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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ NÚCLEO DE ALTOS ESTUDOS AMAZÔNICOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU_ FIPAM XXII Aiala Colares de O. Couto A GEOGRAFIA DO CRIME NA METRÓPOLE: da economia do narcotráfico à territorialização perversa em uma área de baixada de Belém Belém 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

NÚCLEO DE ALTOS ESTUDOS AMAZÔNICOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU_ FIPAM XXII

Aiala Colares de O. Couto

A GEOGRAFIA DO CRIME NA METRÓPOLE: da economia do narcotráfico à territorialização perversa em uma área de

baixada de Belém

Belém

2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ NÚCLEO DE ALTOS ESTUDOS AMAZÔNICOS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃ LATO SENSU_ FIPAM XXII CIDADES NA AMAZÔNIA: HISTÓRIA AMBIENTE E CULTURA

Aiala Colares de O. Couto

A GEOGRAFIA DO CRIME NA METRÓPOLE: da economia do narcotráfico à territorialização perversa em uma área de

baixada de Belém

Belém

2008

Monografia apresentada para a obtenção do título de Especialista em Desenvolvimento de Áreas Amazônicas, Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Universidade Federal do Pará. Orientador: Profº Dr. Durbens Nascimento

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Couto, Aiala Colares de Oliveira. A Geografia do crime na metrópole: da economia do narcotráfico à territorialização perversa em uma área de baixada de Belém / Aiala Colares de Oliveira Couto; orientador Durbens Nascimento. – 2008.

110 f.: il; 30 cm. Inclui bibliografias

Monografia (Especialização) – Universidade Federal do Pará, Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento de Áreas da Amazônia. Belém, 20008.

1. Urbanização – Belém (PA). 2. Segregação. 3. Violência

urbana– Belém (PA). 4. Tráfico de drogas– Belém (PA) . I. Título. CDD: 363.45

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A GEOGRAFIA DO CRIME NA METRÓPOLE: da economia do narcotráfico à territorialização perversa em uma área de

baixada de Belém

Aprovado em: __________________________

Banca examinadora:

______________________________________ Prof.º Dr.º DURBENS NASCIMENTO Orientador _______________________________________ Prof.ª Dr.ª NÍRVIA RAVENA 1° examinador (interno) _______________________________________ Prof.ª Dr. º CARLOS ALEXANDRE LEÃO BORDALO 2° examinador (externo)

Conceito: ______________________________

DEDICATÓRIA

Monografia apresentada para a obtenção do título de Especialista em Desenvolvimento de Áreas Amazônicas, Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Universidade Federal do Pará.

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Aos meus pais Dilma Colares Couto e

Raimundo de Oliveira Couto (in memoriam),

aos meus irmãos e à minha filha Ailana

Talissa.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus pai, minha fonte de sabedoria e conhecimento.

Aos meus familiares e aos amigos que sempre estiveram presentes na minha

vida e nos momentos de reflexão.

Aos meus amigos do curso de Geografia Bruno Cezar, Rogério Rego e

Jovenildo Cardoso por toda a confiança e o apoio dado para que este projeto se

realizasse e ao meu amigo Wellington que me ajudou a produzir os mapas.

Agradeço também a minha amiga Roseany que teve paciência em fazer as

correções gramaticais a Andréa da biblioteca pela revisão das normas da ABNT.

Aos meus queridos amigos do FIPAM XXII que sempre me serviram de

incentivo para a conclusão do curso, em especial Beatriz , Estevão, Helder e Luiz Alan.

Aos professores Sant-Clair da Trindade Jr, Genilton Odilon e à professora Maria

Goretti Tavares pela orientação nas aulas do mestrado em Geografia e em especial ao

meu orientador Durbens Nascimento pelas conversas proveitosas que muito

contribuíram para este projeto.

Enfim, aos meus amigos Marcondes, Jorge França, Adilson, Odimar e Fernando

Moraes por todo o companheirismo nos momentos de dificuldades e claro a todas as

pessoas que contribuíram diretamente e indiretamente para que esta pesquisa se

concluísse.

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EPÍGRAFE

“Cada homem vale pelo lugar onde está: o

seu valor como produtor, consumidor,

cidadão, depende de sua localização no

território. Seu valor vai mudando,

incessantemente, para melhor ou para pior,

em função das diferenças de acessibilidade

(tempo, freqüência, preço), independentes

de sua própria condição (...) A possibilidade

de ser mais ou menos cidadão depende, em

larga proporção, do ponto do território onde

está. Enquanto um lugar vem ser a condição

de sua pobreza, um outro lugar poderia, no

mesmo momento histórico, facilitar o acesso

àqueles bens e serviços que lhes são

teoricamente devidos, mas que, de fato, lhes

são teoricamente devidos, mas que, de fato,

lhes faltam” (SANTOS, 1987, P. 81).

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RESUMO

O crescimento urbano acelerado das metrópoles brasileiras trouxe grandes

problemas sociais e econômicos para o país. A questão urbana, hoje, como é

chamada à problemática relacionada à cidade, é um dos maiores desafios enfrentados

pelas atuais políticas públicas de planejamento urbano. Assim, para entender a

questão urbana é preciso antes de tudo identificar o que de fato a cidade precisa, pois

o avanço da chamada “cidade ilegal”, ou seja, as ocupações espontâneas nas áreas

de favelas e periferias das grandes metrópoles, hoje representam não apenas um

ponto crítico de habitação, mas também o lócus de reprodução da criminalidade,

inclusive o tráfico de drogas. Nesse contexto, a metrópole de Belém, na Amazônia

Oriental, enfrenta o avanço indiscriminado do tráfico de drogas que se manifesta em

suas áreas de baixada, reproduzindo a violência e se firmando como uma configuração

territorial que surge em função de uma desorganização espacial da cidade periférica.

Desse modo, Belém convive com um espaço segregado que se torna cada vez mais

controlado pela criminalidade, pois onde o Estado atua de forma precária, o crime se

apresenta como oportunidade, daí entender porque o bairro da Terra Firme é hoje

considerado o mais violento e mais controlado pelo tráfico de drogas, o que, de certa

forma, é favorecido pelos mitos construídos sobre o lugar pela mídia e pela própria

sociedade que se deixa influenciar pela falta de conhecimento da verdadeira realidade

do bairro. Assim, a territorialidade do tráfico de drogas se impõe atuando em parceria

com outros crimes a partir daquelas áreas do bairro mais precárias de infra-estrutura

urbana ou as áreas mais discriminadas e com isso, estabelecendo leis e códigos

decifrados apenas pelos atores sociais envolvidos no esquema do crime obtendo

volumosos lucros e impondo estratégias de dominação política sobre a sociedade.

Palavras-Chave: Urbanização. Segregação. Territorialização. Tráfico de drogas.

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ABSTRACT

The rapid urban growth has brought large Brazilian cities of social and economic

problems for the country. The urban question today is called as the problem related to

the city is one of the biggest challenges faced by current public policies of urban

planning. Therefore, to understand the urban question we must first of all identify what

in fact the city needs, because the advancement of the so-called "city illegal", ie the

occupation volunteers in areas of slums and suburbs of large cities today represent not

only a critical point of housing, but also the locus of reproduction of crime, including

drug trafficking. In this context, the city of Bethlehem in the eastern Amazon faces the

advancement indiscriminate trafficking of drugs that is manifested in their areas of

downloaded reproducing the violence and whether signing as a territorial configuration

that arises according to a disorganization of the city peripheral space. Thus, Bethlehem

coexists with a segregated area that is becoming increasingly controlled by crime,

because where the State acts so precarious, the crime is presented as an opportunity,

then understand why the neighborhood of Lands is now considered the most violent

and more controlled the trafficking of drugs, which in some ways is helped by the myths

built on the place by the media and the society itself that is no longer influenced by the

lack of knowledge of the true reality of the neighborhood. Thus the territoriality of

trafficking of drugs is required working in partnership with other crimes from those

areas of the district most precarious urban infrastructure or the areas most

discriminated against and thereby establishing laws and codes decifrados only by

social actors involved in the scheme of crime obtaining substantial profits and imposing

strategies of political domination on society.

Keywords: Urbanization. Segregation. Territorialização. Trafficking in drugs.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Mapa 1 Localização geográfica do bairro da Terra Firme 15 Fotografia 1 Avenida Celso Malcher em frente ao mercado 66 Fotografia 2 Comércio informal na Praça Olavo Bilac 67

Fotografia 3 Canal da Rua do Olaria 70 Fotografia 4 Passagem Bom Jesus 71

Fotografia 5 Ocupação do braço do Tucunduba 75

Fotografia 6 Ocupação do Tucunduba 75 Fotografia 7 Passagem Lambaris 76 Fotografia 8 Ponte da Passagem Nossa Senhora das Graças 84 Fotografia 9 Passagem 24 de Dezembro 85

Fotografia 10 Beco da Malvina 87 Fotografia 11 Ocupação da baixada do Canal dos Mundurucus 88 Figura 1 Terra Firme pede socorro 96 Figura 2 Terra Firme é um dos mais violentos 97 Figura 3 Terra Firme está sitiada 97 Fotografia 12 Área do Tucunduba 100 Fotografia 13 Invasão da Lauro Sodré 101

Mapa 2 O mapa da droga na Terra Firme 102

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 12 1.1 ÁREA DE ESTUDO 14 2PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 16 3A DINÂMICA URBANA BRASILEIRA 19 3.1 A PERIFERIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO BRASILEIRO 19 3.2 DA SEGREGAÇÃO À EXCLUSÃO SOCIAL DO/NO ESPAÇO URBANO 25 3.3 DA FEVELIZAÇÃO À “TERRITORIALIZAÇÃO PRECÁRIA” 28 3.4 DISCUTINDO O CONCEITO DE TERRITÓRIO 33 3.5 DA POBREZA PERIFÉRICA À “INTEGRAÇÃO PERVERSA” DO CRIME 39 3.6 A “TERRITORIALIZAÇÃO PERVERSA” DO CRIME NAS METRÓPOLES 43 4 EVOLUÇÃO URBANA DE BELÉM E DA TERRA FIRME 50 4.1 A EVOLUÇÃO URBANA DE BELÉM 50 4.2 AS BAIXADAS COMO ESPAÇOS DE RESISTÊNCIA 52 4.3 A EVOLUÇÃO URBANA DAS ÁREAS DE BAIXADAS 56 4.3 A EVOLUÇÃO URBANA DO BAIRRO DA TERRA FIRME 58 4.4 AS PRÁTICAS DO CIRCUITO INFERIOR DA ECONOMIA NO BAIRRO 63 4.5 OS PROBLEMAS DE INFRA-ESTRUTURA E SERVIÇOS 67 4.6 DENSIDADE POPULACIONAL 71 4.7 DIFERENÇAS NO USO DO SOLO DA TERRA FIRME 72 5A“TERRITORIALIZAÇÃO PERVERSA” E A ECONOMIA DO TRÁFICO DE DROGAS NO BAIRRO DA TERRA FIRME 77 5.1 A DINÂMICA ECONÔMICA DO TRÁFICO DE DROGAS 77 5.2 OS ATORES SOCIAS DO TRÁFICO DE DROGAS NA TERRA FIRME 80 5.3 FATORES QUE LEVAM AO TRÁFICO DE DROGAS NA TERRA FIRME 88 5.3.1 O desemprego 89 3.3.2 Busca por dinheiro 90 5.3.3 Salários baixos 92 5.3.4 Famílias desestruturadas 93 5.4 A VIOLÊCIA URBANA E A “TERRITORIALIZAÇÃO PERVERSA” 94 7CONSIDERAÇÕES FINAIS 103 REFERÊNCIAS 105

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1INTRODUÇÃO

A Urbanização brasileira se fez de forma desigual e excludente em um

sistema político e econômico segregador tanto de espaços quanto de pessoas. E,

nesse sentido, esse processo fortalece o fenômeno da exclusão social em nossas

metrópoles, fato que é aproveitado pela criminalidade violenta do tráfico de drogas. Por

conseguinte, os problemas urbanos e sociais presenciados nesses espaços, servem

como estratégia de dominação do tráfico de drogas que inserem essas pessoas nessa

atividade ou em outras ilegais, surgindo o que Castells (1996) chamou de integração

perversa.

Este fato serve para aumentar a problemática da violência urbana nas

grandes metrópoles brasileiras. A cidade de Belém vivencia essa realidade, pois sua

evolução urbana não significou melhoria da qualidade de vida da população e nem

melhores condições de moradia. Pelo contrário, grande parte da população foi

deslocada para áreas de baixada, passando a morar em espaços de ocupação

espontânea, sem uma organização espacial digna para a população pobre. Assim, as

áreas de baixada como o bairro da Terra Firme, está dentro da lógica desigual da

produção do espaço urbano, criando uma urbanização excludente e perversa que

incentiva a expansão das áreas de favelas na metrópole.

Nesse contexto, o bairro da Terra Firme, por ser considerado um bairro

popular pelo fato de habitar uma população pobre e pouco inserida na economia

formal, passa por grandes problemas relacionados à carência de serviços urbanos e

de infra-estrutura para seus moradores.

Portanto, outros problemas no bairro, relacionados ao crescimento da violência

urbana, emergem, principalmente a violência imposta aos moradores pelos grupos

ligados ao tráfico de drogas e quadrilhas de assaltantes que territorializam-se e

utilizam estratégias de controle desses territórios e ao mesmo tempo usam

mecanismos de inclusão dos moradores em seu sistema desleal e perverso.

Nesse sentido, surge uma “territorialização perversa” que está relacionada aos

instrumentos de manipulação e controle impostos à população pelos traficantes como

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uma forma de garantir tanto o controle político–econômico quanto o simbólico–cultural

do território. Nesse caso, o poder e a violência estão presentes.

Neste contexto, para melhor compreender a referida problemática, a pesquisa

procurou responder às seguintes questões:

De que forma se caracteriza a territorialidade do tráfico de drogas no bairro da

Terra Firme?

Quem são os atores envolvidos na economia do narcotráfico no bairro da Terra

Firme?

Quais as estratégias desses atores para manter o controle dos territórios do

tráfico?

O objetivo principal da pesquisa foi relacionar os problemas urbanos da

metrópole de Belém com delimitação de territórios do narcotráfico no bairro da Terra

Firme, visualizando espacialização dessa atividade. Buscou-se também analisar a

dinâmica econômica do tráfico de drogas no bairro da Terra-Firme; Identificar os atores

envolvidos na economia do narcotráfico no bairro; Identificar as estratégias utilizadas

por estes atores para o controle político-econômico e simbólico-cultural do território,

propondo um mapeamento do tráfico de drogas no bairro para interpretar a distribuição

espacial que este fenômeno apresenta.

A escolha da área de estudo justifica-se pela atenção especial que a mídia

vem dando, nos últimos anos, à questão da violência urbana e do tráfico de drogas em

Belém, destacando o bairro da Terra Firme como principal nó de ligação da droga com

o resto da metrópole, daí a relevância da pesquisa para a academia, sobretudo pelo

fato de que o objeto desta ainda é pouco estudado e muitas vezes negligenciado por

cientistas sociais que estudam o urbano na região amazônica.

A contribuição apresentada pela pesquisa está no sentido da descoberta dos

principais fatores que contribuem para a espacialização da criminalidade no bairro e

para a expansão do tráfico de drogas. São apresentados aqui, elementos catalogados

nas entrevistas e nas observações sistemáticas realizados em campo e, portanto

buscou-se chegar às verdadeiras raízes da criminalidade violenta que vem dando

destaque para que a Terra Firme seja um bairro violento e dominado pelo tráfico.

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Contudo, este trabalho está dividido em três partes, sendo que na primeira é

feita uma análise teórica acerca da dinâmica urbana brasileira, sempre se buscando

destacar as questões relacionadas à segregação socioespacial, pobreza urbana,

periferização e favelização, fazendo uma relação com a questão do tráfico de drogas

nas metrópoles. Num segundo momento é levantada uma construção histórica das

áreas de estudo, demonstrando os principais problemas que o bairro da Terra Firme

enfrenta que devem ser entendidos como características de um bairro que surge de

ocupações espontâneas, com tipologia favelada de bairro popular. E, finalmente, uma

reflexão sobre a dinâmica econômica do tráfico de drogas na Terra Firme, seus atores

sociais e sua territorialização perversa, sendo destacados alguns aspectos que

influenciam a criminalidade no bairro.

1.1 ÁREA DE ESTUDO

O bairro da Terra Firme ou bairro da Montese compreende a área envolvida

pelo poligonal que tem início na interseção da Avenida Eunice Weaver (Avenida

Perimentral) com as áreas da UFPA, segue contornando esse limite até a interseção

com o igarapé do Tucunduba, segue por este até encontrar a passagem Nossa

Senhora das Graças, flete à esquerda e segue por esta até a Travessa Juvenal

Cordeiro, flete à direita e segue por esta até a Rua Rosa Danin, dobra à direita e segue

por esta até a Passagem Nazaré, dobra a esquerda e segue por esta e por seu

prolongamento até a confluência da Avenida Ceará com a Passagem sem

denominação, dobra à direita e segue por esta até a rua Jabatiteua, dobra à direita e

segue por esta até o canal do Tucunduba, flete à esquerda e segue por este a

Passagem Monte Alegre, flete à direita e segue por esta até a Avenida Eunice Weaver

(Perimentral), flete à direita e segue por esta até o início da poligonal.

O bairro da Terra Firme (Montese) junto com os bairros de Nazaré, São Braz

e Canudos correspondem à Zona Sul da cidade. Segundo Penteado (1968), dentre os

bairros destacados acima, Canudos e Terra Firme são predominantemente

residenciais, situam-se na encosta suave dos terraços dos níveis 5 e 10 metros,

trabalhados pelas águas dos formadores do igarapé Tucunduba (ver fotografia 01).

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Mapa 1 – Localização geográfica do bairro da Terra Firme Fonte: Couto\adaptado\SIGEP (2008).

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2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Pesquisa bibliográfica

Com o objetivo de melhor conhecer a organização territorializada do tráfico

de drogas no bairro da Terra Firme a partir das contradições da produção do espaço

urbano na cidade de Belém, este trabalho atentou-se, num primeiro momento, para

algumas reflexões teóricas de autores importantes que trabalharam sobre essa

temática. A pesquisa bibliográfica e a revisão de literatura foram realizadas, o que foi

de extrema importância para melhor conhecer e cercar o seu objeto. Tais ações

corresponderam à primeira fase dela.

Análise documental

Para a conclusão da pesquisa também foi realizada análise documental

acerca de reportagens que tratavam de temas relacionados à violência urbana,

registros da secretária de segurança pública e boletins de ocorrência relacionados ao

tráfico de drogas e aos assaltos dentro do bairro como forma de garantir uma maior

aproximação com a área pesquisada. As fontes históricas e trabalhos referentes à

formação socioespacial da área de estudo foram consultados na biblioteca do Núcleo

de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da UFPA.

Trabalho de campo

Também foram executados vários trabalhos de campo que serviram para a

realização de registros fotográficos na área de estudo e para a observação sistemática

da criminalidade e do tráfico de drogas, que foram importantes para a coleta de dados

através das entrevistas semi-estruturadas e relatório de campo. Neste caso, algumas

perguntas foram feitas aos moradores a respeito da violência que se manifesta no

bairro e sobre o comércio da drogas. Assim a realização da coleta de dados obedeceu

às etapas mencionadas a seguir.

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Convite aos sujeitos que participaram da pesquisa

Esse procedimento foi importante para entender a dinâmica do comércio da

droga em Belém e o envolvimento dos atores sociais nessa atividade ilícita, o que

deixou claro que o narcotráfico na metrópole de Belém está cada vez mais organizado,

fato que já é visualizado na Terra Firme. Os sujeitos foram escolhidos

intencionalmente e convidados para participar das entrevistas livres ou não diretivas e

semi-estruturadas que foram realizadas em campo, ou seja, aquelas pessoas que tem,

segundo Minayo (1995), “vinculação mais significativa para o problema a ser

investigado”.

O acesso às áreas mais dominadas pelo crime facilitou a pesquisa, pois

como morador do bairro da Terra Firme e conhecedor da lógica perversa da violência

no bairro, os relatos de moradores me instigaram a uma maior aproximação do objeto

através de um amplo conhecimento sobre a área de estudo. Assim, pessoas de

confiança do meu vínculo de amizade tiveram uma grande contribuição para a criação

de uma rede social no qual me comunicava e mantinha-me informado sobre o assunto.

Contudo a escolha não foi aleatória, ela obedeceu alguns critérios como:

Pessoas envolvidas na atividade do narcotráfico no bairro da Terra Firme;

Pessoas viciadas em drogas e que sabem como funciona o comércio dessa

atividade no bairro;

Pessoas que já se envolveram no passado no esquema do tráfico de drogas e

hoje não estão mais envolvidas;

Moradores antigos do bairro, com mais de 10 anos residindo na Terra Firme,

que acompanharam as mudanças no lugar e vivenciam a territorialidade do

tráfico no bairro;

Criminosos envolvidos em assaltos e pequenos furtos no bairro;

Consentimento em participar da pesquisa, após apresentar o objetivo e a

garantia de anonimato e sigilo total sobre quem concedeu as informações;

Autorização para a gravação das entrevistas, frisando que são para fins de

pesquisa acadêmica.

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Esses procedimentos destacados foram importantes, pois a partir deles pude

ter uma dimensão maior do fenômeno do narcotráfico no bairro, assim como percebi

que até mesmo eu, como pesquisador e morador do bairro, estava sob a influência de

sua “territorialização perversa”. A escolha das pessoas entrevistadas está diretamente

relacionada com as estratégias de dominação do território dos grupos ligados ao

tráfico de drogas ou quadrilhas de assaltantes. Nesse sentido, foram entrevistadas 38

pessoas residentes do bairro entre as que já sofreram algum tipo de violência ou não e

as envolvidas no circuito da criminalidade, entretanto resolvi destacar apenas 12

entrevistas visto que as outras que não aparecem aqui se aproximam das que estão

em destaque na pesquisa.

Para tanto, achei melhor aproximar-me daquelas pessoas com as quais eu

mantinha mais contatos para passar, em primeiro lugar, mais confiança e segurança

tanto para mim, quanto para elas e a partir daí, apresentar o objetivo da pesquisa.

Como morador do bairro da Terra Firme, não tive tantas dificuldades em coletar

informações, por isso achei importante levar em consideração as falas das pessoas

que estão mais envolvidas na atividade criminosa e que reproduzem (ou reproduziram)

essa lógica da “territorialização perversa”.

A título de pesquisa científica e com a finalidade de chegar às conclusões

precisas que são levantadas pelas hipóteses, procurei cruzar as informações para

saber até que ponto as entrevistas apontavam para uma mesma resposta, de forma a

garantir que de fato eram verdadeiras e ajudavam a compreender melhor a

organização do narcotráfico na cidade e no bairro.

Para o sucesso da pesquisa, comprometi-me em não divulgar os nomes dos

entrevistados. Como se trata de uma atividade ilegal, a divulgação poderia levar a uma

investigação policial. Além disso, como pesquisador da temática, eu estou ciente dos

riscos que corro ao aprofundar o conhecimento acadêmico sobre a referida temática,

entretanto, também reconheço a importância de se pesquisar um assunto que já faz

parte da problemática urbana na qual a metrópole de Belém está inserida.

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3 A DINÂMICA URBANA BRASILEIRA

3.1 A PERIFERIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO BRASILEIRO

Durante muito tempo, a economia brasileira estava centrada nas mãos das

oligarquias agrárias que detinham poder econômico e político do país e faziam de tudo

para retardar o avanço da indústria no Brasil. Nesse momento, assistíamos a uma

grande concentração de terras, espoliação do trabalhador rural, trabalho semi-escravo

e uma grande quantidade de trabalhadores rurais sem terra, além de uma economia

nacional pouco articulada, onde as regiões eram isoladas uma das outras, mantendo

mais ligações com o exterior do que entre si, controladas pelas elites locais.

A economia brasileira tinha como sustentáculo a produção cafeeira sob o

comando dos barões do café de São Paulo que nesse momento detinham de toda

infra-estrutura básica para a exportação desse produto que representava a base

econômica do país e por isso tinha toda a garantia do Estado, que incentivava sua

produção. Contudo, de outro lado tínhamos a burguesia urbano-industrial que há muito

tempo queria romper com o esse antigo modelo econômico e impulsionar, a qualquer

custo, o processo de industrialização brasileira.

Com a crise de 1929, que abalou a economia capitalista mundial (inclusive o

café), cria-se uma margem para que a elite urbano-industrial ganhasse força para o

avanço da indústria no país. Nesse sentido, Getulio Vargas rompe com o antigo

modelo econômico e passa a incentivar a indústria, baseada no modelo do nacional-

desenvolvimentismo.

As Cidades Brasileiras da década de 40 passaram a ser vistas como a

possibilidade de avanço econômico e da modernidade em relação ao campo, que

representava o Brasil arcaico e atrasado do antigo modelo econômico. Durante o

governo de Juscelino Kubtsheck, com a implantação do modelo tripé

desenvolvimentista, o Brasil tem a consolidação de sua economia nacional a partir da

integração regional ocorrida pela expansão da malha rodoviária. Porém, essas

rodovias e a consolidação do modelo urbano-industrial trouxeram grandes problemas

para as cidades brasileiras.

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Nas palavras de Singer (1977, p.117), o crescimento acelerado das

metrópoles em países não desenvolvidos acentuou e tornou mais perceptível uma

série de desequilíbrios, principalmente entre procura e oferta de habitações e serviços

urbanos, que compõem uma problemática urbana específica.

E o resultado desse processo é o rápido crescimento da população

“marginalizada” nos grandes centros, que suscitou abundantes apreciações críticas da

urbanização nos países não desenvolvidos, onde boa parte das quais se voltam contra

o processo como tal, revelando-se, no fundo, como uma crítica anti-urbana (SINGER,

1977).

Contudo, a urbanização da sociedade brasileira tem constituído, sem dúvida,

um caminho para a modernização, mas, ao mesmo tempo, vem contrariando aqueles

que esperavam ver, nesse processo, a superação do Brasil arcaico, vinculado à

hegemonia da economia agroexportadora. O processo de urbanização recria o atraso

a partir de novas formas, como contraponto à dinâmica de modernização (MARICATO,

2000, p. 11).

De fato, a partir dos anos 90, a imagem das cidades brasileiras passa a ser

diretamente associada a vários problemas como: violência urbana, poluição,

congestionamento, prostituição, tráfico de drogas, economia informal, desigualdades

sociais e forte exclusão social. Não é verdade, pois, que a “marginalização” urbana é

um produto do desenvolvimento capitalista, pelo menos no sentido de que ela não

exista antes da economia colonial (SINGER, 1977).

A nossa industrialização acabou por incentivar um forte e acelerado processo de

urbanização que ocorreu principalmente em direção às principais metrópoles do país,

ou seja, com tendência a metropolização e com isso as metrópoles passaram a

enfrentar grandes problemas urbanos e a idéia de modernização ficou só no discurso,

pois a realidade foi totalmente diferente daquelas experimentadas pelos países

desenvolvidos. Ocorreu que, a evolução dos acontecimentos, mostrou um outro

caminho, pois ao lado do intenso crescimento econômico, surgiu um processo de

urbanização excludente com o crescimento das desigualdades sociais que resulta

numa gigantesca concentração espacial da pobreza urbana.

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Não foi só o governo. A sociedade brasileira em peso embriagou-se, desde os tempos da abolição e da república velha, com as idealizações sobre o progresso e modernização. A salvação estava nas cidades, onde o futuro já havia chegado. Então era vir para elas e desfrutar de fantasias como emprego pleno, assistência social providenciada pelo Estado, lazer, novas oportunidades para os filhos [...] Não aconteceu nada disso, é claro, e, ao poucos, os sonhos viraram pesadelos (SANTOS, 1996, p.2).

O Brasil experimentou uma forte migração rural-urbana acompanhada ao

aumento da taxa de natalidade e diminuição da mortalidade graças à revolução

sanitária, tendo como resultado desses acontecimentos, o inchaço urbano e

conseqüentemente a expansão metropolitana com forte exclusão social que tem sua

expressão mais concreta na segregação socioespacial das metrópoles, configurando

pontos de bolsões de pobreza e miséria disseminadas no espaço urbano, como os

“guetos”, favelas e periferias.

Este é um dos aspectos dramáticos de uma das maiores experiências de

urbanização e pobreza da história da humanidade e hoje existem no Brasil 16

aglomerações urbanas com mais de um milhão de habitantes cada, lideradas pelas

grandes metrópoles São Paulo e Rio de Janeiro, mas seguidas por Belém, Manaus,

Recife, Salvador e outras.

Esta concentração urbana, sem o correspondente crescimento da oferta de

moradias, saneamento, emprego e renda, leva parte da população a viver em

condições subumanas, em favelas ou outras formas precárias, onde proliferam a

miséria, a degradação humana e o crime (DINIZ, 2002).

As relações entre, de um lado, a produção, a circulação e o consumo do

espaço e de outro os efeitos do espaço sobre o social – ou melhor, das relações

dialéticas entre espaço e sociedade – constituem o desafio ainda a ser enfrentado

pelos estudos socioespaciais (VILLAÇA, 2000, p. 47).

Segundo Maricato (2000, p. 23), a recessão que se seguiu nos anos 80 e 90

– quando as taxas de crescimento demográfico superaram as do crescimento do PIB,

fazendo com que a evolução do PIB per capita fosse negativa na década de 80 –

trouxe um forte impacto social e ambiental, ampliando o universo de desigualdade

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social. Nessas décadas, conhecidas como “décadas perdidas”, a concentração da

pobreza é urbana.

A urbanização brasileira não foi acompanhada por melhores condições de

vida para a população urbana como um todo, na verdade, assistimos a uma

diferenciação do uso do solo cada vez mais acentuada, onde, de um lado, os

especuladores imobiliários e o Estado constroem a cidade do capitalismo, ou seja, a

cidade mercadoria e de outro as populações excluídas tentando inserir-se nesse

mercado imobiliário, no entanto, ocupando os morros, encostas e áreas afastadas do

centro.

Os contrastes sociais, econômicos e de poder político, característicos das

metrópoles latino-americanas, produzem uma estrutura espacial e uma dinâmica

socioespacial intra-urbana muito mais exacerbadas e, por isso, mais fáceis de serem

capitadas do que a metrópole desenvolvida (VILLAÇA, 2000, p. 47).

Nesse sentido, a cidade do capitalismo é formada por um espaço urbano

bastante heterogêneo e fragmentado em territórios urbanos, alguns ligados à cidade

mercadoria e outros ligados à síndrome do medo, da insegurança, da instabilidade, ou

seja, em razão da exclusão de grande parte da população do mercado imobiliário

formal, a “solução” para esse déficit habitacional tem sido a inclusão marginal na

cidade, prevalecendo uma lógica perversa que é produtora da maior parte dos

problemas urbanos. Quem não está inserido no mercado imobiliário formal, somente

tem acesso à moradia às margens da cidade.

A concentração da riqueza e da pobreza nas regiões metropolitanas

aprofunda conflitos e confrontos de classes, enquanto a desconcentração urbano-

industrial sobre cidades médias, e mesmo cidades pequenas vizinhas, os estende

potencialmente a toda rede urbana principal do país (MONTE-MÓR, 2000).

Trata-se de um gigantesco movimento de construção urbana necessário

para o assentamento residencial dessa população, bem como para a satisfação de

suas necessidades de trabalho, abastecimento, transporte, saúde, energia, água etc.

Ainda que o rumo tomado pelo crescimento urbano não tenha respondido

satisfatoriamente a todas essas necessidades, o território foi ocupado e foram geradas

condições para viver nesse espaço (MARICATO, 2002, p. 11).

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Sendo assim, apenas uma parte da população é privilegiada e desfruta

simultaneamente, de maior nível de bem estar social e acumulação de riqueza, na

forma de um patrimônio de alto valor. Porém, ao mesmo tempo, uma grande parte da

população, formada por trabalhadores, é espoliada, não tendo reconhecidas suas

necessidades de consumo habitacional (moradias e serviços coletivos), essencial ao

modo de vida na cidade, onde o resultado tem sido uma urbanização excludente e

desigual ou uma urbanização sem urbanidades. Isso significa que grande parte da

população, inclusive parte daquela regularmente empregada, constrói suas próprias

casas em áreas irregulares ou simplesmente invadidas (MARICATO, 2002, p. 24).

Segundo Carlos (1994, p.34):

As cidades são “produto, meio e condição" das lutas e conflitos sociais e espaciais que se formam ao longo da história. Nesse sentido, no espaço urbano encontramos, de um lado, os espaços da elite que representa a classe dominante. E, de outro, os espaços periféricos das classes populares e as hiperperiferias da população excluída, ou os espaços considerados por alguns de exclusão social ou inclusão precária, formando-se dentro das cidades um tecido urbano fragmentado, segmentado e contraditório, no entanto, extremamente articulado.

Em nossas grandes metrópoles presenciamos a existência desse tecido

urbano fragmentado e ao mesmo tempo articulado, por isso as cidades podem ser

consideradas como campo de lutas sociais, de um lado os incluídos na sociedade do

consumo que representam a elite e a classe dominante e de outro os excluídos

tentando de todas as formas para sobreviver ou para se inserir nessa sociedade do

consumo, seja pelo meio formal ou pela ilegalidade.

Para Lefebvre (1999, p.155). As contradições não se situam mais entre a cidade e o campo. A contradição principal se desloca e se situa no interior do fenômeno urbano: entre a centralidade do poder e as outras formas de centralidade, entre o centro ‘riqueza-poder’ e as periferias, entre a integração e a segregação.

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De acordo com Corrêa (1993, p.7);

O espaço de uma grande cidade capitalista constitui-se, em um primeiro momento de sua apreensão, no conjunto de diferentes usos da terra justapostos entre si. A tais usos definem áreas, como o centro da cidade, local de concentração de atividades comerciais, de serviços e de gestão, áreas industriais, áreas residenciais distintas em termos de forma e encontro social, de lazer e, entre outras, aquelas de reserva para futura expansão. Este complexo conjunto de usos da terra é, em realidade, a organização espacial da cidade ou, simplesmente, o espaço urbano, que aparece assim como espaço fragmentado.

Nesse espaço urbano fragmentado, os espaços habitados pela elite

identificam-se pelo consumo de bens e serviços, assim como uma infra-estrutura de

alta qualidade e de técnica, que são financiados pelos governos. Porém, nos espaços

periféricos predomina a pobreza e sua dinâmica para reduzir os efeitos devastadores

do desemprego (principalmente o comércio informal) e das necessidades imediatas de

habitação.

O mercado imobiliário não atinge como deveria a população pobre. Essa

população cria suas próprias técnicas de autoconstrução que não atende às

exigências mínimas de uma habitação normal. Grande parte dessas habitações em

áreas inadequadas para a vida social, porém, mostram-se como a única saída para a

questão da moradia. Esses espaços ocupados espontaneamente pela população não

inserida no mercado imobiliário tornam-se essenciais para a precariedade da vida, pois

os serviços urbanos não chegam como deveriam chegar.

A trajetória tomada pelas políticas de desenvolvimento urbano, sobretudo

nas grandes aglomerações, tem acentuado o processo de segregação sócio-espacial e

fragmentação do tecido sociopolítico das metrópoles. Áreas ricas e pobres têm se

fechado e se isolado, cada vez mais, no interior das cidades. De lugares de integração

de distintas formas culturais e diversos grupos migratórios, a cidade se fragmentou

numa infinidade de minúsculos territórios submetidos à lógica do mercado e à

síndrome do medo e da insegurança. Os delitos multiplicam-se proporcionalmente ao

isolamento e à fragmentação e sendo assim favorecem a atuação do tráfico de drogas.

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Esses espaços representam a cidade ilegal e porque não também dizer,

cidade marginal com extrema concentração da pobreza e da marginalidade que nesse

contexto se apresenta como opção para os excluídos dos benefícios da cidade

moderna produzida pelo grande capital e assim as desigualdades surgidas no espaço

urbano de uma grande cidade, nada mais são do que expressões urbanas da

acumulação desigual da sociedade capitalista. Assim, novas formas e novos

conteúdos são formados a todo instante, onde espaços de segregação socioespacial

se apresentam na dinâmica do espaço urbano e referem-se à reprodução social do/no

espaço.

3.2 DA SEGREGAÇÃO À EXCLUSÃO SOCIAL DO/NO ESPAÇO URBANO

Com já foi analisado anteriormente, a transição do modelo agrário-

exportador para o modelo urbano-industrial, não representou de fato melhores

condições de vida para a população urbana, tanto dos imigrantes do campo quanto

dos que já habitavam as cidades. Sendo assim, as Cidades brasileiras, principalmente

as metrópoles passaram por intensa transformação no seu espaço urbano, com a

intensificação das atividades informais e a expansão das áreas de ocupações

espontâneas e com isso ao aumento constante da exclusão social.

Na realidade, as oportunidades que de fato surgiram nas primeiras décadas

do século XX para a população que se deslocou para a cidade como; inserção

econômica e melhoria da qualidade de vida foram eliminadas resultando em uma forte

exclusão social que tem sua expressão mais visível na segregação socioespacial,

configurando áreas de bolsões de pobreza e miséria, difundidos no ambiente urbano,

como os “guetos”, as favelas e as periferias presentes em nossas cidades.

Para Maricato (2000, p.30), concentração territorial homogeneamente pobre

(ou segregação espacial), ociosidade e ausência de atividades culturais e esportivas,

falta de regulação social e ambiental, precariedade urbanística, mobilidade restrita ao

bairro, e, além dessas características todas, o desemprego crescente que, entre outras

conseqüências, tende a desorganizar núcleos familiares e enfraquecer a autoridade

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dos pais: essa é a formula das bombas socioecológicas. É impossível dissociar o

território das condições socioeconômicas e da violência.

A segregação socioespacial é uma das expressões mais visíveis da

exclusão social, pois dificulta o acesso com qualidade aos serviços urbanos de infra-

estrutura, já que a população segregada em grande parte utiliza um transporte urbano

precário, um serviço de saneamento básico deficiente, um precário abastecimento de

água, difícil de acesso aos serviços de educação, saúde, habitação e maior exposição

para enchentes e desmoronamentos.

Além disso, a população segregada em grande parte tem menores

oportunidades de emprego formal, de profissionalização, sofre maior exposição à

violência urbana, discriminação social ou racial. Portanto, esses elementos citados

dificultam o acesso à justiça social e cidadania plena. Em resumo, o acelerado

processo de urbanização brasileira criou em nosso espaço urbano uma forte exclusão

social característica de nossas metrópoles, exclusão social acompanhada por

desigualdades sociais.

Para Castells (1996, p.98):

Exclusão social é o processo pelo qual determinado grupos e indivíduos são sistematicamente impedidos de acesso a posições que lhes permitiriam uma existência autônoma dentro dos padrões sociais determinados por instituições e valores inseridos em um dado contexto. Em circunstâncias normais, no capitalismo informacional, tal posição em geral está associada à possibilidade de acesso ao trabalho remunerado e com relativa regularidade a, pelo menos, um membro de um lar estável. A exclusão social é, de fato, o processo que priva alguém do direito ao trabalho no contexto do capitalismo.

O tema da exclusão social não é passível de mensuração, porém, pode ser

caracterizada por indicadores como a informalidade, a irregularidade, a ilegalidade, a

pobreza, a baixa escolaridade, o desemprego, a raça, o sexo, a origem e,

principalmente, a inexistência de cidadania. Porém, é um processo e não uma

condição, como ressalta Castells (1996, p.98-99):

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A exclusão social é um processo, não uma condição. Desse modo, seus limites mantêm-se sempre móveis, e os excluídos e incluídos podem se revezar no processo ao longo do tempo, dependendo de seu grau de escolaridade, características demográficas, preconceitos sociais, práticas empresariais e políticas governamentais. Além disso, embora a falta de trabalho regular como fonte de renda seja, em última análise, o principal mecanismo em termos de exclusão social, as formas e os motivos pelos quais indivíduos e grupos são expostos a dificuldades/impossibilidades estruturais de prover o próprio sustento seguem trajetórias totalmente diversas, porém todas elas correm em direção à indigência [...]. Ou ainda, simplesmente, analfabetismo funcional, ilegalidade, falta de dinheiro para aluguel, o que acaba transformando o indivíduo em um sem-teto, ou puro azar com um chefe ou policial, desencadeando uma série de eventos que atira a pessoa (e, muitas vezes, sua família) à margem da sociedade, habitada por farrapos humanos.

Além disso, o processo de exclusão social tem a capacidade de atingir tanto

pessoas quanto territórios, regiões e lugares. De forma que, sob algumas condições,

países, regiões, cidades e bairros inteiros são excluídos dos benefícios da acumulação

de capital gerada pelo modo de produção capitalista, excluindo a maioria ou a

totalidade de suas populações. Assim sendo, a cidade do capitalismo exclui e inclui

pessoas, cria e recria espaços sócio-espacialmente segregados.

O tema da exclusão social é um dos temas mais discutidos no mundo na

atualidade, entretanto, a pobreza passou a ser uma preocupação global e tema das

agendas de debate das nações unidas que discutem propostas para diminuir a

pobreza no mundo através de um modelo de desenvolvimento econômico que gere

equidade social, sustentabilidade urbana e ambiental. Nesse sentido, as preocupações

estão voltadas para problemas como: migrações, crescimento do desemprego

estrutural inclusive nos países do desenvolvimento avançado, além de debates sobre

crescimento populacional, pobreza e meio ambiente. Dessa forma, discussões

relacionadas a estes fatos se tornaram palco de intensos conflitos envolvendo os

desenvolvimentistas de um lado e os ambientalistas de outro.

Tratando-se de uma escala nacional, a exclusão social se mostra bem mais

evidente nas regiões metropolitanas das grandes cidades brasileiras, principalmente

nos espaços rejeitados pelo mercado imobiliário privado e nas áreas públicas situadas

em regiões desvalorizadas, onde a população trabalhadora pobre vai se instalar, nas

encostas dos morros, terrenos sujeitos à enchente e áreas alagadas, regiões poluídas

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e outros tipos de riscos. Nesses espaços, a população pobre que aí se reproduz tem

uma precária infra-estrutura de serviços urbanos e sofre com a pouca participação do

Estado, no que diz respeito à melhoria da qualidade de vida, através da resolução

desses problemas.

3.3 DA FAVELIZAÇÃO À “TERRITORIALIZAÇÃO PRECÁRIA”

A problemática urbana brasileira tem como uma de suas características o

intenso processo de favelização no espaço urbano interno de nossas metrópoles. Esse

processo traz à tona, outros problemas como informalidade crescente, criminalidade e

violência urbana e aumento excessivo do tráfico de drogas que se apropria dessas

favelas e cria territórios controlados a partir de seus interesses, formando-se uma

espécie de poder paralelo.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o

conceito de favela está associado a um aglomerado de no mínimo cinqüenta casas

com infra-estrutura precária. As favelas representam áreas ocupadas por populações

pobres com habitações construídas com material de baixa qualidade, quase sempre

inacabadas, geralmente em áreas afastadas da área central ou se próximo do centro,

em áreas de risco como as encostas dos morros.

De maneira geral, pode-se definir uma favela como uma área ocupada

diretamente pela população de baixa renda, tradicionalmente apresentando precárias

condições de moradia, onde a ocupação não é respaldada pela propriedade jurídica da

terra urbana e sua origem e expansão dão-se da necessidade, por parte das classes

sociais mais abastardas, de solucionar problemas relacionados à questão da moradia.

A expansão das favelas está associada ao crescimento urbano, êxodo rural

e expulsão da população pobre das áreas centrais das grandes cidades, o que leva

grande parte da população ao deslocamento para outras áreas da cidade. Na verdade,

a cidade produzida pelo capital, empurra a população pobre para as margens do

desenvolvimento, aumentando as contradições sociais e espaciais que são

visualizadas na produção do espaço urbano.

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[...] é na produção das favelas, em terrenos públicos ou privados invadidos, que os grupos sociais excluídos tornam-se efetivamente agentes modeladores, produzindo seu próprio espaço, na maioria dos casos independente e a despeito dos outros agentes. A produção deste espaço é, antes de mais nada, uma forma de resistência e, ao mesmo tempo, uma estratégia de sobrevivência. Resistência e sobrevivência às adversidades impostas aos grupos sociais recém expulsos do campo ou provenientes de áreas urbanas submetidas às operações de renovação, que lutam pelo direito à cidade. [...] (CORRÊA, 1983, p. 30).

Os grupos dominantes, historicamente, produziram o inusitado: a

“estigmatição do espaço” apropriado pelas classes trabalhadoras. Em outras palavras,

o favelado é considerado classe perigosa atualmente por representar o diferente, o

outro, no que se refere à ocupação do espaço urbano. Obviamente, a cor continua a

ser um dos elementos fundamentais, mas a favela esconde parte dessa diferença.

(CAMPOS, 2005, p. 63)

Trata-se de um processo pelo qual a urbanização do capitalismo excludente

empurra os pobres e miseráveis para uma condição subalterna, aumentando as

mazelas sociais e os conflitos de interesses divergentes na produção da cidade. Sendo

assim, a população favelada sofre todos os tipos de preconceitos e discriminação, o

que torna o ambiente das favelas favorável para atuação de grupos ligados ao

narcotráfico.

Nesse contexto de desorganização sócio-espacial no interior das metrópoles

brasileiras, verifica-se nas últimas décadas a expansão do fenômeno da favelização

que é acompanhada pelo aumento da violência urbana e da economia informal. Assim,

podemos atribuir a expansão das favelas ao alto grau de concentração de renda no

país, que de certa forma contribui para reprodução de uma sociedade desigual.

E com isso, o morador da favela passa a ser associado ao criminoso,

marginal ou desocupado, o que não é verdade, pois se trata de uma estratégia de

moradia que está relacionada ao direito à cidadania que muitas vezes é esquecido ou

negado pelo poder público e pelos agentes imobiliários. Sendo assim, a produção do

espaço urbano está associada a interesses de vários atores, onde cada um tem sua

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forma particular de apropriação e reprodução do espaço, de acordo com suas

necessidades e interesses.

O processo de expansão das favelas esteve sempre associado à questão

habitacional (a produção de moradias muito abaixo da demanda da população por este

bem) e, em geral, acusam-se os moradores das favelas de “incapacitados” a adaptar-

se à dinâmica do capitalismo. Entretanto, para o favelado, excluído do mercado formal

de trabalho há muito tempo, morar em favela representa não apenas uma questão

habitacional e sim uma alternativa de moradia dotada de característica altamente

vantajosa: está fora dos padrões institucionais e dentro das possibilidades concretas

de cada favelado (VALADARES, 1980, p. 31).

É mais comum associar a formação e expansão das favelas a fatores

socioeconômicos, porém esse processo também pode estar associado a fatores de

natureza intra-urbana. Num primeiro momento, a origem das favelas esteve associada

à desestabilização das condições de subsistência da classe trabalhadora, tanto na

cidade como no campo (NASCIMENTO; MATIAS, 2007), elementos como a

“expropriação dos pequenos proprietários rurais e da superexploração da força de

trabalho no campo, que conduz a sucessivas migrações rural-urbana e também

urbana-urbana, principalmente de pequenas e médias para as grandes cidades.”

(RODRIGUES, 1988).

O processo de empobrecimento de uma grande parte da população devido

ao modelo de acumulação adotado no Brasil, a estagnação dos salários que impede o

assalariado de morar em uma área central, onde o custo de vida é maior ou o aluguel

é mais caro, também de certa forma contribui e exerce influência direta para que as

favelas se formem e se reproduzam nas cidades.

A isso se podem somar ainda fatores mais gerais, como os efeitos recentes

das políticas ditas “neoliberais”, que desestabilizaram as relações de trabalho e

redirecionaram os gastos públicos, reduzindo os investimentos em políticas sociais

(SINGER, 1999). O efeito dessas condicionantes é uma queda generalizada na

capacidade do poder aquisitivo das famílias para adquirir ou mesmo alugar imóveis

(RODRIGUES, 1988).

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Um outro fator de destaque para a emergência de áreas faveladas se refere

à luta pela apropriação da terra na cidade. A importância adquirida pela terra urbana

enquanto condição essencial para a realização de qualquer atividade, aliada às suas

propriedades intrínsecas (sobretudo amenidades físicas), confere a ela um

determinado preço a ser pago pelos indivíduos desprovidos do direito de propriedade

(CARLOS, 2001).

A terra urbana passa a ser palco de disputa de diversos grupos sociais para

dela fazer o melhor e/ou mais rentável uso possível. Contudo, segundo Singer (1982),

essa disputa é pautada “pelas regras do jogo capitalista, que se fundamenta na

propriedade privada do solo, a qual – por isso e só por isso – proporciona renda e, em

conseqüência, é assemelhada ao capital”.

Desse modo, algumas áreas podem ser adquiridas somente pelos grupos

sociais de maior poder aquisitivo, de modo que as pessoas que não podem pagar pela

posse da terra ou pelo aluguel de uma casa, resta uma única alternativa para a

construção de sua moradia: a “invasão” de áreas desocupadas, como é o caso das

favelas (CARLOS, 2001).

Como regra geral, as favelas são sempre construídas em áreas

desvalorizadas e rejeitadas pelo mercado imobiliário, sendo que a ocupação desses

locais para habitação acarreta vários transtornos aos moradores, comprometendo a

qualidade de vida da população que fica sujeita a contrair vários tipos de doenças em

razão das más condições sanitárias, bem como a problemas como enchentes e

escorregamento de encostas, os quais ameaçam a sua integridade física e levam a

uma precariedade da vida.

Como já mencionado, para muitas famílias pobres ocupar as favelas

significa uma possibilidade de sobrevivência e de acesso à terra urbana na cidade.

Portanto, a produção do espaço urbano nas metrópoles corresponde à forma de

apropriação e consumo da terra pelos diferentes agentes que fazem parte como diz

Soja, dessa dialética sócio-espacial. As áreas de ocupação espontâneas que

caracterizam as favelas no Brasil urbano sobrevivem em clima de instabilidade social,

dada às problemáticas relacionadas à infra-estrutura urbana e ao forte preconceito que

a sua população sofre em relação à violência urbana que se reproduz nestes espaços.

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Reflexos de uma urbanização cheia de contradições na produção do espaço,

pois a população pobre, miserável e pouco inserida no circuito legal da economia

encontra em áreas inadequadas formas de construção de moradias para a habitação,

passando a (sobre) viver em verdadeiros amontoados de pessoas que resistem e

insistem em morar na cidade, mesmo que para isso seja preciso habitar numa área de

risco. Mas, contudo, são pessoas que sem opção no mercado imobiliário encontram

saída com essa estratégia de moradia.

É partir da formação desses aglomerados urbanos favelados que o tráfico de

drogas encontra uma área apropriada para sua territorialização, ou seja, a economia

do narcotráfico se apresenta como uma opção de inserção econômica. Configurando

sobre essa população, Haesbaert (1996) chamou de “territorialidade precária”.

Esses espaços são importantes para a expansão do crime e da violência

urbana, pois a precariedade das relações de trabalho existente perante a sociedade

permite que a população perceba uma possibilidade de lucros mais vantajosa com a

venda da droga e a reprodução dos efeitos desorganizadores da sociedade.

O tráfico de drogas cria um clima social e uma cultura que diminuem

enormemente a eficácia normativa necessária às práticas e às relações de

solidariedade, incidente especialmente nos jovens moradores dos bairros populares.

Aqueles que são recrutados e aproveitados pelos traficantes e que passam, em pouco

tempo, a adquirir massivos recursos, sejam eles armas, dinheiro ou droga para o

consumo. Nesses termos podemos falar que a pobreza urbana é benéfica para a

expansão do tráfico de drogas.

Então, a “territorialidade precária” do tráfico de drogas é um dos muitos

problemas que as metrópoles brasileiras enfrentam como contradições na produção do

espaço, pois na medida em que o indivíduo se sente excluído, ele tem grande chance

de abraçar o mundo do crime, já que ao se sentir desterritorializado, o crime apresenta

a ele uma oportunidade de se territorializar.

[...] O traço mais impressionante da favelização, da década passada para cá, fica por conta, porém, da territorialização de favelas por parte do tráfico de drogas. É bem verdade que os espaços socialmente segregados que oferecem suporte logístico para as quadrilhas que operam no varejo nas diversas metrópoles não se restringem às favelas [...]

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[...] no Rio de Janeiro não deve ser esquecida uma participação, ainda que muito secundária, de conjuntos habitacionais e loteamento; já em São Paulo os loteamentos clandestinos das áreas periféricas claramente dividem com as favelas o papel de espaços segregados amiúde utilizados por traficantes de drogas, sem contar os cortiços da área central obsolescente do comércio e consumo de crack. [...] [...] Além disso, [...] o destaque conferido pela mídia aos espaços segregados, notadamente favelas, enquanto lócus do tráfico de varejo deixa na sombra os varejistas não-baseados em favelas e outros espaços residenciais pobres; usuários-revendedores e traficantes trabalhando com a distribuição de varejo operam a partir dos mais diferentes pontos da “cidade legal”, como restaurantes, boates, instituições de ensino, apartamentos de classe média. No entanto, as favelas são, dentre todos os espaços segregados, os palcos preferenciais da territorialização protagonizada por traficantes de varejo, inexistente em bairros de classe média (SOUZA, 2005, p. 94-193).

Assim sendo, a expansão das favelas no Brasil urbano, que esteve

associada ao fenômeno da urbanização da sociedade e do território, hoje pode ser

também relacionada aos enclaves territoriais do tráfico de drogas e a “territorialidade

precária” que os agentes ligados a essa atividade impõem nas áreas de dominação

imposta por eles, configurando toda uma cadeia de relações que funcionam em função

da pobreza urbana e da pouca participação do Estado.

Assim, as áreas faveladas do Brasil, como um todo, representam problemas

crônicos a serem resolvidos e que devem receber uma atenção especial do poder

público que tem de assumir as responsabilidades na procura de soluções para o déficit

habitacional brasileiro e a partir daí criar programas de inclusão social, o que poderia

inibir a ação do tráfico. A contribuição da geografia urbana está na análise da

dimensão espacial e territorial do problema.

3.4 DISCUTINDO O CONCEITO DE TERRITÓRIO

A geografia é uma ciência que se preocupa em explicar a sociedade através

da sua relação com o espaço geográfico, um espaço que é produto da transformação

da relação entre homem e a natureza. A ciência geográfica, assim como outras

ciências, apresenta várias categorias de análise e dentre suas principais, podemos

destacar o espaço, o lugar, a paisagem, a região e o território.

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Neste estudo, a categoria território é nosso foco de análise principal, pois

dentro do espaço intra-urbano das principais metrópoles brasileiras, temos a

configuração de vários territórios que são criados por diversos agentes que constituem

a cidade. E para tanto, é importante perceber as relações de poder que garantem

esses territórios principalmente ligados ao tráfico de drogas que constitui um fator de

grande complexidade, essencial para o entendimento da “questão urbana” em várias

cidades brasileiras.

Tem-se que o território foi amplamente discutido por diversos autores. Na

verdade, sua teorização na geografia política vem desde o final do século XIX na obra

de Friederich Ratzel. Este teórico relacionava sua análise de acordo com os interesses

do Estado, o que para Raffesttin (1993, p. 15) “isso se explica pelo próprio contexto

histórico de Ratzel. Na época, a Alemanha do século XIX estava atrelada ao contexto

Hegeliano, ou seja, Ratzel racionaliza o Estado dá ao Estado sua significação

espacial”, teoriza-o “geograficamente”. Para Machado (1992), as associações

estabelecidas entre os estudos realizados por ratzelianos e as políticas ideológicas

expansionistas, assim como a forte influência naturalista que predominava em seus

trabalhos, levaram a marginalização da temática territorial nas discussões acadêmicas

e limitaram-na à esfera das estratégias geopolíticas dos Estados maiores. Em virtude

das transformações históricas que se manifestaram, a partir dos anos 60, em que as

análises das relações de poder no espaço chamavam atenção, o conceito de território

reapareceu na geografia crítica e a partir daí surgiram análises diversas sobre o seu

conceito, não apenas ligados à ação do Estado.

Na abordagem feita por Raffestin (1993) o conceito de espaço é anterior ao de

território. Para este autor o espaço e o território não são termos equivalentes.

O território é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintomático em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço concreto ou abstratamente, o ator ‘territorializa’ o espaço.[...] [...] O território é um espaço onde se projetou um trabalho, seja, energia e informação e que por conseqüência revela relações marcadas pelo poder. (RAFFESTIN, 1993, p. 143-144).

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Para Raffestin (1993), o território seria um espaço construído pelo ator, que

comunica suas intenções e a realidade material por intermédio de um sistema

semântico. Destaca que do Estado ao indivíduo, passando por todas as organizações

pequenas ou grandes, encontram-se atores sintagmáticos que produzem o território. E

que toda prática espacial, mesmo embrionária, induzida por um sistema de ações ou

de comportamento, se traduz por uma “produção territorial” que em sistemas de

tessituras, de nós e de redes organizadas hierarquicamente, permite assegurar o

controle sobre aquilo que pode ser distribuído, alocado e/ou possuído, permitindo,

dessa maneira, realizar a integração e a coesão dos territórios.

No caso dos territórios urbanos construídos na cidade, a exemplo dos

territórios do tráfico de drogas, das prostitutas, do jogo do bicho etc., existem conflitos

entre facções que se rivalizam pelo propósito da ampliação do espaço de atuação, o

que leva a vários conflitos nas favelas, o que podemos chamar de “guerras urbanas”

envolvendo territórios urbanos que são configurados por agentes com interesses

convergentes ou divergentes de acordo com a possibilidade de lucro.

A conformação da batalha do terreno é de grande importância nas batalhas. Assim sendo, apreciar a situação do inimigo, calcular as distâncias e o grau de dificuldades do terreno, quanto à forma de se poder controlar a vitória, são virtudes do general de categoria. Quem combate com inteiro conhecimento destes fatores vence, de certeza que o não faz é certamente derrotado (SUN TZU apud SOUZA, 1995, p.77).

Na obra citada acima, Sun Tzu, em Arte da Guerra, demonstra sua

preocupação em conhecer justamente o território, para, a partir desse conhecimento,

conseguir seus objetivos, no seu caso, o de vencer o oponente. No entanto, como já

foi dito, o território pode ser fruto de diversos outros interesses.

Contemporaneamente, discute-se o conceito de território não apenas ligado

à ação do Estado. Tem-se levado em consideração outros ramos da geografia como,

por exemplo, a geografia humanística, na qual este conceito associa-se ao lugar, de

região e de espaço vivido.

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Haesbaert (1996) ao conceituar território cita que há duas tradições no

conceito, uma já ultrapassada, a que privilegia a dimensão natural/biológica, e outra,

que prioriza as relações de poder na condição política do território. Apresenta também

uma terceira vertente, que hoje é imprescindível trabalhar com o território numa

interação entre múltiplas dimensões sociais, pois, assim como Souza (1995) vê o

território como um “espaço definido e delimitado por e partir de relações de poder”.

Esclarece que a questão primordial em seu trabalho não é apresentar quais são as

características geoecológicas e os recursos naturais de certa área, o que se produz ou

quem produz em um dado espaço, ou ainda quais as ligações efetivas e de identidade

entre um grupo social e o seu espaço. Afirma que territórios existem e são construídos

(e desconstruídos) dentro de escalas temporais das mais diferentes e que podem ter

um caráter permanente, mas também podem ter uma existência periódica ou cíclica.

Segue sua análise sobre o território, recordando de que maneira o termo surge na

tradicional geografia política quando o mesmo sempre foi associado, no âmbito de um

discurso evidentemente ideológico (referencial político do Estado).

Expõe que a noção de território presente no discurso científico confundia-se

frequentemente e continua a confundir-se com uma percepção rígida. Mas dentre

várias disciplinas, a antropologia e particularmente a antropologia urbana e seus

territórios têm trazido importantes contribuições para a ampliação dos horizontes

conceituais e teóricos. Porém esta disciplina ainda tem dificuldades para alcançar uma

interpretação “estratégica” dos problemas de sociedades complexas. Aborda também

outras contribuições de autores como Guattari (1985).

Paralelamente ao enquadramento do território na perspectiva geográfica, faz

a análise da territorialidade ligada a essa perspectiva territorial da geografia. Assim,

explica que a territorialidade existente no passado estava ligada à escala do território

nacional, que era a territorialidade do Estado-Nação naturalizada.

Acrescenta-se que a outra forma de abordar a temática da territorialidade

pressupõe não propriamente um deslocamento entre as dimensões política e cultural

da sociedade, mas uma flexibilização da visão do que seja o território. Onde o território

representa um campo de força ou uma teia ou rede de relações sociais, que a par de

sua complexidade interna, define, ao mesmo tempo, um limite, uma alteridade.

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Exemplos de territorialidades flexíveis existentes nas grandes metrópoles

modernas são os territórios da prostituição feminina ou masculina que se concentram

nas áreas de obsolescência ou “espaços deteriorados”. Demonstra o caráter cíclico

desse tipo de territorialização e cria uma identidade territorial apenas relativa, mais

funcional que efetiva, pois seus limites territoriais são instáveis (devido à mobilidade

existente).

Souza (1995) explica que não apenas o que existe, quase sempre é uma

superposição de diversos territórios com formas e limites não coincidente, como ainda

por cima, podem existir contradições entre as diversas territorialidades por conta dos

atritos e contradições existentes entre os respectivos poderes.

Souza (1995) concorda com Raffestin (1993) no sentido de que o espaço é

anterior ao território, mas critica o autor, uma vez que este “coisifica” o território, além

de que ele praticamente reduz o espaço ao espaço natural. Finaliza a primeira seção

com uma discussão sobre o significado da palavra territorialidade, que seria um tipo de

interação entre homem e espaço, a qual é, aliás, sempre uma interação entre seres

humanos mediatizada pelo espaço.

O referido autor concorda com a análise de Raffestin (1993, p.96) em que o

espaço é anterior ao território e acentua que é inconcebível que um espaço que tenha

sido alvo de valorização pelo trabalho possa deixar de estar territorializado por alguém,

assim como o poder é onipresente nas relações sociais. “O território está, outrossim,

presente em toda espacialidade social”.

Critica também o fato de ele não romper com a velha identificação do

território. Apesar de pretender desenvolver uma abordagem relacional por inteiro e

sintetiza afirmando que Raffestin “não discemiu que o território não é substrato, o

espaço social em si, mas sim um campo de forças” (SOUZA, 1995, p.97).

Souza (1995) finaliza a primeira seção com uma discussão sobre o

significado da palavra territorialidade, citando que vários autores a vêem como algo

parecido com o comportamento espaço-territorial de um grupo social, além de levar em

consideração as tendências mais recentes que apontam para um tipo de relação

material ou cognitiva homem/meio, natureza/sociedade, amplo conceito lefebreviano

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de produção do espaço e também aquelas ligadas a noções como identidade regional

e regionalismo.

Expressa que a territorialidade seria como algo abstrato, no singular,

remeteria a algo abstrato: aquilo que faz de qualquer território um território e as

territorialidades no plural significam os tipos iguais em que podem ser classificados os

territórios conforme suas próprias dinâmicas. E conclui que ao falar de territorialidade,

refere-se a um certo tipo de interação entre homem e espaço, a qual é sempre uma

interação entre seres humanos mediatizada pelo espaço.

Já para Raffestin (1993) a “territorialidade reflete a multidimensionalidade do

vivido pelos membros de uma coletividade, pela sociedade em geral. Pode ser definida

como um conjunto de relações sociedade-espaço-tempo”. Diz que a análise da

territorialidade só é possível pela apreensão das relações reais recolocadas no seu

contexto sociohistórico e espaço-temporal.

“Entendidos como mediação entre a relação dos agentes e o espaço, os

territórios configurados no interior do espaço urbano registram ações que o controlam,

garantindo a espacialidade dos interesses de um ou vários agentes” (TRINDADE JR,

1998, p. 34). Segundo Souza (1998, p. 97):

Mais que espaços concretos, que são, na verdade substratos materiais das territorialidades, os territórios são, antes, relações sociais projetadas no espaço, configurando-se como espaços definidos e delimitados por relações de poder, ou em outros termos, como relações de poder espacialmente delimitadas que operam sobre um substrato referencial.

Nesse sentido, a territorialidade poder ser entendida como uma base de

poder de um determinado grupo ou agente sobre determinada área, que pode ser

entendida como “estratégia espacial” de controle dos recursos e das pessoas, pelo

controle da área e assim o tráfico de drogas, seja ele nas favelas ou nas periferias das

metrópoles, utiliza estratégias para a sua territorialização onde várias concepções do

conceito de território podem ser abordadas nessa análise.

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3.5 DA POBREZA PERIFÉRICA À “INTEGRAÇÃO PERVERSA” DO CRIME

A expansão urbana dada pelo crescimento vertical das cidades trouxe

consigo o fenômeno da periferização, ou seja, a ocupação urbana passou a ocorrer em

áreas distantes do centro, sendo que essas áreas são ocupadas por populações

pobres e passam por grandes problemas de infra-estrutura e serviços, comprometendo

a qualidade de vida de sua população.

É na produção da favela, em terrenos públicos ou privados invadidos, que os

grupos sociais excluídos tornam-se efetivamente, agentes modeladores, produzindo

seu próprio espaço. Na maioria dos casos independentemente e a despeito dos outros

agentes. A produção desses é, antes de mais nada, uma forma de resistência e ao

mesmo tempo uma estratégia de sobrevivência. Resistência e sobrevivência às

adversidades impostas aos grupos sociais recém expulsos do campo ou provenientes

de áreas urbanas submetidas às operações de renovação, que lutam pelo direito à

cidade (CORRÊA, 1993, p.31).

Nesse sentido:

A população pobre está em toda a parte nas grandes cidades. Habita cortiços e casas de cômodos, apropria-se das zonas deterioradas e subsiste como enclaves nos interstícios dos bairros mais ricos. Mas há um lugar onde se concentra um espaço que lhe é próprio e onde se constitui a expressão mais clara de seu modo de vida, é a chamada periferia. A chamada ‘periferia’ é formada pelos bairros mais distantes, mais pobres, menos serviços por transportes e serviços públicos (DURHAM, 1988, P. 178).

Esse cenário do espaço urbano está expandindo-se através das periferias e

pode ser justificado pelo processo de migração campo-cidade, ou seja, pelo êxodo

rural e pelo processo de encarecimento de imóveis próximos à área central.

Complementando-se com a questão do déficit habitacional e o crescente desemprego,

a população pobre tende a ocupar as áreas mais distastes onde os terrenos e as casa

são de um valor accessível que pode ser pago por essa população.

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A noção de periferia refere-se a um lugar longe, afastado de algum ponto central. Todavia, esse entendimento meramente geométrico não representa a verdadeira relação entre o centro e a periferia das cidades. Neste caso, os afastamentos não são quantificáveis apenas pelas distancias físicas que há entre os dois, mas, sim revelados pelas condições sociais de vida que evidenciam nítida desigualdade entre os moradores dessas regiões da cidade (MOURA; ULTRAMARI, 1996 p. 10).

Torna-se essencial, portanto, perceber que mesmo os bairros próximos ao

centro, mas que concentram uma população pobre vivendo em um bairro onde existe

precariedade de serviços urbanos, também podem ser reconhecidos como bairros

periféricos. “Socialmente as periferias implicam, também, à deterioração progressiva

da cidade e da vida urbana como um todo. Crescendo continuamente, elevam as

demandas nas áreas centrais, onde buscam os serviços que aí existem “(MOURA;

ULTRAMARI, 1996, p. 11).

Na verdade, o crescimento caótico desordenado forma um cenário caótico

que se constitui e se adensa aos poucos, servindo-se de regulamentos de urbanização

ora flexíveis, ora alternativos, ora descumpridos (MOURA; ULTRAMARI, 1996, p. 12).

Assim, o que nós temos como uma desorganização aparente devido à

espontaneidade do traçado das periferias, na verdade, é determinada pela lógica de

apropriação e reprodução do espaço urbano, com grande ajuda do mercado imobiliário

que, de certa forma, contribui para isso quando dificulta o acesso do pobre ao mercado

imobiliário. Desorganizadas e caóticas, as periferias são verdadeiras “terras de

ninguém”. Desassistidas, recriam os efeitos de uma grave crise social, caracterizada

por marginalização e repressão, provocando reflexos de instabilidade e medo (p. 39).

Para Souza (2005, p.192, grifo do autor):

As metrópoles configuram-se no Brasil de hoje, ainda como lugares da riqueza, riqueza essa que, em parte, se desconcentra e se interioriza (Conquanto a centralização da gestão permaneça); entretanto, com a desconcentração de atividades e a fuga seletiva de agentes econômicos (migrações de profissionais altamente qualificados), a metrópole é, também, cada vez mais, um lócus da pobreza e da miséria, assim como, por tabela de insegurança e da violência.

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Portanto, as periferias e as favelas tornam-se funcionais para a atuação do

tráfico de drogas e outros tipos de criminalidade, onde se busca, de todas as formas, a

explicação para os fatores determinantes do aumento da violência urbana nas

metrópoles brasileiras. Por exemplo, da produção da droga à sua venda, os traficantes

precisam de um grande número de mão de obra para trabalhar.

Alem disso, é preciso garantir os pontos de venda da droga e lidar com os

grupos rivais devido à concorrência. Diante de um contexto social onde existe um

grande exército de reserva de desempregados ou subempregados, o tráfico age de

forma sutil e eficaz, mostrando-se como fuga para os problemas financeiros.

Velho (1996, p.18) destaca que: Nas favelas, na periferia dos grandes centros urbanos e nos conjuntos habitacionais multiplicam-se quadrilhas, compostas predominantemente por jovens, que passaram a exercer, em muitos casos, um controle efetivo sobre áreas da cidade. Através do tráfico, passaram a ter acesso a armas de todos os tipos, com as quais exercem seu poder e travam verdadeiras guerras com seus competidores.

O crescimento da violência urbana e do crime organizado não ocorre apenas

devido ao altíssimo lucro das drogas. O lócus social propício para a expansão do crime

reúne elementos que incluem o crescimento acelerado e desordenado dos centros

urbanos, a precarização dos serviços públicos (incluindo a segurança pública), a

degradação ambiental, a degradação do sistema penitenciário e a morosidade da

justiça brasileira.

Esses elementos estão relacionados à imensa desigualdade social de nosso

país, com uma grande massa de miseráveis que assolam as periferias e favelas das

cidades, mergulhados no desemprego, sem perspectivas de melhores condições de

vida.

A concentração da pobreza nas periferias das metrópoles e a falta de infra-

estrutura urbana explicam por que o tráfico de drogas encontra mão de obra nesses

locais sem encontrar grandes dificuldades para a sua atuação. A partir da década de

1970, as regiões periféricas se expandiram praticamente sem nenhum tipo de

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regulação do poder público, deixando, em muitos casos, que a criminalidade

assumisse a função reguladora desses espaços, ou seja, um papel que deveria ser

assumido pelo Estado.

Além disso, essa população encontra dificuldade para se inserir no mercado

de trabalho e ascender socialmente. De acordo com IBGE (2000), a situação é ainda

pior referindo-se a população jovem, “onde a taxa de desemprego ‘de 16% na faixa

etária de 18 aos 24 anos’ chega quase ao dobro da média nacional que é de 8,9%”.

Para muitos desses jovens, a chance de sobrevivência surge na “economia do crime” o

que Castells (1996) chamou de ‘integração perversa’:

O processo de exclusão social e a insuficiência de políticas de integração social levam a um processo fundamental que caracteriza certas formas especificas de relações de produção no capitalismo informacional: chamo-o de integração perversa, refe-se às formas de trabalho praticadas na economia do crime. Entretanto por economia do crime atividades geradoras de lucro, segundo as normas vigentes, são tratadas como crime, estando sujeitas às sanções legais cabíveis em um determinado contexto institucional. Não a qualquer julgamento de valor imbuído nessa rotulação, não porque eu aprove o tráfico de drogas, mais sim por não concordar com uma série de atividades tidas como respeitáveis, do ponto de vista institucional, que causam estragos enormes nas vidas das pessoas. [...] (CASTELLS, 1996, p. 99).

A “integração perversa” do crime tem como resultado, a transformação das

regiões marginalizadas em epicentros da violência urbana como vem ocorrendo em

São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Belém, onde as regiões periféricas estão à

disposição do crime o que, de certa forma, dificulta a atuação do poder publico, pois a

criminalidade criou suas raízes nessas áreas, a população direta ou indiretamente está

inserida no “circuito do medo” que a criminalidade proporciona.

A ausência de um sistema de reciprocidade, minimamente eficaz, se expressa em uma desigualdade associada e produtora de violência. A impossibilidade de acesso da grande maioria das camadas populares a bens e valores largamente publicizados, através da mídia e da cultura de massas em geral, acirra a tensão e o ódio sociais de massas em meios legítimos para realizar essas aspirações e fortalece o mundo do crime (VELHO, 1996, p. 19).

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Portanto, valores culturais de padrões de consumo que a mídia reproduz na

sociedade são também elementos que podem ser analisados para o estudo da

violência urbana, pois os assaltos à mão armada não são realizados apenas para o

consumo de droga, mas também para poderem usufruir de bens de consumo. Não se

trata de afirmar que a pobreza leva ao mundo do crime e sim de que o crime aproveita-

se da pobreza urbana para sua atuação.

3.6 A “TERRITORIALIZAÇÃO PERVERSA” DO CRIME NAS METRÓPOLES

A geografia preocupou-se durante muito tempo em estudar a espacialização

da violência, ou seja, identificar onde ocorreram as atividades criminosas e relacioná-

las às condições locais de ocorrência do fenômeno. Entretanto, essas condições locais

quase sempre são tidas como a causa para a ocorrência das mesmas, o que é um

grande erro por parte de alguns pesquisadores.

O espaço é uma categoria de análise da geografia, mas não de sua

exclusividade, pois é utilizado por vários ramos do conhecimento em diferentes

análises espaciais. O grande problema com a espacialização da violência está em não

se chegar às raízes que determinam a sua espacialização, pois apenas a repressão

não é suficiente para resolver esse problema. Partimos da análise da categoria

território, que também não é exclusiva da geografia, mas é uma de suas categorias de

análise. Importante para entender a territorialização da violência no espaço urbano das

metrópoles brasileiras, principalmente aquelas ligadas ao tráfico de drogas, seja nas

favelas ou periferias, através da lógica da “territorialização perversa” do crime, chamo

de “territorialização perversa” pelo fato de submeter à população a lógica da violência

urbana, através de forte controle e repressão pelos agentes ligados ao crime

organizado que passam a estabelecer regras que garantem o domínio sobre o território

e formam uma espécie de poder paralelo. Daí a importante contribuição da geografia

para a problemática.

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Entende-se por território:

[...] o espaço concreto em si ‘com seus atributos naturais e socialmente construídos’ que é apropriado, ocupado por um grupo social. A ocupação do território é vista como algo gerador de raízes e identidade. Um grupo não pode mais ser compreendido sem o seu território, no sentido de que a identidade sócio-cultural das pessoas estaria inarredavelmente ligada aos atributos do espaço concreto (natureza, patrimônio arquitetônico, paisagem) (SOUZA, 1995, p.84, grifo do autor).

As diferentes territorialidades urbanas que são formadas na cidade operam

de forma dinâmica na construção de identidades que ligam sua população aos

interesses do crime organizado. Nesse sentido, podemos falar de uma cultura das

favelas que é construída pelo tráfico ou jogo do bicho. As favelas são espaços

produzidos por grupos com pouca oportunidade no mercado imobiliário e, portanto,

com uma organização espacial que não obedece aos padrões normais e o resultado

disso é a forte discriminação e o preconceito que a população favelada recebe da

mídia e das classes mais privilegiadas. Sendo assim, o tráfico de drogas, ao

territorializar-se nessas áreas, promove a construção da cultura violenta das favelas

que são reproduzidas nos bailes funk e em outros tipos de manifestações.

Os espaços formam pontos de “fixação” da história de sua produção. Assim,

o espaço entendido como um sistema de objetos e um sistema de ações, articulados,

seria uma produção histórica. Segundo Santos (1996, p.50), “os elementos fixos,

fixados em cada lugar, permitem ações que modificam o próprio lugar, fluxos novos ou

renovados, que recriam as condições ambientais e as condições sociais, e redefinem

cada lugar”.

Ao se territorializar, a violência fixa no espaço aquelas condições inerentes

aos processos que lhes deram origem e assim, as realimenta. As sociedades, como

produtos de mudanças políticas e econômicas, tornam-se mais maleáveis às

transformações de ordem global do que os territórios construídos e suas infra-

estruturas. Estes não são tão facilmente reestruturados, modificados e moldáveis com

a mesma rapidez dos processos sociais: são mais permanentes pela própria inércia. E

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por essa inércia, interferem nos processos sociais, realimentando aqueles que lhe

deram origem.

Em muitos estudos de geógrafos brasileiros, a dimensão territorial da

violência urbana tem sido negligenciada e, com isso, as medidas de combate a ela,

pois a violência se espacializa nas metrópoles ao mesmo tempo em que cria territórios

para sua atuação. São no território que a pobreza, a exclusão social, a omissão do

Estado, a violência e as carências tornam-se mais visíveis, mais presentes e escapam

das mascaras que as abordagens setoriais lhes imprimem e minimizam.

Os trabalhos que investigam as várias abordagens teóricas sobre os

determinantes da criminalidade mostram em quase todos os tipos de abordagem, a

presença das variáveis socioespaciais relacionadas ao processo de urbanização

(pobreza, desigualdade, concentração de renda, desemprego, entre outras) bem como

taxa de urbanização, adensamento demográfico, presença de vilas, favelas e bairros

pobres na periferia das cidades.

Trabalhos empíricos interessantes têm sido realizados por autores como

Cerqueira e Lobão (2003), Abranches (1994) e Zaluar (1999), a partir da teoria da

desorganização social. Alguns autores encontram uma correlação positiva entre os

fatores espaçais e sociais da urbanização brasileira como as favelas, a pobreza, o

desemprego e a desigualdade social etc. Abranches (1994) procura avaliar o

macroambiente social para de fato encontrar as condições que, de certa forma,

determinam e estimulam o crescimento da violência e da criminalidade associado à

tensão urbana e às condições sociais da convivência metropolitana acarretada pela

desorganização da ordem publica.

Outro fato de fundamental importância observado por Cerqueira e Lobão

(2003), é que exatamente nos períodos em que foi observada uma tendência

crescente da taxa de homicídios, houve uma deterioração dos indicadores sociais

naqueles lugares com aumento do número de pobres e indigentes.

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Segundo Abranches (1994, p. 130):

As raízes da violência urbana possuem uma matriz multifatorial que abrange

duas dimensões diferentes – a social e a moral. Essas dimensões se manifestam no macro e no microambiente social e espacial. O plano macro é caracterizado pela institucionalidade vigente, pela ordem publica constituída, onde se realizam os processos gerais da urbanização brasileira. O microambiente é dado pela estrutura da convivência nas comunidades locais, e se realiza produzindo e consumindo um determinado espaço. No microambiente socioespacial se articulam as condições locais favoráveis à apropriação desses espaços pelas quadrilhas criminosas, têm-se então a formação do território da violência [...] [...] quando sua institucionalidade, isto é, as regras e normas de convivência definidas pela comunidade, é distorcida, por inúmeras razões, a ponto de eliminar a barreira moral e legal entre pessoas honestas e bandidos, ela se torna uma fonte independente de reprodução das condições sociais e pessoais para a droga, a violência e o crime.

Um estudo crítico da criminalidade e da violência não pode se ater à análise

de variáveis, investigando causas e conseqüências, sem questionar que novos fatos

levariam ao quadro atual da violência urbana, ou que novos processos teriam origem

na deterioração crescente das condições de existência social e material das

populações urbanas.

Em estudos sobre a urbanização brasileira, Santos (1993) chama a atenção

para o caráter excludente da nossa urbanização que produziu a cidade, especialmente

a grande cidade, como pólo de pobreza.

A cidade em si, como relação social e como materialidade, torna-se criadora de pobreza, tanto pelo modelo socioeconômico de que é o suporte como por sua estrutura física, que faz dos habitantes das periferias (e dos cortiços) pessoas ainda mais pobres. A pobreza não é apenas o fato do modelo socioeconômico vigente, mas, também do modelo espacial (SANTOS, 1993, p. 10, grifo do autor).

O entendimento dos problemas urbanos, com tantas necessidades

recorrentes e outras emergentes, leva a crer que a solução para eles deve ser trazida

na interpretação abrangente da realidade, ou seja: uma profunda análise dos

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processos formadores da urbanização, em seus diversos contextos históricos, políticos

e culturais. Esse entendimento mais amplo deve incluir a análise das diversas

modalidades do uso do território para identificar as especificidades do fenômeno da

violência e a partir daí, mensurar sua problemática.

A violência urbana, entendida como um processo amplo, que vai além da

criminalidade, “surge e se avoluma à medida que as cidades crescem e se tornam

mais complexas, mais dominadas pela multidão e pela anomia” (ABRANCHES, 1994,

p.125). A urbanização excludente cria um crescimento anárquico que permite a

produção de espaços onde impera “o mandonismo característico das quadrilhas que

tiranizam as periferias urbanas e as favelas, exercido fundamentalmente pela violência

armada e pela intimidação física, sem qualquer resquício de legitimidade – é

intrinsecamente criminoso” (ABRANCHES, 1994, P. 127).

A violência estrutural desses espaços segregados vem se articulando à

violência articulada do crime na atualidade. Cria-se, assim, uma “territorialização

perversa”, que diz respeito a toda e qualquer forma de violência imposta pelos grupos

ligados ao mundo do crime sobre sua população.

Portanto, emergem territórios constituídos por grupos de maior ou menor

organização e armamentos, que aí se reproduzem, territorializam-se e estabelecem

uma relação de poder para melhor dominar a população e o local. E, a partir daí,

articulam seus interesses e se fortalecem para organizar suas ações criminosas. A

criminalidade se impõe através desses grupos que submetem a população

(comunidade) a todas as formas de controle, praticando atos violentos de repressão.

Assim:

[...] associar ao controle físico ou à dominação ‘objetiva’ do espaço uma apropriação simbólica, mais subjetiva, implica discutir o território enquanto espaço simultaneamente dominado e apropriado, ou seja, sobre o qual se constrói não apenas um controle físico, mas também laços de identidade social, simplificadamente podemos dizer que, enquanto a dominação do espaço por um grupo ou classe traz como conseqüência um fortalecimento das desigualdades sociais, a apropriação e construção de identidades territoriais resulta num fortalecimento das diferenças entre os grupos, o que por sua vez, pode desencadear uma segregação maior quanto um diálogo mais fecundo e enriquecedor (HAESBAERT, 2002, P.121).

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Podemos então sintetizar, afirmando que o território é o produto de uma

relação desigual de forças, envolvendo o domínio ou o controle político-econômico do

espaço e sua apropriação simbólica, ora conjugados e mutuamente reforçados, ora

desconectados e contraditoriamente articulados (HAESBAERT, 2002).

É assim que se faz presente o território controlado pelo tráfico de drogas,

uma apropriação político-econômica, a partir das leis e do varejo que se estabelecem

nessas áreas que aqui eu chamo de “territorialização perversa” e simbólico-cultural, no

momento em que a violência estabelecida nelas se torna símbolo de repressão e

controle político sobre a população que as habita.

Estes fatos não permitem que se instale um processo de melhoria nas

condições sociais e materiais da vida urbana nas cidades, aprofundando um ciclo que

se repete de forma constante. Isso nos leva a questionar o enfrentamento da questão

da criminalidade e da violência sem uma articulação direta com as políticas urbanas,

territorial e regional.

Estamos diante de novas formas e novos conteúdos da violência e da

criminalidade modernas, devemos buscar hipóteses alternativas, ainda que mais

compreensivas, para entender e tentar explicar o que está ocorrendo no espaço

urbano atual. No cenário da violência urbana, surge um novo ator: o crime organizado.

Neste trabalho, consideram-se como crime organizado o tráfico de drogas e

de armas, contrabando e formação de quadrilhas. No quadro da violência urbana da

atualidade, homicídios, seqüestros, atentados, assaltos e roubos, estão principalmente

ligados a esse tipo de crime.

Trata-se da violência organizada, um novo processo que atua no espaço

urbano como um dos agentes da urbanização, valendo-se da informalidade e da

ilegalidade da ocupação, da especulação do mercado imobiliário, da fraca atuação do

poder público, da impunidade e da vulnerabilidade da população pobre.

O crime organizado tem como características: a ilegalidade, formação de

redes, a movimentação de grandes somas de dinheiro, a corrupção de policiais e

políticos e a cooptação de pessoas. É o “crime negócio” como coloca Zaluar (1999,

p.67) que considera como um novo tipo de crime relacionado ao contrabando de

armas e de drogas, redes de escambo entre mercadorias roubadas e o tráfego de

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drogas e, baseado na lógica da acumulação capitalista. Recruta os jovens pobres para

trabalhar nesse negócio altamente lucrativo que é o tráfico de drogas, mundialmente

importante, em termos financeiros, pelas grandes somas de dinheiro que envolve.

Segundo a mesma autora “[...] o crime organizado não pode mais ser

desconsiderado como uma força importante, ao lado dos Estados nacionais, partidos

políticos, igrejas, empresas multinacionais etc.” (ZALUAR,1999, p. 69).

A organização espacial assim resultante desses processos é o da

urbanização perversa da cidade excludente, na qual está sendo recriada

permanentemente uma nova ordem espacial, no sentido de sua própria reprodução,

reafirmando uma violência urbana e uma criminalidade, pela “territorialização perversa”

comandadas pelo conjunto de fatores que se materializam e realizam nas grandes

metrópoles.

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4 PERIFERIZAÇÃO DE BELÉM E A EVOLUÇÃO URBANA DA TERRA FIRME

4.1 A EVOLUÇÃO URBANA DE BELÉM

Belém foi fundada no ano de 1616, no lugar onde hoje se situa o Forte do

Castelo, que representa o marco inicial do processo de ocupação urbana na região

amazônica. A partir desse momento, consolidou-se a primeira fase de ocupação da

região amazônica. A evolução urbana da cidade tem como referência o bairro da

Cidade Velha.

A cidade de Belém estendeu-se em direção à baia do Guajará e ao longo do

rio Guamá, surgindo os bairros do Reduto e Comércio; caracterizando-se uma

consolidação em termos periféricos, com pouca interiorização. Somente a partir da

metade do século começa a se observar um movimento de interiorização – com a

ocupação progressiva dos espigões de terra firme no continente -, que se estende até

o início do século XX.

Nesse período, o avanço da penetração ao sítio ganha uma nova dimensão,

impulsionada, sobretudo, pelo progresso econômico que a exploração da borracha

impõe à região, estabelecendo um processo de apropriação do espaço que se mantém

relativamente inalterado até os anos 40/50, quando alguns eventos importantes

modificam a estratégia até então vigente na produção do espaço nessa área. A cidade,

que vinha desenvolvendo-se ao longo dos espigões de terras altas, passa a atingir

uma considerável extensão na sua malha, que se estende até os limites da Primeira

Légua Patrimonial.

Com essa intensificação no ritmo de crescimento, a estruturação espacial de

Belém passa a apresentar como características:

a) o adensamento das áreas centrais mais consolidadas pela utilização dos

núcleos de quadra através da construção de vilas e passagens;

b) a incorporação das áreas de baixada à estrutura urbana da cidade;

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c) a ultrapassagem do cinturão das áreas institucionais, notadamente pela

implantação de indústria, conjuntos habitacionais (década de 60), sítios e

chácaras;

d) o incipiente processo de verticalização, iniciado na porção mais central da

cidade, onde se localizam os principais estabelecimentos de comércio e

serviços.

A partir de 1970, são consolidadas essas tendências, e a mancha construída

da cidade espraia-se, sobremaneira, além do cinturão das áreas institucionais,

configurando o processo de conurbação entre Belém e Ananindeua, que, até 1943,

fazia parte do município de Belém; seu principal aglomerado urbano havia nos meados

do século XIX, em função da estrada de ferro de Bragança. A partir da década de

1960, seu crescimento foi consolidando-se, com a implantação da rodovia Belém-

Brasília e o surgimento de inúmeros conjuntos habitacionais e loteamentos ao longo

das rodovias BR-316, Augusto Montenegro e do Coqueiro.

Considerando o processo de evolução urbana de Belém paralelamente aos

ciclos de desenvolvimento econômico da região, pode-se destacar que o processo de

produção de seu espaço começou a ser acompanhado de forma consciente durante a

intendência de Antônio Lemos, no apogeu do ciclo da borracha. Nesse período,

implementou-se um plano urbanístico para a expansão da cidade. Também se criou o

Código de obras com vistas ao embelezamento urbano – na época, Belém foi

comparada a uma pequena Paris (DERENJI, 1987).

Com o declínio econômico, pouco se esperava da cidade, difundindo-se a

idéia de que ela não ultrapassaria os limites da área conhecida como Primeira Légua

Patrimonial, equivalente a uma légua de extensão outorgada pela Coroa para a

Câmara de Belém, no início do século XVII. Em função disso, as terras internas a esse

limite, consideradas impróprias para urbanização – e evitadas por Antônio Lemos -,

foram, com o tempo, doadas pelos intendentes para amigos que precisavam

comprovar a propriedade da terra para obterem títulos de nobreza na Europa.

Essas áreas, que nunca foram ocupadas pelos proprietários, na maioria dos

casos, eram sujeitas aos alagamentos – as chamadas baixadas. Até a metade do

século XX, elas abrigavam vacarias, pequenas fazendas produtoras de leite, e, a partir

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de então, começaram a ser invadidas, gerando numerosas favelas, bairros populares

de hoje. O adensamento urbanístico e a dotação de infra-estrutura desses bairros

foram retardados, visto estarem localizados em áreas particulares e de difícil

recuperação.

Outro fator importante que estimulou a crença de que a cidade não cresceria

foi a doação das áreas adjacentes aos limites da Primeira Légua Patrimonial para

instituições, como as Forças Armadas e a Universidade Federal do Pará (UFPA) -,

para centros de pesquisa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e

conselho Nacional de Pesquisa Cientifica (CNPq) -, bem como para a concessionária

de abastecimento de água. Esse fato ocasionou o estrangulamento da expansão

urbana, transponível apenas ao longo do eixo da antiga ferrovia Belém – Bragança,

atual Almirante barroso.

Quando a cidade retomou seu crescimento, após o estabelecimento de

novas funções, a ocupação passou a ocorrer conforme a possibilidade econômica de

acesso do cidadão: os mais ricos desencadearam o processo de verticalização; os

mais pobres invadiram as baixadas e, em alguns casos, foram remanejados para os

conjuntos habitacionais construídos fora da Primeira Légua Patrimonial, após a criação

da Companhia de Habitação (Cohab), em 1965.

Com essas áreas antes impróprias para ocupação, mas próximas dos

centros geradores de empregos, foram liberadas para a classe média, por meio dos

procedimentos de drenagem (raros) e aterros sucessivos e descoordenados, que

transformaram áreas alagáveis em áreas alagadas, devido à obstrução que

provocaram. Os mais pobres, por sua vez, ocuparam os miolos de quadra, mediante a

criação de vilas. Essa ocupação causou impactos menores, mas contribuiu para a

diminuição das áreas verdes da cidade.

4.2 AS BAIXADAS COMO ESPAÇOS DE RESISTÊNCIA

A cidade de Belém é mais uma dessas grandes metrópoles brasileiras com

grandes contradições no que diz respeito à produção do seu espaço urbano, pois as

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políticas de planejamento urbano durante muito tempo estiveram voltadas para atender

aos interesses das elites e do setor imobiliário que muito contribuiu para a afirmação

de um projeto segregador e excludente da sociedade mais abastarda.

A integração da Amazônia à economia nacional e internacional pós-50 pelos

governos militares deu-se de forma antidemocrática sem participação popular, o que

facilitava a atuação de grupos interessados em aventurar-se na floresta em busca de

volumosos lucros com a exploração dos recursos da região. Entretanto, muitos

imigrantes se direcionaram para a Amazônia em busca de emprego e terra, o que

completou o quadro dos problemas sociais.

Sendo assim, uma boa leva de imigrantes que não conseguiu se inserir no

ciclo econômico dos grandes projetos, se dispôs em habitar em tornos os projetos ou

as principais capitais da região, como Belém. Nesse sentido, a cidade de Belém passa

por um processo de crescimento urbano tanto vertical, ou seja, relacionado com o

aumento da taxa de natalidade, quanto horizontal, aquele ligado à imigração.

O crescimento horizontalizado de Belém vai se dar em direção às áreas

chamadas de baixadas que é facilitada por dois motivos: a disponibilidade de terras e a

valorização das áreas central que expulsa a população pobre as áreas mais afastadas

do centro, além é claro da política de planejamento urbano excludente e segregadora.

Os investimentos em infra-estrutura e serviços em Belém acabam por lidar o título de

metrópole e essa metropolização com a concentração dos serviços urbanos deixa

muitas cidades de porte inferior dependentes de sua estrutura urbana, este fato torna-

se indutor de uma atração populacional e permanência na cidade.

A consolidação do modelo urbano-industrial da economia brasileira

caracterizado por um acelerado processo de industrialização e um setor produtivo

diversificado apresentou altas taxas de crescimento econômico, onde esse

crescimento esteve associado ao capital estrangeiro e à classe dominante. Entretanto,

os resultados produzidos por esse crescimento foram contraditórios, pois provocaram

desequilíbrios regionais, concentração de renda, inflação acelerada, desemprego e

déficit habitacional, principalmente no período de recessão econômica estimulada pela

década perdida.

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Essa crise reflete o sinal de esgotamento do padrão de acumulação

estipulado pelo modelo econômico brasileiro. Esses reflexos negativos chegaram até

Belém, que passou por grandes problemas por possuir nesse momento, uma base

econômica frágil, dotada de pouca autonomia e exposta diretamente às crises

estruturais da economia nacional. Há de se considerar que, naquela época, Belém foi

pouco beneficiada com a expansão capitalista ocorrida para a região amazônica, em

particular para o estado do Pará, com os grandes projetos minerais. O que se

desencadeou em Belém nesse contexto foram as taxas de crescimento do Produto

Interno Bruto (PIB) inferiores à taxa de crescimento demográfico, baixos níveis

salariais, elevados níveis de desemprego e subemprego, concentração de renda,

desassistência social e educativa e déficit urbano crônico de infra-estrutura e de

serviços.

Dessa forma, a estruturação urbana da cidade configura-se em um perfil no

qual se tem um centro urbano adensado ocupado pela população de classes média e

alta que contrasta com uma periferia dispersa ocupada pela população empobrecida.

“É a população pobre da cidade de Belém que mais luta com a falta de moradias, de

água encanada, de esgotos, de transportes e outros; que mais sente os efeitos

negativos do elevado preço da terra urbana por ser forçada a morar na periferia,

particularmente em áreas alagáveis e sem infra-estrutura” (FRANÇA, 1995, p. 3).

Esse quadro proporcionou a verticalização urbana acelerada e a segregação

sócio-esapacial com a concentração da pobreza em áreas não apropriadas para a

habitação humana, nesse caso as áreas de baixadas, com condições precárias de

serviços de infra-estrutura diante de um sistema que privilegia o transporte individual

via automóvel, com um processo de urbanização deficiente e com um crescimento da

especulação imobiliária que desloca o pobre para longe dos centros urbanos ou o joga

para a parte da cidade alagada, para sobreviverem em meio às palafitas e estivas.

A produção da cidade como espaço geográfico heterogêneo, diferenciado,

pela participação diversificada dos homens, pressupõe uma sociedade de classes

realizando essa produção espacial nunca acabada, sempre em contínuo processo de

constituição (CARLOS, 1992).

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Nesse aspecto, a produção urbana do espaço belenense fundamenta-se na

contradição do uso do solo urbano através de conflitos de interesses divergentes entre

ao atores sociais que compõe a cidade. E nesse sentido, a periferização que ocorre

em Belém, estimulada por uma ocupação espontânea e não planejada pelo Estado

gera uma série de problemas sociais que envolvem o meio ambiente à sociedade.

As baixadas representam não somente a área de expansão da cidade, mas

também o espaço de resistência e sobrevivência daqueles que foram excluídos do

mercado formal imobiliário e providos de serviços urbanos de qualidade e com isso o

padrão de ocupação adensado com uma tipologia típica de favelas deixa bem evidente

o perfil socioeconômico que as habita. A Prefeitura Municipal de Belém considera

baixada toda área de cota topográfica de 4m e baixo de 4m, correspondente à planície

inundável (CODEM, 1986).

A intensificação do êxodo rural fez com que as baixadas vivenciassem um processo de favelização acelerado. Mais que simples solução de emergência para o problema da moradia, essas áreas tornam-se, sobretudo, parte de uma estratégia de sobrevivência da população pobre, face à escassez e valorização das terras altas no interior da primeira légua patrimonial. Isto aconteceu por vários motivos, seja pela boa localização dos terrenos alagados em relação ao centro, seja pelo caráter que tomou o processo de apropriação dos mesmos. Estes fatores compensavam, de certa forma, as desvantagens de infra-estrutura dessas áreas (FRANÇA, 1995, p. 111).

Essa favelização que as baixadas sofrem é criadora de alguns estereótipos

preconceituosos em relação à sua população, de que todos que moram nas baixadas

são carentes, que as baixadas representam espaços onde se reproduz a violência e de

que toda área de baixada é considerada favela. Ao contrário do que se imagina, as

baixadas não são todas formadas por favelas, mas algumas contém internamente

áreas que são consideradas favelas de acordo com o IBGE, e também não são

formadas homogeneamente por uma sociedade pobre e no que diz respeito à violência

urbana, algumas áreas carentes das baixadas são aproveitadas pelo crime para sua

manifestação e reprodução social o que torna algumas áreas perigosas devido à

atuação de gangues, assaltantes e traficantes. Mas se pode reproduzir o comentário

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da mídia, pois algumas colocações geram mais preconceitos o que pode estimular a

reprodução da violência e facilitar a atuação don crime, principalmente o tráfico de

drogas que pode levar ao status de poder usufruir de bens e serviços pagos com o

dinheiro do tráfico.

As condições de moradia das áreas precárias do bairro as tornam a parte do

bairro desvalorizadas e desprovidas dos serviços, devido a dificuldade de acesso ou

devido o alto grau de periculosidade.

4.3 A EVOLUÇÃO URBANA DAS ÁREAS DE BAIXADAS

A evolução urbana em direção às áreas chamadas de baixadas se dá,

sobretudo nas décadas de 60/70 e 80, acompanhada de intenso êxodo rural e crises

econômicas que se sucederam, desencadeando problemas relacionados à questão da

moradia. Para Trindade jr. (1998, p. 101):

No plano da estruturação interna do espaço metropolitano, o que se observa é que, até a década de cinqüenta, Belém apresenta uma clara tendência de não ocupação de suas áreas de baixadas, consideradas insalubres, sem infra-estrutura, ainda que centralizadas no conjunto do espaço construído. Priorizou-se, portanto, a ocupação dos terrenos de cotas mais elevados. Tal tendência conferiu à cidade, por muito tempo, uma malha urbana irregular, ajudada pela implantação das áreas institucionais, no início da década de 40, à altura dos limites da 1º légua patrimonial.

Assim sendo, a busca por moradia para a população de baixa renda é

encontrada pela incorporação das baixadas que estavam desocupadas e com uma

grande disponibilidade de terras que serão pouco a pouco sendo ocupadas

obedecendo a um padrão de organização espacial inicialmente típico das favelas.

O acelerado processo de ocupação humana das áreas de baixadas, que

tomou impulso com a luta pelo direito à moradia, densificou esses espaços, ao mesmo

tempo em que favoreceu o movimento de valorização de seus terrenos, criando-se

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com isso um padrão compacto de organização espacial, acelerado pelo processo de

verticalização iniciado nas áreas mais altas (OLIVEIRA, 1992).

Nestes termos, percebe-se nas baixadas de Belém a existência de um

modelo de organização espacial que lembra as favelas do Rio de janeiro, pois há o

predomínio de casas semi construídas ou construídas com material de baixa qualidade

geralmente simbolizam um espaço de segregação sócio-espacial em locais

periferizados, alagados, fonte de uma mão de obra de baixo poder de compra.

Em contraponto, a periferização que se manifesta a partir da década de

oitenta é uma das principais expressões espaciais da dispersão já mencionada,

revelando conflitos e envolvendo agentes diferentes. “Esse processo de reestruturação

está vinculado à dinâmica de regionalização do espaço amazônico, mas tem

definições no âmbito local, a partir da correlação de forças que se coloca entre os

agentes produtores do espaço urbano” (TRINDADE JR, 2002 p. 125).

Os problemas urbanos comuns a Belém e à maioria das capitais brasileiras,

como o binômio centro/periferia, a verticalização, os vazios urbanos, e a exclusão

sócio-espacial fazem parte da lógica de reprodução social da cidade, em especial da

dominação no interior da metrópole: uma lógica de segregação na qual colocam em

posição oposta àqueles que se beneficiam com os investimentos estatais e com a

valorização imobiliária deles decorrente e de outro, os que vivem em situação de

degradação das condições de vida, com pouca opção de moradia e com precário

acesso aos serviços públicos e à infra-estrutura urbana.

De acordo com Rodrigues (1996, p.119),

É claramente perceptível a influência da estrutura econômica no processo de estruturação do espaço-ambiente e na qualidade de vida intra-urbana. Nas últimas décadas, o desemprego crescente, o “exército” cada vez maior de trabalhadores à margem da economia formal tornando-se um sub-setor majoritário entre as diversas formas de ocupação dos trabalhadores, tem resultado em padrões cada vez mais precários de existência, posto que a exclusão do mercado de trabalho, numa sociedade mercantil exclui também, pelo menos a maioria, do acesso a um espaço-ambiente de viver com o mínimo de qualidade. Enfim, a urbanização de Belém, articula-se à sua estrutura econômica frágil e subordinada; o desemprego, o subemprego e os empregos de baixa qualificação articulam-se às formas de consumo desiguais, degradantes, e segregadoras do e no espaço ambiente intra-urbano.

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Assim, á área central da cidade manteve o dinamismo econômico com o

comércio e os serviços além dos trabalhos mais significativos o que favorece a forte

verticalização e edificação que são utilizadas pela população de classe média. Nesse

sentido, foi para o centro que se deslocaram e concentraram a quase totalidade dos

investimentos públicos e privados de estruturação urbana (drenagem, limpeza urbana,

serviços de água potável e esgoto), onde as classes média-alta e rica beneficiaram-se

desses projetos de renovação urbana que excluía e fragmentava a cidade.

4.4 A EVOLUÇÃO URBANA DO BAIRRO DA TERRA FIRME

O bairro da Terra Firme, assim chamado pelo processo de ocupação que se

deu pelos terraços dos rios Guamá e Tucunduba, por volta dos anos cinqüenta, nesse

momento apresentava uma organização espacial marcada pela habitação provisória,

ou seja, as pessoas que no bairro habitavam objetivavam apenas fazer uma ocupação

temporária para dirigirem-se para outro lugar mais tarde, ou seja, não correspondia

ocupação permanente, o que limitava o crescimento do bairro.

Segundo Penteado (1968) “a Terra Firme é um bairro, muito modesto; novo

ainda, pois que, em 1950, não estava ainda devidamente estruturado, é habitado por

uma população pobre, que vive alojada em ‘barracas’”. Seu efetivo corresponde a

apenas 1,16% dos habitantes de Belém e a densidade por hectare é uma das mais

baixas da cidade 39,7 hab/há”.

Nas décadas de setenta e oitenta, tem início um significativo e elevado

crescimento demográfico do bairro, que vai estar relacionado aos seguintes fatores:

a) a área central de Belém estava passando por um processo de valorização

urbana, o que de certa forma, acarretou a uma elevação do custo de vida

nessa área, então grande parte da população vendeu suas casas, ou foi

expulsa, e saiu em direção à periferia;

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b) disponibilidade de terras nas áreas de baixadas, nesse caso o bairro da

Terra Firme com uma grande extensão de terras disponíveis que foram

utilizadas para a habitação permanente de uma massa das camadas mais

pobres;

c) a área onde se encontra o bairro da Terra Firme, pelo fato de ser

considerada uma baixada, não despertava o interesse dos agentes

imobiliários onde na medida em que o centro se modernizava as baixadas

adensavam sua ocupação urbana, pois o custo de vida era menor, longe do

centro e os imigrantes que chegavam do campo também procuravam

terrenos nas baixadas para a construção de casas.

Nesse momento de evolução urbana do bairro grande parte dos terrenos

pertencia às famílias tradicionais da cidade e essas terras foram sendo compradas e

incorporadas pelo governo federal para a expansão da cidade universitária que nasce

nesse momento em meio a uma contradição na produção do espaço urbano. Assim, o

bairro da Terra Firme teve o seu crescimento em direção às áreas que correspondiam

o cinturão institucional da cidade que pouco a pouco foi sendo ocupada pela habitação

humana através das invasões que eram realizadas pela população de baixa renda.

O bairro da Terra Firme é absolutamente horizontalizado, sua tipologia urbana é favelada. Foi estruturada em sítio predominantemente alagável, ou seja, em área de baixada, a partir de uma extensa área institucional até hoje formalmente pertencente à Universidade Federal do Pará, dentro da 1º légua patrimonial. Sua população em 1991 era de 59.231 habitantes, representando 4,5% da população do setor urbano. Não há dúvida que áreas de tipologia favela em baixadas estarão perfeitamente representadas pelo bairro (RODRIGUES, 1996, p. 236).

Dessa forma, o que se percebe no bairro da Terra Firme é o seu aspecto

mais caótico visualizado como expressão do crescimento urbano espontâneo e

problemático em meio à crise urbana, resultando num amplo processo de favelização

das baixadas com áreas de habitação precárias que representam o lado perverso e

excludente da metrópole.

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Para Penteado (1968), é muito provável que, com a construção da cidade

universitária do Pará, o bairro da Terra Firme venha a desaparecer ou pelo menos,

sofrer sérias limitações no seu crescimento; se assim for, poderá surgir o grave

problema de deslocamento de milhares de pessoas para outros bairros de Belém, fato

único na vida da capital paraense e de conseqüências imprevisíveis, pelo menos, no

momento atual.

O que ocorreu de fato foi que a característica do bairro de espaço provisório

pouco a pouco foi desaparecendo, pois a Terra Firme passou a ser uma das poucas

áreas para a sobrevivência da população carente dentro da primeira légua patrimonial

da cidade. Os anos oitenta e noventa foram décadas de intensa ocupação das áreas

localizadas ao longo do canal do Tucunduba e da Avenida Perimentral por pessoas

oriundas de outros bairros ou vindas do interior ou de estados próximos,

principalmente do Maranhão.

O bairro da Terra Firme:

é onde ocorre a maior presença de não naturais, com cerca de 30,0%, sendo 77,2% originados do interior do estado, destacando-se os municípios de Igarapé Miri, Castanhal, Muaná etc., e 22,8% oriundos de outros estados, basicamente, Maranhão. A presença dos não naturais se dá na ordem de 70% do total (RODRIGUES, 1996, p. 244).

A terra firme, mesmo sendo predominantemente alagável, tornou-se uma

favela com grande poder de atração de imigrantes, devido estar localizada na primeira

légua patrimonial, possibilitando fácil acesso à área central da cidade, mesmo que a pé

ou à bicicleta. “Sua população de não naturais é mais que o dobro do que a do bairro

de Nazaré” (RODRIGUES, 1996, p.244).

Muitas dessas pessoas não naturais que passaram a ocupar o bairro vieram

atraídas para Belém pela disposição de serviço de saúde e educação e ao mesmo

tempo com o projeto de conseguirem emprego na metrópole, para fugir da

precariedade dos serviços em seus lugares de origem. Dessa forma, o que aconteceu

foi que nesse momento a especulação imobiliária que ocorria na área central e a crise

econômica que o Brasil vinha passando e que atingia suas capitais, frustraram os

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sonhos dos forasteiros que chegaram aqui, que foram obrigados a se dirigir para áreas

de baixo valor do solo e enfrentar o desemprego ou inserindo-se na economia informal,

o que neste caso é muito comum no bairro da Terra Firme, pois grande parte da

população está diretamente inserida em atividades ligadas à economia informal, ou

então em atividades que exercem um esforço físico como pedreiros, carpinteiros,

estivadores etc.

Desde o dia 16 de Dezembro de 1975, o bairro da Terra Firme passou a ser

chamado oficialmente de bairro da Montese, uma homenagem dada pela Câmara

Municipal de Belém à Força Expedicionária Brasileira (FEB) pela participação na

segunda Guerra Mundial. Entretanto, o nome oficial do bairro ainda não é utilizado por

seus moradores e nem muito menos pelos órgãos públicos que lá atuam. Como

ressalta Rodrigues (1996, p. 240):

O bairro da Terra Firme é, como já disse, um bairro que apesar de enquadrar-se na tipologia favela está localizado na primeira légua patrimonial, portanto, relativamente próximo ao centro principal. Por isso o tempo médio do deslocamento de ida e volta do domicílio ao local das atividades econômicas é de 43 minutos. O tempo médio dispendido na jornada diária das atividades econômicas é de 9 horas e 48 minutos.

Assim, o bairro da Terra Firme ou Montese é considerado uma das áreas de

baixadas do espaço urbano de Belém, mas que fica próxima do centro da cidade e

nesse sentido, os deslocamentos diários são intensos de pessoas que vão para o

trabalho, seja ele formal ou informal, para as escolas públicas ou particulares, ou

então, para outros serviços situados na área central de Belém.

Contudo, a população do bairro sofre um preconceito muito forte relacionado

à sua tipologia de favela, já que o bairro ainda é carente de alguns serviços urbanos de

infra-estrutura e a sua população em sua maioria é de baixo poder aquisitivo e

encontra-se em grande parte inserida no mercado informal ou desempregada, o que

facilita a expansão da criminalidade no bairro e inserção de uma parcela da população

na economia do narcotráfico que dentro do bairro representa uma atividade bastante

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rentável e nesse sentido a mídia cria alguns estereótipos sobre o bairro o que flagiliza

a idéia de cidadania e para o sociólogo Martins (2002, p. 39):

[...] No limite, podem usar meios ilícitos para obter os recursos de que necessitam para integrar-se: o tráfico, roubo, a violência, os meios transgressivos de participação, a deterioração dos valores éticos que deveriam permear as relações sociais, e que daí resulta, já produz seus desastrosos efeitos na socialização anômica das novas gerações na vivência cotidiana atravessada.

Pelas características do bairro da Terra Firme, percebe-se que ele está

inserido na lógica da cidade informal que neste caso está representada pela ocupação

espontânea das baixadas com o surgimento de invasões com tipologias de favelas que

não obedecem aos padrões normais de ocupação urbana e que surgiram no bairro

sem nenhum controle, alheios aos parâmetros formais de urbanização, sempre

preteridas na priorização dos investimentos e melhorias urbanas. O bairro apresenta algumas áreas que foram sendo ocupadas

clandestinamente pelas invasões e nesse aspecto percebe-se que elas não obedecem

aos padrões de adensamento, alinhamento, condições de ocupação do lote etc., além

disso, inviabilizam, muitas vezes, obras cruciais para a estruturação da cidade, pela

invasão rápida de áreas a elas reservadas, sobretudo quando esses pontos estão

próximos de fontes geradoras de emprego ou fácil acessibilidade ao centro como, por

exemplo, a ocupação urbana as margens do Rio Tucunduba que atravessa os bairros

do Guamá, Canudos, Marco e Terra Firme que apesar de hoje encontrar-se boa parte

já revitalizada ou em processo de revitalização, ainda mantem alguns traços da

favelização.

A favelização em torno do canal do Tucunduba representa um amplo

processo de evolução urbana da baixada da Terra Firme e ao mesmo tempo uma

alternativa à moradia considerada, para alguns, como uma estratégia ao direito à

cidade pela clandestinidade. Contudo, essas áreas são extremamente caóticas e

problemáticas onde uma massa marginalizada e fora do mercado formal de trabalho

em sua grande parte que utilizam estratégias de (sobre) vivência ligadas ao cotidiano

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do bairro, onde algumas delas partem da economia do crime ligadas ao tráfico de

drogas.

A característica marcante do bairro da Terra Firme é a concentração de

populações de baixa renda em grande parte do bairro, segregadas socialmente, que

habitam ruas sem pavimentação, arborização ou áreas de lazer e convivem com a falta

de saneamento básico e coleta de lixo, insegurança pública, alagamentos, além da

precariedade dos transportes públicos que não atendem perfeitamente seus usuários.

Trata-se de benefícios realizados esporadicamente, proporcionando a transformação

da favela em bairro popular.

Nestes termos, o bairro torna-se adequado para a expansão de todos os

tipos de criminalidades que se reproduzem em meio a tantos problemas sociais, o que

causa uma impressão de constante instabilidade vivenciada por seus moradores

diante da violência urbana imposta pelos atores sociais do crime e com isso o bairro da

Terra Firme é também considerado um dos mais violentos de Belém com altas taxas

de criminalidade, principalmente a partir da década de 1990, e um dos fatores que

motiva essa problemática é o fato de que grupos se organizam nessas áreas de

exclusão e aproveitando-se da pobreza da população que aí residem e do

desemprego, trazem essas pessoas para seu campo de controle, principalmente para

o tráfico de drogas que se torna uma forma rápida de ganhar dinheiro.

Além disso, também é alto o número de assaltos à mão armada, brigas de

gangues e outros tipos de violência. Muitas vezes a própria população do bairro atribui

a violência às áreas de invasão que existem na Terra Firme e às ruas mais

periferizadas com pouca infra-estrutura ou de difícil acesso por serem em meio das

estivas e palafitas dificultando o próprio serviço público que conceituam essas áreas

como áreas de risco devido aos altos índices de criminalidade nelas presente deixando

até mesmo a própria polícia insegura de fazer o seu serviço nessas áreas.

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4.5 AS PRÁTICAS DO CIRCUITO INFERIOR DA ECONOMIA NO BAIRRO

Segundo Santos (1976, p.95):

[...] a presença de uma massa populacional com salário muito baixo, dependendo de trabalho ocasional para viver, ao lado de uma minoria com altos salários, cria na sociedade urbana uma distinção entre os que têm permanente acesso aos bens e serviços oferecidos e os que, mesmo apresentando necessidades similares, não podem satisfazê-las. Isto cria ao mesmo tempo diferenças qualitativas e quantitativas de consumo. Estas diferenças são ambas, causa e efeito da existência, isto é, da criação ou manutenção, nestas cidades, de dois sistemas de fluxo que afetam a fabricação, a distribuição e o consumo de bens e serviços.

Um destes dois circuitos é o resultado direto da modernização e diz respeito

a atividades criadas para servir ao progresso tecnológico e à população que dele se

beneficia. “O outro é também um resultado da modernização, mas um resultado

indireto, visto que concerne àqueles indivíduos que só parcialmente se beneficia, ou

absolutamente não se beneficiam, do recente progresso técnico e das vantagens a ele

ligadas” (SANTOS, 1979. p.96). O referido autor citado acima destaca a existência de

dois circuitos da economia urbana, circuito superior e o circuito inferior, o primeiro

ligado à economia moderna e às atividades formais, o segundo acaba por ser

resultado dessa economia moderna e está atrelado ao subemprego ou economia

informal.

Simplificando, pode-se afirmar que o fluxo do circuito superior está composto

de negócios bancários, comércio de exportação e indústria de exportação, indústria

urbana moderna, comércio moderno, serviços modernos, comércio atacadista e

transporte. “O circuito inferior está essencialmente constituído por formas de

fabricação de ‘capital não intensivo’, por serviços não modernos, geralmente

abastecidos pelo nível de venda a varejo e pelo comércio em pequena escala e não

moderno” (SANTOS, 1979, p. 96).

Neste trabalho queremos destacar a prática do circuito inferior da economia,

que consiste de atividades em pequena escala e diz respeito à população pobre

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(SANTOS, 1971) e nesse sentido, enquadrá-lo na realidade socioeconômica dos

moradores do bairro da Terra Firme identificando os meios de sobrevivência da

população que habita esse lugar.

Nos últimos anos, o setor terciário tem crescido bastante no bairro, há uma

tendência à terceirização dos empregos. Surgiram na Terra Firme recentemente, lojas

de grande porte como a Esplanada, Paraibana, City Lar e Monólito que tem preço

popular e algumas pequenas lojas de produtos importados. No entanto, o setor

industrial, que corresponde ao secundário, não existe no bairro. Além disso, é

realizado na Terra Firme um movimentado comércio de materiais de construção como:

madeiras, tijolos, areia, barro etc. que estão localizados em sua maioria ao longo do

igarapé Tucunduba, mas popularmente chamadas estâncias. É bem comum nessa

atividade a presença do trabalho infantil, o que contribui para que crianças deixem de

freqüentar a escola por conta do interesse em trabalhar puxando carroças, que pode

ser por necessidade em querer ajudar a família ou por falta de incentivo à educação.

Vale ressaltar que são formas degradantes de trabalho em meio ao sol quente e sem

carteira assinada, muitas vezes tendo que enfrentar o trânsito caótico da principal

avenida do bairro, a Celso Malcher.

É justamente nessa avenida citada acima (Celso Malcher) que está uma das

mais movimentadas feiras do município de Belém, o Hortomercado Municipal da Terra

Firme, com dezenas de boxes para venda de peixes, carnes, verduras, frutas, farinha,

ervas, refeições e mercearias, sendo este mercado importante para a geração de

emprego e renda no bairro, o mercado ainda possui dois banheiros e um setor

administrativo.

O Hortomercado foi fundado em 1988. Naquele momento o bairro tinha uma

população relativamente menor que a de hoje, ou seja, o mercado era capaz de

abastecer o bairro. Na atualidade, as barracas de fora do mercado são inúmeras,

provocando sérios problemas à população como acidentes envolvendo pedestres,

ciclistas e motoristas e congestionamentos dificultando os fluxos na Avenida.

O número de ambulantes e feirantes que trabalham em barracas em frente o

Hortomercado (Ver fotografia 01) e as lojas que se deslocaram para lá é muito grande,

percebemos na própria paisagem do bairro a forte presença de camelôs, flanelinhas

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(muitas vezes crianças), vendedoras ambulantes a pé ou de bicicleta vendendo

produtos importados (antenas de televisão, pilhas, limpadores de vidro etc.) ou lanches

(chamados popularmente como completão), além dos constantes roubos e assalto que

acontecem nas lojas e com as pessoas que se dirigem à feira para fazerem compras,

pois é comum a presença de ladrões que se infiltram no meio da multidão para

fazerem o chamado descuido que diz respeito ao roubo de carteiras ou outros bens.

Na Praça Olavo Bilac, em frente à Igreja são Domingos de Gusmão (ver

fotografia 02), a presença de vendedores ambulantes também é muito forte,

principalmente nos fins de semana, comercializam roupas usadas, produtos

importados ou produtos eletrônicos usados etc. a informalidade aqui chamada de

circuito inferior é um meios de sobrevivência da população pobre e desempregada e a

praça acaba sendo também um espaço de vendas de drogas feitas pelos aviões dos

traficantes que atuam no bairro, além do varejo de produtos que são furtados. Vale

ressaltar que a praça está localizada em frente à Seccional da Terra Firme.

Fotografia 01- Avenida Celso Malcher, em frente ao mercado. Fonte: Couto (2007).

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Fotografia 02 - Comércio informal na Praça Olavo Bilac. Fonte: Couto (2007).

4.6 OS PROBLEMAS DE INFRA-ESTRUTURA E SERVIÇOS

Além de sofrer com a violência urbana e a pouca participação da segurança

pública, os moradores do bairro da Terra Firme ainda tem que conviver com os

problemas relacionados aos serviços urbanos e a precária infra-estrutura existente no

bairro, pois não encontramos: agência bancária, agências lotéricas, e nem, muito

menos, hospital público ou privado instalado no bairro. Devido a isso, os moradores

são obrigados a se deslocaram para receberem atendimento em outros bairros. Neste

caso, os mais próximos (Guamá, Canudos e Marco) causando um grande problema

para estes bairros que são obrigados a atender tanto os seus moradores, quanto os

residentes na Terra Firme.

Um outro problema enfrentado pelos moradores está no transporte coletivo,

pois existem duas empresas de ônibus que fazem a rota no sentido bairro centro; a

São José e a São Luiz, que há alguns anos atrás correspondiam à mesma empresa

(São Luiz Ltda) e que hoje se encontram fragmentadas, mas que ainda não são

capazes de oferecer um serviço de qualidade para a população, principalmente para

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as pessoas que tem que se deslocam em direção ao centro que são obrigadas a

conviverem com os ônibus lotados das manhãs e finais de tarde. Nessas empresas,

operam os ônibus Canudos Praça Amazonas, Canudos Ver-o-Peso e Canudos

Presidente Vargas que circulam pela área central do bairro em direção ao comércio.

Há também a Transurb que circula na Avenida Perimentral, ficando muito distante da

área central do bairro, realizada pelas linhas Tamoios, UFPA - Cidade Nova VI e o

Terra Firme Ver-o-Peso, que fazem a rota até a UFPA.

No que diz respeito ao saneamento básico, uma grande parte do bairro

ainda não dispõe de serviços de tratamento de esgoto sanitário, onde alguns

moradores constroem suas próprias fossas ou despejam os resíduos para os canais

ou valas das ruas, comprometendo a qualidade de vida da população, já que esse

processo favorece o surgimento de doenças.

A situação fica pior quando alguns moradores promovem o chamado “gato”,

ou seja, utilizam água puxada do cano central, ilegalmente, para suas casas,

contribuindo para a formação de extensas áreas alagadas e para o desperdício de

água potável, que nesse sentido causa um impacto não apenas ambiental, mas

também social. Desse modo, a procura pelos serviços de saúde pública do bairro é

intensa e a unidade de saúde não suporta a demanda, provocando transtornos à

população, que é forçada a dirigir-se para outros bairros em busca de atendimento

como já mencionado anteriormente.

O adensamento populacional no bairro vem ocorrendo desde a década de

sessenta e isso vem provocando um déficit na oferta de novos serviços coletivos e a

expansão desenfreada da favela, o que vem provocando grandes impactos ao meio

ambiente do bairro como o desmatamento que diminuiu as áreas verdes e a ocupação

às margens dos igarapés que facilita a proliferação de doenças. As áreas verdes do

bairro da Terra Firme hoje se encontram em duas matas: a do Bosquinho na margem

do Rio Guamá e da UFRA (Universidade Federal Rural da Amazônia), ao lado da

perimentral e a sua diminuição vem elevando a temperatura, com noites e tardes muito

quentes.

Um outro problema ambiental percebido na Terra Firme está vinculado ao

assoreamento dos canais e igarapés, pois a ocupação espontânea que expandiu a

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favela para as margens do Tucunduba não respeitou os limites ambientais e hoje

várias partes do bairro sofrem constantes inundações durante o período de chuvas.

Vale ressaltar que durante as últimas décadas os canais e igarapés serviram, e ainda

servem como esgotos a céu aberto, onde são despejados resíduos e lixos. Este fato

pode ser relacionado com a deficiente política pública de saneamento básico que as

baixadas receberam (ver fotografias 03 e 04).

Outro problema gravíssimo vivido pelos moradores do bairro em questão dá-

se em relação à rede de abastecimento de água. Apenas uma pequena parte do bairro

é atendida pela Companhia de Saneamento Básico do Pará (COSANPA). E mesmo

assim, a água que flui pelos canos não possui pressão suficiente para atender a todas

as casas. Na Terra Firme, sobretudo nas proximidades do igarapé do Tucunduba, a

água chega um dia sim e outro não. Além disso, á água é de qualidade duvidosa,

sendo imprópria para o consumo, pois muitas vezes vem suja ou com “gosto de

ferrugem”.

É justamente nessas áreas mais precárias do bairro que a violência passa a

se manifestar, pois estas tornam-se alvo de disputa por grupos criminosos que

objetivam territorializar-se nesse espaço para daí articularem suas estratégias de

atuação, e claro, encontrando uma área estratégica para seleção de mão de obra para

o tráfico de drogas, impondo limites e regras à população. Os territórios controlados

pelo tráfico de drogas no bairro da Terra Firme se espacializam a partir dessas áreas

mais problemáticas, o que não significa dizer que o tráfico de drogas seja exclusivo

desses locais, podemos chamar de acordo com a idéia de Haesbaert (1996) que existe

uma “territorialidade precária” num primeiro momento, que é importante para o tráfico

de drogas.

Neste caso é como se tivéssemos não tanto os grupos sociais excluídos do (ou incluídos precariamente) território, mas o próprio “território” definido, definido ‘de fora para dentro’ (uma espécie de “natureza territorializada”), sendo “excluído” da sociedade, no sentido de que cada vez mais são criadas áreas completamente vedadas à habitação/circulação humana, especialmente aquelas destinadas a uma alegada “proteção da natureza”, com diversas modalidades de reservas naturais criadas ao redor do mundo (HAESBAERT, 1996, p. 316, grifo do autor).

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Percebe-se que vários trechos da Terra Firme estão inseridos de acordo

com essa lógica perversa do crime, o que cria um estereótipo de que o bairro é o mais

violento de Belém, causando transtornos aos seus moradores que são obrigados a

conviver com o medo de todos os dias e o preconceito e sensacionalismo que a mídia

impõe sobre o bairro.

De fato, existe na Terra Firme áreas que são realmente muito problemáticas

no que diz respeito a criminalidade, onde as pessoas são assaltadas em qualquer

horário, principalmente se não forem do local e que o tráfico atua de maneira precária,

não impedindo a atuação de outros grupos criminosos, gerando um clima de

“instabilidade territorial” e nesse sentido os moradores se tornam reféns do crime.

Fotografia 03 - Canal da Rua do Olaria. Fonte: Couto (2007).

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Fotografia 04 - Passagem Bom Jesus. Fonte: Couto (2007).

4.7 DENSIDADE POPULACIONAL

A cidade de Belém tem uma população estimada, de acordo com os dados

do IBGE (2000), em 1.428.368 habitantes, sendo o município de maior concentração

populacional da Amazônia Oriental, além de ser uma das metrópoles da região.

O núcleo urbano de Belém é composto oficialmente por cerca de vinte

bairros e o bairro da Terra Firme. Até os anos cinqüenta tinha apenas 1,16% doas

habitantes de Belém, tendo uma das densidades por hectare mais baixas da cidade

com apenas densidade 39,7 hab/há.

A partir das décadas de setenta e oitenta, período em que o bairro recebe

um grande fluxo migratório o que possibilitou um crescimento desordenado,

intensificando a ocupação da área de várzea do igarapé Tucunduba. Segundo a

CODEM; SEGEP (2006), a população do bairro da Terra firme é “de 64.748 habitantes

e a sua densidade demográfica é de 22.69 hab/km ²”.

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Vale ressaltar que um dos fatores que proporcionou esse aumento da

população do bairro da Terra Firme foi o processo de valorização do uso do solo na

área central, o que provocou um deslocamento de pessoas para áreas periféricas, e o

fato de que no bairro ainda tinham muitas terras a serem ocupadas, facilitando a sua

expansão e, conseqüentemente, um aumento populacional.

4.8 DIFERENÇAS NO USO DO SOLO DA TERRA FIRME

Como já foi analisada neste trabalho, a produção do espaço urbano de

Belém se deu de forma diferenciada a partir de interesses diversos e conflitantes que,

de certa forma, prevaleceram os interesses dos mais fortes e não os da população

pobre. E sendo assim, contingentes populacionais foram empurrados para as áreas

periféricas da cidade, passando a organizarem seu espaço de moradia com os poucos

recursos que dispunham. Então, a década de sessenta representa o grande marco de

incorporação das baixadas no contexto urbano da cidade com um amplo processo de

periferização de Belém.

Para uma caracterização do uso do solo em Belém, antes de tudo, consiste

em primeiro lugar, identificar finalidades para o qual o solo é utilizado pelos agentes

produtores do espaço urbano. Num primeiro momento, o uso do solo no bairro da

Terra Firme mantinha apenas um caráter da habitação provisória, num segundo

momento, com a incorporação das baixadas, o bairro passa a ter um caráter

eminentemente residencial, sendo que uma grande parte ainda está sob o controle

institucional e mesmo com toda a violência que o bairro manifesta atualmente, temos

uma expansão do setor terciário com o aparecimento de algumas lojas na Avenida

principal do bairro.

O bairro da Terra Firme tem uma área de 2.368,64 Km² e abriga uma

população superior a 60.000 habitantes, sendo um dos bairros mais populoso de

Belém, resultado das transformações políticas, econômicas e sociais que a área

central de Belém sofreu a partir da década de sessenta. Devem-se ressaltar os fluxos

migratórios campo-cidade que ocorreram durante esse período que acabaram por

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refletir numa organização espacial desordenada e precária, características das áreas

de baixadas.

Os espaços mais valorizados do bairro são aqueles que detem de maior

infra-estrutura e concentra os principais serviços de atendimento à população. Assim,

identificamos na Terra Firme duas zonas: uma mais valorizada e a outra menos

valorizada. Diferenciam-se, pela estrutura urbana planejada de cada uma e de como

essa estrutura influencia no aproveitamento do uso do solo.

A zona mais valorizada situa-se na Avenida Celso Malcher e a Rua São

domingos, que concentram o comércio varejista, as principais linhas de ônibus,

prestação de serviços, além das feiras e de escolas. Atualmente, o solo urbano vem

ganhando a atenção de comerciantes e donos de grandes lojas de Belém, o que

contribui para a expansão do setor terciário.

A concentração dos serviços e equipamentos urbanos da área apresentada

acima polariza as áreas adjacentes e isso pode ser um fator que explique a atenção

espacial que vem recebendo do setor terciário. Por exemplo, na zona mais valorizada,

encontramos algumas lojas de pequeno e grande porte, como as lojas Esplanada,

Rianil, City Lar, além de uma farmácia da rede Big Bem, escolas particulares,

supermercados, posto de saúde, escolas públicas e o hortomercado municipal, além

da delegacia e da Praça Olavo Bilac em frente à Igreja São Domingos de Gusmão.

Podemos dizer que seria a área “nobre” do bairro.

Todavia, identificamos na zona mais valorizada, a forte presença daquilo que

já foi discutido neste trabalho e que o geógrafo Santos (1971) chamou de “circuito

inferior da economia que é uma característica marcante das zonas valorizadas das

baixadas’”.

As zonas menos valorizadas representam a maior parte do bairro e

apresentam algumas particularidades como: carência de equipamentos urbanos, como

água encanada, esgoto e pavimentação, problemas crônicos de alagamentos,

principalmente durante o período de chuvas, predomínio de residências de madeiras

e uma forte presença de pequenas mercearias de base familiar, que são chamadas

popularmente de tabernas, e uma organização espacial problemática com Ruas

estreitas ou esburacadas dificultando os fluxos de pessoas e automóveis.

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Na zona menos valorizada, a maioria das casas segue um padrão comum

de construção, pois são construídas com material de baixo valor, na sua maioria de

madeiras ou alvenarias inacabadas, algumas são construídas em palafitas e

dependem das estivas para se locomoverem e sofrem com o alagamento durante as

chuvas, já que a água invade as casas, temos também a presença de casas abrigando

mais de uma família em estilo de cortiço com o uso coletivo dos serviços (ver

fotografias 05,06 e 07).

Segundo Rodrigues (1996, p. 247):

No bairro da Terra Firme, cada domicílio tem, em média, 67,9 m, sendo que 65,31% foram construídos de forma precária, regra-geral em madeira branca em forma de palafitas e 34,69% em alvenaria, porém, sem a mínima observância de recursos arquitetônicos capazes de possibilitar maior conforto ambiental através da iluminação natural e ventilação adequada. Quase as totalidades das casas são cobertas por telhas de cimento amianto, material que ao mesmo tempo absorve e permite a propagação para os ambientes internos, das caloríficas produzidas pelos raios solares, tornando bastante desagradável esse ambiente.

Ao analisarmos as áreas menos valorizadas, identificamos construções de

casas em situação de risco, seja pelo alagamento, seja pelo desmoronamento e no

caso das áreas de invasão, temos um grande risco de acidentes de incêndio, pois a

energia elétrica é ilegal, ou seja, as ligações são clandestinas puxadas da rede elétrica

direto dos postes da Rede Celpa para suas casas, pondo em risco toda a comunidade

(os chamados gatos). Entretanto, vale destacar que com o aumento da violência

urbana no bairro e todo esse destaque jornalístico que a mídia destaca para a Terra

Firme, as casas estão sendo cada vez mais desvalorizadas em qualquer área do

bairro, tanto na zona mais valorizada, quanto na zona menos valorizada.

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Fotografia 05 - Ocupação do braço do Tucunduba. Fonte: Couto (2007).

Fotografia 06 - Ocupação do Tucunduba. Fonte: Couto (2007).

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Fotografia 07 - Passagem Lambaris. Fonte: Couto (2007)

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5 A “TERRITORIALIZAÇÃO PERVERSA” E A ECONOMIA DO TRÁFICO DE

DROGAS NO BAIRRO DA TERRA FIRME

5.1 A DINÂMICA ECONÔMICA DO TRÁFICO DE DROGAS NO BAIRRO DA TERRA

FIRME

Como vimos, a produção desigual do espaço urbano, de certa forma,

contribuiu para configuração de enclaves territoriais do tráfico de drogas em várias

metrópoles brasileiras, inclusive em Belém. Em nossa análise espacial, em que se

trata do tráfico de drogas no bairro da Terra Firme, é importante antes de destacar a

questão territorial dessa atividade, fazer uma reflexão acerca da dimensão econômica

que a venda da droga desempenha dentro e fora do bairro, já que não atua como uma

atividade isolada, como ressalta Souza (2005, p. 53, grifo do autor):

[...] a dinâmica econômica e sociopolítica de numerosas cidades brasileiras vem sendo influenciada crescentemente pela presença do tráfico. Este não é, por conseguinte, uma realidade meramente ‘marginal’ e, portanto, não pode ser encarado como um tema ‘exótico’; trata-se de algo cada vez mais ’normal’ e relevante, cujos efeitos se fazem sentir quotidianamente e nos mais diferentes setores da vida social, sobretudo nas metrópoles [...].

Para tanto, parte-se da premissa que agentes extrabairro, ou seja, que não

residem no bairro da Terra Firme, atuam como distribuidores da droga que é

comercializada nas chamadas “bocas de fumo” e com isso tem um grande poder de

influência sobre as áreas onde o comércio da droga é realizado, contribuindo para a

espacialização do fenômeno.

Um outro ponto importante a ser destacado é que geralmente as áreas

escolhidas para a comercialização do tráfico são as mais periferizadas e problemáticas

nas áreas de infra-estrutura e serviços urbanos, o que deixa bem claro que

estrategicamente o tráfico se territorializa nessas áreas e a partir daí ampliam seu raio

de ação.

Percebe-se que o tráfico aproveita-se de alguns problemas sociais como o

desemprego, por exemplo, e é nesse sentido que a venda da droga se torna uma

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estratégia de ganhos altamente lucrativos diante de uma possibilidade de inserção

econômica, pois o vendedor chamado de “boqueiro” ou popularmente conhecido como

traficante, chega a ganhar entre R$ 200,00 a R$ 300,00 por dia, dependendo da

procura pelo pó de cocaína, pois essa droga é fornecida pelo traficante distribuidor

pelo preço de R$ 200, 00 250g e é comercializada por R$ 15,00 a peteca, sendo que

250g dão para fazer até 200 petecas, o que pode gerar um lucro de até R$ 3.000,00

pela venda de toda a droga.

Além do comércio de pó de cocaína, tem-se a venda da pasta de cocaína

que é comercializada a um preço inferior ao do pó, pois a pasta de cocaína é fornecida

por R$ 150,00 250g e vendida a R$ 10,00 a peteca, gerando um capital no final de até

R$ 2.000,00 pela venda total do produto. É importante destacar que a venda da pasta

de cocaína movimenta o comércio da maconha, pois a pasta, para ser consumida

pelos viciados, deve ser misturada com maconha ou cigarro e neste caso, a maconha

acaba sendo vendida pelo preço de R$ 300,00 o cartucho, ou seja, é a droga mais

barata do sistema e fornecida a um preço de R$ 150,00 o kg sendo que até 90

cartuchos de maconha podem ser vendidos gerando no final da venda um, capital de

R$ 270,00.

Nesse sentido, o comércio ilegal da droga no bairro da Terra Firme gera um

grande excedente de capital para o vendedor da droga extrabairro (distribuidor) e para

o vendedor interno (boqueiro ou traficante), pois quanto mais a droga é vendida, mais

a cadeia se fortalece e maiores são lucros, principalmente do distribuidor que passará

a vender em quantidades maiores pela garantia do mercado.

Portanto, ao entrar no tráfico, dificilmente o indivíduo consegue sair desse

sistema, pois ele passa a ter uma relação de dependência econômica e política, já que

gera lucro e, ao mesmo tempo, fica nas mãos do distribuidor que representa o

traficante de maior do sistema que quer, a qualquer custo, garantir o retorno

econômico com o comércio da droga.

Além disso, existe o chamado “acerto” que é praticado por policiais e ex-

policiais corruptos que também ganham com o tráfico, dando cobertura e extorquindo

os traficantes, ou seja, nesse sistema, muitos ganham com o tráfico e a dimensão dos

ganhos chega a ser algo surpreendente e incalculável, pois traficantes distribuidores

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compram casas, carros motos, recrutam os chamados “soldados” para fazerem sua

segurança e esbanjam dinheiro em festas de aparelhagem, além de formarem um

verdadeiro exército de bandidos que assaltam, matam e impõe limites à sociedade, ou

seja, reproduzem a cultura da violência urbana.

Facilmente as pessoas pobres são captadas pelo tráfico de drogas,

principalmente crianças e adolescentes que ao perceberem as possibilidades de

ganhos, ignoram as possibilidades de riscos ao entrarem no sistema. Além disso, uma

grande leva de pessoas que não concluíram os estudos e estão desempregadas

passam rapidamente para o tráfico ou como vendedores, consumidores ou soldados

dos traficantes. No caso de consumidores, eles partem para os assaltos à mão armada

e pequenos furtos, pois precisam de dinheiro para consumir a droga.

A vinculação com a economia ilegal se dá sobre a base de uma racionalidade econômica, aplicada à luz da realidade social de um país marcado por uma proverbial desigualdade de oportunidades, notadamente no que tange ao acesso a bons empregos no setor formal da economia, e não por qualquer ‘desvio moral’ ou ‘inclinação patológica do crime’ (SOUZA, 2005, p. 67, grifo do autor).

Assim, é perceptível a relação que o tráfico de drogas tem com a população

segregada e pobre do bairro da Terra Firme, pois são essas pessoas que serão

utilizadas como soldados, aviões e vendedores dentro do sistema de comercialização

da droga. E se tratando de um bairro periférico como a Terra Firme, percebe-se que as

dificuldades para a materialização do tráfico são poucas, pois ainda encontram-se

áreas precárias, verdadeiras favelas e bolsões de miséria e pobreza com famílias

desestruturadas, desemprego, alcoolismo, tabagismo, analfabetismo, ausência de

qualificação profissional, ou seja, tudo aquilo de que a economia do tráfico de drogas

necessita para se firmar como uma oportunidade crescente de ascensão econômica e

melhor acesso aos bens de consumo básicos para a manutenção da vida.

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5.2 OS ATORES SOCIAS DO TRÁFICO DE DROGAS NA TERRA FIRME

Entender a dinâmica econômica do tráfico de drogas no bairro da Terra

Firme parte do pressuposto de que é preciso fazer uma reflexão sobre seus atores

sociais e a importâncias destes para o comércio da droga, desde a sua distribuição e

venda até a chegada ao consumidor final. Nesta pesquisa foram identificados alguns

atores relevantes que serão destacados aqui para a análise desta temática:

a) Distribuidor (Traficante A): tem a função principal na economia do tráfico de

drogas no bairro, pois ele recebe a droga de estrangeiros (Venezuelanos,

Peruanos e Colombianos) ou então vão ao encontro da droga nos países

produtores (Venezuela, Peru e Colômbia) e se encarregam de atravessar, fazer

a distribuição da droga nos bairro de Belém, passando para outros traficantes

ou então montando pontos de vendas de droga;

b) Vendedor (Traficante B): são as pessoas que recebem a droga do distribuidor

(A) e realizam o comércio em pontos de venda, são chamados também de

“boqueiros” ou traficantes, pois na Terra Firme, todas as pessoas que mantém

pontos de venda de droga são consideradas traficantes, o que lhes dá um

grande respeito no bairro por conta dos moradores que passam a temê-los;

c) Gerente de boca: são pessoas que recebem a droga do distribuidor (traficante

A) para comercializarem a droga em uma determinada área de atuação de um

determinado grupo, quase sempre ocorrendo conflitos de grupos rivais que

almejam ampliar a influência e a área de atuação para aumentar os ganhos da

venda da droga;

d) Avião: são pessoas que são contratadas pelos traficantes A ou B para fazerem

o comércio da droga fora do ponto central de venda, pois esses aviões são

importantes porque marcam os consumidores da droga e não os levam

diretamente no ponto central o que serve de estratégia de segurança, caso o

consumidor seja preso com a droga, além disso, os aviões delimitam a área de

atuação que pode ser ampliada ou reduzida, dependendo da atuação de outros

grupos;

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e) Olheiro: essa gente tem o papel de alertar o avião ou o traficante (b) quando a

polícia chega ao local para fazer o acerto ou então para uma outra atividade

qualquer. Ele também observa os movimentos quotidianos dos moradores e

leva a informação para o traficante (A). Se algum morador está interferindo no

sistema, se isso acontecer, este morador devera ser punido, como represália;

f) Soldados: são as pessoas que sempre estão acompanhando o traficante (A) ou

o traficante (B), eles se encarregam de fazer a segurança e de também

promover os acertos de contas, assim chamado por eles, com os que têm

dívidas com o sistema e com grupos rivais ou até mesmo com qualquer pessoa

seja de bem ou de mal, basta que o traficante mande, que eles obedecem,

reprimindo as pessoas;

g) Viciados ou malucos: são os consumidores de todo e qualquer tipo de droga

comercializada no bairro. Eles promovem assaltos, pequenos furtos,

arrombamentos etc. Para conseguirem dinheiro para consumirem a droga, que

pode ser a maconha, a pasta de cocaína (popularmente chamada de nóia) ou o

pó de cocaína (chamado de ouro branco), cometem muitos assaltos no bairro

da Terra Firme. Hoje, muitos deles podem ser relacionados com o aumento do

consumo de pó de cocaína o que contribui para uma manifestação da

“criminalidade violenta” sobre os moradores e uma lógica de perversidade por

conta dos criminosos;

h) Bate pau: são policias desligados ou ainda com ligação com a polícia, que

atuam como corruptos e se beneficiam do tráfico de drogas recebendo dinheiro

para não desmontarem o sistema, o que de certa forma favorece o

fortalecimento do sistema, pois é necessário vender uma quantidade maior de

droga, o que requer um consumo maior e impulsiona uma maior atuação da

criminalidade em busca de dinheiro para o consumo. E se tratando do traficante

(B), ele tem que pagar a dívida com o traficante (A) e para isso, ele conduz

assaltos à mão armada através de aluguel de armas ou então ele planeja a

atuação de assaltantes e, desta forma, cobrem o prejuízo com o acerto.

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A atuação desses diversos atores sociais abordados acima é importante não

apenas para o comércio ilícito da droga, como também para a dominação política do

território pelo tráfico de drogas. O território, neste caso, pode ser analisado em seu

sentido político-econômico e simbolico-cultural na perspectiva de Haesbaert (2002).

Então: [...] a concepção de território analisado neste trabalho serão essas duas citadas acima, a primeira diz respeito à concepção de território político – econômico, onde o território é visto como um espaço delimitado e controlado, através do qual se exerce um determinado poder, na maioria das vezes – mas não exclusivamente – relacionada ao poder político do estado e ao mesmo tempo o território é visto como fonte de recursos e/ou incorporados no embate entre as classes sociais e na relação capital – trabalho (HAESBAERT, 2002, p. 121).

No caso do território do tráfico de drogas na Terra Firme, a atuação de

grupos criminosos desafia o poder público a partir do momento que a “criminalidade

violenta” se manifesta como barreira a alguns serviços públicos ou então passando a

ter o controle efetivo do território através da força, impedindo a atuação de outros

grupos e monitorando a vida dos moradores, estabelecendo regras que devem ser

cumpridas e nunca desrespeitadas. Como destacam os entrevistados abaixo:

“A coisa mais impressionante que eu já vi aqui na Terra Firme durante esses

10 anos que moro aqui foi ter que observar a Celpa fazendo o trabalho na rua com um

carro cheio de seguranças armados e preparados para atirar, fiquei pensando se

aquilo ali era uma guerra, mas depois lembrei que na Ligação os serviços só chegam

assim” (informação verbal)1.

“Comprei uma geladeira na Yamada e pedi para que eles viessem entregar

em casa, quando eu dei o endereço e disse que era na passagem Ligação, eles se

recusaram por que já haviam sofrido vários assaltos na Terra Firme, inclusive na

Ligação, aqui os bandidos tomaram de conta, o tráfico de drogas controla até a nossa

1 Funcionário público. Entrevista concedida à Aiala Couto. Belém, mar. 2008.

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vida, estamos à mercê do crime e o pior que a polícia sabe, mas não faz nada”

(informação verbal)2.

“É um verdadeiro inferno morar na Terra Firme em algumas ruas, os

serviços do correio não chegam, os táxis não querem entrar, nem a polícia entra, pois

estamos nas mãos dos bandidos, tá parecendo o Rio de janeiro, os criminosos já

tomam de conta de muitas ruas e tá difícil reverter o quadro. No Tucunduba, por

exemplo, o tráfico de drogas impera e todo mundo sabe, mas ninguém pode fazer

nada, eles fazem à lei, mando e desmandam” (informação verbal)3.

A outra concepção de território analisada aqui de acordo com a proposta de

Haesbaert (2002, p. 121), é a relacionada com concepção de território simbólico –

cultural, “que prioriza a dimensão simbólica e mais subjetiva, em que o território é

visto, sobretudo, como o produto da apropriação/valorização simbólica de um grupo

em relação ao seu espaço vivido”.

Em alguns territórios controlados pelo tráfico de drogas no bairro da Terra

Firme, existe uma representação simbólica do crime que é utilizada como estratégia de

controle do território. Com os constantes assaltos, as pessoas que não residem no

local ou até mesmo o grupo têm certo respeito aos moradores da área, impedindo os

assaltos, prestando favores. Na verdade faz parte de uma estratégia, pois são

territórios consolidados ao longo do tempo por grupos que surgem e aí se reproduzem

e o conhecimento quotidiano do bairro e a relação com espaço vivido são importantes

para o sistema ilegal da droga, além do mais, nessas áreas podem surgir mais

soldados, mais aviões e mais olheiros que são importantes para a manutenção do

comércio da droga. Para Gomes (2002 p. 64):

Esse espaço não é só fortemente marcado, como também preenchido de signos inclusivos, ou seja, que demarcam a presença ou controle daquele território pelo grupo ou comunidade. Não raramente ritos iniciadores funcionam como provas de fidelidade, como julgamentos de submissão à ordem comunitária ou como confirmação do poder do grupo sobre os indivíduos e sobre o espaço. Esses ritos são organizados também segundo percursos espaciais, carregados de simbolismo, seja em incursões em áreas

2 Aposentado 52 anos. Entrevista concedida à Aiala Couto. Belém, mar. 2008. 3 Promotor de vendas 28 anos. Entrevista concedida à Aiala Couto. Belém, mar. 2008.

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de conflito, seja em estadias do grupo original ou ainda pela organização de roteiros iniciáticos.

Em algumas ruas onde o tráfico se manifesta é perceptível alguns elementos

que são reconhecidos por outros grupos como uma demarcação simbólica do tráfico

de drogas, ou representam áreas de risco como a polícia prefere chamar, a exemplo

da velha ponte da Passagem Nossa Senhora das Graças (ver fotografia 08) que é

conhecida no bairro pela atuação de grupos ligados ao tráfico de drogas na área de

encontro. Na Passagem 24 de dezembro, onde o comércio da droga impera

destacando-se por ser uma área de alta periculosidade, principalmente para

moradores que não são reconhecidos como da área, ocorrem assaltos constantes e

assassinatos, não sendo recomendável passar por essa área tarde da noite.

Fotografia 08 - Ponte da Passagem Nossa Senhora das Graças. Fonte: Couto (2007).

As drogas mais comercializadas na área acima destacada são a maconha e

a pasta de cocaína (nóia) e podem ser compradas diretamente na boca, ou seja, no

ponto central de venda da droga. Existem vários pontos nessa área, que já foi

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conhecida em Belém como o “Shopping da droga”, pela facilidade de acesso e pela

quantidade de droga comercializada. É importante destacar que se trata de pontos de

articulação do distribuidor (traficante A) com pessoas que fazem o comércio da droga

em troca de salários, nesse caso, os “gerentes da boca”, também chamados de

traficantes, pelo fato de venderem a droga.

Outro ponto importante a destacar da Passagem Nossa senhora das graças

com a Passagem 24 de Dezembro, é que ela já foi área de disputa de traficantes que

tinham, ou ainda têm, interesse no comércio local da droga.

Fotografia 09 - Passagem 24 de Dezembro. Fonte: Couto (2008).

Outro destaque no bairro da Terra Firme, pelo comércio de drogas, diz

respeito à área da Malvina (ver fotografias 11 e 12) que corresponde aos limites do

bairro do Guamá, canudos e Terra Firme, na baixada do canal da Mundurucus, pois na

década de 80 essa área foi ocupada por sem tetos que construíram uma ocupação

espontânea e que não representava condições dignas de habitabilidade humana.

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Nesse sentido, surge uma configuração espacial adensada e desorganizada

com uma grande massa de pessoas aglomeradas em uma favela que se localizava

sobre o canal, sujeitas às enchentes, desabamentos das casas construídas

precariamente, doenças, além de maior exposição ao crime, pois se trata de uma área

de exclusão social e segregação, ou seja, que não obedece aos padrões da cidade

legal e sim à margem dessa cidade, construída a partir de uma carência das políticas

urbanas, como ressalta Souza (2005, p.135):

Nas cidades de um país como o Brasil, onde a estratificação em classes, embora muito mais complexa hoje que há cinqüenta anos, nem por isso é menos presente, assim como tampouco a pobreza (inclusive a absoluta) e a segregação estão longe de serem coisas do passado, as duas questões, ou seja, a da não-satisfação de necessidades básicas a dos riscos ambientais, coexistem dramaticamente no quotidiano das populações pobres, sobretudo das favelas.

Ressaltamos que neste contexto de desorganização sócio-espacial a partir

do fenômeno urbano experimentado pela sociedade brasileira e ao longo deste

trabalho, a preocupação esteve centrada na problemática urbana, principalmente

aquela visualizada pelo viés da violência urbana que se reproduz em áreas faveladas e

se expande na cidade, e nesse sentido cabe destacar a atuação do tráfico de drogas

em área faveladas de Belém. “As favelas, sendo um dos pontos de maior importância

no esquema de venda de drogas, se justificam amplamente à medida que, apesar de

se constituir um ilícito penal, representa uma maior circulação de renda no interior

dessa estrutura espacial.” (CAMPOS, 2005, p. 85).

Com o projeto de macrodrenagem, a invasão da Malvina, como era

popularmente conhecida no bairro da Terra Firme, desapareceu, mas deixou como

herança, uma configuração urbana problemática e caótica do ponto de vista social e

ambiental, onde a população ficou exposta aos riscos quotidianos dos constantes

conflitos entre facções rivais e nessa área o destaque também é para a venda de

maconha e pasta de cocaína, fazendo frente ao comércio da Passagem Nossa

senhora das graças com a 24 de Dezembro.

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Além disso, a grande quantidade de becos existente nessa área é utilizada

estrategicamente por bandidos para fugirem da polícia ou de assaltos cometidos por

perto, dificultando a atuação polícia e, conseqüentemente, favorecendo a atuação do

crime, pois onde a polícia não se faz presente o crime se apresenta como o “dono do

pedaço”, territorializando-se e atuando de forma eficaz tanto na dominação político-

econômica quanto na apropriação simbólico-cultural do território.

Fotografia 10 - Beco da Malvina. Fonte: Couto (2007).

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Fotografia 11: Ocupação da baixada do Canal da Mundurucus. Fonte: Couto (2007).

5.3 FATORES QUE LEVAM AO TRÁFICO DE DROGAS NA TERRA FIRME

Não foi tarefa fácil investigar as razões que levam um jovem no bairro da

Terra Firme a se envolver com o tráfico de drogas ou com quadrilhas de assaltantes,

pois nas entrevistas foram levados em consideração os pontos de vistas dos

entrevistados como forma de se chegar a uma justificativa que explicasse a entrada

desses jovens ao mundo do crime sem, contudo, deixar levar-se pelas armadilhas das

teorias existentes acerca da explicação das causas da criminalidade, não querendo

formular generalizações e sim buscar versões possíveis para a explicação do

fenômeno, se aproveitado das informações recolhidas em campo através das

entrevistas realizadas que foram importantes para se chegar a algumas conclusões.

Sendo assim, apresento algumas categorias que serão analisadas de acordo com a

fala dos entrevistados.

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5.3.1 O desemprego

Como foi observado nas entrevistas, um dos fatores que levam os jovens a

entrarem no crime pode ser relacionado com a questão do desemprego, pois muito

desses jovens começaram a trabalhar muito cedo, o que, de certa forma, contribui para

que ele não concluísse os estudos e, portanto, não se qualificasse e, diante de um

mercado de trabalho onde o desemprego e crescente, as exigências são tamanhas, e

esses jovens não representam uma mão de obra qualificada e, portanto, têm

dificuldade de se inserirem no mercado formal.

A possibilidade de retorno à escola fica remota, pois eles alegam cansaço

físico e falta de incentivo à educação. A maioria tem pais analfabetos e semi-

analfabetos que não estimulam o retorno do filho para a escola e assim são levados ao

trabalho informal como uma forma de garantir recurso para ajudar a família e a si

próprio e nesse contexto pode ocorrer o contato com as drogas e outras formas de

criminalidade, podendo os transformar em viciados, aviões ou assaltantes.

[...]Há um núcleo de cálculo econômico racional que desestimula os jovens pobres, moradores de favelas e loteamentos periféricos, a optarem por um emprego de salário mínimo ou um subemprego mal-remunerado em detrimento de uma colocação mais bem remunerada no âmbito de uma quadrilha. Isso para não falar do desemprego crescente (SOUZA, 2005).

Diante da situação de pobreza e de uma estrutura familiar muitas vezes

abalada, os jovens sentem a necessidade e o desejo de consumo de alguns bens e os

lucros com a venda da droga ou com assaltos facilita o seu acesso a esses bens. A

maioria dos entrevistados é jovem que mora em situação de pobreza, em áreas

faveladas que surgiram de ocupações e alguns começaram a trabalhar com os seus

pais nas feiras ou como vendedores ambulantes para ajudar na despesa da casa,

passando a não terem mais aptidão pelos estudos e assim, facilmente, são cooptados

pelo crime, como relata os entrevistados abaixo:

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“Eu não tinha emprego fixo, trabalhava com meu avô aí no mercado,

ganhava muito pouco, agora eu não ando por aí sem grana e ando bem arrumado,

então não tenho nada pra reclamar do tráfico, não tô roubado ninguém” (informação

verbal)4.

“Não tive oportunidade na vida, parei de estudar na 4º série, então não tinha

emprego pra mim e por isso prefiro vender bagulho aqui no setor, porque todo dia eu

tenho dinheiro e ainda dou uma forra lá em casa pra minha coroa, foda-se quem não

gostar” (informação verbal)5 .

“Não vou conseguir emprego porque parei na 3º série, então eu não posso

ficar aqui nessa vidinha bandida de andar liso, por isso eu meto bicho, velho. Tu sabe

que a situação não é fácil, por isso, te liga doido, aqui na TF ou tu é ladrão ou tu é

otário e eu não quero ser otário, ainda mais otário e liso (risos)” (informação verbal) 6.

“Parei de ser 157, prefiro ficar aqui na minha, vendendo o meu pó sem tirar

onda com ninguém. Tenho duas filhas pra criá e sou louco por elas. Se depender de

mim, elas não vão ter o mesmo destino que eu tive, sem estudo” (informação verbal)7.

O tráfico de drogas sustenta todo um sistema econômico no bairro da Terra

Firme que vai dos vendedores da droga até os consumidores, que muitas vezes são

grupos de quadrilhas de assaltantes que roubam também para consumir, fumar

maconha, cheira pó ou fumar pasta de cocaína e, sendo assim, o desemprego deixa

os jovens mais maleáveis, como ressaltou Castells (1996), para essa “integração

perversa” ligada à economia do crime.

5.3.2 Busca por dinheiro

Essa categoria está relacionada com o ideal de consumo que os jovens

podem ter a partir do momento que passam a ter contato com o dinheiro que vem de

forma muito fácil pela ilegalidade, sem muito esforço e assim passam a freqüentar

festas de aparelhagens, consumirem grandes quantidades de bebidas alcoólicas,

4 Jovem 19 anos. Entrevista concedida à Aiala Couto. Belém, abr. 2008. 5 Jovem 23 anos. Entrevista concedida à Aiala Couto. Belém, abr. 2008. 6 Jovem 22 anos. Entrevista concedida à Aiala Couto. Belém, abr. 2008. 7 Jovem 25 anos. Entrevista concedida a Aiala Couto. Belém, abr, 2008.

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roupas de marcas, mulheres e armas, o que estimula uma reprodução da cultura da

“criminalidade violenta no bairro”, o que o destaca como um bairro violento.

Na Terra Firme os jovens entram facilmente no mundo do crime, são

seduzidos pelos altos lucros com a venda da droga e ao mesmo tempo pelo prestígio

que eles passam a ter dentro bairro diante dos moradores, que passam a temê-los e

respeitá-los.

A possibilidade de um jovem passar a andar com dinheiro, mulheres bonitas

e com roupas de marcas aumenta com a sua entrada no tráfico de drogas, como avião

ou então em quadrilhas de assaltantes, onde, ao fazer parte desse círculo criminoso,

ganha certa “fama” no bairro, que vai despertar certo respeito diante dos outros

bandidos, o que não descarta a possibilidade de gerar um conflito por disputas de

pontos de venda de droga.

Vale destacar que o dinheiro não é o único fator de atração para a

criminalidade, mas o prestígio local principalmente perante os outros jovens e as

mulheres, o que serve para a reprodução dessa lógica da criminalidade, onde alguns

jovens pobres do bairro podem passar a se inspirar em bandidos. Além disso, o poder

que eles passam a ter ao portarem uma arma de fogo, sem serem autoridade, no

bairro, tudo isso pode ser destacado como fatores de reprodução da violência. Afinal,

para quem quotidianamente experimenta o desprezo e a discriminação, de fundo tanto

econômico quanto racista, da parte dos privilegiados da cidade, qualquer sensação de

poder é fonte de incremento de auto-estima (SOUZA, 2005, p. 67).

Os jovens entrevistados sabem do risco que correm ao fazerem parte da

economia do crime, porém, a maioria deles ressaltou que mais vale ter um tempo de

vida curto, mas aproveitar bastante do que ter uma vida dura e sofrida como a de seus

pais, como relataram os entrevistados abaixo:

“Eu sei, velho, que posso morrer a qualquer momento com um tiro na

cabeça de um rival ou de um policial, mas posso te dar o papo, velho, que já curti

muito nessa vida e com certeza, na moral, mais que meu pai que só trabalhou a vida

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toda e nunca teve nada. Eu, pelo menos, ando com dinheiro e com mulher gostosa”

(informação verbal)8.

“A gente tá aqui nessa vida só de passagem, então todo mundo vai ter que

morrer um dia e eu não quero morrer de tanto trabalhar e não aproveitar nada da vida.

Por isso, eu vou curtir em tudo que é lugar, quando eu tô de cima. Meu pai morreu no

trabalho e o filho da puta do patrão dele ainda queria enrolar a indenização, aí eu fui lá

e assaltei a loja dele, foda-se. Ele teve largura de eu não ter matado ele porque ele

não fica lá, eu já tenho minha própria casa e no final de semana to com meu dinheiro”

(informação verbal)9.

Percebe-se que nos dois últimos comentários existe uma ânsia por querer

aproveitar a vida de forma intensa sem se preocupar com os riscos e neste aspecto o

tráfico de rogas ganha porque sabe onde recrutar pessoas e sabem também onde

vender a droga o que contribui para a expansão da criminalidade. O que temos então é

um bairro onde, para muitos, as necessidades básicas são satisfeitas com a

ilegalidade que está presente na Terra Firme. Nesse contexto de desorganização

social, aumenta o preconceito em relação aos moradores do bairro, que são vítimas da

violência marginal ou policial, do “abandono” e da discriminação.

5.3.3 Salários baixos

Este fator se enquadra como mais um estimulante ao tráfico, pois foi

argumentado que os baixos salários pagos não conseguem levar a um acesso aos

recursos necessários para um padrão de vida digno. Sendo assim, alguns entram no

tráfico e ao se depararem com lucros maiores do que o salário do trabalhador,

preferem praticar essa atividade que pode levar aos recursos inerentes para a

manutenção da vida como relata os entrevistados abaixo:

“Quando eu trabalhava nu supermercado, o dinheiro não dava pra manter a

família. Como que tu vai conseguir sustentar duas filhas e morar bem com um

8 Jovem 19 anos. Entrevista concedida a Aiala Couto. Belém, maio, 2008. 9 Jovem 17 anos. Entrevista concedida a Aiala Couto. Belém, abr, 2008.

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miserável salário? Aí, meu irmão, quando passei a vendê pro cara, comecei a ganhar

até quatro vezes o que eu recebia antes, não sou viciado, só vendo, então dá pra ter

lucro sim” (informação verbal)10.

“Doido, eu até queria sair dessa onda, mas, porra cara, como vou dá o

melhor pra minha filha com um salário?” (informação verbal)11.

“Com a venda de bagulho eu comprei carro e moto e tô com a minha casa,

nunca ia ter isso se tivesse ter que trabalhar pra ganhar uma miséria, tô errado eu tô,

mas tô bem, graças a Deus” (informação verbal)12.

É relevante a questão do salário para a análise da entrada de pessoas no

tráfico de drogas, pois quando começam a ter contato com muito dinheiro, começam a

perceber que o tráfico de drogas pode levá-los ao consumo de mercadorias que jamais

iriam conseguir se estivessem trabalhando para ganhar um salário baixo, contudo

deve-se entender que se trata de áreas precárias e de uma população pobre que é

inserida no sistema do tráfico de drogas e com isso, o lucro do tráfico é um fator que

facilita a permanecia dessas pessoas no esquema. Alguns chegam a ter um lucro

muito maior quando são os donos da boca e convencem os outros a trabalharem como

aviões do tráfico em seu ponto de venda de drogas, daí um fator importante para a

organização dessa atividade.

5.3.4 Famílias desestruturadas

Esse pode ser entendido como um dos fatores fundamentais para a entrada

dos jovens no esquema do tráfico de drogas, pois alguns entrevistado relataram o

drama que viveram quando crianças, sem apoio dos pais ou da família para os estudos

e para as suas necessidades básicas, sem perspectivas de melhoria de vida e tendo

que enfrentar problemas relacionados à exclusão e ao preconceito. Ficam às margens

da cidadania e são facilmente cooptados pelo tráfico ou então se tornam assaltantes

de alta periculosidade.

10 Adulto 31 anos. Entrevista concedida a Aiala Couto. Belém, jun, 2008. 11 Adulto 28 anos. Entrevista concedida a Aiala Couto. Belém, jun, 2008. 12 Adulto 31 anos. Entrevista concedida a Aiala Couto. Belém, ago, 2008.

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Em alguns casos, jovens ficam jogados à sorte, sem pai ou sem mãe,

morando com os avós. Alguns pais estão presos ou mortos e algumas mães são

solteiras e semi-analfabetas, não dando muita importância para os estudos dos filhos e

tendo que trabalhar como empregada doméstica. Não conseguem dar os recursos

necessários para os filhos.

Um grande número de jovens habitantes afronta as políticas neoliberais na

ilegalidade e na violência. É ao traficar que esperam conservar a liderança e a

responsabilidade de participar do mundo global. A profissão de traficante está em

constante mutação: a atividade exercida de maneira artesanal na esquina da rua está

se tornando um dos setores mais rentáveis da economia mundial. Ainda assim, é uma

profissão de sobrevivência, em que a ascensão social é muitas vezes interrompida

brutalmente (Bourgois, 1997).

É com o sentimento, vontade que essas crianças crescem e a todo o

momento alimentando um sonho de consumo que não pode ser realizado e ao

entrarem na criminalidade e tendo contato com os recursos, dificilmente um jovem

volta a ter uma vida normal. “Os jovens bandidos não se conformam com a vida pobre

em vigoroso contraste com o consumo e riqueza que vêem na televisão e na vida real

(VELHO, 1996, p. 21)”. Daí um dos maiores problemas enfrentados pela metrópole de

Belém, a entrada dos jovens em grupos ligados ao tráfico ou a quadrilhas de

assaltantes.

5.4 A VIOLÊCIA URBANA E A “TERRITORIALIZAÇÃO PERVERSA”

O território do tráfico de drogas na Terra Firme deve ser notado pelos

agentes de outros grupos ligados ao sistema ou pelos consumidores, assim como

pelas pessoas que residem no bairro. Nesse sentido, alguns grupos impõem uma

demarcação simbólica no território em que atuam. Para isso, nomes simbólicos são

dados a algumas áreas controlados pelo tráfico como: Morro, Rocinha, Malvina, Ponte

etc. São nomes simbólicos que demonstram uma relação de identidade territorial dos

atores sociais envolvidos.

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Segundo Gomes (2002, p.64):

A simbologia é definidora de um espaço comum, privativo ou desejado pela comunidade. Aos elementos estranhos ao grupo, essa linguagem do espaço pode parecer opaca. Trata-se muito mais de simples notação de um domínio ou de uma presença. O fato marcante é que esses símbolos só ganham transparência para os iniciados, mas são os marcos efetivos de uma visibilidade que nem sempre quer ser compreendida, querendo apenas ser notada.

Parte-se do pressuposto que para o tráfico de drogas no bairro, o território

tem além de um sentido político, um valor simbólico, por isso nesta discussão é

importante uma análise da proposta integradora do professor Haesbaert (2002) na sua

concepção de território na dominação político-econômica e na apropriação simbólico-

cultural, não descartando a importância do trabalho de Souza (1995, p. 78) no qual:

[...] o território é fundamentalmente um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder. Pensando o território do narcotráfico como uma estrutura espacial preparada para a guerra, ele atende então a essa primeira exigência, pois tinha relações de poder constituído externamente com o Estado, buscando o controle do território.

Então, a “territorialização perversa” do tráfico e de outros grupos criminosos

ocorre quando os atores sociais inseridos nesse processo impõem todo e qualquer tipo

de violência sobre as pessoas residentes ou não no bairro da Terra Firme, aquilo que

Souza (2008), em seu livro Fobópole, fala, que é sobre a questão do medo

generalizado e da militarização da questão urbana no Rio de Janeiro onde:

Fobópole é uma cidade em que grande parte de seus habitantes, presumivelmente, padece de estresse crônico (entre outras síndromes fóbico-ansiosas, inclusive transtorno de estresse pós-traumático) por causa da violência, do medo da violência e da sensação de insegurança” (SOUZA, 2008, p. 40).

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Portanto, no território, no seu sentido político-econômico, o tráfico

estabelece leis e limites que devem ser seguidos e jamais desrespeitados pelos

outros, visto que para o grupo territorializado, o território também é visto como fonte de

recursos, já que representa um valor econômico, visto que é nele que o grupo

comercializa a droga, e nesse sentido também recebe um valor simbólico-cultural que

é importante para o reconhecimento do território pelos “outros”.

A “territorialização perversa” no bairro da Terra Firme está inserida nesse

contexto acima e, portanto, a violência urbana que a metrópole de Belém sofre faz

parte de uma lógica perversa de integração ao crime onde estratégias de grupos

ligados ao tráfico de drogas desafiam o poder do Estado, criam uma outra forma de

poder paralelo a ele e influenciam a expansão da criminalidade.

A Terra Firme é vista pela sociedade como um bairro violento, perigoso e

marginalizado, controlado pelo tráfico de drogas e pela violência, recebendo um

grande destaque da mídia que destaca os principais crimes ocorridos nele, como

mostram as figuras 2, 3 e 4 (abaixo).

Figura 1 - Terra Firme pede socorro. Fonte: O Liberal (2008).

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Figura 2 - Terra Firme é um dos mais violentos. Fonte: O Liberal (2008).

Figura 4 - Terra Firme está sitiada. Fonte: O Liberal (2008).

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Ambas as reportagens fazem alusão ao clima de insegurança com a

criminalidade que a população da Terra Firme sofre. E nesse sentido, evidenciam o

controle do bairro pelos traficantes e assaltantes que colocam a população sobre o

cerco da violência, destacando o controle do bairro por bandidos.

Para não parecer que o bairro inteiro é perigoso, destacaremos as áreas

mais perigosas que, de acordo com os registros da Polícia Civil, são consideradas

áreas de risco devido ao grande número de boletins de ocorrência e as áreas

controladas pelo tráfico de drogas. Os destaques são para as ruas: São Domingos,

próximo ao Tucunduba; Lauro Sodré, no limite com o bairro do Guamá e atrás da

Escola Brigadeiro Fontenelle; Passagem Ligação; Passagem Brasília, próximo à

Ligação, Passagem Comissário; área do campo da Terra Firme; Perimetral, entorno da

UFRA e do NPI; Passagem Nossa Senhora das Graças; Rua do Olaria, área da antiga

invasão da Malvina na descida do canal da Rua dos Mundurucus; Rua 24 de

Dezembro; São Pedro com a Passagem Maranhão; invasão do Curtume Santo Antônio

e principalmente a área de entorno da ponte do Tucunduba.

Essas áreas são os destaques no bairro, apontadas como as mais perigosas

e percebe-se que no caso do entorno do Tucunduba, por representar um local de

encontro entre dois bairros populosos o Guamá e a Terra Firme, tinha-se uma imensa

área de invasão que mesmo com o projeto de revitalização do Tucunduba

permaneceram becos e locais de habitação precária que ainda demonstram o retrato

da segregação e exclusão e além disso é apontada pela polícia como o principal ponto

de entrada da droga no bairro. “Em suma, a violência introduz mais uma desigualdade

social e territorial numa cidade que já possui muitas” (CANO, 1997, p.39).

Escrever sobre a violência urbana é compreender a tática dos pobres

exasperados pela espera, as estratégias permeadas por objetivos incertos e

motivações obscuras; “é conhecer o método que empregam para alimentar-se, quando

suas mesas estão vazias e não lhes és oferecido a oportunidade de se proletarizar”

(PEDRAZZINI, 2006, p. 14).

De certo, encontram-se na Terra Firme muitas áreas com bolsões de miséria

pobreza e são a partir delas que o tráfico e a violência crescem e se territorializam,

principalmente aquelas ruas cheias de becos que servem como fuga. Pode-se dizer

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que se está diante de um processo de segregação residencial de um grupo social por

outro quando uma parcela da população é forçada ou induzida, em princípio, contra a

sua vontade, a viver em um local no qual, se pudesse escolher, não viveria – ou, pelo

menos, não viveria confinada àquele local, ou ainda melhor, àquele tipo de local.

(SOUZA, 2008, p. 56). O urbanismo desenfreado dos bairros pobres responde ao

urbanismo do medo, assim como a violência dos pobres responde à violência da

urbanização. Face à desordem que parece impor seu ritmo ao movimento das coisas

construídas, o decifrador dos “rituais do caos” (MONSIVÁ, 1995 apud PEDRAZZINI,

2006).

Portanto, para a organização do tráfico e expansão da violência urbana, faz-

se necessário uma desorganização espacial e uma massa de carentes e necessitados

urbanos que se tornam mão de obra farta e descartável para o tráfico. “A isso se

acrescenta que a organização espacial interna típica das favelas inclui uma estrutura

viária labiríntica de becos e vielas estreitos, o que dificulta as tentativas de invasão por

parte de quem não conheça bem o espaço” (SOUZA, 2008, p. 61).

Assim, é importante destacar a idéia de Arendt (1994, p.34) sobre o poder.

Ela afirma que o Poder advém da capacidade de agir em conjunto, ou seja, da

atividade de construir articulações. “É o apoio do povo que confere poder às

instituições de um país”.

Essa afirmação se enquadra na análise do tráfico de drogas. O que delega

poder a essa forma de organização é o apoio do povo, a submissão dos habitantes

vizinhos, não exatamente e apenas as armas e as formas de intimidação dos

traficantes e seus soldados. Ou seja, o narcotráfico não é poderoso por ser violento,

mas pela capacidade de articula-se de forma eficaz. Essa articulação ocorre tanto

junto a essas bases, através de solidariedades orgânicas, quanto junto aos governos e

às redes internacionais de tráfico de drogas, através de solidariedades organizacionais

de acordo com a idéia de Santos (1996).

Nesse sentido, o Estado não será poderoso, está se tornando violento como

vem ocorrendo no Rio de Janeiro, com a questão da militarização urbana e,

dificilmente, conseguirá vencer o narcotráfico sem desarticular a verdadeira base de

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poder dessa forma de crime. “A cidade é uma fábrica social da violência, onde os

jovens dos bairros pobres são proletários sem descanso” (PEDRAZZINI, 2006, p. 97).

Fotografia 12 - Área do Tucunduba. Fonte: Couto (2008).

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Fotografia 13 – Invasão da Lauro Sodré. Fonte: Couto (2008).

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Mapa 2 – Bairro da Terra Firme Fonte: Couto (2008).

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Assim, quando se observa processos de territorialização de grupos ligados

ao tráfico de drogas em áreas faveladas, têm-se enclaves territoriais em meio a uma

dialética envolvendo a abertura e o fechamento do território, ou seja, a organização em

rede articulada em cadeia com os fornecedores de armas e drogas e consumidores

que fazem parte de um sistema não isolado, mas articulada em redes de relações que

controlam território, desafiam o poder do Estado.

As fotografias 12 e 13 acima apresentam a principal porta de entrada da

droga no bairro da Terra Firme, o Tucunduba e uma invasão dominada pelo tráfico na

Rua Lauro Sodré, atrás da Escola Estadual Brigadeiro Fontenelle, e o mapa 02

demonstra a distribuição dos pontos de venda de droga e suas respectivas áreas de

influência.

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7 C0NSIDERAÇÕES FINAIS

O bairro da Terra Firme se enquadra na lógica da produção desigual do espaço

urbano da metrópole. Nesse sentido, entender a dinâmica urbana da metrópole de

Belém requer uma análise espacial dos problemas que a cidade enfrenta, visto que a

segregação sócio-espacial e a concentração da pobreza na periferia continuam

levando ao processo de exclusão social e à favelização.

Assim sendo, a urbanização excludente da cidade de Belém evidencia não

apenas estes problemas destacados acima, pois Belém vive sobre o círculo do medo e

da violência urbana. Para tanto, a criminalidade urbana expande-se na periferia da

metrópole e o tráfico de drogas se organiza em pontos estratégicos, articula sua

atuação através do território e desfia o poder do Estado.

A territorialização do tráfico de drogas no bairro da Terra Firme é um fenômeno

que surge a partir de áreas problemáticas de infra-estrutura urbana, que são

importantes para a atuação dessa atividade, levando à expansão do crime e da

violência.

Essa “territórialização perversa” apóia-se no medo e no controle do território

pelo uso da força e num bairro com tantos problemas sociais, a territorialização do

tráfico não encontra dificuldades em fixar pontos de vendas de drogas e selecionar, a

todo o momento, mão de obra para essa atividade ilegal.

A população da Terra Firme sobrevive em meio à criminalidade urbana que o

bairro demonstra, sob o controle de algumas áreas pelo tráfico e por quadrilhas de

assaltantes que impõem regras à sociedade como estratégia de controle territorial.

Contudo, identidades territoriais também são criadas e cada vez mais, jovens são

levados a fazer parte desse sistema.

Nesse sentido, tem-se uma espacialização da criminalidade violenta que

controla várias partes do bairro e reproduz a violência urbana com grande influência do

tráfico de drogas. O tráfico de drogas não é uma exclusividade dos bairros periféricos

como a Terra Firme, mas a partir dele o comércio de drogas ganha visibilidade e

incentiva a expansão do crime.

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Para tanto, os traficantes vão buscar aqueles pontos estratégicos do bairro onde

será mais fácil controlar o território e incorporar pessoas para o seu sistema. A falta de

oportunidades, a pouca participação do estado, a ausência de políticas sociais, a

ausência da família, a dificuldade de sobrevivência, os baixos salários e o desejo pelo

consumo, podem ser apontados como alguns fatores que levam à criminalidade do

tráfico de drogas.

Pode-se assim dizer que a violência impera na Terra Firme junto com tráfico de

drogas que controla grande parte do bairro e incentiva os jovens à criminalidade e

sendo assim, cabe ao estado impor limites à criminalidade e restabelecer a ordem,

caso contrário, o bairro se transformará em uma grande área controlada pelo crime

que envolverá toda a sua população.

Enquanto houver políticas urbanas de segregação e pouca presença do Estado

em áreas problemáticas na metrópole, o tráfico de drogas vai impor suas estratégias

de dominação político-econômico e apropriação simbólico-cultural. E nesta pesquisa,

procurou-se chamar a atenção para a dimensão que o problema relacionado ao tráfico

de drogas na Terra Firme alcançou nos últimos anos, destacando as formas de

organização do tráfico e os fatores determinantes para que a criminalidade violenta

continue a se expandir na cidade.

E como Belém é uma metrópole que cresceu de forma desestruturada em

direção às suas áreas de baixada, significa dizer que ainda existem outros pontos

críticos na cidade que devem ser levados em consideração para um possível projeto

de inserção social e de melhoria da qualidade de vida da população, como uma forma

de impedir a atuação do tráfico de drogas nas periferias.

Cabe ao poder publico atuar de maneira eficaz e precisa nas formulações

políticas públicas para a cidade, como forma de resgatar a cidadania e a segurança da

sociedade e esse é o maior desafio das atuais políticas urbanas, e a Terra Firme,

como um bairro popular, enquadra-se perfeitamente nas possibilidades de reprodução

da economia do narcotráfico em uma articulação que obedece à cadeia de produção e

distribuição da droga, na qual o pobre é a maior vítima da violência e a sociedade,

como um todo, refém do medo e da criminalidade.

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