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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO A FRAGILIDADE DAS RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS NA CONTEMPORANEIDADE: DIREITO DOS PAIS EXIGIREM OBEDIÊNCIA DOS FILHOS À LUZ DA LEGISLAÇÃO E DOUTRINA BRASILEIRA ROBERTA OLIVEIRA LIMA Itajaí, Junho de 2010

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A FRAGILIDADE DAS RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS NA CONTEMPORANEIDADE: DIREITO DOS PAIS

EXIGIREM OBEDIÊNCIA DOS FILHOS À LUZ DA LEGISLAÇÃO E DOUTRINA BRASILEIRA

ROBERTA OLIVEIRA LIMA

Itajaí, Junho de 2010

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A FRAGILIDADE DAS RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS NA CONTEMPORANEIDADE: DIREITO DOS PAIS

EXIGIREM OBEDIÊNCIA DOS FILHOS À LUZ DA LEGISLAÇÃO E DOUTRINA BRASILEIRA

ROBERTA OLIVEIRA LIMA

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel

em Direito. Orientadora: Professora MSc. Maria Inês França Ardigó

Itajaí, Junho de 2010

iii

AGRADECIMENTO

Agradeço primeiramente à Deus, autor da vida,

através DELE me movo, vivo e existo. Tudo é DELE,

por meio DELE e para ELE.

Agradeço também a minha família e amigos que

suportaram minha ausência e me deram forças

durante os períodos mais críticos de produção desta.

Por fim, agradeço a minha orientadora Maria Inês

França Ardigó, mais do que professora foste amiga,

companheira de jornada e incansável encorajadora

na concretização deste projeto.

DEDICATÓRIA

Ao Deus eterno, que dedica-se a cuidar de cada um

de nós nos mínimos detalhes.

Aos meus pais Cinato Oliveira Lima (in memoriam) e

Rosalina Oliveira Lima

Vocês não produziram apenas vida em mim, mas

forjaram um caráter de honestidade, perseverança e

fé.

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do

Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de

toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, Junho de 2010

Roberta Oliveira Lima Graduanda

vi

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do

Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Roberta Oliveira Lima, sob o título “A

fragilidade das relações entre pais e filhos na contemporaneidade: direito dos

pais exigirem obediência dos filhos à luz da legislação e doutrina brasileira” foi

submetida em junho de 2010 à banca examinadora composta pelas seguintes

professoras: Maria Inês França Ardigó – presidente da banca e Maria Fernanda

Gugelmin Girardi - examinadora, e aprovada com a nota [_______] ([______]).

Itajaí, Junho de 2010

Professora MSc. Maria Inês França Ardigó Orientadora e Presidente da Banca

Professor MSc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a autora considera estratégicas à compreensão do seu

trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Adolescente

“[...] Considera-se [...], para os efeitos desta Lei, a pessoa [...] adolescente aquela

entre doze e dezoito anos de idade”1.

Afeto

É o elemento constitutivo dos vínculos familiares. A busca da felicidade, a

supremacia do amor, a solidariedade social ensejam o reconhecimento do afeto

como o modo mais plausível para a definição de família2.

Criança

“[...] Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de

idade incompletos, [...]”3.

Direito de Família

Como esse ramo do Direito disciplina a organização da família, conceitua-se o

direito de família com o próprio objeto a definir4. “[...] regula não só as relações entre

pais e filhos, mas também entre cônjuges e conviventes, ou seja, a relação das

pessoas ligadas por um vínculo de consangüinidade, afinidade ou afetividade”5.

Família

A família é um grupo natural que através dos tempos tem desenvolvido padrões de

interação. Esses padrões constituem a estrutura familiar, que por sua vez governa o

1 BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente. Art. 2º, p.03.

2 CALHEIRA, Luana Silva. Os princípios do direito de família na Constituição Federal de 1988 e a importância aplicada do afeto: O afeto é juridicizado através dos princípios?. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 5, n 229.

3 BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente. Art. 2º, p.03.

4 MONTEIRO, Washington de Curso de direito civil, 36. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p.8.

5 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5. ed. São Paulo: RT, 2009, p.34.

viii

funcionamento dos membros da família, delineia sua gama de comportamento e

facilita sua interação6.

Filhos

“Os filhos, qualquer que seja a natureza da filiação, estão sujeitos ao poder familiar,

enquanto menores (CC. art. 1.630), ou seja, até 18 (dezoito) anos”7.

Limites

“Limite é a linha demarcatória que identifica uma pessoa; ele determina onde uma

termina e outra começa. Se conhecermos os limites de uma pessoa, sabemos o que

esperar dela. Podemos exigir responsabilidade em relação aos sentimentos, atitudes

ou comportamento”8.

Pais

“Será que o conceito de pai se esgota no ato da geração biológica, ou o ato se

estende a toda a vida do novo ser gerado, compreendendo na geração, a

responsabilidade que dela advém?”.9 “[...] adultos que mantêm, amam e determinam

a forma de inserção da criança na sociedade, inclusive pelo uso do nome de família

[...]”10.

Poder Familiar

Ramo do Direito Civil atinente às relações entre pessoas unidas pelo matrimônio,

pela união estável ou pelo parentesco e aos ramos complementares do direito

protetivo e assistencial, pois tanto a curatela como a tutela embora não se originem

6 MINUCHIN, Salvador; FISCHMAN, H. Charles. Técnicas de Terapia familiar. Porto Alegre: Artmed, 2003.

7 RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: direito de família. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p.359.

8 CLOUD, Henry e TOWNSEND, John. Limites para ensinar os filhos. Tradução de Denise Avalone. São Paulo: Vida, 2001, p.22.

9 COMEL, Nelsina Elizena Damo. Paternidade responsável: o papel do pai na sociedade brasileira e na educação familiar. Curitiba: Juruá, 2000, p.96.

10 COMEL, Nelsina Elizena Damo. Paternidade responsável: o papel do pai na sociedade brasileira e na educação familiar. Curitiba: Juruá, 2000, p.96..

ix

das relações familiares, por sua finalidade, possuem conexão com o Direito de

Família11.

11

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 7.

x

SUMÁRIO

RESUMO .............................................................................................XII

INTRODUÇÃO ..................................................................................... 13

CAPÍTULO 1 ........................................................................................ 15

HISTÓRIA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO BRASIL ........ 15

1.1 PERÍODO COLONIAL ................................................................................... 15

1.2 A CRIANÇA E O ADOLESCENTE NO PERÍODO DA REPÚBLICA ............ 21

1.3 O MOVIMENTO HIGIENISTA NO RIO DE JANEIRO .................................... 25

1.4 A CRIANÇA E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL .............................................. 28

1.5 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU).......................................... 35

1.6 A CRIANÇA CONTEMPLADA PELO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE .................................................................................................. 38

CAPÍTULO 2 ........................................................................................ 40

A FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA E AS DIFICULDADES DO PODER FAMILIAR .............................................................................. 40

2.1 A FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA ................................................................... 40

2.2 O PODER FAMILIAR: DELINEAMENTO HISTÓRICO ................................. 45

2.2.1 As dificuldades atuais do exercício do poder familiar ........................... 48

2.3 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ................................... 51

2.3.1 Direitos dos pais preconizados no ECA .................................................. 52

2.3.2 Os deveres dos pais de acordo com o ECA ........................................... 54

2.4 O DEVER DOS FILHOS COM OS PAIS ........................................................ 56

2.5 A REALIDADE DOS RELACIONAMENTOS NAS FAMÍLIAS ...................... 58

2.5.1 Pais e filhos um relacionamento de conflitos ......................................... 60

CAPÍTULO 3 ........................................................................................ 62

FILHOS: O GRANDE DESAFIO ......................................................... 62

xi

3.1 CRIAR FILHOS: ONTEM E HOJE ................................................................. 62

3.2 ESPIRITUALIDADE E CRIAÇÃO DE FILHOS .............................................. 64

3.2.1 A Bíblia como guia espiritual na criação dos filhos ............................... 66

3.3 A DESOBEDIÊNCIA DOS FILHOS AOS PAIS ............................................. 69

3.4 O AFETO COMO PRINCIPAL FUNDAMENTO DAS RELAÇÕES FAMILIARES ............................................................................................................................. 72

3.5 COMUNICAÇÃO ENTRE PAIS E FILHOS E A INTERPOSIÇÃO DE LIMITES74

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................ 80

REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS.......................................... 81

xii

RESUMO

A presente monografia tem como objeto a fragilidade das

relações entre pais e filhos na contemporaneidade. O seu objetivo é demonstrar

como é possível aos pais exigir que os filhos lhes prestem obediência, tendo a

legislação e a doutrina brasileira como suporte para esta problemática. O primeiro

capítulo aborda de forma sucinta a evolução histórica dos direitos da criança e do

adolescente no Brasil, sendo analisado o período colonial até o advento do Estatuto

da Criança e do Adolescente – ECA. O segundo capítulo aborda a família

contemporânea e o exercício do poder familiar em seu contexto. O objetivo do

terceiro capítulo é demonstrar os desafios existentes na relação entre pais e filhos

hoje e elenca algumas sugestões de como encarar este desafio e solucionar os

conflitos advindos dessa importante relação. O presente Relatório de Pesquisa se

encerra com as Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos

conclusivos destacados, seguidos da estimulação da continuidade dos estudos e

das reflexões sobre o tema.

13

INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto a fragilidade das

relações entre pais e filhos na contemporaneidade e os direitos dos pais de exigirem

obediência dos filhos à luz da legislação e da doutrina brasileira.

Tem como objetivo institucional: produzir uma monografia para

obtenção do grau de bacharel em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí –

UNIVALI.

Como objetivo geral: inferir com base na doutrina e legislação

brasileira os direitos dos pais exigirem obediência dos filhos.

Como objetivo específico: verificar a fragilidade das relações

entre pais e filhos na contemporaneidade, bem como o direito dos pais de exigirem

obediência dos filhos, abordando-se a História da Criança e do Adolescente no

Brasil, a família contemporânea e as dificuldades do poder familiar, assim como o

desafio de criar filhos na atualidade.

Para tanto, principia-se, no capítulo 1, com a História da

criança e do adolescente no Brasil, sendo destacados o período colonial, o período

republicano, o movimento higienista no Rio de Janeiro, a criança e a Constituição

Federal, a Organização das Nações Unidas (ONU), chegando-se, por fim, ao

Estatuto da Criança e do Adolescente.

No capítulo 2, estuda-se a família contemporânea e as

dificuldades do poder familiar, sendo trazido o conceito de família na

contemporaneidade, suas funções, o delineamento histórico do poder familiar e as

dificuldades para o exercício do mesmo, menciona-se também o Estatuto da Criança

e do Adolescente, os direitos e deveres dos pais preconizados no ECA, os deveres

dos filhos para com os pais, a realidade dos relacionamentos nas famílias e os

conflitos advindos destes relacionamentos.

14

No capítulo 3, trata-se dos filhos e o grande desafio de criá-los,

a espiritualidade e a criação dos filhos, a Bíblia como guia espiritual na criação dos

filhos, a desobediência dos filhos aos pais, o afeto como principal fundamento nas

relações familiares e a comunicação entre pais e filhos e a interposição de limites.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados,

seguidos da estimulação da continuidade dos estudos e das reflexões sobre o tema.

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

hipóteses:

1- Os pais conhecem o direito que lhes resguarda de

exigirem obediência de seus filhos.

2- Os filhos menores não sabem que os pais tem o direito de

lhes exigir obediência.

3- É possível na contemporaneidade utilizar a bíblia como

guia para a criação de filhos.

Quanto à metodologia empregada, registra-se que, na fase de

investigação foi utilizado o Método Indutivo, na fase de tratamento de dados o

Método Indutivo e o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia é

composto na base lógica indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas,

do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica.

CAPÍTULO 1

HISTÓRIA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO BRASIL

1.1 PERÍODO COLONIAL

A história das crianças e dos adolescentes no período colonial

foi bastante marcada pela presença dos jesuítas.

Segundo Saeta12 com a chegada dos primeiros colonizadores

que tentavam “domesticar” as tribos, milhares de crianças indígenas morreram, as

quais eram consideradas como seres destituídos de vontades e desejos, vistas

como “animais sem alma”. Os jesuítas também acreditavam que a puberdade

caracterizava-se como o período de perda da inocência e que por meio da

catequese manteriam a sua docilidade e obediência, o que acabou provocando a

negação da própria cultura indígena, bem como a facilitação da exploração dos

indígenas pela Coroa Portuguesa.

Outra característica do período colonial era a enormidade de

doenças que afligiam e acabavam por dizimar as crianças e os adolescentes.

Ardigó13 diz que o sarampo, a varíola, as verminoses,

dermatoses, sarnas e a infecção conhecida como “mal-de-sete-dias” provocavam

grandes perdas. A mesma citando ARIÉS (1984) nos conta que para amenizar a

convivência de tantas mortes de inocentes no seio das famílias, a Igreja Católica,

buscando compreender e explicar tal tragédia utilizou a associação de crianças com

anjos, comportamento este vivenciado na Europa, pois assim, criava-se o

sentimento de que a criança ao morrer, pura e inocente, transformava-se em um

anjo do Senhor que ia morar no céu.

12

SAETA, Beatriz Regina Pereira. História da Criança e do Adolescente no Brasil. In: A questão social do novo milênio. VIII Congresso Luso-Afro-Brasileiro em Ciências Sociais. Coimbra, Set. 2004. Disponível em: <http://www.ces.fe.uc.pt/lab2004/inscricao/pdfs/painel23/beatrizSaeta.pdf>.Acesso em: mar. 2010.

13 ARDIGÓ. Maria Inês França. Estatuto da Criança e do Adolescente: direitos e deveres. Porto Alegre: Cronus, 2009, p. 48.

16

Priori comenta que:

Mais importante, no que diz respeito à infância brasileira e aos jesuítas, foi a elaboração, também quinhentista e européia, dos primeiros modelos ideológicos sobre a criança. A igreja católica nesse período responsabiliza-se particularmente pela disseminação de duas imagens que embora desvinculadas da vida das crianças comuns da época, ajudaram a alterar a maneira pela qual os adultos as pensavam e acompanhavam seus passos14.

Até o presente momento foi mostrada a realidade ocasionada

pela presença dos jesuítas em associação com a Coroa portuguesa, nessa época a

infância nos dizeres de Ardigó15 era objeto de interesse apenas da igreja e de suas

famílias. Assim, as situações de negligência e abandono eram comuns.

Uma situação que vale a pena ser mencionada é a

denominada Roda dos Expostos, cujo modelo foi copiado da metrópole portuguesa.

As crianças abandonadas nesse tipo de situação tinham apenas a igreja para

protegê-las e segundo Ardigó16 o país chegou a possuir treze Rodas, sendo essa a

solução encontrada para amparar o fruto de uma moral típica das relações familiares

da época.

No século XIII, foi instalada a primeira Roda dos Expostos,

sistema que se difundiu amplamente a partir dos séculos XIV e XV e generalizou-se

na Europa após o século XVII17.

A Roda dos Expostos ou Roda dos Enjeitados tinha por

objetivo receber crianças abandonadas para que se pudesse desviá-las do perigo da

prostituição, da marginalidade e da vadiagem. Enjeitados, deserdados da sorte,

expostos e desvalidos foram denominações de uso corrente, referindo-se a estas

crianças, candidatas à Roda.

No Brasil, a primeira roda criada foi em Salvador em 1726,

trazendo os costumes de Portugal. A roda, como em Portugal, é instalada numa

14

PRIORE, Mary Del. História da Criança no Brasil. 5 ed. São Paulo: Contexto, 1998. p. 11-12.

15 ARDIGÓ. Maria Inês França. Estatuto da Criança e do Adolescente: direitos e deveres.

16 ARDIGÓ. Maria Inês França. Estatuto da Criança e do Adolescente: direitos e deveres.

17 MARCÍLIO, M. C. A roda dos expostos e a criança abandonada no Brasil colonial: 1726/1950. In: M. Freitas (Org.) História social da infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 2001.

17

instituição religiosa, com ajuda do Rei, sendo que a partir de 1830 as províncias

passam a ter que subvencionar as casas de assistência a estes expostos. Em

Desterro (Florianópolis) a roda foi criada em 1828, sendo as crianças expostas

cuidadas primeiramente por famílias da comunidade e depois pela Irmandade do

Senhor Bom Jesus dos Passos. O mais antigo registro sobre a prática de expor, e

sobre a existência de procedimento para assistir a estas crianças, no entanto, data

de 175718.

As crianças eram deixadas nas portas das casas, de igrejas, e

familiares se ocupavam da criação dos expostos. A Roda vem institucionalizar tal

prática, determinando um local especializado para receber estas crianças.

Tratava-se de um aparelho de madeira, do formato de um

cilindro, com um dos lados vazados, encaixado num eixo que produzia um

movimento rotativo, colocado em uma das paredes de um abrigo para crianças,

denominado por “Roda dos Desvalidos ou Enjeitados”

Melhor descrição tem-se com Marcílio19 a qual descreve este

mecanismo informando que o nome roda provém do dispositivo onde se colocavam

os bebês que se queriam abandonar. Sua forma cilíndrica, dividida ao meio por uma

divisória, era fixada no muro ou na janela da instituição. No tabuleiro inferior e em

sua abertura externa, o expositor depositava a criancinha que enjeitava. A seguir,

ele girava a roda e a criança já estava no outro lado do muro. Puxava uma cordinha

com uma sineta, para avisar à vigilante ou rodeira que um bebê acabava de ser

abandonado e o expositor furtivamente retirava-se do local, sem ser identificado.

Segundo Rizzini20 a mudança de endereços das Rodas era

constante e a incidência de mortes era altíssima chegando aos patamares de 50%

até 90% no Rio de Janeiro.

Gonçalves salienta que:

18

OLIVEIRA, Henrique Luiz Pereira. Os filhos da falha. Assistência aos expostos e remodelação das condutas em Desterro (1828-1887). Dissertação de Mestrado História, São Paulo, PUC, 1990.

19 MARCÍLIO, M. C. A roda dos expostos e a criança abandonada no Brasil colonial: 1726/1950, 2001.

20 RIZZINI, I. A institucionalização de crianças no Brasil: percurso histórico e desafios do presente. Rio de Janeiro: PUC- Rio; São Paulo: Loyola, 2003-2004.

18

A pessoa que levava e “lançava” a criança na Roda não estabelecia nenhuma espécie de contato com quem a recolhia do outro lado de dentro do estabelecimento. A manutenção do segredo sobre a origem social da criança resultava da relação promovida entre abandono de crianças e amores ilícitos. [...] visavam num primeiro momento absorver os frutos de tais uniões. Com o tempo [...] indivíduos das camadas populares, por exemplo, abandonavam seus filhos na Roda por não possuir meios materiais para mantê-los e criá-los21.

Aqueles que sobreviviam à Roda dos expostos tinham seu

destino definido pelo sexo que possuíam. Segundo Marcílio os meninos poderiam

ser enviados para a Companhia dos Aprendizes de Marinheiros ou Aprendizes do

Arsenal da Guerra, ou então eram enviados para casas de famílias como aprendizes

de profissões como ferreiros, sapateiros, caixeiros, balconistas, etc.

Já as meninas, eram encaminhadas às Casas de Meninas

Órfãs para que pudessem ter sua honra e castidade preservadas.

Ardigó argumenta:

Tanto na Europa como no Brasil Colonial[...]a infância não era vista como prioridade. Inexistia o mito do amor materno, as crianças eram criadas, na maioria, por terceiros, parentes ou não, que assumiam a responsabilidade de cuidar dos infantes. A primeira manifestação de proteção legal à infância, no Brasil, aconteceu em 1823, quando foi divulgada uma das primeiras leis da Constituinte, na qual se deliberava, visando proteger a gestação da escrava, que ao atingir o terceiro mês de gestação, até o nascimento do filho, ela realizaria apenas trabalhos domésticos. Depois do nascimento da criança, teria trinta dias de repouso; transcorrido este tempo, trabalharia perto do rebento até que o mesmo atingisse um ano22.

Ardigó23 lembra que a sociedade do Brasil Colônia era

caracterizada pela família patriarcal, na qual o pai de família concentrava em suas

mãos todos os poderes necessários à boa manutenção da família que era composta

21

GONÇALVES, Margareth de Almeida. Expostos, roda e mulheres: a lógica da ambigüidade médico-higienista. In: ALMEIDA, Angela M. (org.). Pensando a família no Brasil: da colônia à modernidade. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1987. p. 38.

22 ARDIGÓ. Maria Inês França. Estatuto da Criança e do Adolescente: direitos e deveres. p. 50-51.

23 ARDIGÓ. Maria Inês França. Estatuto da Criança e do Adolescente: direitos e deveres. p. 51.

19

na época por todos aqueles que viviam juntos na “Casa Grande”, ou seja, o senhor

ou coronel, sua esposa, seus filhos biológicos, seus filhos bastardos, seus afilhados.

Nesse sistema, a autoridade do chefe de família era ilimitada,

sendo apenas direcionada de certa forma pela tradição e pela Igreja. Assim, o

castigo físico era comumente utilizado como instrumento de correção dos filhos e

agregados.

Campos mostra algumas das condições que a Lei de 1830

estabelecia para os menores:

Presunção e irresponsabilidade para menores de quatorze anos, com exceção dos que comprovadamente tivessem agido com discernimento.

Os que tivessem comprovadamente agido com discernimento seriam recolhidos em casas de correção por tempo a ser determinado pelo juiz, não podendo exceder a dezesseis anos.

Jovens entre dezessete e vinte e um anos teriam penas atenuadas pela menoridade24.

Juridicamente falando, o código criminal de 1830 limitou a

responsabilidade penal a partir dos quatorze anos de idade.

No ano de 1850 começa a vir à tona a discussão sobre o fim da

escravidão, consequentemente a legislação pertinente às crianças e adolescentes

se estenderia também aos filhos de escravos.

No ano de 1854 o ensino obrigatório foi regulamentado. Esta

regulamentação, entretanto, não se estendia aos escravos. Era também negado

acesso àqueles que padecessem de algum tipo de moléstia contagiosa, bem como

aqueles que não tivessem sido vacinados. Tais restrições atingiam basicamente as

crianças vindas de famílias que não tinham pleno acesso ao sistema de saúde,

provocando desta maneira uma dupla exclusão: à saúde e à educação25.

24

CAMPOS, Nuno de. Menores infratores. Florianópolis: UFSC, 1979, p. 92.

25 LORENZI, Gisella Werneck In: Uma Breve História dos Direitos da Criança e do Adolescente no Brasil. Disponível em: <http://www.promenino.org.br/Ferramentas/ Conteudo/tabid/77/ConteudoId/70d9fa8f-1d6c-4d8d-bb69-37d17278024b/Default.aspx>. Acesso em mar/2010.

20

Em 28 de setembro de 1871 foi assinada a Lei do Ventre Livre,

essa lei foi de grande importância porque serviu de início ao processo de abolição

da escravatura.

Imprimia-se uma direção de modernização da sociedade, submetendo os sujeitos a novos comportamentos. Quebrava-se com o monopólio colonial, naquilo que ele representava arcaísmo. Buscava-se o direito de passagem para o mundo civilizado. A cidade no que dizia respeito aos segmentos médios e altos ia adquirindo ares mais cosmopolitas. Mas, no entanto, as mudanças que ganhavam terrenos se adequavam a uma estrutura social ainda enredada no tradicionalismo. Assim, o liberalismo se chocava com a escravidão, as posturas universalistas com o particularismo local26.

Em 11 de outubro de 1890 foi promulgado o Decreto n. 847, o

qual rebaixava a idade penal de 14 (quatorze) para 9 (nove) anos. Em 60 anos, ao

invés de se evidenciar um avanço na legislação, foi presenciado um retrocesso

considerável em relação ao Código Criminal de 183027.

Ardigó cita algumas das modificações nos itens relativos aos

menores de idade:

São inimputáveis menores de nove anos; Determina o recolhimento em estabelecimento disciplinar industrial, pelo tempo que o juiz julgar adequado, para os maiores de nove anos e menores de quatorze anos que tenham agido com discernimento; Maiores de quatorze anos e menores de dezessete anos são punidos por cumplicidade; Atenuante por menoridade para infratores entre dezessete e vinte anos28.

Ardigó assinala também que em 1890 surgiram os Decretos-

Leis n. 439 e 658, sendo que o Decreto-Lei n. 439 fixava as bases para a

organização dos serviços de assistência à infância. Já o Decreto-Lei n. 658 regulava

o Asilo dos Meninos Desvalidos29.

Em 1891 surge o Decreto n. 1313 que eleva a idade penal de

nove para doze anos. Este decreto também limitava a idade mínima para se

26

GONÇALVES,Margareth de Almeida. Pensando em família no Brasil: p.51.

27 GONÇALVES,Margareth de Almeida. Pensando em família no Brasil:

28 ARDIGÓ. Maria Inês França. Estatuto da Criança e do Adolescente: direitos e deveres. p. 53.

29 ARDIGÓ. Maria Inês França. Estatuto da Criança e do Adolescente: direitos e deveres. p. 54.

21

trabalhar em 12 anos. Entre 12 e 18 anos estipulou-se a jornada de trabalho entre

sete e nove horas não consecutivas, dependendo da idade. Como informa Lorenzi30,

entretanto, tal determinação não se fez valer na prática, pois tanto a indústria

nascente como a agricultura contavam com a mão de obra infantil, sendo inclusive

nos dizeres de Stephan31 admitidas crianças com idade inferior a doze anos.

Ardigó32 comenta que no final do século XIX e primeiras

décadas do século XX a preocupação com a criança passa a ser concretizada

através de iniciativas precursoras em instituições que se voltaram especificamente

para os cuidados com a infância.

Freitas (1999) sintetiza esta época informando que:

A partir dos anos de 1860, surgiram inúmeras instituições de proteção à infância desamparada. Uma casa dos Educandos Artífices foi criada no Maranhão em 1855. No Rio de Janeiro em Niterói (1882) foi fundado o Asilo para a Infância Desvalida; uma colônia agrícola surgiu em São Luiz do Maranhão (1888). Colônias agrícolas “orphanologicas” foram criadas na Bahia, Fortaleza e Recife, seguindo o modelo das colônias de Mettray, da França ou de Red Hill, da Inglaterra33.

A preocupação com a criança e os cuidados assistenciais a ela

destinados passam a merecer nova contemplação a partir de 1889 com a

promulgação da República.

1.2 A CRIANÇA E O ADOLESCENTE NO PERÍODO DA REPÚBLICA

A República no Brasil tem seu início oficial no dia 15 de

novembro de 1889. Inicialmente, esperava-se que a nova ordem republicana fosse

trazer, em um curto espaço de tempo, solução para os diversos problemas deixados

pela Monarquia, inclusive aqueles relacionados à criança e ao adolescente. Mas o

30

LORENZI, Gisella Werneck In: Uma Breve História dos Direitos da Criança e do Adolescente no Brasil. Disponível em: <http://www.promenino.org.br/Ferramentas/Conteudo/tabid/77/ConteudoId/70d9fa8f-1d6c-4d8d-bb69-37d17278024b/Default.aspx>. Acesso em mar/2010.

31 STEPHAN, Claudia Coutinho. Trabalhador e Adolescente: em face das alterações da Emenda Constitucional n. 20/98. São Paulo: Ltr, 2002.

32 ARDIGÓ. Maria Inês França. Estatuto da Criança e do Adolescente: direitos e deveres. p. 54.

33 FREITAS, Marcos Cezar de. História Social da Infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 1999. p. 75.

22

que se pode observar de fato é que a criança pobre passa a merecer discursos,

reflexões e propostas de assistências, situação esta que antes era vivenciada

apenas pelas crianças de classes economicamente favorecidas34.

Priore35 destaca que na República Velha vemos registrado o

uso da palavra "menor" para designar a criança e o adolescente.

Com a República presencia-se o advento de uma nova fase

assistencialista filantrópica, segundo Freitas36 a caridade foi confrontada com uma

nova realidade econômica e social e acabou por absorver objetivos e táticas da

filantropia, esta, por seu turno, não abandonou totalmente os preceitos da religião.

Sendo fundados pelas ordens religiosas de caridade asilos e orfanatos em toda a

parte. Exemplo disso são os Salesianos e a criação dos Liceus de Artes e Ofícios

cuja filosofia era prevenir e remediar os vícios e infrações dos menores, mediante o

ensino profissional e remunerado.

A marginalidade entre crianças e adolescentes era algo

corriqueiro, sendo noticiado pela imprensa da época. Assim registra em março de

1909, o jornal o Estado de São Paulo:

Pedem-nos chamar a atenção da polícia da quarta circunscrição, para a malta de menores vagabundos que durante o dia e a noite comete os maiores desatinos, na rua D. Antonia de Queiroz e adjacências, arrebentando campainhas e atirando pedras às vidraças37.

Ardigó citando Vaz aponta que em março de 1899 é fundado o

Instituto de Proteção e Assistência à Infância pelo médico Arthur Moncorvo Filho, o

qual chegou a congregar em torno de 600 membros associados por ocasião de sua

instalação, tendo como principais metas:

[...] a proteção das crianças pobres, doentes, defeituosas, maltratadas e abandonadas; promoção de exames médicos e

34

LONDOÑO, Fernando Torres (apud A Origem do Conceito Menor). In PRIORE, Mary del (org.). História da Criança no Brasil. São Paulo: Contexto, 1991.

35 PRIORE, Mary Del. História da Criança no Brasil, 1998.

36 FREITAS, Marcos Cezar de. História Social da Infância no Brasil. p. 78.

37 MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro. In: Revista Brasileira de História. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01881999000100005>. Acesso em: Mar. 2010.

23

inspeção das atividades das amas de leite; através de conferências, difundir entre as famílias pobres e proletárias, noções de higiene da infância; investigar as condições de vida das crianças pobres; regulamentação do trabalho da mulher na indústria, que favorecia indiretamente a criança; incentivar e estimular a fundação de maternidades, creches, jardins-de-infância, hospitais, dispensários e instituições para deficientes; estimular a vacinação; regulamentar e exercer a vigilância sobre o trabalho das crianças nas indústrias; promover a inspeção higiênica médica das escolas públicas e particulares38.

Rizzini relata que o Departamento da Criança no Brasil possuía

uma atuação em diversas frentes:

Atendimento direto à população com prioridade à família pobre.

Administração de cursos educativos em puericultura e higiene infantil.

Participação e organização de congressos nacionais e internacionais;

Campanhas de vigilância sanitária nas escolas39.

De acordo com Ribeiro40, durante todo o período denominado

República Velha (1889-1930), a preocupação com a criança e os cuidados

assistenciais destinados as mesmas eram originados principalmente por iniciativas

de particulares, com características de filantropia e assistencialismo, sem uma

iniciativa realmente de peso por parte do poder público e do governo, que aplaudia

atuações como a de Moncorvo Filho, sem, entretanto, intervir de forma sistemática.

Um outro problema a ser enfrentado no período republicano

está relacionado à questão trabalhista das crianças e adolescentes. Em 1918, o

Deputado Nicanor Nascimento, em meio à discussão no Congresso Nacional sobre

o trabalho de crianças e adolescentes, ressalta que nos menores está:

[...] a reserva dos homens do Brasil. Aqueles que “tem hoje dez, doze anos, serão dentro de oito ou dez anos a Nação‟ enfatiza e conclui

38

VAZ, F. A (1905). Infância abandonada. Psicologia em estudo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional. Recebido em 23/08/2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141373722006000100004&Ing=e&nrm=iso&tnlg=e>.Acesso em dez. 2007.

39 RIZZINI, Irene. O Século Perdido: raízes históricas das políticas públicas para a infância no Brasil. Ed. Universitária: Amais, 1997. p. 94.

40 RIBEIRO, Paulo Renes. (apud ARDIGÓ, Mª Inês França. Estatuto da Criança e do Adolescente: direitos e deveres. p. 54.

24

que a geração do presente terá passado, as suas energias „ter-se-ão extinguido e serão esses homens que virão resolver todos os problemas militares e econômicos da Nação41.

Moura42 comenta ainda que a preocupação expressa no

discurso do Deputado Nicanor Nascimento demonstra que as crianças e

adolescentes já não tinham como ser ignorados, segundo relatórios da época as

mesmas encontravam-se trabalhando nas fábricas e oficinas, envoltas na economia

informal, vagando pelas ruas, envolvidas em prostituição e criminalidade e também

encarceradas por crimes que iam de vadiagem a homicídio. São personagens que já

protagonizam atividades e não mais meras coadjuvantes no cenário no qual

estavam inseridas, sendo, inclusive, 7% do total da mão-de-obra empregada no

setor secundário no Estado de São Paulo, no período compreendido entre 1900 e

1915, bem como responsáveis por aproximadamente 21% das ocorrências policiais

registradas na capital do Estado de São Paulo.

Mas como observa Reis43 na primeira década do século XX,

surgiu em torno da criança, uma campo novo de investigação científica. Aparecem a

psicometria, a psiquiatria dinâmica, o juizado de menores e o movimento de higiene

mental, todos marcos iniciais da longa estrada que haveria de transformar nos

dizeres da escritora e poetisa sueca Ellen Key, o século XX como o “Século da

Criança”.

Veronese44 analisa que a infância nesta época era considerada

pelos meios jurídicos e médicos também moralmente abandonada, e, portanto,

potencialmente perigosa. Assim, observa-se a união de ciências como medicina,

psiquiatria, direito e pedagogia que contribuirão com novas técnicas para a formação

de uma nova mentalidade de atendimento ao menor, que de repressora passa a

ceder espaço para uma concepção de reeducação e tratamento de assistência ao

menor. Verifica-se, o surgimento de um novo modelo de assistência à infância,

41

MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro. In: Revista Brasileira de História. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01881999000100005>. Acesso em: Mar. 2010.

42 MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro. In: Revista Brasileira de História.

43 REIS, M. R. de O. Equipe interprofissional de psiquiatria infantil. Monografia de conclusão de Curso, Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense. Niterói, 1965.

44 VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. São Paulo: Ltr, 1999. p. 22.

25

fundada não mais somente em palavras de fé, mas também na medicina, pedagogia

e ciência jurídica.

1.3 O MOVIMENTO HIGIENISTA NO RIO DE JANEIRO

Antes de mencionar-se o movimento higienista de forma mais

aprofundada é preciso que façamos um mergulho no cenário cultural, intelectual e

político da época.

Nos dizeres de Ribeiro45 na época do Brasil Colônia a

sociedade era dividida basicamente entre senhores e escravos, já no século XIX,

surge uma classe intermediária de homens livres que possuíam cargos públicos,

títulos, negócios e um avanço intelectual e cultural mais aguçado. A esta classe

denominou-se burguesia, sendo que a mesma vai encontrar na medicina um

precioso aliado para propagar suas idéias políticas e sociais.

Ardigó comenta esse cenário:

Após o século XVIII, a urbanização das cidades requer intervenção médica nas questões de higiene e saúde e gradativamente muda a concepção de criança primeiro na Europa e depois no Brasil, chegando o século XIX com médicos preocupados com a questão da mortalidade infantil e com cuidados que se deveria ter com a criança, negligenciada até então. É no século XIX que se inicia a institucionalização dos saberes médicos e psicológicos aplicados à infância e é a partir de então que passaram a existir mais registros sobre que cuidados eram reservados aos infantes46.

Percebe-se que nesta época houve uma expansão da Medicina

em múltiplas atribuições, exercendo um papel central de poder na formação das

sociedades modernas. Michel Foucault demonstra que o chamado “movimento

higienista” decorre desse desdobramento da medicina, que terá um impacto decisivo

nos séculos XVIII e XIX. Vemos o desenvolvimento de uma medicina que pode ser

denominada como social, afinada com a mentalidade do século XIX e que possibilita

45

RIBEIRO, Paulo Renes. (apud ARDIGÓ, Mª Inês França. Estatuto da Criança e do Adolescente: direitos e deveres. p. 31.

46 ARDIGÓ, Mª Inês França. Estatuto da Criança e do Adolescente: direitos e deveres. p. 57.

26

a irradiação da noção de higiene, impondo-a na vida de todas as pessoas. A higiene

passa a ser vista como uma condição de poder, progresso e civilização47.

Neste contexto, surge como tema a ser estudado e debatido o

problema da mortalidade das crianças entregues nas Rodas dos Expostos. Este

modelo foi se mostrando inadequado e incompatível com a mentalidade do século

XIX.

Em meados do século XIX, seguindo os rumos da Europa Liberal, que fundava cada vez mais sua fé no progresso contínuo, na ordem e na ciência, começou forte campanha para a abolição da roda dos expostos esta passou a ser considerada imoral e contra os interesses do Estado. Aqui no Brasil igualmente iniciou-se um movimento para sua extinção. Ele partiu inicialmente dos médicos higienistas, horrorizados com os altíssimos níveis de mortalidade reinantes dentro das casas de expostos48.

Rizzini49 nos conta que foi Moncorvo Filho um dos maiores

combatentes das instituições asilares, pois as considerava infratoras dos preceitos

científicos e sociais de higiene e como focos de doenças e causadoras de altíssimas

taxas de mortalidade infantil.

Outro fator a pesar contra a Roda dos Expostos refere-se à

questão da higiene moral, pois as Rodas serviam para acobertar os pecados sexuais

que acabavam por gerar filhos bastardos.

Rizzini50 conta que em algumas cidades construía-se ao lado

dos asilos uma maternidade onde eram recrutadas as amas-de-leite. Após o parto,

as mulheres tinham a opção de pagar uma multa ou então trabalhar gratuitamente

durante um ano no asilo. Por outro lado, aquelas que conseguiam emprego como

amas-de-leite eram com freqüência as mesmas que tinham sido levadas a

abandonar os filhos concebidos ilegitimamente. Eram mulheres descritas como

47

RIZZINI, Irene. O Século Perdido: raízes históricas das políticas públicas para a infância no Brasil. p. 94.

48 MARCÍLIO, M. C. A roda dos expostos e a criança abandonada no Brasil colonial: 1726/1950. In: M. Freitas (Org.) História social da infância no Brasil. p.68.

49 RIZZINI, Irene. O Século Perdido: raízes históricas das políticas públicas para a infância no Brasil. p. 183.

50 RIZZINI, Irene. O Século Perdido: raízes históricas das políticas públicas para a infância no Brasil. p.185.

27

sendo da pior espécie: miseráveis, prostitutas, sujas, infectadas pela sífilis e devido

a sua condição social e moral e diante da forma humilhante como eram

publicamente punidas, fazendo com que as mesmas tivessem motivos de sobra para

descarregarem todo o seu ódio sobre os bebês, contribuindo consequentemente

para o alto índice de mortalidade.

Ardigó51 conta que foram produzidas teses pela Faculdade de

Medicina do Rio de Janeiro entre os anos de 1830 e 1870 que refletiam os

problemas acima mencionados, sendo que a mesma passou a exigir como nota de

final de curso um trabalho de conclusão que consistiria na elaboração de uma tese,

que justificasse a existência de estabelecimentos como a Roda dos Enjeitados.

Gonçalves complementa informando sobre essa iniciativa que:

A produção da faculdade de medicina do Rio de Janeiro foi fértil e expressiva após os anos 30 do século XIX. Temas relacionados com o mundo urbano eram privilegiados e estudos sobre higiene médica foram desenvolvidos, tendo as cidades como alvo de interesse e objeto de conhecimento numa atitude de repúdio à crescente mortalidade que atingia a cidades, teve início um movimento de “defesa” da vida; clamava-se pelo direito a vida. [...] a medicina visava à formulação de um projeto de higiene que apontava para uma maior racionalidade no cuidado com a população52.

Como consequência desta investida higienista houve uma

transformação da família, pois muitos de seus usos e costumes que eram

organizados nos moldes da estrutura colonial já não eram mais assimilados pelos

padrões da medicina em ascensão, o que confirma Costa ao mencionar que:

Valendo-se dos altos índices de mortalidade infantil e das precárias condições de saúde dos adultos, a higiene conseguiu impor à família uma educação física, moral, intelectual e sexual, inspirada nos preceitos sanitários da época. Esta educação dirigida, sobretudo às crianças, deveria revolucionar os costumes familiares. Por seu intermédio, os indivíduos aprenderiam a cultivar o gosto pela saúde, exterminando, assim, a desordem higiênica dos velhos hábitos coloniais53.

51

ARDIGÓ, Mª Inês França. Estatuto da Criança e do Adolescente: direitos e deveres.

52 GONÇALVES, Margareth de Almeida. Pensando em família no Brasil: da colônia à modernidade. p. 43.

53 COSTA, J. F. Ordem médica e norma familiar: Rio de Janeiro: Graal, 1989. p.13.

28

A seguir se abordará a atenção dada à criança, de acordo com

a Constituição Federal.

1.4 A CRIANÇA E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL

É preciso fazer um panorama geral de tudo o que já foi visto

até agora para que seja melhor vislumbrado o contexto que a Constituição Federal

trará à figura da criança e do adolescente.

No período colonial até alguns anos depois da Proclamação da

República, a responsabilidade pelo destino das crianças e adolescentes era

basicamente da igreja brasileira, mas como já visto, o surgimento da classe

burguesa e da medicina higienista provocou mudanças de paradigmas e formas de

tratar a criança e o adolescente.

A esse respeito, Veronese relata que:

A elite intelectual defendia também o surgimento de uma legislação social que regulamentasse, oficialmente, toda prestação de assistência aos menores, concebendo-a como sócio-jurídica. Dar-se-ia, a partir daí, a participação do Estado na questão da criança carente, isto é, quando tal entendimento passasse a ser prestado sob o ponto social e jurídico54.

Entretanto, segundo ainda Veronese55 apenas em 1921 é que

o então Presidente da República Washigton Luís irá delegar ao magistrado José

Cândido de Albuquerque Mello Mattos a importante tarefa de elaborar o “Código de

Menores”. Sendo que, somente em 1924 será criado o primeiro Juizado de Menores

do Brasil, com sede na cidade do Rio de Janeiro. A criação deste Juizado Privativo

de Menores se deu pelo decreto n. 16.272 de 20 de dezembro de 1923.

Além do Juizado, o citado decreto determinou que,

subordinado ao juízo, deveria ser criado um “abrigo” com condições de manter tanto

meninos como meninas, os quais seriam divididos por sexo e também por seções de

54

VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. p.38.

55 VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. p.23.

29

“abandonados” e “delinquentes”. Nestes abrigos segundo Lima56 seriam feitas as

triagens dos menores. Assim, o caráter dos mesmos era provisório e de observação,

para que em seguida os menores fossem encaminhados a outros estabelecimentos.

Entendendo-se, assim, a razão da inexistência de oficinas ou mesmo de ensino

profissional nestes abrigos, haja vista a sua temporalidade.

O Decreto n. 16.272 criou também o Conselho de Assistência e

Proteção aos Menores, cujas funções desse Juizado de Menores, são relatadas por

Veronese, como sendo:

[...] promoção, solicitação, acompanhamento, fiscalização e orientação em todas as ações judiciais que envolvessem interesses de menores, sobretudo os que se encontravam internados nos institutos do Governo Federal e nos particulares subvencionados pelo Estado. O juiz de menores tinha o encargo, determinado por lei, de educar todas as espécies de menores: órfãos, abandonados, pervertidos,viciados, delinquentes/moral e materialmente, isto porque era o citado Juizado o órgão responsável pela assistência aos menores do Distrito Federal57.

Convém ainda ressaltar, conforme os dizeres da autora, que

apesar dos esforços de Mello Mattos e seus sucessores, o Código de Menores de

1927 enfrentou barreiras praticamente intransponíveis, em virtude da política da

época, da falta de recursos e de autonomia para a manutenção dos institutos já

existentes, bem como para a implantação de novos58.

No plano do Direito Constitucional Priore59 ressalta que apenas

a partir da Constituição de 1934 surgiu a preocupação com o menor. A Carta

Constitucional de 1934 proíbe o trabalho de menores de 14 anos que não tivessem

permissão judicial, proíbe também o trabalho noturno aos menores de 16 anos, e

nas indústrias insalubres aos menores de 18 anos.

56

LIMA, A. Sabóia da Silva. (1937, p.109, apud VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. p.23.)

57 VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. p.24.

58 VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. p.31.

59. PRIORE, Mary Del. História da Criança no Brasil, 1998. p. 148.

30

Teve-se também a Constituição de 1937 que segundo Ardigó60

garantiu o acesso ao ensino público gratuito àqueles que o necessitassem. Em 1941

foi organizado o SAM – Serviço de Assistência a Menores. O Decreto-Lei n. 3779 o

instituiu com o intuito de prestar em todo o território nacional amparo social aos

menores desvalidos e infratores. Em 1942, passa a vigorar o Decreto-Lei. 2.848 o

qual estabelece a maioridade penal para 18 anos.

Conforme explica Veronese:

O Decreto-Lei n. 3779 […] tinha como meta centralizar a execução de uma política nacional de assistência, desse modo, portanto, o SAM se propunha a ir além do caráter normativo do Código de Menores de 1927. Acoplado à perspectiva corretiva, tinha o SAM alguns objetivos de natureza assistencial, quando enfatizava a importância de estudos e pesquisas, bem como o atendimento psicopedagógico às crianças e adolescentes carentes e com problemas de conduta, os quais eram denominados de desvalidos e delinquentes61.

Porém, alude a autora que o SAM, entretanto, não conseguiu

cumprir suas finalidades, pois dispunha de uma estrutura emperrada, sem

autonomia e sem flexibilidade. Mas embora as críticas ao mesmo fossem

generalizadas, nada impediu que seu método de ação, que consistia na internação

de crianças e adolescentes carentes e abandonados, em instituições totais,

passasse a se estender às políticas institucionais que o sucederiam62.

Em 1946, de acordo com Ardigó63 tem-se o advento de uma

nova Constituição Federal e através da Lei n. 4513 foi criada a FUNABEM –

Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor. As ramificações da FUNABEM nos

estados da federação foram denominadas de FEBENS – Fundação Estadual de

Bem-Estar do Menor.

60

ARDIGÓ. Maria Inês França. Estatuto da Criança e do Adolescente: direitos e deveres, p.61.

61 VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. p.32.

62 VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. p.32.

63 ARDIGÓ. Maria Inês França. Estatuto da Criança e do Adolescente: direitos e deveres.

31

A FUNABEM, segundo Veronese64 vem como resposta ao

“clamor público” que passou a exigir por parte do Governo, alguma solução diante

do descrédito que havia se tornado a SAM.

Logo, Pereira65 informa que a FUNABEM, fugindo de suas

propostas originais e diante de problemas sociais vinculados à infância passou a

atuar diretamente como agente, desvirtuando-se, assim, dos objetivos iniciais

previstos e conduzindo a sua atuação através de programas indefinidos marcados

por irregularidades e mesmo regimes carcerários de internação.

Priore alude que:

Na Constituição de 1946, a idade mínima volta a ser de 14 anos, para ser reduzida na de 1967, para 12 anos (art. 158, X) procurando, dessa forma, solucionar aquilo que os juristas chamam de “hiato nocivo”, a ociosidade, compreendendo o período que vai dos 11 aos 14 anos (conclusão do 1º grau até adentrar no mercado de trabalho)66.

Veronese67 explica que o Governo militar quando tomou o

poder civil passou a discursar o quanto estava sensibilizado com o drama das

crianças brasileiras. A Política Nacional de Bem-Estar do Menor, por seu turno, tem

sua estrutura resguardada pela autoritária ESG – Escola Superior de Guerra. Assim,

percebe-se que a criança não é mais simplesmente uma responsabilidade de

entidades privadas e de alguns organismos estatais, que atuavam conforme

preceitos regionais, passando a ser enquadrada aos objetivos de uma Política de

Bem-Estar do Menor, cuja responsabilidade caberia a FUNABEM.

Dentro desse panorama, explica Veronese68 que surge o

Código de Menores de 1979, instituído pela Lei n. 6.697 de 10 de outubro de 1979,

no Ano Internacional da Criança.

64

VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. p.32.

65 PEREIRA, Tânia Silva. Direito da Criança e do Adolescente: uma proposta interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 16.

66 PRIORE, Mary Del. História da Criança no Brasil, 1998. p.149.

67 VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. p.33.

68 VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. p.35.

32

Este Código irá estabelecer um novo termo “menor em

situação irregular”, que se referia ao menor de 18 anos de idade que se encontrava

abandonado materialmente, vítima de maus-tratos, em perigo moral, desassistido

juridicamente e com desvio de conduta e ainda aquele que fosse infrator de ação

penal.

Veronese expõe que:

O Código de Menores, Lei n. 6697/79, se propôs no contexto sócio-econômico em que vivia o país, no qual eram pungentes as estatísticas sobre crianças e adolescentes carentes, abandonados, desassistidos ou dados à prática de atos anti-sociais, atualizar o conceito dos direitos dos menores, bem como a criação de novas garantias, ante às profundas transformações ocorridas no corpo social entre 1927 (Código Mello Mattos) e 197969.

Veronese também cita que a nova lei menorista estabeleceu:

a) Uma nova conceituação de “menor abandonado” e qual a atuação específica do Estado frente a sua situação de carência;

b) A criação de formas de atuação alternativas quando ocorresse a falta ou o mau relacionamento entre o menor e sua família ou entre o menor e a sociedade;

c) Todas as atividades que atingissem o menor seriam regradas, tanto as tocantes ao trabalho, lazer, educação ou influências externas;

d) Os juízes de menores receberam poderes mais amplos, podendo atuar em todos os segmentos da sociedade se visualizassem alguma circunstância que de forma específica ou não pudesse atingir o menor em sua individualidade ou em sua vida comunitária70.

A partir da segunda metade da década de 1980, o Brasil se

torna cenário de uma série de transformações no que se refere ao atendimento às

crianças e aos adolescentes, pois segundo Ardigó71 ocorreram muitas denúncias da

ineficácia da ação de órgãos como a FUNABEM ou FEBEM, sendo condenada a

violência, os internatos, o descaso e a omissão. No mês de novembro foi realizado o

I Seminário Latino Americano de Alternativas Comunitárias de Atendimento a

Meninos e Meninas de Rua.

69

VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. p.37-38.

70 VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. p.38.

71 ARDIGÓ. Maria Inês França. Estatuto da Criança e do Adolescente: direitos e deveres, p.62.

33

Segundo a autora, nesse período, mesmo já se tendo sete

diplomas constitucionais, não ocorreu por parte dos legisladores a preocupação em

estabelecer os direitos das crianças nos textos das mesmas, como já havia sido feito

por várias nações do mundo. “Revela-se assim, a negligência do estado brasileiro de

estabelecer uma legislação que assegurasse direitos às crianças e aos

adolescentes”72.

No entanto, com a Constituição Federal de 1988, esse

panorama é alterado com a prescrição expressa em seu artigo 227:

Art. 227:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão73.

A Constituição Federal de 1988 alterou significativamente o

cenário legislativo de amparo à criança e ao adolescente ao implementar a doutrina

da proteção integral, diferenciada da doutrina da situação irregular vigente até então

com o Código de Menores.

Frente ao contexto, Pontes74 explica que como forma de

materializar a Federação, estabeleceu a Constituição que a formulação de políticas

de atendimento relacionadas à criança e ao adolescente deveria seguir as regras da

descentralização política e administrativa. Exigiu também, a Constituição, que as

políticas de atendimento, além de descentralizadas – municipalizadas – deveriam

contar com a participação popular.

Veronese75 concordando, salienta que a Constituição da

República Federativa do Brasil (CRFB), promulgada em 05 de outubro de 1988,

72 ARDIGÓ. Maria Inês França. Estatuto da Criança e do Adolescente: direitos e deveres, p.63.

73 BRASIL.

Constituição 1988: Texto Constitucional de 5 de outubro de 1988 com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais da Revisão n.

1 a 6/94. Art. 227.

Brasília: Senado Federal. Subsecretaria de Edições Técnicas, 1996.

74 PONTES, Sandra Soares de. Conselhos de Políticas Públicas: contribuindo para a construção da democracia no Brasil. Disponível em: <http://www.mp.ma.gov.br/site/centrosapoio/infJuventude/doutConsPoliticaPublicas.doc>. Acesso em : Mar, 2010.

75 VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. p.44.

34

representa um marco na prolatação de uma série de novos direitos, os quais foram

resultado da participação ativa de toda a sociedade. Junto à Assembléia Nacional

Constituinte, num trabalho que se estendeu por mais de um ano.

Complementando, Veronese chama a atenção para o seguinte

fato:

Ao Estado compete a implantação de programas de assistência integral, visando à saúde da criança e do adolescente, com atendimento especializado aos portadores de deficiência, através de treinamento para o trabalho e da convivência social, e a facilitação do acesso aos bens e serviços públicos coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos; deverá ainda o Poder Público aplicar um percentual dos recursos públicos para os cuidados com a saúde na assistência materno-infantil – art. 227, §1º, I e II76.

Pode-se também citar, além do artigo 227 da CRFB, outros

artigos marcantes em relação à tutela do menor brasileiro.

O art. 228 da referida Carta Magna brasileira prevê:

Art. 228:

São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.

Já o artigo 229 do mesmo diploma legal assim determina:

Art. 229:

Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

Veronese argumenta:

Existem também outros dispositivos constitucionais que, não arrolados no capítulo VII, trazem benefícios à infância; é o caso, por exemplo, do art. 5º, L, que assegura condições para que a mulher presidiária permaneça com seu filho durante o período de amamentação. Este dispositivo não consta em nenhuma outra constituição contemporânea. Tal direito é de grande caráter

76

VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. p.45.

35

humanitário, pois no momento em que a mãe é impedida de amamentar, inflige-se imediatamente, um sério prejuízo à criança77.

Prosseguem os discursos e a luta pelos direitos e medidas de

proteção às crianças, agora passando a ser vislumbradas também pela Convenção

das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança.

1.5 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU)

A década de 90 foi marcada pela preocupação dos povos com

a efetivação dos chamados “direitos humanos”.

Nesse período surgem variados diplomas, pactos, convenções,

declarações, disciplinando inúmeros direitos.

Rosemberg78 comenta que os princípios que orientaram a

concepção dos primeiros programas nacionais brasileiros de educação infantil de

massa tiveram forte influência de propostas elaboradas por agências

intergovernamentais ligadas à ONU, em especial o UNICEF.

Fundada nos princípios da Declaração Universal dos Direitos

Humanos (1948) e no Instrumento dos Direitos da Criança (1959), a Conferência

Mundial sobre os Direitos Humanos promoveu em 1989 a Convenção das Nações

Unidas sobre os Direitos da Criança. Até fins de 1996, os termos da Convenção já

haviam sido ratificados por 96% dos países (com exceção dos Emirados Árabes

Unidos, dos Estados Unidos, das Ilhas Cook, de Omã, da Somália e da Suíça)79.

É válido ressaltar, entretanto, que antes da promulgação desta

Convenção foram enunciados um série de outros documentos que também

mencionavam medidas protetivas relacionadas às crianças e aos adolescentes.

Veronese menciona alguns destes escritos:

77

VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. p.47.

78 ROSEMBERG, Fulvia. (apud FREITAS, Marcos Cezar. História Social da Infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 1997, p. 137).

79 UNICEF. Relatório situação mundial da infância 2005. Brasília: UNICEF, 2005. Disponível em: <http://www.redeamigadacrianca.org.br/clippings_141204_3.htm>. Acesso em: mar.2010, p.9.

36

Declaração de Genebra de 1924 sobre os Direitos da Criança;

Declaração dos Direitos da Criança adotada pela Assembléia Geral em 20 de novembro de 1959;

Declaração Universal dos Direitos Humanos;

Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (em particular nos arts. 23 e 24);

Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (sobretudo no art. 10);

Declaração sobre os princípios sociais e jurídicos relativos à proteção e ao bem-estar das Crianças (especialmente com referência à adoção e à colocação em lares de adoção, nos Planos Nacional e Internacional);

Regras mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil – Regra de Pequim;

Declaração sobre a proteção da mulher e da criança e situações de emergência ou de conflito armado e nos estatutos e instrumentos pertinentes das agências especializadas e das organizações internacionais que se interessam pelo bem-estar da criança80.

A mesma autora afirma que contrariamente ao previsto na

Declaração Universal dos Direitos da Criança que sugeria princípios de natureza

moral. A Convenção teve um caráter coercitivo e exigiu de cada Estado que a

compôs um determinado posicionamento, pois possuiu força de lei internacional,

salientando que a cada Estado coube não violar os preceitos da Convenção, bem

como tomar as medidas positivas para promovê-los81.

Os direitos consagrados pela Convenção de 1989 foram

abrangentes:

A Convenção define como criança qualquer pessoa com menos de 18 anos de idade (artigo 1), cujos „melhores interesses‟ devem ser considerados em todas as situações (artigo 3). Protege os direitos da criança à sobrevivência e ao pleno desenvolvimento (artigo 6), e suas determinações envolvem o direito da criança ao melhor padrão de saúde possível (artigo 24), de expressar seus pontos de vista (artigo 12) e de receber informações (artigo 13). A criança tem direito de ser registrada imediatamente após o nascimento, e de ter um nome e uma nacionalidade (artigo 7), tem o direito de brincar (artigo 31) e de receber proteção contra todas as formas de exploração

80

VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. p.97.

81 VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. p.97.

37

sexual e de abuso sexual (artigo 34) [...]82.

Entende Costa83 que a Convenção tratou de um amplo e

consistente conjunto de direitos, fazendo das crianças titulares de direitos

individuais, como a vida, a liberdade e a dignidade, assim como de direitos coletivos

econômicos, direitos culturais e direitos sociais. A criança fez convergir em torno de

si, um conjunto de cidadãos e suas lideranças públicas, privadas, religiosas e

comunitárias, numa constante advocacia, para que o ponto de vista e os interesses

das novas gerações fossem encarados com a máxima seriedade. Tudo isso fez da

convenção um poderoso instrumento para a modificação das maneiras de entender

e agir das pessoas, grupos e comunidades, sendo produzidas mudanças no

panorama legal, suscitando a reordenação das instituições e promovendo a melhoria

das formas de atenção direta.

Pereira faz a seguinte afirmação:

A Convenção representa um consenso de que existem alguns direitos básicos universalmente aceitos e que são essenciais para o desenvolvimento completo e harmonioso de uma criança. Representa em definitivo, o instrumento jurídico internacional mais transcendente para a promoção e o exercício dos Direitos da Criança84.

Percebe-se pelo acima exposto que a Convenção constituiu-se

em um relevante instrumento de garantias e que a mesma exerceu influência na

elaboração do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, promulgado em 1990.

82

UNICEF. Relatório situação mundial da infância 2005. Brasília: UNICEF, 2005. Disponível em: <http://www.redeamigadacrianca.org.br/clippings_141204_3.htm>. Acesso em: mar.2010, p.10-11.

83 COSTA, Antônio Carlos Gomes da. (apud VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. p.98.).

84 PEREIRA, Tânia da Silva (apud VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. p.98).

38

1.6 A CRIANÇA CONTEMPLADA PELO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE

Conforme já vislumbrado até aqui, o Texto Constitucional, em

especial nos artigos 227 e 228, transformou a antiga rotina das crianças em

“situação irregular” para construir a moderna doutrina da “proteção integral”, onde,

de fato, as crianças passaram a ser sujeitos de direitos e não meros espectadores

dos deslindes do Estado sobre suas vidas.

Nessa linha de pensamento, em 1990, veio a lume a Lei

Federal 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente, reconhecido, inclusive,

pela ONU como uma das legislações mais modernas e avançadas de proteção à

criança e a adolescência.

Esses três diplomas legais: a Constituição Federal, o Estatuto

da Criança e do Adolescente e a Convenção Sobre os Direitos da Criança

compuseram um valioso instrumental jurídico para a proteção da criança e do jovem,

possibilitando a diminuição das mazelas que afligem essa vulnerável parcela da

população.

Ardigó85 assevera que o ECA é a Lei para toda e qualquer

criança e adolescente brasileiro, independente da situação de infração ou abandono.

O ECA implantou no Brasil uma mudança cultural que retirou da criança pobre o

aspecto identificador daquele que necessitava de ações protetoras do Estado,

regularizando o direito a todas as crianças e adolescentes brasileiros.

O Estatuto da Criança e do Adolescente é constituído de dois

livros: o Livro I – Parte geral que contém títulos que versam sobre a criança e o

adolescente como sujeitos de direitos fundamentais e, o Livro II – Parte especial

onde estão inseridos os artigos que abordam as políticas de atendimento, as

medidas protetivas, a prática do ato infracional, entre outros.

O ECA introduz de certa forma a composição de um novo

direito no país: O Direito da Criança e do Adolescente, pois passou-se a cuidar da

garantia aos mesmos com absoluta prioridade.

85

ARDIGÓ. Maria Inês França. Estatuto da Criança e do Adolescente: direitos e deveres, p.67.

39

Neste sentido, ressalta Fernandes:

Torna-se nitidamente avesso à Constituição o não atendimento ou violação dos direitos enunciados. (...) Em poucas mas expressivas palavras, a criança e o adolescente passaram a ter o direito à assistência e à proteção integral. Aliás, conforme a Constituição da República em vigor, a assistência social é um dever do Estado e direito de qualquer pessoa que dela necessitar. Em síntese, significa uma política pública, objeto de lei, no âmbito da seguridade social86.

Viável também a colocação de Veronese87, a qual salienta que

o Estatuto da Criança e do Adolescente tem a relevante função, ao regulamentar o

texto constitucional, de fazer com que este não se constitua em letra morta. Para

isso é necessário que se conjugue aos direitos uma política social eficaz, que de fato

assegure de forma concreta os direitos já positivados. Para tal efetivação, se faz

necessária a implementação de dois grandes princípios da Lei 8069/90:

descentralização e participação. A implementação deste primeiro princípio, deve

resultar numa melhor divisão de tarefas entre a União, os Estados e os Municípios

para o cumprimento dos direitos sociais. No tocante ao princípio da participação,

este reflete na atuação sempre progressiva e constante da sociedade em todos os

campos de ação.

Com a nova doutrina as crianças e os adolescentes ganham

um novo “status”, como sujeitos de direitos e não mais como menores objetos de

compaixão e repressão, em situação irregular, abandonados ou delinqüentes. E

ainda, com a nova legislação crianças e adolescentes vitimas, abandonados,

autores de ato infracional ou não devem receber o mesmo tratamento legal, vedada

qualquer discriminação.

No próximo capítulo tratar-se-á sobre a família e o poder

familiar ressaltando-se as dificuldades atuais que evolvem estes temas.

86

FERNANDES, Vera Maria Mothé. O adolescente infrator e a liberdade assistida: um fenômeno sócio jurídico. Rio de Janeiro: CBCISS, 1998, p.44.

87 VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. p.101.

CAPÍTULO 2

A FAMILIA CONTEMPORÂNEA E AS DIFICULDADES DO

PODER FAMILIAR

2.1 A FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA

A família participa dos dinamismos próprios das relações

sociais e sofre as influências do contexto político, econômico e cultural no qual está

imersa.

Num enfoque social, pode ser considerada como base

estrutural da sociedade, pois nela se assentam não só as colunas econômicas,

como as raízes morais da organização social88.

Como menciona Monteiro:

[...] Dentre todas as instituições, públicas ou privadas, a da família reveste-se da maior significação. Ela representa, sem contestação, o núcleo fundamental, a base mais sólida em que repousa toda a organização social. Cícero apelidou-a de seminarium recipublicae.

Efetivamente, onde e quando a família se mostrou forte, aí floresceu o Estado, onde e quando se revelou frágil, aí começou a decadência geral. Desse mesmo sentimento se impregna a encíclica Cast Connumbii, ao afirmar que a salvação do Estado e a propriedade da vida temporal dos cidadãos não podem permanecer em segurança onde quer que vacile a base sobre a qual se apóiam e de onde procede a sociedade, isto é, o casamento e a família. Realmente, no seio desta originam-se e desenvolvem-se hábitos, inclinações e sentimentos que decidirão o dia da sorte do indivíduo. No colo da mãe, assevera Planiol, forma-se o que há de maior e de mais útil ao mundo, um homem honesto89.

88

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de Família. 28. ed. rev. e atual. por Francisco José Cahali. São Paulo: Saraiva, 2004. v.6, p. 5.

89 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. vol.2, 26 ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 1-2.

41

Para Maria Helena Diniz90, a família abrange todos os

indivíduos ligados pelo vínculo de consangüinidade ou de afinidade, chega ao ponto

de incluir estranhos, como no caso do art. 1.412, § 2º, do CC, em que as

necessidades da família do usuário compreendem as das pessoas de seu serviço

doméstico, e da Lei nº 8.112/90, o Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União,

que em seu art. 241, considera como família do funcionário, além do cônjuge e

prole, qualquer pessoa que viva às suas expensas e constem de seu assentamento

individual.

Em sentido estrito, a família pode ser considerada nos dizeres

de Diniz91 como o conjunto de pessoas unidas pelo matrimônio e pela filiação isto é,

os cônjuges e a prole, bem como a comunidade composta por qualquer dos pais e

seus descendentes, independente de permanecer o vínculo conjugal que a originou.

Percebe-se, portanto, que a CRFB/88 inova ao retirar a expressão antiga de que

somente seria família aquela fundada pelo casamento juntamente com o art. 1º, da

Lei nº 9.278/96, e os arts. 1.511, 1.513, 1.723, do CC, que reconheceram como

família a decorrente do matrimônio, e como entidades familiares às oriundas da

união estável, e às monoparentais.

No tocante às características inerentes à família, Diniz assim as

enumera:

I) Caráter biológico: por este critério, o ser humano nasce, cresce e desenvolve-se numa família até constituir a sua própria, sujeitando-se a várias relações, como o poder familiar, prestação alimentar, entre outros.

II) O caráter econômico: no qual o homem, com o auxílio mútuo e o conforto afetivo, se mune de elementos imprescindíveis para a sua realização profissional, material, intelectual e espiritual.

III) O caráter psicológico: neste critério se volta ao amor familiar, sentimento, que como o afeto, une os componentes do grupo, em busca do bem estar comum.

IV) Caráter religioso: através deste critério a família é vista como ser eminentemente ético e moral, influenciada pelo Direito Canônico e pelo Cristianismo, que mesmo com a laicização não perdeu tal característica.

90

DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro, vol. 5. 17 ed. São Paulo: Saraiva. 2002, p. 9-10.

91 DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro, p.04.

42

V) Caráter jurídico: para este critério a família possui sua estrutura orgânica regulamentada por normas jurídicas.

VI) Caráter político: onde por ser a família a célula da sociedade, dela nasce o Estado92.

É importante notar que a família continua sendo imprescindível

como célula básica da sociedade, fundamental para a sobrevivência desta e do

Estado, mas que se funda em valores e princípios diversos daqueles outrora

alicerçadores da família tradicional93.

Entretanto, como menciona Petrini e Alcântara94 nunca a

família foi considerada de maneira tão fluída, com contornos tão indefinidos, sendo

diluída a sua identidade a ponto de poder desaparecer como grupo social. Esta

situação paradoxal segundo a qual ora a família é tudo, ora é nada, documenta o

profundo processo de mudança que envolve a sociedade e revela a pluralidade de

posturas, a diversidade de valores e metas que se encontra em nossa cultura. Por

isso, os pesquisadores oscilam entre a percepção da família como uma realidade

residual, destinada a desaparecer95 e a percepção de que a família é a base de

tudo96.

Sarti menciona que não se sabe mais, de antemão, o que é

adequado ou inadequado relativamente à família. No que se refere às relações

conjugais, quem são os parceiros? Que família criaram? Como delimitar a família se

as relações entre pais e filhos cada vez menos se resumem ao núcleo conjugal?

Como se dão as relações entre irmãos, filhos de casamentos, divórcios,

92

DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro, p. 12-14.

93 GAMA, G. C. N. O Companheirismo: uma espécie de família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 68.

94 PETRINI, João Carlos, ALCANTÂRA, Miriã Alves Ramos de, Lúcia Vaz de Campos. In: O Direito de Família na Contemporaneidade. Disponível em: <http://www.humanaaventura.com.br/arquivos/file/Fam%C3%83%C2%ADlia_na_contemporaneidade.pdf>. Acesso em: abr. 2010.

95 COOPER, D. A morte da família. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

96 KALOUSTIAN, S. M. Família brasileira: a base de tudo. São Paulo, Cortez, 1994.

43

recasamentos de casais em situações tão diferenciadas? Enfim, a família

contemporânea comporta uma enorme elasticidade97.

Ao cuidar das novas tendências do Direito de Família

importantes indagações e algumas respostas diante do novo contexto familiar são

formuladas e fornecidas por Heloísa Helena Barboza que assim diz:

Como se vê está delineado o novo perfil da família, mas a grande pergunta, aquela cuja resposta conterá o rumo a ser trilhado pelo Direito ainda não foi respondida: Qual a função atual da família? Se é certo que ela é a base da sociedade, qual o papel que a ela cumpre desempenhar, já que não tem mais funções precipuamente religiosa, econômica ou política como outrora. Qual a base que se deve dar à comunidade familiar para que alcance a tão almejada estabilidade, tornando-a duradoura? Devemos reunir todas essas funções ou simplesmente considerar o seu verdadeiro e talvez único fundamento: a comunhão de afetos98.

Villela comenta que:

A evolução da família, as expectativas que suscita, as inseguranças que desperta, os malogros que determina, as esperanças que acende, tudo isto leva à convicção de que não se lhe pode traçar um perfil ideal. Tantas são as variáveis culturais, éticas, políticas, econômicas e religiosas que a pressionam e modelam, mas sobretudo tantas são as imponderáveis aspirações e inspirações do homem na situação da família que nenhum modelo cerrado atenderia a umas e a outras. Só a família fundada na aptidão para responder ao mistério de amor e comunicação que habita cada ser humano o pode livrar do vazio e da solidão. O modelo há de ser, por conseguinte, aberto, vale dizer, inspirado na liberdade. Se não for resumir demais, a regra de ouro pode estar em atribuir ao Estado a garantia e ao homem a construção da família99.

Já de acordo com Giddens:

As duas principais funções da família são a socialização primária e a estabilização da personalidade, sendo que a socialização primária é um processo pelo qual as crianças aprendem as normas culturais da sociedade em que nasceram (...) ocorre durante os primeiros anos de infância, a família é o mais importante núcleo para o

97

SARTI, C. A. A família como espelho: um estudo sobre a moral dos pobres. 3. ed. São Paulo: Cortez; 2005. p. 25

98 BARBOZA, Heloísa Helena. Novas Tendências do Direito de Família, Rio de Janeiro: Ed. Renovar. 1994.p. 232.

99 VILLELA, João Baptista. As novas relações da família. p.643.

44

desenvolvimento da personalidade humana.100

Estas funções são igualmente preconizadas e detalhadas por

Stanhope que considera que tais funções variam muito, mas que se podem destacar

as seguintes atribuições familiares: a “socialização da criança” ligada às atividades

que contribuem para o desenvolvimento das capacidades mentais e sociais da

criança; os “cuidados às crianças”, cuidados estes tanto físicos, como emocionais,

visando um desenvolvimento saudável; o “papel de suporte familiar”, que

compreende a produção e/ou obtenção de bens e serviços necessários à família; o

“papel de encarregados dos assuntos domésticos”, neste estão incluídos os serviços

domésticos, que visam o prazer e o conforto dos membros da família. Outra função

como sendo “o papel de manutenção das relações familiares”, relacionado com a

manutenção do contato com parentes e consequentemente a ajuda em situações de

crise; também, os “papéis sexuais”, relacionados com as relações sexuais entre

ambos os parceiros; o “papel terapêutico” que envolve a ajuda e o apoio emocional,

quando da vivência de problemas familiares; e ainda, o “papel recreativo”, que está

relacionado com o proporcionar diversão à família, com o fim de um relaxamento e

de desenvolvimento pessoal101.

Já Osório102 no contexto da função da família da época

contemporânea, divide suas funções de modo mais sistematizado, ou seja: função

biológica, psicológica e social. Porém, como alude o autor, tais funções, todavia, não

podem ser estudadas isoladamente, por estarem intimamente ligadas e

confundirem-se umas com as outras, tanto nas origens como no destino das

estruturas familiares ao longo do processo civilizatório.

Em suma, ele preconiza que:

[...] do ambiente familiar depende certo tipo de evolução do indivíduo e que aos pais (ou seus substitutos) cabe preencher os requisitos necessários ao bom desempenho físico e emocional de seus filhos. Segundo essa ótica, a dinâmica familiar repousa em quem exerce os papéis parentais e que seriam os responsáveis pela formação biopsicossocial da descendência, de acordo com um modelo que por sua vez provém das gerações anteriores e que só seria modificado a

100

GIDDENS, Anthony. A terceira via. p 152.

101 STANHOPE, M. 1999, apud GIDDENS, Anthony. A terceira via. p 155.

102 OSORIO, Luiz Carlos. Família hoje. p. 19.

45

partir das alterações nele introduzidas por obra das idiossincracias dos executores da ação parental103.

Confirma-se, assim, a visão contemporânea acerca das

relações familiares e suas funções, agora dissociadas de valores estanques,

ultrapassados, materiais e patrimoniais que foram prevalentes em tempos pretéritos.

2.2 O PODER FAMILIAR: DELINEAMENTO HISTÓRICO

Vale notar inicialmente que a denominação tradicional de

“pátrio poder” foi substituída pela expressão “poder familiar”, expressão adotada pelo

Código Civil de 2002, ou “poder parental”, “autoridade parental” ou “pátrio dever” e

que, neste texto se usará predominantemente a expressão “poder familiar”.

Sob a ótica do antigo Código Civil, Clóvis Bevilácqua ensina

que poder familiar é “o conjunto dos direitos que a lei confere ao pai sobre a pessoa

e os bens de seus filhos legítimos, legitimados, naturais reconhecidos ou

adotivos”104.

Tal concepção se inspirava no conceito patriarcal,

patrimonialista e discriminativa dos filhos, do antigo Código Civil.

Ramos105 observa que ao contrário do que se observava no

modelo original da patria potestas romana, onde cabia unicamente ao pater o

exercício da potestas na família, o Código Civil Brasileiro de 1916, em seu texto

original, já havia temperado a exclusividade da atuação paterna, dedicando um

restrito espaço à mãe.

Embasando-se em Gonçalves106 compreende-se que o

excesso de pátrio poder perdurou até o governo de Justiniano, quando foi abolido o

direito dos pais sobre a vida e morte dos filhos, bem como o direito de venda do filho

103

OSORIO, Luiz Carlos. Família hoje. p. 21.

104 BEVILÁCQUA, Clóvis. Direito de Família. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 7. ed. 1943, p. 363.

105 RAMOS, P. P. O. C. O Poder Familiar e a Guarda Compartilhada sob o enfoque dos novos paradigmas do Direito de Família. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p 29.

106 GONÇALVES, Margareth de Almeida. Pensando a família no Brasil: da colônia à modernidade.1987. In: ARDIGÓ, Mª Inês França. Estatuto da Criança e do Adolescente: direitos e deveres. p.99.

46

recém-nascido. O mesmo autor explica que na Idade Média Européia foram

mantidos os princípios romanistas, conferindo-se ao pai, chefe de família, poderes

extraordinários. Os germanos, mesmo sendo seguidores do Direito Romano,

amenizaram os excessos presentes na aplicação do poder familiar, ao

acrescentarem deveres como criação e educação da prole. Tal concepção teve

receptividade no direito francês em sua concepção liberal no tempo de Napoleão,

que caracterizava o poder familiar como proteção, sustento, guarda e educação dos

filhos.

Prossegue na história o poder familiar com os mesmos

princípios romanos, ou seja, conforme esclarece Venosa, “a noção romana, ainda

que mitigada, chega até a Idade Moderna. O patriarcalismo vem até nós pelo direito

português e encontra exemplos nos senhores de engenho e barões do café, que

deixaram marcas indeléveis em nossa história107.

No entanto, com o Código de Menores de 1927, a tutela do pai

sobre o filho passou a ser regulada e o Estado passou a intervir nesta relação.

Veronese salienta que “se desvencilhando do conceito arcaico de pátrio poder,

iniciou-se, desta forma, um processo de limitação de poder paterno sobre o filho”108.

Durante o século XX, no curso da evolução legislativa que veio

a modificar os contornos jurídicos da família, a dicção legal do instituto foi alterada.

Menciona Ramos que o alcance da igualdade entre os

cônjuges, introduzido pelo Estatuto da Mulher Casada (Lei nº 4121/62), aumentou a

esfera de atuação materna e, na atualidade, o poder familiar ou parental é exercido

em igualdade de condições tanto pela mãe quanto pelo pai. Esta igualdade ampla

consagrada pela Constituição Federal de 1988, a partir do que pai e mãe, em

idênticas condições, passaram a atuar para concretizar todos os aspectos da

autoridade que lhes é conferida por força da relação paterno-filial, foi reafirmada nos

107

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 355

108 VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. p 45.

47

dispositivos infraconstitucionais posteriores à mesma, seja o Estatuto da Criança e

do Adolescente, seja o Código Civil de 2002109.

Waldyr Grisard Filho traz uma reflexão excelente de autoria de

José Antônio de Paula Santos Neto:

O pátrio poder é o complexo de direitos e deveres concernentes ao pai e à mãe, fundado no Direito Natural, confirmado pelo Direito Positivo e direcionado ao interesse da família e do filho menor não emancipado, que incide sobre a pessoa e o patrimônio deste filho e serve como meio para o manter, proteger e educar110.

Definindo-se o poder familiar, Ramos preleciona que este, é

uma

[...] função exercida no interesse dos filhos diante da personalização operada na matéria e do reconhecimento de direitos próprios dos filhos. É missão confiada aos pais para a regência da pessoa e dos bens dos filhos, desde a concepção à idade adulta, que representa mais um ônus do que privilégios, daí a expressão pátrio dever111.

Complementa seus ensinamentos afirmando que o poder

familiar é irrenunciável, inalienável e imprescritível sendo caracterizado mais como

um munus legal do que propriamente um poder, e por isso as críticas existentes à

expressão “poder familiar”, uma vez que concomitantemente ao complexo de direitos

sobre a pessoa e os bens dos filhos, corresponde os deveres de criação, educação

e sustento112.

Assim, absorve-se o entendimento de que o poder familiar

pode ser considerado como o conjunto de prerrogativas legais reconhecidas aos

pais para a criação, orientação e proteção dos filhos, devendo tal poder ser exercido

no interesse exclusivo do filho.

109

RAMOS, P. P. O. C. O Poder Familiar e a Guarda Compartilhada sob o enfoque dos novos paradigmas do Direito de Família. p 29.

110 GRISARD FILHO, W. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. São Paulo: RT, 2000, p.27.

111 RAMOS, P. P. O. C. O Poder Familiar e a Guarda Compartilhada sob o enfoque dos novos paradigmas do Direito de Família. p. 31.

112 RAMOS, P. P. O. C. O Poder Familiar e a Guarda Compartilhada sob o enfoque dos novos paradigmas do Direito de Família. p 31.

48

2.2.1 As dificuldades atuais do exercício do poder familiar

O relacionamento entre pessoas é um desafio no cotidiano de

cada um, acreditando-se que mais desafiador ainda se apresenta o exercício do

poder familiar frente a grandes transformações da organização da família que

aconteceram nas últimas décadas do século XX e continuam se desenrolando nesse

milênio.

Referente este tema, hoje com presença marcante em todas as

disciplinas e sociedades, Maldonado leciona que criar e educar filhos em uma era de

rápidas mudanças e grandes incertezas, com um alto índice de separações e novas

uniões, configurando o que genericamente denominamos “as novas famílias”, com

características e dificuldades específicas em cada tipo de organização, é realmente

uma tarefa complexa: “cada nova etapa do desenvolvimento da criança é um desafio

à capacidade e à flexibilidade dos pais, pelo muito que deles é exigido em termos de

mudança de conduta e de atendimento às necessidades e solicitações do filho”113.

Para Ramos, a antiga concepção do poder familiar, visto como

um poder-sujeição está em crise, haja vista o fato de que em uma visão de

igualdade de forma participativa e democrática dentro da comunidade familiar, a

sujeição não pode mais ser admitida. A mesma autora cita Pietro Perlingeri, o qual

ensina que a relação da autoridade parental não é mais entre um sujeito e um

objeto, mas uma correlação de pessoas, na qual não é possível a concepção de um

sujeito subjugado a outro114.

Apesar das transformações e das diferenças, muitas coisas e

funções da família permanecem, como por exemplo, a essência da construção do

vínculo de amor e do compromisso de cuidar.

Ramos explica:

Cuida-se de proporcionar à criança todos os meios necessários para a sua completa formação, passando necessariamente pela instrução básica e preparação para todos os aspectos da vida, desde os mais

113

MALDONADO, Maria Tereza. Comunicação entre pais e filhos. São Paulo: Integrare, 2008.

114 PERLINGIERI, Pietro apud RAMOS, P. P. O. C. O Poder Familiar e a Guarda Compartilhada sob o enfoque dos novos paradigmas do Direito de Família. p 37.

49

simples aos mais complexos. Essa noção de educação consiste em participar da vida do filho, protegendo-o, dando-lhe liberdade, colocando limites em suas ações, respeitando-o e portando-se como exemplo115.

Segundo o art. 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o

exercício irregular do poder familiar pelo pai ou pela mãe, pode ensejar a aplicação

de multa, além de outras medidas como a perda da guarda, prevista no artigo 129,

inciso VIII, do mesmo diploma legal.

Art. 129 São medidas aplicáveis aos pais ou responsável:[...]

VIII - perda da guarda;[...].116

Art. 249 Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes

ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar.

Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência117.

Com relação à pessoa dos filhos menores, compete aos pais,

na forma do art. 1634 do Código Civil (reprodução do art. 384 do Código Civil de

1916). Abaixo vejamos o quadro comparativo da competência dos pais para o

exercício do pátrio poder no Código Civil de 1916 e no Código Civil de 2002118.

.CÓDIGO CIVIL DE 1916 Do exercício do pátrio poder

CÓDIGO CIVIL DE 2002 Do exercício do poder familiar

Art. 384. Compete aos pais, quanto à pessoa

dos filhos menores:

Art. 1.634. Compete aos pais, quanto

à pessoa dos filhos menores:

I - dirigir-lhes a criação e educação; I - dirigir-lhes a criação e educação;

II - tê-los em sua companhia e guarda; II - tê-los em sua companhia e guarda;

III - conceder-lhes, ou negar-lhes consentimento para casarem;

III - conceder-lhes, ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV - nomear-lhes tutor, por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais lhe não sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercitar o

IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o

115

RAMOS, P. P. O. C. O Poder Familiar e a Guarda Compartilhada sob o enfoque dos novos paradigmas do Direito de Família. p 38.

116 BRASIL. ECA. Estatuto da Criança e do Adolescente (1990). Brasília: Mtb/SEFIT, 1998.

117 BRASIL. ECA. Estatuto da Criança e do Adolescente (1990). Brasília: Mtb/SEFIT, 1998.

118 BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em: abril/2010.

50

pátrio poder; sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

V - representá-los, até aos 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; (Redação dada pelo Decreto Legislativo nº 3.725, de 15.1.1919)

V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

Uma das dificuldades apontadas por Comel119 em relação ao

poder familiar é o dever do filho, correlato ao direito dos pais, de obediência às

orientações e determinações paternas, sob pena de assim não se realizarem as

funções do poder familiar.

Teixeira informa que:

Na medida em que os filhos adquirem discernimento e responsabilidade, os genitores devem reconhecer-lhes certa autonomia, em respeito à personalidade da criança e do adolescente, para que eles sejam protagonistas da própria vida. Em contraposição, a liberdade dos filhos não se torna irrestrita, ela é atrelada ao discernimento, maturidade e responsabilidade120.

Para Luft121 uma dose de realismo no trato com as crianças vai

ajudar-lhes a ter o necessário discernimento e habilidade para perceber o positivo e

o negativo e escolher o melhor. Existem muitos adolescentes infantilizados pelo

excesso de proteção paterna ou por sua omissão, em virtude da gravíssima crise de

autoridade que nos assola; há jovens adultos incapazes, porque quase nada lhes foi

exigido, nem na escola e nem em casa.

Zagury122 considera o cuidado como sendo um ato de amor,

mas que esse amor deve ser acrescido de limites. Ela defende o cuidado e a

119

COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 103.

120 TEIXEIRA, Sálvio de Figueredo. Direitos de família e do Menor: inovações e tendências, doutrina e jurisprudência. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 130.

121 LUFT, Lya. Quem ama cuida. Revista Veja. 1996. 26 ed., 26 de julho de 2006.

122 ZAGURY, Tânia. Limites sem trauma. 14. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001, p.95.

51

necessidade do amor na educação dos filhos, mas também observa que se houver

um excesso de liberdade pode-se ter como consequência, filhos tiranos. Para ela, a

ação segura e firme dos pais é a forma mais eficiente de conduzir os filhos a um

destino produtivo, saudável e feliz.

Percebe-se diante de tudo o que já foi exposto acima pelos

diversos autores, bem como pelos dispositivos enunciados em nossa legislação,

como o artigo 1634 do Código Civil, que uma das grandes dificuldades para o

exercício efetivo do poder familiar está relacionado ao fato de que muitos pais não

conseguem impor limites aos seus filhos, sendo que desta dificuldade desdobram-se

as demais.

2.3 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

O ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente foi promulgado

no dia 13 de julho de 1990 sob o nº da Lei 8069/90.

Para Cury, Garrido e Marçura:

O ECA é uma consequência natural da Constituição de 1988. O legislador constituinte, em seu art. 227, caput, vinculou a legislação

ordinária à concepção da proteção integral, ao afirmar que crianças e adolescentes têm direitos que podem ser exercitados em face da família, da sociedade e do Estado. Logo após a promulgação da Magna Carta surgiu o primeiro anteprojeto, denominado Normas Gerais de Proteção à Infância e à Juventude, embrião do Estatuto da Criança e do Adolescente123.

O artigo 1º da Lei 8069/90 (ECA) assim dispõe:

Art. 1º:

Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente124.

123

CURY, GARRIDO & MARÇURA. Estatuto da Criança e do Adolescente anotado. 3 ed. Rev. e atual.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 19.

124 BRASIL. ECA. Lei nº. 8069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília: Mtb/SEFIT, 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em: maio/2010.

52

Este é um ponto vital do ECA, a doutrina da proteção integral

que segundo Marçura, Garrido e Cury125 tem como fundamento a concepção de que

crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, frente à família, à sociedade e ao

Estado. Desta forma, é rompida a idéia de que sejam simples objetos de intervenção

no mundo adulto, sendo, portanto, considerados como titulares de direitos comuns a

toda e qualquer pessoa, bem como de direitos especiais decorrentes da condição

peculiar de pessoas em processo de desenvolvimento.

O Estatuto da Criança e do Adolescente pode ser considerado

um instrumento de tutela moderno, segundo Filomeno126, “o ECA é decorrente das

diretrizes traçadas em termos de direitos humanos, e voltado para a realização da

lídima justiça em fase de tão importante setor da sociedade”.

O mesmo autor, entretanto, menciona que entre a letra fria da

lei e sua efetiva implementação e interpretação, com a finalidade de solucionar os

graves conflitos que o já mencionado estatuto tem por tutela, há uma grande

distância127.

2.3.1 Direitos dos pais preconizados no ECA

Antes de se entrar no ECA propriamente dito, é vital observar-

se o que Zagury afirma acerca dos direitos e deveres dos pais.

Para Zagury, ninguém, seja criança, jovem ou adulto, pode ter

apenas direitos ou somente deveres. Pais e filhos têm direitos e deveres.

Os direitos dos pais não excluem os dos filhos, assim como os deveres dos pais não

impedem que os filhos também tenham deveres,porque a base de uma sociedade

democrática repousa no equilíbrio entre direitos e deveres.

125

CURY, GARRIDO & MARÇURA. Estatuto da Criança e do Adolescente anotado. 3 ed. Rev. e atual.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 21.

126 FILOMENO, J.G. Brito apud ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2004.

127 CURY, GARRIDO & MARÇURA. Estatuto da Criança e do Adolescente anotado, p.14.

53

Declara ainda a autora que parece atualmente, que muitas

pessoas ignoram (ou esquecem) que a cada direito alcançado há, em contrapartida,

um dever que lhe é correspondente128.

Ardigó menciona que embora pareça evidente que na atual

legislação sejam ressaltados os deveres paternos, sendo os genitores incumbidos

de uma ampla responsabilidade em relação às crianças e aos adolescentes

(especialmente com o advento do ECA), o qual salientou uma ampla defesa dos

direitos dos filhos, sendo divulgado através de diferentes meios de comunicação e

do sistema educacional brasileiro, frisa que:

Estes direitos tem como contrapartida e condição primordial de sua efetivação determinados “deveres” dos filhos, expressos [...] no Código Civil Brasileiro129.

Como já informado por Zagury, a impressão que muitas vezes

se tem é de que o ECA apenas garante direitos aos filhos e os abstém de seus pais.

Todavia, Zagury130 salienta que é fundamental recuperar a possibilidade de atuação

familiar, tendo por base, um equilíbrio entre direitos e deveres, para que assim, seja

possível manter-se um ambiente socialmente saudável para o desenvolvimento das

crianças e adolescentes, de acordo com os temas propostos pelo ECA, ou seja,

garantindo o direito à convivência familiar e comunitária.

Assim, ainda que aparentemente os direitos das crianças e

adolescentes estejam evidentes e fortalecidos no ECA, é preciso salientar que a

Constituição da República Federativa do Brasil em seu artigo 5º, prevê o princípio da

isonomia, segundo o qual:

Art. 5º:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza

[...]

128

ZAGURY,Tania. Dez direitos e deveres dos pais. Maio de 2008. Disponível em: <http://www.taniazagury.com.br/artigos.asp?cdc=3235>. Acesso em maio/2010.

129 ARDIGÓ, Mª Inês França. Estatuto da Criança e do Adolescente: direitos e deveres. p.105.

130 ZAGURY, Tania. Os Direitos dos Pais. Construindo cidadãos em tempos de crise. 6 ed. Rio de Janeiro: Record, 2004.

54

I – Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta constituição; [...]131.

A igualdade de direito entre os pais sobre os filhos é

confirmada na Lei n. 8069/90 (ECA), que sustenta em seu artigo 21, o seguinte:

Art. 21: O poder familiar será exercido, em igualdade de condições,

pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência132.

2.3.2 Os deveres dos pais de acordo com o ECA

Os deveres dos pais são claramente enunciados no ECA em

seu artigo 22 que assim diz:

Art. 22: Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais133.

Conforme preleciona Carlos Alberto Bittar Filho (RT 676:83)134,

algumas “vicissitudes” podem afetar o pátrio poder, decorrendo daí a destituição e a

suspensão do pátrio poder.

É válido ressaltar que o descumprimento das obrigações de

sustento, ao proporcionarem-se condições mínimas de habitação, higiene, guarda,

fiscalização da conduta de menores, bem como educação, através do fornecimento

de uma escolarização necessária, segundo Ishida135 pode levar à restrição,

suspensão e ainda à destituição do pátrio poder.

José Antônio de Paula Santos Neto sintetiza as possibilidades

de perda ou suspensão do pátrio poder:

131

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Art. 5º. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso: maio/2010.

132 BRASIL. ECA. Lei nº. 8069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Art. 21.

133 BRASIL. ECA. Lei nº. 8069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Art. 22.

134 BITTAR Fº, Carlos Alberto apud ISHIDA, Válter Kenji.Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. p. 51.

135 ISHIDA, Válter Kenji.Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. p. 51.

55

Da combinação do art. 24 com o art. 22, ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente, exsurge que o pátrio poder poderá, mas não necessariamente deverá ser perdido nos seguintes casos: 1º) quebra do dever de sustento; 2º) quebra do dever de guarda; 3º) quebra do dever de educação; 4º) descumprimento de determinações judiciais; 5º) falta de emprenho em fazer cumprir essas determinações136.

Os pais possuem outras obrigações elencadas no Código Civil:

Art. 1634: Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:

I - dirigir-lhes a criação e educação;

II - tê-los em sua companhia e guarda;

III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

O dever de educar envolve o atendimento das necessidades

intelectuais e morais do menor que segundo Neto137 deve lhe providenciar a

oportunidade de desenvolver esses níveis. O encargo de criação por sua vez,

abarca a obrigação de garantir o bem estar físico do filho, proporcionando-lhe

sustento, resguardando-se a saúde e garantindo-lhe o necessário para a

sobrevivência.

Paulo Afonso Garrido de Paula, por sua vez, menciona:

Criar também é educar, de sorte que o primeiro seria um dever genérico do qual o segundo seria uma de suas espécies. Educar, por outro lado, em sentido amplo, no propósito de transmitir e possibilitar

136

NETO, José A.P. Santos apud Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. p. 51.

137 NETO, José A.P. Santos apud Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. p. 52.

56

conhecimentos, despertando valores e habilitando o filho para enfrentar os desafios do cotidiano [...]138.

Por fim, é viável assinalar que o descumprimento indesculpável

dos deveres relacionados à educação dos filhos faz incidir as medidas previstas no

art. 129 do Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo a mais grave destituição do

pátrio poder. Veja-se as medidas referidas neste Instituto:

Art. 129: São medidas aplicáveis aos pais ou responsável:

I - encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à

família;

II - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;

III - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;

IV - encaminhamento a cursos ou programas de orientação;

V - obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e aproveitamento escolar;

VI - obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado;

VII - advertência;

VIII - perda da guarda;

IX - destituição da tutela;

X - suspensão ou destituição do poder familiar.

2.4 O DEVER DOS FILHOS COM OS PAIS

Já se mencionou nos itens anteriores os direitos e deveres dos

pais relacionados aos filhos.

Cabe agora mencionar, os deveres dos filhos em relação aos

pais, pois com o advento do ECA, passou-se a imagem errônea que as crianças e

adolescentes tornaram-se objetos tão apenas de direitos, mas não de deveres.

138

PAULA, Paulo A. G. apud Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. p. 52.

57

O artigo 1630 do Código Civil expressa de forma clara um dos

deveres dos filhos em relação aos seus pais.

Art. 1630:Os filhos estão sujeitos ao poder familiar enquanto

menores [...]139.

Entende-se assim que é dever dos filhos sujeitar-se em

obediência ao poder conferido pelo Estado aos seus pais ou responsáveis.

Este poder segundo Max Weber pode ser assim entendido:

A probabilidade que tem um ator (entendido aqui como aquele que age), dentro de um relacionamento social, de estar em posição de levar à frente seu próprio desejo, apesar de encontrar resistência. Determinadas circustâncias podem colocá-lo na posição de impor sua vontade numa situação dada140.

Em outras palavras, é a capacidade que tem o indivíduo de

obrigar outra pessoa a executar determinado ato.

Já o artigo 1634 do mesmo diploma legal define a competência

dos pais para o exercício do poder familiar.

Observe-se o que o mesmo dispõe:

Art. 1634: Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:

[...]

VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição141.

Ou seja, o texto da lei é claro ao definir que se compõe como

dever dos filhos prestar obediência, respeito, bem como serviços próprios à sua

idade e condição.

139

BRASIL. Código Civil. Art. 1630. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis /2002/L10406.htm.>. Acesso: maio/2010.

140 WEBER, Max apud ZAGURY, Tania. Sem padecer no paraíso. 19 ed. Rio de Janeiro: Record, 2003. p.87.

141 BRASIL. Código Civil. Art. 1634. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm.>. Acesso: maio/2010.

58

Neste diapasão Zagury142 comenta que as crianças como seres

em formação, ainda não possuem determinados conhecimentos e capacidades que

as habilitem a gerir sozinha sua vida.

Conclui-se, portanto, que essa gerência é direcionada aos pais

ou responsáveis para que estes façam valer a obediência, respeito e serviços

próprios da idade e condição das crianças e adolescentes, pessoas em

desenvolvimento, segundo o art. 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Art. 6º:

Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta [...] e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.

É de suma importância que os pais sejam conscientes que se

geraram um filho são responsáveis pelo seu desenvolvimento como pessoa e pela

sua educação.

2.5 A REALIDADE DOS RELACIONAMENTOS NAS FAMÍLIAS

Percebe-se que durante várias décadas, a família brasileira

vem sofrendo diversas modificações, para Teixeira, Froes e Zago143 as famílias

antigamente se reuniam em volta da mesa para partilhar as refeições, pela ausência

de meios de comunicação como TV e Internet havia um maior diálogo e apesar da

rigidez dos pais, era presente o respeito e a obediência de forma ampla.

Em contra-partida, hoje se tem avanços significativos no

mercado de trabalho, a ausência dos pais em virtude das exigências deste mercado,

bem como a presença maciça da TV e da Internet nos lares, o que ocasiona

segundo os mesmos autores os seguintes problemas:

Falta de encontro durante as refeições;

Pais trabalham até tarde e quase não veem os filhos;

142

ZAGURY, Tania. Os Direitos dos Pais. Construindo cidadãos em tempos de crise, p. 83.

143 TEIXEIRA, Ana T. Jacinto; FROES,Rafael de Carvalho; ZAGO, Elaine Cristina. A Comunicação e o relacionamento da família atual em virtude dos novos tempos. Disponível em: <http://www.facef.br/rec/ed01/ed01_art01.pdf>. Acesso em maio/2010.

59

Nos finais de semana, os filhos preferem televisão, videogame ou internet do que se sentarem para uma conversa de família;

E quando estão junto aos pais, os filhos quase não expõem seus problemas porque sentem vergonha, o contato é tão pouco que às vezes é melhor desabafar com um amigo na escola com quem convive todos os dias e por um determinado tempo, do que conversar com o pai e com a mãe que só encontra à noite e assim mesmo pouco;

Muitas vezes também os pais se sentem envergonhados de tentarem uma aproximação maior do filho, eles não o conhecem totalmente, não sabem quais os problemas que podem estar acontecendo em dado momento da vida do filho;

E o que acontece na maioria das vezes é sempre o mesmo, pais sentem a necessidade de suprir toda a falta de companheirismo com o filho, dando aos mesmos tudo o que eles querem144.

Outro problema bem evidente nos relacionamentos das

famílias contemporâneas é comentado por Zagury145.

Segundo a autora há uma grande dificuldade de

estabelecerem-se limites para os filhos, sendo que muitos pais são incrivelmente

incapazes de exercer sua autoridade junto aos filhos, muitos parecem ter

desaprendido, por exemplo, como dizer um simples “não” de forma convincente,

quando precisam negar alguma coisa aos filhos, sendo que na maior parte das

vezes esse “não” soa como “sim”.

A mesma salienta que algumas pessoas acham que “dar

limites aos filhos é uma questão de opção, mas essas pessoas não sabem que há

uma progressão de problemas que podem derivar da falta de limites”146.

144

TEIXEIRA, Ana T. Jacinto; FROES,Rafael de Carvalho; ZAGO, Elaine Cristina. A Comunicação e o relacionamento da família atual em virtude dos novos tempos. Disponível em: <http://www.facef.br/rec/ed01/ed01_art01.pdf>. Acesso em maio/2010.

145 ZAGURY, Tania. Sem padecer no paraíso. p.29.

146 ZAGURY, Tania. Limites sem trauma. 82. ed. Rio de Janeiro: Record, 2008. p. 31.

60

2.5.1 Pais e filhos um relacionamento de conflitos

Percebe-se diante de todo o acima exposto é que os deveres

dos pais, os deveres dos filhos e a realidade dos relacionamentos em família na

atualidade demonstram que a existência de conflitos é algo marcante e real. Pode-

se encontrar em qualquer relacionamento permanente, seja ele conjugal, entre pais

e filhos, a família como um todo, ou relacionamento da família com outros sistemas

sociais, formas de conflitos submersos, não resolvidos. Esse tipo de conflito pode

acarretar distância emocional, disfunção física ou psicológica, ou envolvimento em

uma aventura amorosa.

Alude Emiliano147 que os conflitos são inerentes ao processo

de evolução dos seres humanos.

Nos diversos relacionamentos, as diferenças individuais quanto

às percepções e necessidades emergem, pois cada pessoa forma a sua própria

percepção e tem necessidades num determinado momento. Essas diferenças no

contexto relacional tornam-se as bases dos conflitos. Não são percebidas como

oportunidades de enriquecimento e acabam sendo usadas de modo destrutivo148.

Como já mencionado há o problema da falta de comunicação,

de intimidade, do estabelecimento de limites, da obediência a estes limites, havendo

um grande desafio a ser encarado diante de tão grandes problemas e de tão velozes

mudanças pelas quais a família tem passado.

Sarti assim comenta:

Vários estudiosos da família começam seus trabalhos comentando a dificuldade particular que o assunto oferece por remeter a uma realidade que nos é muito próxima e com o que nós somos [...]. Se esse é um problema comum aos estudos sobre a família, acrescenta-se outro à análise das famílias de hoje, pela extraordinária rapidez da mudança nas suas relações internas nas últimas décadas. Já não

147

EMILIANO, Norma. Conflitos familiares. Artigo. Portal da Família, 2008. Disponível em: <http://www.portaldafamilia.org.br/artigos/artigo721.shtml>. Acesso em> 21.10.2010.

148 EMILIANO, Norma. Conflitos familiares. Artigo. Portal da Família, 2008. Disponível em: <http://www.portaldafamilia.org.br/artigos/artigo721.shtml>. Acesso em> 21.05.2010.

61

sabemos tão largamente o que somos149.

Fávero150 comenta que conflitos sempre existiram, mas o que

acontecia há algumas gerações atrás é que os “problemas” eram encobertos,

velados pela imposição arbitrária e autoritária da tradição cultural, que determinava

os papéis e a maneira de comportar-se, tais papéis aninhavam em si as mais

perversas manifestações de machismo, intolerância e preconceito. A distinção de

papéis era tão rígida e organicamente estruturada que poderia ser estipulada por

sexo, idade e função.

Ainda segundo Fávero151 é necessário e urgente que pais e

educadores recuperem o sentido pedagógico de seu papel. Que os mesmos tenham

coragem e honradez para assumir este papel na relação com as crianças e os

adolescentes.

Para Zagury152 é preciso saber como agir diante desta relação,

pois os pais, em sua maioria, abandonaram a postura excessivamente rígida das

gerações anteriores, mas não conseguem encontrar um equilíbrio entre o “sim” e o

“não”, tendo a tendência de ficarem paralisados.

Assim, fica clara a existência de conflitos nos mais diversos

níveis, devendo este problema ser amplamente encarado e discutido para a

consecução de soluções viáveis e coerentes com a atual realidade dos

relacionamentos entre pais e filhos.

No próximo capítulo tratar-se-á sobre a criação de filhos e seus

desafios, ressaltando-se algumas possíveis soluções.

149

SARTI (1993, p. 39), apud TEIXEIRA, Ana T.Jacinto; FROES,Rafael de Carvalho; ZAGO, Elaine Cristina. A Comunicação e o relacionamento da família atual em virtude dos novos tempos. Disponível em: <http://www.facef.br/rec/ed01/ed01_art01.pdf>. Acesso em maio/2010.

150 FÁVERO, Altair Alberto. A relação entre Pais e Filhos. Disponível em: <http://www.nuep.org.br/jor001.php?jor=96>. Acesso em: Maio/2010.

151 FÁVERO, Altair Alberto. A relação entre Pais e Filhos. Disponível em: <http://www.nuep.org.br/jor001.php?jor=96>. Acesso em: Maio/2010.

152 ZAGURY, Tania. Sem padecer no paraíso. p. 27-28.

CAPÍTULO 3

FILHOS: O GRANDE DESAFIO

3.1 CRIAR FILHOS: ONTEM E HOJE

Como já mencionado é preciso levar em conta a complexidade

da vida atual, em especial nos grandes centros urbanos. Há algumas décadas a

tarefa de criar os filhos, pelo menos aparentemente, era simplificada pela existência

de regras e tradições inquestionáveis como exemplifica Maldonado153 “criança não

dá palpites”, “é de pequeno que se torce o pepino”, “criança tem que obedecer aos

mais velhos”, “é preciso respeitar pai e mãe”, “umas boas palmadas resolvem” Havia

uma espécie de código para a educação.

Entretanto, as maneiras tradicionais de criar filhos foram

profundamente questionadas e o que se verifica hoje são pais expostos a uma

massa de informações nos mais diversos meios. Ocorre que tais informações, nos

dizeres de Maldonado154 são com freqüência, obscuras, confusas e até mesmo

contraditórias. Oscila-se entre idéias como: “É válido dar palmadas ou colocar de

castigo?”, “quando a criança não quer comer, deve-se insistir ou é melhor não

forçar?”, “o que fazer quando uma criança insiste em dormir no quarto dos pais?”,

“se eu disser não a toda hora, a criança vai ficar traumatizada?”, “uma criança de 4

anos já pode descer sozinha no elevador?”. Inúmeras perguntas e dúvidas passam

pela cabeça dos pais de hoje, que se sentem inseguros, desorientados e o que é

pior, indefinidos em seu papel de educadores.

Não há como mencionar o desafio da criação de filhos sem

abordar-se a questão da estrutura familiar.

Zamberlam afirma que:

153

MALDONADO, Maria Tereza. Comunicação entre Pais e Filhos: a linguagem do sentir. Disponível em: <http://www.maiscrianca.com/criarfilhos.htm>. Acesso: maio/2010.

154 MALDONADO, Maria Tereza Maldonado. Comunicação entre Pais e Filhos: a linguagem do sentir. Disponível em: <http://www.maiscrianca.com/criarfilhos.htm>. Acesso: maio/2010.

63

Desde que a infância ganhou lugar especial e diferenciado no mundo dos adultos, em fins do século XVIII, e que as obras de arte passaram a expressá-las não como miniaturas de adultos, mas como corpo e lugar próprio no mundo, foi possível à psicologia pensar sobre a importância da família para o sujeito em desenvolvimento, visto a ascensão da infância ao primeiríssimo plano155.

Ariés e Duby pontuam que:

A partir de então, a família torna-se território estratégico e fronteira onde se dão os conflitos entre o público e o privado. As fronteiras entre o público e o privado vêm determinar modos de sentir, viver, amar e morrer que variam segundo os discursos dominantes em cada época e suas respectivas gerações156.

Zamberlam157 revela que o modo como uma criança da Idade

Média aprendia era através do convívio com os adultos. Esta era uma aprendizagem

sem ensino, pois informalmente o exemplo dos adultos determinava o que se ia

aprendendo.

Atualmente, Calligaris158 informa que a preocupação com a

criança é a preocupação com os adultos de amanhã, com o quanto poder-se-á

realizar o ideal da felicidade. A criança hoje já não é mais vista como adulto, também

não é vista como o bebê idealizado pela Revolução Industrial. Ela representa o que

se quer de si mesmo, ou seja, o ideal moderno do mínimo esforço e do máximo

gozo, em resumo: um adulto em férias.

O mesmo autor continua informando que:

Nunca foram tão freqüentes os diagnósticos de dificuldades de aprendizagem, de patologias mentais, psicomotoras e psicopedagógicas. Pode-se dizer que as crianças modernas são representantes da não aceitação de qualquer traço faltante pelo homem moderno. A intolerância da falha coloca em dívida a

155

ZAMBERLAM, Cristina de Oliveira. Os novos paradigmas da família contemporânea: uma perspectiva interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 5

156 ARIÉS e DUBY apud ZAMBERLAM, Cristina de Oliveira. Os novos paradigmas da família contemporânea: uma perspectiva interdisciplinar. p. 5.

157 ZAMBERLAM, Cristina de Oliveira. Os novos paradigmas da família contemporânea: uma perspectiva interdisciplinar, p. 6.

158 CALLIGARIS apud ZAMBERLAM, Cristina de Oliveira. Os novos paradigmas da família contemporânea: uma perspectiva interdisciplinar. p. 7.

64

realização do sonho, que é conseguir um ser humano livre, potente e quase eterno159.

Assim, torna-se relevante a explanação sobre as mudanças

ocorridas no contexto familiar. O que se evidencia hoje é que o comportamento da

humanidade, não apenas da família, mas na sociedade em geral, passa por

transformações profundas. Para Zamberlam160 essas transformações são reflexos

da cultura, do processo econômico, político e social, assim como de suas

instituições; as quais, acabam por acarretar modificações nas redes de relações

sociais, afetivas e emocionais entre os elementos do núcleo familiar, sua interação e

sua organização interna. Assim, entender como a família pode ser a instância que

transmite valores orientando o indivíduo na construção de sua organização subjetiva

é de fundamental importância.

Sztompka enfatiza que:

Nunca antes as coisas haviam mudado tão rapidamente para uma parte tão grande da humanidade. Tudo é afetado: arte, ciência, religião, moralidade, educação, política, economia, vida familiar, até mesmo os aspectos mais íntimos da vida – nada escapa161.

Portanto, verifica-se que em um mundo de valores tão voláteis

a criação de filhos é um grande desafio a ser enfrentado por pais, educadores e

sociedade de forma geral.

3.2 ESPIRITUALIDADE E CRIAÇÃO DE FILHOS

Para adentrarmos nesta esfera de discussão é salutar que

entendamos que a espiritualidade tem sido apontada como uma importante

dimensão da qualidade de vida162.

159

CALLIGARIS apud ZAMBERLAM, Cristina de Oliveira. Os novos paradigmas da família contemporânea: uma perspectiva interdisciplinar. p. 8.

160 ZAMBERLAM, Cristina de Oliveira. Os novos paradigmas da família contemporânea: uma perspectiva interdisciplinar. p. 8.

161 SZTOMPKA apud ZAMBERLAM, Cristina de Oliveira. Os novos paradigmas da família contemporânea: uma perspectiva interdisciplinar. p. 8

162 BANDEIRA, Denise Ruschel; FLECK, Marcelo Pio de Almeida ; PANZINI, Raquel Gehrke; ROCHA, Neusa Sicca. Qualidade de vida e espiritualidade. Disponível em: http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol34/s1/105.html. Acesso em maio/2010.

65

O Dicionário Oxford traz a seguinte definição:

[...] espírito como a parte imaterial, intelectual ou moral do homem. O termo espiritualidade envolve questões quanto ao significado da vida e à razão de viver, não limitado a tipos de crenças ou práticas. A religião é a “crença na existência de um poder sobrenatural, criador e controlador do Universo, que deu ao homem uma natureza espiritual que continua a existir depois da morte de seu corpo”. Religiosidade é a extensão na qual um indivíduo acredita, segue e pratica uma religião. Embora haja sobreposição entre espiritualidade e religiosidade, a última difere-se pela clara sugestão de um sistema de adoração/doutrina específica partilhada com um grupo163.

Em um sentido mais estrito, podemos verificar que há uma

ligação direta entre a criação de filhos e a dimensão espiritual.

Belotti comenta que:

[...] no afã de prover os filhos com tanto conhecimento e tantos cursos, brinquedos, treinos, aparelhos, idiomas, os pais esqueceram de olhar para dentro de suas crianças e enxergá-las como verdadeiramente são: seres espirituais.

Nessa linha de pensamento, Mimi Doe, uma especialista em

educação e autora de vários livros e de programas infantis não-violentos para a

televisão, faz uma afirmação inspiradora: a espiritualidade é a base a partir da qual

nascem a auto-estima, os valores, a ética e a sensação de fazer parte de algo. É a

espiritualidade que determina o sentido e o significado da vida164.

Segundo Belotti165 existe até o surgimento da expressão

“Spiritual Parenting” que poderia ser definida de forma aproximada como

paternidade/maternidade espiritual, sendo uma idéia que abre muitas possibilidades

e já aportou no país com alguns textos publicados em português.

163

BANDEIRA, Denise Ruschel; FLECK, Marcelo Pio de Almeida ; PANZINI, Raquel Gehrke; ROCHA, Neusa Sicca. Qualidade de vida e espiritualidade. Disponível em: http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol34/s1/105.html. Acesso em maio/2010.

164 BELOTTI, Adília. Pais de bem com a espiritualidade, filhos de bem com a vida. p. 1. Disponível em: <http://somostodosum.ig.com.br/conteudo/conteudo.asp?id=5345>. Acesso em maio/2010.

165 BELOTTI, Adília. Pais de bem com a espiritualidade, filhos de bem com a vida. p. 1. Disponível em: <http://somostodosum.ig.com.br/conteudo/conteudo.asp?id=5345>. Acesso em maio/2010.

66

Hugh Prather166 afirma que as crianças estão próximas de

Deus e podem ajudar seus pais a encontrá-lo. Isso não significar dizer que as

mesmas não precisam de disciplina, de orientação ou de firmeza. Mas significa que

ser pai não torna o ser humano automaticamente sábio. Na verdade, pais e filhos,

apenas percorrem juntos a mesma estrada, sendo os pais escolhidos para a posição

de guias não por serem superiores, mas porque conhecem melhor o mundo.

Ao adentrar-se na questão da espiritualidade na criação dos

filhos é também salutar comentar que para considerar-se esta abordagem como

válida, faz-se necessário o entendimento de que o ser humano deve ser considerado

tricotômico, expressão esta utilizada pela teologia.

Hoekema167 explica a expressão “tricotomia”, aludindo que a

mesma foi ensinada no século XIX por Delitzsch; Heard e Beck e, também por

Oehler, sendo que mais recentemente, tem sido defendido por escritores como Nee;

Solomon. Afirma este autor, que através do seu corpo, o homem relaciona-se com o

ambiente, através de sua alma com os outros, e do seu espírito com Deus, daí então

o termo tricotomia.

3.2.1 A Bíblia como guia espiritual na criação dos filhos

Após a menção do que seja espiritualidade, é válido abordar o

livro chamado de Bíblia Sagrada como exemplo de guia espiritual para a criação dos

filhos.

Além de ser um livro que aborda o Direito em vertentes

variáveis, a mesma contém normas claras acerca da criação dos filhos e ainda hoje

é um dos livros mais adquiridos em todo o planeta, devido ao seu caráter atemporal.

No Antigo Testamento o livro de Exôdo, capítulo 20 tem

expresso os 10 mandamentos, que dentre eles está: [...]

166

PRATHER, Hugh apud BELOTTI, Adília. Pais de bem com a espiritualidade, filhos de bem com a vida. p. 1. Disponível em: <http://somostodosum.ig.com.br/conteudo/conteudo.asp?id=5345>. Acesso em maio/2010.

167 HOEKEMA, Anthony. A Pessoa Total, Tricotomia ou Dicotomia? Disponível em: <http://www.monergismo.com/textos/antropologia_biblica/tricotomia_hoekema.htm>. Acesso em: maio/2010.

67

5- Honre seu pai e sua mãe. Se obedecer, terá vida longa e próspera na terra que o Senhor dá a você. [...].

O 5º mandamento expressa uma ordem clara: Honrar pai e

mãe e ainda faz uma promessa, caso tal ordenança seja obedecida, haverá o

benefício de uma vida longa e próspera.

No Novo Testamento no livro de Efésios, capítulo 6, versículos

de 01 a 03 temos a seguinte diretriz:

Filhos, obedeçam aos seus pais; esta é a atitude correta que vocês devem tomar, porque Deus os colocou numa posição de autoridade sobre vocês. Respeite seu pai e sua mãe. Dos dez mandamentos de Deus este é o primeiro que termina com uma promessa: Se você respeitar seu pai e sua mãe, você terá uma vida longa e cheia de bençãos168.

Percebe-se que não há prejuízos em utilizar a Bíblia Sagrada

como um dos meios para a criação dos filhos e direcionamento de sua

espiritualidade, pois seus conselhos e ensinos se mostram coerentes às

necessidades educacionais das crianças e adolescentes contemporâneos.

O livro de Provérbios, capítulo 6, versículos 20 a 23 faz a

seguinte menção à obediência:

Jovem, obedeça sempre seu pai; nunca deixe de seguir os conselhos de sua mãe. Grave as ordens de seus pais em seu coração; tenha-as sempre diante de você e elas servirão de guia para os seus passos; elas lhe darão um sono tranquilo e a cada novo dia servirão de professor para lhe ensinar o que é certo. As ordens se seu pai e os conselhos de sua mãe são uma lâmpada para iluminar o caminho da vida169.

Mas é valioso atentar para o fato de que a Bíblia não possui

apenas ordenanças para os filhos. Ela também traz direcionamento para os pais.

168

A BIBLIA VIVA. 2. ed. São Paulo:Mundo Cristão, 2002. p. 1218.

169 A BIBLIA VIVA. 2. ed. São Paulo: Mundo Cristão, 2002. p. 650.

68

O mesmo livro de Provérbios em seu capítulo 22, versículo 6

assim dispõe: “Ajude seu filho a formar bons hábitos enquanto ainda é pequeno.

Assim, ele nunca abandonará o bom caminho, mesmo depois de adulto”170.

Ainda nesta diapasão o mesmo capítulo 22 em seu versículo

15, assim determina: “Toda criança é rebelde e desobediente por natureza; para

vencer esse problema é preciso um castigo severo mas amoroso”171.

O livro de Efésios, no mesmo capítulo 6, versículo 4 traz uma

séria advertência aos pais:

E agora uma palavra a vocês, pais. Não vivam repreendendo e irritando seus filhos, deixando-os irados e rancorosos. Antes, eduquem-nos com a disciplina amorosa que o próprio Senhor aprova, com recomendações e conselhos piedosos172.

O livro de Colossenses em seu capítulo 3, versículos 20 e 21

traz ordens para ambas as partes:

Vocês, filhos, devem sempre obedecer a seus pais e suas mães, pois isso agrada ao Senhor. Pais, não repreendam tanto seus filhos, a ponto de eles ficarem desanimados e desistirem de esforçar-se173.

De forma clara, o livro tido como a palavra de Deus para a sua

criação determina que os pais devem ser orientadores e disciplinadores de seus

filhos. Esta norma encontra eco no artigo 1634, inciso VII do Código Civil Brasileiro

já mencionado anteriormente.

Spring menciona que:

Com a benção de Deus, está no poder dos pais impedirem o declínio da piedade, suprimirem os habituais erros espirituais, promoverem o avanço da verdade e da piedade, melhorarem e salvarem o mundo174.

170

A BIBLIA VIVA. 2. ed. São Paulo: Mundo Cristão, 2002. p. 666.

171 A BIBLIA VIVA. 2. ed. São Paulo: Mundo Cristão, 2002. p. 666.

172 A BIBLIA VIVA. 2. ed. São Paulo: Mundo Cristão, 2002. p. 1218.

173 A BIBLIA VIVA. 2. ed. São Paulo: Mundo Cristão, 2002. p. 1228.

174 SPRING, Gardiner; TRIPP, Ted. Dicas para Pais: Princípios Bíblicos para a família. São José dos Campos: Fiel, 2006. p. 7.

69

Tripp e Spring175 por seu turno comentam que depois de se

considerar atentamente a constituição da sociedade humana, seremos convencidos

de que a educação espiritual dos filhos é algo de grande relevância.

Não resta dúvida da importância da utilização da Bíblia como

meio orientador e auxiliador para o grande desafio da criação de filhos hoje, pois a

mesma traz disposições de cunho prático e imutáveis na desafiadora jornada de

criar crianças e adolescentes que venham a ser cidadãos honrados e produtivos em

meio à sociedade.

3.3 A DESOBEDIÊNCIA DOS FILHOS AOS PAIS

É fato cabalmente verificado o grande problema da

desobediência dos filhos em relação aos seus pais, muito tem sido escrito e

discutido sobre o tema em questão.

Mas quais seriam as causas dessa desobediência?

Tiba176 mostra que uma das respostas a essa indagação está

nos próprios pais que não conseguem educar seus filhos. Segundo o mesmo, há

uma revolução silenciosa que vem atravessando gerações. Os filhos crescem com

cuidados materiais, escolas, mas sem equivalentes cuidados para a formação de

valores pessoais, relacionais, profissionais e sociais, ou seja, é um crescimento

natural, conforme suas vontades e caprichos e não uma educação afinada para

formar cidadãos éticos.

Zagury177 comenta que há um excesso na colocação de

deveres dos pais e direitos dos filhos, ou seja, os jovens e as crianças estão

excessivamente inflados pelo que consideram seus “direitos”, esquecendo-se ou não

sendo suficientemente esclarecidos que tem também, na mesma proporção, deveres

175

SPRING, Gardiner; TRIPP, Ted. Dicas para Pais: Princípios Bíblicos para a família.. p.7.

176 TIBA, Içami. Família de alta performance: conceitos contemporâneos na educação. São Paulo: Integrare, 2009. p.21.

177 ZAGURY, Tania. Os Direitos dos Pais: construindo cidadãos em tempos de crise. 11ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2004. p. 12.

70

e responsabilidades. Os pais, por seu turno, ficam tolhidos em meio a tantas

obrigações, tornando-se imobilizados e fragilizados.

A mesma autora salienta que os pais sentem-se receosos e

inseguros, pois são questionados pelos próprios filhos de forma veemente, são

objetos da influência extremamente forte dos meios de comunicação de massa, que

incentivam o consumismo e a adoção de valores materialistas e imediatistas e em

consequência disso passam a deixar as coisas correrem mais “frouxas” abrindo

espaço para a desobediência como regra de relacionamento com seus filhos178.

É válido também mencionar o fato de que a falta de

interposição de limites é um grande facilitador da desobediência dos filhos aos pais.

Neste diapasão é importante atentar-se para o que seja impor

limites.

Zagury informa que dar limites é:

Ensinar que os direitos são iguais para todos;

Ensinar que existem outras pessoas no mundo;

Fazer a criança compreender que seus direitos acabam onde começam os direitos dos outros;

Dizer “sim” sempre que possível e “não” sempre que necessário;

Só dizer “não” aos filhos quando houver uma razão concreta;

Mostrar que muitas coisas podem ser feitas e outras não podem ser feitas;

Fazer a criança ver o mundo como uma conotação social (com-viver) e não apenas psicológica (o meu desejo e o meu prazer são as únicas coisas que contam);

Ensinar a tolerar pequenas frustrações no presente, para que, no futuro, os problemas da vida possam ser superados com equilíbrio e maturidade;

Desenvolver a capacidade de adiar a satisfação;

Ensinar que cada direito corresponde a um dever e, principalmente...

178

ZAGURY, Tania. Os Direitos dos Pais: construindo cidadãos em tempos de crise. p. 23

71

Dar o exemplo179.

Prosseguindo, Zagury180 conclui que algumas pessoas acham

que dar limites aos filhos é uma questão de opção, mas salienta que tais pessoas

não sabem que há uma progressão de problemas que podem vir a derivar da falta

de limites. Assinala também para o fato que limites diferem de postura meramente

autoritária, de controle total ou até violência. Por fim, conclui que dar limites

absolutamente não se choca e nem é oposto, como muitos pensam, com o dar

carinho, amor, atenção e segurança.

O sentimento de culpa que muitas vezes toma de assalto aos

pais é também um gerador de desobediência por parte dos filhos.

Zagury afirma:

Considero quase impossível criar filhos, hoje, sem sentir culpa. Mas a culpa será tanto maior quanto mais agirmos por influência de teorias com as quais não concordamos ou nas quais não acreditamos, mas às quais não conseguimos nos opor. É muito importante organizar a cabeça para saber administrar esse sentimento, evitando que ele tome conta de nós. Isso só será possível se conseguirmos evitar agir movidos pela culpa. Quando nos sentimos culpados, temos que tentar analisar o que gerou este sentimento, para então redirecionar a relação conscientemente181.

Para Zagury182 vencer a culpa e a insegurança que

atormentam aos pais não é tarefa fácil e nem algo a ser vencido de um dia para o

outro. Até mesmo porque este sentimento aflora devido a uma série de variáveis que

agem sobre a vida dos mesmos sem que, muitas vezes, eles percebam sua

influência.

Assim, a autora argumenta que o primeiro passo para vencer

esse grave complicador da relação pais-filhos, é refletir e procurar esclarecer para si

179

ZAGURY, Tania. Limites sem trauma: Construindo Cidadãos. p. 27-28.

180 ZAGURY, Tania. Limites sem trauma: Construindo Cidadãos. p. 31-32

181 ZAGURY, Tania. Sem padecer no paraíso: Em defesa dos pais ou sobre a tirania dos filhos. 19. ed. Rio de Janeiro: Record, 2003. 204p.

182 ZAGURY, Tania. Sem padecer no paraíso: Em defesa dos pais ou sobre a tirania dos filhos. p. 136.

72

mesmo qual o momento em que como pais, se age sem diretrizes, sem objetivos ou

por uma obrigação ou uma razão qualquer183.

Observa-se que os pontos acima citados causam falsa

sensação de excesso de direitos dos filhos vinculado a uma falsa sensação de

excesso de deveres dos pais, juntamente com a falta de interposição de limites e o

afloramento do sentimento de culpa na vida de muitos pais levam ao quadro grave

de desobediência verificado pelos pais junto aos seus filhos.

3.4 O AFETO COMO PRINCIPAL FUNDAMENTO DAS RELAÇÕES FAMILIARES

Inicialmente, deve ser entendido o termo afetividade como

sendo aquilo que compreende o bem estar do ser humano, em que são transmitidos

os sentimentos de reciprocidade entre pessoas que se querem bem. Isto nasce com

a convivência e é um elemento essencial para a formação da pessoa humana.

Os seres humanos estão destinados a viver em união, cada

indivíduo possui o seu mundo interior e necessita de carinho, atenção, valorização,

companhia. Em todas as fases da vida é indispensável à afetividade para o

desenvolvimento saudável do ser humano e sua melhor adaptação ao meio

social184.

Neste sentido José Sebastião de Oliveira descreve:

A afetividade faz com que a vida em família seja sentida da maneira mais intensa e sincera possível, e isto só será possível caso seus integrantes vivam não apenas para si mesmos: cada um é o “contribuinte” da felicidade de todos185.

É também no ambiente familiar que os laços de afetividade

tornam-se mais fundamentais, pois sustentam os relacionamentos familiares contra

os males externos. Nota-se que quando a divisão de funções na família deixou de

183

ZAGURY, Tania. Sem padecer no paraíso: Em defesa dos pais ou sobre a tirania dos filhos. p. 136. FACHIN, Luiz Edson. Repensando fundamentos do direito civil contemporâneo, Rio de Janeiro:Renovar, 1999, p. 298.

184 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil: Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. RJ: Forense, 2007. p. 685-686.

185 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 235.

73

ser feita principalmente em razão do sexo e da idade para levar em consideração as

aptidões individuais de cada integrante, seja o homem, a mulher ou os filhos,

valorizou-se a pessoa e seus sentimentos186.

O que é perceptível, portanto, é que a formação de famílias

deu ênfase ao valor sentimental, o qual ganhou novas dimensões, preocupando-se

com o indivíduo de forma mais significativa, independentemente do modo como este

construiu ou reconstruiu sua unidade familiar.

Atualmente, a noção de afeto representa uma forma de dar

visibilidade às relações familiares, esta visão é contemporânea e pode ser localizada

em algumas situações nas relações jurídicas atinentes ao Direito de Família, como

na formação e dissolução de casais e, principalmente, nas relações paterno-filiais187.

Arnaldo Rizzardo, sobre o não reconhecimento da afetividade,

dispõe:

Nesta concepção, impedir a plena realização da afetividade, ou não oportunizar a sua expansão, ou violentar ferindo,desprezando, menosprezando sentimentos que fazem parte da natureza humana, importa em amputar a pessoa na sua esfera espiritual e moral, cerceando a sua plena realização. Por isso, o direito não pode passar ao largo de certos estados pelos quais passa a pessoa, sem dar-lhe proteção, ou procurar ou reconstituir a ordem abalada ou afetada188

.

A moderna concepção de família partiu de um aspecto

desigual, patrimonial e formal, para o aspecto social e igualitário. Como

conseqüência, a importância dos interesses individuais dos sujeitos da família, ou

seja, a busca da felicidade como mola propulsora, provocou a valorização de

elementos anteriormente secundários, dentre eles está a afetividade189.

Neste contexto, para Gama:

As famílias devem espelhar a própria formação democrática do convívio em sociedade; sob prisma político-ideológico, fundando-se

186

FACHIN, Edson Luiz. Elementos críticos do direito de família.

187 FACHIN, Luiz Edson. Repensando fundamentos do direito civil contemporâneo, p. 298.

188 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil: Lei 10.406, de 10.01.2002, p. 686.

189 FACHIN, Luiz Edson et al. Repensando fundamentos do direito contemporâneo, p. 291.

74

em valores existenciais e psíquicos, próprios do ser humano, como os sentimentos de solidariedade, afeto, respeito, compreensão, carinho e aceitação, que afastam os valores autoritários, materialistas, patrimonialistas e individualistas que nortearam a família patrimonial. Qualquer abordagem contemporânea em matéria de família jurídica deve levar conta tal mudança de eixo. Assim, as transformações jurídicas exigem a funcionalização de qualquer aspecto patrimonial nas relações familiares ao atendimento das necessidades existenciais dos integrantes da família, voltadas aos valores e princípios encampados pelo documento constitucional de 1988 que, nessa matéria, merece acentuado destaque190.

Diante de tal contexto, importante mencionar que o CC não

previu o elemento da afetividade como requisito para a entidade familiar. Assim,

nunca seria demais acrescentar que o afeto deveria ser considerado de forma

expressa pelo Legislativo, no intuito de realçar sua importância para o Direito de

Família.

3.5 COMUNICAÇÃO ENTRE PAIS E FILHOS E A INTERPOSIÇÃO DE LIMITES

Na comunicação entre pais e filhos, vários aspectos devem ser

abordados, entre esses, de vital importância encontra-se o diálogo sobre limites.

Em um primeiro momento é preciso lembrar, do que já foi antes

exposto, que dar limites aos filhos não é uma questão de opção.191

Apesar de pequenas e frágeis, as crianças têm direito à

liberdade, mas não pode ser excessiva. Os pais precisam de saber doseá-la.

A este respeito, Emmanuel dá-nos a seguinte orientação: “Nem

freio que os mantenha na servidão, nem licença que os arremesse ao charco da

libertinagem”.“Instinto à solta na infância é passaporte para o desequilíbrio”. “Menino

em desgoverno – celerado em preparação”. “Hoje, criança livre – amanhã, problema

laborioso”192.

190

GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito de família brasileiro. São Paulo: Joarez de Oliveira, 2001. p. 23.

191 ZAGURY, Tania. Limites sem trauma: Construindo Cidadãos. p.31.

192 FERREIRA, Umberto. Relacionamento entre pais e filhos. Disponível em: <http://www.slideshare.net/aespiritalagos/relacionamento-entre-pais-e-filhos>. Acesso em: 21.05.2010.

75

Abaixo, foi colacionado um breve histórico dos modos como a

interposição de limites veio se formando na relação entre pais e filhos193:

Período Modos

Século XVI:

Como os índios não batiam em seus filhos, o castigo físico chega ao Brasil pelas mãos dos jesuítas e por sua “pedagogia do amor correcional”: punir é amar.

Até o Século XVIII:

Tanto na escola quanto em casa, as crianças eram castigadas por meio de palmatórias, varas de marmelo (às vezes com alfinete na ponta) e chicotes. O pai era autoridade máxima da família e normalmente quem executava as punições.

Século XIX:

O conceito de infância se fortalece na Europa. Em boa parte das famílias burguesas, os instrumentos punitivos são deixados de lado, mas prevalecem palmadas, beliscões e castigos não físicos. Começam as regras sobre educação infantil: educar é criar hábitos, disciplinar.

Primeiras Décadas do

Século XX:

A punição moral passou a ser mais valorizada que os castigos físicos, a reboque da humanização das penas no mundo ocidental.

Anos 60

A maior liberdade de expressão inaugura a era do diálogo entre pais e filhos. Palmadas são “o último recurso”.

Anos 80

O fortalecimento dos direitos das crianças, somado às descobertas científicas, afastou a ideia dos castigos físicos. Bons pais não batem de forma alguma, sob pena de traumatizar as crianças.

2000

A violência doméstica já é legalmente proibida em 24 países. É o assédio moral está em pauta: psicólogos discutem se uma educação com gritos também pode traumatizar a criança.

O que fica claramente perceptível é que o diálogo e não mais o

castigo físico é visto como a melhor maneira de transmitir limites aos filhos.

193

FERREIRA, Umberto. Relacionamento entre pais e filhos. Disponível em: <http://m.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI10206815228,00GRITAR+COM+OS+FILHOS+PODE+SER+PREJUDICIAL.html>. Acesso em 20.05.2010.

76

Embora os recém-nascidos não compreendam a linguagem

dos adultos, já podemos conversar com eles, dirigindo-lhes palavras carinhosas e

estimulando-os ao bem. Eles não entenderão com o cérebro, mas o espírito poderá

assimilar, exercendo influência positiva na sua vida.

Quando os pais lhes dirigem palavras agressivas, estas ficam

gravadas da mesma forma e exercem influência negativa pela vida fora. Muitos

desequilíbrios que se manifestam na adolescência ou na idade adulta resultam de

agressões sofridas pelas crianças nesta fase, principalmente quando os pais

rejeitam os filhos e os agridem.

Portanto,precisamos de compreender que a criança não é um

adulto e não pode ser tratada como tal. Com as crianças maiores o diálogo deve ser

praticado com maior frequência. Para que seja bem sucedido, os adultos precisam

de descer ao nível delas e procurar falar a sua linguagem.

Entretanto, o que observa-se é que o diálogo não tem

produzido uma obediência eficaz, ou seja, os limites impostos pelos pais não tem

sido observados.

Verifica-se, portanto, que deve haver um problema não em

relação à existência ou não de um diálogo e sim no teor que esta conversa entre

pais e filhos possui.

Observa-se que a comunicação entre pais e filhos deve ser

enriquecida por assuntos e temas pertinentes ao saudável relacionamento de ambas

as partes.

Para tanto, sugere-se o diálogo acerca de virtudes essenciais

ao bom convívio e desenvolvimento ético.

Uma das virtudes que pode ser abordada na comunicação

entre pais e filhos é a disciplina já exaustivamente comentada em tópicos anteriores.

77

Outra importante virtude a ser comunicada pelos pais aos filhos

é a virtude da compaixão que segundo Bennett194 é uma disposição ativa para a

amizade e a participação, é a vontade de estar ao lado do outro, trazendo consolo e

apoio em momentos de tristeza e aflição, ou seja, a compaixão toma posição com o

outro em horas de infortúnio.

O mesmo autor comenta que para se cultivar a compaixão

natural da criança, histórias e provérbios úteis são inúmeros e que o principal passo

a ser dado é impedir que a animosidade e o preconceito prejudiquem o crescimento

natural desta virtude. Os “ismos” sectários são os maiores obstáculos: racismo,

sexismo e outros195.

A responsabilidade também é outra virtude que merece um

lugar de destaque no diálogo entre pais e filhos. Para Aristóteles nos tornamos as

pessoas que somos devido às nossas próprias decisões196.

É importante deixar claro para os filhos que por mais que os

pais os eduquem e interponham limites, a decisão de acatar as ordens será de

responsabilidade dos mesmos, que também terão que arcar com as consequências

dessas decisões.

A amizade é também outra virtude importantíssima a ser

cultivada entre pais e filhos.

Bennet ensina:

Amizade é mais que afinidade e envolve mais que afeição. As exigências da amizade – franqueza, sinceridade, aceitar com a mesma seriedade críticas e os elogios [...] lealdade incondicional e auxílio ao ponto do sacrifício – são estímulos poderosos para o amadurecimento moral e o enobrecimento.

Esclarece Bennett197 que a amizade genuína requer tempo,

esforço e trabalho para ser mantida. A amizade é algo profundo. De fato, é uma

forma de amor.

194

BENNETT, William J. O Livro das Virtudes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995. p.76.

195 BENNETT, William J. O Livro das Virtudes. p.76.

196 ARISTOTELES apud BENNETT, William J. O Livro das Virtudes. p.140.

78

Outra virtude salutar a ser objeto de diálogo entre pais e filhos

é o trabalho. Segundo Bennett198 o trabalho é o esforço aplicado, é qualquer coisa a

que a pessoa se dedica e gasta energia para conquistar ou adquirir.

Em tempos onde os pais se acostumaram a ser quase serviçais

de seus filhos, falar e ensinar de trabalho é algo realmente essencial.

A coragem e a perseverança também são importantes virtudes

a serem abordadas no diálogo familiar, sendo essencial a todos199.

A honestidade também é uma virtude que não pode ser

deixada de lado, para Bennett200 os seres humanos precisam de anos, tanto de

prática como de estudos para se tornarem pessoas íntegras e de boa vontade.

É preciso também mencionar outra grande virtude: a lealdade,

sobre a qual Bennett afirma:

A lealdade é a marca da constância, da solidez dos elos com as pessoas, grupos, instituições e ideais a que deliberadamente nos associamos. Ser um cidadão e um amigo leal significa agir com atenção e seriedade para com o país e os amigos. É muito diferente de estar sempre de acordo com as instituições. A lealdade opera num nível bem mais elevado201.

Já foi mencionada a importância da espiritualidade na criação

dos filhos e salienta-se que a fé também deve ser uma virtude evidenciada no

diálogo entre pais e filhos.

Ao que Bennett complementa:

Fé, esperança e caridade são chamadas de “virtudes teologais” na doutrina cristã. Assinalam a disposição de pessoas que se desenvolvem na vida a partir dessa perspectiva religiosa. Entretanto, nada há de especificamente cristão em reconhecer que a fé acrescenta uma dimensão significativa à vida moral da humanidade. A fé é uma fonte de disciplina, força e poder na vida dos fiéis de qualquer credo religioso. É uma força poderosa na experiência

197

BENNETT, William J. O Livro das Virtudes. p.182.

198 BENNETT, William J. O Livro das Virtudes. p.236

199 BENNETT, William J. O Livro das Virtudes. p.346

200 BENNETT, William J. O Livro das Virtudes. p.386

201 BENNETT, William J. O Livro das Virtudes. p.434

79

humana. A fé compartilhada une as pessoas de uma maneira que não pode ser alcançada por outros meios202.

Percebe-se diante de todas as virtudes acima expostas que há

uma jornada árdua a ser trilhada por pais e filhos e que a mesma provavelmente

produzirá aprendizado para ambas as partes mas que merece ser trilhada se os pais

realmente estiverem dispostos a criar filhos obedientes e cidadãos exemplares.

202

BENNETT, William J. O Livro das Virtudes. p.476.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para realizar o presente trabalho científico, no primeiro capítulo

se fez necessário uma abordagem breve da evolução histórica dos direitos da

criança e do adolescente no Brasil.

No capítulo seguinte, foi enfatizada a família contemporânea,

suas particularidades, bem como a dificuldade do exercício do poder familiar dentro

de seu atual contexto de falta de limites claros entre o que sejam deveres dos pais e

direitos dos filhos.

O último capítulo abordou de forma específica a criação dos

filhos, apontando caminhos para que a frágil relação entre pais e filhos na

contemporaneidade se coadune com as normas de direito em vigência na atual

legislação brasileira.

Isto posto, confirma-se que a primeira hipótese não é

verdadeira, ou seja, que os pais conhecem o direito que lhes resguarda de exigirem

obediência de seus filhos, bem como confirmou-se a segunda hipótese de que os

filhos menores não sabem que os pais tem o direito de lhes exigir obediência, pois

foi vastamente comentada as dificuldades de obediência e imposição de limites dos

pais em relação aos filhos.

Em relação à terceira e última hipótese sobre a possibilidade

de na contemporaneidade utilizar-se a Bíblia Sagrada como guia para a criação de

filhos, percebe-se que diante dos princípios nela citados e pelo seu caráter

atemporal, bem como pelo fato de estarmos inseridos numa sociedade ocidental e

cristã, confirma-se a validade da utilização da mesma como guia para criação de

filhos juntamente com o direito positivado no ordenamento jurídico brasileiro.

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