Estreitos deveriam permanecer abertos em tempos de

paz e fechados em situações de conflitos. Assim, mesmo estando de fora dos acordos da

Convenção de Montreux os americanos já influenciavam a Turquia. Portanto, esse acordo

tinha características de “Soft Power” com claros objetivos geopolíticos.

Em 1945 um fato colocou em risco parte dos territórios da Turquia. A Geórgia

reivindicava uma vasta quantia de terras turcas com apoio da URSS. Nesse momento a

Turquia cobrou o posicionamento dos parceiros EUA e Reino Unido em sua defesa. A

princípio os americanos foram favoráveis aos turcos, em seguida os britânicos também se

manifestaram a favor, pois não desejavam ver aumento da influência soviética. Em virtude do

Tratado de Amizade de 1939, entre Inglaterra e Turquia, os ingleses se mantiveram ao lado

dos interesses turcos. Ainda em 1945, no mês de Dezembro, houve desentendimentos entre

Washington e Moscou. Os americanos estavam certos de que era intenção da Rússia atacar a

Turquia. Em abril de 1946 o Presidente Truman faz uma declaração dizendo que a soberania e

a integridade dos países do Oriente Médio não deviam ser ameaçadas pela coerção nem pela

penetração.

Em 1946 houve um acordo entre Ancara e Washington, no qual o Presidente Truman

perdoou todos os débitos da Turquia com os EUA, existentes até aquela data. Isso foi

fundamental para a economia turca e para a relação entre as nações. Mas nesse ano, os

soviéticos enviaram duas solicitações à Turquia exigindo a revisão no Regime de controle dos

Estreitos. Foi para os turcos um ano de intensa pressão soviética. E os EUA em parceria com

a Inglaterra intervieram e impediram o acesso da URSS aos Estreitos depois de muita

resistência turca. Segundo Oran (2010), a posição americana não era de defesa da Turquia,

mas sim, com foco em resguardar os interesses estadunidenses contra a dominação da URSS.

Para dar um sinal de seu apoio, os EUA enviaram à Turquia um navio de guerra

portando o corpo de um diplomata turco que havia falecido nos EUA. No mês de março de

1946 a Turquia solicita um empréstimo aos bancos americanos e foi informada que

provavelmente receberia $25 milhões. Em outubro do mesmo ano, já no calor da Guerra Fria,

os turcos receberam uma significativa ajuda de $500 milhões de dólares. Até esse momento a

Inglaterra ainda exercia influência nos rumos da política turca e o “auxílio” americano tinha

claramente o desejo de reduzir esta interferência britânica. Com essa parceria o “recado”

estava dado também aos soviéticos, que no final de 1946 diminuíram a pressão sobre o país

do Bósforo e do Dardanelos. Internamente surge nesse período o Partido Democrata (PD),

101

oposição ao Partido Republicano do Povo (PRP). O PD inicialmente caracterizado como

partido opositor seguirá a mesma linha de amizade adotada pelo PRP em relação aos EUA.

Conforme avalia Rodriguez (2003), o movimento que insere de vez a Turquia dentro

do Bloco Ocidental depois de iniciada a Guerra Fria, foi o determinante discurso do

Presidente Truman no Congresso Americano em 12 de Março de 1947, no qual pede apoio

econômico aos gregos e aos turcos nos marcos do conflito bipolar. Apesar de EUA e

Inglaterra considerarem a Turquia como pertencente ao Oriente Médio, a ajuda tinha claros

objetivos estratégico-militares. Essa política, conhecida como “Doutrina Truman” marcou

oficialmente o início da Guerra Fria e o posicionamento da liderança norte-americana frente à

Turquia e aos demais países da Europa e Oriente Médio.

Nesse período a Grécia passava por crises internas. Greves, inflação alta, distúrbios e

conflitos civis, havia a suspeita de presença comunista no país Helênico. Os EUA sentem a

necessidade de intervir e Truman destaca mais atenção aos gregos em detrimento da Turquia.

Mas, como os riscos na Grécia poderiam se alastrar para o país vizinho e devido à pressão

soviética na questão dos Estreitos, os americanos forneceram suporte financeiro aos turcos.

Contudo, a exigência do Congresso estadunidense era de que a ajuda fosse supervisionada.

Por outro lado, entendendo que supervisão seria igual a controle e perda de soberania, a

oposição turca se manifestou contrária ao apoio. Assim coube ao governo, principalmente aos

diplomatas, negociarem para minimizar a influência/interferência externa.

A Doutrina Truman foi considerada uma espécie de plano de resgate, pois teve como

objetivo evitar que a Turquia fosse absorvida pelos soviéticos. “A Doutrina Truman marcou o

fim da primeira fase da procura da Turquia por segurança. (HARRIS, 1972, p. 28).22

” E

acrescenta-se, o início da busca americana por poder mundial. Apesar disso à época muitos

turcos não concordaram com o apoio americano e isso provocou várias disputas dentro do

país. Sob a Doutrina Truman a ajuda era, sobretudo, para reforçar, reorganizar, reequipar e

principalmente modernizar as Forças Armadas. Washington percebia a economia turca

saudável e a democracia, apesar de recente, era forte.

Dois conceitos que se inserem muito bem dentro desses aspectos e da relação entre os

países são expansão e contenção, que possibilitam a compreensão do jogo político no cenário

internacional. A partir dessas palavras pode-se pensar por um lado o desejo da URSS em

difundir ou expandir sua ideologia socialista pelos países do mundo. Por outro lado, o desejo

expresso de conter a expansão dessa política por parte dos EUA. A dinâmica de crescimento

22

Tradução Livre: “The Truman Doctrine marked the end of the first phase of Turkey’s search for security”.

102

socialista era uma política doutrinada por uma teoria, a marxista, mas, que por motivos

diversos, que não cabem analisar nesse trabalho, seguiu uma trajetória diferente daquela

pretendida por seu teórico principal, Karl Marx. Assim, a política de contenção adotada pelo

governo estadunidense e seus aliados, foi impulsionada e pensada por teóricos das relações

internacionais americanos e por geopolíticos como Spykman.

A teoria do Rimland desempenhou papel central na formulação da estratégia de

contenção dos EUA na Guerra Fria (MELO, 1999). A união turco-americana pode ser

analisada através do pensamento geopolítico de Spykman, que defendia a ideia de uma linha

de defesa estadunidense do outro lado do Oceano Atlântico e claro um poder anfíbio que

pudesse combater o poderoso Estado do Heartland. A segurança devia ser pensada de modo a

bloquear a chegada de qualquer poder inimigo nas fronteiras nacionais. Assim a Turquia seria

estratégica para conter o inimigo declarado dos EUA (VIZENTINI, 1996, p. 18),

principalmente bloqueando a passagem pelos Estreitos de Bósforo e Dardanelos. Neste

sentido, o argumento de Pecequilo (2005) é a justificativa mais plausível para o

desenvolvimento da dissertação.

[...] a contenção foi o guia e o referencial central para a política externa norte-

americana, consistindo sua grande estratégia durante toda a Guerra Fria. [...] A

contenção marca a história das relações internacionais em seu presente e passado

mais recente, devendo-se analisar seus principais componentes, definidos ao longo

de alguns documentos, textos e discursos fundamentais [...] (PECEQUILO, 2005, p.

144).

O passo seguinte da diplomacia turca foi buscar enquadrar o país dentro do Plano Marshall

(aporte financeiro) e da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Isso faria da

Turquia uma nação cada vez mais partícipe de organismos pan-europeus (RODRIGUEZ,

2003).

Quando o Plano de ajuda financeira foi lançado, as autoridades turcas se viram diante

da seguinte questão: como fazer parte da ajuda? Isso foi logo resolvido. Os diplomatas e o

governo souberam utilizar-se politicamente e geopoliticamente da sua posição e localização

para pressionar os EUA e foram imediatamente incorporados às ajudas do Plano Marshall.

Assim os norte-americanos aproveitaram a debilidade britânica para apoiar a Turquia e a

Grécia, pois saíram mais fortes do conflito. Pensadores americanos viam no apoio aos turcos

uma forma estratégica de ajudar a Europa. Conforme avalia Harris (1972) até o ano de 1971

as ajudas chegaram perto da soma de três bilhões de dólares. Contudo, a crítica

principalmente na Turquia, é que essas ajudas foram em grande parte direcionada ao setor

103

agrícola, produção de alimentos para a Europa, com pouco investimento em tecnologia.

Em 1948 foi oficializado o Pacto de Bruxelas entre França, Bélgica, Holanda,

Inglaterra e Luxemburgo, um acordo para defesa coletiva. Em junho do mesmo ano os EUA

firmaram as bases para organizar um Arranjo Coletivo de Segurança para a Europa,

incorporando os países do Pacto de Bruxelas, assim estava criada a OTAN. Com isso Ancara

sentiu a ameaça de ficar esquecida e ter reduzida sua relevância. Logo o governo turco

começou a se articular para entrar no bloco militar, mas, as dificuldades eram muitas. Diante

disso grupos internos sugeriam que a Turquia adotasse uma política de neutralidade, pois os

americanos não se empenhavam adequadamente para a entrada turca no bloco.

Diante do impasse Truman declarou que a segurança da Europa seria também a da

Turquia e que com a criação da OTAN os turcos não seriam abandonados. Para que a defesa

do Continente europeu se completasse seria necessária a proteção do território turco. Em

1949, apesar da sua debilidade militar e econômica, a Turquia passa a fazer parte como

membro fundador do Conselho Europeu, assumindo uma postura ainda mais ocidentalizada.

Segundo Harris (1972) esse convite foi apenas um consolo para acalmar os ânimos turcos. No

ano seguinte um fato histórico importante na política doméstica turca: com expressiva votação

popular chega ao poder o Partido Democrata, tendo Adnan Menderes como Primeiro

Ministro.

Em julho de 1950, o Governo de Menderes decide enviar para a Guerra da Coréia um

efetivo de 4.500 soldados. Chamou atenção o fato de que o envio não passou pelo crivo do

Legislativo e não teve consulta à oposição. Menderes enxergava no conflito uma possibilidade

de abertura das portas da OTAN. Ainda nesse ano o Bloco Militar Ocidental organizou o

Plano Militar para o Mediterrâneo, convidando Turquia e Grécia para sua composição. Em

15/05/51 EUA propuseram a entrada dos dois países como membros permanentes. “De fato,

contudo, a tática turca havia deixado os Estados Unidos com pouca opção de escolha.

(HARRIS, 1972, p. 42).23

” A forte diplomacia turca, as alianças com Inglaterra e França em

1939 e a presença na Guerra da Coréia, foram os fatores que mais pressionaram os

americanos nesses anos.

A Turquia teve sua participação na organização militar bloqueada a princípio, por ser

considerada geograficamente do Oriente Médio e por seus conflitos com o Chipre, sendo que

um dos opositores a essa entrada era a Grécia, devido aos fatos já mencionados nesse trabalho

(Ver item 2.4.1). Após o envio dos soldados para a Guerra da Coréia, os turcos ganharam o

23

“In fact, however, the Turkish tactics had left the United States with little choice” (tradução livre)

104

apoio americano para fazer parte da aliança. Para os ingleses interessava a segurança do

Oriente Médio, devido aos seus interesses no Petróleo, principalmente no Irã. Para eles a

Turquia seria bem vinda no bloco desde que em caso de conflito no Mediterrâneo fossem

enviados soldados turcos para as operações necessárias. As negociações foram paralisadas no

final do ano de 1951, pois os generais britânicos entendiam que a eles caberia o comando das

tropas e o que o Bloco do Mediterrâneo se estabelecesse como uma força fora da OTAN.

Nesse desejo, os britânicos encontraram a oposição da Turquia e provavelmente dos Estados

Unidos.

Após várias negociações a Turquia foi incorporada ao Bloco Militar Ocidental em

18/02/1952. Para os turcos a OTAN é como uma extensão dos EUA. Naquele tempo a

Turquia já se via no mesmo nível de importância dos países do Leste Europeu, isso

significava inclusive, ser parte da Europa. Mais, a garantia de que o país deveria continuar

recebendo ajuda para subsidiar seu crescimento. Tanto o PRP sob Inönü, quanto o PD sob

Menderes, trabalharam forte para envolver os americanos na política e nas questões turcas e

conseguiram. Do lado estadunidense o objetivo era cada vez mais aumentar sua influência no

território turco e usá-lo geopoliticamente, contudo, sem deixar transparecer o objetivo da

contenção aos soviéticos.

Porém, um fato pesa a favor da Turquia e precisa ser avaliado. Para a estrutura de

segurança européia a presença turca é significativa, avalia Pinto (2010). Os países da Europa

depois da Segunda Guerra “optaram24

” por uma política de paz no continente com o mínimo

de presença militar. Assim a ideia de segurança do continente ficou sob a responsabilidade da

OTAN, apoiada pelos EUA. Isso explica o fato de ser o exército turco, atualmente, o segundo

da organização militar, atrás em quantidade apenas dos militares americanos. Em relação ao

percentual do PIB a Turquia é o país que mais investe em melhorias militares se comparada

aos demais países da Europa. (PINTO, 2010). Todos esses passos dados pela Turquia

favoreceram sua relação com os EUA e o distanciamento da URSS. Ou seja, o país se insere

no jogo da Guerra Fria e se apresenta do lado do boco capitalista/ocidental liderado pelos

americanos.

A entrada para a OTAN foi uma injeção de ânimo na relação entre EUA e Turquia. A

amizade se fortaleceu no campo da política, da economia e principalmente militar. Foram

desenvolvidas várias atividades sob as bandeiras da Doutrina Truman e do Plano Marshall e a

24

Optaram entre aspas remete ao pensamento de Spykman de que a Europa não deveria se constituir em

Federação, nem ter uma hegemonia permitida, mas um equilíbrio europeu. Os EUA deveriam organizar poderes

divididos e equilibrados na Eurásia. (MELO, 1999).

105

presença americana em solo turco aumentou significativamente nesse período. Segundo

Harris (1972) o temor de um ataque soviético fez os parceiros do Bloco Militar ocidental se

organizar em uma Força de defesa com 96 divisões, das quais mais de 40 estavam sempre em

situação de alerta e dessas, 18 bases eram na Turquia, local realmente estratégico tanto para

defesa como para ataque. Durante o Governo de Eisenhower a estratégia foi intensificada,

pois a Guerra parecia questão de tempo. Criou-se nesse mandato a “Doutrina da Retaliação

Maciça”.

As estratégias da OTAN previam a derrubada do inimigo do Heartland, já desenhando

um clima de Terceira Guerra Mundial. Durante esse período, a década de 50, a demanda

soviética por partes do território turco era mais evidente e compreensiva. O exército turco

ficou em posição sempre estratégica, com organização de infra-estrutura e treinamento. Parte

significativa dos investimentos da Doutrina Truman era destinada à construção de estruturas

militares, pois havia a necessidade de modernização. Duas cidades se destacaram: Incirlik

como base aérea e Izmir como sede do Comando do Sudeste. (Ver mapa nº 01). Os

treinamentos intensos tinham como objetivo colocar o exército turco no nível mais próximo

possível do americano.

Em 1954 foi firmado o polêmico acordo em que os americanos não diplomatas, em

serviço na Turquia, estariam resguardados pela imunidade diplomática. Esse documento foi

aprovado no Congresso Turco. Por outro lado, vários outros tratados foram firmados

secretamente entre o Ministério das Relações Exteriores da Turquia, o Exército e os

americanos. Com isso o número de americanos cresceu – eles prestavam auxílio em

treinamentos, capacitações diversas e organização logística. Nesse período, segundo Harris

(1972), foram instalados mísseis de alcance intermediário na Turquia e a capacidade

americana de obtenção de informações, através de satélites, aumentou. A estratégia da

Contenção estava em desenvolvimento. Em 1956 a URSS denunciou que balões

metereológicos dos EUA eram utilizados como espiões. Esses instrumentos eram lançados a

partir do território turco, das várias bases instaladas.

A presença de militares americanos trazia problemas internos e provocava divisões na

Turquia, afetava a soberania do país. Turcos e americanos tinham dificuldades em resolver

problemas relacionados ao julgamento de crimes. O comércio ilegal como venda de

antiguidades era outra situação constrangedora a ser enfrentada. Por fim, a diferença entre os

estilos de vida que se manifestavam na cultura e na religião, e em outros aspectos. Os

americanos que eram bem vistos, passaram a ser questionados, principalmente por crimes

contra símbolos nacionais, como as estátuas de Atatürk e a Bandeira da Turquia.

106

Entre os anos de 1954 e 1955 foi criado o Pacto de Bagdá. Um arranjo militar entre

Turquia, Irã, Paquistão e Iraque, apoiado por Inglaterra, sem a presença americana. Esse

acordo objetivava impedir que a URSS pudesse avançar em direção ao Oriente Médio. Isso

fez acirrar ainda mais os ânimos do Kremlin. Egito e Síria, mais afeitos aos soviéticos, não

fizeram parte do Pacto. Durante o ano de 1956 os soviéticos iniciaram o fornecimento de

armas à Síria. Esse episódio fez Washington se manifestar, dizendo que não aceitaria

nenhuma agressão aos países do Pacto e criou em 1957 uma política específica de proteção

aos países do Oriente Médio. Em 1959 o Pacto se transformou na Organização do Tratado

Central, que se estruturou mais em termos de apoio econômico e menos militar.

A década de 50 foi marcada pela aliança comercial entre Turquia e EUA. Os

investimentos foram excessivamente direcionados ao setor agrícola, (KEYDER, 1979)

(SOMEL, 2011), sendo que a Indústria foi pouco incentivada, uma espécie de crescimento

dependente. Havia uma demanda por produtos manufaturados e a indústria doméstica turca

não tinha condições de atendê-la. Outro fator de desequilíbrio estava ligado ao Plano

Marshall, pois, houve a entrada maciça de produtos vindos dos países que também foram

beneficiados por esta política financeira. Com isso a necessidade de recorrer a empréstimos se

tornou premente e como conseqüência lógica causou desequilíbrio na Balança Comercial.

Somando-se a esse fato as sucessivas interferências americanas na política turca, o golpe

militar seria uma questão de tempo, como forma de responder às demandas da população e do

próprio exército. (Ver Item 2.4.4)

Segundo Keyder (1979) a ideologia americana após o fim da II Guerra tinha como

objetivo colocar no poder dos países periféricos elites com tendência pró-EUA. A intenção

seria que essa elite governasse com a ideia de abertura econômica e de mercado. Essa situação

não foi diferente na Turquia conduzida até a década de 50 pelo PRP. Nos quatro anos que se

seguiram à criação do PD, o PRP tentou incansavelmente restabelecer a burocracia

característica do período CUP. Ensaiou também uma espécie de reforma agrária no final do

seu governo, buscando melhorar a situação dos pequenos camponeses. Tudo foi feito para

conter o crescimento do partido oposicionista que surgia e agitava a população turca.

Contudo, a declaração de Somel pode resumir muito bem a situação. “Nos anos pós – guerra

ambos os governantes do PRP e PD usaram os pretextos do expansionismo soviético para

constituir alianças com os Estados Unidos e o centro capitalista.” (SOMEL, 2011, p. 194)25

.

Portanto, conclui-se que o pacote para a Turquia foi completo; como em outras partes do

25

“In the postwar years both the RPP and DP governments used the pretext of Soviet expansionism to build

closer ties with the United States and the capitalist core.” (SOMEL, 2011, p. 194).

107

mundo, a ajuda militar não foi encaminhada desacompanhada de outros serviços.

A década de 1960 foi um período conturbado na política mundial e a Turquia esteve

presente em alguns desses momentos difíceis. A Guerra Fria estava se desenvolvendo e em

1962 ocorreu a famosa crise dos mísseis. Para Allison e Zelikow (1999) esse foi o momento

em que o mundo esteve mais próximo de uma guerra nuclear, foram 13 dias tensos. Havia

mísseis soviéticos em território cubano, direcionado para os EUA, para isso os soviéticos

justificavam a defesa de Cuba contra uma possível invasão americana. Do outro lado, em solo

turco, mísseis estadunidenses apontados para a URSS. A situação foi resolvida via

diplomacia, mas, vale ressaltar que o papel estratégico da Turquia ganhava importância na

cena internacional. Segundo Costa (1998), os armamentos em Cuba representaram a primeira

vez que os soviéticos colocaram mísseis fora do seu território, o que assustou Washington.

Do lado turco o Governo Menderes concordou com a instalação de mísseis de médio

alcance na Turquia. Havia um acordo entre o Parlamento e o Executivo do país, de que

qualquer negociação dentro da parceria com os EUA seria informada e aprovada pelo

Legislativo, contudo, a questão dos mísseis foi mantida no campo do sigilo. Em meados de

1960 os Mísseis Júpiter foram instalados na cidade de Ismir (ver mapa nº 01). Kennedy,

prevendo as complicações, solicitou a retirada dos armamentos, mas os militares não

concordaram, alegando que a Turquia assim estaria segura e mais forte frente aos soviéticos.

De acordo com o Programa de Ajuda Militar, os mísseis passaram a ser propriedade da

Turquia.

Para a URSS os mísseis em Cuba possuíam o mesmo valor estratégico e militar que

aqueles colocados em solo turco, pelos americanos. Depois da crise de 1962 os objetivos da

OTAN foram desmascarados, se ainda havia alguma dúvida. A Turquia, que acabou se

tornando um mero expectador da situação, foi apanhada de surpresa, pois, a crise surgiu muito

rapidamente. Após essa situação, ambos os lados puderam compreender que os perigos da

Guerra Fria surgiam, às vezes, sem aviso prévio. Apesar de possuir os Mísseis em seu

território a Turquia poderia ser atacada pelos soviéticos devido a menor distância e não estaria

preparada para enfrentar tal acontecimento. Apenas em abril de 1963 os Mísseis foram

retirados da Turquia.

Como contrapartida pela perda do armamento, o Governo turco passou a exigir dos

americanos a renovação da sua frota de aviões de guerra. Os EUA concordaram prontamente

e cederam alguns aviões às Forças Armadas turcas. A Turquia recebeu também alguns navios

submarinos que eram capazes de atacar algumas regiões do território soviético. Apesar disso,

sem os mísseis a relação Turquia/URSS ficou mais amena. Mas desse episódio ficou uma

108

certeza: a importância estratégica do país de Kemal Atatürk foi naturalmente elevada após os

eventos de 1962.

Os anos de 1960 foram marcados por desentendimentos e divisão de posturas entre

americanos e turcos, nas palavras de Rodriguez (2003). Internamente o país passava por um

golpe e sua política interna foi modificada. Desde o momento do golpe a participação militar

na política do país seria decisiva e desafiadora em vários momentos. No cenário internacional

os conflitos com a Ilha de Chipre chamavam a atenção do mundo e principalmente dos

americanos. Conforme mencionado em outro ponto do texto, a Ilha era dividida entre gregos e

turcos, sendo que os últimos eram minoria. Os gregos sendo maioria desejavam mudar alguns

pontos da constituição para atender a interesses específicos, fato com que a Turquia não

concordou e como solução adotou a intervenção militar. Como a Ilha gozava de grande

prestígio na ONU (Organização das Nações Unidas) logo o conflito foi internacionalizado.

O que fez estremecer as relações entre os dois países foi a carta enviada à Turquia pelo

presidente americano, com uma negativa de apoio à questão turca no Chipre. Sendo assim, os

turcos, questionaram-se internamente, principalmente entre os anos de 1966 e 1968, sobre o

alinhamento incondicional com os americanos. Contudo, a Turquia já estava dependente da

ajuda financeira dos EUA e sua vontade de se afastar não podia ser concretizada, pois seriam

altos os custos para tal situação. Em 1963 o país se tornou membro associado da Comunidade

Econômica Européia, avanço importante para que em seguida se tornasse membro efetivo de

direito do Bloco. Esse fato fez mudar as relações entre os EUA e o país turco, pois sua

dependência em relação aos americanos diminuiria drasticamente, contudo a entrada não se

efetivou.

Conforme avaliado no item (2.3.1) a década aqui analisada marcou o retorno dos

debates em torno do Islã Político no Oriente Médio. Esse fenômeno não passaria em branco

na terra de Atatürk. Nesse período cresceu o antiamericanismo dentro da Turquia e com a

crise do Chipre esse sentimento aumentou consideravelmente. Os soviéticos tentaram se

aproveitar da situação e em 1964 seu Ministro das Relações Exteriores visitou a Turquia e

demonstrou estar a favor dos turcos no conflito cipriota. Paralelamente o Kremlin mantinha

contato com o Governo da Ilha, na pessoa do Presidente Makários. Por um breve momento na

história a aproximação com a URSS fez com que Turquia e EUA se mantivessem distantes.

As relações passariam por uma melhora significativa no final da década de 60, pois em

1967 a Turquia recebeu uma significativa ajuda financeira dos EUA (RODRIGUEZ, 2003).

No ano de 1969 foi assinado o Acordo de Cooperação Econômica e Militar dentro da esfera

de atuação da OTAN. No território turco já havia algumas bases militares e soldados norte-

109

americanos; as bases até aquele momento eram utilizadas em conjunto e após o acordo

ficaram sob a responsabilidade da Turquia. Esse fato foi sem dúvida gerador de importante

vantagem estratégica e fonte de modernização para o país. Também terminado o prazo de

validade do acordo, parte dos soldados norte-americanos deixariam as terras turcas.

Os anos 70 também foram marcados por novos abalos na relação entre os dois países.

Durante os anos de 1975 a 1978 os EUA promoveram um embargo econômico contra os

turcos e mais uma vez o motivo foi a tão problemática questão da Ilha Chipre, invadida pela

Turquia. Ainda nesse período as relações conflituosas entre Grécia e Turquia foram

incrementadas pela disputa sobre o espaço aéreo e marítimo do Mar Egeu, que foi

parcialmente resolvido pelos militares nos anos 80. A situação do Mar Egeu ainda demanda

cuidados e acordos. As relações turco-americanas voltam a se modificar nos anos 80. Dois são

os motivos principais: O Irã experimentou a Revolução em 1979 e passava por uma

transformação político-estrutural; e os soviéticos invadiram o Afeganistão. Portanto, a balança

de poder no Oriente Médio estava alterada e isso significou a revalorização estratégica do país

turco diante dos americanos. Em 1980 foi firmado novo acordo de cooperação entre os

parceiros. Nesse tratado os EUA poderiam utilizar doze bases militares na Turquia em locais

estratégicos. “No acordo também se contemplava ajuda econômica e militar dos Estados

Unidos à Turquia.” (RODRIGUEZ, 2003, p. 1364)26

. Vale lembrar que no início da década os

militares haviam tomado o poder novamente.

A ajuda econômica foi liberada nos anos de 1984 e 1988, fazendo da Turquia o

terceiro país em recebimento de recursos financeiros americanos, perdendo apenas para Egito

e Israel. Ao final do acordo no ano de 1988 houve uma renovação por mais quatro anos,

conforme afirma (RODRIGUEZ, 2003). Na década de 90, com a questão do Golfo e o fim da

URSS, a importância geoestratégica é novamente elevada. A Turquia nesse período passa a

desempenhar o papel de potência regional e interferir diretamente nos assuntos mais

complexos do Oriente Médio, dos Bálcãs e de parte da Ásia Central, fornecendo ajuda

financeira e enviando membros do exército para Operações de Paz da ONU. Os turcos iniciam

nesse período a busca para incrementar sua significativa relevância enquanto ponte entre os

dois mundos, o Ocidente e o Oriente. O uso do aspecto econômico, além da questão militar,

foi fundamental para uma mudança nos rumos da Política Externa. O país poderia ser

utilizado para o transporte e carregamento de commodities como gás natural, petróleo entre

outros.

26

En el acuerdo también se contemplaba ayuda econômica y militar por parte de Estados Unidos a Turquía.

(tradução livre)

110

Mesmo com o fim da Guerra Fria a relação entre EUA e Turquia não perdeu o caráter

geopolítico de segurança. O valor estratégico ainda é o principal motivador das relações,

conforme afirma (PINTO, 2010). Acredita-se que do lado turco a participação na coalizão da I

Guerra do Golfo teve mais relevância para o caráter do segurança regional e questão política

que propriamente ganância financeira (RODRIGUEZ, 2003). Houve naquele momento o

boicote por parte de alguns países do mundo árabe à Turquia, por se posicionar ao lado

americano. Para balancear esse problema os EUA facilitaram a exportação de produtos turcos

como tecidos e outros bens comerciais à Europa e aviões (caças) ao Egito.

Há no Oriente Médio uma potência regional com valor estratégico e energético

relativamente alto, o Irã (conforme mapa nº 04). Não é interessante para a Turquia, muito

menos para os EUA o protagonismo desse país. Contudo, as posições adotadas em relação ao

Estado Iraniano são distintas. Para os estadunidenses o Irã é considerado um “rogue-state” e

isso têm provocado várias situações constrangedoras na Política Internacional. Por outro lado

para os turcos está sendo mais interessante manter a relação amistosa e pragmática, inclusive

recebendo petróleo e gás desse país. A diplomacia turca sempre ressalta a amizade entre os

dois países. E a Turquia nega, em seus documentos de PE, qualquer disputa por liderança

regional com o povo iraniano.

Outro país nos limites fronteiriços da Turquia que gera preocupações é a Síria.

Também atualmente vista pelos EUA como um “rogue-state”. Em alguns momentos das

décadas de 1990 e 2000 quando alguma dissidência surgia, os turcos acreditavam no suporte

norte-americano a ela, o que não ocorreu. A Síria é uma das nações mais fortemente ligadas à

Rússia e isso pode explicar em parte a neutralidade americana. Conforme Rodriguez (2003),

nesse caso Washington preferia ficar sempre de fora e evitar qualquer confronto com a Síria

para não atrair os russos.

A Ásia Central é um ponto importante de projeção para a Turquia, pois nessa região

do Globo há alguns povos turcos, existem, portanto, laços identitários. Mas existem

influências da Rússia e do Irã nesse local e o Governo turco tenta a todo custo minimizá-las.

Nenhum dos Estados supracitados possuem simultaneamente laços étnicos e religiosos com o

povo ali estabelecido e disso também os turcos tiram proveito. Há o projeto de oleoduto e

gasoduto ligando essa região à Europa e passando em território da Turquia, o qual foi apoiado

fortemente pelo governo americano que deseja também ver a influência russa mais limitada

possível.

Deve ser ressaltado que os EUA é um país que permite legalmente a atuação dos

Lobbies. Internamente há uma forte pressão de grupos lobistas que defendem os interesses de

111

gregos e armênios. Esse fato vez ou outra provoca tensões entre os antigos parceiros

(EUA/Turquia). Os grupos internos levantam bandeiras em defesa dos direitos humanos, a

questão delicada do Chipre e desejam minimizar as ajudas financeiras para o Governo de

Ancara. Conforme Rodriguez (2003) não há, por outro lado, o Lobby turco o que faz a

situação ficar desfavorável para a Turquia, que recebe apoio apenas de órgãos do próprio

governo norte-americano.

Após o fatídico 11/09 os turcos colaboraram em tudo que foi necessário com os EUA.

Apoio logístico, utilização de bases, concessão de informações foram alguns dos pontos de

ajuda. Após caloroso debate interno a Turquia resolveu enviar suas tropas para o Afeganistão.

De acordo com o desenvolvimento da parceria os norte-americanos concedem benefícios ora

bélicos, como armamentos e aviões, ora econômicos com empréstimos através do FMI. Em

2002 o Primeiro Ministro turco visitou os EUA e dessa visita resultaram alguns acordos, além

de discussões em torno da questão do Iraque e do Afeganistão. Em novembro do mesmo ano

ocorreram as eleições, vencidas pelo Partido da Justiça e do Desenvolvimento que se encontra

no poder ainda hoje.

112

4 A TURQUIA NO PÓS - GUERRA FRIA

Do ponto de vista geopolítico, a Turquia ainda era mais importante. Fronteiriça com

Oriente Médio, Ásia Central, URSS e Europa, ela era indispensável à política

americana para cada uma dessas áreas. A Turquia tinha sido firme e leal aliada em

todo o período da Guerra Fria. Tropas turcas lutaram, com distinção, ao nosso lado

na Coréia. Vinte e seis instalações eletrônicas monitoravam os mísseis e as

atividades espaciais soviéticas, a partir do território turco. (KISSINGER, p. 230,

2001b)

As afirmações de Henry Kissinger servem de base para confirmar algumas premissas

da pesquisa e introduzir os objetivos deste capítulo que se inicia. O quarto capítulo terá como

objetivo analisar a Turquia no pós - Guerra Fria, observando as conseqüências da relação com

os EUA e os efeitos da questão geopolítica para o país. Outro aspecto importante para esta

parte da dissertação é analisar, ainda que superficialmente, as relações do país no quesito

religião e modernidade, cultura e política, para essa análise a teoria construtivista será de

fundamental relevância.

A Turquia tem forte tradição política, herdada do Império, mas a participação da

sociedade civil é fraca (BURAK, 2012). Desde o ano de 2002 a Turquia tem como Chefe de

Governo Recep Tayipp Erdogan, homem muito hábil na política, alguns estudiosos turcos o

apontam como o segundo maior líder turco, atrás apenas de Ataturk. Erdogan é um político

carismático e, segundo Dombey (2012), a questão que se coloca é saber até que ponto a

situação política turca está ligada ao seu líder. Sobre a pessoa de Erdogan e seu partido o AKP

paira a dúvida sobre uma possível re-islamização da Turquia.

Havia, conforme já mencionado, a interferência do exército sempre que o

secularismo/nacionalismo de Atatürk estivesse ameaçado. Erdogan soube como ninguém

controlar a influência dos militares, promovendo inclusive prisões de Generais opositores

(SEM FRONTEIRA, 2011). Demonstrou habilidade para controlar as influências negativas

em nível interno e em ambiente internacional. No âmbito interno soube dominar as rebeliões e

externamente diminuir, assim como o Brasil, a dependência diante de órgãos como o FMI.

Contudo, há divergências quanto à forma de condução governista, no que se refere aos

Direitos Humanos e a religião. Para manter o domínio o governo se utiliza de várias

estratégias, uma delas é a mudança nos postos, ou locais de trabalho. Por outro lado, o sistema

de educação foi reformulado e as doutrinas religiosas conquistaram mais espaço. Segundo

Burak (2012) o governo usa a força, quando necessário, para controlar associações e união de

comerciantes. Há, portanto, uma fratura nas relações entre o Estado e a sociedade civil.

113

A construção do Estado-nação teve tendência a produzir um povo manipulado ou

manipulável – a tradição histórica é fator de peso. A oposição foi satanizada segundo Burak

(2012). Depois de 1983, segundo o mesmo autor, houve a abertura rumo ao liberalismo

econômico e político e a busca pela entrada na UE fez o país implementar medidas de

modernização. Assim, segundo Dombey (2012) sob o governo do AKP a Turquia teve

considerável aumento no seu padrão de vida. As empresas turcas, principalmente da Anatólia,

estão conquistando o mundo. Há também incentivo aos programas de saúde pelo governo, a

emergência da classe média e diminuição da pobreza. Outro avanço foi a busca por petróleo

no Mar Negro, para isso a Turquia contou com o apoio técnico da Empresa Brasileira

Petrobrás (SEM FRONTEIRA, 2011). Contudo, o projeto não logrou êxito.

4.1 Economia Política, Potência Média e Relações Internacionais

O objetivo desse item é debater à luz dessas duas áreas, a Economia Política e as

Relações Internacionais, a questão da Potência Média. Trazendo para o plano das RI, como se

dá esse processo? Na divisão internacional do trabalho a questão da especialização está dada.

Isto fica muito claro quando uma empresa automobilística, por exemplo, tem a estrela como

símbolo, são as cinco pontas, representando todos os continentes, cada parte do carro é

produzida em uma localidade do globo. Os países em desenvolvimento, até então

exportadores de commodities, passam a administrar, paralelamente, grandes mercados

consumidores. Mas continuam com as características dependentes de sempre, consomem

produtos manufaturados importados dos grandes centros ou países desenvolvidos.

O que está mudando é que as nações emergentes chamam a atenção do mundo. Esses

países são geralmente mais populosos, possuem grande mercado consumidor, faturam alto

com as vendas de commodities, ou seja, possuem reservas, mas não diversificam suas pautas

de exportação, não produzem crescimento e o futuro é incerto. A crítica em relação à falta de

opções já acontecia na década de 60 e 70, quando falhou o processo de ISI (Industrialização

por Substituição de Importações). Feitas essas observações breves, a Turquia passa a ser

objeto de análise do artigo e de verificação das afirmações acima descritas. Na década de

1920, época da fundação da República, experimentou a abertura econômica e na década

posterior, 1930, uma política intervencionista estatal, implantada por uma elite burocrática.

Esse período foi, sobretudo, marcado pelo caráter de mudança da situação de poder

centralizado do Império para a “abertura democrática” do governo no novo país.

114

A Turquia é um país repleto de contradições, afirma Somel (2011). O fato de não

haver por parte de sua população um sentimento anti-imperialista, como nas demais nações

periféricas; diferenças exorbitantes de desenvolvimento entre o leste e o oeste do país,

ressalte-se que no leste, estão os curdos; e o fato de ser um país com maioria mulçumana,

apesar de secular, facilitaram a implementação da política neoliberal na Turquia. Desde a

época do Império essas diferenças foram sendo criadas, tanto que as duas regiões mais

desenvolvidas do país são o sul e o oeste. Apesar dessas características ainda existe um

dilema interno: colaborar com os países da Europa para avançar na modernização ou se

resguardar para fugir do imperialismo europeu?

Metade do século XX foi marcada por esse período de transição. Ocorreram as

reformas, e o país viveu um tempo de periferia não colonial, sofrendo influência direta dos

poderes econômicos imperiais. Foi uma reforma intelectual, contudo, faltou a transformação

estrutural. Desde a época do Império existiam grandes proprietários de terra, que foram

fragilizados pelas mudanças. Havia uma classe social em formação, os compradores,

composta por uma burguesia mercantil formada basicamente por gregos e armênios. Suas

características permitiam-lhes suportar facilmente as mudanças, pois a sociedade era baseada

na troca e no mercado.

Sob forte interferência ocidental, o CUP (Comitê para União e Progresso) foi um dos

responsáveis pela transição. Com o Comitê foi decretado o fim do Império, mas pouco se viu

em termos de mudança estrutural e de mobilidade social. Sendo a carreira militar a mais

importante forma de mudança social. Com base em uma ideologia positivista, a Jovem

Turquia buscou estabelecer uma economia nacional. Para estabelecer essa economia nacional

os membros do CUP criaram uma burguesia mercantil formada por judeus e mulçumanos,

pois, não havia relação de confiança com os gregos e armênios, de maioria cristã. Com isso

surge a necessidade de um forte aparato militar e burocrático no país. Para garantir o

fortalecimento do exército, foi preciso investimento externo. Por isso desde o início o novo

país já se tornara refém das grandes potências ocidentais. Geração de dívida externa e controle

por parte de estrangeiros foram algumas das consequências. A Turquia nasce com caráter

burocrático, tutelagem e uma estrutura periférica, apesar do clichê de modernidade. Esse

momento histórico, em que o país foi chamado de “Jovem Turquia”, durou uma década,

inclusive nos anos da Primeira Guerra Mundial.

A debilidade do Império Otomano e a influência da Alemanha foram uma das causas

da guerra, apontadas por historiadores. Etapa em que houve acentuada queda na entrada de

capital francês e britânico, além da diminuição dos mercadores gregos e armênios. Mas, foi,

115

contudo, espaço de acumulação do capital e exploração das classes subalternas. Durante a

guerra os gregos e armênos sofreram várias atrocidades e muitos foram expulsos do país. Com

a saída dos estrangeiros, os turcos tentaram se apropriar dos bens, comércio e terras deixados

para traz. A causa nacionalista surge como resposta e defesa à possibilidade de retorno dessa

população. De 1919 a 1923 Mustafá Kemal empreendeu a luta pela independência, sem contar

com apoio britânico ou francês. O exercito grego tinha apoio dos ingleses e dentro da Turquia

surgiam blocos de resistência, como guerrilhas. Kemal, militar, liderava a ala reformista da

exercito e se viu obrigado a aliar-se ao CUP para se fortalecer. Kemal reorganizou o exército,

com soldados veteranos de guerra, desvinculou-se do CUP por questões pessoais, desafiou a

autoridade governamental em Istambul e levantou acampamento em Ancara. No mês de

Outubro do ano de 1923 foi proclamada a República da Turquia e Kemal promove nova

abertura ao capital externo, para que, financiada, a nova república pudesse se firmar como

Estado.

O CUP que era um movimento extremamente conservador, tentou revigorar o Império

em seu final, mas sem sucesso, embora o grupo tenha permanecido forte por várias décadas.

O regime kemalista foi definido como republicano, secular e não imperialista. A década de 20

foi de reconstrução, mas também marcada pelo enriquecimento da burguesia comercial.

(KEYDER, 1979). Em 1924 foi promulgada a Constituição que atendia aos anseios da elite e

não tinha objetivos de promover a mudança social. Era uma carta que não privilegiava as

questões sociais e não garantia direitos trabalhistas. De 1929 a 1933 o país viveu um período

de economia fechada. O Governo de Ancara se voltou para as questões internas, através de

vários métodos conseguiu controlar a economia. Restringiu as importações e criou uma

autoridade monetária, o Banco Central. Na década de 30 assistiu-se na Turquia à tentativa de

formular uma ideologia nacional, através do desenvolvimento econômico nacional. Assim o

governo Kemal buscava fugir de uma orientação periférica. As mudanças do governo

imitavam a estrutura de modernização capitalista. Em 1933 foi formulada uma política de

industrialização.

Os turcos não participaram efetivamente da II Guerra Mundial, mas, apesar disso,

nesse período, grande parte da população masculina foi para o exército. No pós-segunda

guerra, tanto os governos do PD quanto os do PRP firmaram acordos com os EUA e outros

países do centro. Essas alianças consequentemente apenas aceleraram o processo de

dependência em relação às potências. Historicamente a Turquia enfrentou alguns problemas

para sua inserção no sistema capitalista global. Sua característica de país do Oriente mais

ocidentalizado ainda não havia sido totalmente digerida pela comunidade internacional,

116

principalmente por europeus. Por não ser um país eminentemente cristão e por suas

especificidades culturais, o país sofreu alguns boicotes. Apesar de ser considerada atualmente

uma potência emergente, a Turquia enfrentou e ainda enfrenta dificuldades para sua aceitação

como membro efetivo na União Européia. Nas décadas de 50 e 60 encontrou barreiras até

mesmo para atrair investimento externo com vistas a financiar o crescimento do país. Embora

os tenha conseguido. (KEYDER, 1979) (FERNANDES, 2005a).

A posição geográfica da Turquia não favorecia a captação do investimento. Naquele

tempo histórico os EUA estavam com a atenção voltada para América Latina e a Europa

voltava toda sua atenção para os problemas internos. As disputas políticas da Turquia faziam

com que ela fosse avaliada como um país em constante crise e isso não seria nada atrativo

para o capital externo. No início da década de 50 o crescimento econômico atendia às

expectativas do governo. Contudo, o desenvolvimento já nesse período tinha uma

característica de periferia, pois, o país exportava grãos, minérios e outros itens. O governo

criou uma política de incentivo à agricultura, aumentando os preços e em três anos

proporcionou a compra de 35.000 novos tratores. Esse crescimento acelerado durou

aproximadamente três anos, seguiu-se forte restrição das importações, pois, as exportações

declinavam constantemente. O governo turco procurou novas fontes de recursos e apesar da

ajuda liberada pelos americanos, através do Plano Marshall, não conseguiu atrair novos

investidores como desejava. (KEYDER, 1979)

Por outro lado, os empréstimos adquiridos para subsidiar o crescimento provocaram

inflação. O Governo pagava altos valores para os fazendeiros com o objetivo de sustentar a

produção agrícola do país, já em crise, mesmo apesar de o preço dessas commodities no

mercado mundial estarem em constante queda. Chegou-se por fim à impressão de moeda para

financiar a agricultura. Na década de 50 e inicio dos anos 60 a população urbana cresceu de

18,5% para 25,2%, um fenômeno tipicamente de capitalismo periférico. Aumentou o número

de pequenas cidades nas redondezas das metrópoles. No final dos anos 50, a Turquia foi

atingida por uma crise e teve que reavaliar sua política econômica. Nas cidades próximas às

grandes metrópoles as condições de vida e habitabilidade eram péssimas.

Segundo Somel (2011) nos anos 60, mais especificamente em 1963 a Turquia adota a

ISI (Industrialização por Substituição de Informações). Fecha seu mercado e aumenta a

produção de bens de consumo. Se comparado à America Latina, o processo na Turquia teve

seu início atrasado. O plano funcionou por quase uma década e de 1963 a 1971 a economia

turca cresceu em média 9% ao ano. Contudo, a indústria, que já estava dependente, não teve

condições de avançar conforme desejado. A década de 1970 foi marcada pela crise do

117

petróleo e o embargo econômico promovido pelos EUA. Fatores que afetaram a economia

turca naquele momento histórico.

A década de 1980 foi importante pela gestão de Turgut Özal, segundo Somel (2011)

ele implementou o Programa de Ajuste Estrutural, mas a estratégia não avançou muito devido

ao golpe militar naquele ano. A Junta militar que governou a Turquia promoveu a

promulgação da nova Constituição e restringiu as liberdades civis. A década de 1980 ficou

marcada segundo Somel (2011) como momento de introdução do neoliberalismo na Turquia.

As elites locais depois do afastamento dos militares introduziram a mudança no cambio da

economia em 1984 e 1989. Em 1994 o país passou por uma significativa recessão e em 1995,

conforme mencionado anteriormente e entrou para a União Aduaneira da Europa. Nos anos

2000 foi auxiliado pelo FMI e em 2007 foi afetado pela crise novamente. Atualmente,

segundo Dombey (2012) a Turquia está crescendo em média 5% (cinco por cento) ao ano e

por isso os turcos se vêem como exemplo para os países do Oriente Médio e Europa em crise.

4.1.1 Turquia como potência média

Temos crescimento, nos últimos dez anos temos um crescimento médio de quase

10% ao ano, é muito grande em comparação a muitos países europeus. Um

crescimento médio de 10 %. O último que tivemos registrou esse ponto. A China

tem esse crescimento, a Índia tem esse crescimento, alguns países da Europa e a

Turquia tinham esse crescimento. (M. ÖZGÜN ARMAN, 2013)

Na atual cena internacional as potências médias têm desempenhado função importante

tanto no espaço regional como em âmbito global. Para esse estudo interessa caracterizar o que

são potências médias e suas funções. Como breve estudo de caso, caracterizar a Turquia

verificando se tem alcance global ou regional. O argumento é que na atual conjuntura política

as potências médias têm desempenhado papel primordial na política internacional. Potência

Média será analisada como um país que possui algumas capacidades materiais, que se percebe

e pode ser percebido por outros Estados, tanto pequenas como grandes potências, como

diferente (LECHINI; GIACCAGLIA, 2011).

Para as autoras são três os elementos para se identificar uma potência média:

capacidades materiais, auto-identificação e reconhecimento por terceiros. A capacidade

deverá ser mensurada de acordo com cada momento histórico; pode ser analisada pelo poder

bélico, por possessões territoriais ou até recursos naturais como água e petróleo. As

capacidades estão diretamente ligadas à auto-identificação, pois é o que permite ao país ter

certeza de que será tratado como potência média e que será reconhecido internacionalmente

118

dessa forma, ou seja, tanto por pequenos países como pelas grandes potências.

Tradicionalmente, sob um viés crítico, as potências médias podem favorecer a

manutenção da ordem vigente, através de sua política externa. As potências médias podem ser

tradicionais (PMT) ou emergentes (PME), conforme a classificação de Jordaan (2003). Entre

as potências médias é possível fazer a distinção das relações norte (PMT) e sul (PME). As

PMT são geralmente formadas por países estáveis, com boa distribuição de renda. Tem

estabelecida a democracia, mas pouca influencia regional. No caso das PME, são países semi-

periféricos, com democracias recentes e/ou oscilantes. Apresentam característica reformista,

possuem orientação para articulação regional e buscam construir identidades distintas dos

países vizinhos. A Turquia é caso clássico, ao pleitear vaga na Comunidade Européia.

As potências médias possuem alta capacidade de influência e demonstram desejo de

promover estabilidade e uma esfera de influência regional. Geralmente participam de missões

de paz, pois para liderar devem demonstrar força militar. Não interferem em todas as

situações belicosas, mas estão presentes em grande parte da solução dos conflitos. Entendem

que para aumentar seu poder de negociação e galgar postos mais altos nas Organizações

Internacionais (OI), precisam participar ativamente desses espaços. As PME buscam

assinaturas de acordos, são promotoras da paz e sempre tentam liderar assuntos polêmicos ou

estratégicos.

Recentemente, no ano de 2010, observou-se o esforço de Brasil e Turquia para

abrirem negociações com o Irã, sobre o sensível tema do enriquecimento de urânio. Os dois

países conseguiram chegar a um acordo com os iranianos, mas as grandes potências,

principalmente Estados Unidos, não aceitaram. Faz parte do jogo político, as grandes

potências boicotarem estratégias ou diminuir o espaço de atuação das PME para reduzir-lhes o

poder e a capacidade de interferência. Geralmente preferem atrair os países emergentes para

sua área de influência ou blocos/estruturas já existentes para que dessa forma possam

controlá-los.

Uma das críticas dos neogramscianos às OI’s é que essas entidades são promotoras da

ideologia dominante. As PME são atraídas para as organizações que geralmente são

comandadas pelos países do norte e desenvolvidos. Com a adesão das PME as OI’s ganham

legitimidade e maior alcance de atuação. Dentro das OI’s as potências médias são geralmente

favoráveis a grandes reformas nas suas estruturas e nas regras de funcionamento. A objeção é

que são desejos reformistas e atendem a interesses particulares, não são revolucionários, não

promovem mudanças de impacto. Percebe-se apenas a busca por maior poder dentro desses

organismos para rivalizarem com as grandes potências.

119

Um país hegêmona utiliza-se de seu poderio econômico e militar para induzir as elites

dos países menores. Assim a elite local altera sua política e economia para atender aos anseios

das potências. Ou seja, mesmo não sendo um consenso interno, há o consentimento do país

para que a hegemonia seja exercida. As elites, ou burguesia local colocam seus interesses

particulares acima do interesse nacional. Disseminam valores e práticas e a partir desses atos,

que atendem geralmente aos padrões internacionais, alcançam a legitimidade doméstica. O

poder do país hegêmona é exercido pela coerção e/ou pela indução, ocasionando o

comportamento complacente e a diminuição da soberania estatal.

Segundo Jordaan (2003), as PME não possuem recursos materiais para se tornarem

doadores em larga escala, mas o fazem, pois precisam demonstrar capacidade para liderar. A

Turquia, por exemplo, se vê como país doador de recursos financeiros para ajuda humanitária.

Seus documentos internos apontam para mais de cinquenta países já socorridos (TURQUIA,

2001). O país participou de missões “peacekeeping” e “peacemaking” na Somália, na Bósnia

e Herzegovinia, na Geórgia entre outros locais. A ajuda humanitária coloca qualquer país

como cidadão do mundo, permite que esse país, mesmo “ilusoriamente”, seja visto por outros

países como membro forte dentro da arena internacional. A crítica feita é que essas ajudas

camuflam a demanda real por mudanças na economia política global. Sendo consideradas

como extensão das políticas de bem estar para classes pobres e diminuindo as possibilidades

de conflitos, conforme pensado pelos neogramscianos.

Na atualidade é possível perceber a mudança de cenário na atuação das PME. Seu

alinhamento incondicional com as grandes potências passou por mudanças, hoje o foco está

nas relações sul-sul, ou seja, priorizam os países de condições semelhantes para a realização

de negócios e também para projeção econômica e política sem, no entanto, deixar de lado as

negociações com as grandes potências, pois essas ainda detêm o maior volume de transações

comerciais. Além de suas relações com os Estados Unidos e a união alfandegária com a

Europa, a Turquia promove cooperação com países de sua região. Possui acordos com Irã e

Paquistão, ambos para cooperação econômica. Portanto, suas atitudes tendem a promover

estabilização e legitimação da ordem global vigente, não promovem mudança estrutural. E

ainda no aspecto de ser visto como potência média, a iniciativa para formar blocos também é

um bom indicativo.

As PMT também possuem articulações e interesses regionais, assim como as PME. A

diferença é que as PMT estão em suas regiões ao lado das grandes potências, a exemplo dos

países europeus e do Canadá na América do Norte. Isso faz com que seus objetivos de

projeção regional sejam ofuscados ou até anulados. Já as PME como a Turquia possuem

120

grande projeção regional e suas regiões ajudam a incrementar sua participação internacional.

Buscam explorar sua influência regional no âmbito político e econômico. Sua hegemonia

regional pode provocar desestabilização e isso politicamente não é bom. A Turquia, e pode-se

acrescentar o Brasil, realiza grandes esforços em sua formulação de política externa para

amenizar as crises regionais.

Potências Médias, como Brasil e Turquia, promovem sua inserção na esfera

internacional como forma de minimizar sua vulnerabilidade e aumentar seu poder. Deixam de

ser países que apenas realizam trocas comerciais para se tornarem “jogadores globais”, ou

seja, formulam suas PE’s de forma globalizada e participam ativamente da política

internacional. Esses países estão cientes da necessidade de arcar com alguns custos, fazer

concessões e assumir responsabilidades diante de seus “liderados”. Segundo Lechini e

Giaccaglia (2011), outra estratégia que pode ser adotada é a “diplomacia de nicho”, nesse

caso optam por liderar em alguns assuntos específicos.

A Turquia é uma potência média que precisa ser acompanhada de perto e

constantemente, pois seu potencial de crescimento é grande. Apesar de estar localizada em

uma região com tendência forte ao conflito, a Turquia pode ser a potência regional que

consiga auxiliar no processo de diálogo. Um aspecto crítico apontado por Jordaan (2003), que

provoca certo desconforto às PME, é a forte presença dos seus líderes nacionais no cenário

internacional. A figura do líder é super valorizada e coloca o Estado em segundo plano. Essa

preponderância pessoal prejudica na formulação da política que às vezes deixa de ter

característica estatal. Tanto Brasil como a Turquia viveram a experiência dessa liderança com

Luiz Inácio Lula da Silva e com Recep Tayyip Erdogan, respectivamente. Outro aspecto

crítico levantado pelo autor são os problemas internos vivenciados pelas PME, a grande

desigualdade social, divisões étnicas e culturais, além da má distribuição de renda. Seria fácil

enquadrar nessas características quatro das principais Potências Médias da

contemporaneidade, Índia, Brasil, Turquia e África do Sul, que apesar do crescimento na

arena internacional apresentam essas fortes divergências internas.

Nas relações sociais a financeirização já é prioridade nos países do globo. As relações

são puramente mercadológicas e as pessoas não se enxergam mais como ser social. As

relações trabalhistas foram completamente corrompidas e o homem não se realiza mais no

trabalho e sim no mercado. O caráter ontológico do trabalho está esvaziado. Se a lógica é da

mercantilização e financeirização os direitos sociais são colocados em segundo plano. O

“mercado” entende que as pessoas não precisam ter acesso a direitos e sim a possibilidades de

consumo, o consumismo é agora a nova forma de inclusão social. A lógica perversa da

121

distribuição de renda, não mais se distribui riqueza, se é que algum dia isso ocorreu nos países

periféricos ou semi-periféricos. Assim a periferia se transforma em centro, é legal ser pobre,

“ser da favela é ser top”. É preciso que “as esquerdas” estejam atentas, pois no auge de sua

crise o capitalismo utiliza-se da pobreza para se refazer enquanto sistema forte. Infelizmente

estão alcançando seu objetivo, é o momento de mudança no sistema que está dado.

Nas relações internacionais acontece evento semelhante, pois Gramsci já dizia que as

relações internacionais são reflexos das relações internas, com isso modifica-se a divisão

internacional do trabalho. Nesse espaço verifica-se a crescente revalorização dos países

periféricos. Esse deve ser o “pulo do gato” dos países periféricos e da esquerda, se é que ela

ainda tem possibilidades para tal. Os países emergentes ganharam um papel de destaque e

devem saber aproveitá-lo. Esse é o momento da contra-hegemonia. É a oportunidade para

revalorização do ser, da minimização do consumismo exacerbado. No nível internacional, a

situação está favorável aos países do sul, para que possam buscar relações menos desiguais

com os países do norte.

Na situação turca algo chama a atenção quando se pensa na questão da auto-imagem.

Conforme menciona Lazarou (2012)27

, os turcos se vêem como “Potência Central” na região

do Oriente Médio. Isso se expressa na importante formulação de Política Externa: “Zero

Problemas” com os Vizinhos, nas disputas veladas com o Irã pela liderança regional, no

posicionamento contrário à postura de Israel no caso da Palestina e na adoção de políticas

atualmente denominadas por alguns teóricos como Neo-Otomanista, conforme afirma

Lazarou (2012). Talvez não haja o desejo de voltar a ser um império, mas a intenção de

resgatar a influência exercida naquele período imperial. Ao ser questionado sobre a Política

Neo-Otomanista o Cônsul entrevistado respondeu assim:

A Turquia tem o maior interesse em estabelecer contato (comercial/diplomático)

com os países que foram do Império Otomano. Mas, Neo-Otomanismo não é um

conceito correto. A Turquia não tem poder pra dominar, não tem intenção pra

dominar. Mas, jogar um jogo mais ativo é outra coisa! Tem mais intenção de

liderança regional, jogo mais positivo, não interesse dirigir outros países, interesses

econômicos e mediar conflitos sim. Jogar um jogo mais ativo, sim. (ÖZGÜN

ARMAN)

27

Palestra proferida por Elena Lazarou no Seminário Potências Médias na PUC Minas, Belo Horizonte nos dias

01 e 02 de outubro de 2012.

122

4.2 A coalizão na II Guerra do Iraque

Este item foi incluído aqui para demonstrar a correlação de forças dentro da Turquia

no momento em que havia na cena política do país uma importante mudança estratégica.

Como está sendo analisado ao longo deste capítulo com o fim da Guerra Fria, o foco de ação

em Política Externa e mesmo em geopolítica passa para uma postura de acordos multilaterais.

A coalizão para a Segunda Guerra do Golfo mostra os embates entre aqueles turcos de

tendências pró-americanos e os que defendem mais autonomia turca em relação aos Estados

Unidos.

A coalizão na II Guerra do Iraque deve ser analisada mais sob o ponto de vista

geoeconômico e menos do âmbito geoestratégico. A intenção do Governo Bush de invadir e

consequentemente ocupar o Iraque se explica muito facilmente pelo ponto de vista da busca

por fontes de energia, como petróleo e gás. Ainda nesta dissertação será possível perceber que

essa busca teve seu início marcado na década de 50. Assim, mesmo analisando com foco

econômico, a contenção foi válida, pois, da mesma forma que os EUA, a URSS também

desejava participar e desfrutar das riquezas da região médio-oriental. Também foram

fundamentais a hegemonia e o poderio bélico americano nessa campanha durante e depois da

contenção.

Para Lopes (2009) a hegemonia de um Estado é demonstrada através de sua

capacidade de se projetar sobre outros países dentro do contexto da política internacional.

Para manifestar sua hegemonia um Estado utiliza-se de meios coercitivos e através de normas

a serem cumpridas por aqueles que estão subjugados ao seu poder. A autora afirma ainda que

para exercer essa liderança, o país utiliza-se de medidas econômicas, militares e tecnológicas.

No caso do Iraque o poder militar foi “ditatorialmente” utilizado pelos EUA, ignorando a

ONU e outros países pertencentes à Organização. Na sua relação com a Turquia, por exemplo,

os turcos conseguiam, apesar de relativamente menores em termos de “hard power”, fazer

exigências e impor condições, através do “soft power”.

Após os ataques do 11/09 a política neoconservadora norte-americana adotou uma

postura bem mais agressiva. Faltava ao Governo americano desde o fim da Guerra Fria um

inimigo a ser enfrentado, além disso, o episódio serviu para trazer de volta, ou renovar, a ideia

do Destino Manifesto. Os EUA tinham o dever de salvar o Mundo das mazelas do terror e

Deus teria atribuído ao seu povo esse direito. O Governo Bush conseguiu dar face ao terror,

personificando-o em Osama Bin Laden e Saddam Hussein. Logo no início de 2002 Bush

ditou o tom da Política Externa consagrando o Conceito de “Eixo do Mal” para aqueles

123

países, que segundo sua administração, ameaçavam a segurança nacional, regional e global.

Portanto, “internalização de valores e normas constitui um importante recurso de poder do

Estado hegemônico.” (LOPES, 2009, p. 230).

O primeiro grupo de países a ser classificado e enquadrado pelo conceito foi composto

por Iraque, Irã e Coréia do Norte. Em um segundo momento Cuba, Síria e Líbia passaram a

fazer parte do grupo. Desses, a princípio o alvo mais “fácil” de ser enfrentado seria o Iraque

de Saddam. Desde 1980 o país enfrentava sucessivas guerras, e um conflito de 10 anos com o

Irã já havia desgastado e desestruturado a sociedade e o exército. Logo em seguida houve a

invasão ao Kuwait que culminou na I Guerra do Golfo, na qual o Iraque enfrentou a coalizão

liderada pelos EUA. Outro aspecto é que o Iraque devido a esses conflitos já tinha sua

imagem desgastada no ambiente internacional, não tinha, portanto, apoiadores. E por fim o

petróleo do Iraque despertava a cobiça norte-americana.

A Crítica feita aos americanos é que Coréia do Norte e Irã poderiam, à época, ser mais

ameaçadores à segurança internacional que o país debilitado de Saddam. Bush alegava que o

Iraque possuía armas de destruição em massa e os “novos cruzados” precisavam destruí-las.

Poucos Estados foram convencidos desse argumento, mas, o ataque aconteceu na perspectiva

de que seria rápido e pontual. Os EUA usariam pouco efetivo militar e em pouco tempo. Com

o passar do tempo, sem conhecimento das questões internas, americanos e ingleses se

encontraram perdidos diante dos conflitos sectários iraquianos e foram obrigados a enviar

mais soldados. Até então isolados na ação, iniciam a busca por parceiros na tentativa de

amenizar os conflitos que ficavam àquela altura fora do controle.

A questão no Iraque tinha e ainda tem outro fator de segurança ou de unidade nacional

importante para a Turquia. No norte do Iraque existe uma população curda relevante e que

gera preocupação ao governo turco. Esse fato causou constrangimentos logo no fim da I

Guerra do Golfo. Quando Saddam foi derrotado, os curdos iraquianos iniciaram um

movimento de revoltas internas com objetivos emancipatórios, resgatando o antigo desejo de

criação do Estado Curdo. Como resposta o governo iraquiano enfrentou violentamente a

insurreição e promoveu um massacre de curdos no norte do país, fato que foi observado pela

ONU e demais países sem que uma postura mais rígida fosse adotada.

No ano de 2003 o Secretário Americano Colin Powell visitou a Turquia com o

objetivo de negociar a utilização do território turco para o acesso ao norte do Iraque. Em

março, um mês antes da visita do Secretário americano, o Congresso turco já havia negado a

autorização, apesar da ajuda proposta pelos americanos de $ 1 Bilhão de dólares. Os

americanos queriam ainda ajuda em combustível e transporte de soldados feridos para a Base

124

de Incirilik na Turquia. A negativa turca provocou sérios abalos na relação antiga dos dois

países e esses desentendimentos levariam vários anos para serem superados. (TURQUIA,

2011).

A população turca e os partidos de oposição foram majoritariamente contra a

intervenção no Iraque em 2003. O Partido de Erdogan demonstrou duas tendências naquele

momento para resolver o imbróglio. Uma saída seria via diplomacia e para isso inclusive

organizou um encontro em Istambul entre vários Ministros das Relações Exteriores do

Oriente Médio. Por outro lado havia a proposta por parte dos EUA de injetar grandes

quantidades de dinheiro na Turquia caso o acordo em torno da Guerra fosse celebrado. Para

os estadunidenses interessava a utilização das bases militares, usar a Costa turca para

estacionar as Forças americanas e a permissão para o trânsito de soldados e equipamentos em

solo da Turquia. Essa questão gerou entraves e proporcionou um episódio relevante em

termos de Política Externa.

Segundo Kesgin e Kaarbo (2010) tradicionalmente as decisões de Política Externa não

eram influenciadas pelos Parlamentos. No caso da Turquia, a população e a oposição eram

contrárias à guerra, pois, em 1991 com a I Guerra do Golfo houve uma grande imigração de

iraquianos para a Turquia, retaliação e muita dificuldade econômica. Para obter a vitória na

guerra os americanos sabiam da necessidade de controlar o norte e o sul do Iraque. Contudo, o

norte, local habitado por curdos, só seria conquistado com a utilização do território turco. E

foi exatamente para bloquear essa intenção americana que o Legislativo entrou em cena e se

opôs à permissão do Executivo turco em favor do aliado da OTAN.

No caso do uso do território turco, foi possível perceber a importância do Parlamento e

o Governo de Erdogan a princípio aceitou a decisão do Legislativo, não permitindo a entrada

de tropas americanas pela Turquia. Conforme afirmam Kesgin e Kaarbo (2010), 90% da

população eram contrários à guerra e, além disso, fez renascer o sentimento antiamericano no

país. Mesmo com as manifestações em contrário o governo do PJD (Partido da Justiça e

Desenvolvimento) tentou demonstrar ao povo que a Guerra seria necessária e deu início ao

longo processo de negociação com o Legislativo. O episódio turco mudou as concepções de

participação do Legislativo em decisões de Política Externa em nível internacional.

Para convencer o Congresso e o povo da Turquia, os EUA fizeram uma oferta em

dinheiro que foi sendo aos poucos aumentada, chegando em $26 bilhões. Desses $20 bilhões

em empréstimos e seis (06) bilhões em garantias. A estratégia utilizada pelo governo turco foi

o envio de mensagens ao Congresso para tentar demovê-lo de sua posição. A primeira foi em

fevereiro de 2003 e foi rejeitada. A segunda foi em março, modificando a anterior e

125

negociando mais benefícios à Turquia que também foi negada. Esse constrangimento

arranhou a amizade entre os países. Por outro lado, demonstrou que o Legislativo pode

interferir nas decisões de Política Externa na Turquia e em outros Estados, o que foi um

precedente importante para as RI, segundo Kesgin e Kaarbo (2010).

4.3 A geopolítica da Turquia hoje

O sistema internacional passou da bipolaridade para a multipolaridade. A

simplicidade do mundo pós-guerra (Ocidente contra países socialistas, política de

blocos, confrontação bipolar russo-americana) contrasta com a complexidade do

mundo atual. (CASTRO, 2012, p.33)

A geopolítica da Turquia hoje está diretamente ligada à questão da globalização e à

formação de blocos regionais. Ao ler o item que trata da Política Externa Turca, no capítulo 3,

ou parte da entrevista concedida pelo intelectual turco, fica nítida a mudança de foco em

termos de geopolítica na atual política da Turquia. Ao debater o tema da globalização, Oran

(2010) utiliza-se da definição de segunda e terceira fases de expansão da globalização para

pensar a inserção da Turquia nesse modelo político-econômico ligado ao sistema capitalista

de produção. A segunda fase ou segunda globalização foi o momento do imperialismo, com

características de monopólios, desemprego, expansão do capital e pobreza. A terceira fase, ou

terceira expansão está vinculada ao aumento excessivo da fluidez de capital internacional,

transferências instantâneas para qualquer parte do mundo, transações bancárias feitas a

qualquer hora do dia ou da noite e de lugares diferentes.

Para Becker (2010) a globalização tem no mercado financeiro seu ponto chave na

contemporaneidade, mas envolve também questões sociais, políticas, econômicas e culturais

que precisam ser observadas. Ainda há fortes transações em termos de commodities,

agronegócio e comércio, apesar dos fluxos de capital. Com isso, principalmente quando se

pensa em agricultura, o protecionismo funciona ainda de forma intensa. O discurso do livre

mercado, da liberalização, cai por terra. Outro aspecto interessante é que se fala em fluxo de

capital, circulação de capital, mas a circulação de pessoas é restringida. Basta analisar, por

exemplo, uma das restrições à entrada da Turquia na UE. Mas, assim como o capital, as

empresas se deslocam em busca de mão-de-obra e matéria prima mais baratas.

Há na atual conjuntura capitalista aquilo que Becker (2010) denomina de sofisticação

na divisão internacional do trabalho. Não se pode mais pensar em países periféricos ou

centrais. O processo de produção é por escala. Os países do Centro ficam responsáveis por

126

abrigar as funções nobres do sistema econômico. As potências médias fazem parte das

funções mais nobres e parte das atribuições que exigem mão-de-obra menos qualificada. E o

terceiro grupo de países, aqueles com menor desenvolvimento relativo, não contribuem

diretamente com o sistema econômico global, mas fornecem baixos custos e impostos

inferiores que a média mundial. Como consequência o mundo desigual, segmentado,

interdependente. E claro, os blocos regionais servem para legitimar esse modelo, na maioria

das vezes.

As aberturas econômicas dentro desses blocos servem para atender às burguesias

internacionais, grandes corporações (elites) que buscam facilidades nas transações (BECKER,

2010). O discurso é da paz através do comércio, mas não há bondade nesse modelo, a lógica é

da vontade própria, do individualismo. O sistema econômico funciona bem ao molde realista

do “self-help”. A França, por exemplo, ou os EUA, defensores da paz e do mercado livre,

promovem constantemente atitudes desleais com os países periféricos, ou do Sul, que ainda

exportam commodities. Esses países promovem barreiras, criam subsídios internos e ainda

controlam os organismos que deveriam regular essa situação, como a OMC.

Mesmo com o cenário acima desenhado alguns países ou potências médias ainda

conseguem criar alternativas de desenvolvimento. Na logística global do capitalismo boa

parte das mercadorias transportadas passa pelos mares e oceanos. Neste ponto a Turquia leva

vantagem devido a sua situação estratégica. Ainda em virtude de sua geografia a Turquia pode

promover alianças com países do Oriente e do Ocidente. O Cônsul da Turquia aponta algumas

possibilidades da Turquia em relação às estratégias regionalistas e a política multilateral e

responde em parte algumas críticas feitas por teóricos como Ertekin (2012).

Então, a Turquia escolheu uma política externa que é muito mais variada, com

vários vizinhos, como os Bálcãs, como o Oriente Médio, como a Ásia Central, como

a Rússia, Ucrânia, e a parte norte da Europa. Essa foi a política que a Turquia adotou

nos primeiros dez anos depois da Guerra Fria. Claro que também sempre tivemos

interesse sobre a Ásia Sul, estou falando de Irã, Afeganistão, Paquistão, Índia e

outros países que não são vizinhos diretos da Turquia, mas...um pouquinho mais

distante, e que são muito perto em geral quando falamos em geografia e que são

influentes, ou que influência na política da Turquia. Esses países que eu citei da Ásia

Sul e também os países da África Norte, que alguns fizeram parte do Império

Otomano, Egito, Tunísia, Líbia. Vamos dizer que depois de alguns anos a Turquia

tentou concentrar a Política Externa sobre essas regiões. (ÖZGÜN ARMAN)

No passado a Turquia desempenhou importante atribuição junto às potências do

Ocidente, principalmente em relação aos EUA. Conforme afirma Ertekin (2012) o país ainda

é importante para amenizar as tensões no Oriente Médio, provavelmente como mediador. A

crítica elaborada pelo autor vai na direção de que a Turquia precisa atender menos aos

127

interesses de outras nações do Sistema Internacional e buscar priorizar os seus próprios

caminhos. Principalmente quando se tem em vista que os turcos buscam a liderança regional.

Apesar da crítica acima mencionada percebe-se que o governo turco está em busca dessa

atenção aos países da Ásia Central (ver mapa 05). A fala abaixo ilustra a mudança na

perspectiva geopolítica no mundo atual.

Hoje. Eu penso que há uma grande mudança em relação ao mundo da Guerra Fria e

o mundo de hoje. Primeiro não existe essa pressão de escolher essa coisa de

segurança, porque na Guerra Fria, para muitos países vinha primeiro a questão da

segurança. Pois havia um grande risco de ataque, então os países, ... porque a

Turquia tinha medo da União Soviética, pois ela mostrou que queria acesso aos

mares quentes, acesso ao Mediterrâneo. Por isso, por questão de segurança naquele

tempo decidimos pela OTAN. Sentíamos o risco. Mas, hoje o mundo não é mais tão

perigoso, tem outras diferentes escolhas para os países em Política Externa. Hoje

depois da Guerra Fria, década de 90, para a Turquia é muito importante a Europa,

principalmente o Oeste. Os antigos países soviéticos que estão a Leste, ou parte

deles, muitos são repúblicas turcas. Tinha uma oportunidade para Turquia manter

relações com eles. (ÖZGÜN ARMAN)

Fernandes (2005a) denomina T5 os países de etnia turca situados na Ásia Central. A

Turquia possui evidente identidade com eles e foi criada, com sede em Istambul, uma

organização internacional dos países turcos, mas que ainda não é muito forte. (Özgün Arman)

A Turquia mantém fortes relações com os esses povos que são: Azerbaijão, Cazaquistão,

Uzbequistão, Quirguistão, Turcomenistão. Com esses países a relação tem foco em questões

econômicas, mas, há também o interesse na aproximação étnica, identitária. Há diálogo

comercial com os países do Leste da Ásia, como Coréia do Sul e Japão e ainda com a

Austrália. Deve se mencionar também o direcionamento de ações da Política Externa turca

para a África e para América Latina, principalmente o Brasil. Todos esses casos demonstram

uma correção na estratégia da Turquia e responde à crítica de Ertekin (2012) além de

demonstrar que está aberta para a globalização. É preciso ressaltar que os aspectos

geográficos facilitam também o comércio, o transporte marítimo, terrestre ou aéreo.

128

Mapa 5 - O Cáucaso e Ásia Central

Fonte: University of Texas Libraries

. O Cáucaso e os países de etnia turca: Azerbaijão, Cazaquistão, Uzbequistão, Turcomenistão e Quirguistão.

Para ser uma Potência Regional ou Potência Central, a Turquia dependerá de sua

situação econômica, da sua capacidade de projeção e o comportamento adotado diante da

competitividade da economia global. O país é membro do G20 desde 1999 e pode figurar

entre as dez potências econômicas do mundo em um futuro muito próximo. A estratégia de

liderança turca passa necessariamente pelo Cáucaso, Oriente Médio e Ásia Central. Mas por

um desvio na formulação de sua PE as atenções estavam direcionadas para a União Européia

e EUA. “De acordo com os conceitos básicos de geopolítica, a importância estratégica da

região e dos países localizados no Cáucaso ou em seu entorno, na Ásia Central e Oriente

Médio constitui principalmente mais atração e interesses para o intercâmbio de países que

buscam estabelecer boas relações.” (ERTEKIN, 2012, p. 20)28

. Portanto, será primordial para

a Turquia, em suas aspirações na Política Internacional, estar mais atenta ao seu entorno

geopolítico.

28

According to basic concepts of geopolitics, the importance of the strategic regions and countries located in or

around in Caucasian and Central Asia and Middle East constitute principally more attractions and interests for

the dealing countries which aim to establish good relations. (ERTEKIN, 2012, p. 20) Tradução Livre.

129

A Política Externa turca sofreu algumas mudanças nas três últimas décadas, passando

por várias fases até chegar ao estágio atual. Há o espectro da mudança no ar.

Agora a Turquia joga um jogo muito mais ativo também...nas Nações Unidas. Muito

mais ativo ... em 2009 e 2010 a Turquia estava no CSONU. E agora nós somos,

também de novo, candidatos para os anos de 2015 e 2016, pela segunda vez, somos

candidatos. Ou seja, depois de mais de 40 anos, fomos pela primeira vez na história,

ficamos membros do CSONU. Eu disse isso para mostrar a posição da Turquia

como ativa....como temos uma política muito mais ativa em comparação com a

Guerra Fria. (ÖZGÜN ARMAN).

Apesar da menção de Ertekin (2012) de que a Turquia ainda é importante no aspecto militar, e

isso é uma verdade, as relações atualmente estão mais voltadas para fatores econômicos.

Sabe-se, no entanto, que as relações econômicas atraem para si os laços diplomáticos,

militares, culturais e políticos, mas, pelo menos em tempos de paz essas questões são

secundárias. Assim sendo, as análises direcionam a liderança turca mais em termos

econômicos e menos em aspectos militares. Portanto, os aspectos geopolíticos, localização e

posição, favorecem o crescimento, os acordos bilaterais e multilaterais para Ancara.

Assim pode-se afirmar que em tempos de políticas multilaterais e formação de blocos,

a Turquia deixa de lado os fatores militares e estratégicos para se dedicar a uma diplomacia

mais pragmática e voltada para seu desenvolvimento industrial e tecnológico. A mudança de

direção foi adotada. Consequentemente ao fim da Guerra Fria houve a aproximação da

Turquia aos países do Cáucaso (ver mapa nº 05) e dos Bálcãs (ver mapa nº 06).

130

Mapa 06 - Os países dos Bálcãs

Fonte: University of Texas Libraries

4.4 A relação com os vizinhos do Oriente Médio

A Turquia é um país que procura solucionar diplomaticamente seus problemas com os

vizinhos. Faz parte de sua Política Externa manter “zero problemas” com todos. Contudo,

ainda persistem alguns empecilhos para a concretização desse ideal. Não significa, no entanto,

que a Turquia esteja próxima de uma guerra, mas fato concreto, a busca por “zero problemas

com vizinhos” ainda deverá trilhar um caminho com alguns obstáculos a serem vencidos. A

questão do nacionalismo, as etnias, a segurança, território são exemplos de barreiras que a

Turquia deverá romper para alcançar sua meta.

131

Ao ser perguntado sobre a Política Neo-Otomanista Özgün Arman afirmou sem

vacilar que esse ideal de política não passa pelo Governo turco. Uma política desse calibre

significaria que as intenções da Turquia para a região do Oriente Médio são de cunho

imperialista, isso não é verdade. Poderia estar implícito o desejo de restabelecer o domínio

nos moldes do Império Otomano, isso também não é verdade. Existe sim a busca por uma

liderança regional, liderança econômica, hegemonia nos moldes mencionados pelos teóricos

neogramscianos. Afirmou o entrevistado que não cabe mais no Sistema Internacional modelos

de Império como foram o Otomano ou o Romano, por exemplo. Disse ainda que é bastante

complexa a relação da Turquia com seus vizinhos e que esse assunto demandaria estudos bem

aprofundados.

Esclarecido esse ponto, passa-se adiante, àquilo que interessa nesse subitem,

analisando os principais países do Oriente Médio e adjacências. A relação com a Síria sempre

foi muito positiva e com respeito de ambos os lados, contudo, depois dos acontecimentos

recentes a situação ficou complicada. A Síria reclama uma parte do território turco que lhe

pertenceria e têm ainda um contencioso em relação aos Rios Tigre e Eufrates. Da mesma

forma a história de amizade com o Irã é de séculos. A Turquia possui vários negócios com o

Irã, principalmente gás. O Cônsul entrevistado afirmou que o comércio entre os dois países

não é maior por interferência dos EUA. Muitos empresários turcos possuem negócios no país

de Khomeini. A Turquia sugere ao país amigo, Irã, que siga as normas da AEA – Agência de

Energia Atômica, e da ONU.

Com os judeus a Turquia mantinha fortes laços de amizade e vários tratados bilaterais.

Contudo, desde o ataque do Exército Israelense a uma flotilha no ano de 2011 (composta

também por turcos) que seguia em direção a Faixa de Gaza as relações estão em crise. Para o

Governo de Israel o barco possuía armas e foi um ataque que objetivava a defesa. A Turquia

rebate esse argumento, pois, os tripulantes do barco eram civis, militantes dos direitos

humanos, levando ajuda ao território da Palestina. Portanto, para o Governo turco, Israel

utilizou-se de força desnecessária. Para que seja restabelecida a situação Israel deve se

desculpar pelas mortes ocorridas e prestar apoio financeiro às famílias das vítimas, é o que a

Turquia exige atualmente.

Quanto a Grécia (ver mapa nº 04), diplomaticamente os dois países mantêm conversas,

mas suas diferenças na verdade ainda persistem em duas distintas frentes: o espaço aéreo e

marítimo no Mar Egeu e a questão do Chipre. Os noticiários televisivos ou jornais que tratam

do assunto apresentam a situação do Mar Egeu como solucionada, contudo, esse fato ainda

não foi resolvido. Os países ainda não concordaram em relação à divisão do espaço

132

(fronteiras) isso claro, traz resquícios do secular conflito entre Grécia e Turquia. O outro

aspecto é que a Grécia, assim como os demais países do sistema internacional, reconhece o

Governo do Chipre, composto por etnia grega, assim os problemas da Ilha também afetam a

relação entre gregos e turcos. A Ilha do Chipre localizada entre Turquia e Grécia é outro

entrave na busca por zerar os problemas com os vizinhos.

Conforme mencionado nesse texto, a Ilha ainda está ocupada por soldados turcos na

parte habitada por cipriotas turcos, norte do Chipre. A Turquia entende que a retirada do seu

exército pode significar consequentemente um ataque à sua população no Chipre. A nação

turca não concorda com essa retirada; nem aqueles que residem no Chipre, nem os residentes

na Anatólia. Recentemente o Chipre ocupou a presidência da União Européia, foi esse

período, segundo o Özgün Arman (2013), o maior entrave à entrada da Turquia no Bloco.

Também as relações com a Armênia possuem dois aspectos a serem analisados: o

debate em torno do “genocídio” de 1915 e a disputa territorial com o Azerbaijão. A Armênia

exige que a Turquia reconheça os fatos acontecidos no ano de 1915 como genocídio, (ver item

2.4.3), para os turcos o episódio foi extremamente desagradável, mas os dois povos foram

vítimas de uma situação que aconteceu sob os auspícios do Império Otomano. A Turquia não

reconhece esse episódio como genocídio, mas na atualidade esse reconhecimento é exigido

também pela União Européia, como parte do processo de adesão dos turcos ao bloco. Por

outro lado o Azerbaijão possui uma disputa territorial com os armênios. A Turquia reclama

que 20% do território do Azerbaijão está ocupado (invadido) pela Armênia. Isso provocou

deslocamento de parte da população do país de etnia turca. Por isso a relação entre Turquia e

Armênia está em crise.

Por fim os três outros casos. A Geórgia reivindica terras turcas, acordadas com a

Rússia em 1921. Já com a Bulgária havia um problema com minoria islâmica nesse país,

questão já resolvida. Com o Iraque, problemas relativos ao povo curdo, além do contencioso

sobre os Rios Eufrates e Tigre. Apesar do esforço turco para se manter livre dos conflitos com

os vizinhos, são muitas as questões a serem resolvidas e que demandarão esforços da

diplomacia da República da Turquia para solucioná-las.

4.5 Religião, Cultura e Modernidade: um debate atual

Uma pequena parte da história de vida do Primeiro Ministro Erdogan é primordial

para iniciar a complexa discussão sobre religião e cultura na Turquia. No ano de 1998, o hoje

Premier foi condenado a 10 meses de prisão por incitar o ódio religioso (FERNANDES,

133

2005a). A punição veio em virtude de um discurso público, no qual Erdogan declamou um

poema de um famoso poeta turco. Além da condenação civil, o então presidente da Câmara de

Istambul teve os direitos políticos cassados, voltando oficialmente à vida política em 2002.

Fato interessante foi que seu partido, o AKP, vencera as eleições nesse ano e Erdogan não

pode assumir imediatamente devido à suspensão. (Veja Anexo A)

A Turquia é um país marcado por contrastes, tanto na paisagem, quanto na história, na

religião, na política e na sociedade (BARKER, 2012). Essa característica é sem dúvida, fruto

de um longo e conturbado processo histórico. Quando os turcos entraram em cena no Oriente

Médio, vale ressaltar que nos seis primeiros séculos da era cristã eles estavam fora das zonas

imperiais, o Estado e a Sociedade Islâmica estavam debilitados. O primeiro povo turco a se

converter ao Islã foi o Karakânida em meados de 960 d.C., para Lewis (1996) os turcos

conheceram ainda uma fé pura e lutaram contra os parentes infiéis. Para o autor nenhum outro

povo adquiriu tamanha identidade com o Islã. Nesse período ocorreram muitas migrações

turcas e diversas lutas foram travadas em decorrência da busca do espaço vital, nos termos de

Ratzel.

A cultura turca foi influenciada por várias outras até chegar ao nível em que se

encontra. Na sua constituição foi fortemente influenciada pelos chineses, apesar dos diversos

conflitos com esse povo. Algumas nações turcas, segundo Stierlin (1999), chegaram a ocupar,

por um breve período, o Trono Imperial Chinês. Também devido à influência de outros

povos, neste caso principalmente os sírios e os armênios, os turcos desenvolveram as técnicas

de construção, cobertura e ornamentação. Assim “os sultões seldjúcidas não só favorecem a

construção de mesquitas e de escolas corânicas como são também poderosos promotores das

artes.” (STIERLIN, 1999, p. 10). Algumas mesquitas turcas, como a Mesquita Azul, estão

entre os locais mais visitados do país.

O período dos turcos seldjúcidas foi um período histórico de conquistas, conforme já

mencionado, mas foi, sobretudo, de possibilidades e de expansão cultural, vigor religioso e

comunicação. Essa política de construção e arquitetura foi bem aceita pelos Sultões do

Império Otomano. Por volta do ano 1380 os Otomanos entraram em contato com a arte

Bizantina e a influência desse povo logo se fez perceber na obra arquitetônica dos turcos.

Belíssimas Mesquitas foram construídas após essa interlocução e ainda hoje despertam a

curiosidade em Istambul.

Com fim do Império e o início da República da Turquia, um dos problemas que se

instalou foi a explosão de um conflito interno de difícil solução. Diante dos últimos suspiros

do “Homem Doente” teve início a disputa entre o movimento nacionalista versus o

134

movimento da monarquia otomana. Esse problema se expressa hoje na oposição

secularismo/islamismo. Para relembrar apenas: de um lado a ala que defende o secularismo,

uma elite burocrático-militar kemalista e influenciada pela esquerda européia, do outro lado

está uma contra-elite, apoiada na síntese turco-islâmica mais próxima da direita conservadora.

A construção histórica do nacionalismo turco paradoxalmente colocou a história em segundo

plano e tentou organizar uma situação nova (FERNANDES 2005a). Para esse autor Atatürk

utilizou-se de várias ideologias para justificar a chegada dos turcos à Anatólia e reafirmar que

aquele local era também a casa deles. Resgatando as ideias do nacionalismo ocidental, Kemal

pensou e utilizou para a construção do Estado-nação a questão da língua, o espaço, a

modernidade e reescreveu a história. Ainda segundo Fernandes (2005a) contou com o apoio

dos Alevis e dos Curdos (minorias), formatando a ideia de comunidades imaginadas. As elites

kemalistas tentaram ignorar o fato de ser a Turquia um país islâmico.

Uma das clivagens mencionadas por Fernandes (2005a) é a divisão dentro do Islã

turco, entre Sunitas e Xiitas. Aproximadamente 1/4 da população turca é xiita, ou seja, quase

20 milhões de habitantes. Dos xiitas da Turquia a maioria é da tendência Alevi. Os Alevis são

tribos nômades e habitam áreas rurais da Anatólia Central e Oriental. É um grupo

marginalizado e sua religião é fortemente fechada, com práticas ligadas ao secretismo.

Ninguém se torna Alevi, nasce Alevi. “Ironicamente, é, muitas vezes a existência de uma

povoação sem mesquita que denuncia a presença destes no terreno.” (FERNANDES, 2005a,

p. 80). Há algumas diferenças do povo Alevi em relação aos demais ramos do mundo

islâmico: fazem uso do vinho nas cerimônias, não seguem a rotina das cinco orações, não

observam o Ramadã e a Peregrinação à Meca, não se utilizam das mesquitas e proíbem o

proselitismo religioso. Esse grupo foi, contudo, o principal apoiador de Mustafá Kemal no

momento da independência. Por outro lado, em razão desses fatos já mencionados, foi

duramente atacado por fundamentalistas e por grupos de direita radical. Somente no final dos

anos 80, os Alevis recuperaram o respeito e a aceitação da população sunita turca

(FERNANDES, 2005a).

O Islã dentro da Turquia fez crescer, como em todo o mundo muçulmano, o

sentimento anti-ocidental. A religião não foi abolida e nunca houve consenso dentro do país

sobre a questão do secularismo, que foi uma imposição no modelo de “revolução pelo alto”.

Desde 2002 o AKP, Partido da Justiça e do Desenvolvimento, governa o país e esse partido se

autodenomina islamita moderado. O fato de ter um governo com característica religiosa

aumenta, ou no mínimo tenciona, a situação política no país. Segundo Dombey (2012), o país

na era AKP/Erdogan apresentou evoluções, mas, começam a surgir internamente as

135

manifestações por maior liberdade política.

Portanto, percebe-se que o Islã na Turquia tem presença marcante e inquestionável,

mesmo com os princípios do secularismo kemalista sendo “guardado” pelos militares e por

parte da elite turca. Para analisar a Turquia não se pode em hipótese alguma ignorar a força do

islamismo, por isso, é importante mencionar que nas décadas de 40 e 50 foram lançadas as

bases para a tentativa de desconstrução do secularismo. Todos os esforços feitos nesse

período serviram para fortalecer àqueles que desejavam re-islamizar a Turquia. O esforço

culminou nos movimentos da década de 1970. Até a chegada do AKP ao governo turco foram

vários partidos de tendência religiosa que tiveram influencia na história do país.

Em se tratando de questões políticas no ano de 1946 a Turquia passou por uma grande

mudança em relação à sua política interna. Foi criado o Partido Democrata e instaurado a

partir disso o pluripartidarismo em terras turcas, mesmo contra a vontade do Partido

Republicano de Atatürk. O PD tinha apoio de grupos religiosos, da população rural e alguns

comerciantes. O partido reclamava que o PRP (Partido Republicano do Povo) promovia a

negação ao passado do país. Para Fernandes (2005a) a atuação do PD pode ser analisada

como uma contra-revolução. O AKP é resultado dessas mudanças iniciadas na década de

1950.

Uma das primeiras mudanças implementadas pelo Partido Democrata (PD) ao assumir

o governo em 1950 foi abolir a determinação imposta pelo PRP que proibia o chamamento

para as orações diárias e esse fato evidentemente mexeu com os humores dos militares. O PD

entendia que o exercício da religião deveria ser livre para a população. O movimento liderado

pelos democratas turcos tinha fortes argumentos, que segundo Fernandes (2005a) soavam

mais como um manifesto contra o secularismo:

(a) a Turquia não avançou na industrialização;

(b) secularismo não é pré-requisito para modernização;

(c) não deve haver conflito entre ciência e religião;

(d) toda civilização deve ter base religiosa;

(e) foi uma revolução pelo alto, sem apoio da população. Essas questões somadas aos

acordos com os EUA, já mencionados, levaram ao golpe de 1960.

Após o golpe de 1960, Menderes foi executado, junto com outros ministros de seu

governo. Foram acusados de corrupção, violação da Constituição e outros crimes. Ainda na

década de 60 surge o Partido da Justiça, um forte rival para o PRP. Apareceram também na

136

cena política turca o Partido da Salvação Nacional, islâmico, e o Partido da Ação

Nacionalista. Foi um período marcado por várias coligações partidárias, mas que eram sempre

rompidas por desacordos e desentendimentos. As crises que afetaram o mundo nos anos de

1973 e 1974 também alcançaram a Turquia, somam-se a isso as pressões internacionais pelo

conflito no Chipre. Tudo isso levou ao Golpe de 1980. Dessa vez no poder, os militares

deixaram uma herança importante para a história turca, a Constituição de 1982, que ainda

hoje vigora no país.

Na década de 1970 surgiu um grupo na Turquia denominado “Refúgio dos

Intelectuais”, tendência conservadora e de direita. O objetivo dessa organização era quebrar o

monopólio dos intelectuais de esquerda (PRP) em questões sociais, econômicas, culturais e

políticas. Criaram a síntese turco-islâmica – uma ideologia não oficial para a República. Uma

das principais lutas desse grupo foi incorporar a religião no processo histórico turco. Para

eles, o Islã e a Nação turca sempre caminharam juntos. O islamismo deu ao povo turco uma

personalidade e os turcos protegeram o islamismo. Na década de 1970 livros de história foram

reescritos para adaptá-los à nova tendência. O slogan do movimento era: “O melhor

muçulmano é turco e o melhor turco é muçulmano.”

O Refúgio dos Intelectuais apresentou algumas propostas de mudança na formulação

do nacionalismo turco, contudo, segundo Fernandes (2005a) foram induzidos ao equívoco,

também por alguns excessos. Por exemplo, alguns livros foram adaptados para que o slogan

supracitado pudesse incorporá-los. As contribuições foram as seguintes: reduzir os exageros

da Sociedade de História; fortalecer a história turca enfatizando o encontro com o Islã;

estabelecer a visão de que tudo que vem da Ásia Central é turco; movimento reacionário, pois,

visava restaurar o papel e o status do islamismo antes da República; tentativa de re-

islamização tendo em vista os problemas colocados pela industrialização.

Se fosse possível dizer de um resultado do processo de re-islamização, iniciado entre

as décadas de 1940 e 1950, e intensificado em 1970, esse seria manifestado nas eleições de

1995. Nas eleições desse ano para a Grande Assembléia Nacional venceu o Partido da

Prosperidade, (também chamado de Partido do Bem-Estar em outras traduções), grupo

político com vocação islâmica (FERNANDES, 2005a). Esse Partido, conforme ressaltado no

item 2.4.4, ficou no poder por apenas 01 (um) ano, em virtude de pressões políticas muito

intensas naquele ano. Foi o golpe de 1997, chamado de “pós-moderno”, pois seus resultados

foram alcançados sem a necessidade de saída do exército às ruas.

Em 1997 ocorreram novas eleições vencidas por um partido secular de esquerda. Esse

grupo (Partido da Esquerda Democrática) liderava uma coligação de partidos que apontou o

137

líder Bülent Ecevit como Primeiro Ministro. Nesse período a Turquia atravessou uma forte

crise econômica e o Premier sérios problemas de saúde. Diante desse quadro as eleições

foram antecipadas e ocorreram no ano de 2002. Nesse ano chegou ao poder o Partido da

Justiça e Desenvolvimento (AKP/PJD). Partido que, “para a esquerda kemalista-secularista da

Turquia, não é mais do que um avatar do Refah Partisi (Partido do Bem-Estar) do deposto

Necmittin Erbakan.” (FERNANDES, 2005a, p. 74).

Todos os aspectos até aqui trabalhados demonstram que apesar do ideal secularista a

religião nunca esteve ausente na Turquia. O Cônsul Özgün, que foi entrevistado, afirmou em

determinado momento que não há por parte do AKP a intenção de estabelecer uma república

islâmica no país, mas que por outro lado, não há como falar que o grupo governa sem

influencia da religião. Disse ainda não acreditar que em nenhum país do mundo exista um

governo livre da religião, lembrando que países europeus possuem partidos importantes que

“carregam” no nome a palavra ‘cristão’.

Por fim, não seria possível concluir esse capítulo sem falar brevemente da

importância, para a Turquia, da entrada na União Européia, apesar de que, esse desejo teve

seu inicio bem antes do fim da Guerra Fria. Os esforços da Diplomacia e do Governo turco

estão direcionados para esse objetivo. E a fala do Cônsul confirma esse argumento dizendo

que para a Turquia fazer parte desta Organização é fundamental. Tanto que em 1987 liderados

por Turgut Özal, os turcos pediram oficialmente a Adesão à Comunidade Européia. Para

Fernandes (2005a) a política de Özal foi pragmática, semelhante à de Menderes em direção à

Europa. Em 1952 Menderes colocou a Turquia na OTAN e em 1987 Turgut colocou

oficialmente o pedido de entrada na Comunidade Européia. Ainda segundo o mesmo autor

foram elencados alguns fundamentos para a Turquia na Europa:

a) Busca pela simpatia da opinião pública européia;

b) Recursos histórico-culturais;

c) Livro escrito por Özal – “A Turquia na Europa”;

O pedido de adesão permaneceu hibernado. Avançou apenas no ano de 1996, quando

foram concluídas as negociações para a União Aduaneira iniciada em 1995. São vários os

fatores que impedem na atualidade a entrada da Turquia na União Européia e muitos já foram

comentados no desenvolvimento desta dissertação. Mas Fernandes (2005a) afirma que não há

entre aqueles países que foram incorporados recentemente nenhum com características tão

díspares em termos religiosos, culturais e populacionais quanto a Turquia. Por outro lado,

138

uma questão semelhante ao debate da globalização: entrar no bloco europeu significa perder

parte da autonomia, abdicar dos valores culturais. Outra situação para a qual ainda não foi

encontrada resposta durante a realização desta pesquisa é o fator econômico: a Turquia será

financiada para entrar na UE? Ou, com a crise financeira na União Européia, a Turquia deverá

injetar dinheiro para fazer parte do bloco? O desejo turco de fazer do bloco diminuiu depois

da crise?

139

5 UMA RELAÇÃO MARCADA POR PARADOXOS, MAS TAMBÉM POR

CONQUISTAS

A Turquia pesa mais na NATO (OTAN) que a Grécia; tem uma posição geopolítica

importante (que valeu no contexto da Guerra Fria e continua a ser relevante no pós –

11 de Setembro, sobretudo devido à presença norte-americana no Afeganistão e no

Iraque e às rotas logísticas de abastecimento energético; tem uma dimensão

demográfica e de mercado muito superior [...] (FERNANDES, 2008, p. 201/202).

No quinto capítulo será feita a conclusão do trabalho dissertativo observando-se o

cumprimento dos objetivos e confirmação ou negação das hipóteses de pesquisa, além de

responder à pergunta de pesquisa que conduziu esse trabalho. Para o momento final dessa

pesquisa serão utilizados alguns pontos do artigo de Michael Barnett (1996), que ajudarão a

compreender as motivações da aliança entre Turquia e Estados Unidos. O autor afirma que é

praticamente unanimidade em RI que alianças são feitas mais por interesses que por

princípios. Esse texto complementa a informação entendendo que a amizade entre os países

supracitados foi movida por interesses de ambos os lados, fato que será desenvolvido nessa

parte final. Tanto na situação americana, como no caso turco, existiam interesses relacionados

à segurança e esse aspecto os dois países souberam avaliar bem.

Segundo nota apresentada por Oran (2010), o número de acordos bilaterais celebrados

entre EUA e Turquia é uma incógnita até os dias atuais. Contudo, foram muitos,

principalmente no campo militar. Através da OTAN e dos vários tratados os dois países

aumentaram sua segurança interna, sua capacidade militar e conseguiram conter o perigo

iminente representado pela URSS. Barnett (1996) afirma que as alianças servem para evitar

uma guerra indesejada. No caso da relação aqui trabalhada, a guerra ocorreu, apesar de ser

caracterizada como um conflito atípico, ideológico: a Guerra Fria. Por outro lado, também diz

o autor acima que pode servir para uma bem sucedida guerra, caso não seja possível evitá-la e

isso foi o que ocorreu na Guerra Fria. Mas vale ressaltar que a vitória dessa aliança foi

construída sob forte pressão militar e, sobretudo, pela busca incansável, indomável, por aquilo

que pode ser dito como o bem mais precioso das Relações Internacionais – o poder. Sendo

que a identidade foi essencial para se alcançar este fator.

Essa dissertação cumpriu o objetivo que era analisar a relação geopolítica e

geoestratégica entre Turquia e os Estados Unidos para compreender o papel da Turquia como

país de contenção à expansão soviética durante a Guerra Fria. Dos documentos (textos,

artigos, livros) pesquisados poucos falam diretamente dos interesses entre os dois países como

o faz, por exemplo, Harris (1972). Mas, se fosse possível dizer de uma soma de fatores, o

140

resultado seria que a geopolítica foi primordial na construção e/ou caminhada desses países,

principalmente no período de 1947 até meados de 1991. A Turquia desenvolveu um papel

estratégico importante e ainda hoje colhe os frutos ou recebe ônus por isso, conforme afirma

Sandrin (2009).

A primeira hipótese, que diz da posição e localização da Turquia ainda da sua ligação

com outros países, se confirma diante das descobertas feitas por essa pesquisa. Nessa

condição, a Turquia foi parte do plano norte-americano de contenção da União Soviética na

Guerra Fria. Portanto, também foi confirmada a segunda hipótese. Assim a Turquia

controlando os estreitos o de Bósforo e Dardanelos, não permitindo o acesso soviético,

somadas às suas bases militares com os EUA. Isso foi essencial para que o Kremlin não

alcançasse o objetivo principal que seria o acesso aos mares quentes, ou seja, saída para o Mar

Mediterrâneo. Sua “possível” intenção de se transformar em um “poder anfíbio” não pôde ser

concretizada, pois, a navegação, as estratégias de guerra e/ou conquistas não seriam

administráveis no oceano gelado ao norte da URSS. Outro aspecto relevante, que não foi

alcançado, seria o acesso às fontes de energia, encontradas em abundância no Oriente Médio,

petróleo e gás.

Conforme afirmação de Arraes (2009) nos anos 2000 a busca por fontes de energia era

provavelmente o maior objetivo dos EUA. Mas ressalta o autor que a busca por esses recursos

teve seu início em meados da década de 1950, no governo Truman. Em 1953 os estadunidense

arquitetaram o Golpe no Irã, recolocando no poder o Xá Reza Pahlavi e facilitando o acesso

ao petróleo iraniano, dominado naquele período, por companhias inglesas. Já em 1980 a

Doutrina Carter tinha ligação direta com o objetivo de garantir a segurança nacional e acessar

os recursos naturais da Região médio-oriental. Assim a política de contenção evitou o acesso

soviético ao petróleo e ao gás da região, além de auxiliar outros interesses já mencionados,

nesta dissertação.

Além disso, a Turquia exerceu também o papel de contenção político-estratégica dos

países do Oriente Médio frente ao chamado “Ocidente”, confirmando outra hipótese desta

pesquisa. É possível novamente buscar amparo em Barnett (1996) que afirmou estarem os

países do Oriente Médio mais “interessados” em conflitos deixando em segundo plano a

cooperação. Naquele tempo histórico, período da Guerra Fria, essa afirmação poderia fazer

sentido. Mesmo a Turquia, saindo da Guerra Fria, estava marcada por essa tendência, que

viria a ser transformada nos anos 2000. Conforme Pecequilo (2005) o pós-Guerra Fria foi

marcado essencialmente pela multipolaridade. Assim o argumento ora apresentado é a de que

a contenção nesse aspecto foi militar, mas também ideológica.

141

No aspecto militar a Turquia sob vários aspectos impediu a amizade de países do

Oriente Médio com a URSS. Suas bases militares possibilitavam uma presença forte dos

EUA, pois seu espaço geográfico é rico em possibilidades estratégicas. Suas fronteiras dão

acesso rápido e fácil a vários Estados considerados como ameaça pelos americanos: Iraque,

Síria e Irã, por exemplo. Também do ponto de visto militar foi apresentado nesse trabalho que

as organizações militares constituídas no Mundo Árabe tiveram a presença dos turcos, pode-

se lembrar do Pacto de Bagdá e do Tratado de Cooperação do Golfo. Claro, não pode ser

esquecido o papel da Turquia nas operações de paz, tanto em sua região Eurásia, conforme

Turquia (2001), como na África. Mas, a principal organização militar foi a OTAN, que pôde

integrar em seus quadros vários países-chave. A OTAN foi um dos pilares da política de

contenção.

No aspecto ideológico é valido resgatar a modernização promovida por Ataturk no

começo do século passado. Situação a princípio impositiva, mas, que num segundo momento

foi bem utilizada pela Turquia para suas aquisições e alianças. Uma nação do Oriente,

islâmica e que faz parte do mundo ocidental. Os turcos souberam usar o alfabeto, democracia,

“liberdade política”, todos esses aspectos foram empregados como um “bom exemplo” aos

países vizinhos.

A República da Turquia construída por Mustafá Kemal Atatürk nas décadas de 20 e

30 do século XX baseou-se num projeto laico, inspirado na Revolução Francesa e no

ideário nacionalista europeu do século XIX, bem como na racionalidade técnico-

científica européia/ocidental. (FERNANDES, 2005a, p. 167)

Um país majoritariamente muçulmano, mas que “consegue” desvincular o Estado da religião,

mesmo que no discurso, através de um partido que governa por mais de 10 (dez) anos, que se

define como islâmico moderado. Portanto, percebe-se que de Kemal a Erdogan, apesar das

várias conquistas desses e de outros líderes, a ideologia sempre foi uma aliada considerável

para os turcos. Seria injusto não dizer também de uma capacidade diplomática admirável que

será retomada ainda nesse texto.

A questão da Nação e Nacionalismo foi abordada nesta dissertação para ilustrar parte

da história da Turquia. Esse debate surge na virada do século XIX para o século XX e

influenciou amplamente no mínimo dois aspectos na construção nacional turca. Recebe maior

destaque os casos da Ilha do Chipre e dos Armênios. Primeiro no caso dos cipriotas gregos

que foram influenciados pelos ideais de liberdade vindos da Europa e buscaram romper com a

tutela do Império Otomano. Segundo os armênios também queriam se estabelecer enquanto

142

nação livre da opressão vivida sob o domínio otomano. Portanto os movimentos

contestatórios dentro da Turquia tiveram influencia direta da ideia de Nação. Mesmo Atatürk

quando queria unificar o território utilizou-se desse artifício para que a Turquia pudesse ser

constituída naquele período.

As relações bilaterais da Turquia também podem ser avaliadas do ponto de vista da

construção da identidade e dentro da perspectiva do nacionalismo. Uma das mais conturbadas

relação é a mantida com a Grécia. As disputas entre esses dois países estão diretamente

ligadas ao passado Otomano das duas nações. São vários pontos de debate. As divergências

religiosas, expressas na situação do Patriarcado; as minorias tanto na Turquia, quanto na

Grécia; o difícil problema do Chipre e claro o Mar Egeu. Portanto, são quatro aspectos

relacionados aos dois países, mas que podem ser ligados às Relações Internacionais, pois

outros países e regiões do Globo foram envolvidos. Diante disso, esse trabalho abordou em

item específico essa importante historia. Dois países com posição e localização estratégicas,

fundamentais no momento da Guerra Fria para os EUA.

Para Lazarou (2012) e Sandrin (2009) outro ponto que deve ser destacado na PE da

Turquia é sua situação de Potência Central, que vai auxiliar na confirmação da última

hipótese. A posição e localização da Turquia possibilitam sua ligação aos países do Centro,

principalmente os EUA e lhe proporcionam hegemonia local. Depois de algumas políticas

voltadas para a questão militar, influência direta do exército, a Turquia se volta para uma

política de hegemonia nos termos gramscianos, negociação, consenso, diplomacia. Exerce a

Política Externa de “zero problemas” com os vizinhos e busca a liderança regional. Desde o

início dos anos 2000 a ideia é manter boa relação com todos e liderar a busca pela paz na

região, fruto ainda da política de zero conflito em casa e no exterior. Contudo, conforme

crítica já apresentada no capítulo anterior, a Turquia deve olhar com mais atenção para os

países do seu entorno. Todos esses fatos mencionados respondem à pergunta de pesquisa:

Qual a importância da Turquia como país de contenção, para os EUA, durante a Guerra Fria?

Para esse trabalho é fundamental avaliar a relevância da identidade na construção

desse país. A identidade ajuda a definir interesses e até mesmo inimigos (BARNETT, 1996).

Pode-se afirmar que no momento após o fim da Guerra Fria, o Governo turco buscou aliar-se

aos países de nacionalidade turca. Assim a identidade deixa de ser apenas avaliada no aspecto

doméstico e passa a influenciar na formação de alianças. Conforme Castro (2012) a nação

impulsiona o Estado. Para esse trabalho a análise da identidade com a geopolítica garante uma

importante composição para compreender a Turquia moderna e suas relações. No caso da

Grécia, por exemplo, a identidade sempre esteve presente associada à Geopolítica.

143

5.1 Diplomacia e pragmatismo na Turquia

A história da diplomacia turca merece destaque por sua atuação percebida nas

narrativas até aqui analisadas. Não é possível afirmar ainda por esse estudo, se a diplomacia

foi ao longo dos anos desse Estado-Nação conduzida pela pessoa do Presidente, pelo Primeiro

Ministro ou mesmo pelo Chanceler, ou mensurar o papel de cada um. Percebe-se que essas

três personagens aparecem em destaque, principalmente os dois primeiros. É possível inferir

que isso varia muito de acordo com a influência do indivíduo dentro do partido político no

poder e com o “nível” de carisma pessoal. Alguns são facilmente lembrados: Ataturk, Inönü,

Menderes, Turgut Özal e mais recentemente o Primeiro Ministro Erdogan. Uma característica

interessante é que todos ficaram longos anos à frente do Governo e tiveram atuação

pragmática para elevar a Turquia à condição de potência. O quadro (ANEXO A) ajuda a

visualizar a função exercida e verificar ao longo da história a importância dessas personagens

históricas turcas.

Na formação do novo Estado, o “mito” Ataturk foi claramente abrindo as portas para o

mundo, deixando em segundo plano a herança religiosa Otomana tratando de adequar seu país

às condições modernas. Kemal buscou ocidentalizar ao máximo a Turquia e deixou claro que

suas intenções eram estabelecer a maior ligação possível com a Europa, o “centro do mundo”.

Mas desde Kemal aos dias de hoje, o sonho de se integrar à Europa permanece vivo nos

“corações e mentes” do povo turco e nas articulações de sua Política Externa. Provavelmente

depois das sucessivas crises a busca tenha diminuído, mas ainda persiste.

Para entrar na II Guerra Mundial, sob o Governo de Inönü, a Turquia fez exigências de

que suas Forças Armadas fossem totalmente reequipadas. Sabia o Presidente que, apesar dos

esforços de seu antecessor em direção à modernização, o país não possuía equipamentos e

preparo para nivelar com os exércitos europeus. Estava ainda bem arcaica, toda a estrutura

militar turca. A “jogada de mestre” foi exigir que as potências da época o ajudassem a

melhorar a situação das Forças Armadas. Inönü era homem das armas, conhecia por dentro o

exército e, provavelmente como Atatürk, sabia da importância estratégica do seu país, sua

posição e localização. Este assunto remete às variáveis deste trabalho: os acordos militares e a

instalação de bases na Turquia seriam elementos que auxiliariam na confirmação das

hipóteses de pesquisa. Ao longo do terceiro capítulo foi possível conhecer as várias alianças

realizadas entre EUA e Turquia e a afirmação de Kissinger (2001b) utilizada como epígrafe

do quarto capítulo, dizendo das 26 bases instaladas, que são fatores importantes para esta

pesquisa.

144

No período Menderes não foi diferente e o pragmatismo teve seu lugar preservado,

apesar de ser de uma tendência ideológica diferente dos dois governos anteriores, Atatürk e

Inönü. O Primeiro Ministro era da oposição ao PRP e seu mandato apresentou algumas

possibilidades de maior abertura política, tanto que foi tirado do poder por um golpe

conservador. Menderes resolveu enviar os militares à Coréia com objetivo de aumentar seu

status junto aos EUA, mesmo sem contar com a anuência da Grande Assembléia Nacional, o

parlamento turco. Essa ousadia rendeu-lhe prestígio e acelerou a entrada da Turquia no órgão

militar e geopolítico, a OTAN. Após a aceitação na OTAN o país governado por Menderes

passou a ver mais perto a possibilidade de ser aceita como membro da Comunidade Européia.

Esse fato propiciou à Turquia aumento na capacidade militar, econômica e política.

O evento mais tenso da história da Guerra Fria, a crise dos mísseis, também pôde

demonstrar a aptidão diplomática turca, pós-fato. Resguardadas as questões do episódio e a

crítica de Harris (1972) de que a Turquia foi mero espectador, ao fim de tudo o país pôde

ainda sair ganhando. Os mísseis foram retirados do território turco, mas em contrapartida o

Governo exigiu a renovação da Força Aérea e recebeu também alguns submarinos. Assim,

mesmo com a aparente perda, os turcos souberam dar a volta por cima e foram beneficiados

com outros tipos de armamentos militares. A venda de armamentos estava sempre introduzida

nos acordos militares, por isso, não há para esse assunto um destaque especial.

Outra variável relevante para mensurar o papel turco na contenção foi o aspecto

financeiro. A Turquia, segundo Harris (1972), chegou a ser o terceiro país em volume de

ajuda norte-americana no período da Guerra Fria. Conforme analisado no desenvolvimento

desta pesquisa, a questão econômico-financeira era para os EUA uma das molas-mestras para

derrubar a concorrência soviética. Essa política foi bem utilizada pelos governos que

ocupavam a Casa Branca. Portanto, para a conclusão desta dissertação é válido lembrar que a

lente teórica da geopolítica auxiliou na percepção da relação entre Turquia e Estados Unidos

no período do conflito bipolar. Mas ainda hoje, mesmo com a mudança sistêmica pode ser

perfeitamente utilizada. A “troubled alliance” entre esses dois países foi e continua sendo

pragmática, estratégica e claro econômico-financeira. Na fala de Özgün Arman, isso fica

evidenciado. “Nossas companhias têm direta relação com União Européia e EUA. Por isso,

qualquer embargo econômico promovido por EUA ou pela União Européia afeta diretamente

ou indiretamente nossa política para o Irã.” (ÖZGÜN ARMAN, 2013)

Por fim, é importante mencionar o aspecto religioso dentro da Turquia. Nos tempos

primitivos o Império Otomano se autodenominava o Guardião do Islã. Com a República o

ideal religioso é colocado em segundo plano, sem, no entanto deixar de fazer parte do

145

histórico deste país. Atatürk proclama o secularismo como uma das bandeiras de

modernização e foi seguido fielmente pelos militares. Contudo, na década de 50 inicia-se um

movimento chamado por Fernandes (2005a) de re-islamização do secularismo e esse

movimento com várias etapas culmina na contemporaneidade com o Governo moderado

islâmico do AKP. É possível afirmar após algumas descobertas desta pesquisa que não é

intenção promover o retorno aos moldes do Império Otomano, mas fica a lição do movimento

contra-revolucionário promovido pelos defensores da religião dentro da Turquia. Pode-se

concluir afirmando que a elite kemalista foi substituída por esse grupo. Saber se será uma

nova elite a história e a continuação desta pesquisa poderá dizer.

146

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ANEXO A - QUADRO PRESIDENTES E PRIMEIROS MINISTROS

ANO PRESIDENTE PRIMEIRO MINISTRO

1923 Mustafá Kemal Atatürk Ismet Inönü

1924 Mustafá Kemal Atatürk Ismet Inönü

1925 Mustafá Kemal Atatürk Ismet Inönü

1926 Mustafá Kemal Atatürk Ismet Inönü

1927 Mustafá Kemal Atatürk Ismet Inönü

1928 Mustafá Kemal Atatürk Ismet Inönü

1929 Mustafá Kemal Atatürk Ismet Inönü

1930 Mustafá Kemal Atatürk Ismet Inönü

1931 Mustafá Kemal Atatürk Ismet Inönü

1932 Mustafá Kemal Atatürk Ismet Inönü

1933 Mustafá Kemal Atatürk Ismet Inönü

1934 Mustafá Kemal Atatürk Ismet Inönü

1935 Mustafá Kemal Atatürk Ismet Inönü

1936 Mustafá Kemal Atatürk Ismet Inönü

1937 Mustafá Kemal Atatürk Ismet Inönü

1938 Mustafá Kemal Atatürk

Ismet Inönü

Celal Bayar

1939 Ismet Inönü Celal Bayar

Refik Saydam

1940 Ismet Inönü Refik Saydam

1941 Ismet Inönü Refik Saydam

1942 Ismet Inönü Refik Saydam

1943 Ismet Inönü Sükrü Saracoglu

1944 Ismet Inönü Sükrü Saracoglu

1945 Ismet Inönü Sükrü Saracoglu

1946 Ismet Inönü Recep Peker

1947 Ismet Inönü Hasan Saka

1948 Ismet Inönü Hasan Saka

1949 Ismet Inönü Semsettin Günalty

1950 Ismet Inönü

Celal Bayar

Adnan Menderes

1951 Celal Bayar Adnan Menderes

1952 Celal Bayar Adnan Menderes

1953 Celal Bayar Adnan Menderes

1954 Celal Bayar Adnan Menderes

1955 Celal Bayar Adnan Menderes

1956 Celal Bayar Adnan Menderes

1957 Celal Bayar Adnan Menderes

1958 Celal Bayar Adnan Menderes

1959 Celal Bayar Adnan Menderes

1960 Celal Bayar Cemal Gürsel

1961 Cemal Gürsel Ismet Inönü

1962 Cemal Gürsel Ismet Inönü

1963 Cemal Gürsel Ismet Inönü

1964 Cemal Gürsel Ismet Inönü

154

1965 Cemal Gürsel Suat Hayri ( fev/out)

Suleyman Demirel

1966 Cemal Gürsel

Cevdet Sunay

Suleyman Demirel

1967 Cevdet Sunay Suleyman Demirel

1968 Cevdet Sunay Suleyman Demirel

1969 Cevdet Sunay Suleyman Demirel

1970 Cevdet Sunay Suleyman Demirel

1971 Cevdet Sunay Osman Olcay

Nihat Erin

1972 Cevdet Sunay Nihat Erin

Ferit Melen

1973 Cevdet Sunay

Fahri S. Korutürk

Ferit Melen

Naim Talu

1974 Fahri S. Korutürk Bulent Ecevit

1975 Fahri S. Korutürk Suleyman Demirel

1976 Fahri S. Korutürk Suleyman Demirel

1977 Fahri S. Korutürk Suleyman Demirel

Bulent Ecevit

1978 Fahri S. Korutürk Bulent Ecevit

Suleyman Demirel

1979 Fahri S. Korutürk Bulent Ecevit

Suleyman Demirel

1980 Fahri S. Korutürk Suleyman Demirel

1981 Bülend Ulusu

1982 Kenan Evren Bülend Ulusu

1983 Kenan Evren Turgut Özal

1984 Kenan Evren Turgut Özal

1985 Kenan Evren Turgut Özal

1986 Kenan Evren Turgut Özal

1987 Kenan Evren Turgut Özal

1988 Kenan Evren Turgut Özal

1989 Kenan Evren

Turgut Özal

Turgut Özal

1990 Turgut Özal Yildirin Akbulut

1991 Turgut Özal Yildirin Akbulut

1992 Turgut Özal Suleyman Demirel

1993 Turgut Özal

Suleyman Demirel

Suleyman Demirel

1994 Suleyman Demirel -

1995 Suleyman Demirel -

1996 Suleyman Demirel Necmettin Erbakan

1997 Suleyman Demirel Necmettin Erbakan

Mesut Yilmaz

1998 Suleyman Demirel Mesut Yilmaz

1999 Suleyman Demirel Mesut Yilmaz

Bulent Ecevit

2000 Suleyman Demirel

Ahmet N. Sezer

Bulent Ecevit

155

2001 Ahmet N. Sezer Bulent Ecevit

2002 Ahmet N. Sezer Bulent Ecevit

Abdullah Gul

2003 Ahmet N. Sezer Abdullah Gul

Recep T. Erdogan

2004 Ahmet N. Sezer Recep T. Erdogan

2005 Ahmet N. Sezer Recep T. Erdogan

2006 Ahmet N. Sezer Recep T. Erdogan

2007 Ahmet N. Sezer

Abdullah Gül

Recep T. Erdogan

2008 Abdullah Gül Recep T. Erdogan

2009 Abdullah Gül Recep T. Erdogan

2010 Abdullah Gül Recep T. Erdogan

2011 Abdullah Gül Recep T. Erdogan

2012 Abdullah Gül Recep T. Erdogan

2013 Abdullah Gül Recep T. Erdogan