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A formação do conceito de um jogo: Estudo de processos metodológicos para a criação de um game Abraão Coutinho da Cruz Graduado em Desenho Industrial UFES Universidade Federal do Espírito Santo Vitória, Brasil [email protected] Priscilla Maria Cardoso Garone Departamento de Desenho Industrial UFES Universidade Federal do Espírito Santo Vitória, Brasil [email protected] ResumoEste artigo intenciona analisar o processo da formulação de um conceito de jogo a partir de tomada de decisões, pesquisa e heurísticas, visando dar início ao documento de game design para se obter uma interface interativa primariamente jogável baseada em prototipagem rápida de design. Através de exposição metodológica e pesquisa bibliográfica sobre ferramentas de design, o estudo apresenta o desenvolvimento de um conceito de jogo até a construção de seu protótipo, com a finalidade de discutir o processo de criação. Como resultado, é apresentado o protótipo conceitual com foco na mecânica de jogo, testada com o recurso de interação por toque na tela do smartphone, a partir do método iterativo com prototipagem rápida de design. Palavras-chavegame design, conceito de jogo, metodologia. I. INTRODUÇÃO A partir do ponto em que o design de videogames consiste estruturalmente em um documento, o projeto de um jogo implica essencialmente em definir suas regras, conteúdo e funcionamento através de registro em um documento de conceito de jogo [1]. O high concept é um dos itens primários do documento de design do jogo. É a descrição do jogo em uma frase curta, uma breve tradução da essência deste e principal referência que dá suporte ao desenvolvimento do projeto, fornecendo um ponto de partida eficaz para o design. Esta visão destaca os fatores psíquicos e sensoriais vinculados à ação do jogo como determinantes de qualidade na atividade projetual do jogo. O universo do jogo existe para proporcionar o contexto às ações do jogador, e, com isso, trazer à tona elementos de significação com os quais ele pode se identificar. Baseando-se nessas asserções, é preciso identificar as aspirações do jogador como objeto primário para o projeto de um jogo. O presente artigo relata a investigação do tema, e apresenta os subsídios que resultaram no conceito de um jogo. II. ENTENDENDO OS JOGOS Neste primeiro item serão esboçados sucintamente os fundamentos que sustentam o conceito do termo jogo, apresentando o pensamento de alguns teóricos acerca do assunto com a intenção de alcançar uma definição concreta do que pode ou não ser chamado de jogo. Isso formará uma base para discorrer sobre game design voltado para a indústria do entretenimento, principal interesse desta pesquisa. Pela contribuição desses teóricos que se aplicaram em investigar as implicações do jogo na sociedade, procura-se compreender o contexto dos jogos e suas transformações, até chegar aos videogames e os jogos do contexto contemporâneo. Uma figura célebre que talvez tenha inaugurado essa reflexão foi Johan Huizinga, que influenciou a noção atual de jogo publicando declarações sobre o aspecto deste como um fenômeno cultural. O jogo é uma categoria absolutamente primária da vida, tão essencial quanto o raciocínio, e o elemento lúdico está na base do surgimento e desenvolvimento da civilização [2]. A hipótese de Huizinga se baseia no fato de que o ato de jogar está relacionado às funções biológicas, como um desejo de competição e dominância, um impulso para exercer certa faculdade, ou à necessidade de descarga de energia. Sua análise abrange atividades lúdicas de agentes socioculturais presentes ao longo de toda a história. Ludwig Wittgenstein é outro teórico importante que deve ser citado, pois foi um dos primeiros acadêmicos do início do século XX a publicar pensamentos sobre as formas gerais de jogo. Ludwig defende que as definições de jogo a partir de características como entretenimento, regras e competição são incompletas e inadequadas, pois uma única definição não pode determinar todas as características do jogo [3]. Os vários assuntos devem ser agrupados por um conjunto de elementos familiares compartilhados entre si. Os jogos são livres criações do espírito e da vontade, autônomos e governados por regras. Saber jogar um jogo é uma capacidade que supõe domínio de uma técnica, consecutiva a uma aprendizagem [3]. O fosso que separa a regra de sua aplicação é preenchido pelo treinamento ou o adestramento, a familiaridade, a prática do jogo. Roger Caillois, teórico do século XX, dividiu os jogos em dois segmentos: características e graus de disciplina. Como características, apresentou quatro categorias: jogos de competição, jogos de sorte, jogos de simulação e jogos de vertigem [4]. Estas características são praticadas em dois graus de disciplina distintos. O primeiro deles, chamado Paidia (termo originado na Grécia antiga em referência à educação do membro ideal da pollis), seria o grau de abordagem do jogo como uma brincadeira divertida e prazerosa. Este presume um comportamento espontâneo, orgânico, que dá vazão à natureza do ser, típica, por exemplo, da infância. O segundo grau, Ludus, seria o modo burocratizado do jogo, uma convenção SBC – Proceedings of SBGames 2013 Art & Design Track – Full Papers 319

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A formação do conceito de um jogo: Estudo de processos metodológicos para a criação de um game

Abraão Coutinho da Cruz

Graduado em Desenho Industrial

UFES – Universidade Federal do Espírito Santo

Vitória, Brasil

[email protected]

Priscilla Maria Cardoso Garone

Departamento de Desenho Industrial

UFES – Universidade Federal do Espírito Santo

Vitória, Brasil

[email protected]

Resumo—Este artigo intenciona analisar o processo da

formulação de um conceito de jogo a partir de tomada de

decisões, pesquisa e heurísticas, visando dar início ao documento

de game design para se obter uma interface interativa

primariamente jogável baseada em prototipagem rápida de

design. Através de exposição metodológica e pesquisa

bibliográfica sobre ferramentas de design, o estudo apresenta o

desenvolvimento de um conceito de jogo até a construção de seu

protótipo, com a finalidade de discutir o processo de criação.

Como resultado, é apresentado o protótipo conceitual com foco

na mecânica de jogo, testada com o recurso de interação por

toque na tela do smartphone, a partir do método iterativo com

prototipagem rápida de design.

Palavras-chave—game design, conceito de jogo, metodologia.

I. INTRODUÇÃO

A partir do ponto em que o design de videogames consiste estruturalmente em um documento, o projeto de um jogo implica essencialmente em definir suas regras, conteúdo e funcionamento através de registro em um documento de conceito de jogo [1]. O high concept é um dos itens primários do documento de design do jogo. É a descrição do jogo em uma frase curta, uma breve tradução da essência deste e principal referência que dá suporte ao desenvolvimento do projeto, fornecendo um ponto de partida eficaz para o design.

Esta visão destaca os fatores psíquicos e sensoriais vinculados à ação do jogo como determinantes de qualidade na atividade projetual do jogo. O universo do jogo existe para proporcionar o contexto às ações do jogador, e, com isso, trazer à tona elementos de significação com os quais ele pode se identificar. Baseando-se nessas asserções, é preciso identificar as aspirações do jogador como objeto primário para o projeto de um jogo. O presente artigo relata a investigação do tema, e apresenta os subsídios que resultaram no conceito de um jogo.

II. ENTENDENDO OS JOGOS

Neste primeiro item serão esboçados sucintamente os fundamentos que sustentam o conceito do termo jogo, apresentando o pensamento de alguns teóricos acerca do assunto com a intenção de alcançar uma definição concreta do que pode ou não ser chamado de jogo. Isso formará uma base para discorrer sobre game design voltado para a indústria do entretenimento, principal interesse desta pesquisa. Pela

contribuição desses teóricos que se aplicaram em investigar as implicações do jogo na sociedade, procura-se compreender o contexto dos jogos e suas transformações, até chegar aos videogames e os jogos do contexto contemporâneo.

Uma figura célebre que talvez tenha inaugurado essa reflexão foi Johan Huizinga, que influenciou a noção atual de jogo publicando declarações sobre o aspecto deste como um fenômeno cultural. O jogo é uma categoria absolutamente primária da vida, tão essencial quanto o raciocínio, e o elemento lúdico está na base do surgimento e desenvolvimento da civilização [2]. A hipótese de Huizinga se baseia no fato de que o ato de jogar está relacionado às funções biológicas, como um desejo de competição e dominância, um impulso para exercer certa faculdade, ou à necessidade de descarga de energia. Sua análise abrange atividades lúdicas de agentes socioculturais presentes ao longo de toda a história.

Ludwig Wittgenstein é outro teórico importante que deve ser citado, pois foi um dos primeiros acadêmicos do início do século XX a publicar pensamentos sobre as formas gerais de jogo. Ludwig defende que as definições de jogo a partir de características como entretenimento, regras e competição são incompletas e inadequadas, pois uma única definição não pode determinar todas as características do jogo [3]. Os vários assuntos devem ser agrupados por um conjunto de elementos familiares compartilhados entre si. Os jogos são livres criações do espírito e da vontade, autônomos e governados por regras. Saber jogar um jogo é uma capacidade que supõe domínio de uma técnica, consecutiva a uma aprendizagem [3]. O fosso que separa a regra de sua aplicação é preenchido pelo treinamento ou o adestramento, a familiaridade, a prática do jogo.

Roger Caillois, teórico do século XX, dividiu os jogos em dois segmentos: características e graus de disciplina. Como características, apresentou quatro categorias: jogos de competição, jogos de sorte, jogos de simulação e jogos de vertigem [4]. Estas características são praticadas em dois graus de disciplina distintos. O primeiro deles, chamado Paidia (termo originado na Grécia antiga em referência à educação do membro ideal da pollis), seria o grau de abordagem do jogo como uma brincadeira divertida e prazerosa. Este presume um comportamento espontâneo, orgânico, que dá vazão à natureza do ser, típica, por exemplo, da infância. O segundo grau, Ludus, seria o modo burocratizado do jogo, uma convenção

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com regras e limites a serem respeitados, algo disciplinar e ordenado [4].

Percebe-se que, com referência neste modelo de Caillois, um mesmo jogo pode ser praticado em ambos os graus de disciplina. Por exemplo, os jogos olímpicos são concorridos dentro de um contexto formal na disputa por um título mundialmente reconhecido, por isso são abordados no grau Ludus. Se o mesmo jogo é praticado informalmente no meio da rua entre crianças, as quais determinam entre si a melhor maneira de executar a partida dentro dos recursos disponíveis e das configurações daquele momento, e neste contexto as próprias regras do jogo são adaptadas para dar lugar à diversão, o jogo é abordado no grau Paidia.

De certa forma isto é aplicado também nos videogames, quando é possível desbloquear um recurso secreto em “Mortal Kombat” que permite executar os terríveis “fatalities” com apenas um botão, excluindo a necessidade de reproduzir as enormes sequências difíceis de acertar; ou em “Grand Theft Auto”, em que é possível sair das missões para rodar a cidade livremente e cumprir os próprios objetivos. Ou ainda em “Super Mario World”, quando é possível pegar o item estrela e ficar invulnerável, ou ver todas as tartarugas ficarem com a cabeça do personagem Mario depois de completar os níveis especiais. Essas são formas de quebra do padrão como recompensa para o jogador depois de sujeitar-se à rigidez das regras estabelecidas pelo jogo, e um modo de dizer que agora ele está livre para criar suas próprias regras e jogar sem compromisso com o modelo imposto pelo jogo.

Em geral as reflexões desses teóricos ajudam a compreender que o jogo está intrínseco à vida em todas as culturas e favorece a interação social humana em diversos pontos. Embora hajam algumas divergências de pensamento entre eles sobre definição e classificação do jogo, a maioria concorda entre si que existem regras para uma atividade poder ser chamada de jogo [5]. É o que evidencia o estudo de Jesper Juul, que propõe uma definição de jogo, através da comparação das definições de outros teóricos do passado que se aplicaram no assunto. Sua análise extrai o que há de comum entre os conceitos anteriores e os une para formar um novo, mais objetivo e preciso. Sua comparação pode ser observada na tabela de definições de jogo abaixo:

Johan Huizinga

“É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material, com a qual não se pode obter qualquer lucro, praticada dentro de limites espaciais e temporais próprios, segundo uma certa ordem e certas regras. Promove a formação de grupos sociais com tendência a rodearem-se de segredos e a sublinharem sua diferença em relação ao resto do mundo por meio de disfarces ou outros meios semelhantes.” Johan Huizinga (1950, p. 13).

Roger Caillois

“[o jogo] é uma atividade que é essencialmente: livre (voluntária), separada (no tempo e espaço), incerta, improdutiva, governada por regras, fictícia (faz-de-conta).” Roger Caillois (1961, p. 10-11).

Avedon &

“Podemos definir jogo como um exercício de sistemas de controle voluntário, nos quais há uma

Sutton-Smith oposição entre forças, confinado por um procedimento e regras, a fim de produzir um resultado.” Avedon & Sutton-Smith (1981, p. 7).

Bernard Suits

“Jogar um jogo é se engajar em uma atividade dirigida para causar um estado específico de ocorrências, usando meios permitidos por regras, no qual estas proíbem meios mais eficientes em favor de meios menos eficientes, e são aceitas apenas porque elas tornam possível tal atividade.” Bernard Suits (1978, p. 34).

Chris Crawford

“Há quatro fatores comuns: representação [um sistema formal fechado, que subjetivamente representa um recorte da realidade], interação, conflito e segurança [o resultado do jogo é sempre menos severo do que as situações que o jogo modela].” Chris Crawford (1981, Capítulo 2).

David Kelley

“Um jogo é uma forma de recreação constituída por um conjunto de regras que especificam um objeto (objetivo) a ser almejado e os meios permissíveis de consegui-lo.” David Kelley. (1988, p. 50).

Salen & Zimmerman

“Um jogo é um sistema no qual jogadores engajam-se em um conflito artificial, definido por regras, que resultam em um resultado quantificável.” Salen & Zimmerman (2003, p. 96).

a. Tabela de definições de jogo [5].

Esses conceitos foram agrupados por Juul com a finalidade de identificar características comuns compreendidas neles. Sua análise identificou que alguns elementos como regras, resultados, metas, interação, objetivos, o mundo, separação entre vida e jogo, ausência de trabalho, meios menos eficientes, agrupamento social e ficção foram mencionados mesmo que indiretamente por seus autores [5]. Estes elementos foram separados e analisados individualmente para classificação. O resultado evidencia que nem todos eles estão presentes em todos os jogos, e por isso não podem ser considerados universais, apesar de constarem na maioria deles. Então, sua definição converge em seis pontos que considera necessários e suficientes como aspectos formadores do jogo, listados abaixo em resumo:

Regras: Os jogos são baseados em regras fixas e bem definidas;

Resultado variável e quantificável: Para funcionar como jogo, as regras devem permitir a possibilidade de resultados diferentes, considerando as habilidades do jogador;

Valorização do resultado: Alguns dos resultados possíveis são melhores e mais desejáveis que outros;

Esforço do jogador: As ações do jogador influenciam diretamente o estado do jogo;

Vínculo do jogador ao resultado: O jogador está ligado a aspectos específicos do resultado uma vez que este depende da atitude do jogador;

Consequências negociáveis: Jogos também caracterizam-se pelo fato de que podem opcionalmente ter consequências reais, que são negociadas

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convencionalmente. Jogos estão autorizados a fazer os jogadores felizes ou infelizes, ferir ou aumentar seu orgulho, mas apenas dentro de certos limites negociáveis, apesar de haver algumas transgressões conhecidas, como o excesso de mau humor (ser um mau perdedor) ou deixar o jogo prematuramente quando se está perdendo. A única maneira de um jogo ter consequências negociáveis é quando as operações e movimentos necessários para jogar são predominantemente inofensivos. Qualquer jogo envolvendo armas reais tem fortes consequências não negociáveis. Cassinos são exemplos de onde é impossível jogar por pura diversão, sem aposta real de dinheiro, o que o torna não negociável; tal como jogos esportivos profissionais, nos quais só podem participar atletas selecionados profissionalmente [5].

O resultado do estudo de Juul gerou o seguinte diagrama de atividades lúdicas:

Fig 1. Diagrama de atividades lúdicas [5].

Estas seis características são necessárias e suficientes para que uma interação seja classificada como jogo, o que significa que em todos os jogos devem estar presentes todas elas. Com isso, o autor apresentou a seguinte definição de jogo: “Um jogo é um sistema formal baseado em regras, com resultado variável e quantificável, no qual diferentes resultados são atribuídos por diferentes valores, o jogador empenha esforço a fim de influenciar o resultado, o jogador sente-se vinculado ao resultado, e as consequências da atividade são opcionais e negociáveis” [5].

Esta definição é um conceito bem resolvido de jogo, pois além de considerar outros teóricos e agrupar os pontos comuns de maneira sintética e objetiva, também propõe um esquema comparativo que permite avaliar se uma interação qualquer é de fato um jogo, verificando se esta possui os seis tópicos característicos.

A. A relação dos jogos com quebra-cabeças

Alguns quebra-cabeças são óbvios, como palavras-cruzadas, que evidentemente ninguém chama de jogo [6]. Apesar da presença do quebra-cabeça nos jogos, em maior parte na forma de enigmas, não se pode dizer que jogos são quebra-cabeças porque estes são estáticos, diferentemente dos jogos, que são interativos. Quebra-cabeças se apresentam como uma estrutura lógica para ser resolvida com ajuda de pistas. Já o jogo sofre mudanças significativas com as ações do jogador. O objetivo do quebra-cabeça é o de resolver o problema de combinar peças de modo a construir uma estrutura determinada, a exemplo do cubo mágico ou do tangram. Não existem conflitos ou narrativa, a vitória é apenas uma consequência da resolução de problemas [6].

Entretanto, a afirmação do autor está ligada ao fato de as ações do jogador mudarem o estado do jogo de maneira significativa. A interação no jogo tem relação com a tomada de decisão em um contexto de regras, e com a administração de recursos e objetivos, que tornam certas escolhas melhores do que outras em certos momentos, pois serão determinantes do resultado final. O termo “tomada de decisão” é mais adequado no universo dos jogos para substituir o “interativo”, que é considerado pelo autor um termo exagerado, e generalista: “um interruptor de luz é interativo” [6], como ilustra.

B. A relação dos jogos com histórias

A história existe no jogo para dar suporte às ações do jogador. Um jogo não é um contador de história e não depende exclusivamente dela para existir. A história é uma coleção de fatos sequenciados em ordem de tempo que sugerem uma relação de causa e efeito [7]. Com isso, pode-se dizer que as histórias convencionais são lineares, e os personagens, as situações e fatos dentro do enredo serão sempre os mesmos todas as vezes que a história for reproduzida, e o final imutável é previsível depois da primeira leitura.

Em contraste, jogos são necessariamente não lineares porque dependem de tomada de decisões que terminarão em situações diferentes [6]. Assim como as histórias, jogos também são uma tentativa de representar uma realidade, e a diferença entre os dois é que a história apresenta os fatos em uma sequência imutável, enquanto um jogo apresenta ramificações sequenciais e permite que o jogador crie sua própria história, fazendo escolhas em cada ponto. O jogador é livre para explorar os eventos de muitos ângulos diferentes e tem a alternativa de tomar decisões no momento que achar necessário. Quanto mais linear for a história dentro do jogo, menos alternativas e menos chances de intervenção terá o jogador.

C. A relação dos jogos com a arte e a experiência

Autores apontam a falta de recursos que permitam às pessoas criarem suas próprias experiências artísticas, no sentido de que são essencialmente passivas quando assistem a um filme no cinema, vão ao teatro, leem um livro ou visitam um museu. Os jogos existem para que o jogador possa, por meio de suas regras, criar suas próprias consequências [6]. Um jogo é uma forma de arte na qual os participantes, chamados

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jogadores, tomam decisões, a fim de gerir recursos através de um avatar em busca de um objetivo. [6].

Sobre o aspecto formal dos videogames, estudos importantes consideram a imersão do jogador e a resposta do jogo durante o gameplay [1]. Esse pensamento tem mais compromisso com o lado afetivo da ação de jogar videogames, pois atenta para funções simbólicas, responsáveis por oferecer experiências mais recompensadoras. O autor explica que apesar da dinâmica do jogo ser construída basicamente por tomada de decisões interessantes que levam a um resultado, existe a questão do contexto, capaz de produzir emoções através de ligações com as experiências anteriores dos jogadores. Assim, humor, medo, tensão e alívio são algumas das emoções constantemente transmitidas tanto pelo “clima” do jogo, quanto pelas habilidades requeridas durante o aprendizado da interação dentro do jogo.

Jogar é uma atividade lúdica composta por uma série de ações e decisões, limitada por regras e pelo universo do jogo, que resultam em uma condição final. As regras e o universo são apresentados por meios eletrônicos e controlados por um programa digital, e existem para proporcionar uma estrutura e um contexto para as ações de um jogador. As regras também existem para criar situações interessantes com objetivo de desafiar e se contrapor ao jogador. [1] As ações deste, suas decisões, escolhas, oportunidades e sua jornada compõem a essência do jogo. A riqueza do contexto, o desafio, a emoção e a diversão da jornada de um jogador, e não simplesmente a obtenção da condição final, é que determinam o sucesso do jogo.

Esta visão sobre os videogames destaca bastante os fatores psíquicos e sensoriais vinculados à ação do jogo como determinantes de qualidade, algo tão importante para a atividade projetual. O universo do jogo existe para proporcionar contexto às ações do jogador, e com isso trazer à tona elementos de significação com os quais o jogador pode se identificar.

A premissa de fazer o jogador experimentar virtualmente momentos nos quais provavelmente nunca teria oportunidade de provar no mundo real vem da natureza de simulação dos videogames. Esta simulação é capaz de reproduzir mundos diferentes, tramas, ou um estado de ação específico em um ambiente imersivo para o jogador, que se comporta não como espectador, mas encarna o próprio personagem na cena. Logo, cabe a ele tomar as decisões dentro do que lhe é possível resolver no contexto de regras do jogo.

No universo dos videogames o meio simbólico e o processo de aprendizagem de habilidades são vitais na vibração de emoções no jogador. A interação não está completa apenas com escolhas ou tomada de decisões, mas com toda a jornada programada dentro jogo, responsável por enriquecer a experiência. O gameplay é uma jornada [1]. É tudo o que acontece dentro do jogo a partir do primeiro contato com o jogador, e é também tudo o que existe para proporcionar contexto às ações, e com isso trazer à tona elementos de significação com os quais ele pode se identificar.

Levantar essas definições foi importante para a compreensão das atividades que podem ou não ser classificadas

como jogo, já que é algo tão importante enquanto manifestação cultural e que faz parte naturalmente da atividade humana. A tecnologia eletrônica e computacional do século XX foi descoberta como plataforma para o desenvolvimento do jogo e logo se configurou como um amplo ambiente de expressão, em que se pode explorar uma infinidade de possibilidades. O design protagonizou esse processo de transformação e evolução dos jogos em dispositivos de tela e, no item a seguir, este tema será abordado enquanto atividade projetual de concepção de um jogo.

III. EXPLORAÇÃO DO PROBLEMA

Antes de qualquer coisa, é necessário fazer um levantamento de requisitos a fim de identificar que tipo de jogo se pretende fazer. Geralmente o desenvolvedor independente é motivado por seus próprios interesses pessoais, mas levando-se em conta o contexto da indústria, a produção é orientada a partir de restrições de projeto, que se configura como um processo menos romântico e com limitações servindo de eficientes oportunidades para o design. Dentre essas restrições destacam-se demandas de mercado, licenças de marca, limitações tecnológicas, estética, regras, referência em jogos já existentes, conflitos, etc. Cada projeto tem suas restrições e objetivos específicos. Tendo isso bem definido, o designer trabalha o núcleo básico de uma ideia para o jogo dentro das limitações que lhe são impostas.

Para este projeto, determinou-se a restrição baseada em demanda de público, ou seja, as aspirações de jogadores serão base para as ideias do jogo. Esse tipo de proposta requer uma pesquisa para descobrir quais motivações impulsionam pessoas a gastar tempo jogando, identificar elementos interativos que lhes agradam e principalmente extrair referências do imaginário de jogadores para ajudar na decisão pelo tema e pelos princípios de narrativa. Previamente, nota-se que o consumo vigente de smartphones, tablets e suas respectivas lojas virtuais desperta forte interesse.

O fato de desenvolvedores independentes terem a possibilidade de publicar softwares com certa facilidade nestas plataformas torna uma alternativa de foco muito atraente. Em comparação aos consoles, smartphones vencem com vantagem em número de títulos produzidos. Pesquisas revelam a influência dos dispositivos móveis enquanto plataforma de jogos e sua relevância na decisão em usá-los para alcançar públicos de jogadores, tendo em vista as facilitações de recursos para desenvolvedores independentes.

Outro aspecto levado em consideração é a economia. Projetar videogames pode requerer uma extensa equipe especializada, altos investimentos e considerável quantidade de horas trabalhadas, dependendo do projeto. É importante saber estimar o quanto se pretende investir em cada estrutura da produção. O presente estudo, por ser de origem acadêmica, possuía algumas limitações que repercutiriam no projeto, e houve a necessidade de gerar sincronia entre os recursos disponíveis e as ideias para o que será produzido. Existem inclinações restritivas que direcionam as decisões, um balanço de investimento entre os extremos “simulação/abstração” e o “lúdico/narrativo” [8], conforme ilustra o gráfico seguinte:

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Fig. 2. Gráfico de inclinação restritiva para a decisão de investimento em um projeto de videogame.

Os jogos voltados para a simulação tendem a exigir maior investimento devido a maior complexidade de planejamento e execução, assim como elementos narrativos demandam mais recursos e tempo do projeto [8]. A área com hachuras representa a pretensão de investimento deste estudo, que no caso deve ser planejado para contar com pouca mão-de-obra, baixo orçamento e tempo reduzido. Logo, detectou-se a necessidade de se ter um jogo lúdico e abstrato, com simulação e narrativa simplificadas. A partir disso, as necessidades para o projeto de jogo seriam as seguintes:

• Ter os dispositivos móveis como plataforma almejada;

• Configurar o jogo para a casualidade, já que isso é característico do entretenimento móvel;

• Possibilitar construir interações explorando recursos touch screen, acelerômetro ou geolocalização, disponibilizados comumente por smartphones e tablets;

• Produzir considerando que o jogo é independente e os recursos são limitados. Logo, as ideias devem ser direcionadas ao lúdico/abstrato, conforme o gráfico;

• Manter economia em animações e programação, através de personagens simplificados com pouca articulação, dinâmica de jogo baseada em ações simples, que facilitem o processamento.

IV. METODOLOGIAS DE PROJETO DE UM JOGO

Os métodos de concepção de jogo devem se adequar às necessidades de projeto. Isso dá margem para diferentes metodologias possíveis de serem aplicadas. Uma das primeiras metodologias de design aplicada em projetos de jogos é conhecida como método cascata [9]. Esta consiste em uma subdivisão generalizada de algumas etapas de produção, que podem variar de nome, mas são caracterizadas principalmente pelo trajeto linear do processo:

Fig. 3. Modelo de projeto em cascata.

A descrição do processo, quando aplicado à produção de jogos, deixa claro que este começa basicamente com o projeto planejado no papel, seguido para a implementação na forma de programação (para jogo eletrônico) ou da construção dos elementos físicos (se for jogo não eletrônico), seguido de teste da interação para assegurar o funcionamento das regras e ajuste de elementos gráficos, e, por fim, manutenção [9].

Os requisitos de um projeto se alteram com o passar do tempo, tornando o modelo em cascata falho na medida em que presume que todas as necessidades do projeto estejam definidas logo de início e que serão imutáveis ao longo do processo. Entretanto, o autor defende que o método funciona bem em jogos nos quais a mecânica já é reconhecida e aceita pelo público, geralmente extraída de um outro jogo; ou em pacotes de expansão de um jogo já existente. Um exemplo de quando o modelo de projeto em cascata poderia ser bem aproveitado seria no jogo de cartas “Super Trunfo”, distribuído no Brasil pela empresa Grow, por ser uma mecânica pré-definida. A série do jogo difere essencialmente no tema, o que permite o aproveitamento de uma estrutura pré-modelada de regras e conceitos no lançamento de um novo jogo.

A partir da necessidade de transitar entre as etapas de produção em um projeto, surge o método iterativo, que prevê uma circulação no percurso produtivo [9]. A tomada de decisões ganha mais arejamento para acontecer em mais ocasiões, abrindo mais espaço para a resolução de problemas, implementação de mudanças e, sobretudo, permite repetir o processo ilimitadas vezes até que o projeto esteja refinado.

Fig. 4. Método iterativo.

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O modelo iterativo orientado a projeto de jogo é segmentado, utilizando o método científico para ilustrar como o processo funciona no sentido de dar voltas através das mesmas abordagens [9]. A intenção é mostrar que quanto mais vezes o projeto iterar, melhor será o produto final, conforme a seguir:

1. Observação;

2. Construção de uma hipótese;

3. Construção de um experimento para provar ou refutar a hipótese.

4. Realizar o experimento.

5. Interpretar os resultados. Formar um novo conjunto de observações. Retornar para a primeira etapa.

O autor faz uma observação sobre a etapa “implementar”, que no contexto de produção de videogames equivale à programação, o que demanda custo e tempo elevados. O modelo iterativo pode ser ideal para produzir jogos não computacionais porque estes são implementados rapidamente. Mas para os videogames ainda existe um problema: a abordagem da implementação no modelo iterativo comprometeria o importante momento dos testes e ajustes, que são os recursos necessários para afirmar a qualidade do jogo [9], uma vez que implementar um projeto que ainda não foi consolidado pelos testes pode inviabilizar o processo.

O método da prototipagem rápida de design é apontado como a solução para este problema. Este consiste em modelar interfaces simplificadas para testes de jogabilidade e imersão, e só depois de confiar na validação das regras e conceitos é que se inicia o processo de implementação do videogame [9]. Isso evita transtornos como a reconfiguração de mecânicas depois de o jogo estar programado, além de antever os riscos, seja de má formulação conceitual, não aceitação pelo público, curva de diversão insatisfatória, limitações tecnológicas, interferências externas como crises financeiras, dentre outras.

A essência da prototipagem rápida em design está em não implementar o jogo até que o planejamento do gameplay esteja bem resolvido, testado e validado através de interfaces prototipadas de maneira ágil e simplificada. É, na verdade, uma medida preventiva contra a perda de tempo e investimento com reformulação do projeto depois de estar implementado. Quanto mais iterações durante o processo criativo, melhor e mais seguro será o produto final.

MDA é uma sigla para Mechanics, Dynamics & Aesthetics, (mecânica, dinâmica e estética). Um conceito formulado para ajudar na compreensão do processo de criação e de desenvolvimento, além de fortalecer o método iterativo de produção de jogos. O modelo MDA propõe uma mediação entre o modo como os jogadores e designers olham para o jogo, uma vez que o conteúdo de um jogo não é a mídia que emana dele, mas o seu comportamento [10]. Logo, o jogo deve ser interpretado como um sistema que constrói comportamentos através da interação.

No sistema MDA o jogo é segmentado nos componentes: regra - sistema - diversão, que são equivalentes, respectivamente, à mecânica - dinâmica - estética. A mecânica descreve os componentes específicos do jogo, em nível de representação de dados e algoritmos. A dinâmica descreve o comportamento em tempo de execução da mecânica atuando na ação e reação dos jogadores ao longo do tempo. A estética descreve as respostas emocionais desejáveis no jogador quando interage com o sistema [10].

Os conceitos de mecânica e dinâmica já existiam antes da estrutura MDA existir e eram comuns no contexto do desenvolvimento de jogos, mas a estética no sentido MDA ganhou repercussão mais recentemente e não se refere diretamente aos elementos visuais do jogo, mas às aspirações e experiência dos jogadores [9].

Fig. 5. Modelo iterativo com prototipagem rápida de design.

Tradicionalmente, designers tendem a enxergar o jogo no sentido: mecânica - dinâmica - estética, enquanto que a perspectiva dos jogadores é inversa, no sentido estética - dinâmica – mecânica [10]. A proposta é observar os jogos em ambas as direções, a fim de captar como pequenas mudanças em qualquer ponto dessas camadas pode interferir significativamente nas outras, e entender que o modelo MDA permite raciocinar sobre os objetivos particulares do design em cada estrutura e a qualquer momento através da iteração.

Um jogo é uma esfera que é projetada de dentro para fora, mas jogado de fora para dentro. E isso é uma das características do MDA. O designer cria a mecânica e tudo flui a partir dela. O jogador experimenta a estética e, em seguida, sua experiência flui para dentro. Como designers, devemos estar conscientes de ambas as formas de interagir com um jogo. Caso contrário, corremos o risco de criar jogos que são divertidos para os designers, mas não para os jogadores.

Os videogames, enquanto forma de arte e tecnologia, evoluem seguindo tendências tanto quanto outras mídias. É compreensível que essas mudanças tenham ocorrido mais rapidamente ao longo dos últimos tempos por causa de influencias mercadológicas e culturais, e talvez pelo fato de os videogames serem formas relativamente mais novas, datando apenas algumas décadas dentro da indústria do entretenimento.

É importante entender que o design de um jogo consiste em documentar as ideias de maneira organizada e inteligível para o acesso dos diversos profissionais envolvidos no trabalho, e que a função principal de designer é ter a habilidade de visualizar o projeto e manter o foco da produção em sincronia com o conceito inicial, mesmo que este não tenha partido dele.

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Com isso, o item seguinte abordará a atividade prática da formação do conceito do jogo.

V. DESENVOLVIMENTO

A probabilidade de que um jogo desenvolvido apenas com as ideias do designer esteja destinado ao fracasso é grande. [1]. Como já dito, decidiu-se basear o projeto em demandas e aspirações de jogadores. Para tal, foi realizada uma pesquisa com o objetivo de extrair das pessoas quais motivações as impulsionam a gastarem seu tempo jogando, identificar elementos interativos que lhes agradam e principalmente extrair referências do imaginário para ajudar na decisão pelo tema e princípios de narrativa. A pesquisa foi realizada através de um questionário publicado na web. A amostra foi de 110 respostas em um período de 15 dias.

A pergunta mais relevante do questionário resume o objetivo principal da pesquisa de opinião, que é conhecer um pouco do repertório imagético das pessoas, a fim de selecionar elementos que sirvam como metáfora visual e narrativa para o projeto. A ideia foi narrar uma relação conflituosa genérica entre dois personagens. A intenção era averiguar quais soluções as pessoas dariam para resolver a situação, quais objetos seriam mencionados ou quais recomendações em termos de ações poderiam citar, para, a partir disso, assimilar alguns padrões de resposta e tomar como referência. A seguir, segue a sistematização das respostas mais frequentes para cada pergunta do questionário.

Imagine um game que tem dois personagens: um do bem e outro do mal. O indivíduo do mal invadiu o território do moço do bem enquanto ele estava fora. O moço do bem precisa tomar uma atitude imediatamente, mas está muito longe.

a) O que o moço do bem poderia fazer para atacar o indivíduo do mal, levando-se em conta que está longe e precisa ser rápido?

• usar um transporte aéreo ou montaria voadora;

• usar bomba / míssil / tiro / armamento de fogo;

• usar teletransporte ou viagem no tempo;

• citações sobre pedir ajuda de aliados / tropas / equipe;

• citações sobre poder da mente / magia / “summons”;

• menções sobre atacar o que o indivíduo do mal gosta.

b) O indivíduo do mal também tem recursos praticamente ilimitados. Qual seria a ação defensiva dele?

• citações sobre magia / poder / relíquia;

• chamar um exército / forças aliadas / horda / sentinela;

• destruir o lugar; • bomba / míssil / atirar / armamento de fogo;

• barris de defesa / torres / fortaleza / campo de força;

• esquivar-se, pular, desviar-se do ataque, esconder-se; • ficar invisível;

• preparar armadilha;

• capturar objeto / pessoa amada / povo do cara do bem.

c) E qual seria o ponto fraco de cada um?

• fraquezas de caráter, como um ser ingênuo e outro arrogante; • dependência de artefatos / relíquias / pessoa amada;

• referências de partes do corpo (ex: coração, calcanhar);

• atacar o outro enquanto estiver distraído / desprevenido; • poderes limitados.

d) E o que poderia ser tão valioso para eles? Pelo quê estariam batalhando?

• pessoa amada;

• riqueza / tesouro / moedas / ouro; • alimento / mantimento (ex: batatas fritas);

• artefato poderoso;

• conhecimento / sabedoria; • eliminar um ao outro;

• crenças / cultura; • território / extração de recursos de área (Ex. metal, madeira).

b. Questionário aplicado.

Descobriu-se que a maior parte dos entrevistados joga para se distrair, relaxar, passar o tempo, além de que preferir jogos com uma maior capacidade de simulação e apresentação narrativa.

As respostas foram selecionadas e inseridas dentro de grupos que as representam de maneira impessoal, para servirem de referência na decisão pelas metáforas do jogo. Assim, as ideias fornecidas foram avaliadas mais por sua essência do que citação literal. Por exemplo: “jato, dragão, pássaro e summon” foram citações agrupadas em “transporte ou montaria voadora”.

VI. PROCESSO CRIATIVO

As respostas apresentada pela pesquisa serviram como referência para geração de ideias. A tarefa foi transformar essas ideias em um tipo de documento sobre como será o funcionamento do jogo, levando-se em conta os requisitos e as restrições de projeto levantadas. A seguir, buscou-se a concepção do gameplay, uma atividade que visa definir o contexto do jogo para o jogador e quais tarefas se pretende formular com a interação.

A técnica adotada para geração de ideias é baseada em união de conceitos. Esta consiste em fazer duas listas, uma de objetos que sejam comuns em histórias, filmes e games; e outra com algumas ações. A partir disso são construídas frases combinando itens de ambas as listas para formação de um conceito de jogo [1]. Neste caso, as listas foram formadas a partir das respostas fornecidas pelo questionário de pesquisa. As listas a seguir foram extraídas do universo imaginário dos entrevistados:

Objetos

artefato do poder / relíquia / tropa / horda / sentinela / bomba /

míssil / barris / torre / fortaleza / campo de força / armadilha /

princesa / mulher / povo / tesouro / alimento / território / cultura /

recurso / montaria.

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Ações

destruir / atirar / esquivar / pular / esconder / ficar invisível /

atacar / eliminar / teletransportar / viajar / socorrer;

c. Listas de objetos e ações retiradas do questionário.

A melhor maneira de se combinar as palavras para formar conceitos é fugir do senso comum, evitar o óbvio e partir para algo inusitado [1]. Assim, em lugar de formar frases de ação comuns como “destruir a horda“, ou “atacar a fortaleza“, pode-se formar frases como as seguintes:

• princesa viaja no barril para o território do tesouro

• campo de força esconde relíquia

• horda esquiva-se das bombas da fortaleza

• torre ataca montaria com míssil

• artefato do poder teletransporta tesouro

• território da relíquia esconde armadilha

• torre socorre horda com alimento

• esconda a armadilha no território da tropa

• horda pula da montaria para atacar a princesa

• montaria atira míssil em sentinela

• barril que esconde a relíquia tem uma bomba

• esconda o alimento na fortaleza com o artefato do poder

• o artefato do poder elimina o campo de força

• povo alimenta montaria com barris de tesouro

• princesa pula da torre e cai na armadilha

• viaje numa montaria para o território da horda

• atire alimento para a montaria de cima da torre

• esquive a relíquia da sentinela

• os barris de alimento ficam invisíveis na fortaleza • socorra a princesa da armadilha com o artefato do poder

d. Combinações entre objetos e ações.

VII. O CONCEITO DO JOGO

Dentre as ideias formadas pela união de conceitos, optou-se pelo uso da seguinte frase: “Esquive o artefato das armadilhas da fortaleza”. Depois de vários exercícios de visualização do gameplay, esta foi a frase selecionada para fundamentar o jogo. A partir disso, delimitou-se o conceito do jogo dentro do que seria o princípio de um documento de game design.

A. High concept

O jogo consiste em conseguir arrastar um artefato de um ponto a outro, sem encostá-lo nas paredes ou cair em armadilhas. O jogador terá que coletar itens posicionados em pontos de risco para liberar a saída. Para aumentar o desafio, só poderá transitar pelos níveis sobre uma plataforma móvel, um tipo de ponte, sendo forçado a executar movimentos precisos com o dedo na tela do dispositivo para vencer.

B. Mecânica de jogo

Os níveis apresentam um artefato em certo ponto da tela, que deverá ser levado para uma saída em outro ponto. O jogador posiciona o dedo sobre ele para arrastá-lo sobre a tela. Entretanto, ele não pode arrastá-lo livremente, pois colidir com paredes ou com terreno hostil pode destruí-lo. Há uma

plataforma móvel que liga o local onde está o artefato até a saída, uma espécie de ponte. O jogador terá que manter-se sobre ela para não tocar em terreno hostil, e, ao mesmo tempo, desviar-se das paredes.

A disposição das paredes nos níveis formam caminhos estreitos ou trilhas por onde o jogador deverá passar sobre a plataforma móvel. A velocidade dessa plataforma forçará o jogador a deslizar o dedo sobre a tela, executando um movimento que corresponde ao espaço da trilha, de modo que se falhar, colidirá o artefato com a parede. A ponte movimenta-se sempre em ciclos e pode variar em velocidade, ritmo, direção e dimensão, de acordo com o nível.

Neste percurso há itens posicionados em sequência ou em locais de risco, os quais o jogador deverá coletar para habilitar a saída, bastando colidi-los com o artefato. A saída é uma área sobre a qual o jogador deverá soltar o artefato.

Existe ainda uma barra de energia que, ao menor toque do artefato contra a parede, decrescerá rapidamente, de modo que se o jogador permanecer colidindo perderá toda ela.

VIII. PROTOTIPAGEM

Os esboços a seguir representam o conceito do jogo traduzido visualmente em nível esquemático. A partir do método iterativo com prototipagem rápida de design foi criada uma versão interativa desse esboço, através do software Adobe Flash, por sua versatilidade para trabalhar com dispositivos móveis e por ter se tornado uma plataforma popular para desenvolvimento de jogos nos últimos anos.

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Fig. 6. Esboços representando o funcionamento da mecânica do jogo.

O protótipo conceitual do jogo foi convertido em aplicativo e testado em smartphone com sistema BlackBerry 10, versão Dev Alpha.

Fig. 7. Teste da mecânica e do gameplay no Smartphone BlackBerry.

O desenvolvimento do protótipo foi importante para confirmar e validar as intenções e decisões projetuais até o momento. Como visto anteriormente, o método iterativo com prototipagem rápida de design consiste em modelar interfaces simplificadas para testes rápidos e eficientes de jogabilidade e imersão a fins de testar qualidade de fluxo e evitar retrabalho [9].

O projeto foi testado inúmeras vezes em ciclos iterativos até atingir consistência suficiente para a validação das regras e mecânica de jogo, através de interfaces prototipadas de maneira ágil e simplificada. Tal método mostrou-se uma

medida preventiva contra a perda de tempo e investimento com a reformulação do projeto depois de estar implementado. Quanto mais iterações durante o processo criativo, melhor e mais assegurado está o projeto.

IX. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este projeto visou estudar os métodos possíveis para a construção do conceito de um jogo, e o protótipo foi esboçado para avaliar o conceito desenvolvido, a partir dos dados coletados em questionário com o público alvo, tornando-o parte do processo criativo.

Ao gerar o protótipo, a intenção era estruturar uma interface interativa e primariamente jogável para realização dos primeiros testes de fluxo de jogo e comportamento do jogador. O objeto limitou-se ao princípio de mecânica de jogo, testada com o recurso de interação por toque na tela do smartphone.

A formação do conceito de jogo satisfaz o objetivo deste estudo, uma vez que a intenção foi pesquisar como se dá o processo de iniciar um projeto de um videogame. Almeja-se que essa pesquisa contribua com o campo e viabilize novos projetos que envolvam o desenvolvimento de jogos.

REFERÊNCIAS

[1] P. Schuytema. Design de Games: uma abordagem prática. São Paulo: Cengage Learning, 2008.

[2] J. Huizinga. Homo Ludens. O jogo como elemento da cultura. São Paulo: Editora Perspectiva, 1971.

[3] C. Chauvire. Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991.

[4] T. M. Kishimoto. Jogo, brinquedo, rincadeira e a educação.9. ed.- São Paulo: Cortez, 2006.

[5] J. Juul. Introduction to Game Time / Time to play. In Noah Wardrip-Fruin and Pat Harrigan: First Person, Cambridge: MIT Press 2004. Disponível em <http://www.jesperjuul.net/text/timetoplay>. Acesso em setembro de 2009.

[6] G. Costikyan. I Have No Words & I Must Design. 1994, Interactive Fantasy #2, a British roleplaying journal. http://www.costik.com/nowords.html. Acesso em setembro de 2009.

[7] C. Crawford. The Art of Digital Game Design. Washington State University, Vancouver, 1982.

[8] J. D. A. Rocca. paisagem em transformação da Indústria de Games Global. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 09 out. 2009. Palestra ministrada aos participantes do VIII Simpósio Brasileiro de Jogos e Entretenimento Digital, SBGames 2009.

[9] I. Schreiber. Game Design Concepts: an experiment in game design. 2008.

[10] R. Hunicke, M. LeBlank, R. Zubek. MDA: A Formal Approach to Game Design and Game Research. 2004.

[11] L. Santaella, M. Feitoza. Mapa do Jogo, a diversidade cultural dos games. São Paulo: Cengage Learning, 2009.

[12] B. Boehm. A spiral model of software development and enhancement. IEEE Computer, 1988.

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