a geografia de ptolomeu

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1. Ciência A Geografia de Ptolomeu, c.150 d.C. Alexandria, Egito, c.150 d.C. Ao se aproximar de Alexandria pelo mar, vindo do leste, a primeira coisa que um viajante clássico via no horizonte era a colossal torre de pedra do Farol, numa pequena ilha situada na entrada do porto da cidade. Com mais de cem metros de altura, a torre funcionava como um marco para os marinheiros que percorriam a costa egípcia, em grande parte uniforme. Durante o dia, um espelho posicionado em seu ápice acenava para os marinheiros, e à noite acendiam-se fogueiras para guiar os pilotos até a costa. Mas a torre era mais do que um simples marco de navegação. Ela anunciava aos viajantes que estavam chegando a uma das grandes cidades do mundo antigo. Alexandria foi fundada em 334 a.C. por Alexandre, o Grande, que deu o próprio nome à cidade. Após sua morte, ela tornou-se a capital da dinastia ptolomaica (nome derivado de Ptolomeu, um dos generais de Alexandre), que governaria o Egito por mais de trezentos anos e difundiria as ideias e a cultura gregas por todo o Mediterrâneo e Oriente Médio. 1 Depois de passar pelo Farol, o viajante que entrava no porto no século III a.C. se via diante de uma cidade disposta em forma de uma clâmide, o manto retangular de lã usado por Alexandre e seus soldados, uma imagem icônica do poderio militar grego. Alexandria, tal como o resto do mundo civilizado na época, estava envolta no manto da influência grega, o “umbigo” do mundo clássico. Era um exemplo vivo de uma pólis grega transplantada para solo egípcio. A ascensão da cidade representou uma mudança decisiva na geopolítica do mundo clássico. As conquistas militares de Alexandre haviam transformado o mundo grego, de um grupo de cidades-estados pequenas e insulares em uma série de dinastias imperiais espalhadas por todo o Mediterrâneo e pela Ásia. Essa concentração de riqueza e poder em impérios como a dinastia ptolomaica trouxe consigo mudanças para a guerra, tecnologia, ciência, arte, comércio e cultura. Levou a novas formas

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A geografia de ptolomeu, Brotton

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  • 1.CinciaAGeografiadePtolomeu,c.150d.C.

    Alexandria,Egito,c.150d.C.

    AoseaproximardeAlexandriapelomar,vindodo leste, aprimeiracoisaqueumviajanteclssicovianohorizonteeraacolossaltorredepedradoFarol,numapequenailhasituadanaentradadoportodacidade.Commaisde cem metros de altura, a torre funcionava como um marco para osmarinheiros que percorriam a costa egpcia, em grande parte uniforme.Durante o dia, um espelho posicionado em seu pice acenava para osmarinheiros, e noite acendiam-se fogueiras para guiar os pilotos at acosta.Mas a torre eramais do que um simplesmarco de navegao. Elaanunciavaaosviajantesqueestavamchegandoaumadasgrandescidadesdo mundo antigo. Alexandria foi fundada em 334 a.C. por Alexandre, oGrande,quedeuoprprionomecidade.Apssuamorte,elatornou-seacapital da dinastia ptolomaica (nome derivado de Ptolomeu, um dosgeneraisdeAlexandre),quegovernariaoEgitopormaisdetrezentosanosedifundiriaasideiaseaculturagregasportodooMediterrneoeOrienteMdio.1 Depois de passar pelo Farol, o viajante que entrava no porto nosculo III a.C. se via diante de uma cidade disposta em forma de umaclmide, omanto retangular de l usado por Alexandre e seus soldados,umaimagemicnicadopoderiomilitargrego.Alexandria,talcomoorestodomundocivilizadonapoca,estavaenvoltanomantodainflunciagrega,o umbigo domundo clssico. Era um exemplo vivo de umaplis gregatransplantadaparasoloegpcio.

    Aascensodacidaderepresentouumamudanadecisivanageopolticado mundo clssico. As conquistas militares de Alexandre haviamtransformadoomundogrego,deumgrupodecidades-estadospequenaseinsulares em uma srie de dinastias imperiais espalhadas por todo oMediterrneo e pela sia. Essa concentrao de riqueza e poder emimprios como a dinastia ptolomaica trouxe consigo mudanas para aguerra,tecnologia,cincia,arte,comrcioecultura.Levouanovasformas

  • deinterao,comrcio,trocadeideiaseaprendizadoentreaspessoas.Nocentro desse mundo helenstico em evoluo, que ia de Atenas ndia,entre c.330 a.C. e c.30 a.C., estava Alexandria. Do oeste, ela recebia osmercadores e comerciantes dos grandes portos e cidadesmediterrneos,todistantesquantoaSicliaeosuldaItlia,eenriqueciacomocomrciofeito com Roma, potncia em ascenso. Do norte, recebia a influnciacultural de Atenas e das cidades-estados gregas. Reconhecia a influnciadosgrandesreinospersasdoorienteeabsorviadosulariquezado frtildelta do Nilo e das vastas rotas de comrcio e reinos antigos domundosubsaariano.2

    Tal como a maioria das grandes cidades que se situam numaencruzilhadadepovos,impriosecomrcio,Alexandriatornou-setambmum ncleo de saber e erudio. De todos os grandes monumentos quedefinemacidade,nenhummaispotenteno imaginrioocidentaldoquesua antiga biblioteca. Fundada pelos Ptolomeu por volta de 300 a.C., abiblioteca de Alexandria foi uma das primeiras bibliotecas pblicas,projetadaparamanterumacpiadecadamanuscritoconhecidoescritoemgrego, bem como tradues de livros de outras lnguas antigas,especialmenteohebraico.Abibliotecacontinhamilharesdelivros,escritosem rolos de papiro, e todos catalogados e disponveis para consulta. Nocoraodesuarededepalciosreais,osPtolomeucriaramummouseion(museu),originalmenteumsanturiodedicadosnoveMusas(oudeusas),masqueelesredefiniramcomoumlugarparaocultodasmusasdosabereda erudio. Ali, os pesquisadores eram convidados a estudar, compromessasdehospedagem,pensoe,omelhordetudo,acessobiblioteca.Algumas das melhores cabeas de toda a Grcia daquele perodo foramatradas para trabalhar no museu e sua biblioteca. Euclides (c.325-265a.C.), o grandematemtico, veio de Atenas; o poeta Calmaco (c.310-240a.C.)eoastrnomoEratstenes(c.275-195a.C.)vieramambosdaLbia;omatemtico, fsico e engenheiro Arquimedes (c.287-212 a.C.) veio deSiracusa.

    AbibliotecadeAlexandriafoiumadasprimeirastentativassistemticasde reunir, classificar e catalogar o conhecimento do mundo antigo. OsPtolomeu decretaram que todos os livros que entrassem na cidadedeveriamserapreendidospelasautoridadesecopiadospelosescribasdabiblioteca(emboraseusproprietriosdescobrissem,svezes,queapenasuma cpia de seu livro original era devolvida). As estimativas daquantidadede livrosguardadosnabibliotecamostraram-semuitodifceis

  • de fazer, devido a afirmaes desvairadamente contraditrias de fontesclssicas,mas atmesmo as avaliaes conservadoras falam emmais de100miltextos.Umcomentaristaclssicodesistiudetentarcontar:Quantoaonmerode livrosecriaodebibliotecas,porqueprecisofalar,sesotodaamemriadoshomens?, escreveuele.3 Comefeito, abiblioteca eraumvastorepositriodamemriacoletivadomundoclssicocontidonoslivrosquecatalogava.Paratomaremprestadaumaexpressodahistriadacincia, era um centro de clculo, uma instituio com recursos parareunireprocessarinformaesdiversassobreumagamadeassuntos,ondegrficos,tabelasetrajetriasestocomumentemoesocombinveisvontade,edaqualosestudiosospodiamsintetizaressasinformaesembuscadeverdadesmaisgeraiseuniversais.4

    Foi ali, em um dos grandes centros de clculo e conhecimento, quenasceuamodernaelaboraodemapas.Porvoltade150d.C.,oastrnomoCludioPtolomeuescreveuumtratado intituladoGeographikHyphgesis(Esboo geogrfico), que viria a ser conhecido simplesmente como aGeografia. Sentado nas runas da outrora grande biblioteca, Ptolomeucompilou um texto que afirmava descrever o mundo conhecido e quedefiniriaacartografiapelosdoismilniosseguintes.Escritoemgregoemum rolo de papiro, com oito sees ou livros, a Geografia resumia milanosdepensamentogregosobreaforma,otamanhoeoalcancedomundohabitado. Ptolomeu definia sua tarefa de gegrafo como sendo a demostrar o mundo conhecido como uma entidade nica e contnua, suanaturezaecomoelasesitua,levandoemcontasomenteascoisasqueestoassociadasaeleemsuas linhasgeraismaisamplas,queele listavacomosendogolfos,cidadesgrandes,ospovoseosriosmaisnotveis,eascoisasmaisdignasdenotadecadaespcie.Seumtodoerasimples:Aprimeiracoisaqueprecisoinvestigaraforma,otamanhoeaposiodaTerraemrelao ao seu ambiente, de modo que seja possvel falar de sua parteconhecida,quograndeelaecomoelaeemqueparalelosdaesferaceleste cadaumadas localidades conhecida.5AGeografia que resultoudissoeramuitascoisasaomesmotempo:umrelatotopogrficodalatitudee longitude de mais de 8 mil lugares na Europa, sia e frica; umaexplicaosobreopapeldaastronomianageografia;umguiamatemticodetalhado para fazer mapas da Terra e suas regies; e o tratado queproporcionoutradiogeogrficaocidentalumadefinioduradouradegeografiaemsuma,umkitcompletoparaaconfecodemapastalcomoconcebidopelomundoantigo.6

  • Nenhum texto antes ou depois de Ptolomeu ofereceria uma exposiomais abrangente da Terra e como fazer para descrev-la. Aps suaconcluso, a Geografia de Ptolomeu desapareceu por mil anos. NenhumexemplaroriginaldapocadePtolomeusobreviveu,eelasreapareceunosculo XIII, em Bizncio, commapas desenhados por escribas bizantinosque se baseavam claramente na descrio de Ptolomeu da Terra e daposiodeseus8mil lugares,equemostramomundoclssicocomoelevia em Alexandria, no sculo II. Em ordem crescente, o Mediterrneo, aEuropa, o norte da frica, o Oriente Mdio e partes da sia parecemrelativamente familiares. As Amricas e a Australsia (Oceania), a fricameridional eoExtremoOriente, desconhecidosdePtolomeu, esto todosausentes, assim como o Pacfico e a maior parte do oceano Atlntico. Ooceano ndico aparece como um enorme lago, com o sul da fricacontornandoametadeinferiordomapaparaunir-seaumasiacadavezmaisespeculativaalestedapennsuladaMalsia.Noobstante,trata-sedeummapa que parecemos entender: com o norte no alto, tem nomes delugares quemarcam as regies-chave, e construdo com o uso de umaretcula. Tal como a maioria de seus antepassados gregos, desde Plato,Ptolomeu entendia que a Terra era redonda, e usou essa grade paraenfrentaradificuldadedeprojetarumaTerraesfricasobreumasuperfcieplana. Ele reconhecia que para desenhar um mapa retangular eranecessria uma retcula, para conseguir uma semelhana com umaimagem de um globo, de tal modo que sobre uma superfcie plana osintervalos estabelecidos nela tambm estejam em proporo to boaquantopossvelaosintervalosreais.7

    TudoissofazcomquesejatentadorveraGeografiadePtolomeucomoum prenncio precoce da cartografia moderna. Infelizmente, no tosimples assim. A opinio dos estudiosos permanece dividida quanto possibilidade ou no de Ptolomeu ter desenhado os mapas queacompanham aGeografia: muitos historiadores sustentam que as cpiasbizantinasdo sculoXIII contmosprimeirosmapasa ilustrar seu texto.Aocontrriodedisciplinascomoamedicina,nohavianenhumcampoouescola de geografia grega. No existem exemplos registrados do usoprtico demapas na Grcia clssica, e certamente no h exemplos de olivrodePtolomeutersidousadodessamaneira.

    Voltar-separa a biografia dePtolomeua fimde tentar compreender asignificao de seu livro oferece pouca ajuda. No se sabe praticamentenadasobresuavida.Nohautobiografia,esttua,nemmesmoumrelato

  • escritoporumcontemporneo.Muitosdeseusoutrostratadoscientficospermanecemperdidos.AprpriaGeografiaespalhou-sepelascomunidadescrists emuulmanas que surgirampara preencher o vazio deixadopelocolapsodoImprioRomano.Osprimeirosmanuscritosbizantinostrazempoucas pistas sobre quanto o texto haviamudado desde que Ptolomeu oescreveu. O pouco que sabemos sobre o autor baseia-se em suas obrascientficasquesobreviverameemdescriesvagasdeleescritasporfontesbizantinasmuitoposteriores.OfatodeterassumidoonomePtolemaeusindica que era provavelmente nativo e morador do Egito ptolomaico, oqual, durante sua vida, j estava sob o controle do Imprio Romano.Ptolemaeus tambm sugere, embora no prove, ascendncia grega. Onome Cludio (Claudius) indica que possua cidadania romana,possivelmente concedida a um antepassado pelo imperador Cludio. Asobservaes astronmicas registradas em seus primeiros trabalhoscientficos sugerem que ele prosperou durante os reinados dosimperadores Adriano e Marco Aurlio, dando datas aproximadas denascimento por volta do ano 100 e demorte, no depois de 170.8 Isso tudooquesabemossobreavidadePtolomeu.

    AcriaodaGeografiadePtolomeu,sobalgunsaspectos,umparadoxo.Embora se possa dizer que o livro o mais influente da histria dacartografia, incerto, como vimos, se continha mapas. Seu autor, ummatemticoeastrnomo,noseconsideravaumgegrafo,esuavidaumvaziovirtual. Ele viveuemumadasgrandes cidadesdo saberhelensticotardio, mas no momento em que seu poder e sua influncia j haviampassadodoapogeu.RomaderrubaraadinastiadosPtolomeuem30a.C.,esupervisionara o declnio gradual e a disperso da biblioteca outroragrande. Mas Ptolomeu teve sorte. Foi somente quando o grandeflorescimento do mundo helnico comeou o seu lento declnio que ascondies se tornaram propcias para a criao do livro que definiria ageografiaeacartografia;omundotinhadechegaraoseunadirantesquefossepossveldescreversuageografia.SeabibliotecadeAlexandriareuniue depois perdeu a memria dos homens, a Geografia de Ptolomeurepresentou amemria de umaparte significativa domundodo homem.Mas um texto como esse exigia a imerso de seu autor em quase ummilniodeespeculaoliterria,filosficaecientficagregasobreoscuseaterraantesquepudesseserescrito.

    EMBORA A GRCIA ARCAICA no tivesse nenhuma palavra para geografia, desde

  • pelo menos o sculo III a.C., os gregos antigos se referiam ao quechamaramosdemapacomapalavrapinax.Ooutrotermoutilizadocomfrequncia era periodos gs, literalmente circuito da Terra (umaexpresso que formaria a base de muitos tratados posteriores sobregeografia).Emboraambosostermosviessemasersubstitudospelotermolatino mappa, a formulao grega clssica tardia da geografia resistiu,composta pelo substantivo g (Terra) e o verbo graphein (desenhar ouescrever).9 Estes termos oferecem alguma luz sobre a maneira como osgregos viam osmapas e a geografia. Umpinax ummeio fsico no qualimagens ou palavras so inscritas, e periodos gs implica uma atividadefsica, especificamente dar uma volta na Terra, de forma circular. Aetimologiadegeo-grafia tambm sugereque ela era tantouma atividadevisual (desenhada) como uma declarao lingustica (escrita). EmboratodosessestermosfossemcadavezmaisusadosapartirdosculoIIIa.C.,eles estavam includos nos ramosmais reconhecveis do saber grego, ouseja,mythos(mito),historia(histria),ouphysiologia(cincianatural).

    Desde seus primrdios, a geografia grega surgiu de especulaesfilosficasecientficassobreasorigenseacriaodouniverso,emvezdederivardealgumanecessidadeespecificamenteprtica.PorvoltadapocadonascimentodeCristo, ohistoriadorgregoe autodenominadogegrafoEstrabo (c.64 a.C.-21 d.C.), remontando s suas origens ao escrever suaprpriaGeografiaemdezessetelivros,afirmouqueacinciadageografiaeraumaocupaodofilsofo.Oconhecimentonecessrioparaaprticada geografia era, para Estrabo, possudo somente pelo homem queinvestigou as coisas humanas e divinas.10 Para os gregos, mapas egeografiafaziampartedeumainvestigaoespeculativamaisamplasobreaordemdascoisas:explicaes,escritasevisuais,dasorigensdocosmosedolugardahumanidadedentrodele.

    O relato mais antigo do que poderamos chamar de geografia gregaaparece na obra do poeta que Estrabo chamade o primeiro gegrafo:Homero,cujopoemapicoIladageralmentedatadodosculoVIIIa.C.Nofinaldolivro18,quandoaguerraentregregosetroianosatingeoclmax,Ttis,medoguerreirogregoAquiles,pedeaHefesto,odeusdofogo,qued a seu filho uma armadura para lutar contra o seu adversrio troianoHeitor.AdescriofeitaporHomerodoescudoenormeepoderosoqueHefesto molda para Aquiles um dos primeiros exemplos literrios deekphrasis,umadescriovvidadeumaobradearte.Mastambmpodeservistacomoummapacosmolgico,ouoqueumgegrafogregochamaria

  • de kosmoumimma, imagemdomundo,11 uma representaomoral esimblica do universo grego, neste caso composto por cinco camadas oucrculosconcntricos.Emseucentroestavama terra,ocu,omar,osolincansvel, a lua cheia e todas as constelaes que coroam os cus. Nocrculo exterior, o escudo retratava duas belas cidades de homensmortais,umaempaz,outraemguerra;avidaagrcolamostrandoaprticadearar,colhereavindima;omundopastoraldegadodechifreseretos,ovelhasdelbranca;e,finalmente,opoderosorioOceano,correndonaorlaextremadoforteescudo.12

    Embora o leitor moderno possa no ver de imediato na descrio deHomero do escudo de Aquiles ummapa ou um exemplo de geografia, asdefiniesde ambosos termosgregos sugeremo contrrio.Estritamentefalando,Homeroforneceumageo-grafiaumadescriogrficadaTerraquefazumarepresentaosimblica,nestecaso,dasorigensdouniversoedo lugar da humanidade dentro dele. Ele tambm segue as definiesgregasdeummapacomopinaxouperiodosgs:oescudotantoumobjetofsicoemqueaspalavrasestoescritascomotambmumcircuitodaTerra,circunscrita aos limites do poderoso rio Oceano, que define a fronteira(peirata) de um mundo potencialmente ilimitado (peiron). Paracomentaristas gregos posteriores, a descrio de Homero oferece noapenasumageografia,mastambmumahistriadaprpriaCriao:umacosmogonia. Hefesto, deus do fogo, representa o elemento bsico daCriao,eaconstruodoescudocircularumaalegoriadaformaodeumuniverso esfrico. Os quatrometais do escudo (ouro, prata, bronze eestanho)representamosquatroelementos,enquantosuascincocamadascorrespondemscincozonasdaTerra.13

    Almdeumacosmogonia,oescudodeAquilestambmumadescriodomundoconhecidocomoapareceaquemolhaparacimadohorizonteeobservaocu.ATerraumdiscoplano,cercadodemarportodososlados,comocueasestrelasacimaeosolnascendonolesteesepondonooeste.Essa era a forma e o alcance do oikoumen, termo grego para mundohabitado.Suaraizestemoikos, casaouespaodehabitao.Comoapalavranosdiz,apercepogregaantigadomundoconhecido,comoadamaioria das comunidades arcaicas, era essencialmente egocntrica,emanandoparaforadocorpoedeseuespaodomsticodesustentao.Omundo comeava com o corpo, era definido pelo lar e terminava nohorizonte.Qualquercoisaalmdissoeraumcaossemlimites.

    Para os gregos, a geografia estava intimamente ligada a uma

  • compreensodacosmogonia,porqueentenderasorigensdaTerra(g)eracompreenderaCriao.Parapoetas comoHomeroemaisexplicitamenteHesodo, em sua Teogonia (c.700 a.C.), a Criao comea com o Caos, amassa informe que precede as trs outras entidades: Trtaros (o deusprimordialdopoosombriodebaixodaterra),Eros(odeusdoamoredaprocriao)e,maisimportante,Gaia(apersonificaofemininadaTerra).TantoCaoscomoGaiaproduzemfilhos,Nyx(Noite)eUrans(Cu).DesuaunioposteriorcomUrans,GaiaproduzasdozedivindadesdosTits:seisfilhosOceans,Hiperion,Coios,Cronos, Ipetos eCrios e seis filhas Mnemosine, Febe, Reia, Ttis, Teia e Tmis , que por sua vez soderrotados pelos deuses do Olimpo liderados por Zeus. Ao contrrio datradio crist, a criao humana nos primeiros relatos gregos contraditria e,muitas vezes, secundria em relao s lutas dos deuses.Homeronuncafazumrelatoexplcitodacriaodosmortais,emcontrastecomHesodo,queafirmaqueahumanidadefoicriadapelotitCronos,masdpoucaexplicaosobreomotivodisso.Emoutrasversesdomito,osmortaissocriadospelotitPrometeus,queprovocaairadeZeusaodaraos seres humanos o dom do fogo, ou esprito do conhecimentoautoconsciente. Em outras verses do mito da Criao, em Hesodo eoutros,negadaqualqueridentidadeexplicitamentedivinahumanidade,quenascedosoloouterra.14

  • 1.OescudodeAquiles,bronzedeJohnFlaxman,1824.

    Essas explicaes ambguas do nascimento da humanidade nosprimeirosrelatosmticosgregosdaCriaocontrastamcomasexplicaescientficasenaturalistasdaordemdascoisasquecomearamasurgirnosculoVIa.C.nacidadejnicadeMileto(naatualTurquia),ondefloresceuum grupo de pensadores que apresentavam um argumento de aspectocientficoparaexplicaraCriao.Miletoestavabem-situadaparaabsorverainflunciadasteoriasbabilnicasdaCriaoeobservaesastronmicassobre o movimento das estrelas que remontavam at 1800 a.C.,representadas,comovimosnoinciodestelivro,emtabuletasdeargilaquemostravamaTerracercadaporguaecomaBabilniapertodeseucentro.O filsofoAnaximandrodeMileto(c.610-546a.C.) foi,segundoobigrafo

  • dosculoIIIDigenesLarcio,oprimeiroadesenharocontornodomareda terra, e que publicou o primeiro mapa geogrfico [geographikonpinaka].15

    Tal como a maioria dos escritores gregos que trataram de geografiaantes de Ptolomeu,muito pouco dos escritos oumapas de Anaximandrosobrevive; para tentarmontar uma histria coerente da geografia grega,temos de confiar na reconstruo mnemnica e em relatos de autoresgregos posteriores, os assim chamados doxgrafos. Entre eles, temosfigurascomoPlutarco,HiplitoeDigenesLarcio,querelatamasvidasedoutrinasfundamentaisdeautoresantigos.Muitasvezes,difcilavaliarosignificado de muitos autores posteriores que tratam de geografia,inclusiveEstraboesuaGeografia,quedesproporcionalmente influenteapenas porque sobreviveu. No obstante, praticamente todos os autoresgregosafirmamqueAnaximandrofoioprimeiropensadorafornecerumaexplicao convincente do que se acredita que ele mesmo chamou deordem das coisas. Anaximandro apresenta uma variao do caosoriginriodeHesodo,propondoqueno inciohaviaum ilimitadoeterno,ou peiron. O ilimitado secretou de alguma forma uma semente queproduziu ento uma chama, que cresceu em torno do ar sobre a terracomo casca em torno de uma rvore.16 Quando a Terra comeou a seformar, a chama envolvente se afastou para criar anis de planetas,estrelas,aluaeosol(emordemcrescente).EssesaniscercaramaTerra,mas eram visveis somente devido a aberturas atravs das quais oscorpos celestes podiam ser vistos da Terra como objetos circulares.Anaximandrosustentavaqueavidahumanavinhadaumidadeprimordial(em algumas verses, a humanidade nasce de uma casca espinhosa, emoutras, ela evolui dos peixes). Como explicao naturalista da criao douniversoedahumanidade,trata-sedeumavanosignificativoemrelaoaosrelatosanterioresbaseadosemdeusesemitos,masaexplicaodeAnaximandrodo lugardaTerranessa cosmogoniaqueparticularmenteoriginal.OsdoxgrafosnosdizemqueAnaximandroafirmavaqueaTerraest em suspenso, no dominada por nada; que permanece no lugar emvirtude da distncia semelhante de todos os pontos [da circunfernciacelestial],equesua formacilndrica,comaprofundidadedeumterodesualargura.17Apartirdessacosmogoniaveioumanovacosmologiaoestudo do universo fsico. Abandonando as crenas babilnicas e gregasmais antigas de que a Terra flutuava sobre gua ou ar, Anaximandrointroduziuumacosmologiapuramentegeomtricaematemtica,emquea

  • Terra est no centro de um cosmos simtrico emperfeito equilbrio. omais antigo conceito conhecido de um universo geocntricocientificamentedefendido.

    AargumentaoracionaldeAnaximandroemdefesadasorigensfsicasda Criao definiu toda a especulao metafsica grega posterior. Seuimpacto sobre a geografia grega tambm foi profundo. Apesar de notermos uma descrio de seumapa domundo, a doxografia proporcionauma ideia de como ele poderia ser. Imagine a Terra como um tamborcircular,emtornodoqualestoosaniscelestiais:deumladodotamborencontra-seummundodesabitadoedooutro,ooikoumen,cercadopelooceano.EmseucentroestavaMileto,acidadenataldeAnaximandro,ouapedrasagradadoomphals,oumbigodomundo,recentementeinstaladano templo de Apolo, em Delfos, e de onde a maioria dos mapas gregosposteriores tomaria a orientao. Descries escritas provavelmentecomplementavam o mapa de Anaximandro: as viagens mticas dosArgonautas e de Odisseus; periploi, descries nuticas de viagensmartimaspeloMediterrneo;erelatosdacolonizaoantigaderegiesdomar Negro, Itlia e Mediterrneo oriental.18 O mapa resultante continhaprovavelmenteumcontornorudimentardaEuropa,siaeLbia(oufrica)comoenormesilhas,separadaspeloMediterrneo,omarNegroeoNilo.

    Escritores posteriores sobre geografia refinariam e desenvolveriam omapa de Anaximandro, mas poucos poderiam igualar sua convincentecosmologia. O estadista e historiador Hecataios (ou Hecateu) de Mileto(fl.500 a.C.) escreveuoprimeiro tratado explicitamente geogrfico comottulodePeriodosgs,ouCircuitodaTerra,acompanhadoporummapadomundo.Omapaseperdeuerestamapenasfragmentosdotratado,maselesfornecemalgumaindicaodecomoHecataiossebaseounageografiaanterior de Anaximandro. Periodos descreve Europa, sia e Lbia,comeando no pontomais ocidental domundo conhecido, as Colunas deHrcules (ou estreito de Gibraltar); segue para o leste, ao redor doMediterrneo,atravsdomarNegro,Ctia,Prsia,ndiaeSudo,eterminanacostaatlnticadoMarrocos.Almdeescreversobreageografia fsica,Hecataios envolveu-se na revolta jnica (c.500-493 a.C.), na qual vriascidadesjnicasserebelaram,semsucesso,contraodomniopersa.

    Omapa de Hecataios permanece preso percepo domundo com aforma de um disco (como em Homero) ou de um cilindro (como emAnaximandro). Essas suposiesmticas ematemticas sofreram ataquesconstantes do primeiro e possivelmentemaior de todos os historiadores

  • gregos,HerdotodeHalicarnasso(c.484-425a.C.).Noquarto livrodesuavastaHistria, Herdoto interrompe a discusso do poder da Prsia e oslimites setentrionais do mundo conhecido na Ctia, para ridicularizargegrafoscomoHecataios:NopossodeixarderirdoabsurdodetodososfazedoresdemapashmuitosdelesquemostramoOceanocorrendocomo rio em torno de uma Terra perfeitamente circular, com a sia e aEuropadomesmotamanho.19Comoviajanteehistoriador,Herdotonose interessava pela pura simetria geogrfica do mito de Homero ou dacinciadeAnaximandro.Emborareiterasseadivisotripartidadomundoestabelecida por Hecataios entre Europa, sia e Lbia (frica), Herdototambm listava cuidadosamente os povos, imprios e territriosconhecidos por seus contemporneos, antes de concluir que no possodeixardemesurpreendercomomtododemapearLbia,siaeEuropa.Ostrscontinentesdiferem,defato,bastanteemtamanho.AEuropatocompridaquantoosoutrosdois juntos, equanto largura,nopode, emminhaopinio,sercomparadacomeles.20Eledescartavaahiptesedequeomundohabitadoeracompletamentecercadoporgua,equestionavaporquetrsnomesfemininosdistintosforamdadosaoquerealmenteumanicamassadeterraEuropa(umaprincesalibanesaraptadaporZeus),sia (a esposadePrometeus, emboraemoutras tradies sejao filhodeCotis, rei da Trcia) e Lbia (filha de pafos, filho de Jpiter).21Herdototinhapouco interesseporgeometriaoupelanomenclaturadosmapasdomundo planos, em forma de disco, que ele descreve (nenhum dos quaissobrevive).Noquelhediziarespeito,essasidealizaesabstratasdeveriamser substitudas pela realidade verificvel das viagens empricas eencontrospessoais.

    Herdoto levantou implicitamente questes sobre a cartografia que adefiniriam e, s vezes, a dividiriam por sculos. As alegaes deobjetividadedacinciae,emparticulardageometria,sosuficientesparafazermapasprecisosdomundo?Ouacartografiadeveriaconfiarmaisnosrelatos ruidosos, muitas vezes contraditrios e pouco confiveis deviajantes para desenvolver uma viso mais abrangente do mundoconhecido? Uma consequncia dessas distines era perguntar se aelaborao de mapas era uma cincia ou uma arte: era principalmenteespacialoutemporal,umatovisualouescrito?Emboraacartografiagregacontinuasse baseada em clculos matemticos e astronmicos, Herdotolevantou a questo de como ela reunia, avaliava e incorporava os dadosbrutosrecolhidosporviajantesnacriaodeummapamaisabrangentedo

  • mundo.AspreocupaesdeHerdotoencontrarampoucaressonnciaimediata

    entre seus contemporneos, que continuaram a discutir questesmatemticas e filosficas relativas natureza da Terra. A crena deAnaximandroemumuniversogeometricamentesimtricofoidesenvolvidapor Pitgoras (fl.530 a.C.) e seus discpulos, bem como por Parmnides(fl.480 a.C.), a quem atribudo o avano lgico de sugerir que, se ouniverso era esfrico, ento, a Terra tambm o era. Mas a primeiradeclaraoregistradasobreaesfericidadedaTerraestpertodofinaldoFdon (c.380 a.C.), clebre dilogo de Plato sobre os ltimos dias deScrates. O dilogo mais conhecido por sua explicao filosfica dasideias platnicas a respeito da imortalidade da alma e pela teoria dasformasideais,mas,pertodeseufinal,Scratesapresentaumaimagemdoquechamade regiesmaravilhosasdaTerra, tal comovistaspelaalmavirtuosaapsamorte.Fiqueiconvencido,dizScrates,deque,seaTerra de forma esfrica e est colocada no meio do cu, para no cair noprecisar nem de ar nem de qualquer outra fora da mesma natureza:porque para sustentar-se suficiente a perfeita uniformidade do cu e oequilbrionaturaldaTerra.22 O que se segue umaviso singularmenteplatnicadaTerra.Scratesexplicaqueahumanidadehabitaapenasumafrao de sua superfcie, morando em uma srie de concavidades, deforma e tamanho variveis, para as quais convergem gua, vapor e ar.Porm a prpria Terra se acha pura no cu puro, onde esto os astros.ScratesexplicaqueestanossaTerraumacpiapobre,corrompidadaverdadeira Terra, ummundo ideal, que visvel somente para a almaimortal.23Finalmente,emumanotveldescriodetranscendnciaglobal,eleprevsuaprpriamorte,enquantosedescreveelevando-seeolhandoparaomundoesfrico:

    O que dizem, companheiro, para comear, que, se essa terra fosse vista de cima por algum,pareceriaumdessesbalesdecourodedozepeasdecoresdiferentes,dequesosimplesamostrasascoresconhecidasentrensqueospintoresempregam.Todaaquelaterraassim,pormdecoresmuitomaispurasebrilhantes;umapartedecorprpuraeadmiravelmentebela;outradourada;outra,ainda,branca,maisalvadoqueogizeaneve,omesmoacontecendocomtodasascoresdequefeita,emmuitomaiornmeroemaisbelasdoquequantaspossamosjtervisto.24a

    Esse espectro semprecedentesdeummundo ideal esfrico, brilhante,vistopelaalmaimortalemummomentodetranscendnciaespiritual,seriaadotadoemumasriedesubsequentesimaginaesgeogrficasdoglobo,especialmentedentrodatradiocristdasalvaoeascensoespiritual.Tambm definiria a crena de Plato na criao do mundo por um

  • demiurgodivino,ouarteso,apresentadonoTimeu.EssavisodaTerrafundamentalparaadefesaplatnicadateoriadasformasedaimortalidadedaalma.Somenteaalmaimortalpodeapreenderaformaidealdomundo;mas o intelecto e a imaginao dos seresmortais, em formade pintores,cartgrafosoumatemticos,socapazesderepresentarsuaordemdivinaecelestial, ainda que atravs de reprodues pobres. At mesmo osmatemticosspoderiamofereceraproximaesplidasdaTerraideal;aalusodePlatoaobalodecourodedozepeasumarefernciateoriadePitgoras dododecaedro, o slidomais prximoda esfera. A visodePlato mais de doismilnios antes que o sonho de se elevar acima daTerraev-laemtodaasuaglriasetornasserealidadenaeradaviagemespacial extraterrestreviriaa serum ideal irresistvel, embora ilusrio,parageraesdegegrafos.

    Tendo definido a Terra dentro do contextomais amplo da Criao, ospensadoresgregosclssicoscomearamaespecularsobrearelaoentreesferas celeste e terrestre, e como a primeira poderia ajudar a medir aforma e a extenso da Terra. Um dos alunos de Plato, o matemtico eastrnomoEudoxodeCnidos(c.408-355a.C.),criouummodelodeesferascelestesconcntricasgirandoemtornodeumeixoquepassavapelocentroda Terra. Eudoxo deu o salto intelectual de sair dos limites do mundoterrestreparaimaginarouniverso(eaTerraemseucentro)paraalmdoespao e do tempo, desenhando um globo celeste visto de fora paradentro, emque as estrelas e a Terra so observadas de umaperspectivadivina. Isso lhe possibilitou traar osmovimentos dos cus emumgloboterrestre e mostrar como os principais crculos celestes (criados aoimaginar-se a extenso do eixo da Terra no espao, em torno do qual asestrelasparecemgirar),inclusiveoequadoreostrpicos,atravessavamasuperfciedaTerra.

    OuniversogeocntricodeEudoxofoiumgrandeavanonacartografiaceleste.Possibilitou-lhedesenvolverumaversopersonificadadozodaco(zodiakoskuklos,oucrculodeanimais),quemoldariatodaacartografiacelestialeaastrologiaposteriores,equeainda influenciaa linguagemdamoderna geografia, como nos trpicos de Cncer e Capricrnio. Alm deseusclculosastronmicos,Eudoxoescreveuumtextoperdido,oCircuitoda Terra, no qual consta ter feito uma das primeiras estimativas dacircunferncia da Terra, 400 mil estdios (o mtodo gregofamigeradamentedifcildemedio,definidocomoadistnciapercorridaporumaradoemumanicapuxadaeestimadoentre148e185metros).25

  • Ao unir a observao emprica dos cus e da terra com as especulaesfilosficasdeAnaximandroePlato,osclculosdeEudoxoinfluenciaramaobradomaisimportantedetodososfilsofosantigosesuaspercepesdomundoconhecido:Aristteles(384-322a.C.).

    VriasobrasdeAristtelescontmdescriesdetalhadasdaformaedotamanho da Terra, entre elas, seu tratado cosmogrfico Sobre os cus eMeteorologia (que traduzido literalmente significa o estudode coisasnoar), ambos escritos por volta de 350 a.C. Em Sobre os cus, Aristtelesapresenta o que poderamos considerar como prova adequada de que aTerra esfrica. Baseadona cosmogonia deAnaximandro, ele acreditavaqueamassadaTerraemtodosos lugaresequidistantedeseucentro,em outras palavras, esfrica. A evidncia dos sentidos, continuaAristteles,corroboraaindamaisisso.Epergunta:Dequeoutromodooseclipses da lua mostrariam segmentos [curvos] como ns os vemos?Ademais,porqueumapequenamudanadeposioparaosulouparaonorte causaumamanifesta alteraodohorizonte, amenosqueaTerrasejaredonda?26

    Meteorologia levou esses argumentos ainda mais longe. Aristtelesdefiniu seu tema como tudo o que acontece naturalmente, e que temlugarna regioqueestmaispertodosmovimentosdasestrelasemaisprximodaTerra.27Emborao livropareaagoraumadescrioesotricadecometas,estrelascadentes, terremotos, troveserelmpagos,ele faziaparte da tentativa de Aristteles de dar forma e sentido a um universogeocntrico. No segundo livro de Meteorologia, Aristteles descreve omundohabitado. Poishdois setoreshabitveisdasuperfciedaTerra,um, em que vivemos, prximo ao polo superior, o outro em direo aooutro,queopoloSulessessetorestmaformadetambor.Eleconcluaque osmapas atuais domundo, quemostravamooikoumen comoumdiscocirculareplano,eramabsurdosporrazesfilosficaseempricas:

    Poisoclculotericomostraqueelelimitadoemlarguraepoderia,noquedizrespeitoaoclima,seestenderaoredordaTerraemumcinturocontnuo,poisnoadiferenade longitude,masdelatitude,queprovocagrandesvariaesdetemperatura.Eosfatosconhecidospornsapartirdeviagenspormareporterratambmconfirmamaconclusodequeseucomprimentomuitomaiordoquesua largura.Pois, se considerarmosessasviagense jornadas, tantoquantosocapazesdeproduziralgumainformaoprecisa,adistnciadasColunasdeHrculesatandiasuperaaquelaquevaidaEtipiaaolagoMaeotis[mardeAzov,aoladodomarNegro]eaosconfinsdaCtiaporuma proporo maior do que de 5 para 3. No entanto, conhecemos toda a largura do mundohabitvelatasregiesinabitveisqueolimitam,ondeahabitaodeixadeexistir,deumladoporcausa do frio, do outro por causa do calor; enquanto que para alm da ndia e das Colunas deHrculesomarquecortaaterrahabitveleimpedeaformaodeumcinturocontnuoaoredordoglobo.28

  • O globo de Aristteles estava dividido em cinco zonas climticas, ouklimata (que significa inclinao, declive): duas zonas polares, duaszonas temperadas, habitveis de ambos os lados da linha do equador, eumacentral,aolongodoequador,inabitveldevidoaoseuextremocalor.Baseava-sena ideiadeklimata propostaporParmnides e foi aprimeiratentativa de criao de uma etnografia do clima.29 Segundo Aristteles, oclima, ou inclinao dos raios do sol diminua medida que algumviajasse para o norte, cada vez mais distante do equador. Assim, nem ocalor insuportvel do equador, nem as zonas polares setentrionaiscongelantes e frgidas poderiam sustentar a vida humana, que erapossvel somente nas zonas temperadas do norte e do sul. A crena deAristteles na importncia da experincia e do que ele considerava fatosempricos que definiam a largura e o comprimento domundo conhecidoteria agradado Herdoto, mas tambm expandiu muito a extenso domundoconhecidoluzdasconquistasmilitaresdopupilomaisfamosodofilsofo, Alexandre, o Grande, dos Balcs ndia, em 335-323 a.C.JuntamentecomotratadoposteriordePtolomeu,adescriodaTerrafeitaporAristtelesdominariaageografiapormaisdemilanos.

    AMeteorologiadeAristtelesrepresentaopicedaespeculaotericagregaclssica sobreomundoconhecido. Sua confiananos sentidosenaimportncia da observao prtica era um avano em relao scosmologiasdeAnaximandroePlato,masageografiagregaantesdelenohavia sido exclusivamente terica. H referncias esparsas (muitasretrospectivas) ao uso prtico de mapas j na poca da revolta jnicacontra os persas. Herdoto conta como Aristgoras de Mileto procurouajuda militar de Clemenes, rei de Esparta, contra os persas e que elelevou para a entrevista um mapa do mundo gravado em bronze,mostrando todos os mares e rios, e as posies relativas das diversasnaes. A detalhada geografia mostrada no mapa de Ldia, Frgia,Capadcia,Chipre,ArmniaetodaasiaparecesebasearemmuitomaisdoquenomapacontemporneodeAnaximandroeincluiestradasreaisda Babilnia, as rotas desmatadas que se irradiavam da Babilnia,projetadasporvoltade1900a.C.paracomportarcarrosdeguerra,equetambm possibilitavam o comrcio e a comunicao.30 Aristgoras noconsegueoapoiomilitardeClemenesquandoadmitequeomaparevelaadistnciaproibitivaqueoexrcitoespartano teriadeviajardesdeomar:trata-se,portanto,deumdosprimeirosexemplosdousopolticoemilitardosmapas.

  • Emtommais leve,acomdiadeAristfanesdosculoVa.C.AsnuvensmostraumcidadoateniensechamadoStrepsiadesarguindoumestudantee sua parafernlia acadmica. O estudante diz: Aqui temos ummapa domundo inteiro. Est vendo? Aqui Atenas. A resposta cmica deStrepsiades de descrena: No seja ridculo.No vejo nemmesmoumnicotribunal.QuandooestudanteapontaalocalizaodoEstadoinimigodeEsparta,Strepsiadesdiz:Estpertodemais!Seriadebomalvitreafast-la paramais longe. Esses exemplosmostram que j no sculo V a.C. osmapasmundiaisgregoseramobjetosfsicos,pblicos,usadosnasartesdaguerra edapersuaso.Eles eramextremamentedetalhados, inscritos embronze,pedra,madeira,ouatmesmonocho,emostravamumcertograude conhecimento geogrfico. Mas eram tambm prprios da elite:Aristfanes satiriza a ignorncia comumda sofisticaode representaodosmapas,massuaspiadassfuncionamnopressupostodequeopblicosabe que omapa apenas uma representao do territrio, e que no possvel mudar de lugar pases que parecem desconfortavelmenteprximos.

    Esse era o estado da geografia grega no sculo IV a.C. As conquistasmilitares de Alexandre, o Grande, impulsionaram a cartografia numadireo mais descritiva, baseada na experincia direta e em registrosescritos de terras distantes, que culminaria na criao da Geografia dePtolomeu.AsconquistasdeAlexandrenoforamsignificativasapenasparaaexpansodoconhecimentogregodomundoconhecido.Tendoaprendidoaimportnciadaobservaoempricacomseututor,Aristteles,Alexandrenomeouumaequipedeestudiososparacoletardadossobreaflora,afauna,a cultura, a histria e a geografia dos lugares que visitavam e fazerrelatrios escritos sobre o avano dirio do exrcito. A unio doconhecimento terico de Aristteles e seus predecessores com aobservaodiretaeasdescobertasdascampanhasdeAlexandremudariaomododeelaborarmapasnoperodohelensticoqueseseguiumortedeAlexandre.

    Enquantoosmapasgregosclssicosconcentravam-senacosmogoniaena geometria, a cartografia helenstica incorporou esses aspectos quiloque para ns parece uma abordagemmais cientfica domapeamento daTerra. Pteas de Massalia (Marselha), contemporneo de Alexandre,explorouas costasoeste enortedaEuropa, viajandoao longodas costasibrica, francesa, inglesa e, possivelmente, at mesmo do Bltico. Suasviagens definiram Thule (que poderia ser a Islndia, as rcades ou at

  • mesmo a Groenlndia) como o limite setentrional domundo habitado, etambm estabeleceram corretamente a posio exata do polo celeste (oponto emque a extenso do eixo daTerra cruza a esfera celestial).Mas,naquilo que talvez tenha sido o mais importante para a geografia, eleestabeleceufirmementealigaoentrealatitudedeumlugareaduraode seu diamais longo, e projetou paralelas de latitude que circundavamtodooglobo.31Porvoltadamesmapoca,opupilodeAristtelesDiciarcosde Messina (fl.c.326-296 a.C.) criou um modelo mais sofisticado dotamanhodomundohabitado,bemcomofezalgunsdosprimeirosclculosconhecidosdelatitudeelongitude.EmsuaobraperdidaCircuitodaTerra,Diciarcos refinava Aristteles, argumentando que a razo entre ocomprimentodomundoconhecidoemrelaolarguraerade3para2,efez clculos latitudinais rudimentares desenhando um mapa com umparaleloqueiadeoesteparaleste,passandoporGibraltar,Siclia,Rodesendia, a aproximadamente 36N. Perpendicular a este paralelo havia ummeridianodenorteasulquepassavaporRodes.

    Aos poucos, o mundo habitado comeou a parecer um retnguloincompleto, em vez de um crculo perfeito. As percepes filosficas egeomtricas de babilnios e gregos domundo conhecido supunhamumaesferaidealabstrata,umespaofinito,comumlimitefixocircular(omar),com uma circunferncia definida por seu centro, um lugar (Babilnia ouDelfos) que definia sua cultura como modeladora do mundo. A simetriaideal d lugar a uma forma oblonga irregular inscrita dentro de umretngulo.Nohmaisocentroexatodeumcrculobaseadonageometriaenaf;emvezdisso, fazem-seclculosapartirdeumlugarcomoRodes,simplesmenteporquese situaemumpontoondeas linhas rudimentaresde latitude e longitude se cruzam. Nessa alterao est implcita umamudana de mentalidade a respeito do papel dos mapas. Os ttulos dostratados que descrevem a terra habitada comeam a mudar: obras comttuloscomoSobreo oceano eSobreportos substituemomais tradicionalCircuitodaTerra.Oaumentodas informaesgeogrficasalteraeamplialentamente as dimenses retangulares do mundo habitado, que no somais perfeitamente delimitadas pela geometria do crculo. A fuso dageometria com a observao astronmica e terrestre possibilitou que ospensadores helensticos iniciassem um empreendimento coletivo deagregar novas informaes sobre o clculo da latitude, o comprimentoestimado do mundo conhecido, ou a localizao de uma determinadacidade ou regio. Com esse esprito cooperativo vieramnovas formas de

  • ver os mapas como repositrios de conhecimento, compilaesenciclopdicasdeinformaes,ouoqueumhistoriadorclssicochamoudeumgrandeinventriodetudo.32Umtratadogeogrficopoderiaabrangerideias de criao, astronomia, etnografia, histria, botnica, ou sobrequalqueroutroassuntorelacionadocomomundonatural.NaspalavrasdeChristian Jacob, o mapa torna-se um dispositivo para arquivar oconhecimentosobreomundohabitado.33

    2.ReconstituiodomapadomundodeDiciarcos,sculoIIIa.C.

    Sempre que uma cultura comea a reunir e arquivar o seuconhecimento,elaexigeumlocalfsicoparaacomodarcomseguranaesseconhecimento em qualquer formamaterial que ele tenha. Para omundohelenstico,esse lugareraabibliotecadeAlexandriae,noporacaso,umdos seus primeiros bibliotecrios foi a figura que, antes de Ptolomeu,resumiuageografiagrega.Eratstenes(c.275-194a.C.),umgregonascidonaLbia,estudouemAtenasantesdeaceitarumconvitedoreiPtolomeuIIIparatrabalharemAlexandriacomotutordeseufilhoechefedabiblioteca

  • real.Duranteessetempo,Eratstenesescreveudoislivrosparticularmenteinfluentes(ambosperdidos):AmediodaTerraeGeogrficaoprimeirolivroausarotermogeografiacomooentendemoshojeeoprimeirotextoatraarumaprojeogeogrficaemummapadomundohabitado.34

    AgranderealizaodeEratstenesfoiinventarummtodoparacalculara circunferncia da Terra que unia a observao astronmica com oconhecimentoprtico.Comumgnmon,versoprimitivadeumrelgiodesol,EratstenesfezumasriedeobservaesemSyene(amodernaAssu),queestimouqueestava5milestdiosaosuldeAlexandria.Eleobservouque ao meio-dia, no solstcio de vero, os raios do sol no provocavamsombra, e, portanto, estavam diretamente acima da cabea. Fazendo omesmo clculo em Alexandria, Eratstenesmediu o ngulo lanado pelognmonexatamentenomesmomomentoeviuqueeraumquinquagsimode um crculo. Supondo que Alexandria e Syene estavam no mesmomeridiano, ele calculou que os 5 mil estdios entre os dois lugaresrepresentavam um quinquagsimo da circunferncia da Terra. Amultiplicao dos dois nmeros deu a Eratstenes um valor total para acircunferncia da Terra, que ele estimou em 252mil estdios. Embora otamanho exato de seu stadion seja desconhecido, a medio final deEratstenes corresponde provavelmente a algo entre 39 mil e 46 milquilmetros(amaioriadosestudiososacreditaqueestejamaisprximodoltimo nmero).35 Considerando-se que a circunferncia real da Terramedidanoequadorde40.075quilmetros,oclculodeEratstenes foiextraordinariamentepreciso.

    EmboraosclculosdeEratstenessebaseassememalgumassuposieserrneas por exemplo, Alexandria e Syene (Assu) no estavamexatamente no mesmo paralelo , eles lhe possibilitaram calcular acircunfernciade qualquer crculo paralelo ao redor da Terra e oferecerestimativas do comprimento e da largura dooikoumen. Estrabo conta-nos que, em Geogrfica, Eratstenes tratou diretamente da questo decomodesenharummapadaTerra.Talcomoacidadedeondeextraiuseuconhecimentodomundo,Eratstenes imaginouomundocoma formadeuma clmide grega, um retngulo com pontas afiladas. Baseando-se emDiciarcos, projetou um paralelo que ia de leste a oeste a partir deGibraltar, passavapela Siclia eRodese ia at a ndia eosmontesTauro(quesituoulongedemaisparaoleste).PerpendicularaesteparaleloestavaummeridianoqueiadeThule,nonorte,aMeroe(Etipia),nosul,cruzandoo paralelo em Rodes. Aperfeioando as estimativas de Diciarcos,

  • Eratstenescalculouquedelesteaoesteooikoumentinha78milestdiosde comprimento e 38mil estdios de norte a sul. Em outras palavras, ocomprimentodomundoconhecidoeraodobrodesualargura.Issolevouaalgumascrenasequivocadas,massedutoras.SeosclculosdeEratstenesestivessemcorretos,ooikoumenseestenderiademaisparaoleste,apartirdacostaoestedaIbriaatamodernaCoreia,amaisde138delongitude,emvezdandia,olimitedomundohelenstico.Emummomentomarcantedeimaginaoglobal,EstrabocitaEratstenesparasustentarqueaTerrafaz um crculo completo, encontrando a si mesma; de modo que, se aimensido do oceano Atlntico no impedisse, poderamos navegar daIbriaparaandiaaolongodeummesmoparalelo.36EmborasebaseasseemsuposiesequivocadassobreotamanhodaTerraesuaextensoparao leste, essa afirmao exerceria uma influncia significativa sobreexploradores renascentistas, entre eles Cristvo Colombo e Ferno deMagalhes.

    TendofeitoumclculodotamanhodaTerraeumagraderudimentardeparalelos e meridianos, a ltima inovao geogrfica significativa deEratstenesfoidividirseuoikoumenemfigurasgeomtricasquechamoude sphragides, palavra derivada do termo administrativo para selo ousinete, que designa um lote de terra.37 Eratstenes tentou fazercorrespondero tamanhoea formadasdiferentesregiesaquadrilterosirregulares,desenhandoandiacomoumlosangoeaPrsiaorientalcomoumparalelogramo.Emborapareaumretrocesso, essemtodoestavadeacordo com a tradio predominante grega de projetar a filosofia, aastronomiaeageometrianomundofsico.Etambmmostravaainflunciainconfundvel do antecessor de Eratstenes na direo da biblioteca deAlexandria,omatemticogregoEuclides(fl.300a.C.).

    Nostreze livrosdeseugrandetratadomatemticoElementos, Euclidesestabeleceu os princpios a priori, ou elementos, da geometria e damatemtica. Ao explicar as regras bsicas da teoria dos nmeros e dageometria, Euclides possibilitou que pensadores como Eratstenesentendessem como qualquer coisa (e tudo) funcionava, com base nasverdadesmatemticasirredutveisenarealidadedouniverso.Comeandocom as definies de ponto (aquilo que no tem parte), linha(comprimento sem largura) e superfcie (aquilo que tem somentecomprimentoelargura),Euclidespassouparaosprincpiosdageometriaplanaeslida.Assim,postulouumasriedeverdadesqueaindadefinemamaiorpartedageometriadaescolasecundria,talcomoadequeasoma

  • dosngulosdeumtringulo180graus,oteoremadePitgoras,segundooqual,emumtringuloretngulo,asomadoquadradodoscatetosigualao quadrado da hipotenusa. Os princpios de Euclides estabeleceram ummundo geomtrico moldado pelas leis bsicas da natureza. Embora eletenha, emgrandeparte, sintetizadoopensamentogregoanterior sobreamatria, seusElementos, tomadosemconjunto,definiramumapercepodo espao que perduraria por quase dois milnios, at a teoria darelatividadedeEinsteineacriaodeumageometrianoeuclidiana.ParaEuclides, o espao era vazio, homogneo, plano, uniforme em todas asdireeseredutvelaumasriedecrculos,tringuloselinhasparalelaseperpendiculares.O impacto dessa percepo do espao na cartografia foiextremamente importante. Ele se manifestou inicialmente na tentativabastante desajeitada de Eratstenes de reduzir todo o espao terrestre auma srie de clculos triangulares e formas quadrilaterais, mas tambmpossibilitou que cartgrafos posteriores processassem dados geogrficosempricos de maneiras completamente novas. Todo o espao terrestrepoderia, em teoria, ser medido e definido de acordo com princpiosgeomtricos duradouros e projetado sobre um quadro formado por umagradematemticade linhasepontosquerepresentavamomundo.Dessemodo,ageometriaeuclidianaseriaabasenosomentedetodaageografiagrega posterior a Eratstenes, mas tambm da tradio geogrficaocidentalatosculoXX.

    A resposta helenstica aos clculos astronmicos e geogrficos deEratstenesfoimoldadaporumamudananomundopolticoocorridanossculosIIIeIIa.C.AascensodaRepblicaRomana,comsuasvitriasnasguerras pnicas e macednias, assinalou o declnio dos imprioshelensticose,porfim,adestruiodadinastiaptolomaicaemAlexandria.umdosgrandesenigmasdahistriacartogrficaofatodequequasenotenhamsobrevividomapasdomundodaRepblicaoudoImprioRomano.Embora seja perigoso extrapolar, os indcios limitados da cartografiaromana que sobrevivem em forma de mapas cadastrais (ou deagrimensura)empedraebronze,mosaicosdepisos,planosdeengenharia,desenhos topogrficos, itinerrios e roteirosde estradas escritos supemuma relativa indiferena para com as preocupaes mais abstratas dageografiahelenstica.Emvezdisso,osromanosdavamprefernciaaousomaisprticodemapasemcampanhasmilitares,nacolonizao,nadivisodeterras,naengenhariaenaarquitetura.38

    No entanto, essa aparente diviso entre uma tradio helensticamais

  • tericaeabstrataeumageografiaromanamaisprticaeorganizacional,em certa medida, ilusria, especialmente porque as duas tradies seencontraram e se fundiram a partir do sculo II a.C. Outros centros deerudio do mundo helenstico estavam ento comeando a desafiar apreeminncia cultural de Alexandria. Por volta de 150 a.C. a dinastiaatlida,intimamenteligadaascensodeRomaecomcapitalemPrgamo,fundou uma biblioteca que perdia apenas para sua rival ptolomaica,dirigidapelorenomadofilsofoegegrafoCratesdeMalos.Estraboconta-nos que Crates construiu um globo terrestre (desde ento perdido) comquatrocontinentessimtricoshabitados,separadosporumaenormecruzde oceano que ia de leste a oeste ao longo do equador e de norte a sulatravs do Atlntico. O hemisfrio norte representava o oikoumen, mastambm os perioikoi (habitantes prximos) a oeste, com o antoikoi(habitantes opostos) e antipodes (aqueles com o p oposto) nohemisfrio sul.39 O globo de Crates era uma combinao fascinante detradies estabelecidas da geometria grega com a etnografia emdesenvolvimento da Repblica Romana, formalizando a geografia dosantipodeseantecipandoviagensrenascentistasposterioresparadescobriraquartapartedomundo.

    Mas nem todo mundo aceitava Eratstenes. O astrnomo Hiparco deNiceia(c.190-120a.C.)escreveuumasriedetratadosemRodes,entreelestrslivrosintituladosContraEratstenes,nosquaiscriticavaousofeitoporseu predecessor de observaes astronmicas ao desenhar mapas.Estrabo conta-nos que Hiparcomostra que impossvel para qualquerhomem, seja leigo ou erudito, alcanar o conhecimento necessrio degeografia sem uma determinao dos corpos celestes e dos eclipses queforamobservados.40AsdetalhadasobservaesastronmicasdeHiparcode mais de 850 estrelas fizeram com que ele pudesse apontar asimprecisesdosclculosdelatitudedeEratstenes,bemcomoreconheceros problemas da medio de distncias de leste a oeste linhas delongitude que no fosse feita mediante precisas observaescomparativasdeeclipsesdosoledalua.Trata-sedeumproblemaquesseriaresolvidosatisfatoriamentenosculoXVIII,pormeiodocronmetroe da medio precisa de tempo martimo, mas Hiparco ofereceu seusclculos rudimentares de latitude e longitude nas primeiras tabelasastronmicasconhecidas.

    AquelesquecontestavamEratstenesnemsempreestavamcertos.Umdos gegrafos revisionistas mais influentes foi o matemtico, filsofo e

  • historiador srio Posidnio (c.135-50 a.C.). Dirigente de uma escola emRodes, foi amigo de romanos ilustres como Pompeu e Ccero e escreveuvrios tratados (todosperdidos) que aperfeioavame corrigiamdiversoselementos da geografia helenstica. Ele props sete zonas climticas aoredordaTerra,emvezdascincodeAristteles,baseadoemobservaesastronmicas e etnogrficas que incluam algumas informaes maisdetalhadassobreoshabitantesdeEspanha,FranaeAlemanha,extradasdas recentes conquistas romanas dessas regies. De forma maiscontrovertida, Posidnio questionava o mtodo de Eratstenes paracalcularacircunfernciadaTerra.ApartirdeRodes,suacidadeadotiva,elesustentava que ela estava no mesmo meridiano de Alexandria, e a umadistnciadeapenas3.750estdios(umasubestimaograve,qualquerquesejaseuvalordeumstadion).EleobservouentoaalturadeCanopus,naconstelao de Carina, e alegou que ela estava exatamente sobre ohorizonteemRodes,massubia7grausemeioou148deumcrculoemAlexandria. Multiplicando a cifra de 3.750 estdios por 48, Posidnioestimoua circunfernciadaTerra em180mil estdios. Infelizmente, suaestimativa do ngulo de inclinao entre os dois lugares estava errada,assim como seu clculo da distncia entre Rodes e Alexandria. SeusclculosforneciamumasubestimaogrosseiradotamanhodaTerra,massemostrariamnotavelmenteduradouros.

    Historicamente, Posidnio representa omomento emque as tradiesdemapeamentohelensticaeromanaseuniram.FoiumdesenvolvimentoqueatingiuoclmaxnaGeografiadeEstrabo,obraescritaentreosanos7e 18 d.C. Os dezessete livros dessa obra, cuja maioria ainda sobrevive,resumem o estado ambguo da geografia e da cartografia antes dePtolomeu,quandooImprioRomanopassouadominaroMediterrneoeomundo helenstico entrou em seu longo declnio. Estrabo, nativo daprovncia romana do Ponto (na atual Turquia), foi influenciadointelectualmente pelo helenismo, mas moldado politicamente peloimperialismo romano. Embora seguisse geralmente os clculos deEratstenes, reduziu o tamanho do oikoumen, dando-lhe uma extensolatitudinaldemenosde30milestdioseuma largura longitudinalde70mil estdios. Ele contornou o problema de projetar a Terra em umasuperfcie plana recomendando a criao de um grande globo de, pelomenos,trsmetrosdedimetro.Seissotambmsemostrasseimpossvel,ele aceitava desenhar um mapa plano com uma grade retangular deparalelosemeridianos,alegandodespreocupadamentequefarsomente

  • umapequena diferena se desenharmos linhas retas para representar oscrculos, porque nossa imaginao pode facilmente transferir para asuperfcieglobulareesfricaa figuraoumagnitudevistapeloolhonumasuperfcieplana.41

    A Geografia de Estrabo reconhecia a importncia da geometria, dafilosofiaedaastronomianoestudodageografia,aomesmotempoemqueelogiava a utilidade da geografia para as atividades de estadistas ecomandantes. Para Estrabo, h necessidade de conhecimentoenciclopdico para o estudo da geografia, de astronomia e filosofia economia, etnografia e o que chamava de histria terrestre. Emconcordnciacomasatitudesromanas,avisodeEstrabodamatriaerauma verso altamente poltica da geografia humana, e de como ahumanidadeseapropriadaTerra.Tratava-sedeumconhecimentoprticopreocupado com a ao poltica, pois possibilitava que os ocupantes dopoder governassem de forma mais eficaz, ou, como Estrabo diz, se afilosofia poltica trata principalmente dos governantes, e se a geografiasupre as necessidades desses governantes, ento a geografia parece teralgumavantagemsobrea cinciapoltica.42 Estrabo no era cartgrafo,mas sua obra marca uma importante mudana da geografia helensticapara a romana. O mundo helenstico havia definido a geografia como oestudo filosfico e geomtrico do oikoumen, o espao vital do mundoconhecido; os romanos percebiam a geografia como uma ferramentaprticaparacompreendersuaversodisso:oorbisterrarum,oucrculodeterras,umespaoconsiderado,apartirdoperododoimperadorAugusto,comocoextensivoaodeRomacomoimperiumorbisterrarum,ouimpriodomundo.43 Emumadas sntesesmais antigas eousadasdegeografia eimperialismo, o orbis terrarum passou a definir o mundo e Roma comosendoumamesmacoisa.

    NENHUMA DESSAS MUDANAS no mundo intelectual e poltico imediatamenteperceptvelquandoselpelaprimeiravezaGeografiadePtolomeu.Humescassoreconhecimentodequeoastrnomoestavaescrevendonoaugedeuma tradio de mil anos de cartografia grega, e poucos vestgios doimpacto da geografia romana em sua escrita, apesar das geraes deadministrao imperial romana de Alexandria, desde a conquista porAugusto,em30a.C.TampoucohqualquermenonaobradePtolomeuda biblioteca de Alexandria, que emmeados do sculo II era uma plidasombradesuaglrianotempodeEratstenes,apsoincndiode48a.C.

  • que destruiu muitos de seus livros e edifcios. Em vez disso, a obra dePtolomeu parece um tratado cientfico de alta erudio helensticaatemporal,serenamenteindiferentesmudanasnomundoaoseuredor.Ptolomeu segue uma tradio geogrfica bem antiga: estabelecer suascredenciaisastronmicasedepoisescreverumtratadoque,assimcomoaGeografiadeEstraboeContraEratstenesdeHiparco,passaamaiorpartedotempoexplicando-seemoposioaosseusantecessoresimediatos.

    Ptolomeujhaviaconcludoumtratadomonumentalsobreastronomia,uma compilao de astronomia matemtica em treze livros que ficouconhecidacomoAlmagesto.Essaobratraziaomodelomaisabrangentedeumuniversogeocntricoeperdurariapormaisde1.500anosantesdesercontestada pela tese heliocntrica de Nicolau Coprnico, Sobre asrevoluesdas esferas celestes (1543). A cosmologia de PtolomeumarcouumafastamentodecisivodePlatoedaideiadecorposcelestesdivinos.OAlmagesto expandiu a crena aristotlica numa cosmologia geocntricadefinidaporumafsicamecnicadecausaeefeitos.Ptolomeuafirmavaquea Terra, esfrica e estacionria, se encontra no centro de um universocelestial esfrico, que faz uma revoluo ao redor da Terra a cada dia,girandodelesteparaoeste.Osol,aluaeosplanetasseguemessaprocissoceleste, mas fazem movimentos diferentes das estrelas fixas. Ptolomeutambm listou os planetas de acordo com sua proximidade da Terra,comeando comaLua, seguidaporMercrio,Vnus, Sol,Marte, Jpiter eSaturno. Desenvolvendo as observaes astronmicas de Hiparco e osprincpios geomtricos de Euclides, Ptolomeu catalogou 1.022 estrelasdispostasem48constelaes;explicoucomofazerumgloboceleste;eusoua trigonometria (em particular, cordas) para compreender e prever compreciso eclipses, a declinao solar e o que parecia ser o movimentoirregular ou retrgrado dos planetas e das estrelas de uma perspectivageocntrica.44

    Como Hiparco e muitos de seus antepassados gregos, Ptolomeuacreditava na afinidade das estrelas com a humanidade e que nossasalmas fazem parte dos cus.45 Dessa afirmao espiritual surgia ummtodo mais prtico para o estudo do cosmos: quanto mais exata amediodomovimentodasestrelas,maisprecisososclculosdotamanhoeda formadaTerra.No segundo livro doAlmagesto, ao explicar como acoletadedadosastronmicospodeproduzirumamensuraomaisprecisadosparalelosterrestres,Ptolomeuadmitiu:

    Oque ainda falta nas preliminares determinar as posies das cidades dignas de nota em cada

  • provnciaemlongitudeelatitude,afimdecomputarosfenmenosnessascidades.Masumavezqueadefiniodessa informaopertinenteaumprojetocartogrficoseparado,vamosapresent-lapor si mesma, seguindo as pesquisas daqueles que mais elaboraram esse tema, registrando onmerodegrausquecadacidadeestdistantedoequadoraolongodomeridianodescritoporele,equantosgrausessemeridianoestalesteouaoestedomeridianodescritoporAlexandriaaolongodo equador, porque foi para esse meridiano que estabelecemos os tempos correspondentes sposies[doscorposcelestes].46

    O Almagesto foi provavelmente escrito pouco depois de 147 d.C. Anecessidade de um projeto cartogrfico separado baseado nasobservaes astronmicas registradas noAlmagesto foi o impulso para otextosubsequentedePtolomeu,aGeografia:umaexposio,emformadetabelascomplementaresaotrabalhomaiorastronmico,queforneceriaascoordenadasdecidades-chave.ApsaconclusodoAlmagesto,edepoisdeescrevertratadossobreastrologia,pticaemecnica,Ptolomeucompletouosoitolivrosdessasegundagrandeobra.

    Otextofinaltraziasubstancialmentemaisdoqueaprometidatabeladasprincipaiscoordenadasgeogrficas.Ptolomeuoptoupornocoletardadospessoalmente ou por meio de agentes, mas coligir e comparar todos ostextosdisponveisemAlexandria.Ele ressaltoua importnciados relatosde viajantes, mas alertou sobre sua falta de confiabilidade. A Geografiareconhecia a necessidade de seguir, em geral, os ltimos relatos quepossumos de preeminentes gegrafos, bem como historiadores. Entreeles, estavam fontes etimolgicas e histricas autores romanos comoTcitoesuadescriodonortedaEuropanosAnais(c.109d.C.)eperiploideorigem incerta, comoo annimoPriplodomardaEritreia (c.sculo Id.C.),umguiadecomerciantepara lugaresnomarVermelhoenooceanondico. O autormais importante citado naGeografia era Marino de Tiro,cujo trabalho se perdeu desde ento,mas que, de acordo comPtolomeu,pareceseroltimo[autor]emnossotempoaterencaradoessetema.47Oprimeirolivrodefiniaoobjetodageografiaecomodesenharummapadomundo habitado. Os livros 2-7 apresentavam a prometida tabela decoordenadasgeogrficas,masagoraampliadapara incluir8milcidadeselugares,todoslistadosdeacordocomsualatitudeelongitude,apartirdooeste,comIrlandaeGr-Bretanha,indodepoisparaoleste,passandoporAlemanha,Itlia,Grcia,nortedafrica,siaMenorePrsia,eterminandona ndia. O oitavo livro sugeria como dividir o oikoumen em 26 mapasregionais: dez da Europa, quatro da frica (ainda chamada de Lbia) edoze da sia, uma ordem que seria reproduzida nas primeiras cpiasbizantinas de seu livro ilustrado com mapas e na maioria dos atlasmundiaissubsequentes.

  • Ariquezade informaesgeogrficas contidanas tabelasdePtolomeuinclua no somente a tradio erudita de investigao geogrfica, mastambmclculosastronmicoseotestemunhoescritodeviajantes.DesdeoinciodaGeografia,Ptolomeudeixamuitoclaroqueoprimeiropassodeum processo desse tipo a pesquisa sistemtica, reunir o mximo deconhecimentoapartirdosrelatosdepessoascomformaocientficaquepercorreram cada um dos pases; e que o inqurito e o relatrio so emparte uma questo de levantamento e em parte de observaoastronmica.EssapesquisasistemticasfoipossvelgraasconsultadasPinakes (tbuas) da biblioteca de Alexandria, o primeiro catlogo debiblioteca conhecido indexado de acordo com o assunto, autor e ttulo,criadoporCalmacodeCirene,c.250a.C.AGeografiaeraumimensobancode dados, compilados pelo primeiro gegrafo de gabinete, uma menteimvelque funcionavaemumcentro fixo,48 processandodiversosdadosgeogrficosemumvastoarquivodomundo.

    ParaPtolomeu,nohaviaespaoparacosmogoniasespeculativassobreas origens do universo, ou tentativas de estabelecer as fronteirasgeogrficas e polticas indeterminadas do oikoumen. A declarao deabertura da Geografia dava o tom, com sua definio duradoura dageografia como uma imitao por meio do desenho de toda a parteconhecida do mundo, juntamente com as coisas que esto, em termosgerais, relacionadas a ele. Ptolomeu considerava a geografia umarepresentaogrficaabrangentedomundoconhecido(masno,devemosobservar,de todaaTerra), emcontraste comoqueele chamou, comumaceno para a preocupao romana com agrimensura, corografia, oumapeamento regional. Enquanto a corografia requer habilidade nodesenho da paisagem, Ptolomeu dizia que o mapeamento global noexige isso de forma alguma, uma vez que permite que se mostrem asposies e configuraes gerais [de aspectos] puramente por meio delinhas e rtulos, umprocesso geomtrico emque omtodomatemticoassume precedncia absoluta.49 Usando uma metfora corporalesclarecedora para contrastar as duas abordagens geogrficas, Ptolomeuacreditava que a corografia fornece uma impresso de umaparte, comoquando se faz uma imagem de apenas uma orelha ou um olho; mas oobjetivo da cartografia domundo uma viso geral, anloga a fazer umretratodetodaacabea.

    Tendoestabelecidosuametodologia,Ptolomeutrataentodediscutirotamanho da Terra e suas dimenses de latitude e longitude pormeio de

  • uma crtica detalhada dosmtodos deMarino de Tiro, antes de fornecersuas prprias projees geogrficas para desenhar mapas mundiais. Umdosaspectosmais significativosdos clculosdePtolomeudiz respeitoaotamanhodetodaaTerraemrelaoaoseudomniohabitado,ooikoumen.Revendo os clculos de Eratstenes e Hiparco, Ptolomeu dividiu acircunfernciado globo em360 graus (combaseno sistema sexagesimalbabilnico,emquetudoeramedidoemunidadesdesessenta)eestimouocomprimentodecadagrauemquinhentosestdios. Isto lhedeuamesmacircunferncia da Terra de Posidnio: 180 mil estdios. Era certamentepequenodemais, talvez cercade10mil quilmetros, oumaisde18%dacircunferncia real da Terra, dependendo do comprimento do stadionusado. Mas se Ptolomeu acreditava que a Terra era menor do quepredecessores como Eratstenes imaginavam, ele argumentava que suapartehabitadaeramuitomaiordoquemuitosacreditavam:seuoikoumenestendia-sedeoestepara lesteatravsdeumarcodepoucomaisde177graus, a partir de um meridiano que atravessava as ilhas Afortunadas(Canrias) at Cattigara (acredita-se que em algum lugar perto da atualHani,noVietn),umadistnciaestimadaem72milestdios.Sualarguraeraestimadaempoucomaisdametadedocomprimento,cobrindoapenas40 mil estdios, que iam de Thule, situada a 63 N, at a regio deAgisymba (atual Chade), 16 S, uma extenso latitudinal, em suasmedies,depoucomaisde79graus.50

    EssasmedidaslevamnaturalmentequestodecomoPtolomeuchegouaosseusclculosdelatitudeelongitude.Elecalculouparalelosdelatitudedeacordocomasobservaesastronmicasdodiamaislongodoanoemqualquerlugardado.Comeandodograuzeronoequadorcomumdiamaislongodedozehoras,Ptolomeuutilizouaumentosdequartodehoraparacadaparalelo at alcanaroparaleloque representaodiamais longodequinzehorasemeia,alturaemquemudouparaaumentosdemeiahora,atolimitedooikoumen,queestimoucomoestandoaolongodoparalelodeThule,comumdiamaislongodevintehoras.Recorrendoaessemtododemedio, bem como a clculos de Hiparco baseados em observaesastronmicas da altitude do sol no solstcio, Ptolomeu elaborou suastabelas de latitude, embora a relativa simplicidade de seu mtodo deobservaofizessecomquemuitasdelasestivessemincorretas(inclusiveadeAlexandria).

    O clculo da longitude mostrou-se ainda mais difcil. Ptolomeuacreditava que a nica maneira de determinar a longitude era medir a

  • distnciaentremeridianosdeoesteparalestedeacordocomotempo,nocom o espao, usando o sol como relgio: todos os lugares no mesmomeridiano vero o sol do meio-dia cruzando o plano do meridiano aomesmotempo.Dessemodo,Ptolomeucomeouseuclculodalongitudenoseupontomaisocidental,asilhasAfortunadas,edesenhoucadameridianoindo para leste a intervalos de cinco graus, ou um tero de uma horaequinocial,eabrangendodozehoras,representadascomo180graus.Suasmedidaspodemserinexatas,masessefoioprimeiromtodosistemticoaoferecerdadosconsistentesquepermitiramqueoscartgrafosposterioresprojetassemumagradedelatitudeelongitudesobreaTerrahabitada,umagratcula composta por clculos temporais em vez de espaciais. Nstendemos a pensar que a cartografia uma cincia da representaoespacial,masPtolomeupropunhaummundomedidonodeacordocomoespao,maspelotempo.51

    Perto do final do primeiro livro da Geografia, Ptolomeu comea a seafastardeMarinoparaexplicarsuaoutragrandeinovaogeogrfica:umasriedeprojeesmatemticas criadaspara representar aTerra esfricasobre uma superfcie plana. Embora reconhecendoque umglobo obtmdiretamenteasemelhanadaformadaTerra,PtolomeuressaltaqueessegloboteriadeserenormeparaserdealgumautilidadenavisualizaodaTerrae traarmovimentosemtodaelacompreciso;dequalquermodo,elenopermitiriaumavistaquecaptaa formatodadeumasvez.Emvezdisso,Ptolomeusugerequedesenharummapaemumplanoeliminacompletamenteessasdificuldades,aocriarailusodeseveratotalidadedasuperfciedaTerraemumpiscardeolhos.Noobstante,eleadmitequeesse mtodo apresenta seus prprios problemas e exige algummtodoparaalcanarumasemelhanacoma imagemdeumglobo,demodoquetambmsobreasuperfcieachatadaosintervalosestabelecidosestaroemproporo to boa quanto possvel aos intervalos verdadeiros.52 Dessemodo, Ptolomeu sintetiza um dos grandes desafios que os cartgrafosenfrentaramdesdeento.

    Marino tentara resolver o problema criando uma projeo de maparetangularouortogonal,que,deacordocomPtolomeu,tornavaretasaslinhasquerepresentamoscrculosparalelosemeridianos,etambmfaziaas linhas dos meridianos paralelas umas s outras. Mas quando umgegrafo projeta uma rede geomtrica de paralelos e meridianosimaginrios sobre uma Terra esfrica, eles so, na verdade, crculos decomprimentovarivel.Marinonegligenciouessefatoemfavordepriorizar

  • as medies feitas ao longo de seu paralelo principal que passava porRodes a36N, e aceitouo aumentodedistoro aonorte e ao sul dessalinha.Eleaceitouumarepresentaocentrfugadoespaoterrestre,ondeapreciso emana de um centro definvel e se dissipa medida que nosmovemos em direo s margens e, por fim, leva distoro absoluta.Comoumbomeuclidiano,Ptolomeuqueriaqueseuespaoterrestrefossehomogneo e direcionalmente uniforme, e logo descartou a projeo deMarino.MasatmesmoPtolomeufoiincapazdetornarquadradoocrculode projeo do mapa, e admitiu que era necessria uma soluointermediria.

    Com Euclides ainda em mente, ele voltou-se para a geometria e aastronomiaembuscadeuma soluo. Imagine, escreveuPtolomeu,olhardo espao para o centro da Terra e conceber paralelos e meridianosgeomtricos desenhados em sua superfcie. Os meridianos, disse ele,podemdarailusodelinhasretas,quando,aogirar[ogloboouoolho]deumladoparaoutro,cadameridianoficadiretamenteemfrente[aoolho],eseu plano passa pelo pice do olhar. Em contraste, os paralelos doclaramente a aparncia de segmentos circulares que se arqueiam para osul.Combasenessaobservao,Ptolomeupropsoqueconhecidocomosua primeira projeo. Os meridianos foram traados como linhas retasconvergentes em um ponto imaginrio alm do polo Norte, mas osparalelos foram desenhados como arcos curvos de comprimentosdiferentes, centrados no mesmo ponto. Ptolomeu pde ento fazer umaestimativamaisprecisadocomprimentodosparalelos,bemcomodesuasproporesrelativas,focandoosparalelosquecorremaolongodoequadore Thule. O mtodo no conseguia eliminar todas as distoresproporcionais ao longo de cada paralelo,mas proporcionava ummodelomelhordeconformaoquemantinha relaesangulares consistentesnamaioriadospontosdomapamaisdoquequalquerprojeoanterior.

    Foiatentativamais influenteeduradourajconcebidaparaprojetaraTerrasobreumasuperfcieplana.Foioprimeiroexemplodeumaprojeode mapa cnico simples, como sua forma sugere, embora o cone dePtolomeu tambm se assemelhe a outra forma, mais familiar: a dasclmidesmacednicas,a imagem icnicaquedeu formaAlexandriadosPtolomeue inspirouomapadooikoumen deEratstenes.AprojeodePtolomeu tambm oferecia um mtodo simples, mas engenhoso, paradesenharummapadomundoedepoisincorporaraeledadosgeogrficos.Usandouma geometria simples, ele descreve como fazer uma superfcie

  • plananaformadeumparalelogramoretangular,dentrodoqualsemarcauma srie de pontos, linhas e arcos com o uso de uma rgua giratria.Tendoestabelecidooesquemageomtricobsico,ocartgrafoentotomaarguaquemedeoraiodeumcrculocentradoemumpontoimaginrioalmdopoloNorte.ArguaentomarcadacomgradaesdelatitudedoequadoratoparalelodeThule.Prendendoarguanoponto imaginrio,demodoqueelapossagirar livrementeao longodeumalinhaequatorialdivididaem180grausdeintervalosdeumahora,seriapossvellocalizaremarcarqualquerlugaremummapaembrancoreferindo-sestabelasdePtolomeu de coordenadas de latitude e longitude. A rgua erasimplesmentegiradaparaalongitudenecessrialistadaaolongodalinhaequatorial e, de acordo com Ptolomeu, usando-se as divises da rgua,chegamos posio indicada em latitude, conforme exigido em cadacaso.53Oscontornosgeogrficosnummapadessetipoeramrelativamenteinsignificantes:oqueocaracterizavanoeramcontornos,masumasriedepontosestabelecidosporsuascoordenadasdelatitudeelongitude.Umponto , evidentemente, o primeiro princpio definidor da geometriaeuclidiana:eleaquiloquenotemparte,indivisvel,semcomprimentoou largura. Para criar uma projeo precisa de mapa, Ptolomeu voltoudiretoaosfundamentosdageometriaeuclidiana.

  • 3.DiagramasdaprimeiraedasegundaprojeodePtolomeu.

    Essaprimeiraprojeoaindatinhasuasdesvantagens:emumglobo,aslinhas paralelas diminuem ao sul do equador, mas se desenhadas naprojeo de Ptolomeu, seu comprimento aumentava. Ptolomeu foiefetivamentecontraaconsistnciadesuaprpriaprojeoeresolveuesseproblemacommeridianosformandongulosagudosnoequador.Istodava projeo a aparncia de uma clmide, mas estava muito longe de serideal.Ptolomeuconsiderouesseapenasuminconvenientemenor,poisseu

  • oikoumen se estendia somente at 16 S do equador,mas isso causariaproblemassriosemsculosposteriores,quandoosviajantescomearamacircum-navegar a frica. No obstante, a primeira projeo aindaapresentavameridianosretos,osquais,comoPtolomeureconheceudesdeo incio, s correspondiam a uma perspectiva parcial do globo visto doespao; tal como os paralelos, osmeridianos traam um arco circular aoredordoglobo,esuarealidadegeomtricadeveriamanteressacurvaturasobre um mapa plano. Ele props ento uma segunda projeo:Poderamosfazerummapadooikoumen sobreasuperfcieplanaaindamais semelhantee igualmenteproporcional [aoglobo] se tomssemososmeridianos,tambm,semelhanadaslinhasmeridianasdoglobo.54Essaprojeo, segundo ele, era superior anterior porque paralelos emeridianos estavam representados como arcos em curva, e porquepraticamentetodososseusparalelosmantinhamsuasproporescorretas(ao contrrio da primeira projeo, onde s se conseguia isso para osparalelos que passavam pelo equador e por Thule). A trigonometriaenvolvida eramais complicada do que na primeira projeo, e Ptolomeuaindatinhaproblemasparamanteraproporcionalidadeuniformeaolongodeseumeridianocentral.Eletambmreconheciaqueeramuitomaisdifcilconstruir um mapa baseado na segunda projeo, pois os meridianoscurvosnopoderiamserdesenhadoscomaajudadeumarguagiratria.

    Depois das descries exaustivas de ambas as projees, Ptolomeuconclua o primeiro livro da Geografia com algumas observaesextremamente otimistas. Apesar de preferir a segunda projeo, eleavaliava que ela poderia ser inferior outra no que dizia respeito facilidade de fazer o mapa, e aconselhava os futuros gegrafos aagarrarem-sesdescriesdeambososmtodos,paraobemdaquelesquesero atrados para o mais acessvel deles porque fcil. Seu conselhoinfluenciaria a reao dos estudiosos e cartgrafos ao renascimento daGeografia,queocorreuapartirdosculoXIII.

    OspredecessoresdePtolomeuusavamageografiaparatentarentenderacosmogonia,aexplicaodacriaodetudo.EmsuaGeografia,Ptolomeuafastou-se dessa busca. No h mitos e poucos limites polticos ouetnografiasestopresentesemseulivro.Emvezdisso,elerecriaasorigensdesuamatriaemdoisprincpiosduradourosdaerudioalexandrina:osprincpios da geometria de Euclides e o mtodo bibliogrfico declassificao de Calmaco. A inovao de Ptolomeu foi estabelecer umametodologia repetvel para mapear o mundo conhecido de acordo com

  • princpios matemticos reconhecidos. Suas projees cartogrficaspossibilitavam que qualquer pessoa com um conhecimento bsico dageometriaeuclidianapudessecriarummapadomundo.Suainovaodastabelasdelatitudeelongitude,tiradadasPinakesalexandrinas,estabeleceuascoordenadasdelugaresemtodoooikoumen.Essastabelaspermitiramque os cartgrafos assinalassem as posies de cada lugar conhecido emummapacomextremasimplicidade,eaoserecusaraprlimitesexplcitosemseuoikoumen,Ptolomeuestimulouoscartgrafos futurosaassinalarcadavezmaislugaresnasuperfciedeseusmapasmundiais.

    A pretenso de Ptolomeu de objetividade e exatido na coleta demateriais geogrficos e astronmicos era evidentemente uma iluso. Amedio de qualquer distncia substancial no segundo sculo eranotoriamente imprecisa, as observaes astronmicas estavamcomprometidas por instrumentos limitados difceis demanejar, emuitosdadosdePtolomeusobrea localizaode lugaresbaseavam-senoqueosgregoschamamdeako,isto,rumoresafirmaesfeitasporumcertomercador,supostasobservaesdeumastrnomotransmitidasatravsdesculos ou registros annimos de itineraria. Suas projees tambmestavamlimitadasasomentemetadedaTerra,umasuperfciehabitadaquetinha apenas 180 graus de largura, embora ele e seus contemporneosentendessem que havia ummundo alm dos limites do oikoumen.55 Emmuitos aspectos, isso era apenas um incitamento a especulaes eprojees futuras. Tendo fornecido as ferramentas metodolgicas parafazer um mapa, Ptolomeu convidava os outros a revisar suas tabelas erealocarseuslugares.Omapeamentoregionaloucorografiaeraumaarte,masomapeamentodomundoeraagoraumacincia.Ocontornodeumaregio ou a posio de um lugar poderiam ser alterados se novasinformaes surgissem,mas ametodologia demarcar um ponto sobre asuperfcie do mapa de acordo com certos princpios matemticosduradourosera,acreditavaele,imutvel.

    Umenigmapara avaliar a importnciadePtolomeupara a cartografiapermanece.EmtodaaGeografia,nohrefernciasexplcitasamapasqueilustremo texto.Comovimos, o textomais antigo subsistente s apareceem Bizncio no final do sculo XIII,mais demil anos depois de ter sidoescrito. Esses primeiros textos incluammapasmundiais (principalmentebaseadosnaprimeiraprojeo),masnoest claro seessesmapaseramcpias de ilustraes originais de Ptolomeu ou acrscimos bizantinosbaseadosem instruesescritasporPtolomeu.AquestodesePtolomeu

  • desenhoumapasparailustraraGeografiaoriginaldividiudurantedcadasoshistoriadorescartogrficos;aopinioacadmicainclina-seagoraparaacrenadeque,emboraelepossaterfeitoisso,nenhumdessesmapasfaziaparte da Geografia original.56 H muito poucos exemplos de mapas emtratadosde geografia greco-romanos, e eramais comumque eles fossemerguidos em espaos pblicos, como no caso dos mapas colocados naparededeumprticoemRomano inciodosculo IporAgripa,amigoegenrodoimperadorAugusto.57

    possvel que a forma inicial daGeografia fosse responsvel por suafaltademapas.Aobrafoiprovavelmenteescritacomtintanegrodefumofeitade fuligem,emumrolodepapiro tiradodeplantasquecresciamaolongo do delta do Nilo. Amaioria dos rolos de papiro desse perodo eracompostaporfolhasconjugadasquetinhamemmdia340centmetrosdecomprimento. No entanto, a altura desses rolos raramente passava detrinta centmetros.58 Essas dimenses eram adequadas aos itinerriosromanos, como a assim chamada Tabula Peutingeriana ou Mapa dePeutinger,umacpiadosculoXIIouXIIIdeummaparomanodosculoIVquemostraomundodandia,SriLankaeChinaatapennsulaIbricaeas ilhas britnicas. Esses itinerrios descreviam omovimento atravs doespao terrestre em termos lineares, uma representao unidimensionalcompoucosensodeprofundidade,relevoeescala,devidoprincipalmentes limitaes do meio. O Mapa de Peutinger foi feito em um rolo depergaminhocomumcomprimentodemaisdeseismetros,mascomumalarguradeapenas33centmetros,criandodistoreslateraisbvias.EssasdimensestornavamefetivamenteimpossvelreproduziromapamundialouosmapasregionaisdescritosemdetalhesporPtolomeusemreduesedistores improvveis. A soluo de Ptolomeu seria desenhar mapasseparados de seu livro (mas se assim foi, nenhum sobreviveu), ou, naexplicao dada pelos tradutoresmais recentes daGeografia, ele decidiucodificaromapaempalavrasenmeros.59Seassimfez,entoPtolomeuresolveufornecerosdadosgeogrficoseomtodomatemtico,edeixarorestoparaasfuturasgeraes.

    CONTEMPLAI MINHAS OBRAS, poderosos, e desesperai!, exclama o fara egpcioOzymandias,deShelley.No sonetodopoeta ingls sobreaarrognciadopoder imperial, nadamais resta do reino do tirano e de todos os seusmonumentosresplandecentes,excetoasrunasdesuaesttua.Damesmaforma, hoje, a maioria dos vestgios da dinastia ptolomaica e de seu

  • domnio sobre o Egito desapareceu, submersa sob as guas do porto deAlexandria.Abibliotecasumiuhmuitotempo,amaioriadeseuslivrosfoisaqueadaedestruda. Suaperda temassombradoa imaginaoocidentaldesdeentoehistoriadoresdediferentesquadrantesideolgicosaolongodostempostmculpadotodomundo,deromanosecristosamuulmanos,por sua destruio. Ela permanece como uma memria romntica deinfinitaspossibilidades,umafontedeespeculaoemito,umpoderiatersidonodesenvolvimentodaerudioedacivilizao,eumaliosobreosimpulsostantocriativoscomodestrutivosqueestonocernedetodososimprios.60

    Mas algumas das obras sobreviveram e migraram, entre elas, aGeografia de Ptolomeu. Embora parea notavelmente intocado pelosacontecimentosqueocercavam,otextodePtolomeutraduzumdesejodetransmitirsuas ideiasdeumaformamaisduradouradoqueosmapasoumonumentos.AGeografiafoioprimeirolivroque,poracidenteouprojeto,mostrouopotencialdatransmissodedadosgeogrficosdigitalmente.Emvez de reproduzir elementos analgicos grficos no confiveis paradescrever a informao geogrfica, os exemplares sobreviventes daGeografia utilizaram os sinais descontnuos e separados de nmeros eformas das coordenadas de lugares de todo o mundo habitado geometria necessria para desenhar as projees de Ptolomeu paratransmitirseusmtodos.Essaprimeirageografiadigitalrudimentarcriouummundobaseadoemumasriedepontos,linhasearcosdeinterconexofundamentados na tradio grega de observao astronmica eespeculao matemtica, que se estende de Eratstenes e Euclides atAnaximandro.Ptolomeu lanouumaredesobre todoomundoconhecido,definido pelos princpios abstratos duradouros da geometria e daastronomia e pela medio da latitude e longitude. Um de seus maiorestriunfosfoifazertodasasgeraesposterioresveremumasriedelinhasgeomtricascruzandoogloboospolos,oequadoreostrpicoscomosefossemreais,emvezdeprojeesgeomtricasfeitaspelohomemsobreasuperfciedaTerra.

    Os mtodos cientficos de Ptolomeu procuravam tornar o mundocompreensvel atravs da imposio da ordem geomtrica sobre avariedadecaticadomundol fora,aomesmotempoemqueretinhamum sentimento de admirao por sua infinita variedade. Sua viso,consagrada em uma das primeiras declaraes da Geografia sobre amensurao geomtrica da Terra, inspiraria geraes de gegrafos para

  • almdaRenascena,ataeradosvoosespaciaistripulados:Essas coisas pertencem mais sublime e mais bela das buscas intelectuais, ou seja, expor compreensohumanaatravsdamatemticatantoocuemsuanaturezafsica,umavezquepodeservistoemsuarevoluoaonossoredor,comoanaturezadaTerraatravsdeumretrato,umavezqueaTerrareal,sendoenormeenonosrodeando,nopodeserinspecionadaporalgumapessoa,sejacomoumtodoouparteporparte.61

    aAtraduodostrechosdoFdondeCarlosAlbertoNunes,publicadapelaEditoradaUniversidadedoPar.(N.T.)

    Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 19Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 20Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 21Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 22Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 23Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 24Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 25Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 26Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 27Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 28Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 29Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 30Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 31Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 32Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 33Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 34Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 35Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 36Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 37Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 38Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 39Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 40Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 41Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 42Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 43Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 44Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 45Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 46Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 47Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 48Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 49Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 50Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 51Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 52Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 53Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 54Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 55Uma Histria do Mundo em Doze Mapas- Jerry Brotton 56