a funcionalização do direito penal a partir de critérios de política criminal

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Conheça nossa nova página: www.ibccrim.org.br ANO 23 - Nº 270 - MAIO/2015 - ISSN 1676-3661 | Editorial Manoel Pedro Pimentel e as Ciências Penais de nosso tempo Alamiro Velludo Salvador Netto ______2 DIREITO PENAL EM DEBATE Feminicídio: o equívoco do pretenso Direito Penal emancipador Juliana Garcia Belloque _____________3 DIREITO PENAL EM DEBATE Sobre o feminicídio Ela Wiecko V. de Castilho ___________4 DIREITO PENAL EM DEBATE Um copo meio cheio Marta Machado e Fernanda Matsuda __5 Protesto de presos: a exculpação da reação em face da violação das garantias individuais José Rafael Fonseca de Melo _________7 Gargalos tampados Maíra Zapater ____________________9 O prenúncio de um Direito Penal de empresa no Brasil Victor Augusto Estevam Valente _____11 O art. 265 do CPP e o exagero na sua utilização Euro Bento Maciel Filho ___________14 Drogas e catástrofe: a política criminal da guerra permanente no Brasil iago Fabres de Carvalho _________16 A funcionalização do Direito Penal a partir de critérios de política criminal Carlo Velho Masi _________________18 | Caderno de Jurisprudência | O DIREITO POR QUEM O FAZ Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ______________ 1845 | SISTEMAS REGIONAIS DE DIREITOS HUMANO Corte interamericana de direitos humanos _________________1846 | JURISPRUDÊNCIA Supremo Tribunal Federal ___ 1848 Superior Tribunal de Justiça __ 1848 Superior Tribunal Militar ____ 1849 Tribunal Superior Eleitoral___ 1850 Tribunal Regional Federal ___ 1850 Tribunal de Justiça _________ 1852 Editorial Não à redução da maioridade penal Após praticamente 25 anos de indiferença quanto à doutrina da proteção integral trazida pelo ECA, como que por ironia, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou, por 42 votos a favor e 17 contra, a tramitação da PEC 171/93, que pretende PRGLセFDU R DUWLJR GD &RQVWLWXLomR )HGHUDO SDUD prever o início da imputabilidade penal aos 16 anos. $ SURSRVWD p ソDJUDQWHPHQWH LQFRQVWLWXFLRQDO DOpP GH LQ~WLO DRV セQV D TXH VXSRVWDPHQWH VH GLULJH A “inimputabilidade penal” representa uma das garantias fundamentais da pessoa humana, uma vez que R DUWLJR GR WH[WR FRQVWLWXFLRQDO HVWDEHOHFH D LGDGH GH DQRV FRPR OLPLWH DR SRGHU SXQLWLYR SHQDO 7UDWD VH GH XPD HVFROKD SROtWLFRFULPLQDO GR FRQVWLWXLQWH FRP YLVWDV D JDUDQWLU D SURWHomR j LQIkQFLD UHVSHLWDQGR se a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento DUW 9 GD &) Dessa forma, a simples deliberação de proposta de emenda tendente a abolir ou minorar os direitos e garantias individuais, ou seja, as regras de proteção do indivíduo frente ao Estado, já se revela como afronta à Constituição que, em seu art. 60, § 4º, IV, trata tal matéria como imutável pelo Poder Constituinte Derivado. Além disso, a normativa internacional de defesa dos direitos humanos encampa o princípio da vedação ao retrocesso, em que a previsão e a efetivação dos direitos deve ser realizada de forma progressiva, cada vez mais abrangente. Nesse sentido, a redução da maioridade penal não poderia ser admitida sequer com o estabelecimento de uma nova Constituinte, sob pena de responsabilização internacional do Estado Brasileiro. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, aliás, já se pronunciou recentemente acerca da PEC 171/93, H[SUHVVDQGR VXD SUHRFXSDomR FRP R TXH FRQVLGHURX grave retrocesso e uma violação dos direitos fundamentais dos adolescentes, pois viola sua garantia de ser tratado por uma justiça juvenil especializada”. Não bastasse o óbice decorrente da sistemática normativa, a proposta de emenda constitucional p LPSUHVWiYHO SDUD D FRQVHFXomR GRV セQV TXH VXSRVWDPHQWH SHUVHJXH 2 SURMHWR IXQGDPHQWDVH HP equivocada noção de ser o Direito Penal capaz de prevenir e impedir delitos, promessa essa que nunca VH FRQセUPRX HPSLULFDPHQWH $R FRQWUiULR WXGR LQGLFD que a PEC produzirá efeitos nocivos à sociedade, tendo em vista que a inserção precoce de pessoas no cárcere poderá acarretar sua morte social: ao permanecer VHJUHJDGR GD VRFLHGDGH GHVGH FHGR GHL[DQGR D SULVmR FRP VDEHVH Oi TXDO LGDGH DV FKDQFHV GH VH REWHU r[LWR QD SURセVVLRQDOL]DomR VHUmR GLPLQXWDV SRU PRWLYRV WmR óbvios que dispensam argumentação. &RP LVVR R (VWDGR QmR DSHQDV GHL[DUi GH FXPSULU D SURPHVVD GH UHGXomR GD YLROrQFLD FRPR D LQFUHPHQWDUi XPD YH] TXH DR H[FOXLU RV MRYHQV MXVWDPHQWH QR SHUtRGR em que estão a aprender a lidar com a emancipação e a liberdade, criará ambientes mais propícios para o ingresso da juventude nas carreiras criminosas. Sobre esse aspecto, imprescindível a análise dos índices de reincidência. Embora tais números não sejam absolutamente seguros, nenhuma política sobre R DVVXQWR SRGH VHU GHセQLGD VHP DSUHFLiORV PHVPR TXH VHMD SDUD DSHUIHLoRDU VXD FROKHLWD HQTXDQWR HQWUH RV DGXOWRV D UHLQFLGrQFLD HVWi QD FDVD GRV SDUD RV DGROHVFHQWHV D GHSHQGHU GD IRQWH HVVD WD[D YDULD GH )XQGDomR &$6$ D &1- É de se ter em vista, por outro lado, que os atos infracionais praticados por adolescentes não chegam a GR WRWDO GH FULPHV SUDWLFDGRV QR %UDVLO ,/$18' $SHQDV GRV KRPLFtGLRV RFRUULGRV VmR FRPHWLGRV SRU DGROHVFHQWHV H LQFOXLQGRVH QHVVH PRQWDQWH DV WHQWDWLYDV DSHQDV WHULDP DGROHVFHQWHV HQYROYLGRV 0LQLVWpULR GD -XVWLoD (P FRQWUDSDUWLGD PDLV GH das vítimas de homicídios no Brasil são adolescentes, HP RSRVLomR D GD SRSXODomR HP JHUDO 6'+35 justamente por se tratar de parcela da população mais carente de políticas públicas, em escancarada oposição HQWUH R WH[WR FRQVWLWXFLRQDO H D QRVVD FUXD UHDOLGDGH É evidente que há muitos outros argumentos, como DTXHOHV FRQVWDQWHV GD 1RWD 7pFQLFD SURGX]LGD SHOR 'HSDUWDPHQWR GH (VWXGRV H 3URMHWRV /HJLVODWLYRV GR ,%&&5,0 D UHVSHLWR GD 3(& Mi QDV PmRV GRV parlamentares. Por outro lado, só neste periódico, ao longo de mais de 20 anos, há dezenas de manifestações TXDOLセFDGDV VREUH R WHPD (QWULVWHFH YHU D DWXDOLGDGH SRU H[HPSOR GR HGLWRULDO GR %ROHWLP GH PDUoR GH no qual se pontuou que “negar os valores do Estatuto da Criança e do Adolescente e enfatizar a redução da maioria penal como solução para a crise de segurança é mais do que escamotear a verdade. É iludir a opinião pública com fantasias e alimentar a hipocrisia. Acima de tudo, é um lamentável equívoco histórico, pois estigmatizar crianças como criminosos, penalizar adolescentes e criminalizar jovens, é negar às novas gerações o direito de forjar seu projeto de sociedade. É impedi-las de construir seu futuro em bases alicerçadas na ideia de inclusão social, no princípio da solidariedade e no respeito aos direitos civis”. O debate, em todo esse tempo, infelizmente em nada evoluiu. É indispensável repisar que o objetivo de todos deve ser comum: construir uma sociedade com o PtQLPR GH YLROrQFLD SRVVtYHO $ UHGXomR GD PDLRULGDGH SHQDO GHFHUWR QmR p XP GRV PHFDQLVPRV TXH DX[LOLH nessa consecução. Não se ignora que o momento político seja dos mais perigosos para os direitos e garantias plasmados na &RQVWLWXLomR GH H QRV WUDWDGRV LQWHUQDFLRQDLV GH TXH o Brasil é signatário. Não se pode ignorar, também, que é nesses tempos de crise que se forjam uniões potentes entre diversos atores sociais. Que mais essa tentativa de redução da maioridade penal sirva para isso: alertar a todos que não basta se opor ao retrocesso; é preciso forçar o avanço com a mesma intensidade e convicção. 4XHP VDEH DVVLP HP DOJXQV DQRV R ,%&&5,0 poderá publicar não um editorial para, em coro a tantas outras instituições nacionais e internacionais, se contrapor mais uma proposta de redução da maioridade penal, mas para comemorar que a família, a sociedade e o Estado EUDVLOHLURV セQDOPHQWH DVVHJXUDUDP à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, DR OD]HU j SURセVVLRQDOL]DomR j FXOWXUD j GLJQLGDGH ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (art. 227, caput &) Enquanto esse tempo não chega, ao menos em UHODomR DRV DGROHVFHQWHV ー HP FRQソLWR FRP D OHL RX não –, uma boa ideia é que se comece a cumprir a &RQVWLWXLomR )HGHUDO R (&$ H D /HL GR 6,1$6( VH D GHOLQTXrQFLD MXYHQLO QmR EDL[DU ー DOJR SUDWLFDPHQWH impossível –, ao menos teremos dado aos nossos jovens e à nossa sociedade o direito de sonhar.

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Ganha cada vez mais aceitação, no âmbito científico, um Direito Penal não só orientado, mas verdadeiramente definido por critérios teleológicos de Política Criminal. A Política Criminal passou a orientar a Dogmática, adquirindo um papel de particular proeminência no âmbito da “Ciência Conjunta do Direito Penal”. Na prática, isso significa atribuir aos agentes políticos do Estado o poder de definir o que é o Direito Penal de acordo com os seus projetos. O novo objeto da Política Criminal do séc. XXI é orientado pela globalização à prevenção das ações humanas tipificadas como delituosas. As categorias e os conceitos da Dogmática Jurídico-penal agora apresentam-se funcionalmente determinados pelas finalidades eleitas pela Política Criminal. A influência desses critérios pode ser desejável, desde que limitada pelos princípios de garantia e regras que regem o Estado Democrático de Direito e pelas disposições constitucionais. Não se pode simplesmente tentar impedir que os valores sociais repercutam sobre o Direito Penal, mas antes é preciso prevenir que esses valores estejam em conformidade com o modelo de sociedade almejado.

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  • Conhea nossa nova pgina: www.ibccrim.org.br

    ANO 23 - N 270 - MAIO/2015 - ISSN 1676-3661

    | Editorial

    Manoel Pedro Pimentel e as Cincias

    Penais de nosso tempo

    Alamiro Velludo Salvador Netto ______2

    DIREITO PENAL EM DEBATE

    Feminicdio: o equvoco do pretenso

    Direito Penal emancipador

    Juliana Garcia Belloque _____________3

    DIREITO PENAL EM DEBATE

    Sobre o feminicdio

    Ela Wiecko V. de Castilho ___________4

    DIREITO PENAL EM DEBATE

    Um copo meio cheio

    Marta Machado e Fernanda Matsuda __5

    Protesto de presos: a exculpao da

    reao em face da violao das garantias

    individuais

    Jos Rafael Fonseca de Melo _________7

    Gargalos tampados

    Mara Zapater ____________________9

    O prenncio de um Direito Penal de

    empresa no Brasil

    Victor Augusto Estevam Valente _____11

    O art. 265 do CPP e o exagero na sua

    utilizao

    Euro Bento Maciel Filho ___________14

    Drogas e catstrofe: a poltica criminal da

    guerra permanente no Brasil

    #iago Fabres de Carvalho _________16

    A funcionalizao do Direito Penal a

    partir de critrios de poltica criminal

    Carlo Velho Masi _________________18

    | Caderno de Jurisprudncia

    | O DIREITO POR QUEM O FAZ

    Tribunal de Justia do Estado

    de So Paulo ______________ 1845

    | SISTEMAS REGIONAIS DE DIREITOS HUMANO

    Corte interamericana de direitos

    humanos _________________1846

    | JURISPRUDNCIA

    Supremo Tribunal Federal ___ 1848

    Superior Tribunal de Justia __ 1848

    Superior Tribunal Militar ____ 1849

    Tribunal Superior Eleitoral ___ 1850

    Tribunal Regional Federal ___ 1850

    Tribunal de Justia _________ 1852

    Editorial

    No reduo da maioridade penalAps praticamente 25 anos de indiferena quanto

    doutrina da proteo integral trazida pelo ECA, como que por ironia, a Comisso de Constituio e Justia da Cmara dos Deputados aprovou, por 42 votos a favor e 17 contra, a tramitao da PEC 171/93, que pretende

    prever o incio da imputabilidade penal aos 16 anos.

    A inimputabilidade penal representa uma das garantias fundamentais da pessoa humana, uma vez que

    se a condio peculiar de pessoa em desenvolvimento

    Dessa forma, a simples deliberao de proposta de emenda tendente a abolir ou minorar os direitos e garantias individuais, ou seja, as regras de proteo do indivduo frente ao Estado, j se revela como afronta Constituio que, em seu art. 60, 4, IV, trata tal matria como imutvel pelo Poder Constituinte Derivado.

    Alm disso, a normativa internacional de defesa dos direitos humanos encampa o princpio da vedao ao retrocesso, em que a previso e a efetivao dos direitos deve ser realizada de forma progressiva, cada vez mais abrangente. Nesse sentido, a reduo da maioridade penal no poderia ser admitida sequer com o estabelecimento de uma nova Constituinte, sob pena de responsabilizao internacional do Estado Brasileiro. A Comisso Interamericana de Direitos Humanos, alis, j se pronunciou recentemente acerca da PEC 171/93,

    grave retrocesso e uma violao dos direitos fundamentais dos adolescentes, pois viola sua garantia de ser tratado por uma justia juvenil especializada.

    No bastasse o bice decorrente da sistemtica normativa, a proposta de emenda constitucional

    equivocada noo de ser o Direito Penal capaz de prevenir e impedir delitos, promessa essa que nunca

    que a PEC produzir efeitos nocivos sociedade, tendo em vista que a insero precoce de pessoas no crcere poder acarretar sua morte social: ao permanecer

    bvios que dispensam argumentao.

    em que esto a aprender a lidar com a emancipao e a liberdade, criar ambientes mais propcios para o ingresso da juventude nas carreiras criminosas.

    Sobre esse aspecto, imprescindvel a anlise dos ndices de reincidncia. Embora tais nmeros no sejam absolutamente seguros, nenhuma poltica sobre

    de se ter em vista, por outro lado, que os atos

    infracionais praticados por adolescentes no chegam a

    das vtimas de homicdios no Brasil so adolescentes,

    justamente por se tratar de parcela da populao mais carente de polticas pblicas, em escancarada oposio

    evidente que h muitos outros argumentos, como

    parlamentares. Por outro lado, s neste peridico, ao longo de mais de 20 anos, h dezenas de manifestaes

    no qual se pontuou que negar os valores do Estatuto da Criana e do Adolescente e enfatizar a reduo da maioria penal como soluo para a crise de segurana mais do que escamotear a verdade. iludir a opinio pblica com fantasias e alimentar a hipocrisia. Acima de tudo, um lamentvel equvoco histrico, pois estigmatizar crianas como criminosos, penalizar adolescentes e criminalizar jovens, negar s novas geraes o direito de forjar seu projeto de sociedade. impedi-las de construir seu futuro em bases aliceradas na ideia de incluso social, no princpio da solidariedade e no respeito aos direitos civis.

    O debate, em todo esse tempo, infelizmente em nada evoluiu. indispensvel repisar que o objetivo de todos deve ser comum: construir uma sociedade com o

    nessa consecuo.No se ignora que o momento poltico seja dos

    mais perigosos para os direitos e garantias plasmados na

    o Brasil signatrio. No se pode ignorar, tambm, que nesses tempos de crise que se forjam unies potentes entre diversos atores sociais. Que mais essa tentativa de reduo da maioridade penal sirva para isso: alertar a todos que no basta se opor ao retrocesso; preciso forar o avano com a mesma intensidade e convico.

    poder publicar no um editorial para, em coro a tantas outras instituies nacionais e internacionais, se contrapor mais uma proposta de reduo da maioridade penal, mas para comemorar que a famlia, a sociedade e o Estado criana, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito vida, sade, alimentao, educao,

    ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria, alm de coloc-los a salvo de toda forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso (art. 227, caput

    Enquanto esse tempo no chega, ao menos em

    no , uma boa ideia que se comece a cumprir a

    impossvel , ao menos teremos dado aos nossos jovens e nossa sociedade o direito de sonhar.

  • ANO 23 - N 270 - MAIO/2015 - ISSN 1676-3661

    Publicao do Instituto Brasileiro de Cincias Criminais

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    ANO 23 - N 270 - MAIO/2015 - ISSN 1676-3661

    A funcionalizao do Direito Penal a partir de critrios de poltica criminalCarlo Velho Masi

    teleolgicos de Poltica Criminal. Os grandes debates se travam entre

    jurdico, ou seja, entre polticas criminais diversas.

    condies histricas e pressupostos dogmticos. Hoje, considerando os malefcios da criminalidade moderna, a Poltica Criminal que orienta a Dogmtica. Sendo assim, no apenas o legislador, mas o intrprete do Direito Penal passa a observar as decises polticas para, em funo delas, adotar determinados posicionamentos. Esta a razo de Zaffaroni atribuir Poltica Criminal contempornea o forte componente de poltica institucional, uma vez que ela passaria a abarcar em seu campo a valorao da estrutura do sistema penal e das propostas formuladas a seu respeito.

    do Direito Penal.

    com os seus projetos (que teoricamente deveriam visar ao interesse

    poderia dar azo a uma insegurana muito grande quanto aos critrios

    movimento irreversvel.

    Coube a Roxin, um dos maiores defensores deste modelo de

    Direito Penal.

    criminais no apenas deveria integrar o objeto de estudo do Direito Penal, como a prpria construo das suas categorias dogmticas

    Como bem pondera Muoz Conde

    desde el momento en que el

    es necesario que tambin se tengan en cuenta en su elaboracin

    so atributos que, hoje, se complementam. A importncia que os direitos fundamentais adquiriram na sociedade hodierna faz com que a Dogmtica deva atuar no estudo conceitual dos institutos antes mesmo da sua entrada em vigor. As categorias e os conceitos bsicos

    devem ser determinados e cunhados a partir de proposies poltico-criminais e da funo que por estas lhes assinalada no sistema.

    A Poltica Criminal ganhou ento uma funo inteiramente nova e

    penais, que interessavam apenas ao legislador, e no ao jurista, ela Figueiredo Dias

    observa que esta atribuio acaba tornando o Direito Penal a forma

    vazam no modus da validade jurdica, razo pela qual novamente as bases da legitimao penal devero ser buscadas nos princpios clssicos.

    (das decises sobre a vida na Polis pode designar a mera prtica dos rgos do Estado e, em algumas ocasies, de particulares; ou pode

    cuja misso ser proporcionar uma fundamentao racional prtica

    com este. Fazer Poltica Criminal adquire, neste sentido, a funo de decidir legitimamente sobre a preveno de condutas relacionadas com o delito.

    O aumento de criminalizaes decorre do avano tecnolgico, que traz consigo novos riscos sociedade. Por isso, o novo objeto

    toma em considerao no s as decises legislativas, mas tambm outras instncias do poder (Ministrio Pblico, Polcia, Judicirio,

    seja, todos os agentes da poltica.

    H quem j chegue a

    como um de seus instrumentos de preveno de condutas ilcitas, convivendo com o Direito Administrativo, o Direito Processual, o Direito Civil, entre outros setores. Como assenta Pablo Snchez-Ostiz, Se percibe ya que la Poltica dirigida a la prevencin de delitos cuenta con un instrumentarlo jurdico amplio, sem descartar outros meios no jurdicos.

    Sin embargo, hay no pocos instrumentos, menos clamorosos, ms a

    como la educacin no solo moral y cvica, sino tambin profesional ,

    calidad de las ciudades, parques, o hasta de los transportes pblicos. La Poltica criminal en un Estado de Derecho aspira a regirse

    por principios que constituyen a su vez lmites del ejercicio del poder y garanta de derechos y libertades.

    do Direito Penal positivo. Sua funo ltima consiste em servir de padro crtico e em oferecer um critrio de determinao dos limites

    Roxin aponta que o benefcio de estruturar categorias basilares permite

    transformar no s postulados sociopolticos, mas tambm dados empricos e, especialmente, criminolgicos em elementos fecundos para a Dogmtica jurdica

    social.

    Figueiredo Dias alerta, contudo, que, ainda que teoricamente prevalea sobre a Dogmtica, a Poltica Criminal est invariavelmente

    guiar pelos fundamentos constitucionais da concepo do Estado de

    criminais devem ser procuradas e estabelecidas no mbito dos valores e dos interesses que integram o consenso comunitrio mediado e positivado pela Constituio. Dessa forma, a Poltica Criminal dever conceder especial ateno proteo dos direitos, das liberdades e das garantias de toda e qualquer pessoa.

    Por outro lado, h autores que sustentam o absoluto equvoco de

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    ANO 23 - N 270 - MAIO/2015 - ISSN 1676-3661

    Esta linha sustenta que isso desproveria a Dogmtica de referenciais

    Penal e Poltica Criminal corresponderiam a campos diversos, com

    de legitimidade/validade no mbito do prprio Direito Penal, com a principiologia e os fundamentos que lhe so inerentes. Assim, para DAvila a legitimidade do ilcito deve ser buscada na sua dimenso material, no fragmento de realidade que lhe confere concretude.

    Acreditamos que, a despeito de o risco da funcionalizao da disciplina a partir de critrios de Poltica Criminal ser a politizao do Direito Penal para a promoo de campanhas eleitorais, certo

    pelos princpios de garantia e regras que regem o Estado Democrtico de Direito e pelas disposies constitucionais.

    Isso implica dizer que no se pode simplesmente tentar impedir que os valores sociais repercutam sobre o Direito Penal, mas antes preciso prevenir que esses valores estejam em conformidade com o modelo

    em uma sociedade com valores verdadeiramente democrticos, em que os lderes polticos atuem a servio da verdadeira democracia. Do contrrio, toda e qualquer Poltica Criminal est fadada a atuar como instrumento simblico de atendimento paliativo dos reclames sociais emergentes.

    ARENDT, Hannah. O que poltica? .

    BATISTA, Nilo. Introduo crtica ao direito penal brasileiro.

    DAVILA

    Revista Sntese de Direito Penal e Processual Penal

    DIAS Direito penal

    _______. O papel do direito penal na proteo das geraes futuras. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

    GRECO LEITE Revista Liberdades, So Paulo,

    MASI

    conjunta do direito penal. Boletim IBCCRIM, So Paulo, a. 22, n. 261, p.

    MUOZ CONDEcriminal: historia de una relacin atormentada. Revista de Estudos Criminais,

    PREZ CEPEDA, Ana Isabel. La seguridad como fundamento de la deriva del derecho penal postmoderno. Madrid: Editora Iustel, 2007.

    ROXIN, Claus. Estudos de direito penal

    _______. Poltica criminal e sistema jurdico-penal.2000.

    SNCHEZ OSTIZ, Pablo. Fundamentos de poltica criminal: um retorno a los princpios. Madrid: Marcial Pons, 2012.

    SILVA SNCHEZ SNCHEZ OSTIZ, Pablo. Fundamentos de poltica criminal: um retorno a los princpios. Madrid: Marcial Pons, 2012.

    ZAFFARONI Direito penal brasileiro.2003.

    Notas

    DAVILARevista Sntese de Direito

    Penal e Processual Penal

    especialmente p. 47. Segundo GRECO LEITERevista Liberdades,

    especialmente p. 107, Para Roxin, no possvel extrair de dados pr-jurdicos solues para problemas jurdicos, de modo que a teoria do delito tem de ser construda sobre fundamentos normativos, referidos aos fins da pena e aos fins do direito penal, isto , a poltica criminal. O caminho correto s pode ser deixar as decises valorativas poltico-criminais introduzirem-se no sistema do direito penal (... . Com isso, Roxin delineia as bases de sua concepo funcional ou teleolgico-racional da teoria do delito, que obteve vrios adeptos dentro e fora da Alemanha e encontrou, em seu posterior Tratado, sua verso mais elaborada.

    (2 BATISTA, Nilo. Introduo crtica ao direito penal brasileiro.

    DIAS

    futuras. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra,

    p. 56.

    ZAFFARONI Direito penal brasileiro.

    (5 MASIconjunta do Direito Penal. Boletim IBCCRIM, So Paulo, a. 22, n. 261, p.

    (6 ROXIN, Claus. Poltica criminal e sistema jurdico-penal. p. 20.

    (7 Idem, ibidem.

    MUOZ CONDERevista de

    Estudos Criminais, especialmente p. 12.

    (9 ROXIN, Claus. Estudos de direito penal

    DIAS Direito penal

    Idem, ibidem.

    (12 Para ARENDT, Hannah. O que poltica?Brasil, 2004. , a poltica se baseia na pluralidade dos homens e na

    de todos os homens entre si de acordo com uma igualdade relativa e em contrapartida s diferenas relativas. O sentido da coisa poltica os homens terem relaes entre si em liberdade, entendida tanto negativamente quanto positivamente.

    SILVA SNCHEZ SNCHEZ-OSTIZ, Pablo. Fundamentos de poltica criminal: um retorno a los princpios. Madrid: Marcial Pons, 2012. p. 13.

    (14 PREZ CEPEDA, Ana Isabel. La seguridad como fundamento de la deriva del derecho penal postmoderno. Madrid: Editora Iustel, 2007. p. 309.

    SNCHEZ-OSTIZ, Pablo. Fundamentos de poltica criminal... cit., p. 25.

    DIAS Direito Penal: parte geral cit., p. 34.

    SNCHEZ-OSTIZ, Pablo. Fundamentos de poltica criminal... cit., p. 34.

    Idem, ibidem, p. 35.

    (19 ROXIN, Claus. Estudos de direito penal

    (20 DIAS Direito penal: parte geral cit., p. 35.

    (21 DAVILARevista Sntese de Direito

    Penal e Processual Penal

    (22 PREZ CEPEDA, Ana Isabel. La seguridad como fundamento de la deriva del derecho penal postmordeno. Madrid: Iustel, 2007. p. 51.

    Carlo Velho MasiMestre em Cincias Criminais pela PUC-RS.

    Especialista em Direito Penal e Poltica Criminal pela UFRGS. Advogado criminalista.