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1 FÁTIMA REGINA NASCIMENTO A FORMAÇÃO DA COLEÇÃO DE INDÚSTRIA HUMANA NO MUSEU NACIONAL, SÉCULO XIX. PPGAS/ MN/ UFRJ

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1

FÁTIMA REGINA NASCIMENTO

A FORMAÇÃO DA COLEÇÃO DE INDÚSTRIA HUMANA NO

MUSEU NACIONAL, SÉCULO XIX.

PPGAS/ MN/ UFRJ

2

A FORMAÇÃO DA COLEÇÃO DE INDÚSTRIA HUMANA NO MUSEU NACIONAL, SÉCULO XIX.

FÁTIMA REGINA NASCIMENTO

Tese de doutorado em Antropologia Social Programa de Pós-graduação em Antropologia Social

Museu Nacional - UFRJ

Orientador

João Pacheco de Oliveira Filho Professor Titular de Etnologia.

Rio de Janeiro

2009

3

A FORMAÇÃO DA COLEÇÃO DE INDÚSTRIA HUMANA NO MUSEU

NACIONAL, SÉCULO XIX.

Fátima Regina Nascimento

Tese submetida ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em

Antropologia Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Como

Parte Dos Requisitos Necessários Á Obtenção Do Grau De Doutor.

Aprovada por:

____________________________________________

Professor João Pacheco de Oliveira Filho - Orientador Professor Doutor

_____________________________________________

Professor Moacir Gracindo Soares Palmeira Professor Doutor

______________________________________________

Professor Antonio Carlos de Souza Lima Professor Doutor

_______________________________________________

Professor Ricardo Gomes Lima Professor Doutor

________________________________________________

Professor Ivan Coelho de Sá Professor Doutor

4

Aos Professores: Maria Heloisa Fénelon Costa

Luiz Fernando Dias Duarte

5

AGRADECIMENTOS

Os primeiros agradecimentos sempre cabem ás instituições

financiadoras, como esse trabalho não contou com apoio financeiro o primeiro

agradecimento fica sendo para minha filha Luiza Nascimento Barbosa que

dividiu o orçamento familiar com as despesas provenientes dos cursos, da

pesquisa e da tese.

Ao meu orientador Professor João Pacheco de Oliveira, por aceitar o

encargo de orientar a tese, pela leitura atenta da mesma e também pelo tempo

dedicado em sala de aula, incluindo o curso em que me aceitou como aluna

regular durante o mestrado na Escola de Belas Artes.

Ao Professor Antonio Carlo de Souza Lima, por estar sempre disposto a

ajudar seja no trabalho acadêmico, seja no trabalho do Setor de Etnologia,

facilitando minha dedicação já tão comprometida à pesquisa e execução da

tese. Pela sua participação valiosa nas duas bancas de qualificação. Bem

como pelas noções de formação de Estado desenvolvidas em seu curso

ministrado em conjunto com a Professora Adriana Vianna a quem também sou

grata.

Ao Professor Moacir Palmeira, pelas aulas onde me senti à vontade

para continuar o difícil empreendimento de mudar minha forma de escrita na

direção de uma escrita etnográfica. Também pela leitura atenta dos trabalhos e

participação nas qualificações com observações sempre pertinentes e

incentivadoras.

Aos Professores Giralda Seiyferth, Lygia Sigaud, Antonadia Borges,

Carlos Fausto, Bruna Franchetto e Otávio Velho. Pela oportunidade de

apreender com eles e pela paciência que tiveram em ler trabalhos bastante

apressados.

Ao professor Marcos Ponciano, pelas aulas de português, revisão do

trabalho e principalmente pela amizade demonstrada em face á doença.

Aos professores e amigos Ricardo Gomes Lima e Ivan Coelho de Sá

pelo apoio de sempre.

6

A professora Claudia Rodrigues chefe de Departamento de

Antropologia, pela consideração e apoio ao longo da execução do trabalho.

Aos companheiros de trabalho do Museu Nacional, começando por

Maria José Veloso da Costa Santos, cujo trabalho na criação do Arquivo Geral

do Museu Nacional foi a base da tese e pelo carinho com que Silvia Moura e os

outros integrantes de sua equipe sempre me trataram ao longo de anos de

pesquisa.

Aos companheiros das duas bibliotecas, do PPGAS e do Museu

Nacional: Alessandra Orrico Câmara, Antonio Carlos Gomes Lima, Carla

Regina de Freitas, Edson Vargas da Silva e Isabel Moreira. Pelo atendimento

eficiente e amigável.

Aos funcionários da secretária do PPGAS pela excelência do serviço.

Aos colegas do SAE principalmente Mara Regina Leite e Guilhermina

Guabiraba Ribeiro, pelo apoio logístico.

Ao colega Wagner Martins pelo apoio de sempre e a escuta das

reclamações intermináveis e ao colega de Setor de Etnologia Antônio Araújo

pelas fotos.

A todos meus ex estagiários e principalmente á Ana Paula Pacheco,

Alice Collucci, pelo apoio na digitalização dos primeiros catálogos; Rafael

Muniz Moura pelas fotos e a Mirthis Luiza da Silva pela colaboração na edição.

Aos diversos funcionários que me prestaram atendimento ao longo dos

anos de pesquisa nas bibliotecas do CCBB, IHGB, MHN, MNBA, ABL, CPII e

dos setores de Obras Raras, Periódicos, Manuscritos, Iconografia e Obras

Gerais da BN.

Aos funcionários dos arquivos do Museu Histórico Nacional e do Colégio

Pedro II e dos Museus D. João VI e Fundação Castro Maia pelo atendimento.

A Silvia Reis Ferreira de Mello, Simone Mesquita e Cristina Botelho

companheiras de luta nessa nada fácil vida de continuar a estudar remando

contra a maré.

Os agradecimentos emocionais costumam ficar por último,ma não em

último lugar, sigo a regra agradecendo sincera e carinhosamente aos meus

familiares: Vinicius, Jane e Léo Nascimento por vários momentos de apoio e

7

principalmente no apoio prestado na doença, fundamental para que

conseguisse realizar a tese.

Meu agradecimento pela amizade de trinta anos de Lucia da Silva

Bastos, sempre presente quando necessário e extensivo a Rafael Bastos

Pedroso, meu afilhado.

E a minha mãe, Honorina Nunes Nascimento a quem eu continuo dando

trabalho, minhas desculpas agradecidas.

8

RESUMO

O presente trabalho procura dar uma visão integrada da formação da

coleção de indústria humana no Museu Nacional no Séc. XIX, estabelecendo

suas implicações na formação da Instituição. Demonstra o estabelecimento

das relações interinstitucionais pelos membros do Museu, facilitado a partir dos

empreendimentos efetuados para a formação da coleção.

Dá destaque aos meios de divulgação que ajudaram na formação e

perpetuação da coleção: as exposições levadas a público na própria instituição

ou fora dela e as publicações onde se divulgavam as coleções e eram

debatidas as idéias formadoras da coleção.

Descreve a importância da iconografia resultante da formação da

coleção e sua contribuição para o entendimento, preservação e divulgação.

Estabelece uma maneira de analisar a coleção de forma integrada ao meio

social onde sua coleta foi efetivada, preservada e divulgada, ampliando as

formas de entendimento e resgatando a conexão entre coleção e pesquisa

existente no Séc. XIX, no Museu Nacional.

9

ABSTRACT

This work proposes an integral view of the process of constitution of the

collection of ‘human industry’ in the Museu Nacional during the 19th Century,

trying to discern its relationship with the general institution building. It describes

the establishment of inter-institutional relationships by the members of the

Museu, enmeshed in the procedures of collection making. It highlights the

outreach instruments that helped in the constitution and maintenance of the

collection: the exhibits that took place in the very institution (or outside it) and

the publishing activity concerning the collections and their conceptual frames. It

describes the importance of the iconography deriving from the collection making

and its contribution for its understanding, maintenance and popularization. It

proposes an analytical approach to the collection, that sees it as embedded in

the social milieu where it came to exist, to survive and to be influent. It helps

thus to understand the connections between collection and research that

prevailed in the Museu Nacional along the 19th Century.

10

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS: MN- Museu Nacional

AGMN- Arquivo Geral do Museu Nacional

SEE- Setor de Etnologia e Etnografia do Museu Nacional

BMN- Biblioteca do Museu Nacional

PPGAS- Programa de Pós Graduação em Antropologia Social do Museu

Nacional

BN- Biblioteca Nacional

MHN- Museu Histórico Nacional

MNB- Museu Nacional de Belas Artes

IHGB- Instituto Histórico Nacional

ABL- Academia Brasileira de Letras

11

ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES: Fig.1 Ilustração Botânica de Freire Alemão..................................................p.35 Revista Guanabara, acervo BMN Fotografia: Rafael Muniz Moura Fig. 2 Armas indígenas do Amazonas, Primeira Exposição Nacional,

1861.....................................................................................................p.37 Litografia, acervo BMN Fotografia: Rafael Muniz Moura Fig.3 Cabeça troféu Mundurukú ..................................................................p.76 Litografia, acervo SEE Reprodução digital Fig.4 Sala de Modas e Pintura da Primeira Exposição Nacional, 1861......p.103 Litografia, acervo BMN Fotografia: Rafael Muniz Moura Fig. 5. Armas indígenas do Amazonas, Primeira Exposição Nacional,

1861..................................................................................................p.105 Litografia, acervo BMN Fotografia: Rafael Muniz Moura Fig.6 Troféu da Carnaúba, Primeira Exposição Nacional,

1861...................................................................................................p.106 Litografia, acervo BMN Fotografia: Rafael Muniz Moura Fig.7 Pavilhão Brasileiro na Exposição de Londres, 1862............................p.108 Fotografia litografada, acervo BMN Fotografia: Rafael Muniz Moura Fig.8 Pavilhão Brasileiro na Exposição de Filadélfia, 1876.........................p.111

Fotografia “Centennial Fotografic e Internacional Exibition Philadelfia, 1876”. Acervo BN

Fig.9 Exposição Antropológica,1882 . Museu Nacional...............................p.115 Acervo SEE Foto: Marc Ferrez Fig.10 Exposição Antropológica,1882 . Museu Nacional..............................p.116

Acervo SEE Foto: Marc Ferrez

12

Fig.11 Exposição Antropológica, 1882. Museu Nacional..............................p.117 Acervo BN Foto: Marc Ferrez Fig.12 Crayon e Aquarela de J.B. Debret.....................................................p.208 Acervo Fundação Castro Maia Fotografia do Autor Fig.13 Detalhe do quadro “O Caçador de Escravos”....................................p.209 J.B. Debret s/ data óleo sobre tela. Reprodução digital de foto “Gênios da Pintura” fascículo 1 Fig. 14 Litografia de desenho de J. B. Debret..............................................p.210 Livro Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil Reprodução digital Fig.15 Crayon e Aquarela de J.B. Debret.....................................................p.211 Acervo Fundação Castro Maia Fotografia do Autor Fig.16 Aquarela Hercule Florence,1829......................................................p.214 Comissão Langsdorff Reprodução digital Fig. 17 Plumária Mundurukú........................................................................p.214 Acervo SEE,1829 Foto do autor Fig.18 Aquarela e Crayon, Adornos Bororo..................................................p.216 Comissão Langsdorff Adrian Taunay Reprodução digital Fig.19 Litografia, Flechas..............................................................................p.219 Comissão Langsdorff Adrian Taunay Reprodução digital Fig.20 Flechas, Litografia..............................................................................p.219 Comissão Científica do Império. Acervo SEE Reprodução digital Fig.21 Muruku- Maraká, Litografia..............................................................p.220 Comissão Científica do Império. Acervo SEE Reprodução digital

13

Fig.22 Litografia, Arcos Connibo..................................................................p.221 Comissão Científica do Império Acervo SEE Reprodução digital Fig. 23 Vaqueiro, Aquarela e Crayon............................................................p.224 José Reis de Carvalho Acervo Museu D. João VI Fotografia do autor Fig. 24 Esboço de cabeça de Índio Xocó, Crayon........................................p.225 José Reis de Carvalho Acervo MHN Fotografia do autor Fig.25 Índia de Aracati, Aquarela................................................................p.226 José Reis de Carvalho Acervo MHN Fotografia do autor Fig. 26 Habitação dos índios de Aracati, Aquarela.......................................p.227 José Reis de Carvalho Acervo MHN Fotografia do autor Fig. 27 Estudo Anatômico de corpo, Sanguínea e Crayon...........................p.231 Pedro Américo,1875 Acervo MNBA Foto: Paulo Castigliani Cedida por Ivan de Sá Fig.28 Indígena do Alto Amazonas, óleo sobre tela.....................................p.232 Décio Villares Acervo MN Fotografia: Simone Mesquita Fig.29 Apiaká Fotografia Marc Ferrez.....................................................................p.234 Acervo MN Fig.30 Xerente............................................................................................p. 237 Fotografia Acervo SEE Fig. 31 Esculturas Xerente, em 1882, Museu Nacional...............................p. 239 Fotografia Marc Ferrez

Acervo BN

14

Fig.32 Escultura Xerente, foto Exposição do Museu Nacional...................p.240 Acervo MN Fotografia Antonio Araújo Foto 33 India Botocudo.................................................................................p.242 Fotografia Marc Ferrez Acervo MN

Foto 34 Escultura Botocudo, foto Exposição do Museu Nacional...............p.244 Acervo MN Fotografia Simone Mesquita

Fig.35 Charge Revista Illustrada no 311, 1882............................................p.246 Acervo BN

15

SUMÁRIO

Agradecimentos...................................................................................................V Resumo............................................................................................................VIII Abstract..............................................................................................................IX Lista de Siglas e Abreviaturas.............................................................................X Índice de Ilustrações...........................................................................................XI Sumário.............................................................................................................XV Introdução..........................................................................................................17 Capitulo 1 Coleção de Indústria Humana do Museu Nacional..........................32 1.1 A coleção do Museu Nacional.....................................................................33 1.2 A Coleção de Indústria Humana..................................................................41 1.3 Os colecionadores.......................................................................................54 1.4 O tombamento.............................................................................................63 1.5 As classificações..........................................................................................70 Capitulo 2 Procedimentos de Divulgação..........................................................81 2. As Exposições...............................................................................................82 2.1 Exposições Museu Nacional, Primórdios.....................................................85 2.2 Exposição Museu Nacional, 1870 ...............................................................90 2.3 Exposições Nacionais e Universais, 1861/1862..........................................97 2.4 Exposição de Filadélfia, 1876....................................................................110 2.5 Exposições Antropológica, 1882................................................................113 2.6 Exposição Universal de Paris, 1889..........................................................119 2.3 Publicações................................................................................................221 Capitulo 3 O Mundo Social..............................................................................146 3.1Relações da Instituição com o Mundo Social.............................................147 3.1.1Instituições de Interlocução ....................................................................157 3.2 Aquisições de coleções e Os Interesses Científicos da Instituição...........164 3.3 Implantação de Um quadro Administrativo................................................169 3.3.1Funcionamento Geral do Museu..............................................................169 3.3.1.1Regulamentos/ Regimentos..................................................................177 3.3.1.2 Salários................................................................................................182 3.3.1.3 Vinculação Institucional do Museu Nacional........................................189 3.3.2 Fases administrativas das coleções de indústria humana......................191 3.3.2.1 Manuel de Araújo Porto Alegre............................................................192 3.3.2.2 Carlos Burlamaqui...............................................................................198 3.3.2.3 Ladislau de Souza Mello Neto.............................................................200

16

Capitulo 4 Construindo uma Imagem.............................................................204 4.1 Iconografia da coleção..............................................................................205 4.2 Uma Coleção Iconográfica........................................................................217 4.3 A Construção uma Imagem ......................................................................228 4.3.1O Índio Símbolo.......................................................................................230 4.3.2 O Índio Objeto de Estudo.......................................................................236 4.3.3 A Imagem Botocudo...............................................................................241 Considerações Finais......................................................................................248 Referências Bibliográficas...............................................................................254 Anexo I Descrição de uma das pranchas da Comissão de 1861....................268 Anexo II Colleção Typica.................................................................................269

17

INTRODUÇÃO

A introdução de um trabalho normalmente é o lugar onde o autor revela

de onde ele está falando e as suas principais preocupações a respeito do tema

a ser tratado. É comum também compor uma pequena e coerente história à

moda do memorial onde os pontos desunidos ao longo de sua trajetória,

ganhem um sentido iluminado pelo trabalho a ser apresentado.

Meu trabalho, ao longo dos últimos trinta anos, foi dirigido às coleções e

ao trabalho em reserva técnica, incluindo períodos de dedicação a Exposições.

No entanto, minha dedicação sempre foi preservar, documentar e tentar dar

entendimento de forma mais ampla ao imenso acervo, de por volta de 41.000

peças, contido hoje nas duas reservas do Setor de Etnologia. A própria

natureza do trabalho é cíclica com as coleções nas quais, por um tempo, tudo

parece muito bem resolvido, e, no entanto, se está apenas diante de um

recomeço, pois já existem problemas surgindo. Um eterno correr atrás de

soluções para resolver o problema básico de fazer durar materialmente

séculos, o que por vezes foi feito para durar um dia.

Documentar de forma que as informações se atualizem sem perderem a

consistência são desafios constantes de que me dou conta constantemente

das falhas cometidas mais do que dos sucessos, como na música Roda Viva

de Chico Buarque eu entendo meu trabalho com coleção como a volta do barco

e o sentido do quanto se deixou de cumprir.

Diante de um trabalho dessa natureza, por tão longo tempo, a

observação é uma das poucas medidas que podem minimizar os erros,

observar atentamente a coleção e as medidas tomadas, em função de sua

preservação, pode salvar a materialidade de um acervo, mais do que ceder a

inovações sem uma reflexão prévia, o mesmo se dando com a documentação

18

do acervo na qual, de certa forma, está inscrita a alma das coleções. Observar

e duvidar das naturalizações e das generalizações, buscar dados consistentes,

para que não se modernize apenas a falta de informação, é um

empreendimento diário no trato com as coleções.

Darei um breve panorama do contexto de trabalho com as coleções. Ao

entrar para o Setor de Etnologia do Museu Nacional, em 1979, como estagiária

de graduação em Museologia, passei a conviver não só com uma coleção

bastante ampla de objetos etnográficos, coletados de várias formas e em várias

épocas, desde a primeira metade do século XIX, como também com os

diversos grupos de pesquisa naquela época alocados no setor. A maioria dos

grupos se dedicava aos estudos denominados de “cultura material”, como os

projetos da professora Berta Ribeiro, tanto o projeto do Alto Rio Negro

transformado em Exposição ainda em 19791 quanto o projeto da cestaria

xinguana que se transformaria no livro Diário do Xingu2. Ambos projetos

resultariam em coleções para o Setor.

Os projetos posteriores da professora Berta Ribeiro se referiam também

à cultura material, focalizando principalmente seu aspecto tecnológico. Dentre

eles, há a Exposição Amazônia Urgente cujo produto final, em forma de

exposição, só se realizou no final da década de 80 e, em forma de livro3, só em

1990, associando os estudos de tecnologia indígena ao emprego ecológico de

matérias primas. Além disso, o projeto do Dicionário do Artesanato Indígena4

resultaria em uma espécie de Bíblia de todos aqueles que lidam com a cultura

material dos indígenas brasileiros. Os projetos da professora Berta Ribeiro,

embora inseridos no contexto do Setor, possuíam diversas formas de

financiamento, Fundação Ford e CNPQ principalmente, que diziam respeito a

financiamentos limitados a um pesquisador.

Os demais projetos do Setor se encontravam, então, abrigados por um

projeto Guarda-Chuva, junto à FINEP, coordenado pela professora Maria

Heloisa Fénelon Costa, que, na época, conduzia sua pesquisa mais direta junto

1 “Os Índios das Águas Pretas”-Museu Nacional/ UFRJ- Junho/ Julho 1980. 2 RIBEIRO, Berta- Diário do Xingu, Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1979. 3 RIBEIRO, Berta- Amazônia Urgente, Editora Itatiaia, Belo Horizonte, 1990. 4 RIBEIRO, Berta- Dicionário do Artesanato Indígena, Itatiaia, Belo Horizonte, 1988.

19

aos Karajá, em colaboração com o arquiteto Hamilton Botelho Malhano.

Ambos publicariam, na Suma Etnológica5, o trabalho sobre habitações

indígenas e, mais tarde, Hamilton publicaria, no Boletim do Museu, um trabalho

sobre habitação indígena Karajá6. Nessa época, a professora Fenélon também

trabalhava na sistematização dos desenhos espontâneos e sua análise, o que

levaria à sua Dissertação, defendida por ocasião de sua Tese de Titulação e,

posteriormente, publicada como “O Mundo dos Mehinako”7.

Poderíamos dizer, em linhas gerais, que a professora Fénelon se

dedicava, de uma forma mais ampla, à etnografia completa dos grupos

estudados, tendo como ênfase as produções estéticas. A professora Berta

Ribeiro, por outro lado, se preocupava mais diretamente com os aspectos

tecnológicos do estudo da cultura material e com suas posteriores imbricações

ecológicas.

A essas duas linhas, que representavam a tradição primeira de pesquisa

do Setor, somavam-se ainda as pesquisas de Ana Margareth Heye em Paraíba

do Sul, voltada para a produção artesanal regional. Essa pesquisa, além da

coleção para o Setor, gerou a Exposição Artesanato em Paraíba do Sul,

realizada no Fórum de Ciência e Cultura, por ocasião da Reunião da A.B.A de

1882.

Deslocando-se das preocupações mais diretas com a cultura material,

existia, no setor, o projeto do professor João Pacheco junto aos Tikuna, que,

nesse momento, também contava em sua equipe com pessoas diretamente

envolvidas com cultura material, como Jussara Gruber. Embora o professor

João Pacheco não tivesse como área de interesse direta de suas pesquisas

cultura material, empreendeu esforços no sentido de formar uma considerável

coleção Tikuna.

5 MALHANO, Hamilton e COSTA, Maria Heloisa Fénelon- A Habitação Indígena Brasileira In: RIBEIRO, Berta (org.)- Suma Etnológica Brasileira Edição Atualizada do HANDBOOK OF SOUTH AMERICAN INDIANS, v. 2- Tecnologia Indígena, Editora Vozes/ Finep Financiadora de Estudos e Projetos, Petrópolis, 1986. 6 MALHANO, Hamilton- A Construção do Espaço de Morar entre os Karajá- Boletim do Museu Nacional/ UFRJ-Antropologia número 55-1986. 7 FÉNELON COSTA, Maria Heloisa .O Mundo Dos Mehinaku- Editora UFRJ- Rio de Janeiro,1988

20

Junto com os projetos de pesquisa, conviviam a reorganização física do

Setor coordenada por Ricardo Gomes Lima e as atividades de conservação

gerenciadas pelo professor Geraldo Pitaguary. Apesar da função exercida no

projeto, ambos possuíam longas experiências de campo: Ricardo Gomes Lima

no Xingu e junto às populações regionais, e o professor Geraldo Pitaguary com

várias viagens para a coleta do acervo, durante seu trabalho como museólogo,

no Museu do Índio - Funai.

A valorização do campo, junto a populações indígenas e regionais, era

evidente. As coleções em reserva eram tratadas, enquanto objeto de análise,

em função de comparação com as obtidas em campo ou em função de estudá-

las previamente ao campo ou ainda para montar dossiês que, levados ao

campo, funcionassem como auxílio no resgate de tradições junto aos grupos,

em uma devolução aos grupos dos trabalhos ali realizados. As coleções novas

eram tratadas como produto concreto exibível desses projetos. As grandes

coleções, denominação dada devido à sua proporção numérica e o grande

número de grupos que abrangiam, chamavam alguma atenção devido ao nome

de seus coletores, como as coleções da Comissão Rondon, ou pelo esmero do

trabalho etnográfico produzido na coleta, como a Coleção Curt Nimuendajú.

Ambas seriam estudadas somente a partir da virada do século XX para a

virada do século XXI pelo professor Antonio Carlos Souza Lima, enquanto

bloco de acervos, devido a suas possibilidades de falarem de projetos ligados

ao indigenismo.

Ao imaginar um trabalho de mestrado, tentei unir tudo isso com minha

formação em Museologia, efetivada em uma fase em que o predomínio teórico

era dado pela História da Arte, em um mestrado na Escola de Belas Artes,

onde o tema era grandiosamente a imagem do índio na segunda metade do

século XIX. Essa imagem era filiada por mim aos movimentos românticos e

positivistas ocorridos no mesmo período do século XIX.

Passados muitos anos desse trabalho, ao qual tenho até hoje um afeto

especial pela paixão com que foi escrito, retornei a refletir sobre as práticas

museológicas do meu cotidiano ao ser convocada na Direção do Museu, então

representada por Luiz Fernando Dias Duarte, para integrar a Comissão de

21

Exposição do Museu Nacional, encarregada de formular, junto com um

escritório técnico, um plano diretor para o museu. Nesse período de intensa

atividade de discussões e acompanhamento de seminários e palestras, fiz

aulas como ouvinte no PPGAS, bem como me esforcei desesperadamente

para entender conceitos de História Natural em discussão.

A partir de então, começou a surgir a idéia do atual trabalho, desvendar

uma das coleções mais clássicas do Museu, a coleção de Etnologia do século

XIX e, ao mesmo tempo menos informada, não a partir dos grandes ideais e

das quebras de paradigmas, mas a partir das práticas cotidianas que levaram à

sua formação, documentação, preservação, apagamento da documentação e

que a puseram, paradoxalmente, no seu lugar de extrema visibilidade, o ponto

de não me lembrar de uma exposição temporária ou permanente em que não

houvesse pelo menos uma peça da coleção do século XIX em destaque,

apesar da sua carência de documentação, por vezes constrangedora.

Ao lidar com a documentação, defrontei-me com o início da coleção de

indústria humana, que, na verdade, viria a ser depurada em Etnologia,

Arqueologia ou Antropologia (a época significando Antropologia Biológica),

mais ou menos a partir de 1870, formando um conjunto de coleção até fim do

século XIX.

Para entender a argumentação sobre a formação da coleção de indústria

humana do Museu Nacional do Rio de Janeiro, ser necessária uma curta

descrição das principais origens dos museus de história natural, tendo a

premissa de que muitas dessas origens nortearam a criação por decreto de um

museu de História Natural no Rio de Janeiro, sendo essas corroboradas com o

texto: “Investigações”, publicado por Ladislau Netto, em 1870, quando o

mesmo começa o texto com as filiações dos museus de História Natural, em

voga no século XIX.

O gabinete de curiosidades é extensamente utilizado nas bibliografias

contemporâneas para designar as origens dos museus. Normalmente é

utilizada uma gravura, retratando o Museu Androvandi, que se destacava nas

atividades científicas e exploradoras, iniciadas na Europa no século XVI. O

museu possuía treze mil itens em 1577, dezoito mil em 1595. As coleções

22

catalogadas e classificadas eram os instrumentos de erudição e consolidação

do conhecimento enciclopédico, eram provenientes dos locais mais diversos,

desde terras recém-conhecidas, como a América, até o mercado de peixe local.

Dessa forma, a busca do conhecimento saía das mãos dos padres e filósofos

para a de estudiosos e amadores imbuídos do novo espírito renascentista8.

Tanto nesses gabinetes, que já podiam ser denominados museus, quanto nos

pequenos armários de preciosidades e exoticidades, denominados de Studiolo,

que surgiram na Idade Média, podemos retirar um dos ingredientes que

compõem o museu de História Natural: a “naturalia “e a “artificialia”9 , duas

faces da mesma moeda.10

Ladislau, no entanto, no século XIX, antes de se iniciar a redescoberta

do gabinete de curiosidades, localiza a origem do Museu de História Natural,

em Zurich, na Alemanha, por Conrado Gesner, “após o qual muitos sábios e

ardentes prosélitos da ciência vieram sucessivamente desvendar aos olhos do

povo arrebatados de vivo entusiasmo, os grandes fenômenos e os

encantadores mistérios dos reinos orgânicos e inorgânicos da terra.”, dando a

filiação de origem do Museu a um ambiente cientificamente distinto do gabinete

de curiosidades, como é hoje vulgarizado.

Ladislau narra também à formação do Jardim do Rei em Paris e a

importância de Buffon na transformação do mesmo em uma instituição na qual

“homens ávidos de instrução e de luzes corriam aos anfiteatros e cursos

públicos para beber nas palavras dos grandes mestres suas novas e sedutoras

teorias, ou para examinar atônitos as curiosidades expostas nas galerias dos

museos”. Ladislau, como um dos que frequentou cursos no Jardim, vai ter o

mesmo como um ideal de instituição científica plena e tornará, como objetivo

máximo de sua carreira, aproximar o Museu Nacional do Rio de Janeiro dessa

Instituição.

O jardim de plantas inaugura a tradição do Jardim botânico, que também

remonta ao século XVI. O Jardim de Plantas de Paris foi criado em 1633. Após

a direção de Buffon, em 1739, transformou-se em um centro de estudos

8 Blom, Philipp. Ter e Manter. São Paulo, Editora Record, 2003 9 Blom , op.cit 10 Blom , op.cit

23

vegetais e animais e passou, em 1793, a ser Museu Nacional de História

Natural, incluindo aí a abertura de cursos. O museu, após a revolução

francesa, tornou-se uma república de professores11 (José Bonifácio de Andrada

e Silva foi aluno dos cursos do Jardim de Plantas)12, em moldes similares, o

Museu de Oxford, que aparece na Encyclopedie de Diderot e D’Alembert como

Museu Universitário, construído para o progresso das ciências, iniciado em

1679, teve suas origens na coleção de John Tradescant. Este era jardineiro do

Duque de Buckinghan, colecionador de plantas, e passou também a colecionar

outros objetos curiosos ou preciosos em suas viagens, em busca de plantas,

criando a coleção que primeiro foi denominada de Arca de Tradescant, sendo

adquirida por Ashmole, doador da coleção à Universidade de Oxford, que

fundou seu museu com o nome de Ashmole Museum.

Os Teatros Anatômicos, elementos igualmente formadores do Museu de

História Natural, eram locais de dissecações públicas, muitas vezes

transformadas em gravuras ou telas, onde corpos humanos eram tratados

como objetos e matéria morta. O teatro Anatômico de Leidem era completado

por um horto botânico, um gabinete de raridades e um museu de mortalidade

criado para o aperfeiçoamento moral de estudantes e burgueses, onde eram

expostos, além de peças anatômicas, esqueletos de criminosos executados

segurando cartazes como: “lembre-se de que vai morrer”. A partir de 1620,

transforma-se em um gabinete de curiosidades complementado, mais tarde,

com a ascensão da Arqueologia, por sarcófagos romanos e múmias egípcias13.

Na pesquisa de antiguidades, inicialmente não se fazia distinção clara

entre as curiosidades naturais e as de origem humana; tanto acadêmicos como

letrados acreditavam que machados líticos eram pedras de raio. Em um mundo

sem a consciência da evolução biológica, a diferenciação da origem humana

de um lítico e de um fóssil não era evidente.14 Willian Candem, em 1572,

fundou a Sociedade de Antiquários, uma associação londrina para a

preservação e o estudo das antiguidades nacionais. A pesquisa antiquária

11 SCHAER,Roland- L’Invention des Musées- Paris, Gallimard,1993. 12 CANDIDO, Antônio- O Romantismo no Brasil .São Paulo: FFLCH/USP, 2002. 13 BLOM, op.cit. 14 TRIGGER,Bruce. História do Pensamento Arqueológico, Sp, Odysseus, 2004.

24

desenvolveu-se posteriormente na Escandinávia, gerando coleções, estudos e

museus.

O museu imperial se originou das coleções imperiais como o

Naturhistoriches Austríaco (Museu de História Natural), projetado em conjunto

com o prédio do Kunsthistorisches (Museu de História da Arte), para conter as

coleções dos Habsburgo. Esses museus parecem dizer que tudo está ali:

cultura e natureza, organizadas e mostradas por especialistas, classificadas e

supervisionadas pelo governo.15 No entanto, não deixam transparecer um certo

ar de miscelânea, característica da apropriação desses objetos pelos europeus

e sua transformação em “curiosidades16. Nesse “museu resumo”, encontram-

se coleções brasileiras, como a peça icônica - o manto Tupinambá -, além da

coleção Natterer17 e de outras de igual importância. Ladislau, em suas

investigações, comenta ser a Áustria tão pródiga nos incentivos que presta à

ciência.

O Museu Real, criado por um Príncipe Regente Português, com o

objetivo de propagar o conhecimento e estudo da ciência natural no reino do

Brasil, em uma ex-cidade colonial, recém promovida à metrópole, tem, como

distinção inicial, o fato de ter sido criado através de um decreto de lei, no qual

fica especificado o fato de a instituição não estar sendo criada para

salvaguardar coleções pretéritas. Aparece, contudo, a recolha de instrumentos,

máquinas e gabinetes, como o gabinete de mineralogia, depositado na

Academia Militar, trazido pelo próprio D. João VI junto com sua equipagem na

transferência da corte de Lisboa para o Rio de Janeiro. O núcleo do Museu fica

por se constituir, para atender a demanda de milhares de objetos dignos de

observação e análise no decreto:

15 BLOM, op. cit. 16 Thomas, Nicholas- Entangled Objects- London, Harvard University Press, 1991. 17 NATTERER, Johann (1787-1843). Zoólogo em expedição à América do Sul entre os anos de 1817/1845

25

“Querendo propagar os conhecimentos e estudos das ciências naturais no Reino do Brasil, que encerra em si milhares de objetos dignos de observação e exame, e que podem ser empregados em beneficio do comércio, da indústria e das Artes que muito desejo favorecer; como grandes mananciais de riqueza: Há por bem que nesta corte se estabeleça um Museu Real para onde passem quanto antes, os instrumentos máquinas e gabinetes que já existem dispersos por outros lugares.” 18

O Museu, no decreto de sua fundação, passa a ser denominado de

Museu Real e, a seguir, viria a ser tratado, em projetos, como um Museu Geral

do Rio de Janeiro19, referindo-se à sua abrangência com relação a instituições

que seriam fundadas em outras províncias. No projeto, uma vez recebidos os

produtos de instituições provinciais no Museu do Rio de Janeiro, os mesmos

deveriam “reduzir-se o quanto antes pelos sistemas, que se tivessem adotado

e arranjar-se distintamente pelas famílias, classes, ordens, gêneros, espécies e

variedades”. A partir desse programa de intenções, concordamos com Lopes20,

quanto ao alerta para o fato de a instituição, a partir de então formada, diferir

radicalmente do que se denomina um entreposto com finalidades de

armazenamento provisório para o envio de material a metrópoles portuguesas,

alertando para o caráter metropolitano do museu recém-criado, baseando-se

no fato de sua criação ocorrer na sede do Reino-Unido Português. Lopes

discorda de Lacerda21 que, nos Fastos do Museu Nacional, aponta a Casa dos

Pássaros como um embrião do Museu Nacional. A versão de Lacerda passa a

fazer parte do senso comum sobre a história da instituição, sem dar conta da

comprovação de uma continuidade em termos de política ou em termos de

manutenção de coleções.

Ladislau Netto, em sua Investigações, também se refere à casa dos

pássaros como um depósito de produtos zoológicos do Brasil, destinados

18 Decreto de fundação do Museu, Arquivo Geral do Museu Nacional. 19SILVA, Maria Beatriz Nizza, Cultura e Sociedade no Rio de Janeiro 1818-1821-SP, Editora Nacional, 1978. 20LOPES, Maria Margaret - O Brasil Descobre a Pesquisa Científica: Os Museus e as Ciências Naturais no Século XIX, Editora Hucitec, São Paulo, 1977. 21LACERDA,J.B. de. Fastos do Museu Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1905.

26

sobretudo, ao aumento das coleções brasileiras do Museu Metropolitano,

marcando a descontinuidade de um projeto para o outro.

Para a população da cidade do Rio de Janeiro, o Museu Real logo passa

a ser denominado “O Museo”, como no anúncio abaixo do Jornal do Comércio:

“Aluga-se um preto, na rua da Aclamação n.10 perto do Museo”. Ou mesmo em

diários como o do Imperador D. Pedro II e o de André Rebouças, no qual a

frase “estive no Museu”, sem acréscimo, torna-se corriqueira. A localização

central do Museu prevista em seu decreto de criação, que cita o amarrado de

casas no Campo de Sant’Ana, mais tarde Campo da Aclamação, onde se

realizavam as festas populares promovidas pela monarquia e onde outras

instituições do Império, como o Senado, tinham sede, fez com que a

popularização do Museu fosse objeto de comentário de viajantes europeus,

acostumados a uma maior elitização em seus próprios museus. “Há alguns anos, um viajante, que acabava de visitar esse estabelecimento mostrou-se admirado pelo grande número de pessoas de classes mais humildes da sociedade, que ali encontrou; os soldados, principalmente, pareciam afluir para ali; todos pareciam tomar um grande interesse por aquela exibição um tanto confusa”.22

A disposição geográfica do Museu na cidade permitia um maior

entrosamento com os centros de decisão. No Senado, eram lidos anualmente

os relatórios do Museu, eram mais tarde discutidas as verbas para publicações

científicas e outros benefícios que atingiriam diretamente o Museu bem como

uma proximidade dos locais onde havia pontos de reunião de intelectuais,

como a livraria Mongie, que funcionou de 1832 a 1853, e mais tarde, em 1853,

como a livraria de Paula Brito, na Praça da Constituição, onde se constituiu a

Sociedade Petalógica, uma espécie de clube inglês no qual se ia tagarelar e

fazer chiste23.

22 DENNIS,Ferdinand. Brasil. BH, Editora Itatiaia, 1980 (1838) p..131. 23 Machado,Ubiratan. A vida literária no Brasil durante o Romantismo.RJ, EDUERJ, 2001.

27

A partir da importância da localização do Museu no Campo de Sant'Ana,

desde seu decreto de fundação, defini, como limite temporal para a tese, a

transposição do Museu para o palácio da Quinta da Boa Vista, em São

Cristóvão, efetivada em 1892. Uma vez no palácio, a instituição passa a outra

fase, acompanhando a passagem de império monárquico para república.

O Museu Nacional, ao longo das décadas propostas, passa a ser uma

instituição que começa a se povoar não só com coleções, mas com

pesquisadores e torna-se um centro de discussão de idéias, através de seus

componentes e da maneira desses se relacionarem com a sociedade que os

envolve, lembrando a forma descrita por Pomian na criação dos museus:

“Os atuais museus devem o seu nome aos antigos templos das musas. Todavia o mais famoso de entre esses, o Museu de Alexandria, não o era por causa das coleções de objetos; tornou-se famoso graças à sua biblioteca e à equipe de sábios que aí viviam em comunidade”. 24

O Museu foi descrito por Agassiz, como um lugar estático, parado,

empoeirado e empobrecido25. Ao longo da pesquisa, surgem, no entanto,

imagens de uma instituição viva e pulsante na vida social da época, onde

pesquisas eram produzidas e onde se abrigavam novas instituições como a

Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional. A Sociedade, mesmo já em sede

própria, vai contar, ao longo do século XIX, com pelo menos um membro do

Museu em seu corpo administrativo e o Conservatório de Música.

No Museu, os acervos naturais (animais vivos inclusive) e culturais eram

expostos para a população local ávida de conhecimento a respeito de “sua

nação” e do “mundo”. Parecia a olhos estrangeiros uma mixórdia e pobreza,

por misturar o exotismo nacional (que por si só já comporia uma instituição)

com um acervo “universal” (pobre a olhares europeus). A expectativa de

encontrar espécies variadas da fauna local, estudadas e classificadas para a 24POMIAN, K.- Verberte coleção In: GIL, Fernando (ORG)- Enciclopédia Einaudi.Imprensa Nacional-Casa da Moeda-1984. 25AGASSIS, Louis E AGASSIZ, Elizabeth Cary,-Viagem ao Brasil 1865-1866 São Paulo: Itatiaia EDUSP, 1975. p.51.

28

época, depara-se com a realidade da Instituição. O público visitante, apesar de

incluir pesquisadores estrangeiros, era especificamente local e circulava entre

suas salas e aulas públicas, ansiando por conhecer mais do “mundo” e de suas

origens clássicas, em face de achados arqueológicos universais, por vezes

localizadas de forma fortuita, como por exemplo a Vênus de Milo, encontrada

em 182026. Daí, a exposição de múmias e espécies locais parecerem bizarras.

Pretendemos reconstruir um pouco do sentido dessa confusão no item

exposições.

Na ânsia de se exteriorizar e de abranger, em suas coleções de itens, a

representação do território nacional, a direção do museu luta pela criação do

cargo de naturalista viajante (pesquisadores nacionais que empreendessem

viagens com fins científicos) e promove, em seu prédio e com grande parte de

seus diretores, o encontro de sociedades de caráter científico, como a

Velosiana, aberta ao público científico em geral e a correspondentes. Ali eram

lidas memórias produzidas por seus membros sobre assuntos cientificamente

relevantes para a época em diversas especialidades, como Botânica e

Linguística. O Museu Nacional, por meio de seus membros, mantém diálogo

com instituições, como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, primeiro

núcleo de discussão de um pensamento social brasileiro, tendo sempre os

diretores de seção do museu se filiado às comissões científicas do Instituto.

Promoviam, dessa forma, uma rede de relações que, ignoradas, levaria à não

percepção de uma Instituição viva e sua movimentação. Levando em conta

essas relações sociais, tendemos a abandonar o hábito de pensar o Museu

Nacional como um “gabinete de curiosidades“, descrito como o precursor dos

museus de história natural europeus e suas peculiaridades, como a falta de

organização “pré-científica” e passamos a vê-lo como uma instituição lutando

para se modernizar e inserir-se em um universo de instituições congêneres.

26PALLOTINO,Massimo- O Que é Arqueologia , in: História da Arte Italiana, ARGAN,G.C.São Paulo: Cosac & Naify, 2003.

29

A vida pulsante se efetivava também nas exposições, não só nos

troféus27 de peças etnológicas, expostos como quadros ou dentro das gavetas

dos medalheiros, mas também nas constantes obras para iluminar e arranjar

melhor, na briga com os ministérios, verbas para armários, consertos de

telhado e uma infinidade de minúcias do cotidiano, que demonstram a tentativa

de se construir um funcionamento administrativo para a instituição .

Todos esses detalhes juntos formam a história das coleções do Museu,

que, no caso específico da Etnografia, sobreviveram e ultrapassaram duas

viradas de século, não só como testemunhas das suas culturas de origem, mas

também como testemunho da forma como essas culturas foram tratadas

politicamente na instituição (e mesmo fora de seus muros, através das relações

externas promovidas por seus integrantes). É nesse sentido que acredito ser

válido reconstruir a história dessa coleção e de sua formação, apontando para

a rede de relações sociais que a engendrou e a manteve ao longo dos anos.

Ao pensar em tratar metodologicamente o material, inspirei-me nos

textos de Malinowski, nos quais surge uma inédita síntese teórica amparada na

terminologia nativa. Trazida como inovação persistente até a

contemporaneidade, promoveu a criação de um sistema classificatório

completo marcado por um caráter estético. A circulação de objetos e a visão do

cotidiano permitiram a expansão das categorias com as quais trabalhou. No

trabalho de arquivo que venho realizando, a observação cotidiana é dada a

partir de coisas por vezes tidas como insignificantes: registros de notas,

pagamentos, anúncios das publicações, leitura atenta de artigos, cujos

significados, apesar de parecem escapar do que procuramos, ajudam a

formular as teorias nativas e os sistemas classificatórios da época. Pretendo

identificar essas possibilidades para além da pesquisa de campo em práticas

museológicas, considerando uma das possibilidades abertas pela leitura dos

27“Conseqüentemente a cultura material que foi trazida da áfrica resultou de missões civilizatórias de colonizadores brancos. Historicamente, a cultura material é usualmente considerada como essencialmente relegada para a dignificante categoria de “troféu” ou “ curiosidade” aberta neste período.” COMBES, Annie E.- Reinventing África- Yale University Press, New Haven and London, 1994.

30

textos de Malinowski, principalmente “Coral Gardens”28, texto de elaboração

posterior ao campo, no qual a descrição do objeto empírico compreende, na

tentativa de descrever, as relações tornadas sociais entre o homem e seu

meio. O complexo conjunto de coleções, que formam a coleção de Indústria

Humana do Museu Nacional, pode ser visto como tendo se formado dentro

desse esforço.

Utilizando os objetivos presentes no decreto de criação do Museu e

reafirmados na reforma administrativa de 1876, objetivos esses que

atravessaram o século XIX, passo à divisão da argumentação da seguinte

forma. O primeiro capítulo refere-se à coleção de indústria humana, formada

por os objetos dignos de análise, como eles foram selecionados, adquiridos,

tombados e classificados. Assim como foram sofrendo um processo de

apagamento de informação que resultou em uma coleção vista como

características clássicas de Arte Indígena. A recuperação de parte das

informações perdidas passa a ser analisada, não apenas para conferir uma

documentação confiável ao presente acervo, mas também para entender o

processo que ocasionou a perda parcial das informações. É parcial porque

essas sempre estiveram em forma de pistas no acervo e a documentação se

manteve de forma mais ou menos organizada no Museu.

O segundo capítulo diz respeito à divulgação das ações do Museu, ou

seja, à propagação do conhecimento, através de exposições e publicações.

Nas exposições, mais do que dar visibilidade a um evento específico , o

interesse é mostrar o encadeamento das exposições no Museu e fora dele,

como um conjunto em que práticas expositivas vão sendo atualizadas e a

coleção vai ampliando seus limites. Nas publicações, complementando ou

antecedendo as exposições, as idéias eram não só discutidas, mas também

divulgadas, inclusive para públicos diferenciados. Procuro demonstrar a

associação direta entre ambas e a sua complementaridade.

O terceiro capítulo trata das pessoas que efetivaram o funcionamento da

instituição, bem como daquelas que contribuíram para o aumento das

coleções. Além de dar ênfase para as relações da instituição com o mundo

28MALINOWSKI, B. Coral gardens and the magic. London: George Allem & Uniwin, 1935.

31

social de sua época, ou seja, como contemplar o objetivo de contribuir para o

desenvolvimento do comércio, da indústria e das artes, por meio da pesquisa

científica, as relações sociais em uma época em que poucas pessoas

ocupavam vários cargos eram de fundamental importância para compor um

quadro administrativo de funcionamento mínimo, para garantir objetivos tão

ambiciosos para a época.

O quarto capítulo trata da imagem do indígena brasileiro produzida pelo

Museu, no século XIX, subdividida em duas facetas. Uma delas é a imagem da

coleção incluindo as pranchas nunca divulgadas da Comissão Científica de

1861. A imagem dos objetos etnográficos retratada enquanto espécimes

científicos, aliados ao resultado iconográfico do que seria uma pesquisa

iconográfica de viajantes, o que torna compreensível parte do sucesso/

fracasso das coleções etnográficas. Outra faceta do quarto capítulo é a

imagem do indígena do século XIX, produzida e preservada no Museu através

de uma tela produzida para a Exposição Antropológica que se encontra no Hall

do Museu contemporaneamente e representa um índio próximo do Símbolo

Nacional. Ela é acompanhada de outra imagem, que se preserva na exposição,

a do índio Objeto de Estudo, representada pelas esculturas de indígenas

Xerente, produzidas para mesma exposição.

32

CAPÍTULO 1 A COLEÇÃO DE INDÚSTRIA HUMANA DO MUSEU NACIONAL

Nesse capítulo trato da separação inicial da coleção do Museu Nacional

em coleção de espécies naturais e coleção de objetos da indústria humana. E

os primórdios da formação da mesma, através de seus principais

colecionadores, das práticas administrativas de integração na coleção, ou seja,

o tombamento e as classificações efetuadas a partir dessa coleção. Mostrando

que apesar das perdas de informação, que deram á coleção do XIX, relativa á

Indústria Humana, um aspecto de antiguidade valorizada pelo estético, a

documentação pode conduzir para além dessa sensação indo de encontro a

um documento consistente da produção de vários grupos indígenas e também

da produção do conhecimento no Museu Nacional, durante sua permanência

no Campo de Sant’ Ana (1818- 1892).

33

1.1 A Coleção do Museu Nacional “Uma coleção, isto é, qualquer conjunto de objetos naturais ou artificiais, mantido temporária ou definitivamente fora do circuito de atividades econômicas, sujeitos a uma proteção especial num local fechado preparado para esse fim, e exposto ao olhar do publico.”29

O termo “coleção” poderia ser substituído por “acervo etnográfico”,

termo este que presumi um conjunto de coleções. No entanto, fugiria ao

espírito do colecionismo presente no século XIX e diluiria o sentido presente no

termo “coleção” como algo que foi cuidadosamente coletado por alguém, para

chegar aos nossos olhos.

A utilização do termo coleção no presente trabalho se refere à coleção

de uma Instituição: o Museu Nacional. O uso de coleção como um todo

pertencente à Instituição foi utilizado por Ladislau Netto30 no guia da Exposição

Antropológica de 1882, onde é feita a opção, explicada na introdução co

catálogo, de colocar a abreviatura MN. Ao lado de todas as peças pertencentes

à coleção do Museu, reservando apenas ás coleções emprestadas a colocação

do nome do expositor ou colecionador como, por exemplo: S.M. O Imperador.

A coleção, portanto, era em primeiro lugar institucional, pertencente ao Museu

Nacional. Os doadores (ofertadores para época) coletores e colecionadores

anteriores á integração da coleção ao Museu eram informações secundárias.

Esse fato que em principio parece banal vai contribuir para a perda de

informação descrita no item tombamento e tem implicações sobre um jogo

político administrativo que fundamenta as conclusões do trabalho.

Ao me referir à coleção etnográfica, passo, então, a falar sobre um

conjunto de coleções preparadas para o futuro. Não só através de um

colecionador, que claramente pensa em algo a ser preservado e observado no

29Pomian, K.- Verberte coleção in: Enciclopédia Einaudi,org. Fernando Gil.Imprensa Nacional- Casa da Moeda-1984. 30Guia da Exposição Antropológica de 1882, Rj: Typografia Nacional.

34

futuro31, mas através de pessoas que, em determinado momento, exerceram

funções institucionais. Pessoas essas que tomaram um conjunto de medidas,

tendo por resultado final a aquisição e a preservação dessas coleções, bem

como a divulgação de partes dessa coleção, por meio de exposições e

publicações sobre as mesmas e decisões sobre o modo como elas seriam

divulgadas e documentadas para representarem a instituição futuramente.

A coleção pode ser vista como o elo de ligação entre a vida interna do

Museu diretamente relacionada á pesquisa e ao ensino e a sua vida externa:

exposta ao público em suas salas, ou enviada para outras exposições como

uma representação de suas coleções. Sempre se tendo em vista que para a

época abrangida no presente trabalho, o peso da exposição por si só era

bastante diverso do conhecido no século XX. O próprio Museu passa a ser

aberto á publico em 182132, ou seja, três anos após sua criação, com a

observação da visita se dar “ás quintas-feiras de cada semana desde as dez

horas da manhã até a uma da tarde não sendo dia santo”. Obtém autorização

para abrir aos domingos em 185833. Começa a demonstrar preocupações com

exposições dirigidas ao público, com a apresentação de um conteúdo

específico,em 1861, com a realização da exposição dos produtos da Comissão

do Império efetuada no Ceará. E em 1882, começa a tratar a exposição como

um evento, a partir da Exposição Antropológica.

Concordamos, em parte, com Lopes34, quando menciona o fato de no

começo do XIX as exposições se confundirem com o todo da instituição. No

entanto, discordamos dos efeitos mencionados quanto a ausência de uma

reserva técnica, embora obviamente não existisse uma reserva técnica nos

termos atuais. Existindo, no entanto, para além das exposições a vida nos

laboratórios com analises químicas e respostas a consultas variadas por parte

do governo e de particulares, além da preocupação didática: Caldeira diretor da

instituição de 1823 á 1827 propôs a criação de cursos públicos. A exposição

não dava conta do todo da instituição, mas sim uma idéia do todo das coleções

31Como o dito por Langsdorff em seus diários sobre as coleções de cristais de diamantes: “qualquer museu terá orgulho de expor essa coleção um dia”. pág.173. 32 Decreto 1/7/1825 33 Pasta 6, doc. N.15 de 1 de junho de 1858 34 Lopes, op.cit. pg. 54

35

da Instituição que justamente fazia a ponte entre o interno e o externo da

instituição, mesmo através das narrativas de visitantes não científicos como

Maria Grahan35 podemos ver que as visitas não mencionam a parte interna do

Museu, ou seja, o laboratório no período da visita da mesma já se encarregava

de analises e estudos de classificação de plantas e minerais.

No que diz respeito à vida interna, a coleção funcionava diretamente

como o objeto da pesquisa ou o produto da pesquisa. Freqüentemente nas

áreas relativas ao acervo natural, as coleções funcionavam diretamente como

objeto de pesquisa. Como, por exemplo, o caso da botânica, Ladislau Netto36

menciona plantas representadas pela folhas e órgãos reprodutivos, guardadas

em pastas e caixas apropriadas no hervario e frutos secos assim como os

carnudos (conservados em álcool) expostos em armários. Os estudos

empreendidos pelos diretores da secção que trabalhavam nos laboratórios com

os resultados das herborizações empreendidas por coletores amadores ou pelo

preparador e porteiro treinado do Museu, e cujos resultados publicados

marcam também uma outra forma de preservação do acervo botânico

proveniente das pesquisas:o desenho científico, como vemos no estudo

publicado por Freire Allemão na revista Guanabara37 descrevendo a

Eurphobiacea, ophthalblatos macrophiliallum, Nome vulgar Santa Luzia, e

demonstra o trabalho realizado nos laboratórios do museu, descrição, desenho

e analise das partes como vemos a seguir:

Fig 1 Desenho botânico, Francisco Freire Alemão. Revista Guanabara vol. 1, 1850. 35Grahan, Maria. Diário de uma viagem ao Brasil e de uma estada no país nos anos de 1821,1822,1823, SP: Companhia Editora Nacional 36Netto, op. Cit p.86 37Revista Guanbara , vol 1 , pg.

36

Já no caso das coleções relativas à indústria humana, era e ainda é

comum a coleção ser vista como o resultado das pesquisas. O material

etnográfico não podia prescindir de observação durante a coleta junto aos

produtores e usuários dos objetos. Diferentemente do material arqueológico

passível de pesquisa e analise direta no laboratório, a pesquisa bibliográfica,

poderia ser utilizada; no entanto uma observação curiosa ou profissional era

fundamental para a descrição de seus usos e de sua composição, caso

contrário o entendimento do próprio objeto ficaria comprometido era portanto

indispensável que a observação ou a pesquisa se dessem no período da

coleta.

Ainda que na época a cultura material fosse usualmente colocada

como a “dignificante” categoria de “thophéu” ou “curiosidade”, a observação

básica no local, junto a coleta era fundamental ao entendimento mínimo. Se o

termo “thophéu” para os museus britânicos se referia literalmente aos despojos

de expedições punitivas, no caso do Museu Nacional o termo abstraia as

batalhas para denominar a composição de um quadro expositivo,mesmo o

caso de grupos que viviam em guerras constantes com o governo imperial

como os Botocudos, as coleções obtidas não são despojos de combate. Mas

coletas entre o grupo e nos aldeamentos.

A publicação de listagem de coleções iniciada nos relatórios e guia da

exposição antropológica se amplia e podemos ver por exemplo o catálogo da

coleção Stradelli38 do Rio Uaupés em 1891. Nesse catálogo aparece um texto

que fala dos usos e costumes dos Índios que habitavam as margens do Rio

Uaupés, descrevendo brevemente informações sobre família, funerais e coleta

de lendas. Como adendo a lista de peças que não se encaixa necessariamente

ao texto. Embora possua uma explicação de utilização detalhada para a época,

e seja o objeto principal da publicação. Segue um dos itens como exemplo:

133- Paneiro de folhas de tucum, para guardar ornamentos de penas,indústria dos Desana-iapócoto ( cub.).

38 Catálogo Coleção Estradelli 1891,Pará : Typographia de Tavares Cardoso

37

As observações de uso, material e denominação do objeto na língua

nativa se destacam, praticamente não há descrição de forma, apenas para

pessoas com contato com acervo etnográfico, que entendem por “paneiro” uma

determinada forma de cesto. A descrição dos objetos a partir de uma

observação prévia ou fruto o que hoje se denomina em antropologia como

“campo” e totalmente diversa daquela realizada no Museu sem o apoio dos

dados de coleta.

Por exemplo, no caso de uma tentativa de estudo posterior do material

já em reserva, com ajuda bibliográfica. O material da Comissão Científica do

Império de 1861 foi desenhado e litografado, para a composição de um livro da

coleção. Apesar das cópias litográficas terem chegado ás mãos de Gonçalves

Dias em Dresdem, o trabalho final nunca foi executado. No entanto, mesmo

após a morte de Gonçalves Dias a produção de um catálogo utilizando esse

material não foi descartada, Ladislau em suas Investigações publicadas em

1870, menciona a confecção de um catálogo da coleção etnográfica que

estaria em andamento. A documentação da coleção possui uma descrição em

francês contida no que se revela uma tentativa posterior de coleta de

informações para a composição de um catálogo aproveitando as pranchas

litografadas:

Fig. 2 Armas indígenas do Amazonas, Primeira Exposição Nacional,1861.Litografia, acervo BMN. Fotografia: Rafael Muniz Moura

38

O texto, reproduzido no anexo 1 se refere à figura 2 e descreve os

diferentes arcos do grupo Connibo, localizado no Rio Ucayale, dando uma

descrição pormenorizada dos materiais de composição e manufatura que

pressupõe um contato com bibliografia que narre uma observação direta do

grupo, no entanto, o destaque do texto é para a descrição da forma e dos

efeitos “decorativos” (normalmente os padrões indígenas estão vinculados á

cosmologia dos grupos) marcando o efeito estético obtido pela regularidade e

delicadeza, comparando formas geométricas com as conhecidas gregas. As

observações de uso não são mencionadas no texto, o texto busca uma

avaliação positiva da “capacidade estética” Connibo, frisando a regularidade e

delicadeza na composição do desenho pelos fios de algodão que recobrem o

arco.

A avaliação estética é uma das características do trabalho com

coleções no gabinete não só no século XIX, mas é importante reconhecer a

longevidade dessa prática. Devo, no entanto, lembrar o fato da prancha fazer

parte da coleção de Gonçalves Dias, que provavelmente priorizou aspectos

estéticos em sua coleta, por ser um entusiasta da demonstração de capacidade

estética dos indígenas, presentes em várias descrições. Embora, também

tenha coletado arcos não decorados, no entanto as pranchas foram feitas

posteriormente por Henrique Fleiuss, já com o acervo da Comissão Cientifica

depositados no Museu Nacional, os desenhos e detalhes da decoração,

embora não tenham sido exagerados, foram destacados.

Gonçalves Dias chega a ver as pranchas prontas, recebidas em

Dresden, e enviadas por Fleiuss e dá sua aprovação para a reprodução como

vemos em carta reproduzida por Raimundo Lopes, no entanto a sua descrição

não chegou até o Brasil, não se sabe se por falta de fôlego, não foi escrita ou

se naufragou junto com seu autor no regresso ao Brasil. A tentativa de

elaboração que temos pode ou não seguir a linha que seria dada por Dias, no

entanto trata-se de um trabalho de gabinete.

Normalmente a produção de um trabalho no gabinete para as coleções

de indústria humana no século XIX tende a uma descrição formal.

Principalmente no caso de peças de grande apelo estético e de pouca

39

documentação de coleta, como as recebidas em caixotes sem especificação,

uma das praticas de estudo da coleção se torna à descrição formal, no caso da

plumária com destaque para o tipo e a identificação ornitológica da

emplumação, juntando aí desde muito cedo as oportunidades proporcionadas

pela proximidade de contato com o conhecimento das diversas áreas da

Historia Natural presentes na Instituição. Como podemos ver em uma

descrição manuscrita da coleção Mundurukú do século XIX, possivelmente pré-

catálogo (reprodução: anexo 2).

“Cinto feito de corda de algodão coberto em forro por penas de mutum, arara, apresentando as cores: preta, encarnada, azul e preta e uma extremidade para o centro e do centro para outra extremidade as mesmas cores em sentido contrário...”

As coleções provenientes de coleta com observação direta são

portadoras de uma diferença bem marcada. Sendo usual encontrar essa

diferença em peças de uso ritual como podemos encontrar em várias listagens

já mencionadas como a comissão do Madeira, coleção Stradelli, guia da

exposição antropológica e no levantamento em anexo como a peça: “61-

acangatar (máa-poaró)”, Uaupés usado nas festas solenes. Tal descrição

embora não marque qual ritual e nem detalhe as condições de uso, diversifica

do uso cotidiano, o que não acontece com a descrição formal da plumária

Mundurukú.

O uso de coleções da Indústria Humana, produto de expedições de

conhecimento ou “desbravamento”, passa a ser o de documento histórico por

vezes associado ao estudo arqueológico e quase sempre ao entendimento das

idéias evolutivas da humanidade em geral, tão cara a época, como podemos

ver no trecho de Tylor39 :

39 Tylor, E.- Prefácio do livro “History of Mankind”, Ratzel, F. - Londom : Macmillan and co.1986

40

“The material arts of war,subsistence, pleasures, the stages of knowlage,morals,religion,may be so brought to view that a copendiu of them, as found among the ruder people,may serve not only as a lesson-book for the learner, but as reference book for the learnead.”

No entanto o potencial das coleções para a pesquisa etnográfica passa

a ser estendido justamente por aqueles que em fins do século XIX, começam a

criticar as idéias evolucionistas e a utilidade das grades comparativas

tecnológicas, produzidas a partir das coleções. O texto de Boas40, elaborado no

inicio do século XX (1902). Ainda com a categoria do século XIX, “indústria”

dos povos, demonstra um comprometimento diverso do evolucionismo

presente em Tylor, apontando para uma categoria nova: cultura, Boas irá se

empenhar em uma guerra contra o evolucionismo e um dos campos de batalha

será o museu, as exposições, a forma da coleta e de como ela é efetuada, no

Museu Nacional onde o evolucionismo vai ser a grande teoria do fim do século

XIX e inicio do século XX, através de um cientificismo vitorioso, podemos dizer

que até o fim do século XIX com base em uma ciência romântica tinha-se a

preocupação,como vemos em Boas, com a valorização e a demonstração da

complexidade das indústrias dos indígenas. Visto na forma da constituição das

coleções. Com a preocupação de demonstração de diferenças e qualidades

muito próximas do trecho de Boas abaixo:

“O trabalho de coleta está sendo levado adiante pelo dr. Bertholet Laufer. O plano geral do seu trabalho tem sido reunir coleções que ilustrem costumes e crenças populares dos chineses, suas práticas de produção e seu modo de vida. Por meio dessas coleções, esperamos revelar a complexidade da cultura chinesa, o alto grau de desenvolvimento técnico alcançado pelo povo, o amor pela arte que impregna toda a sua vida, e os fortes laços sociais que unem o povo. Ao reunir coleções sob esse ponto de vista, desejamos ilustrar as necessidades dos chineses e os produtos de suas indústrias. Estes demonstrarão as possibilidades comerciais e sociais de um relacionamento mais extenso. Também desejamos fazer o público respeitar mais as realizações da Arte chinesa. Nosso objetivo não foi reunir uma coleção de obras de arte chinesa, mas enfatizar as características gerais da Arte chinesa (P.354)”

40 BOAS ,Franz- Apelo por uma grande escola Oriental-in: A Formação da Antropologia Americana- Org.Stocking,RJ: Editora Ufrj, 2004

41

1.2 A Coleção de Indústria Humana

A coleção de Etnologia do Museu Nacional atual possui 21 livros

catálogos, dos quais os cincos primeiros se referem a mais ou menos 10.000

peças, com registro de acervo do que atualmente são as sessões ligadas à

antropologia, ou seja: Arqueologia, Etnologia e Antropologia Biológica. Dentre

essas peças, acreditamos que, pelo menos, umas cinco ou seis mil,

confirmadas por pesquisa através do coletor ou de pistas documentais, fazem

parte da coleção do museu desde o século XIX. Existem, no entanto, peças

como a trombeta Juruna que, apesar de ter numeração posterior; ou seja fora

dos cinco primeiros livros de registro com certeza pertencem as coleções do

séc.XIX, por ter registros complementares, como a peça citada que já estava

desenhada no material da comissão científica do Império (1859 -1861),

registros posteriores de peças antigas à medida que eram “encontradas” são

observados como sendo um procedimento comum, uma vez que a falta de

espaço e o excesso de material, são queixas comuns ao longo dos 189 anos

de existência da instituição. Existem também pistas outras além dos catálogos para a

reconstituição das coleções iniciais: As listagens presentes no Arquivo Geral do

Museu Nacional, o levantamento de 1844 (publicado), relatórios institucionais

dirigidos ao senado e publicados do Museu no século XIX, peças desenhadas

por Debret no Museu Nacional, relações de peças da instituição em exposições

nacionais e internacionais, fotografias e litografias de época e relatos de

imprensa. A coleção original de indústria humana presente na quarta seção ao

longo dos anos foi separada em: arqueologia, etnologia e antropologia física.

Sofreu doações, permutas e perdas.

No entanto, é sua existência enquanto coleção inicial que demonstra o

interesse da época para sua aquisição, manutenção, seus critérios

classificatórios, e principalmente a imposição de uma coleção da “Indústria

42

Humana” em um Museu de História Natural. Fator ainda comum no século XIX,

no entanto a manutenção dessa união no século XX demonstra que o

empreendimento teve bases mais sólidas do que o acaso.

A formação da coleção de indústria humana, da quarta seção do Museu

Nacional, e o quanto essa acompanhou a formação de um pensamento social

brasileiro, desfaz a visão de um acúmulo fortuito de materiais de valor estético,

que perdurou durante boa parte do século XX, durante o qual a coleção do

século XIX sempre teve destaque nas exposições devido a seu valor estético

ser imediatamente reconhecido por um público bastante abrangente. Sua

categoria de “antiguidade” e o encantamento diante da preservação da maioria

dos objetos compostos de materiais orgânicos altamente perecíveis.

Considerada também como um arquivo de comprovação de existência

de grupos etnográficos em determinada região e período, cumprindo, dessa

forma, um papel cartorial para esses grupos, chamo aqui de papel cartorial o

poder da coleção de comprovação de uma realidade passada, uma das

características do tombamento do setor é a sua indicação geográfica o que

serve de comprovação para dizer que tal grupo estava em tal área em tal

momento. Embora, o efeito de comprovação de uma verdade vá muito além do

puramente documental. Quando os grupos vão visitar o museu e ver seus

artefatos, fato que acontece com alguma regularidade, como por exemplo a

visita de um grupo extenso de Guaranis a sua coleção em 2001, tem o efeito

de se comprovar verdades narradas pelos mais antigos: “eu não disse que

fazíamos cerâmica”

Ou de renovar conhecimentos, como o verificado por ocasião da visita

dos Paresi a Reserva técnica, quando os mesmos tocaram as flautas sagradas

depositadas na coleção. Esse papel que com os anos tem sido mais exigido

pode e deve ser complementado pelo o estudo mais aprofundado do

significado dessas coleções na época e pela melhor organização e

disponibilidade de seus dados.

No decreto de fundação, fica determinada a criação de um Museu de

história natural com o compromisso de contribuir para as indústrias e as artes.

O sentido da categoria indústria para o começo do século XIX nada tem em

43

comum com o sentido aplicado ao termo após a generalização da revolução

industrial, a categoria era utilizada como um sinônimo para o produzido pelo

homem, indústria humana era um termo reforçado a partir da divisão entre a

produção humana e a natural. Por exemplo, o que era um fóssil animal e o que

era a ponta de flecha feita pela indústria humana, para a época essa

diferenciação era bastante recente e científica, pois a maioria das pessoas

atribuía as pontas e os machados de pedra a fatores naturais. O termo era

também comumente empregado para designar a indústria dos povos, é comum

em catálogos e textos em geral o termo indústria dos designando a

procedência de objetos.

Uma coleção de estudo em uma instituição de História Natural no século

XIX pressupõe uma necessidade de ordenação em varias escalas a primeira

delas se refere à representada no decreto de criação do Museu pelo incentivo á

indústria e as artes, escapando á categoria de História Natural. E desde o

decreto foram recolhidos ao museu, modelos didáticos de ofícios, quadros,

presentes dados por chefes de governo ao governo real e posteriormente

imperial, coleções de moedas, carapuças de índios e outros objetos que foram

enviados á instituição em seus primórdios como marcam os primeiros

documentos hoje no AGMN, Arquivo Geral do Museu Nacional.

Quanto á história natural Nizza da Silva41 afirma que nada mais claro do

que a importância da História Natural, principalmente da Botânica no início do

século XIX, Poe ser uma das ciências consideradas mais úteis á sociedade. Se

interpretarmos ao pé da letra tal afirmação podemos complementar que nada

mais obscuro do que a miscelânia de objetos não referentes á História Natural

que se acumulou na nova instituição.

Foucault42 em sua arqueologia do saber, iniciada com o corte

epistemológico que conduziria as condições necessárias para o surgimento de

uma História Natural. Define o naturalista como sendo o homem do visível

estruturado e da denominação característica, não da vida. Utilizando-se para

tal conclusão da definição de Linneu do “Historiens Naturalis” aquele que

41 Nizza da Silva- Maria Beatriz, Cultura e Sociedade no Rio de Janeiro. São Paulo: Editora Nacional: 1978. 42 Focault, M. As Palavras e as Coisas. São Paulo: Martins Fontes 2007, p.223

44

distingue pela vista as partes dos corpos naturais, descrevendo-as

convenientemente segundo o número, a figura, a posição e a proporção e os

nomeia. Seguindo essa reflexão pode-se notar o quanto escapa a essa grade

de ordenação de pensamento os objetos que em princípio se encontravam ao

lado da vida, ou seja, aqueles referentes á indústria humana, por terem como

característica serem vistos como um todo. Para se obter compreensão á

respeito dos mesmos é necessário ampliar referenciais e não reduzi-los, o uso

do objeto só é obtido levando-se em conta seu uso referido a uma parte da

sociedade e seus hábitos ou crenças, a explicação das partes, não é suficiente

para esclarecer o material da indústria humana, fazendo com que a pratica

naturalista seja insuficiente.

Caldeira, diretor da Instituição de 1823 a 1827 médico formado por

Edimburgo, instituição bastante progressista á época, e especialista em

química, propõem uma nova divisão para o funcionamento do Museu e a

ordenação da coleção. Essa divisão só seria levada á efeito a partir da reforma

de 184043, a partir de então a divisão do Museu encarregada dos artefatos da

indústria humana seria denominada de quarta seção: de Numismática, artes

liberais, Arqueologia, usos e costumes das nações antigas e modernas.

O entendimento da Coleção de indústria humana pressupõe uma

tentativa de compreensão das categorias envolvidas no próprio titulo da quarta

seção. Antes de classificar como miscelânea típica da época do próprio título

que já a partir de 1870 era designado por Ladislau Netto44 como Arqueologia,

Numismática e etc. No esforço dessa compreensão utilizarei categorias

empregadas no relatório do Museu Nacional de 1838 anteriores portanto, a

oficialização da divisão como um bom objeto de fantasia. MN. doc.N.195 (1844) “Em comprimento da ordem que me foi comunicado... e em aditam os officios de 30 de Abril de 1843 e 8 de julho de 1839 tenho a honra de remeter inventário com o esclarecimento apresentado pelos D.D. das diferentes secções: Coleção de produtos numismáticos compreendendo 161 medalhas antigas; 30 da idade média; 169 modernas e 442 moedas diversas, 1.105 Quadros“.45

43 Lei n.164 de 26 de setembro de 1940 44 Ladislau Nettto, in Investigações ,op. cit 45 Estamos utilizando a versão manuscrita do mesmo que se encontra no AGMN, Doc. 195

45

A partir da listagem surge a categoria de numismática, definida em

categorias de épocas históricas e por conter moedas e medalhas. Por

documento posterior ao relatório46 verifica-se a existência de cópias e originais

entre as moedas e medalhas. A importância das condecorações no século XIX

pode ser ilustrada pelo texto de Barroso, citado abaixo, ao tratar basicamente

das coleções do Museu Histórico, que são em sua origem aquelas que

estavam sob a guarda do Museu Nacional no Séc.XIX, antes da criação em

1922 do Museu Histórico Nacional:

“As condecorações são contemporâneas das mais antigas civilizações, os próprios bárbaros sempre encontraram meios e modos de distinguir com um cocar de plumas, um colar de conchas a aqueles que chefiavam ou haviam se mostrado, mais esforçados e bravos. As condecorações originam-se desses colares simbólicos, não com um sentido exclusivo de recompensa, mas com o de também tornar tangível o merecimento”. 47

À época da formação da coleção, uma sociedade monárquica, a

importância das condecorações era indiscutível, no Almanak do Império48 o

símbolo das condecorações acompanhava os nomes de seus portadores. Fica

inclusive fácil compreender a necessidade de se classificar como insígnias de

mando alguns artefatos indígenas como o “cetro” Mundurukú.

Propositadamente comecei pelas condecorações, que formam uma subdivisão

da numismática junto com as moedas, devido ao próprio inventário tratar

primeiro e de uma forma mais definida as condecorações, sendo as moedas

generalizadas como diversas, sabemos pela documentação de arquivo que o

Museu se empenhava junto ao governo Imperial para obter espécies de Moeda

principalmente aquelas comemorativas.Brevemente mencionados no relatório

estão os quadros, que fazem parte do acervo das artes.

Logo a seguir vemos o destaque dado a partir de uma descriminação

mais depurada dos objetos, daqueles relacionados aos usos e costumes de

(1844), cotejada com a publicada por Ladislau Neto em suas investigações em 1870. 46 AGMN, Doc 57 (1853) 47 Barroso, Gustavo- Introdução á Técnica de Museus. RJ:Imprensa Nacional, 1953 48 Editado por Laemmert a partir de 1840.

46

diversos povos. Marcando inclusive o termo diverso povos no local de várias

civilizações, termo corrente na época, principalmente para uso das civilizações

gregas, romanas e egípcias, como um fator de distinção aposto aos povos do

novo mundo.

“Objetos relativos ás Artes, usos e costumes de Diversos Povos: Antiguidades Egypicias (lista) Antiguidades Gregas e Romanas (lista) Antiguidades Mexicanas 1 cópia em cera da pedra dos edificios 1 cópia em cera do calendário mexicano 1 Idolo mexicano Antiguidades Brasileiras 1 vaso de barro colorido 1 sarcophago de barro”.49

O emprego da categoria Antigüidade, referindo-se ao material

arqueológico proveniente das culturas clássicas50, estende-se ao material

arqueológico mexicano e passa a servir de base para a nomenclatura dos

achados arqueológicos em território brasileiro, fazendo com que uma urna

funerária de cerâmica seja denominada de “sarcophago” e seja classificada

como Antigüidade Brasileira. São dados que demonstram o universo de

referências das pessoas que elaboraram a classificação do material e o desejo

de aproximar o material arqueológico procedente das Américas daqueles

provenientes das culturas clássicas. Desejo esse muitas vezes rechaçado nas

instituições européias que não aceitavam nem mesmo o uso da categoria

antiguidade para os achados mexicanos e peruanos. Chegando mesmo a

haver resistência ao reconhecimento das evidencias arqueológicas como citado

em Trigger51 quanto a resistência de Henry Lewis Morgam em suas afirmações

sobre o exagero na sofisticação dos Astecas e Inca que a seu ver pouco

diferiam dos Iroqueses de New York.

49Continuação relatório 1838. 50A preocupação em colecionar coisas antigas caracterizou o humanismo do Renascimento, sendo, em parte, responsável pelo fato de que a arqueologia fosse tomada, por longo tempo, como divisão da história da arte (da antiguidade clássica). Considerava-se importante exumar restos que, pelo gosto daépoca e pela função estética, pudessem esclarecer algo desse passado, sem perder, no entanto, uma função no presente. 51Trigger, Bruce.g.-“ História do Pensamento Arqueologico,Sãp Paulo: Odysseus, 2004. p.121.

47

Uma observação interessante quanto às antiguidades brasileiras, é a

retirada das mesmas da relação copilada por Ladislau Netto em suas

Investigações. Estranhamento causado justamente por Netto ter sempre

demonstrado um grande interesse por arqueologia, que alguns anos depois se

transformaria em trabalho de campo no Pará, com vistas á coleta para a

Exposição Antropológica de 1882, além de seu incentivo ao trabalho de

Ferreira Penna, fundador do Museu Goeldi e naturalista viajante do Museu

Nacional. Contrastando com a categoria antiguidade estendida para o material

americano, vemos a categoria “África Inculta” separando o continente africano

em dois o Egito, passível de portar antiguidades e a “África inculta”.

“África Inculta: 1 thono de madeira de uma só peça,” 52

Os objetos relativos a usos e costumes das nações modernas á época,

são aqueles a partir da exposição Antropológica de 1882, designados como de

Etnografia. A categoria África inculta marca a diferença da áfrica culta

representada pelas antiguidades Egípcias. Demonstrando claramente a

dificuldade de se lidar com o acervo africano em uma sociedade que

funcionava a partir de um regime escravagista e em uma instituição localizada

em uma cidade com grande contingente de população proveniente da África,

circulando pelas ruas. Dificuldade essa acentuada pela opinião de naturalistas

visitantes como Agassiz53 que se dedicou a explanar como considerava um

prejuízo a formação de uma nação brasileira a presença do negro africano.

Hoje podemos avaliar a importância das peças descritas por meio de

várias pesquisas como a de Costa e Silva54 onde encontramos uma definição

do valor contemporâneo da peça descrita no relatório e de seu conjunto.

52 Continuação relatório de 1839 53 Agassiz, Louis e Elizabeth- Viagem ao Brasil- Belo Horizonte, Ed. Itatiaia;1975( 1865-1866) 54 COSTA E SILVA, Alberto. uma visão brasileira da escultura tradicional africana.

48

“Do acervo do museu da Quinta da Boa Vista constam, entretanto, duas peças de excepcional valor histórico: uma bandeira e um trono daomeanos, que devem datar da passagem do século XVIII para o XIX. A bandeira, feita no tradicional método de aplicar imagens recortadas em tecidos coloridos a um fundo negro ou neutro, mede um por dois metros. Sobre o pano bege coseram-se, além de 71 cabeças negras cortadas, 15 prisioneiros de mãos atadas e, bem no centro, um homem, cercado por dois sabres e uma espada, a sustentar um cesto no qual se vêem mais duas cabeças. Essa bandeira, segundo Pierre Verger, deve ser o mais antigo exemplar que se preserva, em todo o mundo, desse tipo de tela decorativa, e talvez tenha sido um dos presentes que os embaixadores do rei Adandozan (1797-1818) trouxeram para o príncipe regente D. João VI, em 1811. O outro seria o belo trono esculpido num só bloco de madeira. Mais antigo do que ele, no Museu de Abomé, só o do rei Agonglo (1789-1797), pois os anteriores foram destruídos, quando Behanzin, em 1892, mandou pôr fogo nos palácios reais e na cidade, antes de que essa caísse no poder dos franceses.”

No entanto no século XIX, a proximidade com a África e a troca realizada

obrigatoriamente devido ao intenso trafico negreiro e comercial entre o Brasil e a

África, não faz com que a coleção de africana seja numericamente expressiva

como poderia ser e nem que tenha o devido destaque nas exposições do Museu,

como podemos ver na descrição dos objetos em exposição feita por Ladislau

Netto, em 1870, sobre os mesmos objetos descritos por Costa e Silva acima.

“Além desses objetos, em grande parte pouco dignos de curiosidade, existe sobre o armário um artefato que nos prende toda a atenção: é o trono de um chefe poderoso daquelas incultas regiões feito em uma só peça de madeira com muita arte e insano trabalho”. 55

Com a descrição da localização da peça, em cima do armário “entre os

objetos que o museu expõe, alguns há que num semelhante estabelecimento da

Europa, seriam talvez colocados no alto dos armários como não tendo um grau

55 Ladislau, Netto, op.cit. p.255

49

de interesse bem evidente”56; o reforço da categoria inculta, apesar do

reconhecimento da arte e do trabalho adjetivado como insano, verificamos a

distância com relação a um possível incentivo ao aumento ou a visibilidade da

coleção africana, no tratamento dado a descrição da bandeira do Daomé, por

Netto: “Uma verdadeira prova da barbárie em que jazem hoje muitos povos da

África”. No entanto, apesar das caracterizações do acervo africano, Ladislau

Netto estava longe de ser um escravagista ferrenho, pleiteava pagamento e

alforria definitiva para os “Africanos Livres” que trabalhavam no Museu.

Embora mesmo em épocas anteriores viajantes houvessem notado não só

a beleza do trono Africano, como as possibilidades de aumento da coleção

Africana. Como vemos em Grahan ao falar do trono africano e ao mesmo tempo

lamentar ausências na coleção Africana: “Além de todas essas coisas há o trono

de um príncipe africano, de madeira lindamente lavrada. Desejaria que desde que

a situação do Brasil é tão favorável para colecionar trajes africanos, que

houvesse uma sala adequada para essas cousas, tão interessante para a história

do homem”.57

É bom marcar também o fato do uso da categoria África Inculta58 para

diferenciar por oposição a indústria egípcia que passa a ser categorizada como

culta, marca também o caráter universalista do acervo, universalismo esse

diretamente ligado ao sistema colonialista que se pretendia escapar em termos de

América, dando uma conotação clássica aos seus achados e aprimorando o

museu com coleções etnográficas em estudo concomitantemente em vários

centros metropolitanos, como o museu de Berlim e o Museu Britânico. Como

exemplificado pelas coleções do continente australiano:

“Nova Zelandia: 2 cabeças dos indígenas Ilhas Sandwich:1 manto de pennas; 1 colar; 5 clavas Ilhas Alleutas Caleicas”59

56 Denis, Ferdinand- Brasil; Belo Horizonte: Ed.. Itatiaia, 1980.(1838) 57GRAHAN, MARIA. Diário de uma viagem ao Brasil e de uma estada no país nos anos de 1821,1822,1823, SP: Companhia Editora Nacional . 58 Aqui pode também se inserir as dificuldades de lidar com um acervo africano no regime escravista. 59Continuação relatório, 1838

50

Dentro de um caráter universalista observa-se mesmo a existência de

uma espécie de kit de peças básicas que constavam na maioria dos museus de

acervo etnográfico e que eram referidas nos trabalhos do século XIX. As

divindades hindus, as cabeças Maori e o equipamento esquimó estavam entre

elas. Os livros com conteúdo etnográfico, como o Völkerkunde 1885/88 de

Ratzel60, apresentam ilustrações de peças etnográficas de diversas coleções

de museus europeus como: Munich Etnographical Museum, Viena

Etnographical Museum, Cristy Collection, entre outros. Essas peças são

denominadas no prefácio assinado por Edward Tylor de “objetos - lições”, em

uma menção aos espécimes de museus e sua utilidade para a pesquisa.

Alguns desses “objetos - lições” são encontrados na coleção do museu no

século XIX, e conservados até o século XXI. Peças como os bastões de mando

africanos ou as armas da Oceania demonstram uma contemporaneidade com

os conjuntos adquiridos em outros museus. E a necessidade de se mostrar em

um relatório para o governo a abrangência do acervo da instituição,

demonstrando a procedência de cinco continentes.

Além da contemporaneidade do acervo tridimensional, podemos

constatar que a biblioteca do Museu Nacional, formada em parte pela aquisição

de livros para a Comissão Científica do Império61, em parte adquirida na França

por Gonçalves Dias, possui os exemplares de diversos autores, como Ratzel

em alemão e espanhol, aquisições ainda do século XIX, o que reforça sua

contemporaneidade com o pensamento de que norteava a formação das

coleções.

Essa bibliografia aponta para uma composição universal, gerando

pressupostos de pesquisa de época em que o evolucionismo se encontra em

pleno vapor e pesquisas, como a “Evolução da Arte Primitiva“ de Balfour,

curador do Pitt Rivers Museum, estavam em voga. Nos levando a conclusões

de que os aspectos estéticos dos objetos eram parte fundamental da pesquisa

e eram utilizados para dar sentido aos seus usos nas sociedades em evolução

60Traduzido para o inglês como History of Makind e para o espanhol e português como raças humanas. 61Comissão Cientifica do Império, estabelecida pelo IHGB com o objetivo de explorar cientificamente o território brasileiro, inicia seus trabalhos com a compra de uma biblioteca e instrumentos em diversos paises na Europa. Em 1859.

51

e medir o grau das mesmas a partir de apuro técnico, em pesquisa

desenvolvidas em gabinetes. Grandes coletas e analises globais de gabinete e

quadros comparativos de coleções eram caros aos estudos evolucionistas. Já

pesquisa a partir de observação direta da produção dos objetos e de sua

ornamentação tendem a inseri-los em um quadro social próprio de cada grupo

ou cultura. Como no principio do século XX, as descrições feitas por

Malinowski62 dos braceletes produzidos nas ilhas Trobian e a sua relação com

as instituições locais.

Uma parte dessa coleção estrangeira remete diretamente ao caráter da

política internacional do governo imperial, como o caso das peças das ilhas

Sandwich. No doc. 30, pasta 1 do AGMN, consta o envio ao museu para “ahi

ser conservado” de um manto e um colar oferecido pelo rei de Tamacahimeche

ao Imperador Pedro I, quando visitou a corte em 15 de março de 1824, época

dos esforços diplomáticos para o reconhecimento da independência do Brasil.

As Ilhas Sandwich que formavam uma das primeiras nações a reconhecer a

independência do Brasil, foram unificadas pela primeira vez em 1810, em um

reino governado por Kamehakameka I, tornando-se, segundo Sahlins63, um dos

períodos com desenvolvimento indígena. O acervo torna-se, portanto,um

precioso testemunho da tentativa de universalização em duas nações que

tentavam romper com um sistema colonial e estabelecer-se em pé de

igualdade com as demais nações reconhecidas como independentes, ainda

que, no caso de Pedro I, observe-se o fato relevante de ele ser um membro da

corte da metrópole portuguesa.

No entanto, houve a perda da referência dessas coleções ao longo do

tempo, já que não foram catalogadas como coleção D. Pedro I e nem mesmo a

data de sua oferta, 1824, constava no registro geral, tendo sido essa referência

resgatada nos documentos do arquivo geral e não do livro de registro das

coleções. Indicando claramente o desprestígio da figura de D. Pedro I, após

sua abdicação em 1831. Apesar de várias doações ao Museu, as coleções

Imperiais do Museu Nacional ficaram conhecidas até o século XIX como

coleções do segundo reinado, tendo sido a partir de fins da década de 90 do 62Malinowski, B. Os Argonautas do Pacifico ocidental. São Paulo: Ed. Abril, 1976. 63Sahlins,M.- Cronologia Do Capitalismo in Cultura na Prática-Editora Ufrj- Rio de Janeiro- 2004

52

século XX e já no século XXI que se estabeleceu a importância da Imperatriz

Leopoldina (primeira esposa de D. Pedro I) para as coleções arqueológicas, a

partir de referências diretas na exposição permanentes do museu64. Em um

artigo para a revista História, Neve·, descreve o desprestigio de D. Pedro I, na

historiografia brasileira. As peças das ilhas Aleutas, doadas por um capitão de

corveta russo, em 1821, tem uma tradição oral institucional de fazerem parte da

coleção de D. Pedro II, e pela data da doação no arquivo geral foi encaminhada

igualmente por D. Pedro I.

Na categoria Brasil aparece o acervo indígena brasileiro, devemos

lembrar a existência de quadros, moedas e medalhas produzidas no Brasil no

levantamento, no entanto, a categoria Brasil se refere exclusivamente ao

acervo indígena:

“Brazil: 2 cabeças dos índios Mundurucus; 220 peças que compreendendo; 3 vestimentas completas, capacetes, carapuças,scetros, armas de caça e guerra, pertencentes ás varias tribos de nosso continente.”65

Os acervos indígenas brasileiros, no relatório aparecem, em sua

maioria, apenas enumerados como: “220 peças”. Eram enviados por vezes em

caixotes sem descriminação, caixotes esses que eram embarcados por

militares em fortes próximos aos indígenas de vários pontos, como o Alto

Amazonas, ou enviados por presidentes de província, como a primeira peça

etnográfica referente a acervo brasileiro a entrar no Museu: Doc. N.40, 1824.

Remete ao Museu uma carapuça tecida pelos índios Naknanuk, aparecidos

pela primeira vez no Rio de Santo Antônio. Remetido pelo Presidente da

Província de Minas Geraes. Apontamos também para a dimensão continental

dada ao Brasil no relatório, ou o continente inteiro é “nosso”, ou o Brasil por si

só é um continente.

O levantamento é complementado pelos comentários de Manuel de

Araújo Porto Alegre, que desaparecerão nas publicações posteriores que o

reproduzem ou se referem ao relatório de 1844 (Lacerda 1905 e Ladislau 64 Empreendida pela Historiadora e Museóloga ,Tereza Baumam, Responsável pelas mesmas. 65 Continuação relatório de 1838

53

Netto) e que aparecerão de outra maneira em comentários de diretores não só

durante o século XIX como no século XX, descrevendo a potencialidade da

coleção e sua falta de espaço.

“A coleção do museu dos indígenas do Brasil de importância tão instrutiva que não se pode desconhecer, e torna-se-a de dia a dia mais preciosa, á proporção que penetre a civilização do nosso país podem conseguir uma coleção tal qual marque com perfeição a natureza (...) e caracteres peculiares de todas as tribos deste continente, o Museu Nacional será o único no mundo com arquivo de documentos originais sobre o estado destes aborígenes desta parte d’América Meridional .Para que esta coleção fique com todo o esplendor de que já foi do mesmo gênero nada mais lhe falta que um local onde possa ter a conveniente exposição.”

A solicitação de melhores condições de espaço e mobiliário para a

exposição é uma constante. Além dela, cabe ressaltar que Porto Alegre

compartilha da mesma esperança que mais tarde embalará Ladislau Neto: a

possibilidade de ter uma coleção que demonstre perfeitamente todos os

indígenas brasileiros, ainda que sendo constituída após três séculos de envio

de acervo para o exterior e do desaparecimento de vários grupos.

O tratamento diferenciado dado ao acervo indígena está presente na

descrição de Ladislau das cabeças Mundurukú: “Cabeças de guerreiros mortos

pelos índios Mundurukú, preparadas por estes para serem trazidas pendentes

ao pescoço como um troféu de guerra”. A barbárie da Bandeira do Daomé se

transforma em uma condecoração Mundurukú de bravura, guardadas as

proporções da comparação.

Através do exercício de compreensão das categorias e conteúdos da

coleção embrionária do Museu, onde é difícil afirmar embora existam pistas,

qual o contexto especifico da coleta dos objetos que formam a coleção.

Passamos as coleções trazidas em um formato que favorece a identificação do

contexto de coleta por terem sido enviadas com documentação mais

especificada, e provenientes de observação local, junto á coleta, nesse formato

começam a aparecer por volta de 1860 aquelas exemplificadas no item

seguinte.

54

1.3 Os Colecionadores

No livro de registro geral vemos uma impressionante falta de dados

quanto aos colecionadores, no que se refere ao material do Século XIX. Livro

básico para a pesquisa do acervo no Século XIX. Apresenta lacunas quanto ao

contexto de coleta, mesmo em caso onde a documentação existe no Arquivo

Geral da Instituição e foram efetuadas pesquisas remontando o acervo.

Como colecionadores encontramos nomes que muitas vezes se referem

às pessoas que ganharam peças e reconduziram ao Museu, e muitas destas

são coleções com titulares de nobreza, Dantas66 em sua dissertação, sobre a

coleção particular de D. Pedro II, menciona o fato da etnografia ser o único

registro de sessão, comparando com as sessões de ciências naturais, onde a

menção á coleção do Imperador ou suas doações são mantidas. Devo

mencionar aqui como já fiz em outra parte do texto, que se tratando de D.

Pedro I, o tratamento não é o mesmo. No caso desse trabalho o interesse é

localizar e recompor os dados justamente das coleções formadas por

colecionadores com objetivo de complementar a observação dos grupos

indígenas com os quais conviveram, ainda que por períodos breves e por

vários motivos, que se referem as razões pelas quais empreenderam as

viagens. Mas como resultado obtiveram coleções com informação mínimas e

ligadas a um material bibliográfico.

Nesse item passo, portanto a descrever coleções referidas a seus

colecionadores, colecionadores esses participantes da coleta das mesmas,

coleções que contextualizadas através de documentação, mudam o quadro

indistinto marcado pelo catálogo geral para as coleções do XIX. Para tal

selecionei três coleções, por possuírem uma lista de acervo e informação bem 66Dantas, Regina- A Casa do Imperador- Do Paço de São Cristóvão ao museu Nacional, Março de 2007, Programa de Pós-graduação em Memória Social- UNIRIO

55

definida para á época, apesar de terem sido passadas para o catálogo geral

com falta de informação etnográfica e documental básica. O que resulta em um

catálogo ou livro de registro Geral das Coleções onde existe apenas uma peça

com o registro da Comissão Científica do Império e menção a Gonçalves Dias,

apenas parte da coleção da Comissão do Madeira mantém uma menção á

Comissão sem data e nenhuma menção ao coletor das peças e a Coleção

José do Couto Magalhães, sem qualquer registro das peças pertencerem á

mesma. Escolhi essas três coleções por ter encontrado material documental,

acoplado de material bibliográfico sobre as mesmas e também pela

expressividade numérica e da representatividade dos grupos indígenas onde

foram coletadas.

Iniciamos com a Coleção coletada pela Comissão do Império de 1861,

mencionando, mais especificamente seu coletor por ter este empreendido

sozinho parte da expedição que resultou em sua coleta, ou seja, a viagem ao

Amazonas. Gonçalves Dias, sócio efetivo do IHGB, intelectual que poderia ser

considerado como um etnólogo, como marca Kury67 ao considerar que “a

abordagem de Gonçalves Dias foi bem diferente do indianismo de gabinete da

primeira geração romântica. A investida estética e intelectual do poeta

maranhense teve suporte antropológico”.

Já Cândido68 o denomina de primeiro talento do romantismo,

acentuando que com Dias parece finalmente configurar-se o indianismo para

além dos programas e intenções conjunto de boa qualidade sobre o índio.

Enfatiza que são os únicos versos realmente belos dessa tendência, não

porque correspondam etnograficamente ao que o índio foi, mas, ao contrário,

porque construíram dele uma imagem arbitrária que permite recolher no

particular da realidade brasileira a força dos sentimentos e das emoções

comum a todos os homens.

Duas visões diferentes para Dias, um autor que procurou eficiência nas

duas áreas em que atuou. Inclusive no período de sua atividade mais intensa 67Kury, Lorelay- A Comissão Cientifica de Exploração. In: Ciência, Civilização e Império nos Trópicos- org. Heizer,A. & Videira,A.A.-RJ: Access-2001,p.46 68CANDIDO, A. O Romantismo no Brasil, Antônio Candido. FFLCH/ USP. SP:UMANITAS.2002

56

como etnógrafo para de produzir poesia, de 1857 a 1861, apesar da polêmica

sobre não ter escrito a história da Comissão (ao final dos trabalhos da

comissão ele se achava em estado de saúde bastante precário), os seus

relatórios sobre a Educação no Solimões demonstram o empenho de um ex-

professor e as observações de alguém preocupado com o modo de vida local:

“Para dizer a um destes que mande seu filho à escola, que não os tire de lá

antes de aptos, é ordenar que redirecionem a norma da vida”. 69

A importância das relações de Gonçalves Dias no Museu passa por

vários momentos, e por duas amizades pessoais: Manoel de Araújo Porto

Alegre, diretor da quarta sessão, relacionada com a indústria humana;

companheiro de toda uma empreitada romântica, sócio que propôs sua entrada

no IHGB, e editor conjunto das revistas Guanabara e Minerva Brasiliense. E

Capanema, diretor da anatomia comparada do Museu e companheiro de

viagem, durante a expedição científica do Império.

A importância de Dias para o Museu pode ser demonstrada a partir de

sua avaliação por Roquette Pinto, em discurso em homenagem ao centenário

de Dias, proferido na Academia Brasileira de letras, 1948; onde que denomina

Dias como: Meu primeiro mestre em etnologia brasileira. E designa a coleção

da Comissão do Império como sendo a copiosa e interessantíssima coleção de

material etnográfico enviado por Gonçalves Dias do Amazonas para a

Exposição Nacional e que também foi, felizmente parar em grande parte no

Museu. “Penso poder afirmar que a não ser Rondon, ninguém enriqueceu mais

as nossas coleções de etnografia do que Gonçalves Dias”.

No entanto, para termos acesso à descrição efetuada pelo próprio

coletor temos que pesquisar no material impresso recentemente por coleta da

Academia Brasileira de letras, onde a descrição do acervo presente no Museu

e a iconografia da coleção passam a ganhar entendimento. Em sua listagem,

embora a mesma tenha sido parcialmente publicada por Raimundo Lopes 70

69MONTELLO,Josué.Gonçalves Dias na Amazônia, Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras. 70Lopes, R.Gonçalves Dias e a Amazônia. Revista do Congresso Pan Americano de História e Geografia, vol.2 Riode Janeiro: IHGB,1932

57

com comentários, os comentários por vezes substituem o texto de Dias,

reproduzidos no livro organizado por Montello71.

“Ornatos indígenas e curiosidades naturais os Mundurucus, principalmente os do Tapajó são os que primam na escolha das plumas, na combinação de cores, na elegância das formas e mesmo na perfeição dos tecidos. Depois deles os Arara. O acangatar de número 63 é o enfeite de um dos chefes dos Araras, Morto em Combate ainda esse ano, nas imediações na ilha de igual nome, no Rio Madeira. Os de número 61 do Rio Negro. Nas armas há grande variedade com insígnia de mando, são belos Murucú- Maracás, as grandes lanças usadas pelos chefes: curiosas pelo cumprimento das hastes, pela perfeição do trabalho e por uma pedra ou esferas que mal se sabe como, forçaram a entrar por uma fenda longa e estrita, que se vê na parte superior da haste n. 1 O cetro de plumas (n. 65) é curioso pela perfeição da obra é mais digna de nota pelas reflexões que sugere: Foram precisos três séculos para que a lança colossal dos velhos e antigos Tuxauas se convertesse em uma haste Simbólica e sem préstimo. O chefe que segundo dizia um deles energicamente a Montaigne, era o que tinha. 85. Santo Intitulado Cristo da Venezuela IHGB 79. dois remos pintados 104- Sairé IHGB Escudo do Uaupés – Objeto raro, e tanto que há muitos na província que lhe ignoram a serventia. Bem tecido resiste á ponta de taquara ou do Curabi; leve, não cansa, e pode-se nanejar com ele uma boa arma de defesa; facilmente portátil não embaraça a carreira.”

A partir da junção de informações e peças, obtemos um fio condutor

que parte da descrição e aponta para o uso das categorias de raridade,

perfeição, apuro estético, diferenciação da produção dos grupos, referencial

teórico, e utilização do acervo coletado, inserindo-os de forma mais adequada

não só em seu grupo originário, mas principalmente no contexto de sua coleta.

Além de identificar parte do acervo como sendo destinada ao IHGB. O

documento encontrado no arquivo, com a lista da coleção, completa o quadro

referencial.

71 Montello,Josué-Gonçalves Dias na Amazônia, Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2000.

58

A listagem (anexo2) também se completa nas observações do diário

efetuado pó Dias durante a viagem, onde Dias, elabora algumas observações

etnográficas sobre os grupos onde coletou acervo. Também existe o relatório

da Exposição do Amazonas, publicado junto com o relatório do Presidente da

Província do Amazonas em 1962, onde o acervo é listado. As comprovações

de coleção são, portanto mais do que evidentes e suficientes. A coleção tem

importância, mais do que pelo fato de ter sido coletada Por Gonçalves Dias,

nome consagrado da literatura brasileira, pelo fato de ser proveniente de um

esforço intelectual para o entendimento dos grupos indígenas existentes na

época de sua coleta.

A coleção do Rio Madeira foi enviada por Antônio Álvares dos Santos

Lima, engenheiro encarregado de fiscalizar as obras da estrada de ferro

Madeira-Mamoré, através da assim chamada Comissão do Madeira no ano de

1872; destinada a inspecionar os trabalhos de construção da estrada de Ferro

Madeira-Marmoré e a medição e demarcação das terras devolutas do Madeiral.

No documento 1, pasta 12, do AGMN, 1872, constam alguns elementos

sobre os objetivos que nortearam a expedição iniciada nesse ano, entre eles,

inspecionar os trabalhos de construção da estrada de Ferro Madeira-Marmoré

e a medição e demarcação das terras devolutas do Madeira. Nesse mesmo

documenta se introduz de forma incisiva a relação da comissão com o Museu

Nacional através de ordem por parte do Ministério , para que o museu forneça

ao engenheiro Antônio Álvares dos Santos Souza, chefe e inspetor da

comissão,instrumentos de coleta específicos “três caixas ,duas prensas e os

objetos necessários para se proceder a arborização, materiais já antes

requisitados para o serviço da comissão”. Podemos notar além do reforço do

pedido, a ausência de pedido de instrução sobre a coleta comum em

composição de comissões de coleta.

Foi uma das primeiras coleções de etnografia que não se colocaria

entre as chamadas coleções casuais, formadas sem a necessária integração

entre os componentes e da coleta de informações observadas que pudessem

contextualizar os objetos. Chegando a um total de artefatos parecido com o da

Comissão do Império 122 objetos. Em suas informações documentais indica-

59

se a quais grupos indígenas pertenciam às peças e são fornecidas referências

sucintas quanto a sua utilização, provenientes de observação local,bem como

existe a tentativa de se compor pequenos conjuntos com o acervo coletado, por

exemplo:

“Índios Maués. Objectos de que usam na �erimônia do paricá Buso para guardar o paricá preparado em pequenas bolas Moedor.”

As notas que se seguem trazem a descrição dos objetos acompanhada

pela anotação de procedência do grupo indígena e de sua quantidade. Um

grupo chamou minha atenção; devido à descrição dos objetos, foi a

possibilidade de parte da coleção designada como curiosidades dos índios do

Amazonas, indústria de Borba (a aldeia de Santo Antônio das Cachoeiras foi

transferida para um lugar mais abaixo do Rio Madeira denominado Trocano,

em 1755, esta missão foi elevada á categoria de vila com o nome de Borba,

que conserva até hoje72) pudesse ser parte do acervo denominado como sendo

dos índios civilizados do Amazonas, categoria atribuída aos índios descidos

que viviam às margens dos rios da Amazônia e denominados como tapuios.

Estes índios são descritos em trabalho de Carlos Moreira Neto tratando da

situação posterior a 1870 das Comunidades tapuias, seu espaço físico e

sociocultural, segundo o autor dispõe-se entre os grupos indígenas tribais e a

sociedade regional, tendo de suportar todo o peso da expansão da

“civilização”, terminando por extinguir-se ou descaracterizar-se como categoria

socialmente reconhecível.

Pesquisando especificamente a indústria dos índios de Borba,

encontramos registros de Alexandre Rodrigues Ferreira datados de

praticamente um século antes. Em 1787 eram recebidos na vila de Borba

índios espanhóis. Logo que se verifica que os mesmos sabem tecer pensa-se

em uma empresa de venda dos produtos destes.73 O caso das louças

72 FERREIRA. A Ferrovia do Diabo, p. 40. 73 FERREIRA. Viagens Filosófica, p. 95.

60

produzidas para o consumo da população “civilizada” e elaboradas por índios

residentes na mesma vila poderia ser o mesmo.

Ao recorrer à coleção e ao Registro Geral de peças do Setor de

Etnologia, elaborado a partir das primeiras décadas do século XX, tive por

objetivo cotejar acervo e descrição contida na documentação da coleção,

localizei inicialmente duas peças (9.635 e 9.597) com denominação em

registro geral de “vaso pintado ou ornamentado do Amazonas, Com. Do

Madeira 1873”, com numeração bastante posterior ao registro dado ao resto da

coleção da Com. Do Madeira,1873. Estas peças eram imediatamente seguidas

no registro de duas outras sem identificação de procedência, em registro geral,

e igualmente incorporado ao acervo, com a denominação de: “Índios

Civilizados do Amazonas” compondo um conjunto estético com os mesmos

motivos decorativos e se enquadravam na lista de Antônio Álvares como sendo

uma panela para cozinha e uma bacia para água e para barbear. Outra peça

com a mesma decoração e descrita como sendo um candeeiro foi encontrada

junto ao mesmo acervo, no livro de registro, e igualmente sem identificação

precisa de procedência.

Quanto às demais 14 peças descritas, a identificação se torna mais

difícil na medida em que existem mais de uma possibilidade para jarro de água

ou bacia, exaurindo minhas possibilidades iniciais de identificação. No entanto

a coleção do Rio Madeira ou da Comissão do Madeira, demonstra claramente

dados importantes da formação da coleção da indústria Humana no Museu,

apesar de sua composição ter sido de responsabilidade de um engenheiro em

missão, o seu resultado e suas observações ajudam na compreensão da

produção indígena do período.

A Coleção José do Couto de Magalhães, ou envida por José do Couto

de Magalhães é invisível no Catálogo geral, embora a sua documentação de

entrada se encontre no AGMN74 referente ao ano de 1876. Couto de

Magalhães Cursou o Seminário de Mariana e a Faculdade de Direito de São

Paulo e foi um dos que denominavam o interior, no século XIX , de “nossos

sertões”, tido por alguns na atualidade como sertanista. Couto de Magalhães

74 Documentação AGMN pasta do ano de 1876.

61

foi uma pessoa de extrema atividade intelectual, política e empresarial. Era um

fervoroso estudante e pesquisador de línguas estrangeiras e indígenas, onde

despendeu boa parte da sua atividade; estudou com afinco astronomia, física e

mecânica, seus instrumentos para experiências científicas, posteriormente

foram doados ao Instituto Politécnico de São Paulo. Fundou o Clube de Caça e

Pesca de São Paulo e organizou a Sociedade Paulista de Imigração.

Colaborou com muitos jornais, com ênfase no Jornal do Comércio e o Diário

Popular, tendo também pertencido ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,

onde participou das comissões de etnografia. Elaborou uma gramática da

língua geral.

Exerceu o cargo de Secretário do Governo de Minas Gerais entre 1860 e

1861. Foi Presidente das Províncias de Goiás Pará, Mato Grosso e São Paulo.

Envolvido na política do Império, e afiliado ao partido liberal, presidiu a

província de São Paulo até a data da proclamação da republica, quando se

afasta da vida política. Na penúltima destas presidências prestou relevantes

serviços. Após a Guerra do Paraguai, na qual participou da batalha de

reconquista de Corumbá dos paraguaios, ganhou do governo imperial o título

de Barão de Corumbá. Mas o recusou, preferindo o de General Brigadeiro,

distinção que então raras vezes se concedia a civis.

São suas obras mais importantes: O Selvagem, obra escrita a pedido de

D. Pedro II para figurar na Exposição de Filadélfia em 1876, tratado do idioma,

dos costumes, mitos e usanças dos nossos índios; uma Viagem do Araguaia; A

Revolta de Felipe dos Santos em 1720, que lhe abriu as portas do Instituto

Histórico Geográfico; “Os Guaianases (romance histórico) ou a Fundação de

São Paulo”; Anchieta e as línguas indígenas. A coleção enviada ao Museu

Nacional acompanha o período de elaboração do texto do selvagem e

provavelmente tinha o objetivo de figurar igualmente na Exposição de Filadélfia

de 1876.

Couto de Magalhães no “Selvagem”75 trata da coleção do Museu

Nacional como um todo pertencente a todos. “Possuímos no Museu Nacional

uma riquíssima e preciosa coleção de instrumentos de pedra polida” elogia a

75 Magalhães, J.C. O Selvagem, SP: Cia Editora Nacional,1940, p.106

62

coleta de Lopes Netto (Ladislau Netto) e de Domingos Ferreira Penna,

membros do Museu e sócios do Instituto, quanto a sessão de penas, armas de

madeira ou ossos, colares de frutas, qualifica de esplendida e as atribui ao

Imperador(?). Daí o espanto de sua própria coleção dos índios ter se dissolvido

em meio a esses artefatos diminui, a apresentação priorizada é a do conjunto e

a propaganda do Brasil a ser apresentado na Exposição de Filadélfia, aqui a

imagem do Imperador Mecenas e Cidadão é corroborada e amplificada pelos

contemporâneos que o viam como uma representação adequada de si próprios

no exterior. A coleção de Magalhães dissolvida na coleção Museu Nacional

comportava segundo documento do AGMN, acervo Kaiapó e outros, existem

várias peças que se encaixam no roteiro de Magalhães , principalmente uma

listagem de 57 peças que compreende os índios do Chaco, Os chamacoco,

Guató e Kadiwéu e Bacahiris da cabeceira do Rio Arinos. Que corresponde a

um de seus roteiros de viagem e possui como característica ter em sua base

peças de tecido e trançado leves e fáceis de transportar:

“1,2 cobertores de tecidos de algodão............Indios doChaco; 3,4,5 bolsas feitas de tecido de barbante, porém com desenhos diferentes........Bacahiris do Rio Verde, cabeceira do Rio Arinos” 40-54- amostra de diversos barbantes ......................Caduéuo; 57- Cesto feito com folhas de diversas palmeiras...........Guató”

O grande número de peças das coleções do Imperador e do Conde D’Eu

presentes no Guia da Exposição Antropológica e no Catálogo, referentes á

grupos os quais Couto Magalhães fez contato sugere a possibilidade de

doação de Couto Magalhães aos mesmos, prática corriqueira na época,

principalmente para um presidente de província e empresário, fazendo com

que ao elogiar as coleções doadas pelo imperador ao Museu em o Selvagem,

elogiasse indiretamente seu próprio esforço.

A partir do final da década de 70, o museu passa a receber as coleções

que podem ser consideradas como uma segunda fase da instituição, como as

seguintes coleções: Coleção procedente da Comissão geológica, coordenada

por Hartt ( membro do Museu por um período) 1877; as enviadas pelo Bispo de

Goiás 1897; a Coleção Guido; Coleção Paula Castro (expedição, Von den

63

Steim). São coleções com informações que passaram para o século seguinte

com um tombamento mais próximo da documentação original, revelando uma

mudança no tratamento referente à parte administrativa do Museu. 1.4 O Tombamento

Tombar alguma coisa, de acordo com normas legais, equivale a

registrar, com o objetivo de proteger, controlar, guardar. Tombamento, também

chamado tombo, provavelmente originado do latim tomex, significa inventário,

arrolamento, registro. O tombamento de bens culturais, visando à sua

preservação e restauração, é de interesse do Estado e da sociedade. O termo

tombamento utilizado no Brasil e em Portugal advém da Torre do Tombo, o

arquivo público português, onde eram guardados e conservados documentos

importantes

Ao dar entrada no registro geral de uma instituição pública como o

Museu o objeto passa a ser uma peça a mais do acervo, deixando assim sua

individualidade para fazer parte de um conjunto maior, a partir do qual será

sempre ordenado. Ganha um número de registro que o ordena de acordo com

a sua posição no conjunto maior e é, então, considerado tombado.

Tal tombamento passa a estar assentado em bases de direitos e

deveres a serem observados pelo Estado e pelos cidadãos e termina por

inscrever, no espaço social, determinadas figurações concretas e visíveis de

valores que se quer transmitir e preservar, pela classificação dada ao objeto

inicial ao ser referido em tal conjunto de coleção ou coleções, se diferenciando

e ordenando.

64

Por exemplo, uma flecha deixa de ser apenas uma flecha para fazer

parte, em primeiro lugar, do acervo do Museu Nacional, passando a pertencer

a vários conjuntos classificatórios como: a coleção etnográfica, a coleção de

armas, a coleção dos Botocudo, a coleção de armas do século XIX, a coleção

doada por Inglês de Souza e outros conjuntos criados a partir de interesses

variáveis de época ou matéria (como as flechas emplumadas com penas de

gavião). O que importa é que a flecha uma vez tombada entrará definitivamente

em uma ordenação institucional pela numeração recebida que a integrará como

mais um número de uma série. Ainda que seja exposta sozinha ou tenha uma

ficha de catalogação individual, seu número de registro (nos museus em geral,

apesar do número de registro não ser considerado estético, é sempre marcado

em local visível) sempre afirmará a flecha como parte de um conjunto ordenado

e seu pertencimento a uma coleção institucional.

Uma das importantes contribuições das classificações presente nos

catálogos de Etnologia. São aquelas que demonstram a presença de

determinadas áreas geográficas na etnologia brasileira. A partir da leitura de

trabalhos de Ratzel76, como possível influência de métodos de classificação da

coleção no século XIX. Percebemos que a questão das áreas geográficas se

impõe não só a partir da prática da coleta de acervos e de dados etnográficos,

mas também através dos resultados finais que podem ser visualizados nas

monografias. Fazendo com que grupos de maior contato entre si tenham

registros comuns, principalmente em função de denominações geográficas em

comum como rios.

Um exemplo interessante é a descrição de Gonçalves Dias de sua

Viagem ao Rio Negro77. Onde a referência dominante é a dos rios que estavam

sendo navegados, de forma que as comunidades ou grupos indígenas são

denominados em função dos rios. Passando estes inclusive a serem

determinantes quanto às observações das relações entre grupos, e integrando

76 RATZEL,Friedrich - History of Makind - London : Macmilan and co. 1896. 77Dias, Antonio Gonçalves- Viagem ao Rio Negro- Publicação da Academia Brasileira de Letras RJ, 1977

65

a descrição de um certo caráter unindo Rio e tipo psicológico, segundo o autor

exemplifica no relato abaixo transcrito.

“Os habitantes de um desses rios são inimigos dos do outro.Os do Uaupés dançam sempre armados com suas flechas;Mundurucus, etc. Os do Içana desarmados.Os do Içana são mais leais.Os do Uaupés um pouco mais atraiçoado(?). No Içana pode-se andar sem arma em todo o rio.(p.118)”

A importância das áreas geográficas pode ser exemplificada usando as

informações contidas no primeiro catálogo da seção de Antropologia do Museu

Nacional. Para uma melhor visualização dessas áreas é só enumerar apenas a

numeração e a procedência das peças. De modo a que se possa observar

melhor as informações quanto ao local de coleta ou território. Analisando dessa

forma a influência desse local, que é tradicionalmente considerado quanto a

objetos como procedência surge o que poderíamos denominar de uma

constituição identitária já apontada por Thiesse78 como sendo uma das três

funções do museu de etnografia.

Como teste a estas observações, verificamos então o primeiro catálogo

da coleção de antropologia do Museu Nacional. Abstraindo o acervo e levando

em consideração apenas à procedência tivemos uma visão bastante clara das

delimitações de época. Em Primeiro lugar encontramos as procedências

totalmente genéricas,como “índios do Brasil”, denominação aplicada á 123

peças do primeiro catálogo que registra um total de 2.499 , além daquelas

denominações continentais como no caso de objetos identificados com uma

breve proveniência: “96-África”

Depois procedências um pouco mais específicas, mais ainda bastante

genéricas, como denominações por províncias, as quais no primeiro catálogo,

não são tão expressivas, sendo as mais freqüentes referencias a Amazonas,

78 THIESSE, Anne Marie - La Creation des Identities Nationales

66

que podem ser entendidas tanto quanto região, quanto por Província ou

mesmo por Rio:

1.073- Índios da Guyana Brazileira 1.126- Índios do Amazonas 2.287- Índios do Brazil – S. Paulo

As denominações por Rio representam 102 peças do primeiro catalogo,

sendo essas aquelas em que aparece apenas o nome do rio como

procedência, pois existem as denominações por; rio e província; por

aldeamento e rio ; Por aldeamento, rio e província . Além daquelas por: grupo e

rio; grupo, aldeamento e rio; grupo, aldeamento, rio e província.

1.064- Índios do Rio Branco 1.112 e 1.113- Índios do Uaupés 1.121 a 1.123- Ìndios Uaupés

Apesar das indicações genéricas, oitenta por cento do primeiro catálogo

possui indicações de grupo. Existem grupos numericamente expressivos :

Índios Karajá-..........................................141 peças Índios Nambikwara-................................129 peças Índios Krixaná...........................................70 peças

As referências que apontam grupo e a localização, indicam por vezes a

possibilidade de um grupo habitar localidades geográficas distintas, servindo

para identificação precisa, por ocasião da crescente informatização das

instituições, é válido lembrar de que informações antigas não são indicam erros

e sim mudanças de localidade dos grupos e definições geográficas são

bastante amplas no século XIX :

1- Índio Botocudo - Rio Mucury – Espírito Santo- Brasil 2- Índio Botocudo - Rio Itamacuary- Minas Gerais- Brasil 1.110- Índios Jauaperys ou Crichanás - Rio Jauaperi, af. do Rio Negro 98- Indio Chavante – Rio Tocantins – Goiás

67

As ordenações geográficas, com certeza representam uma das direções

caras ao século XIX, convém lembrar que uma das matérias ensinadas nos

cursos básicos e secundários era Corografia, uma das publicações de ensino

tinha por titulo Noções de Corografia do Brasil por Joaquim Manoel de

Macedo-1873 -R.J. Para uso do Imperial Colégio Pedro II, com a descrição

pormenorizada dos Rios e de suas bacias: “O Solimões se alonga de Tabatinga

até o Rio Negro, havendo entre esses dous cerca de 237 lagoas ele recebe na

margem direita o Javary, Juthohy, Juruá, O Teffé, a cento e vinte lagoas da

Confluência do Rio Negro: O Coari, O Purus. Pela Esquerda o Iça a duzentas

e vinte lagoas da embocadura do Rio Negro.” Esse aprendizado revela uma

atualização a partir das viagens , bem como uma obsessão nas viagens pela

demarcação dos caminhos fluviais como a observada em Dias e em

Magalhães.

No entanto se fica fácil validar o tombamento geográfico da coleção,

torna-se complexo explicar o apagamento de documentações fartas como o

das coleções Dias, Comissão do Madeira e Couto Magalhães, não só quanto a

colecionadores, como quanto a datas é rara a presença de datas nos dados de

tombamento, muitas vezes a mesma aparece indicando a presença da peça

em eventos posteriores a sua entrada.

Raimundo Lopes79 em seu trabalho sobre a coleção de Dias justifica o

“apagamento” das informações no livro de tombo referindo-se a perda de

referencial para a leitura de etiquetas pregadas ás peças, e usando uma

etiqueta colada á peça da coleção Dias com os dizeres: “E. 97, IHG” para

apontar o quanto essa pista, IHG (destinada ao Instituto histórico e geográfico),

demorou a ser lida pelo próprio.

No entanto essas justificativas, não fazem sentido com relação ao livro

tombo, havendo documentação disponível na própria sessão, o próprio esforço

de recuperação de dados de Lopes ficou restrito publicado e esquecido, sem

qualquer anotação no livro tombo, em verdade o conhecimento de vários

aspectos das coleções ficavam restritos ao conhecimento de poucos e ao

folclore oral de muitos, publicações do próprio Museu como as “Investigações”

79 Lopes, Raimundo- op.cit.p. 589

68

de Ladislau Netto e os “Fastos”80 de Lacerda, ficavam sobre a guarda da

biblioteca eram usadas por poucos eruditos do Museu, para demonstrar seu

conhecimento sobre o passado nobre da instituição. O acervo documental hoje

reunido no Arquivo Geral ficava disperso nas sessões e por vezes em muitas

gavetas esperando oportunidade de publicações futuras, as investigações

praticas, como as de Raimundo Lopes não eram efetivadas, ou seja, não se

transformavam em anotações ou em nova versão do Livro de tombo.

O acumulo de papel e documentações dissociadas do tombo tiveram por

inicio a própria política do Museu. Em sua Luta pela ampliação e valorização de

seus quadros e mais especificamente pela criação da categoria de naturalista

viajante. Foi aos poucos sendo elaborada uma estratégia de resistência que

não permitia a glorificação de coleções entradas de forma pouco cientifica ou

imposta. O caso de uma Comissão incentivada pelo Imperador e orquestrada

pelo IHG, ainda que contasse com membros do Museu, os mesmos se

retirariam na primeira etapa da Comissão no Ceará, retornarão fizeram

relatório, conferencia no IHG e montaram uma exposição com os produtos do

Ceará no prédio do Museu.

Já o empreendimento de Gonçalves Dias no Amazonas, sua Exposição

de produtos em Manaus e o envio de peças para a primeira exposição

Nacional, de certa forma provocam uma concorrência com o Museu . Na qual

mesmo a coleção que ficou no Museu Nacional, possuía vários exemplares

anotados por Dias que deveriam ser enviados ao Instituto, á quem se sentia

devedor de dar contas de seu trabalho na comissão, Dias sempre foi um

membro assíduo do Instituto, a destinação ao IHG é comprovada não s

etiqueta citada anteriormente por Raimundo Lopes, mas a listagem de Dias. No

entanto a estratégia do Museu de incorporar a coleção a partir de sucessivos

pedidos para consulta e empréstimos da mesma, por estar depositada no

Museu e ao mesmo tempo apagar as origens, dissolvendo-a no todo da

coleção MN. Apontada no Guia da Exposição Antropológica, teve êxito,

justamente por omitir informações no tombamento.

80 Lacerda, J. B.- Fastos do Museu Nacional.

69

O mesmo ocorreu com a coleção da comissão do Madeira, tendo essa o

ministério se dedicado a demonstrar a importância, obrigando sua publicação

em anexo ao relatório de Ladislau em 1976 e reforçando pedidos de

agradecimento ao engenheiro coletor. No entanto ao registrar a coleção no

tombo e mencioná-la no Guia da Exposição Antropológica a mesma se perde

em poucos itens com especificações exíguas.

No caso de Couto de Magalhães, cujas viagens poderiam ter um caráter

político mais forte, pois presidiu várias Províncias e cuja preferência do

Imperador ao lhe confiar o escrito onde os indígenas seriam representados na

Exposição de Filadélfia em 1876, preterindo dessa forma o Museu e as

qualificações acadêmicas dos naturalistas. Magalhães em seus livros

principalmente em viagem ao Araguaia ressalta não ser naturalista, no entanto

no selvagem propõe: “Si é útil estudar, descrever e classificar até a mais

miserável planta de nossos campos, ver o mais rude e pobre mineral dos

nossos montes, muito mais nobre e útil é estudar é estudar, descrever e

classificar o homem americano, e vou prová-lo.”

Justamente a partir de 1976, Ladislau Netto, já efetivado como diretor da

instituição redobra esforços para reforçar o Museu como centro de pesquisa.

Colocando a partir da reforma administrativa de 1876, a quarta sessão sob sua

guarda direta até uma posterior separação do Museu, proposto por esse e

defendida durante toda sua gestão como diretor da instituição, para uma

instituição própria. E ao mesmo tempo começa a empreender esforços para a

organização de uma grande exposição Antropológica a ser levada a cabo no

prédio do Museu, prevista em principio para 1879 colocando o Museu de volta

no centro das pesquisas antropológicas.

Com a retirada da quarta sessão do quadro geral da Instituição,

Ladislau consegue eliminar qualquer interferência de nomeação de diretor da

quarta sessão, uma vez que mesmo a documentação oficial do Museu tendo

dado a demissão de Manuel de Araújo Porto Alegre do cargo, ao embarcar par

exercer cargo de cônsul geral na Prússia, oficialmente o cargo continua ser

imputado ao próprio, como podemos constatar no Almanak do Império.

70

1.5 Classificações

“A cerâmica possui normalmente uma ideologia. Praticamente todos os recipientes podem oferecer um valor simbólico; mesmo em nossos cafés, uma xícara de café não tem a mesma forma de um copo de cerveja. Muito freqüentemente, o pote possui uma alma, o pote é uma pessoa.Deve-se estudar enfim cada pote e seu destino.” (p.72)81

Muito já foi dito sobre as classificações de acervo, na coleção do

Museu Nacional. Ao longo da elaboração dos catálogos, elas podem ser vistas

sob o aspecto básicos da descrição dos objetos, que, através de um conjunto

de denominações especificas, podem identificar dois tipos de classificação:

aquela que vai dar conta da alma do objeto e de seu uso social ainda que

brevemente, como, por exemplo, os conjuntos de Paricá ou os instrumentos

musicais e as máscaras, conjuntos mais obviamente ligados ao universo

cosmológico dos grupos pela sua função ritual. Uma das funções sempre

demarcadas, ainda que brevemente e de forma inespecífica: “usada em rituais”

ou ainda “ usada em suas festas”.

E aquela que vai dar conta do processo tecnológico envolvido, como,

por exemplo, canoa escavada, cuja descrição de Malinowisk se transformou

em um clássico ao dar conta da complexidade que uma descrição tecnológica

pode atingir.

“Algumas palavras devem agora ser ditas sobre as características tecnológicas fundamentais da canoa. Também nesse caso, a mera enumeração e descrição das diversas partes que compõem a canoa, a dissecação de um objeto inanimado, não irá nos satisfazer. Levando-se em consideração de um lado, seu objetivo e, do outro, as limitações dos recursos tecnológicos e materiais, tentarei mostrar, em vez disso, de que maneira os construtores nativos solucionaram os problemas que se apresentaram.” (p.89)82

81 MAUSS, Marcel- Manuel d’ ethnographie, Paris: Payot, 2002. 82 Malinowski, B.- Os Argonautas do Pacifico Ocidental – SP: Abril ed.1976

71

O hábito de formar coleções destinadas a museus etnográficos, através

de viagens de campo, tornou-se, para os pesquisadores, tão comum como

aquele de tirar fotos se tornaria no século XX. Em ambos os casos, os métodos

de seleção demasiadamente intuitivos podem gerar séries de objetos sem

descrição pormenorizada, fazendo com que as coleções já ingressem nos

museus com parte de sua potencialidade documental perdida. Infelizmente a

coleção do museu no século XX possui poucas descrições que as insiram tão

bem em sua cultura de origem, como as propostas por Mauss83 ou as

executadas por Malinowski.

A coleção etnográfica reunida por Gonçalves Dias, por exemplo, até a

publicação do material da exposição do Amazonas, contava apenas com

anotações em seu diário de viagem ao Rio Negro, no qual a anotação mais

longa é sobre a flauta Jurupari, objeto de uso ritual; a associação dos objetos

de uso ritual com as plantas alucinógenas e a identificação das mesmas

também é presente como vemos na descrição de Dias sobre o caapi.

“Há uma erva que chamam de Caapi (caipié), tiram a raiz, socam e tomam o sumo, mas em pequena quantidade que lhes produz sonhos acordados, visões e etc.. O Pe Salgado diz que tomou, e que lhe aumentarão consideravelmente o vulto dos objetos.”84

Outros objetos cotidianos como flechas e redes, são mencionadas

pela localidade de fabrico em frases esparsas. O próprio diário de viagem85, em

sua primeira edição pela Academia Brasileira de Letras, na década de 70, é um

texto sem grande divulgação e coberto de muitas lendas e tradições orais a seu

respeito. Que revela apenas anotações básica muitas vezes só referencias

geográficas. Já o trabalho publicado sob a organização de Montello recupera,

no texto do próprio Gonçalves Dias, os percalços de uma classificação da

83Mauss, Marcel- Manuel d’ ethnografie,Editions Payot,Paris,2002 84Dias, Antonio Gonçalves - Viagem ao Rio Negro- Publicação da Academia Brasileira de Letras RJ, 1977

72

época, bem como o conhecimento do nascimento de uma teoria ao

evolucionista. E a preocupação com uma valoração positiva dos artefatos

indígenas, além é claro da falta de tempo e estrutura para dar conta de uma

tarefa tão extensa como: empreender a viagem, Organizar fisicamente o

material, Montar uma exposição, escrever um relatório e enviar para o Rio de

Janeiro o material.

“Cabe aqui desenvolvimento acerca de cada um dos gêneros, que vão ser expostos, por falta de tempo e de “copistas” observar que não foi possível dar uma ordem natural á classificação dos objetos, porque ao mesmo tempo se iam recebendo e acondicionando para o embarque, e outras, não poucas, nos chegavam á ultima hora. Nem foi possível também entrar no indispensável.”

Mesmo nessa missão quase impossível, com os contratempos de

perda do material por naufrágios, existem classificações muitas delas se

ressentem de uma observação de maior duração e menos leituras

evolucionistas como a do cetro Mundurukú de penas, tratar-se da evolução de

uma lança. No entanto por mais curiosa que parecem é com essa descrição

que podemos avaliar as idéias da época da coleção evolucionista, mas

tentando colocar o indígena brasileiro em um grau da escada evolutiva bem

diferente da barbárie pura e simples.

“O cetro de plumas (n.65) é curioso pela perfeição da obra, é mais digno de nota pela reflexão que sugere: foram preciso três séculos para que a lança colossal dos velhos e antigos tuxauas se convertesse em uma haste simbólica e sem préstimo”. Manaos 23/10/1861

O cetro Mundurukú é um dos exemplos de classificação e mudança

de classificação interessantes, na lista que estou denominado de “pré catalogo”

das vestimentas indígenas, que verdade hoje são seriam classificadas como

73

adornos plumários, temos informações que segundo nossa suposição

acompanhávamos caixotes enviados do Pará que conteriam parte do material

da Comissão Langsdorff os cetros Mundurukús são designados como contendo

indicações do pertencimento familiar devido as suas nuanças de cores e

apresenta a denominação lingüística “putá”. Contendo inclusive qual família

pertencia: “15,16,17 Putá espécie de cetro da família Ipacas” ou logo abaixo:

“32 e 33 Putá da família Aririchá”. O “cetro” Mundurukú que passa ao catálogo

como a definição de Dias “cetro de comando”, na verdade possuía uma

designação anterior que o denominava como objeto de família, com uso de

vários membros da mesma. Definido também a questão de cor o cetro de cor

diferente das convencionadas como sendo tradicionais “ vermelho e preto” ou

“amarelo e preto” por possuir as cores “azul e amarelo” e posto em dúvida no

catálogo geral como Parintintim. Que implica na dúvida se grupo inimigo

tradicional dos Mundurukú poderia ter copiado o artefato alterando cores.

O emprego de uma taxionomia mais refinada à coleção de indústria

humana que possa se comparar às classificações do material de Ciências

Humanas, principalmente as tentativas de uma composição Lineana.

Ordenando o material por categorias macro para chegar às micros

características e elaborando complexos esquemas de suas partes, foram

tarefas enfrentadas no século XX. Principalmente em face de uma

sistematização para informatização.

No século XIX, temos classificações baseadas em experiências

múltiplas com nomes étnicos, como zarabatanas, Jamaxim (cesto de carga),

poaris (trompetes globulares), designando objetos junto com termos europeus,

como xícara, jarro, vaso e outros. As classificações variavam de acordo com o

tempo e os objetivos empreendidos na coleta. Mais dificilmente se guiavam

pela forma como as classificações multiformes do século XX.

As divisões maiores se davam quanto ao uso: armas, por exemplo,

eram quase sempre descritas e mesmo tombadas em grupos. No que

consideramos um levantamento pré-catálogo, provavelmente com as duzentas

poucas peças de vestuário que fala o levantamento de 1838, temos uma

ordenação de peças de plumária, como material e adorno ou vestimenta como

74

categoria de uso, com exceção do cetro Mundurukú. As classificações desse

pré-catálogo por vezes são bem mais elaboradas, do que as que foram

transportadas para o catálogo geral. E apontam para á categoria de

vestimentas indígenas, nota-se que exclui objetos como as cabeças

Mundurukú, classificadas á parte no levantamento institucional de 1938. E

apesar se ser predominante os objetos com penas a categoria plumária, não é

utilizada a opção é funcional, vestimenta, com observações da ocasião de seu

uso:

”11-adorno para a cintura (com chocalho) nas danças,feito de frutos de leguminosa enfeitando com uma corda de penas de arara tendo na extremidade uma borla de penas de mutum” 86

A perda de informação no transporte da listagem que estamos

denominando de, pré catálogo, para o Catálogo Geral da Instituição faz com

que a coleção de plumária Mundurukú registrada em catálogo chegue

catálogo geral como a exemplificada abaixo:

“769- Insignea de Chefia, Índios Mundurucús 770-? 771 a 795- pulseiras Índios Mundurucús 796- Ornato de cabeça deMundurucús (Sala Gabriel Soares- Exposição Anthropológica) 797 a 804-braceletes dos Índios Mundurucús 807 a 824- Índios Mundurucús 825- Enfeite de penas(Offerecida a S.M. o rei Alberto da Bélgica em outubro de 1920 por ordem do s.m. diretor ) 825 e 826- Acangatar , Índios Mundurucus 827- Índios Mundurucús(Museu Paranaense) 828 a 839- Índios Mundurucús 840- Índios Mundurucús (Commissão do Madeira – Amazonas-1873) 841 a 855- Índios Mundurucús 856- Índios Mundurucús e Mahués (Sala Gabriel Soares- Exposição Anthropológica)”87

86 Pré catálogo-anexo 2 87 Registro Geral SEE

75

O processo de perda se inicia com os registros das peças no guia da

Exposição Antropológica de 1882, que acredito será usado na elaboração do

catálogo geral, devido ás suas inúmeras referencias á exposição, e aos

colecionadores presentes no mesmo guia. A coleção de vestimentas

Mundurukú, por exemplo, a partir do guia da exposição passa a ser inserida em

outra categoria classificatória a arte plumária, até então não vemos menção ao

termo além dos relatórios produzidos por Manoel de Araújo Porto Alegre onde

o mesmo reforça o “arranjo artístico” dos adornos com penas:

“Sala Gabriel Soares - Etnografia e Archeologia Nesta sala acham-se expostos muitos produtos da arte plumária brasileira, adornos, tecidos e vestes de diversas tribus do Brazil”88

A partir daí vemos novas categorias de ordenação classificatórias que

não se referem, mas diretamente ao uso como tecido, se referindo á técnica de

tecelagem e a categoria de “Arte Plumária” com suas implicações de que esta

escapa ao universo da produção artesanal e entra no mundo das produções

artísticas. Começa o uso classificatório naturalizado no século XX.

Acompanhado da perda das informações de uso e por vezes de grupo em itens

como: “8. vestimentas usadas pelos Mundurucus e outros indígenas do

Amazonas em dias de festa. (M.N.)”. Começa assim a se formar amassa

indistinta de adornos da Arte Plumária.

A coleção do século XIX é sua sobrevivência apesar da ”falta de

informações” através de uma valoração estética. Sua presença constante em

exposições e publicações durante todo o século XX e o início do século XXI.

Deve-se menos a falta de informação promovida por “bagunça” ou escassez de

recursos financeiros, do que a orientações que priorizaram em determinados

momentos, quais informações deveriam ser postas em destaque e mantidas,

88 Guia da EXPOSIÇÃO Antropológica e 1882, p. 51

76

através dos livros oficiais como as publicações e o Registro Geral ou Livro de

tombo institucional.

A coleção Mundurukú, serve bem para exemplificar o fato por ter

contado re sempre com acréscimos de informação extra-registro, por exemplo,

à pesquisa de Manizer no inicio do século XX. Por exemplo. As etiquetas da

exposição como a etiqueta da cabeça e sua ilustração, armazenadas no setor

de etnologia, hoje no acervo iconográfico do mesmo, que foram talvez

guardadas para publicações futuras, no entanto mereceram estaque de peça

única na exposição de 1882, por possuírem um duplo encantamento, o de

provocar horror pela sua “barbárie” á uma sociedade como a do Rio de Janeiro

em 1882, cujos traços de civilização ainda eram recentes e de provocar

admiração pelos guerreiros Mundurukú e sua coragem, afinal a coragem e as

batalhas indígenas eram o alvo da literatura romântica que apesar de estar

saindo de moda, ainda era lida e a coragem guerreira estava presente devido à

proximidade do fim da Guerra do Paraguai:

Fig. 3 Pariuá (Cabeça troféu Mundurukú) Litografia, acervo SEE

77

“Pariuá (trophéu guerreiro) é uma cabeça mumificada por processo especial. Logo depois da luta, o guerreiro Mundurucú vencedor degolla o inimigo morto. Apropia-se da cabeça que prepara arrancando-lhe os dentes , os olhos, extraindo-lhes o encephalo e raspando-lhes o cabello. Depois de estar assim tratada é posta a cabeça sobre o fumeiro para enxugar. Untan-na com óleo de Andiroba(carapa Guianensis) e enche-na de estopa e bolinhas de algodão, tapam-lhe a boca com resina; no lugar dos olhos collocam bolas de resina ás quaes prendem dentes de cotia. Ornamentam, depois, a cabeça com pingentes de pennas e fios de algodão. Um grosso cordão passado pela bocca serve para o possuidor do funebre tropheu possa carregá-lo quando o prende á cintura. é também costume trazê-lo espetado á ponta de um bastão. Com os dentes do inimigo morto ornamenta o TUCHAUA (CHEFE) uma cinta pariuate-ram que representa para os Munduruku uma condecoração."

As classificações acompanham as mudanças da produção de

conhecimento, em primeiro lugar na classificação da lista pré catalogo temos

as classificações feitas por Comissões de viagens exploradoras, já que ao que

temos indicações documentais de ser a coleção Munduruku é proveniente da

comissão Langsdorff, corroboradas pela pesquisa do Dr. Manizer 89 no Museu

Nacional em 1914. As classificações da coleção levam em conta a observação

o mais detalhada possível do uso e da inserção nos costumes das sociedades

observadas como os manuais para viajantes apregoavam desde Gerando.

Portanto as observações comentadas sobre ser o “cetro” Mundurukú um

distintivo de familiar são parte da preocupação e do treinamento dos

integrantes das comitivas.

Ao Considerar a produção do conhecimento intelectual brasileiro em

formação através de textos publicados pelos membros do IHGB, os estilos

também se modificam; Gonçalves Dias, José do Couto Magalhães e Ladislau

Netto marcam fases distintas que se sucedem, mas ao mesmo tempo chegam

a competir em termos de interesse.

89 MANIZER, G. G. A Expedição acadêmica de G. Langsdorf ao Brasil (1821-1822). São Paulo: Ed. Nacional, 1967.

78

A intensa produção de José do Couto de Magalhães, vinda a partir de

cargos de presidência de província vividos com intensidade de viagens. Couto

preocupado com a inserção do elemento indígena sempre observa não ser um

naturalista, e em suas classificações das indústrias dos índios se sente mais a

vontade de descrever sem justificar. Seu investimento era no estudo dos em

termos lingüísticos e sua grande preocupação era ressaltar a necessidade de

aprofundar esses estudos para contribuírem de uma forma mais positiva na

integração do indígena. Sua descrição do acervo por vezes está abertamente

referida á sua experiência de combate e caça.

“Falando em armas, não poderia deixar em esquecimento uma, que é das mais terríveis, isto é , o porrete: tiram-no do cerne e madeiras de lei, atam-no com uma corda e manejam-no de modo que sua pancada, se não é sempre mortal, serve pelo menos para derribar a vitima e dar-lhe ocasião de matá-la mais comodamente. Existe aqui em, Crixás, o alferes Antonio Xavier, que foi derribado de cima do cavalo por um desses tiros, lançado de sessenta passos de distancia! O porrete é curto, de 3 palmos, e o cabo de quatro polegadas; a ponta é mais larga do que o resto e termina em forma de azagaia ”90

A experiência acadêmica e literária de Gonçalves Dias por sua

formação em Coimbra, bacharelado e estudos complementares da língua

alemã e sua preocupação com a inserção das partes em um todo abrangendo

preocupações como a forma da educação indígena era efetivada, além da sua

constante preocupação com a valoração estética do Indígena brasileiro,

executada na sua obra poética, faz de suas descrições em alguns itens

preocupação estética e em outros como o abaixo descrito narração de conflito,

por vezes invertendo a ordem mais usada de se falar de conflito na descrição

das armas e de estética na descrição dos adornos:

90 Magalhães, J.C.- Viagem ao Araguaia -SP: Companhia Editora Nacional, 1957. p.101

79

“Nas armas há grande variedade com insígnia de mando, são belos Murucú- Maracás, as grandes lanças usadas pelos chefes: curiosas pelo cumprimento das hastes, pela perfeição do trabalho e por uma pedra ou esferas que mal se sabe como, forçaram a entrar por uma fenda longa e estrita, que se vê na parte superior da haste n. 1 O acangatar de número 63 é o enfeite de um dos chefes dos Araras, Morto em Combate ainda esse ano, nas imediações na ilha de igual nome, no Rio Madeira”91

A experiência e formação de Ladislau como naturalista, acostumado

basicamente a ver através de calcificações e ordenações das partes a solução

para o entendimento e o conhecimento e a sua preocupação política com a

projeção institucional faz com o acervo indígena passe a ser mais um item

coletado em seu grande arquivo de documentação dos “antigos íncolas dessa

terra”. O destino das populações indígenas contemporâneas não lhe afeta, só o

estudo de seus aspectos físicos e de seus artefatos. Essa preocupação com o

acúmulo para estudos posteriores de caráter tecnológico aproximados dos

arqueológicos na composição de grades evolutivas, faz com que a

classificação passe a ser feita em forma de conjunto onde mesmo a

procedência pode ser confundida o que importa é serem indígenas presentes

no território do Brasil, assim chegamos aos grandes conjuntos indistintos como

os presentes no guia da Exposição Antropológica de 1882:

17- Brincos de indígenas do Amazonas (M.N.) 69.- Coleção de colares de diversas tribus- Exp: M.Nac. e D. Amélia C. de Albuquerque. 34- Ornatos para pernas (M.N.)

No entanto a instituição sempre teve seus papéis secretos ou explorados

por poucos até a criação do arquivo geral do Museu já no final do século XX,

em 1994, iniciado através de um projeto para resgate da memória do Museu

Nacional coordenado por uma bibliotecária que durante alguns anos, chefiou a

Biblioteca do Museu; Maria José Veloso da Costa Santos. Os papéis ficavam

91 MONTELLO, op. Cit.

80

dispersos em seções e departamentos muitas vezes separados em gavetas,

reservados para futuras pesquisas, que nunca se efetivaram. Ou então eram

publicações da biblioteca geral sob o selo Obras raras, que eram pouco

manuseadas e conhecidas como os fastos do museu e relatórios e decretos do

século XIX, Sendo a própria Chefe da Biblioteca durante várias décadas do

século XX. D. Dulce Fonseca Fernandes da Cunha, autora de um livro sobre a

biblioteca da instituição92

Os documentos originais então que foram utilizados para essas

publicações estavam fora de acesso em caixas, onde ficaram até a sua

abertura no arquivo geral, no entanto partes dessas informações sempre

surgiam e eram integradas ainda que de forma desordenada, por vezes em

publicações como a de Raimundo Lopes e raras vezes anexadas ao catálogo,

em anotações a lápis ou apareciam em informações pontuais em textos

expositivos.

Para que se possa realmente ter uma idéia do acervo do século XIX,

com todas as suas possibilidades de informação é necessário que se proceda

à atualização do catálogo geral do Setor de Etnologia, com a integração da

documentação dispersa e as observações disponíveis atualmente em pesquisa

bibliográfica. Seria um investimento em linha contrária ao das reduções

efetuadas com vistas á informatização em vários acervos institucionais desde o

fim do século XX etnográficos, mas geraria um banco de dados informatizado

com informações consistentes.

92Cunha, Dulce - História da biblioteca do Museu Nacional do Rio de Janeiro, 1863 -1973 Rio de Janeiro, Museu Nacional, 1966.Série livros,(III)

81

CAPÍTULO 2

OS PROCEDIMENTOS DE DIVULGAÇÃO DA COLEÇÃO

O trabalho do Museu no século XIX, por vezes, se confundia com o

trabalho com as coleções, mesmo ultrapassando a estas. As coleções eram o

objetivo primeiro e último dos trabalhos, inclusive aqueles empreendidos para

divulgação que hoje podem ser vistos como divulgadores de idéias e do

trabalho intelectual do Museu, a saber: Exposições, Publicações e Iconografia.

É através dessa divulgação e do quanto ela transcende as coleções que

podemos ter uma amostra das lutas internas e externas e dos ideais do grupo

de pessoas vinculadas a formação da coleção.

82

2 As Exposições

O conceito de exposição para o século XIX, com certeza, não pode ser

visto como o entendido no presente século nem no passado, pois o conceito

contemporâneo de exposição refere-se à segunda metade do século XX, com o

fim da Segunda Guerra Mundial e a criação do ICOM (Comitê Internacional de

Museus), a partir de quando foi dada importância máxima às exposições e

passou-se a esperar que as mesmas fossem a principal motivação de uma

instituição museológica. A partir daí, seria através delas prioritariamente que os

significados deveriam ser transmitidos ao público, unindo o objeto e o que se

diz a seu respeito. Dessa forma, a exposição passa a se constituir em uma

forma de narrativa cultural privilegiada, colocando em um mesmo espaço duas

linguagens irredutíveis93.

O caminho de sacralização das exposições, no entanto, foi longo. No

presente trabalho, meu interesse é focar, no século XIX, as exposições do

Museu Nacional ou o seu acervo, devido à correspondência existente quanto

às exposições universais e as nacionais, partindo-se das exposições temáticas

iniciadas no Museu, em um processo de circulação de acervo que, ao seu

término também trará benefícios ao museu e à sua coleção, além do benefício

imediato de promover maior visibilidade da instituição e de seus membros.

No século XIX, as Exposições Universais visavam ampliar vendas e

aumentar o consumo, segundo uma ampla bibliografia culminada por Plum94.

Atualmente cumpre ressaltar a dimensão de universalidade dada a partir da

diversidade de itens expostos que englobavam praticamente toda a atividade

humana e pela participação de um grande número de nações95. Essas

93Focault nos chama a atenção para a irredutibilidade do que se vê, que jamais reside no que se diz. FOUCAULT, M. As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes, 2000s. 94PLUM, Werner. As Exposições Mundiais no Séc XX: Espetáculos da Transformação Sócio-Cultural: Bonn: Friedrich-Ebert- Stiftungs, 1979 Universais. 95PESAVENTO, Sandra J. Exposições Universais. SP. HUCITEC, 1997.

83

exposições não produziam sínteses ordenadas nem tinham um caráter

educativo; o seu caráter civilizador se limitava a dar conhecimento da

existência de novas tecnologias, embora, na Exposição Universal de Paris,

1989, tivesse lugar o Palácio das Crianças. Uma das primeiras conotações

educativas das exposições só apareceria com Boas, no final do século XIX:

“Resumindo, acredito que a função educativa de um museu do tamanho do Museu Americano de História Natural é divertir as massas, instruir o grande número de pessoas que procuram o museu em busca de conhecimento, aperfeiçoar o conhecimento daqueles que possuem uma instrução mais elevada e ajudar os que estão interessados em estudos mais especializados.” (p.359)96

Esse primeiro elemento de racionalização entre o lazer e um caráter

educativo, que se aprofunda de acordo com a disponibilidade de apreensão do

espectador, faz parte da observação natural do público e do desejo de

potencializar e dirigir tal público, ou apenas uma fatia dele, para um

aproveitamento específico, ou seja, para a transmissão de uma mensagem

“educativa“ previamente estabelecida pela instituição que planejava a mostra.

Utilizo-me desse conceito para estabelecer, a partir daí, uma diferença entre

um vago e possível projeto civilizador, presente nas exposições do século XIX

e uma ação educativa. No entanto, essa diferença, se pensada através dos

séculos pode ser enganosa, uma vez que o vago processo civilizador e o

projeto educativo possuem uma continuidade maior do que se estabelece

normalmente através de uma oposição de modelos, principalmente no caso de

uma mostra sobre indústria humana, em que a visão de outros humanos se

estabelece.

Um museu ou exposição etnográfica exerce um fascínio especial e

promete aos visitantes algo mais, uma racionalidade ordenadora, um sentido

96BOAS, Franz - As Funções Educativas dos Museus Antropológicos -in: A Formação da Antropologia Americana- Org.STOCKING, Jr. RJ: Editora Ufrj, 2004.

84

como nos lembra Oliveira (2000)97, algo que nos ajuda a entender o outro que

nos escapa. Se essa citação ajuda a compreender exposições voltadas para

um princípio mais contemporâneo de diversidade cultural também pode, de

certa forma, ser transposta para o século XIX, quando a compreensão do outro

necessariamente colocava o problema de hierarquização do outro em relação a

si próprio, ou seja, na ordenação do mundo social, se fazia necessária uma

visão de qual o local, qual o grau de sofisticação, maior ou menor, de como

esse outro seria visto em relação às pessoas que propunham a exibição.

Termos descritivos ou expositivos, como “Arte plumária”, não podem ser

naturalizados por um tratamento contemporâneo que tornou o termo quase que

conjugado, pois significavam uma flexibilidade de suporte para a categoria Arte,

normalmente ligada à categoria escultura, pintura e arquitetura, bem como a

possibilidade de colocar o indígena como produtor de arte.

Ao mesmo tempo, os conjuntos expositivos devem ser levados em

conta, por mais que pareçam ser apenas uma miscelânea colocada daquela

forma sem nenhuma intencionalidade. Os documentos para tal empresa podem

parecer escassos, mas contamos com descrições e imagens no caso das

exposições, a partir de 1861, quando temos relações e imagens mais precisas.

Temos, então, outras fontes, principalmente as descrições de imprensa, a

importância da mesma na divulgação do preparo da exposição, angariando

participações, durante o evento na divulgação e a descrição dos mesmos. Isso

foi fundamental para a coleta de dados sobre as exposições.

97OLIVEIRA, J.P.- Máscaras: Objetos étnicos ou recriação cultural - in: Os índios, nós -Museu Nacional de Etnologia- Lisboa, 2000.

85

2.1 Exposição Museu Nacional, Primórdios.

Pretendo dar conta minimamente do que foram as exposições do Museu

Nacional do Rio de Janeiro ou a ele ligadas nas décadas propostas. Pelos

documentos até agora obtidos, podemos verificar, em primeiro lugar, que aquilo

hoje denominado como exposição permanente parecia uma mistura de

exposição e o que hoje denominamos reserva técnica, ou seja, com exceção

do acervo nos laboratórios, tudo era exposto ao público. A quantidade

prevalecia sobre a qualidade e a ordenação, como vemos neste documento já

da segunda metade do século XIX:

“Doc.187 Tenho a honra de propor a V.Exa que se tire dos medalheiros todas as moedas e medalhas que existirem em número de três para cima e que sejam guardadas em deposito, convenientemente rotuladas com o nome das nações a que pertencem, mas que isso seja feito debaixo das vistas do Dr. Ladislau Netto, já que o diretor da secção acha-se ausente. Proponho mais que se tire da exposição pública o quadro intitulado Venus de Ticiano que pertence ao Sr. Drumond, do qual já tem havido diversas reclamações de alguns paes de família, que o julgam imoral pela posição indecente que o autor dá à uma de suas figuras. Museu Nacional 7-08-1868 Carlos Burlamaqui Porteiro aceito a proposta, Francisco Freire Allemão”

No entanto, precisamos nos lembrar do nosso olhar contemporâneo e

verificar que o fato de tudo ser exposto parece não ser o que propriamente

incomodava os visitantes estrangeiros, acostumados a também ver “tudo” em

seus Museus, e sim a valoração dada ao acervo e a confusão entre um

86

material nacional exposto e a pretensão de expor um acervo que, aos olhos

europeus, parecia ridículo:

“Entre os objetos que o museu expõe, alguns há que num semelhante estabelecimento da Europa, seriam talvez colocados no alto dos armários como não tendo um grau de interesse bem evidente; são eles, todavia que atraem, com mais fruto certamente, o olhar da multidão”.

O caráter de informação ao público local sobre várias as partes do

mundo, inclusive da Europa, simbolizado pela presença de um pintassilgo

taxidermizado no acervo chocava Dennis. Em seu trecho sobre o Museu

Nacional98, o mesmo não refletia sobre a possibilidade de uma arara

taxidermizada, em um museu francês, ter o mesmo efeito exótico. A reflexão de

Dennis sobre as exposições abstrai a população ávida de conhecer o mundo

europeu e seus pintassilgos. Também o faz pensar no Museu como um

arremedo dos museus europeus e de suas tendências, embora ele próprio,

Dennis, faça uma observação sobre a preferência do público por esse acervo.

As separações iniciais da exposição eram bastante abrangentes: na

parte dedicada à indústria humana, já se notava uma separação inicial entre as

brasileiras e as demais. A forma de expor era importada, como os arranjos

denominados “Tropheos”, que vão ser característica das exposições por todo o

século XIX, em várias partes do mundo, tão carregados de valores

imperialistas, já que os primeiros são assim designados nos museus britânicos,

por serem parte do espólio trazido das missões punitivas nas colônias.

A necessidade dos arranjos estéticos, no entanto, a meu ver faz parte

da ênfase necessária a ser dada nos artefatos indígenas, que deveriam ser

vistos como passiveis de contemplação estética, reforçando a noção de o

indígena e seus artefatos serem integrantes, importantes no contexto histórico

brasileiro em formação. Mesmo Coombes99, ao se referir às exposições do

século XIX nos museus britânicos, relaciona as discussões sobre arte e

98 DENNIS,F. Brasil,São Paulo: Ed. EDUSP,1980. 99 COOMBES, Annie- Reinventing África, New Havem, London: Yale University Press, 1994.

87

natureza dos ornamentos às discussões sobre degeneração, geradas pelos

objetos provenientes das expedições punitivas, diferentemente do que

denomina de um brilho estético dos materiais vindos por meio de pesquisas

antropológicas, como os bronzes do Benin. Para Price100, o caráter dos objetos

“primitivos em exposição” sempre trai uma exotização que, por vezes, pode

chegar à repugnância. A autora se refere às exposições do século XX,

empenhadas justamente em diluir esse exotismo. Ao pensarmos no século XIX,

podemos imaginar que os efeitos visuais dificilmente caminhariam para uma

não exotização dos indígenas.

Levando-se em conta o acervo do Museu, principalmente a plumária

podendo ser proveniente de coletas científicas, como a procedida pela

Expedição Langsdorff, e a filiação ideológica ao romantismo do primeiro

curador, que relatava seus cuidados para melhor expor as vestes indígenas, a

tentativa era mais próxima de dar um brilho estético, o que certamente não

eliminava o caráter de exoticidade.

“Separadas as vestes dos indígenas brasileiros das de outras regiões, ficando estas colocadas em forma de Tropheos e com um arranjo artístico, mais conveniente e harmonioso para sua Exposição ao público. O partido que se pode tirar da disposição arquitetônica da sala (...) a péssima luz que oferece o edifício, pois não foi construído para museu e nem mesmo na parte nova se procurou este meio tão eficaz e profícuo para realçar todos os objetos que aí se deviam colocar. 26 de Janeiro de 1947 Manoel de Araújo Porto Alegre”101

Um marco das exposições parece ser a dupla exotização dos

indígenas. Apesar de serem “os nossos indígenas”, eram tão desconhecidos e

exóticos como os povos asiáticos ou polinésios. Essa exotização expressa

também através da miscelânea visual que compunha os desfiles

comemorativos da época. A curiosidade e a representação desses povos pode

100 PRICE, Sally. Arte primitiva em centros civilizados. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2000. 101 PORTO-ALEGRE,op.cit.

88

ser medida por uma descrição de um desfile comemorativo transcrito por

Silva102, na Gazeta do Rio de Janeiro de 1810:

1- Carro da América acompanhado por dança de índios 2- Carro representando o império da China 3- Carro da imortalidade, dança “Heróis Portugueses” 4- Carro representando as ilhas do pacífico com índios

próprios 103

Os carros e as danças eram oferecidos por associações de negociantes

e de oficiais vários, como: pedreiro, carteiro, carpinteiro e outros, além dos

serventuários, como os do matadouro. Esses desfiles marcam dois pontos de

referência com o Museu, o primeiro por serem realizados no Campo da

Aclamação ou Campo de Sant’Ana, e o segundo por marcarem uma visão

expositiva não muito distante da presente na exposição permanente do Museu,

onde objetos indígenas, representações dos heróis portugueses e artefatos

provenientes das ilhas do pacífico conviviam, talvez com mais harmonia do que

podemos avaliar contemporaneamente.

Para melhor demonstrar o quadro das exposições, além das breves

descrições que podemos obter sobre a exposição do Museu, as primeiras

retiradas dos relatórios de Manuel de Araújo Porto Alegre, em que o mesmo

descreve os trophéus, como junções harmônicas e decorativas de um mesmo

grupo de objetos, como, por exemplo, as armas dos indígenas brasileiros,

fazendo supor que os conjuntos, até a sua intervenção na década de quarenta

do século XIX, estivessem bastante misturados. Porto Alegre havia tido uma

experiência com exposições, em sua viagem a Paris, acompanhando o retorno

de Debret, provavelmente lidou com as necessidades estéticas de uma

exposição.

Entre as primeiras notícias de preocupação interna com a exposição,

encontradas no AGMN104, vemos um pedido de planta, alternativo ao enviado

pelo Museu, visando à reforma da mesma e ao envio do engenheiro e lente de

102 SILVA, op.cit. 103 Idem 104 Doc. número 148 pasta 1840-1844 AGMN.

89

Belas Artes Grandjean de Montigny105 para sua execução. A apresentação do

anteprojeto para a reforma se dá em 1842. Ladislau Netto106, em sua

publicação sobre o Museu datado de 1870, coloca a reforma em execução no

relatório de 1844, no qual Custódio Serrão, então diretor da instituição,

reivindica sua conclusão:

“Esta harmonia que não deve achar-se na distribuição dos objetos e na forma dos armários como também na construção do edifício, (...) As três galerias projetadas na parte do edifício que se está em começo, e que são de maior simplicidade e economia, podem, de mais, concluir-se com muito pequeno sacrifício, (...)A sessão de numismática e artes liberais, arqueologia e usos e costumes das nações modernas acha-se em uma sala cujo teto ameaça ruína.”107

No relatório de 1844108, Porto Alegre também reclama do andamento

das obras, observando que pouco se avançou no trabalho com as coleções e

exposições, devido às coleções estarem amontoadas em armários e gavetas

por causa das obras, e alerta para o perigo que correm as coleções,

principalmente as brasileiras, que incluíam “desde os aborígines até a invasão

do homem civilizado e seus progressos.”

No relatório subseqüente, Porto Alegre já descreve o novo arranjo das

salas, no qual aponta que já estariam separadas as vestes dos indígenas

brasileiros dos de outras regiões, ficando as mesmas colocadas na forma de

troféus e com um arranjo mais artístico, mais conveniente e harmonioso para

sua exposição ao público, Porto Alegre atenta para detalhes da exposição,

como “a péssima luz que oferece o edifício, pois não foi construído para Museu

e nem mesmo na parte nova se procurou esse meio tão eficaz e profícuo para

realçar todos os objetos que aí se deviam”, guardadas as proporções devidas

105VAINFAS, Ronaldo.Dicionário do Império,RJ:OBJETIVA,2002 p.347. 106NETTO, Ladislau, Investigações sobre o Museu Nacional- RJ: Instituto Philomático, 1870, p.81/82. 107Idem 108Doc. Número 35 pasta 1845 AGMN.

90

às escaramuças internas da Escola de Belas Artes, da qual tanto Porto Alegre

como Montigny eram professores.

Lacerda109 data de 1856 a conclusão da parte nova do edifício

correspondente à sua ala esquerda. As salas foram pintadas pelo cenógrafo

João Ignácio da Silva Freitas, e comprados móveis da importância de 7$000

para guarnecer os salões.

2.2 Exposição Museu Nacional, 1870

O fato do reaproveitamento de prédios que acomodavam mal as

exposições vai ser o anúncio de várias situações posteriores ao próprio Museu

Nacional e à boa parte das instituições fundadas a partir de então. Temos a

descrição de Moreira de Azevedo110, da segunda metade do século XIX, sobre

o Museu como um edifício pequeno e feio. Pode-se imaginar o benefício de um

princípio de separação e uma disposição mais clara, pelo menos por algum

tempo. Na época da descrição pormenorizada de Ladislau Netto (1870), vinte e

quatro anos após o início da reforma, parecem haver novamente a

necessidade de reforma de espaço e reorganização.

No circuito descrito por Ladislau em 70, a quarta sessão se faz

representar por três salas: 7, 8 e 9, sendo priorizada no texto a sala de número

9, apresentada por Ladislau Netto de modo a não deixar dúvidas sobre a sua

importância:

109LACERDA, J. B.- Fastos do Museu Nacional, RJ, 1895. 110AZEVEDO, Moreira- O Rio de Janeiro, Sua História, Seus Monumentos, Homens Notáveis, usos e curiosidades. RJ: Livraria Brasileira, 1969.

91

“é este o salão mais importante que oferece o Museu Nacional. Digo o mais importante porque o vasto e rico gabinete mineralógico (salão n. 5) de que já apresentamos aqui um ligeiro computo, iguais e até melhores se lhe podem antepor nos museus europeus, enquanto que esse salão possui a mais completa coleção Etnográfica que jamais se viu de nossas numerosas tribos indígenas. E não somente por essa coleção o devemos recomendar aos olhos dos apreciadores, mas ainda pelas curiosidades que aí se encontrão de alguns países da América Meridional e Central.”111

Ao apresentar a sala que descreverá, Ladislau marca o que era

importante para uma exposição: expor uma coleção completa que pudesse

rivalizar com as instituições européias, apresentando o que marcava a

diferença do Império Brasileiro, seus indígenas. A ligação desse império com

as Américas meridional e central também devem ser demarcadas, em uma

época em que, como já comentamos, as antiguidades desses locais eram

subvalorizadas. Já no primeiro armário descrito o conteúdo é uma múmia

Aímara (Bolívia) e seus apetrechos, o enfoque da descrição é dado na posição

da múmia “tendo os joelhos aconchegados ao peito e as pernas enlaçadas

pelos braços”. A partir daí, faz uma referência comparativa com o que

denomina de mortos de algumas tribos do Amazonas, como os índios

“Gamellas”, por exemplo, que são conservados dentro de cofos, pondo-se-lhes

entre as pernas um cesto de com batatas, mandioca, milho e alguns utensílios

e vasos úteis.” Continua a comparação com os objetos que foram encontrados

com a múmia e colocados ao redor da mesma no armário de exposições.

Duas preocupações podem ser retiradas do texto que não trata de uma

descrição pura e simples: a primeira, uma preocupação com um estudo

comparativo que poderia levar a aspectos de revelação de uma civilização

Amazônica pretérita; e a segunda, ao manter o cesto com os pertences ligados

à múmia, a preocupação expositiva de promover um entendimento do contexto

por meio de uma pequena ambientação, o que seria usado por Ladislau

posteriormente, em 1882.

111 NETTO, Ladislau. Investigações, op. Cit.

92

O armário número dois é descrito com o conteúdo de “toda” a coleção de

antiguidades bolivianas oferecidas, em 1868, ao Museu Nacional, pelo

conselheiro Lopes Neto, então em missão diplomática na Bolívia. Entre objetos

de couro, fac-símiles de um calendário e de um ídolo, não se descreve a

quantidade dos objetos apenas, “muitos outros artefatos que longo fora

enumerar aqui”. Note-se a presença de cópias, apontando para uma

característica da coleção de acervo estrangeiro, incluindo o das Américas, que

se formou no Museu. Nessa coleção, peças com a importância das múmias

conviviam ao lado de outras com um caráter que viria a ser denominado no

século XX, como turístico, mas que já pertenciam à coleção do Museu no

século XIX.

No armário número três aparecem: ornatos plumários (indicados como

atavios de guerra), e cabeças troféus dos índios Mundurukú, colares Wapixanã,

peças sem descrição de grupo e artefatos trançados dos Uaupés. Verificamos

que os troféus de vestimentas, produzidos por Porto Alegre, foram postos em

vitrines de grande mistura e quantidade de materiais, seguindo-se o mesmo

arranjo no armário de número quatro.

No armário número quatro, encontrava-se um conjunto delimitado por

função: os instrumentos musicais de vários grupos. Junto à descrição dessa

vitrine, encontrava-se a observação sobre a estadia, no Museu, de três índios

de um grupo de Goiás, que tocaram os instrumentos que se supunham ser de

guerra e, segundo os mesmos, eram de festa e provocaram enlevo pela

maestria e principalmente pelo fato de as pessoas do Museu não conseguirem

tirar nenhum som de tais instrumentos. Aos poucos, junto com a descrição dos

armários, Ladislau Netto vai focando interesses e classificações. É interessante

o fato dos instrumentos musicais indígenas se formarem enquanto categoria já

nesse momento, uma das categorias em reserva mais fácil de ser identificada e

mais estudada ao longo do século XX. A própria presença de sons musicais e

principalmente sons capazes de provocar enlevo em tal época é bastante

sintomática de uma positivação do elemento indígena.

Mais curioso ainda é vermos a longevidade das práticas de visita de

indígenas ao Museu e o contato com seus acervos, sendo essa uma

93

característica que seria mantida ao longo do século XX. Pode-se inclusive

alegar o fato da presença desses índios ter como objetivo as primeiras

pesquisas de Atropologia Física, para que se fizessem medidas comparativas

para um quadro racial. No entanto, o fato de terem contato com seus artefatos

e opinarem sobre os mesmos e principalmente de ser narrado é bastante

importante para uma função da coleção do Museu na relação entre os

indígenas e as pessoas que formavam o seu corpo administrativo.

No armário de número seis, os conjuntos de instrumentos de caça e

guerra e outros ornatos festivos formam um conjunto definido pela procedência

“Valle do Amazonas”, com a descrição dos artefatos dos índios Uaupé, Tukano,

Boré e Tecuna. Provavelmente eram provenientes da recente coleção da

Comissão Científica, 1861, fazendo com que o acréscimo de peças na década

de 60 do século XIX na exposição fosse significativo, levando-se em conta

também as antiguidades bolivianas (1868).

No armário de número sete, prossegue a descrição de artefatos do “vale

do Amazonas”, mudando os grupos para Juma, aos quais são atribuídos três

crânios que se supõem serem, entre eles, de um português e de uma

brasileira, ambos recentemente assassinados e devorados pelos mesmos.

Aparece aí a marca das preocupações temáticas da época: o canibalismo,

como veremos na parte das publicações relativas à Exposição Antropológica, o

acervo vai tendo um destaque expositivo à medida de sua ligação com os

temas da época. No mesmo armário, vemos uma descrição do que é

denominado como cópias de artefatos em argila, entre os quais menciona uma

bacia e um jarro pintado que dizem feitos pelos índios aldeados da grande e

famosa tribo Mura. O cuidado de afirmar a procedência indígena nesse caso

também aponta para o apuro técnico da cerâmica que provavelmente integra,

no registro geral, o grupo genérico de louça dos índios civilizados, misturando

várias procedências possíveis e formando uma só categoria. O armário parece

conter uma anteposição barbárie x civilização, pois no mesmo se encontram os

crânios jumas e as louças dos índios aldeados.

Nos armários de número 8, 9 e 10 seguem as curiosidades indígenas

sem computo de quantidade. No armário 11, vemos o destaque para uma

94

pratele ira com uma coleção de figuras em guaraná e em borracha,

provavelmente a coleção de esculturas de animais feitas pelos Mawé. O

armário doze continha o que podemos chamar de miscelânea arqueológica

com “pedra extraída do antigo palácio de Cristóvão Colombo, uma coleção de

arqueologia da Escandinávia, um modelo de gesso com inscrição em língua

latina encontrado nas escavações urbanas dos tempos coloniais.”, aproximada

do que hoje seria denominado de Arqueologia Histórica.

Prosseguem as curiosidades indígenas, no armário 13, com destaque

para a luva de tocandira, componente de um rito de passagem que vai

despertar atenção e a curiosidade por demonstrar a coragem exigida para que

um índio fosse considerado um homem ou um guerreiro indo de encontro aos

ideais românticos da época. No armário, o destaque é para a enorme e

horrenda “máscara Tecuna, descrita com minúcias de materiais: tecida de

cipós, besuntada de breu, com olhos de vidro e espelho e coberta por uma

cabeleira de fibras vegetais”.

Seguem os armários 15 e 16 com o acervo preponderantemente dos

índios do Amazonas. Destaque para o retrato do jovem Apiacá, realizado em

1826 por Henrique José Dias. No Doc.N.74. AGMN, temos uma idéia da

procedência do quadro e do seu significado: “Sua Majestade o Imperador

manda remeter a cópia do retrato de José Saturnino Jurucuariary, chefe dos

índios Apiacaz com uma sucinta explicação de esclarecimento”. José Saturnino

Juruciaricy, chefe dos índios Apiacaz, na província de Mato Grosso, na ocasião

em que se apresentou ao Presidente da Província, oferecendo seus serviços

ao Império em 1826, depois de já ter aldeados mais de 10 mil indivíduos

daquela nação nas margens do Rio Arinos e estabelecido plantações

comestíveis, de grande utilidade para os condutos que vão do Alto Paraguay

Diamantiana à província do Pará. Deu-se-lhe a patente de capitão dos Índios

da aldeia de Tacuara, em setembro do mesmo ano. Quarenta e poucos anos

após a oferta, temos o quadro na exposição do Museu, como uma imagem do

indígena, escolhida provavelmente pelo suporte e maestria do trabalho, mas

também por representar um índio participativo e integrado ao Império. O texto

de Ladislau indica:

95

“Aquele rapaz fez-se nosso aliado e batizou-se com o nome do presidente da província do Mato grosso, José Saturnino, depois senador do império, e que lhe serviu de padrinho. Esse retrato em que lê se acha tal qual se apresentou ao dito presidente, em 1826, com todos os seus distintivos e ornatos de festa e de guerra, é trabalho de José Henrique Dias, o primeiro diretor da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro”.112

No armário dezessete, estavam expostas as divindades indianas,

aproximadas por Ladislau às divindades gregas, que comenta ter “Krichanna

alguma coisa das façanhas de Hercules e Apollo”. O armário também continha

algumas peças chinesas, além do modelo em bronze da mão do Imperador,

feito em 1840, e uma espingarda em madrepérola. Entre este último armário e

o primeiro ficaria o medalheiro.

O salão de exposição é descrito como uma galeria longa com oito

pilastras (de ferro fundido) no compartimento central, criando um quadrilátero

central onde se encontravam três belas estatuas originais do escultor Fernando

Petrich, de 1845. A descrição dessas estátuas feita por Ladislau é digna de

observação bastante cuidadosa:

“Estas estatuas representam: o Brasil, na figura de um jovem índio, garbosamente adornado de penas e armado para guerra ou para caça; Portugal, personificado n’um robusto e altivo cavalheiro da idade média; e a França, na figura de Napoleão primeiro, sentado e meditabundo, sobre um rochedo, tendo junto de uma guia acorrentada e um livro meio aberto pelo dedo indicador como se lhe marcasse a pagina que o faz cismar. Apoiada no pedestal vê-se uma canoa indígena denominada ubá”. 113

A descrição visual de um Brasil com o elemento indígena, o elemento

português e o francês, representado por Napoleão, é naturalizada por Ladislau.

Com curso no Jardim de Plantes em Paris, correspondendo a uma visão de

época, sua interpretação de um conjunto expositivo pode ser próxima de como

um determinado segmento da população do Império se imaginava, não

112 Idem 113 Idem.

96

diretamente como descendente, mas como uma inspiração na nação francesa.

“Próximas ao medalheiro, estátuas e bustos e outras curiosidades”,

assim Netto descreve peças históricas. Ladislau Netto vai terminar sua

descrição com um libelo por uma reforma com a exclusão de objetos históricos

e artísticos. “Além disso, muitos anos provavelmente se há de passar sem que

esses objetos sejam convenientemente colocados onde melhor lhe devam

ficar. Se é que para fora do Museu não os transferir alguma justa e

conseqüente reforma”.

Digno de nota é o fato do material da África, podendo ser proveniente da

África ou dos africanos do Brasil, já citado no capitulo anterior, se encontrar na

sala de número sete, junto com os objetos de Madagascar, Nova Caledônia,

Ilhas Aleutas e Ilhas Sandwich. A Àfrica na exposição permanente estava

distanciada de qualquer composição do Brasil, exemplificando um fator

apontado por Domingues114 sobre a discussão de época, visando à imigração

como se a formação do povo brasileiro ainda fosse uma questão de escolha. A

população mais representativa seria reservada aos “nossos mais diversos

autóctones”, exemplificado inclusive como o acervo principal da área de

indústria humana. É particularmente através dele que o Museu irá se

representar nas exposições nacionais e internacionais.

114 DOMINGUES,H M Bertol- A Noção de Civilização na Visão dos Construtores do Império, RJ:Dissertação de mestrado em História, UFF, 1989

97

2.3 Exposição Nacional de 1861 e Exposição Universal de Londres 1862

Sobre as exposições nacionais e internacionais e a participação do

Museu, escolhi fazer uma breve análise um bloco de exposições interligadas,

executadas no ano 1861/1862:

- Exposição de Artefatos provenientes da província do Ceará,

Museu Nacional;

- Exposição Nacional de 1861;

- Participação brasileira na Exposição Universal de Londres 1862.

O diferencial dessa mostra é a composição de um acervo que parte de

uma pesquisa planejada. A Comissão Científica do Império, ainda que a

coleção chega diluída à mostra final em Londres. Podemos acompanhar os

sucessos e fracassos da constituição da formação desse acervo a partir dos

relatos da Comissão Científica do Império que formou a maior parte do que foi

exposto pelo Brasil, ganhando, então, visibilidade nas exposições

internacionais.

Sobre a Exposição de Artefatos provenientes da província do Ceará,

existem as seguintes notícias: uma delas publicada por Moreira de Azevedo115,

que nos descreve como sendo a primeira exposição de indústria que houve no

Rio de Janeiro e se deu em um dos salões do Museu Nacional, de sete a

quinze de setembro de 1861, com produtos naturais relativos à indústria, usos

e costumes da província do Ceará colecionados pelo Dr. Manoel Ferreira

Lagos, em suas excursões naquelas províncias, na qualidade de membro da

Comissão Científica do Império enviada às províncias do Norte. Desse ensaio

de exposição, nasceu a idéia da grande Exposição de dois de dezembro de

115AZEVEDO, Moreira- O Rio de Janeiro, Sua História, Seus Monumentos, Homens Notáveis, usos e curiosidades. RJ: Livraria Brasileira, 1969. Moreira de Azevedo, O Rio de Janeiro e suas Histórias

98

1861. Exageros à parte, a exposição de produtos do Ceará vai funcionar como

uma prévia e terá seu material incorporado à primeira Exposição Nacional.

Temos um relato mais extenso da mesma, através do Diário do Rio,

segundo Braga116, através dessa a exposição promovida por Manuel Ferreira

Lagos, que irá integrar a comissão da primeira Exposição Nacional. A notícia

começa indicando as dificuldades que Manuel Ferreira Lagos sofreu durante a

coleta do acervo:

“Consta-nos a esse respeito a insistência de Dr. Lagos foi capaz de conseguir... pediu ele a cama em que dormia de passagem quando oferecia alguma coisa de curioso, essas camas eram sempre redes, mas a vergonha dos habitantes em vender ou fabricar iguais fazia com que ele não quisesse perder a amostra que deparara”117

A descrição confere com um conjunto de redes no catálogo das

Exposições Nacionais e de Londres, na última, com algum destaque e uma

descrição mais aprofundada. Esses artefatos vão ser os formadores da coleção

de etnografia regional da quarta sessão e, mais tarde, do Setor de Etnologia do

Museu Nacional. A exposição de produtos do Ceará vai dar conta de produtos

naturais e industriais, seguindo a norma de classificação de época.

Na parte descrita como natural, tem destaque a coleção de abelhas e

seus produtos: “dezoito qualidades de mel e sua cera”. Além do mel, temos

classificados, como natural, pássaros, resinas, gomas, amido etc.

O conjunto relativo à carnaúba e seus produtos é um dos exemplos de

junção do natural e da indústria, sendo descrito como: ”A Carnaubeira que há

na Exposição amostras de tronco, de palha e de seus produtos; como abanos,

esteiras e urus, cestas e chapéus, assim como velas de cera que suas folhas

produzem”.

A renda e os crivos de Aracati, que mais adiante veremos ser tratada

como produção indígena na iconografia, foram expostos em grande variedade:

116BRAGA, Renato- op. cit 117Idem

99

“Os crivos de Aracati distinguem-se pela variedade de pontos, como seja o

cerzido de susto, o papelote de seda”. Lagos segue descrevendo que, em

Aracati, era muito difundido o trabalho de rendas em almofadas.

Na exposição também estava uma vestimenta completa de vaqueiro,

com seu chapéu, gibão, guarda peito, perneira, luvas e peia-boi, montado na

sua cela, armado de vara e ferrão com bainha, representando o homem do

sertão para o serviço. Essa representação do sertanejo precede a descrita por

José de Alencar e a presente em tipos regionais subseqüentes e vai estar na

mostra permanente do Museu Nacional durante o século XX.

A exposição se completa com destaques para cerâmicas e esculturas

em madeira produzidas em Inhamum, além de modelos de jangadas e

embarcações do Ceará. Pode-se visualizar um roteiro que será bem próximo

às exposições regionais e de folclore: redes, rendas, cerâmicas, esculturas em

madeira e cestos, além de uma primeira visão de um tipo que seria, nos anos

subseqüentes, consagrado como o sertanejo, que vai se unir à pintura do

vaqueiro de Reis de Carvalho, descrita na parte de iconografia. Manuel Ferreira

Lagos, com sua coleção que, em grande parte, se encontra hoje no Setor de

Etnologia e sua subseqüente exposição, cumpre uma etapa que vai se

encadear na Exposição Nacional e na representação do Brasil na Exposição de

Londres, ajudando a compor, através dos objetos, uma imagem da nação que

seria mais tarde transformada em verdadeiros ícones do Ceará e do Brasil.

A primeira Exposição Nacional, realizada em 1861, foi precedida de

várias coletas nas províncias. Já no primeiro capitulo, mencionamos a coleção

recolhida por Gonçalves Dias; cumpre mencionar ele ter chefiado uma equipe

que coletou os produtos naturais e industriais de praxe então: mineralogia,

botânica e especialmente amostras de madeiras, óleos resinas e alimentos.

O destaque dado a essa coleção pelo número de espécimes e variedade

fez com que a mesma constasse em um anexo no catálogo da Exposição de

1861, além do atraso de seu envio, devido aos percalços enfrentados por Dias,

a partir da sua nomeação pelo presidente de província do Amazonas. Dias,

responsável direto pela sessão de Etnologia narra assim seus percalços:

100

“Exposição de produtos naturais e industriais.(Manaos) No curto espaço de 11 dias, que tantos contam hoje foi preciso escolher, recolher, catalogar e acondicionar todos os objetos destinados à exposição- isto em uma terra pequena e sem recursos, numa província vastíssima de território, rica e variadíssima de produtos e com comunicação tão lenta”.118

Com toda falta de tempo e recurso, Dias transformou a participação do

Amazonas em uma participação bastante especial, rivalizando com a

participação do Ceará e a do Museu Nacional. Manuel Ferreira Lagos, além de

ser membro da mesma Comissão do Império, era também seu colega na

Secretaria de Negócios do Império e membro do Instituto Histórico e Artístico,

na época bem freqüentada por Dias.

Através do catálogo da Exposição, publicado em 1862 pela Tipografia do

Diário do Rio de Janeiro, temos notícia de que a Primeira Exposição Nacional

durou cinco dias e teve como presidente O Marquês de Abrantes. Entre os

membros da comissão, figuravam o Barão de Mauá (Sociedade de Apoio à

Indústria) e Frederico Cezar Burlamaque, diretor do Museu Nacional na

ocasião. O decreto-lei de sua nomeação se encontra no AGMN, bem como

documentação esparsa referente à mostra, como a aceitação de Carlos

Gomes, então um jovem maestro, para compor o hino a ser executado na

abertura da mesma. A composição de um hino demonstra a importância do

evento. Para termos uma idéia do que era esperado de uma mostra, temos a

comparação de André Rebouças119 em seu diário , sobre a abertura da

Exposição de Viena em contraste com a Exposição de Londres, sendo a

ausência de Musica um dos tópicos. A composição de uma música,

encomendada para a abertura, marca a solenidade do evento.

A mostra se realiza no prédio da Escola Politécnica, antiga escola

Central e atual IFCS. Além do hino, podemos ter uma idéia da solenidade pelo

cerimonial de abertura planejado com antecedência e descrito no catálogo, no

118DIAS, G- Relatório in Relatórios da presidência da província do Amazonas in Gonçalves Dias na Amazônia org. Montello, Josué Rj: ABL,2002. 119REBOUÇAS, André- Diário e Anotações Autobiográficas. Rj: Livraria José Olimpyo Editora,1938.

101

qual temos uma amostra privilegiada do comportamento da sociedade da

época à abertura da exposição: as pessoas convidadas deveriam chegar uma

hora antes do designado a SSMM e AAII, vestidas segundo a etiqueta do paço

em dia de gala. A entrada terá lugar pela porta dos fundos, ao lado do teatro.

Pelas portas da frente, destinadas às entradas de SSMM e AAII, só serão

admitidas pessoas em serviço que vierem em coche da casa Imperial. Meia

hora após a retirada dos augustos senhores, será franqueada a entrada pela

porta da frente a todas as pessoas decentemente vestidas.

As informações nos localizam de que sociedade estamos tratando, uma

sociedade de corte120, com suas regras conhecidas e difundidas. Um traje de

gala do paço imperial era um código conhecido; a prevenção com aqueles que,

por ventura, pensassem em burlar as regras também é clara, ao se estabelecer

qual o transporte que seria aceito para as pessoas com direito à entrada

principal; e o fato de as exposições serem abertas a pessoas decentemente

vestidas também implicava um código de época presente em todas as regras

de exposição pública.

A essas regras seguem-se as de uso durante a mostra, o horário de

abertura das dez da manhã até as três da tarde. Os bilhetes de entrada que

custarão 1$ réis para cada pessoa, nos dias de domingo e quinta-feira, e nos

demais 500 rs. As regras de comportamento geral: será permitido conservar

chapéu; não será permitido entrar de bengala e guarda-chuva, furar e tocar nos

objetos expostos; os visitantes serão responsáveis pelos danos causados aos

objetos expostos.

Pode-se constatar, pelas normas, um conjunto de regras de convívio

social entendido pelo grupo franqueado a freqüentar a exposição, que se

estende também a ter como pagar o ingresso. As regras vão desde o traje até

o comportamento considerado danoso, bem como os apetrechos danosos,

como bengalas e guarda-chuvas, e a preocupação com o não tocar os objetos,

o que fará parte de uma cultura de como assistir uma exposição ou, pelo

menos, a maior parte das exposições por bastante tempo a seguir.

120 ELIAS, Nobert. A sociedade de corte- Lisboa: Estampa, 1987

102

O próprio estabelecimento de regras de conduta, faz com que a

exposição demonstre um caráter “civilizador”, como se comportar, como treinar

o público, que veremos presente nas litografias da mostra, para participar da

forma esperada, sem causar danos aos materiais expostos e, de certa forma,

também um treino de apreciação, sem toque, mesmo como aparece pelas

litografias nos materiais mais à mão, mais sedutores a uma investigação de

textura pelo tato. A idéia de se dominar uma vontade e abstrair textura, tão

naturalizada, estava em fase de construção.

As imagens litografadas por Henrique Fleiüss e publicadas pelo Instituto

Artístico contribuem para uma análise da exposição dos objetos de indústria

humana na mostra. O caráter diferenciado das exposições dessa indústria,

como, por exemplo, da mostra de pintura e da de etnologia nos salta aos olhos.

A sala de modas e pintura é retratada no todo, com vitrines, visitantes, bancos

em frente às telas, para maior conforto na observação, todo um aparato que,

para a época, demonstrava civilização, usado aqui como termo nativo. Os

visitantes quase que se confundem com os manequins das vitrines e, com

certeza, vêem na mostra um espelho de seu mundo ou uma aspiração de um

ideal a ser conquistado, fruição contemplativa diante das telas, realizada

placidamente em bancos ou em pé para retratar a sala.

Fazendo pensar em termos de um comportamento ideal esperado para

os espectadores da mostra, exposto pela litografia, em um primeiro plano. Essa

gravura não é realizada para documentar o que estava exposto, mas sim o

espaço do salão e a disposição do público, com um certo destaque para a

presença de senhoras, um dos índices de mostrar a civilização da corte, a

presença de público feminino em locais públicos, principalmente em uma sala

tão adequada como a de modas e pinturas. Podemos observar em um primeiro

plano que a figura masculina segura a cartola com as mãos, embora algumas

outras, logo atrás, a mantenham sobre a cabeça e a figura feminina porte

chapéu, o traje dos visitantes retratados é composto por uma formalidade que

vai um pouco além do que contemporaneamente imaginaríamos como

decentemente vestidas, dando a medida de qual traje se esperava ao elaborar

tal regra :

103

Fig. 4 Imagem Sala de modas e Pintura Primeira Exposição Nacional, 1862 Litografia, acervo BMN.

104

Já a imagem do material indígena revela a imagem do troféu descrita

por Porto Alegre, Nela, vemos uma mistura de acervo onde o caráter estético

do arranjo final é valorizado em detrimento do seu conteúdo. Mal se podem

localizar os objetos individualmente e temos todos sobre a legenda de armas,

mesmo objetos de uso cotidiano, como bancos e cestos, e de uso ritual, como

o sairé121. Não existem vitrines, aparentemente os objetos estão dispostos no

chão e na parede. O foco da litografia não é o de uma vista geral da sala ou do

público, mas documentar o acervo e a disposição do conjunto. No entanto,

convém realçar que o próprio fato de o conjunto ter sido litografado dá uma

medida da importância do material para a exposição.

A preocupação de Gonçalves Dias com a identificação dos objetos e a

descrição minuciosa de alguns deles se perde em um conjunto de coisas

perfeitamente identificáveis, como remos, bancos e raladores, que se

confundem com outras de compreensão mais complexa, como, por exemplo,

as lanças Muruku-Maraká122, descritas e contextualizadas por Dias. A

composição do conjunto mistura adornos de penas que perdem sua visibilidade

e parece estar longe do conjunto harmônico descrito por Porto Alegre ao

mencionar o troféu de vestimentas indígenas. A mistura de procedências, a

generalização dos objetos e o titulo genérico de indígenas do Amazonas dão

conta de como os esforços de Dias foram empregados.

Na parte central do conjunto, podemos ver um remo pintado por índios

aldeados com a coroa imperial ao centro, ladeada por ramos de café, sua

colocação central, encimado pelo sairé que, por sua vez, é encimado pela cruz,

mostra em um conjunto indígena o respeito pelos valores vigentes na corte,

através de dois de seus símbolos mais relevantes, a coroa e a cruz. Ou seja,

uma demonstração das possibilidades de submissão dos indígenas á Igreja

Católica e a Monarquia.

121Sairé- Adereço usado nas procissões do Rio negro, reprenta uma espécie de frontão de igreja vazado, encima do por uma cruz,com estrutra em madeira , recoberta por algodão cru. 122Lança-chocalho dos Tukano. Esculpida em uma longa vara de madeira, aguçada na parte inferior de onde vem a denominação “lança”. Fendido o lenho longitudinal e aquecido, forma uma cavidade onde são inseridos fragmentos de calcedônia.resfriada a madeira, a intumescência permanece mas prende as pedrinhas no seu bojo,formando o chocalho que antecede a ponta aguçada. Verbete dicionário do Artesanato Indígena. Berta Ribeiro,p. 203

105

Fig. 5 Troféu de Armas dos Indígenas do Amazonas Primeira Exposição Nacional, 1862 Litografia, acervo BMN

106

O conjunto de objetos de procedência do Ceará litografado foi

denominado de produtos da carnaúba, proveniente do Museu Nacional e muito

provavelmente feito à maneira da Exposição dos produtos do Ceará, no MN,

por Ferreira Lagos, em um resumo do conjunto inicial, elaborado pelo próprio,

que participou tanto da comissão quanto da execução e montagem da

Exposição Nacional.

Fig.6 Troféu da Carnaúba Primeira Exposição Nacional, 1862 Litografia, acervo BMN

O troféu da Carnaúba possui menos elementos do que o indígena,

facilitando sua clareza e compreensão, igualmente ampliada pelo fato de todos

os objetos pertencerem, de algum modo, ao mesmo assunto do titulo, sejam

produtos “naturais” sejam os de “indústria”. Podemos identificar uma idéia de

107

natural, absolutamente construída, através da representação da palmeira da

carnaúba emoldurada e de seus produtos recortados e produzidos para indicar

possibilidades de beneficiamento. O conjunto se apresenta tendo como ponto

de fundo uma manta tecida; figuram, entre os itens colecionados no Ceará,

mantas e teares. No centro do conjunto, vemos três bases formando uma

espécie de altar no centro do qual se encontra o quadro com a reprodução

iconográfica da palmeira da carnaúba. Na prateleira, logo acima, formada pelo

uso de bases com tamanhos decrescentes, aparecem vários vidros

provavelmente contendo ceras e resinas; no andar de cima, encontram-se

pequenas peneiras e cestos; mais acima, um vidro de proporções maiores que

os anteriores precede uma cestaria. As bases são encimadas por um chapéu

trançado, formando uma espécie de moldura que arremata o conjunto. Vemos

dois ramos da palmeira e um cortinado onde se encontram dois abanos e dos

quais descem, pela lateral, várias cordas trançadas. Esse conjunto é encimado

por duas esteiras, tomando a forma de um frontão neocolonial. Nas laterais,

vemos conjuntos de chapéus e cestos e, em frente, a composição principal,

colocados no chão os artefatos utilizados no beneficiamento da carnaúba.

Para finalizar, vamos mencionar a premiação da exposição. Na

distribuição de medalhas, a Comissão Diretora da Exposição da Província do

Amazonas foi premiada sem menção ao nome de Gonçalves Dias. E quanto à

premiação relativa aos materiais que figuraram na exposição da Província do

Ceará, as medalhas foram dirigidas aos doadores do material de várias

localidades, como Aracaty.

108

Exposição Universal de Londres, 1862

Na exposição universal de Londres de 1862, o Brasil se representa

como unidade, misturando os estilos regionais e indígenas. As Exposições

Universais são objeto de vários estudos e a sua definição está sempre filiada

ao progresso e à civilização, como vemos em Neves123, a qual reforça a idéia

de uma necessidade de demonstrar o progresso e pertencimento à civilização.

Outra necessidade era a de demonstrar uma unidade, misturando estilos, para

se chegar ao modelo nacional. Ou seja, mostrar as nossas características

“naturais”, através dos produtos agrícolas e dos artefatos indígenas, em

conjunto com as produções da “cultura civilizada”, como podemos visualizar na

fotografia da representação brasileira na exposição. A descrição dos artefatos,

enviados no catálogo próprio124, da Exposição nos dá conta da diminuição do

artesanato indígena e do destaque dado às redes do Ceará e ao Fumo do

Amazonas.

Fig. 7 Pavilhão brasileiro na Exposição Universal de Londres,1862 Fotografia Litografada, acervo BMN

123NEVES, Margarida de Souza. Uma Arena Pacífica. In Revista Gávea ( N0 5 ,1998). Rio de Janeiro: PUC/RJ, 1998. 124Catálogo Geral de Produtos Remetidos para a Exposição de Londres: Typografia de A. Witting. 1862.

109

A mistura parece próxima da descrição da exposição do Museu

Nacional, em seus primórdios. No entanto, o acabamento das vitrines e da

forração das bancadas segue uma tendência neoclássica, as bancadas laterais

possuem paredes forradas onde se encontram diversos tipos de objetos, de

fios de penas a redes, quadros com iconografia variada, botas, peles e rolos de

fumos e cordas, procurando uma composição decorativa harmônica, sem

nenhuma intenção de contextualização. No conjunto, aparecem pequenas

vitrines nas bancadas e, ao centro, existe um conjunto de vitrines baixas em

cuja parte central aparece uma bancada, apenas parcialmente visível, com

vidros de produtos já citados, óleos, resinas e etc. (vidros esses ainda na

coleção do Museu - Setor de Etnologia). O resumo brasileiro decorado com

tendências à harmonização é centralizado por bandeiras unidas pelo emblema

com o diagrama do Imperador: P II, encimado por um frontão em arabescos

com o Nome “BRAZIL”, em letras recortadas, finalizado pela coroa imperial,

colocado acima do bandô que arremata todo o espaço expositivo.

O resumo expositivo possui uma unidade em destaque, a nação

brasileira, e é representada, enquanto Império, pelo monogramo de seu

imperador e pela coroa imperial, os retoques harmônicos são condizentes com

o gosto da época e conseguem situar o exotismo das redes e peles dentro de

um quadro imperial ou pelo menos de uma moldura imperial proporcionada por

elementos, como o bandô, a forração e o mobiliário de bancada, utilizados

para uniformizar um material tão diverso.

Através do diário de André Rebouças125, que presenciou a exposição

de Londres e a de Viena em 1873, dirigida por Varnhagem, na ocasião já Barão

de Porto Seguro, a Exposição de Viena comparada com a de Londres não

tinha nenhum caráter civilizador. Quanto aos materiais indígenas no Catálogo

da Exposição, não existe menção a artefatos indígenas e a plumária foi

substituída por flores de penas da florista Natte, que acompanharam os Barões

da Comissão até Viena, segundo relato de Rebouças, o que, de certa forma,

vem a corroborar as idéias de Varnhagem, exploradas em suas obras.

125REBOUÇAS, André- Diário e Anotações Autobiográficas. RJ: Livraria José Olimpyo Editora,1938. p. 237 / 242

110

2.4 Exposição de Filadélfia 1876

Em Filadélfia, em 1876, a Exposição Universal tomou um caráter

marcadamente americano e industrial. Nessa Exposição, o Império se mostra

presente tendo o próprio Imperador, D. Pedro II, se encarregado de ciceronear

a exibição brasileira no dia de sua inauguração, como vemos em notícia do

Herald126, transcrita por Guimarães127

“Quando sua Exa atingiu a sessão do Brasil, entretanto houve uma pausa maior. O presidente, o Imperador e as senhoras entraram na sessão e ai permaneceram alguns minutos. S. M. revelava com garbo ao presidente e a Mrs. Grant a significação dos produtos exibidos pelo seu país, flores, tecidos de penas de pássaros, ricas e belas madeiras talhadas e esculpidas em formas primorosas”128

O Brasil, nessa exposição, se apresenta com destaque para o café,

tendo mesmo montado um café com o nome de Café Brasil para apreciação da

bebida. Apesar do toque exótico dos produtos descritos acima, a ênfase

brasileira se deu no Hall da agricultura do qual podemos mostrar uma imagem.

No Hall, o algodão e o café dominam formando uma decoração com vistas a

impressionar, arcos revestidos com rama de algodão natural e uma torre

composta por vidros, contendo o fruto do café, são os elementos dominantes.

Também em destaque, há uma lista da produção agrícola encimada pela coroa

imperial onde se veem, como os principais produtos nacionais, o café, o açúcar

e o tabaco. 126Jornal americano que acompanhou a visita de D. Pedro II aos E.U.A, mandando um emissário para acompanhá-lo desde a saída do Rio de Janeiro 127Guimarães, Argeu- D. Pedro II nos Estados Unidos. RJ: Editora Civilização Brasileira. P.231 128Idem

111

Fig. 8 Exposição de Filadélfia, 1876. Pavilhão Brasileiro. Foto, acervo BN

Algumas máquinas ficavam confundidas no poscênio. André Rebouças

aparece como auxiliar técnico da exposição, no entanto não participa da

montagem do evento. As máquinas ficam em segundo plano e a imagem da

matéria-prima domina a cena. A preocupação da comissão brasileira em

demonstrar um caráter científico, embotada no exotismo dos produtos

mencionados pelo jornal americano, como flores e penas, não é corroborada

pela descrição brasileira. O Herald prefere deixar todo o cunho científico a

cargo do Imperador, elogiando a sua demonstração de ser um homem de

conhecimentos científicos profundos, durante a visita ao Instituto Smitsoniano.

Na descrição brasileira do relatório da exposição, no entanto, aparece um item,

o XVII, no qual está descrita a Exposição Científica, dividida em Comissão

Geológica e Coleção do Museu Nacional.

Na verdade, o presidente da Comissão Geológica por essa ocasião era

o diretor da Sessão Geológica do Museu Nacional, Carlos Hartt. Segundo

112

Freitas129, um dos argumentos que motivaram a criação da Comissão

Geológica do Império foi a possibilidade de que os trabalhos dessa comissão

servissem como base para a representação da natureza brasileira no estande

nacional. A contribuição de Hartt para o evento foi decisiva; além de organizar

a sessão dos minerais do estande brasileiro, cedeu fotos de Marc Ferrez,

fotógrafo da Comissão. Pela primeira vez, foram expostas as fotos dos

Botocudos, acompanhadas por réguas de medição que seriam expostas

também na Exposição Antropológica de 1882, no Museu Nacional e na

Exposição Universal de Paris em 1889. As fotos de natureza que se

destacaram foram as da Cachoeira de Paulo Afonso. Vemos um Brasil inserido

em instrumentais modernos, como a fotografia.

Quanto à coleção do Museu Nacional, preparada por Ladislau Netto um

dos quinze membros adjuntos da Comissão, é tida como uma das mais

notáveis e, ao mesmo tempo, um dos grupos mais curiosos da exposição no

seu geral. A coleção de Arqueologia Brasileira, exposta em dois grandes

elegantes móveis e representando, segundo o catálogo, todas as formas

conhecidas da idade da pedra polida da América, são pequenos vasos da ilha

de Marajó, artisticamente esculpidos e moldados. Além da coleção

arqueológica e de artefatos etnológicos englobados na notícia, surge uma

referência, a coleção de numismática.

129FREITAS, Marcos Vinícius. Hartt,Expedições pelo Brasil Imperial, 1865-1878. SP:Metalivros,2001

113

2.5 Exposição Antropológica, 1882

A partir de uma propaganda ativa do interesse do Império do Brasil

pela Ciência, Ladislau Netto começa a fazer planos para uma Exposição

Antropológica Brasileira, idealizada para 1879 e levada a cabo em 1882.

Quando o Ministro da Agricultura, que ocupou, no mesmo ano e no precedente,

a pasta da Fazenda e o cargo de Primeiro Ministro, deu o apoio do governo

para a realização, esse Ministro, José Antônio Saraiva, foi um dos ministros

responsáveis pela realização da primeira Exposição Nacional em 1861, quando

era responsável pela pasta de Negócios do Império.

Datam de 9 de janeiro de 1881 os primeiros documentos constantes no

AGMN relativos às providências referentes à Exposição Antropológica prevista

para o início de 1882, e que seria adiada para 29 de julho do mesmo ano. Em

Abril de 1881, começam a chegar ao Museu às primeiras doações relacionadas

à exposição. Um ano e meio de preparação é um tempo considerável e

demonstra bem o tamanho do investimento.

A partir de 1881, começam os investimentos com viagens aos grupos

indígenas e escavações. Efetivamente Ladislau Netto vai ao Pará ultimar os

serviços e participar pessoalmente da coleta entre os Tembé e das escavações

Arqueológicas.

O Museu fecha as portas dois meses antes para a preparação da

exposição, que é acompanhada passo a passo pela imprensa. No dia primeiro

de junho, começa a montagem das oito salas do pavimento superior do Museu.

As imagens divulgadas na imprensa130 começam nas escadas ladeadas com

fartos grupos de folhagens e arbustos. As plantas ambientavam e preparavam

o visitante para a entrada em um mundo diverso do seu.

130 Jornal do Comércio, Gazeta de Notícias, O globo e Revista Ilustrada.

114

Subindo a escada, chegava-se primeiro à sala Vaz de Caminha, numa

referência ao primeiro cronista a relatar a vida dos indígenas brasileiros. Nesta

sala, ocorria a maior uniformidade de acervo, um grupo de objetos

manufaturados em madeira e ornados em troféus harmônicos, que, olhados a

distância, pareciam uma composição de formas redondas (remos) com formas

proporcionadas por linhas verticais (armas) que se expandiam. À esquerda da

sala Vaz Caminha, abria-se a sala Anchieta, (em uma ordem cronológica, as

homenagens dos que descreveram os indígenas), onde estavam todos os

quadros a óleo representando diversos grupos indígenas, obras impressas

antigas e modernas, os manuscritos de F. Hartt, gravuras, litografias,

numerosas fotografias e uma infinidade de documentos, incluindo a coleção de

desenhos da Comissão Científica do Império e outras obras descritas no guia

da exposição.

À direita da sala Vaz de Caminha, tem lugar à sala Rodrigues Ferreira,

denominada de salão e escolhida como palco para a inauguração da

Exposição, pois, como já vimos no ritual da Inauguração da Exposição

Nacional de 1861, nessa sala, parte da ambientação referente aos Mundurukú

é substituída por um estrado com lugar para assento para O Imperador e

família, sendo colocada no lugar no dia seguinte.

Nessa sala, temos duas ambientações, ambas referentes à viagem de

Ladisalu Netto e o que ele teria visto ou testemunhado da vida indígena. Elas

representam um avanço bastante interessante em termos expositivos: primeiro,

por mostrarem um todo em busca de coerência e não objetos agrupados; e em

segundo lugar, pela escolha do momento a ser recortado na ambientação, vida

cotidiana do grupo em um resumo de seus elementos na ambientação,

denominada, na imprensa, como “modelo de maloca tuxáua do aldeamento

Portirita, afluente do Rio Capim”. Vemos aí um modelo de casa montada de

forma que as estruturas de construção laterais ficassem aparentes, de maneira

a possibilitar a visão de seu interior, onde se encontram objetos de cestaria.

Na lateral, em escala natural, vemos duas esculturas de indígenas em Papier

Marché, uma de frente para a outra, em uma possível posição ritual, lembrando

uma benção católica. Vemos também um indígena sentado sobre um banco e

115

paramentado com plumária Mundurukú (coifa - com cobre nuca) e do Uaupés

(pulseiras), com uma bolsa tecida atravessada; com uma das mãos, ele toca

uma flauta dupla de osso, e com a outra segura, um ramo na direção da

escultura, logo à sua frente, sentada no chão, segurando uma forquilha. Ambas

esculturas são compostas com abundância de cabelos proporcionada por

perucas. As paredes de fundo estão compostas por troféus de armas.

Ladeando a ambientação, quase encoberta por ela, encontra-se uma das três

esculturas moldadas dos Xavantes, segurando uma lança e comum adorno,

provavelmente de pele de onça, na cabeça que aparece sobre a maloca.

FIG. 9 Antropológica, 1882 Museu Nacional

Fotografia, acervo SEE

No centro da sala, sobre uma plataforma de pouca altura, apresentava-

se uma reconstituição da “vida indígena no vale do amazonas” composta por

três ubás, canoas de casca de jataí e piramã. Uma delas foi utilizada por

Ladislau Netto, em sua excursão pelo Rio Capim, pilotada na ambientação por

esculturas em papier marché, em tamanho natural, portando uma delas um

cesto Tembé de função variada, na cabeça, como proteção, e outra, um

chapéu de palha de modelo comum. Nas outras duas ubás, esculturas em

116

papier marché que pilotavam usavam chapéus de palha e portavam remos, as

canoas estavam repletas de cestas e armadilhas de pesca. Completando o

cenário, uma escultura feminina de pé, em coleta de plantas, com um cavador

em uma das mãos, outro cesto em outra mão, repleto de plantas, e um cesto

na cabeça, à maneira de chapéu, completando o cenário, plantas, aves e

tartarugas taxidermizadas. Podemos ver, ao fundo, duas esculturas em gesso

dos Xerente, a que parece ao lado da reconstituição anterior e outra de um

índio sentado igualmente segurando flechas, portando colar e tanga.

Fig.10 Exposição Antropológica,1882 Museu Nacional Fotografia, acervo SEE

Seguia-se à sala Lery, com a designação de arqueologia, composta por

39 itens de fragmentos de cerâmica, a sala Lund, destinada á Antropologia

Biológica, que, na época, denominava-se apenas de Antropologia. A sala

continha crânios e ossos e apenas um esqueleto completo. Por destaque, a

sala possuía o primeiro crânio achado perto da Lagoa Santa e uma múmia

encontrada no morro da Babilônia, província de Minas Gerais. Um quadro em

tamanho natural de um indígena do alto Amazonas completava o cenário,

dando um referencial de pertencimento às ossadas.

117

A sala Martius possuía como destaque a comparação entre a cerâmica

indígena brasileira e a coleção particular do Imperador de cerâmicas

arqueológicas do Peru e Bolívia. Outro grupo de objetos se referia a objetos de

trançado usados também por “civilizados”, nas proximidades da capital à

época, objetos como tipiti, balaios, esteiras e tubos para carregar água.

Fechando o circuito da exposição, encontrava-se a Sala Gabriel

Soares, uma das mais variadas da exposição, contendo além de troféus,

painéis já descritos de forma a delimitarem grupos de espécie de objetos,

fugindo ao estilo meramente decorativo como o da fotografia abaixo, que

apresenta uma composição de material arqueológico, sendo o tablado,

praticamente ao rés do chão, repleto de mãos de pilão e outros objetos líticos

similares. O painel do meio, preso à parede, comportava, de um lado, um

grande número de pontas de machado de pedra e pontas de flecha, separadas

do outro grupo de objetos pela inscrição: “instrumentos de pedra”, de outro, o

grupo de tangas de cerâmicas e fragmentos de tangas de cerâmica, além de

tembetás de pedra variados em tamanho e material . No painel superior, havia

mãos de pilão, outros objetos de pedra e alguns zoolitos. Essa composição

mostra, senão uma ordenação, um caminho para uma ordenação por espécie.

Fig.11 Exposição Antropológica, 1882 Museu Nacional

Fotografia acervo BN

118

Encontrava-se, nessa sala ainda, uma coleção de ornatos indígenas

disposta em armários e vitrines centrais, divulgada como completa. Pendentes

do teto, constavam diversas redes de fabricação indígena, simples e enfeitadas

de penas, um mosqueteiro Guató, luvas dos índios Mawé, saquinhos de caça

feitos de tucum, vestimentas dos índios Tikuna, vestes pintadas dos índios do

Rio Purus, troféus de guerra dos Mundurucu, balaios, cestos e pentes do Rio

Uaupés.

A exposição de 1882 foi separada por áreas de conhecimento que,

mais tarde, seriam constitutivas da Antropologia. As salas de Etnologia,

fotografadas por Marc Ferrez, misturavam vestígios dos troféus com o inicio

das reconstituições ambientais dos grupos. Na sala denominada de Alexandre

Rodrigues Ferreira, foi montada uma reconstituição da vida dos Tembé, grupo

visitado para recolha de material para a exposição, por Ladislau Netto. A

reconstituição, como instrumento de visualização, é tão impactante que

precisamos lembrar como Burke131 propõe, sua intencionalidade a qual não

pode ser minimizada, nem, confundida em meio a uma aparência de confusão

geral. Existe sempre junto com a confusão uma proposição da ordenação e de

melhoria no estado das coisas, revelando uma intenção que não deve ser

desprezada. Proponho que as imagens sejam vistas dentro de uma proposta

de levar o visitante a ter contato com o ambiente dos grupos, principalmente

dos Tembé e dos Mundurukú, vistos por Ladislau no Pará.

131BURKE, Peter- Testemunha Ocular: Historia e Imagem- SP: EDUSC,2004.“Precisamos fazer um esforço para lembrarmos que esse imediatismo é uma ilusão”

119

2.6 Exposição universal de Paris, 1889

A Exposição Universal de Paris de 1889, realizada para comemorar o

centenário da Revolução Francesa, teve uma característica bastante especial

para o Brasil. O Catálogo da Exposição Brasileira132 vinha acompanhado do

título: “Empire du Brésil” e da indicação da chefia de Sua Majestade Dom

Pedro II. A exposição brasileira planejada e executada pela monarquia se

encerra praticamente junto com o fim do regime. Ao término da Exposição, o

Brasil passa para o regime Republicano, seria a última participação em

exposição universal enquanto Império do Brasil.

Para o Museu Nacional, seria um auge na participação das Exposições

Universais: Ladislau Netto não só compõe, dessa vez, a comissão brasileira de

estudos para a exposição, como é distinguido no catálogo como “Directeur de

l’Exposition Brésilienne D’Antropologie et Ethnographie ou Pavillion Amazone,

Section de l”Histoire de L´Habitation Humaine”. Também seria a última

exposição antes da mudança de prédio do Campo de Sant’Ana para o palácio

da Quinta da Boa Vista.

A Exposição como um todo se propunha a que, pelo preço de um

ingresso (a exposição era paga e deu lucro), o visitante desse a volta ao

mundo no Campo de Marte em seis horas. Nessa volta ao mundo, esperava-se

demonstrar os avanços da técnica, a pujança da indústria e a diversidade das

civilizações, onde, numa aldeia senegalesa, reprodução de sua matriz africana,

nativas de seios nus cruzam olhares espantados com parisienses de fraque. A

Rua do Cairo, de tão parecida com a original, acaba tão suja quanto. As

notícias que identificam os pontos altos e marcam as diferenças marcam

também qual era o público. Um público pagante, vestido com cerimônia, como

indica o fraque, e que voltava para jantar de cinco as sete e assistir aos shows

132Catálogo da Exposition Universelle de Paris, 1889. Paris: Imprimiere Chaix, 1889

120

de fontes luminosas. No total, 28 milhões de pessoas visitaram a exposição,

podendo-se incluir uma classe de freqüentadores assíduos.

Na exposição de Paris, 1889, segundo Barbuy133, uma proposta de

expor a totalidade dos produtos do gênero humano. O Brasil dá inicio ao que

seria uma longa série de exposições tendo como temática principal a

“Amazônia”. Temos a descrição de plantas amazônicas despertando atenção, à

entrada do pavilhão, e destaque para a exposição “Monumentos Históricos de

Habitação Humana” do expositor Ladislau Netto e de peças de Sant’Ana Nery e

do Barão de Marajó, representando a província do Pará, com destaque para a

peça mais chamativa da exposição, a “cabeça de índio mumificada”,

pertencente ao Barão de Marajó, membro da comitiva.

No catálogo, temos a descrição da coleção de cerâmicas, compostas

em grande parte pela coleção exumada na Ilha de Marajó e pertencentes ao

Museu Nacional do Rio de Janeiro. Ainda no catálogo, temos um conjunto que

poderia ser visto como as peças sempre constantes em exposições no século

XIX:

“85- Pontas de flechas e Tembetá 150- Máscara Tikuna 158- Bastão de Plumas dos Chefes Mundurukú 169- Retrato de um Índio Botocudo 177- Cabeça mumificada de um chefe Jivaro, Alto Amazonas, pertencente ao Barão de Marajó.”

Com esse resumo, também se encerram as exposições do Museu

Nacional no século XIX, pois, no retorno ao Rio de Janeiro, começa a se

pensar a mudança de prédio, a exposição do Museu é fechada para a

efetuação da mesma, vindo a reabrir já no Palácio de São Cristóvão, sob a

administração do governo republicano.

As exposições brevemente descritas, no entanto, marcam as

subseqüentes, quer pela continuidade, quer pelas diferenças. As ambientações

seriam perseguidas por todo o século XX, como uma maneira de contextualizar

os objetos, os troféus, embora tenham saído de cena, sempre mantém sua

133 Barbuy, Heloisa- A Exposição Universal de Paris, Ed Loyola, 1988.

121

sombra nas exposições de conjuntos de objetos. A grande mudança verificada

pela necessidade de textos e informação, preservada ao longo do século XX,

vem diminuindo em exposições mais reservadas à performance e fruição do

ambiente e dos objetos. As diferenças no número de objetos a serem expostos,

também são relativas ao tamanho da Mostra, mas, com certeza, a grande

herança do processo expositivo do século XIX foi dar visibilidade a algumas

peças e a alguns grupos, que, dessa forma, foram selecionados a representar

a coleção em outros séculos e em outros regimes políticos, pelo menos no que

diz respeito à parte de acervo de indústria humana que se tornaria Setor de

Etnologia.

2.7 Publicações

Uma das formas fundamentais de divulgação da Instituição e das suas

coleções, bem como das idéias que nortearam sua formação e conservação,

são as publicações de época em suas mais diversas formas, com seu efeito

minimizado pela grande população de iletrados. Contemporaneamente, o efeito

das publicações, em um aspecto mais amplo, já aparece evidenciado em

trabalhos como o de Schwarcz134, no qual a autora narra a importância das

imagens e dos comentários sobre as publicações como um efeito maior do que

a leitura pura e simples. Machado135 descreve a importância da leitura em voz

alta, muitas vezes executada para um público maior do que o familiar, como no

caso dos folhetins: ”O jornal era disputado com impaciência. Pelas ruas ao

134SCHaWARCZ,Lilia M. “Retrato em Branco e Negro- Jornais, escravos e cidadãos em São Paulo no final do século XIX” São Paulo: Circulo do Livro,1989 135MACHADO, Ubiratan- A vida Literária no Brasil durante o Romantismo.RJ: Ed. Uerj, 2001. p. 45.

122

redor dos lampiões fumegantes da iluminação pública, viam-se ouvintes ávidos

cercarem qualquer improvisado leitor”.

As publicações têm o poder de nos demonstrar quais eram as

discussões que contextualizaram a formação das coleções. Algumas implicam

diretamente documentos da coleção como a “Viagem Pitoresca e Histórica” de

Debret e as publicações que foram realizadas por Ladislau Netto, como

institucionais, a partir de 1870, com a publicação de suas Investigações, que

abrangem os Arquivos do Museu Nacional, 1876 (primeiro volume), e a

divulgação em fascículos de textos destinados a uma população mais ampla,

inicialmente publicados em fascículos e, mais tarde, reunidos sob o titulo de

“Revista da Exposição Antropológica de 1882”.

Antes de nos determos nas publicações exemplificadas por sua relação

direta com a coleção de indústria humana, vou esboçar um panorama mais

amplo das publicações mais gerais que inspiravam as discussões mais

específicas e as respostas que, muitas vezes, eram dadas através dos objetos

coletados e expostos. A escrita da História do Brasil era a tarefa a que se

propunha o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a partir da sua criação

em 1839. Eram significativas, no entanto, as diferenças produzidas por alguns

sócios do Instituto, na forma de escrita dessa história, e a avaliação dos

mesmos sobre quais humanos eram produtores de indústria ou quais humanos

deveriam fazer parte da população brasileira e qual a posição social desses na

época.

Sobre a discussão do papel do indígena na construção dessa história,

Bertol Domingues136, em sua dissertação de mestrado, “Civilização na Visão

dos Construtores do Império”, discute integração ou não do elemento indígena

como formador de uma nação civilizada, ressaltando a importância desse

procedimento no calor das discussões sobre a imigração européia. Kodama137,

em sua tese de doutoramento, vai falar sobre o papel do índio na História do

Brasil e as implicações para uma política indigenista do Império relacionada

aos problemas ligados à Nação e sua formação.

136Bertol Domingues, op.cit. 137Kodama, Kaori- Os filhos das Brenhas e o Império do Brasil: A Etnografia no Instituto Histórico e Geográfico do Brasil (1840-1860), 2005. PUC. RJ.

123

Minha intenção não é repetir aspectos tão bem discutidos, mas

focalizar alguns detalhes da construção dessa história que vão influenciar

diretamente a formação das coleções e das representações institucionais do

Museu sobre o indígena. A partir do século XVI, vemos relatos que irão

influenciar as discussões sobre o indígena, não só suas narrativas

etnográficas, mas as análises que vão gerar uma espécie de senso comum

perpetuado e discutido por séculos, até vir a ser proposto como objeto de

reflexão no século XIX.

Entre essas duas proposições, temos a questão de ser a língua

indígena desprovida de certas letras,tais como o F, o L e o R, porque eram sem

fé, sem Lei e sem Rei. Para melhor exemplificar o início e a importância dessa

discussão no século XIX, citamos Denis138, 1837, que, filiado ao movimento

romântico, tomará parte na reflexão, seguido em sua opinião por vários

pensadores brasileiros do século XIX, entre eles, alguns ligados diretamente

ao Museu ou à formação de suas coleções: Porto Alegre, Gonçalves Dias,

Couto Magalhães, Ladislau Netto e outros.

“Era costume, no séc XVI, decidir-se apriorísticamente que os povos selvagens nenhuma idéia tinham da divindade. Alguns escritores, aliando a mais falsa idéia às mais bizarras concepções, iam repetindo que a língua dos brasileiros era desprovida de certas letras, tais como o F, o L e o R, porque eles eram sem fé, sem lei e sem rei. Todavia,quando se examina a mitologia dos povos da raça túpica, ficamos espantados com o desenvolvimento metafísico, que parece caracterizá-la”139

A leitura dessas memórias localiza qual população indígena se estava

expondo e coletando no momento e como ela estava sendo discutida tanto em

termos de sua integração à nação brasileira, como sua participação, enquanto

personagem, em um projeto de organização da historiografia brasileira, iniciado

pelo IHGB. No qual o modo de tratar o indígena era iniciado pela monografia de

Martius e prolongado através do debate sobre a valoração da historiografia,

138 Denis, Ferdinand- Brasil-SP: EDUSP,1980 139 Idem

124

acalorado principalmente entre Abreu e Lima e Vanhagem, sobretudo a partir

da publicação do Compêndio de História do Brasil, escrito pelo General

pernambucano José Inácio de Abreu e Lima140, em 1843. Laemmert é

censurado por Vanhagem no IHGB, que publicaria sua História Geral do Brasil

em 1857, enfrentando um áspero debate com Gonçalves Magalhães, membro

do IHGB e seu colega na carreira diplomática.

No entanto, na escrita da história proposta pelo IHGB, a visão que sairá

vencedora será a de Vanhagem141, em sua História Geral do Brasil, que irá

referendar a anomia social descrita pela ausência de F, L e R, difundida por

Macedo142, em suas Lições de História do Brasil para Uso da Instrução

Primária, 1875, na lição VI: “O gentio, em suas relações sociais” (p. 512), “o

gentio não conhecia arte, nem ciência, nem indústria. Em sua língua, faltavam

o F,L,R”. Isso demonstrava como, à época da Exposição Antropológica e de

suas publicações, os dilemas ainda giravam sobre as bases enfrentadas por

Porto Alegre e Gonçalves Dias.

Outra das proposições que acarreta diretamente na imagem coletada e

exposta é a do indígena ter uma integração com a natureza que o faz precisar

de pouco para sua sobrevivência, em uma frase do Padre Anchieta, em que ele

ressalta que o indígena sabe aproveitar a natureza para prover as suas poucas

necessidades.

Vemos a descrição positiva da integração do índio-natureza, essa

posição também será foco de combate. Temos, em um texto de José Bonifácio

de Andrada, no Arquivo do IHGB143, o seguinte apelo: “Façam lhes conhecer

novos gozos, e ganhe lhes a vontade, e mostrem se lhes as vantagens da

civilização, então não lhes será odiosa”. Com certeza, precisar de pouco e ser

harmônico com uma natureza, descrita por Vanhagem144 mais tarde, com cores

nada positivas,não era uma recomendação de época à civilização.

140Abreu e Lima, José Inácio de- Compêndio de História do Brasil,RJ: Laemmert 1843. 141Vanhagen, Francisco Adolfo, História Geral do Brasil,volume 1. Edições melhoramentos,1948 142Macedo, Joaquim Manoel de, Lições de História do Brasil, para uso da instrução primária. Garnier, 1887. 143Andrada, José Bonifácio, Civilização dos índios e Coisas do Brasil- IHGB. Doc. N.5023. lata 192 ( Copia AGMN). 144Op. cit, p.15.

125

“Apesar de tanta vida e variedade das matas-virgens, apresentam-se elas um aspecto sombrio, ante o qual o homem se constrita... Tais matas, onde apenas penetra, o sol, parecem oferecer natural guarida aos tigres e aos animais trepadores do que aos homens. Mas ânimo, que tudo doma a indústria humana! Cumpre à civilização aproveitar e ainda aperfeiçoar o bom, e prevenir e destruir o mau”.145

A partir dessas discussões mais abrangentes, julgo primordial entender

as publicações de intelectuais e naturalistas que se institucionalizaram em um

Museu de História Natural e formaram suas primeiras coleções de Indústria

Humana e a elas procuraram dar sentido. Vamos enfocar, como exemplo de

publicação da primeira curadoria, publicações que se remetem a Manuel de

Araújo Porto Alegre não só como autor, mas também como editor., Publicações

essas referentes a um período antecessor e ao período de sua curadoria da

quarta sessão do Museu. Outro enfoque será dado às publicações de Ladislau

Netto que se referem diretamente à coleção de indústria humana, já

aparecendo com a denominação de Etnografia.

A Revista do IHGB, na qual podemos encontrar artigos e pareceres dos

diretores de sessão do Museu Nacional, como o parecer de Porto Alegre sobre

as inscrições da Pedra da Gávea, logo no seu segundo número, vol.1, 1839.

Logo nas primeiras reuniões, surge o tema da inscrição na Pedra da Gávea, a

procura por vestígios de civilizações antigas na América vai ser uma constante.

Nesse primeiro texto, o que se analisa é um Manoel de Araújo Porto Alegre

ponderado e instruído com conclusões como:

“Os povos que têm uma civilização nascente, são naturalmente crédulos, e sua imaginação os arrasta a ver tesouros encantados por todas as partes; e os homens amigos do misterioso algumas vezes também crêem encontrar vestígios dos outros homens naquilo, que é um acaso da natureza”.146

145Andrada,op. Cit. 146PORTO- ALEGRE, Manuel de Araújo. Relatório sobre Inscrição da Gavia. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro ( No 2, volume 1: 1856).Rio de Janeiro: Laemmert,1856.

126

Nessa, Manuel de Araújo Porto Alegre ainda não havia sido nomeado

diretor da quarta sessão do Museu, mas se mostrava particularmente

interessado em temas ligados à futura sessão e a questões indígenas, tendo

sido um dos editores da primeira revista romântica brasileira “Niterói”. Ele

convivia, no Instituto, com Frei Custódio Alves Serrão, diretor que promoveria a

reforma de 1842, criando a quarta sessão para a qual Porto Alegre seria o

primeiro diretor nomeado.

Em seu primeiro volume, que compreende quatro números da revista,

vemos dois textos ou duas memórias com tema indígena, ambas tratam de

manuscritos do século XVI e do século XVIII oferecidos por sócios do Instituto,

sendo a primeira delas: “História dos Índios Cavaleiros ou da Nação

Guayacuru”147, escrita no Real Presídio de Coimbra por Francisco Rodrigues

do Prado, comandante do mesmo. Lá descrevem-se os seus usos e costumes,

leis alianças, ritos e governo doméstico, e as hostilidades feitas a diferentes

nações bárbaras, aos portugueses e espanhóis, males que ainda são

presentes na memória de todos no ano de 1795. Nessa memória, apesar da

descrição dos danos causados pelos índios Guaicurus, eles são apresentados

sobre diversos aspectos positivos e terminam o texto como aliados dos

portugueses e causando danos aos espanhóis para regozijo do autor.

O segundo texto notícias sobre os índios Tupinambás, seus costumes,

etc. de um manuscrito que conserva na biblioteca de S.M. o Imperador e que

tem por título- Descrição geográfica da América portuguesa; sem o nome do

autor; e só no fim da obra se acha a seguinte explicação: “Esta é a fiel noticia

que pude alcançar em 17 anos que continuamente girei pelo Brasil, assim pela

costa como pelo sertão, do que bem se colige que esse continente o melhor de

todo mundo pela qualidade dos ares, pela fertilidade da terra, pela excelência

das águas, pela produção do mar, pelo que mostra, pelo que oculta e pelo que

inculca que pode vir a ser - 1587”.148 Aqui, os indígenas são apresentados

como viciosos , e o texto dá como destaque os rituais de antropofagia, embora

147SAMPAIO, Francisc Xavier Ribeiro. Extrato da Viagem a São José do Rio Negro, fez o ouvidor, e intendente geral da mesma. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (No 2, volume 1: 1856).Rio de Janeiro: Laemmert,1856 148SOUZA, Gabriel Soares de.Memórias sobre os Tupinambá e seus Costumes. In: Revista do Instituto Histórico (NO 3 , Volume 1: 1856) Rio de Janeiro: Laemmert, 1856.

127

descreva costumes e aparências, em alguns casos, com simpatias. Esse texto

teve sua publicação integral e descoberta de autor : Gabriel Soares de Souza,

realizada por Vanhagen a partir de buscas intensas de fragmentos existentes

no Brasil, em Portugal e Espanha, dando validade ao texto que será publicado

por Vanhagen em 1851, com dedicatória ao Instituto Histórico do Brasil.

Vanhagen no entanto minimiza a linguagem original.

Podemos traçar um quadro de diferenças, importante para marcar a

contradição sempre presente na representação do indígena e a riqueza com

que seus usos costumes e aspectos físicos são narrados, compondo um

quadro que, embora contraditório, vai marcar uma imagem que, por vezes, é

tida como desinformada, conforme o caso da literatura romântica e mesmo das

coleções e imagens do Museu no século XIX, partindo normalmente de

pessoas com o conhecimento de textos narrativos, como os primeiros

publicados pela revista do IHGB.

Quadro dos Aspectos Físicos e Morais dos Guaiacuru e Tupinambá. Revista do IHGB . VOL. 1

Guaicuru Tupinambá

Aspectos físicos Estatura Alta Cor mais escura do que o cobre. Robustez e estado de saúde perfeito Dentes mal postos e denegridos Pés mimosos Cabelos uns os tem crespos e outros lisos As mulheres nada têm da graça ingênua da Eva.

Mediana estatura Cor baça Bem figurados Tem muita força Semblante alegre Bons dentes Pés pequenos Cabelos curtos

128

Dados de cultura material

Adornos: canudos de prata enfiados em linhas, contas nos pulsos e nas pernas e uma chapa de prata batida no peito. As mulheres andam envoltas em um grande pano de algodão dos pés até o pescoço. Vivem os homens nus, e são seus enfeites de plumas e de penas que trazem à cabeça, nos pulsos e nas pernas. Usam cinta de algodão tinto de um palmo. Depois da comunicação com os espanhóis se cobrem de contas. Tem beiço furado e nele metido um pau da grossura de uma pena de escrever os mais ricos em prata. Na orelha meias luas em prata.

Fazem buracos no beiço superior e nas faces em que metem ou penduram pedrinhas de várias cores. Usam de uma forma de carapuças vermelhas e amarelas, que lhes chegam ao pescoço, e as fazem de peles de pássaro que para isso esfolam. Ornam o pescoço com colares de dentes dos contrários que mataram. Nós pés, trazem cascavéis de que fazem certa de certa erva seca, tinem muito e se ouve a distancia. Cingem os rins com peles de ema, que esfolam com toda a pena, e lhes cobre quase todas as costas.

Dados de religião ou locais onde se encontram referências dos autores a deus ou demônios em uma referência à sua própria religião

Não conhecem Deus, e, por isso, nas suas calamidades, a nada sobrenatural recorrem. A respeito de sua origem, dizem mil desatinos.

Há muitos Tupinambás que na realidade são feiticeiros; outros que o querem parecer e são pontualmente obedecidos, porque ninguém os quer como inimigos. Esse respeito que conseguem, custa-lhes caro, porque o demônio os maltrata freqüentemente e os mói de pancada. A estes, chamam os mais de pajés.

129

Dados sobre família É costume vir à mulher para a casa do marido. As mulheres só concebem após os 30 anos. Costume de matar o filho no ventre.

A mulher verdadeira do Tupinambá é a primeira que conheceu. Em seus casamentos, não há mais cerimônias que dar o pai à filha ao genro, e tanto que carnalmente se conhecem ficam casados. O índio, que não é o principal da aldeia, quantos mais filhos tem, tanto mais honrado se reputa entre os mais. Casam os pais com as filhas, os filhos com as mães; uns irmãos com outros, porque não respeitam grau de consangüinidade.

Dados sobre aspectos morais

O marido ama ternamente a mulher: é verdade que bem pago fica pois ela tem o desvelo excessivo em o agradar. Este povo selvagem ama-se afetuosamente, e vive em si uma grande harmonia, sustentada dessa amizade que faz a formosura da vida.

Não há língua honesta que refira, nem ouvidos católicos que ouçam os fatos que obram esses gentios para satisfazer sua sensualidade. Entregues ao ócio, só cuidam da satisfação da sua luxúria. São incessantemente dados ao pecado da sodomia, tendo-se por mais graves os que mais o freqüentam; e não admitindo diferença entre agente e paciente, motivo porque, com a mesma publicidade, o executam.

Dados de sua organização interna

Ao seu governo, mostra ter princípio como as outras nações.

Vivem os Tupinambás arranchados em aldeias; em cada aldeia reconhecem todos um por seu maior, ou principal, para que na guerra o dirija; e é somente nesse ato que lhes prestam alguma

130

noção de obediência. Quando os Tupinambá se dividiram ainda eram uma nação, e sempre conservavam a mesma linguagem.

Destaques reiterados Os Guaiacurus são tão soberbos que a todo gentio, confinantes, tratam com soberba.

Em sua linguagem não tem F,L, R, grandes ou dobradas, circunstâncias que muitos notam dizendo que não tem F, porque lhes falta a fé. Não tem L, porque lhes falta lei. E não tem R, porque não tem rei que os governe. Como engordam os cativos, em solenidades, os matam e comem.

Com esse quadro, procuro reter alguns dados que serão marcados em

discussões, exposições, imagens e formação de acervo. De algum modo serão

usados nas discussões do IHGB em um subtexto não verbalizado ou escrito

para serem combatidos ou postos em relevância, mas estarão disponíveis a um

público em busca de conhecimentos esclarecidos sobre os indígenas149 e muito

provavelmente influenciarão obras e opiniões posteriores. Embora sua

diferença de data e de estilo seja marcante, o fato de terem sido publicados no

primeiro tomo da revista do Instituto, como os primeiros trabalhos designados

como de relevância para publicação, coloca-os em uma chave de entendimento

para além da data de sua produção. A sua divulgação de modo recortado pelo

que poderia se chamar na época a divulgação de idéias através da imprensa, a

contribuição deles para a argumentação na proposição dos pontos do IHGB e

como eles por vezes alguns de seus dados estão inseridos nas respostas os

torna relevantes para o entendimento das publicações posteriores.

149 A revista era entregue aos sócios do Instituto, que, em sua primeira versão, contava com cinqüenta sócios efetivos; de um número ilimitado de sócios correspondentes tanto no império, como nas nações estrangeiras e de sócios honorários.

131

Das primeiras questões ou pontos levantados a serem discutidos,

quatro entre seis se referem aos indígenas, três deles ligados à melhor forma

de civilizar os indígenas. No primeiro volume, aparecem publicadas duas

versões para a quarta questão: “Se a introdução dos Africanos no Brasil serve

de embaraço á civilização dos índios, cujos trabalhos lhes foram dispensados

pelos escravos. Neste caso, qual é o prejuízo da lavoura brasileira entregue

exclusivamente aos cativos”.

A primeira resposta à quarta questão é publicada, com o subtítulo de

“sorteada na sessão de quatro de fevereiro desse ano”, foi desenvolvida na

décima sexta sessão, publicada no terceiro trimestre de 1839, desenvolvida por

Januário da Cunha Barbosa150, secretário perpétuo do instituto, cônego e

pregador da capela imperial, professor público de Filosofia racional, e cronista

do império.

Seus argumentos são precedidos de um libelo contra a escravidão em

geral: “Antes de expender a minha opinião sobre este programa, devo declarar

que não sou patrono da escravidão, nem dos índios, nem dos negros; e por

isso considero a liberdade como um dos melhores instrumentos da civilização

dos povos”. Seus argumentos vão circular contra qualquer escravidão, com

elogios à condução dos jesuítas na civilização dos indígenas e seu principal

argumento gira em torno de trazer os indígenas para um comércio vantajoso,

criando necessidades e os conduzindo a uma comunicação civilizadora pelas

armas da catequese, fazendo com que os mesmos nômades de então se

tornassem “uma classe trabalhadora que nos dispense dos africanos”. Sua

conclusão é que “os pobres negros, fora de seu país natal são menos aptos

aos nossos trabalhos do que os índios. Os negros, portanto servem de

embaraço à civilização dos índios; e o que mais é, servem não pouco de

retardar a nossa própria civilização, o que deixo de tratar por não se tratar

desse programa (...) agricultura; porque como diz o economista espanhol

150BARBOSA, Januário Cunha. Se a introdução dos escravos Africanos no Brasil embaraça a civilização de nossos índios. In: Revista do Instituto Histórico (NO 3, Volume 1: 1856) Rio de Janeiro: Laemmert, 1856.p.159- 166

132

Bernardo Ward: ela não medra onde o que trabalha não colhe, e o que colhe

não goza do fruto de seu trabalho”.

Publicado logo a seguir, temos o parecer do sócio José Silvestre

Rebello, negociante, que começa sua memória dando a origem do comércio de

escravos na América a Cristóvão Colombo. Prossegue esclarecendo que, em

São Paulo, a transição do comércio escravo para o comércio africano se deu

devido ao fato de “o trabalho dos indígenas luzia menos do que o dos

africanos, e estes passaram a custar menos dinheiro do que o resgate dos

índios, deixados então à disposição dos meritórios Jesuítas, esclarecendo não

ter sido a transição feita sem querelas”. Foram expulsos jesuítas de São Paulo;

“e a teima de povoadores da mesma província em prosseguir o resgate deu pé

a uma enorme coleção de mentiras e falsidades, que se acham impressas em

vários livros contra os ativos e valentes paulistas”. Continua esclarecendo sua

posição de que, se há atraso na agricultura, “a culpa é da ignorância dos

feitores e não dos escravos semi-brutos, mas dos administradores que não

conhecem Botânica e Química”.

As duas memórias estão eivadas das questões futuras das publicações

e de seus desenvolvimentos, algumas delas como o libelo contra a escravidão,

em geral, seria discutido de forma esparsa, por muitos anos à frente, até se

tornar uma questão candente. Já questões como a civilização através da

catequese, seriam bastante discutidas nos anos vindouros, bem como o papel

dos paulistas, no Compêndio de História do Brasil, escrito pelo General

pernambucano José Inácio de Abreu e Lima, em 1843. O papel dos paulistas

não é o de heróis e os índios são mencionados como sendo:

“Muitas nações e povoações diferentes (mais de cem nações brasileiras, umas escondidas nos bosques, outras nos rios, nas costas marinhas. Algumas pacíficas, quase todas errantes... Tupis senhores do oeste -16 tribos distintas). Os brasileiros possuem algumas virtudes sociais e domésticas. Exercitam o respeito e a hospitalidade, e vivem tranqüilamente entre si; não se desamparam nas moléstias como fazem outras povoações da América, e são fiéis a seus aliados”.151

151ABREU E LIMA. José Inácio, Compêndio e história do Brasil, RJ: Laemmert, 1843, p..28

133

Censurado por Vanhagem no IHGB, a polêmica com Abreu e Lima

resultaria em um dos pontos de destaque na história geral de Vanhagem, com

defesa ao heroísmo dos bandeirantes paulistas. A questão da catequese entre

os indígenas também extrapolaria o IHGB sendo discutida em Revista

Guanabara, criada como espaço de discussão alternativo, antecedido por

tentativas como a criação da revista Minerva e posteriormente da Revista

Guanabara criada em 1849, no começo do acirramento das discussões, nota-

se que Vanraghen também possuía espaço na revista como jornalista

correspondente da Europa.

O debate a partir de 1849 passa a não se restringir à revista ou às

sessões do IHGB. A publicação de artigos em jornais e a criação de revistas,

como a Revista Guanabara, cujos editores eram Manuel de Araújo Porto

Alegre, Antonio Gonçalves Dias e Joaquim Manuel de Macedo, abriam seus

espaços para a apresentação de artigos científicos, em um ambiente mais

arejado do que o Instituto do qual eram sócios.

Espaço esse preenchido normalmente por membros do Museu

Nacional, como a publicação da memória sobre botânica de Francisco Freire

Allemão (diretor de seção do museu), ilustrada, que narrava efeitos danosos de

uma árvore comum na época, denominada vulgarmente de Santa Luzia, já no

primeiro volume da mesma. A revista também possuía um viés político forte,

além de tratar de variedades como a crítica de ópera do Teatro São Pedro. No

entanto, seu viés principal era um espaço para o diálogo com a produção

histórica e científica da época, explicitada em “História da Pátria”, de Gonçalves

Dias, na qual autor critica a História do Brasil de Berredo por suas referências

aos “selvagens”. “Não digamos como diz Berredo, que era um povo bruto e feroz, nem os apreciemos pelo que hoje conhecemos. Não degenerarão ao contato da civilização, porque esta não pode envilecer ; mas embrutecerão a força de servir, perderão a dignidade, o caráter próprio, e o heroísmo selvagem, que tantos prodígios cometeu e perfez. Vede o que fizeram e dizei se não há magnanimidade nessa luta que sustentam a mais de três séculos, opondo a flecha à bala ao tacape sem gume à espada de aço refinada.” 152

152DIAS, Antônio Gonçalves.História da Pátria: Reflexões sobre os Annaes Históricos do Maranhão de Bernardo Berredo. In: Revista Guanabara, Vol. 2 Tomo I. 1850.25-57

134

Além de abrir uma viva discussão ao criticar a catequese como método

prioritário de civilização dos indígenas, Gonçalves Dias, no segundo volume da

revista Guanabara, responde às criticas religiosas provenientes da sua critica à

História do Maranhão por Berredo. Dias, colocando reflexões acerca dos

indígenas, falou nos jesuítas por incidente, caindo na censura religiosa, como

reprovava a censura religiosa como a qualquer outra censura. Responde

argumentando que não se pode considerar o índio em catequese senão como

um ente em transição. “Nesse estado o índio não é nem civilizado, nem

selvagem, nem pagão, nem católico; mais tarde sem preparatório,

instantaneamente passa de um estado a outro, torna-se igualmente incapaz de

ambos- de viver na cidade como homens civilizados, a de viverem na selva

como bárbaros. Eram exemplo de obediência, a exemplo da habilidade

jesuítica, um exemplo, de piedade se quiserem: mais daqui a heroicidade vai a

distancia do mundo”. Essas opiniões dificilmente seriam levantadas e, se

levantadas, não seriam publicadas no espaço do IHGB. Elas mostram, além da

posição de Gonçalves Dias, o apoio de Porto Alegre, então curador da quarta

sessão do Museu, em questão com o governo Imperial devido à Academia de

Belas Artes, e que também utiliza a revista para suas criticas aos métodos de

admissão e premiação da mesma se posicionando contra a família Taunay.

A partir de meados da década de 50 do século XIX, o Jornal do

Comércio abre espaço a ser ocupado pelas notícias enviadas pelo museu.

Espaço que Ladislau Netto ocupará a partir de sua entrada na instituição com

avisos sobre o funcionamento, pedidos de doação e agradecimentos a

doadores. Aumentando a visualização do Museu, o jornal também publica

vários artigos e descrições sobre o museu, transformando-se em uma fonte de

divulgação do Museu.

Ladislau Netto, membro da geração seguinte a Porto Alegre e Dias e

diretor da sessão de Botânica do Museu, terá um vivo interesse pela quarta

sessão da qual passará a se encarregar pessoalmente a partir de 1876. Para

uma melhor divulgação do Museu e de suas reivindicações, vai publicar um

livro com o título de Investigações, em 1870. Um livro sobre o Museu, sua

história, suas dificuldades e seus projetos futuros, direcionado ao público

135

brasileiro. O Museu, já com meio século de idade, tornou-se uma instituição

com história de vida a ser narrada, ou talvez seguindo o tom das investigações,

com uma história das dificuldades enfrentadas. O livro é escrito para um

público amplo, como deixa claro Ladislau no primeiro parágrafo dirigido ao

leitor.

“A regra da ciência dos clássicos e a norma critica dos bibliográficos bem pouco terão que ver na índole da presente publicação. Certo é que nem para estes diretamente nem tampouco para aqueles outros, senão para o público brasileiro, empreendemos trazer lume as notícias meio históricas meio científicas que havemos aqui traçado acerca do Museu Nacional do Rio de Janeiro. E pois que ao povo nos dirigimos, ao povo em que de todo se não extinguiu a centelha da imaginação e o balsamo da esperança; ao povo , finalmente que as flores classifica pelo perfume e pelas cores e as aves pelas suas melodias, bem era que n’um singelo discorrer o tratássemos sobre assuntos que a ciência, de ordinário não cuidosa de instruí-lo, costuma revestir de formas e caracteres para ele indecifráveis.153

Essa fase das publicações indica a nova possibilidade de publicação

própria da instituição e suas instâncias mais populares como as investigações

e os fascículos da revista Exposição Antropológica, 1882, e mais cientÍficas

como os arquivos do Museu Nacional, 1876. Todas têm como idealizador

Ladislau Netto. A publicação das Investigações é um apelo reivindicatório, daí a

necessidade que atinja o maior número possível de leitores, embora o texto

contenha alusões a louváveis boas intenções do governo imperial. O peso do

texto está explicito nas suas intenções demonstradas ao leitor:

“Um guia, um simples guia para quem alguma vez se dispusesse a examinar as nossas coleções, deverá ser e bem quiséramos que fosse este livro se mais alto não nos bradasse o descuido e a vilipendiosa apatia em que por tão largos anos se há deixado ficar o brasileiro.”154

153NETTO, Ladislau- Investigações- Rio de Janeiro: Instituto Philomático, 1870 154Op.cit pg10

136

Nos parágrafos seguintes, segue o tom dado às crônicas históricas do

Museu “crônica de três longos quartos de século, que não deixa de ser curiosa

e útil de conhecer-se senão que muito o é pela série não interrompida de cruéis

desenganos”. O guia das exposições já foi bastante explorado no capitulo

anterior e a crônica histórica é mencionada aqui e acolá na tese, principalmente

no capitulo três, já que é muito difícil encontrar um documento que narre, com

tantos detalhes, as dificuldades financeiras enfrentadas pelo corpo

administrativo da instituição. No entanto, a publicação é mais do que um

conjunto de fontes interessantes. Trata-se de uma tentativa pioneira de tornar

pública a importância e o descaso institucional ao mesmo tempo, tentando

abarcar um público maior e difundir conhecimento e dar conta a esse público

do funcionamento de uma instituição pública. Expôs-se a criticas e, com

certeza, já esperava por elas: “censure-nos a seu talento, sem as

preocupações nem os escondimentos da delicadeza, que de coração lho’os

agradecemos”. Abre, assim, o diálogo para que a instituição seja discutida e

ganhe visibilidade. Essa publicação mais ou menos desconsiderada como um

todo é um grande passo para dar voz à instituição junto ao publico e a fazer

valer suas reivindicações junto a instancias burocráticas superiores.

O arquivo do Museu Nacional, com formato de revista científica tem

como data de sua primeira publicação, 1876, sob a administração de Ladislau

Netto, após reforma oficial do Museu. A partir de então, a voz do Museu passa

a se concentrar em suas próprias publicações. Os artigos de interesse direto

para a coleção e que compunham quadro mais geral de análise do que viria

mais tarde a ser denominado de cultura material começam a surgir, como no

caso do artigo “Apontamentos sobre o Fabrico de Louças de Barro entre os

Selvagens”155, Hartt. Publicado pela primeira vez em língua inglesa, como

folheto avulso em 1975156, e republicado no volume do Arquivo Nacional, em

homenagem à Exposição Antropológica de 1882.

155HARTT, Carlos. Apontamentos sobre o Fabrico de Louças de Barro entre os Selvagens, (vol.VI), RJ, Arquivos do M.N., 1885 (1875). Hartt, empreendeu cinco viagens pelo Brasil, sendo a última como diretor dos trabalhos da Comissão Geológica do Brasil, 1874/1878 156Mesmo ano da publicação do livro “Mitos Amazônicos da Tartaruga”, demonstrado o interesse de Hartt, por vários aspectos além da mineralogia.

137

Charles F. Hartt inicia seu artigo justificando a importância econômica e

histórica da origem e evolução da arte do oleiro, bem como a discussão de

seus processos. Por lidar com mineralogia, os processos e a análise dos

componentes da cerâmica são seu interesse, descreve métodos e composição

de cerâmicas de várias localidades, através de bibliografia, dados repassados

por outros observadores, como, por exemplo, José do Couto Magalhães, do

qual registra as informações sobre os grupos Karajá , Kaiapó, Xavante, Xerente

e Guajajara, ou observações próprias sobre Mawé, Mundurukú e outros.

Sua filiação aos estudos evolucionistas traz uma filiação aos estudos de

embriologia de Von Baer e Agassiz157. Freitas158 narra a passagem de Hartt de

um pensamento orientado por Agassiz (criacionista) a um pensamento

evolucionista mais orientado pela idéias darwinianas. Hartt transfere para o

estudo da cerâmica a orientação teórica evolucionista com a seguinte

justificativa:

“Assim como podem-se determinar os períodos de crescimento de um animal pelo estudo de muitos indivíduos da mesma espécie em diferentes graus de desenvolvimento, assim também pode-se ir assinalando os passos progressivos da evolução de uma arte, com maior e menor exatidão, pelo exame da prática dessa arte entre povos de diferentes estados de adiantamento” p. 63159

Embora o artigo tenha a uma proximidade em relação aos estudos

difusionistas, Hartt deixa claro não ser essa sua intenção, ao afirmar “A arte do

oleiro sem dúvida originou-se independente em muitas nações diferentes, e

muitas circunstâncias podem ter levado ao uso do barro no fabrico das

vasilhas”.

Sua visão evolucionista, no entanto, se expande a fazer da cerâmica de

seus tipos e forma de produção, uma regra de evolução entre os povos. A

ausência de cerâmica estaria associada a exemplos de povos de cultura mais

157 Louis Agassiz coordenou a primeira expedição da qual Hartt participou no Brasil em 1865. 158 FREITAS, Marcus Vinícius- Hartt: Expedições pelo Brasil Imperial- SpP: Metalivros, 2001. 159 Arquivos do Museu Nacional, Op. Cit.

138

primitiva, como os Botocudos, ajudando a construir a imagem de “primitivo”, por

definição plena, que se revela nas coleções e exposições.

“Não conhecem o uso da louça de barro muitos povos selvagens (...). Em alguns casos, como entre os Botocudos, pode-se explicar essa ignorância pelo grau extremamente baixo de cultura intelectual da tribo”.160

As conclusões do autor formam alguns aspectos que podem

demonstrar o interesse especulativo em busca de comparações e de uma certa

universalidade de padrões. Ele afirma, a partir dos grupos estudados, ser a arte

cerâmica predominantemente feminina, já que a mulher no fabrico e

ornamentação se revela como a primitiva artista decoradora, sendo uma das

características da evolução a arte cerâmica passar para a esfera masculina,

saindo de uma produção doméstica, para uma escala maior de produção,

mesmo observando a grande produção das louças pelas “índias Civilizadas do

Amazonas”.

Suas observações sobre padrões decorativos, como a grega,

comparando o trabalho das ceramistas que decoram suas cerâmicas com

gregas e igualmente a mulher civilizada que borda a grega. Sugerem ser a

grega uma forma arcaica persistente através dos séculos, frisando que as

gregas com que as selvagens decoram seus potes demonstram o começo

embrionário da vida da arte. Esse argumento será utilizado por Ladislau Netto,

em artigo na revista da Exposição Antropológica.

No entanto é preciso lembrar que essas proposições marcam o caráter

eminentemente científico que é dado ao estudo, em dia com o método

histórico, que propunha grandes investigações sobre determinados assuntos

tanto quanto a sua temporalidade como em sua abrangência, no caso, os

selvagens em geral e os brasileiros mais especificamente. Convém lembrar o

comum do termo para as classificações evolucionistas que propunham as

classificações evolutivas de selvagens, bárbaros e civilizados, a partir da

160 HARTT, op. Cit.

139

presença de uma grade de instituições, entre elas, o estado associado ao grau

de civilização.

A simplificação desse modelo leva a constatação da construção de

quadros evolutivos em diversos cortes da vida dos grupos indígenas como no

caso citado no fabrico das louças, onde se compara desde o fato do João de

Barro construir sua casa, até a fabricação da porcelana, dando-se atenção ao

estado da louça entre os “nossos” selvagens.

Um dos grupos enfocados como mais primitivos: os Botocudos. O

grupo que então vivia em estado de guerra constante, por ser seu território o

Rio Doce, um dos alvos preferenciais de expansão do Império, portanto com

chances reduzidas de se dedicar à técnica da cerâmica. Fato esse interpretado

como a ausência de um dos itens de civilização e da sua confirmação na

categoria de selvagens. Convém ainda lembrar ser o grupo um dos alvos

preferenciais para os estudos de craniometria (medições do crânio com intuito

de demonstrar a evolução e as características humanas de maneira

fisicamente comprovada) em voga nos países da Europa.

No entanto, o artigo, além de compor com clareza qual o contexto

científico da coleta dos objetos em cerâmica, deixa um relato bastante preciso

e especifico sobre o processo de composição da cerâmica, com identificação

de tipos de argila e desengordurantes que formavam a cerâmica de grupos

variados, tornando-se um documento precioso para compreender a coleção de

industria humana do século XIX.

No livro de José do Couto Magalhães, publicado em 1876, para figurar

na exposição de Filadélfia, pela primeira vez, o elemento indígena é tratado

desvinculado da História do Brasil, como um elemento formador, mas traz a

sua visão enquanto personagem vivo e presente da vida do império. Couto de

Magalhães, tendo sido presidente das províncias do Pará, Mato Grosso e

Goiás, descritas pelo próprio como sendo as de maior número de selvagens,

passa a se interessar principalmente pelo aproveitamento dos indígenas como

força de trabalho, ao invés da pura importação de trabalhadores. Dessa forma,

objetiva o trabalho entregue à Quarta Exposição Nacional, preparatória para a

“Exposição de Filadélfia”:

140

“O fim das Exposições coligindo produtos, e elementos de riqueza de um país, é chamar a atenção sobre aqueles que, sendo suscetíveis e grande desenvolvimento para a riqueza publica, não tiveram obtido ainda a necessária atenção das classes pensantes”. No futuro nenhum assunto talvez se entrelace tão geralmente com o desenvolvimento da riqueza e o engrandecimento do Brasil como o amansamento de nossos selvagens.” P. 24161

Na sua defesa de uma idéia, Couto Magalhães vai publicar suas notas

Etnográficas no sentido de valorar as instituições indígenas, como passiveis de

modificação em direção à civilização, e, para tanto, vai empreender um grande

esforço de entendimento das línguas indígenas com o objetivo de trazer os

indígenas para a língua portuguesa.

Na parte do livro dedicada à família e Religião Selvagem, Couto

Magalhães passa a uma refutação do antigo “sem F, L, R”. Com uma

introdução ao tema, escreve sobre o título de classificação antropológica sua

assertiva: “Não são os caracteres físicos, e sim os Moraes, que entram como

elemento principal em busca de uma classificação antropológica”. Partindo

desse princípio, estabelece como regra para seu trabalho a observação direta

dos “sentimentos de sociabilidade” e “sentimento religioso”. Impõe-se como

limite evitar com igual cuidado as sugestões pessimistas, assim como o

“domínio do romance e da poesia”. Em dia com a literatura discutida no

momento, citando Darwin em suas notas, Magalhães recusa uma filiação

romântica a priori, mas descarta uma visão degeneracionista da composição da

população brasileira.

Em um item denominado de prejuízos antigos, faz uma critica ao

sistema de catequese, referindo-se ao índio catequizado como um ser

degradado (lembrando a definição de Gonçalves Dias) e colocando os jesuítas

como grandes homens apenas em comparação com os praticavam extermínio

puro e simples. Como membro do IHGB, convém lembrar que se trata de uma

posição frontalmente contrária a de Vanhagen, então, hegemônica.

161MAGALHÃES, General Couto de- O Selvagem- SP: Companhia Editora Nacional, 1940.

141

Nesse capitulo, aparece, pela primeira vez, a “Teogonia dos índios”, na

qual o autor faz um esboço do que seria, a seu ver, a composição dos deuses

indígenas, generalizando termos Tupis, junto com a lenda de Nani, onde

explica a importância da mandioca para os índios e o fato do processo da

mesma ter sido revelado por um sobrenatural. Esses textos são republicados,

na Revista Antropológica Brasileira, como divulgação em separado dos

costumes indígenas.

A segunda parte do livro trata exclusivamente de um curso de língua

Tupi viva ou Nheengatú. Língua geral que o autor usava para se comunicar

com os indígenas e a que se dedicou a conhecer através de método cientifico

de então. Na última parte, o autor dedica-se às lendas encaradas como método

de educação intelectual, comparando algumas com as colhidas por Hartt.

A Revista da Exposição Antropológica Brasileira, publicada em

fascículos, visando informar a um público mais amplo características do que foi

representado na Exposição, complementando o guia da mesma. Revelava

uma necessidade de se ampliar o conhecimento do público sobre o evento.

Dirigida por Alexandre Mello Moraes Filho162, jornalista, médico escritor e

membro do IHGB de segunda geração, tendo sido seu pai membro e

historiador do mesmo, ficaria conhecido como folclorista pela sua obra “Festas

e tradições populares”, 1888. Manter-se-ia, no entanto, como um poeta da

causa indígena. A revista Antropológica foi editada pela tipografia Pinheira, em

1882, em fascículos e distribuída nesse formato, posteriormente reunidos em

forma de livro.

O prefácio de Ladislau Netto à Revista escrita para comemorar o evento

da exposição, criada por homens de talento, “um deles poeta dos mais

festejados e populares do Brasil”. Menciona ter o público, tanto do Rio de

Janeiro como das províncias, recebido com tal regozijo os fascículos, que os

mesmos estavam sendo reunidos em um único volume com seu prefácio.

Ladislau inicia o prefácio com um texto no qual deixa clara a sua filiação

preferencial a uma teoria do autoctonismo do homem americano:

162VAINFAS, Ronaldo (org.)- Dicionário do Brasil Imperial. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002, pg. 32

142

“E na verdade, posto que pareça demasiado arriscado negar que uma ou diversas invasões houvesse recebido em seu seio o novo mundo, principalmente pela costa da fronteira às ilhas Aleutas, ou mais ao norte, pelo estreito de Bering, muito natural, e mais que provável, é, a meu ver, houvesse a América produzido uma espécie humana sua, assim como produziu milhares de espécimes amimais congêneres do antigo continente.” P.IV.163

Entretanto, Ladislau coloca-se diante de um impasse a ser resolvido no

futuro mencionando “Onde buscar, porém, provas desse absoluto

autoctonismo, e quais podem nos convencer da presença de uma fusão de

concurso estrangeiro na intricada e milionária fase de despertar da história do

homem Americano”. Objetiva, dessa forma, as propostas da Exposição

Antropológica e, conseqüentemente, da Revista da mesma, como dando voz a

diversas possibilidades e teorias que serviriam para criar “sobre bases positivas

os alicerces do futuro”, provocando o que Monteiro164 denomina de um

cardápio variado.

Vamos então tentar apresentar resumidamente a variação de idéias

expressa em torno da Exposição Antropológica, por sua Revista. Em primeiro

lugar, salta-nos aos olhos a variedade de grupos representados, com

descrições de complexos coletivos (Tribu) ou de seus indivíduos (índio ou

índia).

Artigos sobre a denominação tribu ou índios no plural temos Mauhés,

Mundurucus, Aruaquis e Parequis, Uaupés, Miranha, Caxuiana, Arara,

Tecuna, Conibo, Usahys ( Uapixanã),Tupinambá, Tabayaras, Parecis, Garayos

( índios do Guaporé), Palmellas, os Barbados de Mato Grosso (Umutina),

Cabixi, Chiquito (Mato Grosso). Sob o título geral de descrições, Uaupé,

Tamoyo, Canoeiros e Yauhá.165 A variedade escapa à dicotomia Tupi e Tapuio,

163NETTO, Ladislau. Prefácio da Revista da Exposição Antropológica Brasileira, RJ: Typografia Pinheiro & Cia,1882 p. III- VII 164MONTEIRO, J.- As “Raças” Indígenas no Pensamento Brasileiro do Império. In Raça Ciência e Sociedade, ventura, R. (org.) RJ: Fiocruz, 1996. 165Os nomes acima foram verificados no mapa Etno Histórico de Curt Nimuendajú ( RJ: IBGE, 1981) e com exceção dos Yauhá encontrados, os nomes entre parênteses foram igualmente encontrados no mapa.

143

tentando abranger um grupo bem maior conhecimento, que, levados em conta

às descrições de temas gerais, amplia bastante o quadro.

Não existe, no entanto, uma uniformidade de tipo ou pensamento nas

descrições. Por exemplo, os Botocudo são descritos por J. B. de Lacerda166

que descreve seus caracteres físicos, acrescentando que “Sob o ponto de vista

moral e intelectual são os Botocudos a expressão de uma raça humana no seu

maior grau de inferioridade”. Essa posição reforça um quadro cientificista167

que é minoritário no geral da Revista, já que Batista de Lacerda assina quatro

artigos na Revista, sendo apenas um descritivo, um sobre a medida de força, e

mais dois, um sobre sambaquis e outro sobre o crânio da Lagoa Santa.

Já J. Barbosa Rodrigues168, naturalista autodidata e pesquisador em

Botânica, após publicar em 1870, uma obra por ele ilustrada sobre orquídeas

brasileiras, consegue uma viagem comissionada pelo governo para explorar o

vale do Amazonas, dando destaque ao gênero palmarium, viagem a que

empreendeu de 1872 a 1875, colhendo várias informações, inclusive as de

caráter etnográfico presentes na revista. Conduz suas descrições de outra

forma como podemos ver quanto aos Yauapery”, que usam os homens os

cabelos cortados e as mulheres longos, são altos musculosos, guerreiros e de

boa índole. Descreve com detalhes pertinentes ao tamanho do texto, os

artefatos e adornos, como por exemplo sua descrição das armas dos

Yauapery: “Suas armas são o arco e as flechas. Aquele é cilíndrico, aldegaçado para ambas as extremidades e muito maior do que um homem; estas são de duas espécies, de taquara e de suumba, com ponta de osso. A de Taquara é a maior que conheço: mede a ponta mais de dois palmos de comprido sobre duas e meia polegada de largura pintada internamente de Mucuná ( Mucuna ureus) e as de bico de osso tem a suumba pintada também da seiva do mesmo cipó.” Pg.48169

166LACERDA, J. B.BOTOCUDOS. Revista da Exposição Antropológica, p.2. Batista de Lacerda. Nessa época, sub- diretor da sessão de zoologia do Museu. 167Através do que era é encarado na época como uma ciência exata a Antropologia na época vai medir capacidades musculares e intelectuais com o mesmo “rigor” e medidas, transformando assim qualquer idéia de subjetivação em uma ciência palpável e concreta. 168SÁ, Magali Romero de- O Botânico e o Mecenas, José Barbosa Rodrigues e a Ciência no Brasil na Segunda metade do séc. XIX.in História, Ciências e Saúde. Manguinhos, vol.III (suplemento)- p. 899-924. 2001. 169RODRIGUES, J. Barbosa- op.cit, p. 48.

144

O Barbosa Rodrigues com 19 artigos quase todos descritivos tem

sempre uma descrição rica para artefatos e adornos com ênfase no nome dado

pelo grupo, e significados idem, sendo sua as observações já mencionadas no

capitulo um que filiam as cores dos adornos Mundurukú à organização familiar

dos mesmos. Dispõe-se também à identificação das matérias primas

empregadas, principalmente daquelas que se referem à Botânica. Sua precisão

quanto aos artefatos o faz complementar o guia da exposição, recomendando,

por exemplo, que se vejam as flechas Yauapery que descreve no Museu

Nacional, grupo 76 da Sala Rodrigues Ferreira, observando que o guia as dá

também como sendo dos Conibo, Coxibo, Peba e Jurunas.

Os artigos gerais perpassam as discussões candentes, sendo um deles,

“Atavismos”, de Ladislau Netto, referente a mestiços de brancos com negros.

Ladislau responde por artigos mais gerais, no total de quatorze artigos, dentre

eles, “Observações relativas à teoria da evolução (fragmentos extraídos da

conferência do dr. Ladislau Netto, na Sociedade de Ciência Argentina, Buenos

Aires)”. Ladislau sempre assume um tom nacionalista quanto às questões que

elabora e positiva quase sempre o elemento indígena e o mestiço. Será,

portanto, tratado como um cientista romântico pela geração de 1870,

capitaneada por Silvio Romero.

Outras colaborações da Revista são os textos póstumos de Hartt,

versando sobre mitologia, Evolução dos ornatos e a tanga Marajoara. Seu

sucessor no Museu e companheiro de viagem, Orville Derby, aparece com um

artigo sobre os povos antigos do Amazonas. José Couto Magalhães aparece

com dois pequenos artigos: “Teogonia” e “Lenda de Nani”.

Foram editados seis textos do padre José de Anchieta sobre temas

variados, entre eles, “Cantiga em língua tupi” e “O anjo do caminho” e um do

padre Simão de Vasconcelos, sobre Campo de Goitacazes.

J. Serra e Melo Moraes Filho redigiram artigos jornalísticos acerca do

índio literário romântico e iconográfico e de lenda populares com o elemento

indígena em um total de 31 artigos. Portanto, o “cardápio da Revista”, nos

termos de Monteiro, era bastante variado e diretamente interligado à exposição

145

e ao esforço de promover um panorama com tudo ou quase tudo do que era

dito, visto e discutido sobre a questão indígena.

Como forma de divulgação da coleção, as exposições e publicações

ajudaram não só a dar visibilidade à coleção como a trazer para um público

maior as discussões intelectuais geradas no IHGB, formando um quadro de

informações em vários níveis que viriam a ecoar por bastante tempo. Como se

formou um corpo administrativo institucional no Museu, as relações

interinstitucionais que proporcionaram a formação da coleção e o processo de

divulgação são o tema do capítulo seguinte.

146

CAPÍTULO 3 O MUNDO SOCIAL

O capítulo trata das pessoas que efetivaram o funcionamento da

instituição, bem como de algumas daquelas que contribuíram para o aumento

das coleções, além de dar ênfase às relações da instituição com o mundo social

de sua época. Ou seja, como contemplar o objetivo de contribuir para o

desenvolvimento do comércio, da indústria e das artes, por meio da pesquisa

científica. As relações sociais, em uma época em que poucas pessoas

ocupavam vários cargos, eram de fundamental importância para compor um

quadro administrativo de funcionamento mínimo, para garantir um objetivo tão

ambicioso para a época, como difundir a ciência. Aos poucos, a formação desse

quadro vai se profissionalizando com o esforço dos seus participantes,

chegando ao último quartel do século XIX, a uma estrutura de funcionamento no

Museu com organização suficiente para promover maior visibilidade à instituição

e a transformação das relações sociais em relações interinstitucionais.

147

3.1 Relações da Instituição Com o Mundo Social

O Museu se relaciona com o mundo social de sua época de forma

bastante intensa. Para isso, creio que contribuíram diversos fatores, dentre

eles, a localização no Campo de Sant’Ana, com a proximidade física de várias

instituições, como o Senado do Império, as sedes da Sociedade Auxiliadora

Nacional (tendo sido a primeira no próprio museu), o Colégio Pedro II, a

Secretaria de Negócios Estrangeiros do Império, as livrarias onde o convívio

social era menos oficial e a pouca distância do Paço Imperial, do IHGB e das

redações de jornal, o Teatro Lírico. Enfim, o Museu possuía uma localização

geográfica central dentro da vida pública do Império. A importância desse fator

pode ser vista desde o decreto de sua criação, que o localiza em local

escolhido pela monarquia para as aclamações e festas populares, vindo a ser

conhecido também como o Campo da Aclamação. O Museu é pensado para se

localizar em um centro de poder e estar próximo à rede burocrática que se

formava junto com o Império. À medida que este vai se formando junto com as

instituições burocráticas, instâncias decisórias por onde passavam as decisões

de orçamento para as instituições: o Senado, onde eram votadas as verbas

para o Museu, onde eram lidos os relatórios em que a instituição prestava

conta de suas atividades. “AGMN Doc. N.73: O regente interino, em nome do

Imperador solicita o envio da relação de objectos que existe depositados no

museu para ser levado ao conhecimento da Assembléia geral, no relatório da

mesma instituição”.

A relação com o ministério vai sendo regulamentada com os anos e na

medida em que os decretos detalhados de regulamentação do Museu vão se

sofisticando e ficando claro até que ponto vai autonomia institucional e onde

começa a ingerência do Ministério. Nos primeiros tempos, as medidas eram

ordenadas de maneira direta pela secretaria de Negócios do Império, e

148

algumas delas apontam para a indicação de funções do Império que

começavam a ser esclarecidas, como, por exemplo, os valores inicialmente

depositados no Museu. “AGMN, Doc N.32, pasta 1: Ordem para recolher

coleção de diamantes ao Tesouro Nacional”.

Dentro do quadro em que o Museu vai adquirindo seu perfil institucional

e criando sua autonomia, a ingerência do imperador, principalmente a exercida

no segundo reinado, nos assuntos ligados às instituições científicas, nas quais

o Museu se enquadrava, pode ser vista no comentário de Murilo de

Carvalho170, que apresenta sinteticamente muitos dos pontos vistos na

pesquisa com relação à Instituição e ao Segundo Reinado.

“Mostra um imperador democrático apesar do paradoxo político, no entanto que como qualquer chefe de governo tinha suas belicosidades e vaidades no caso literárias e científicas e esse quadro menos próximo da perfeição do que o geralmente traçado, regia a vida das instituições científicas e intelectuais da época, um quadro de incentivo e probidade administrativa.”171

Um dos fatores a ser abordado é a formação de um quadro de

funcionários capazes de dar conta das tarefas às quais a instituição científica

se propunha. Em primeiro lugar, o Museu necessitava de um quadro de

funcionários especializados, com conhecimento e comprometimento científico.

Esses funcionários necessitavam de um corpo auxiliar que, com

conhecimentos bastante elaborados para a época, se dispusessem a exercer

funções que envolviam diretamente o serviço prático e manual, muito mal visto

em uma sociedade escravocrata. Preparadores, coletores e guardas da

coleção não podiam ser figuras que encarariam o serviço da instituição como

uma “posta” e um ganho, era preciso conhecimento, treinamento e dedicação,

o que causava dificuldades, como a apontada por Candido, abaixo, sobre o

funcionalismo público em geral durante o Império .

170CARVALHO, José Murilo de. D. PEDRO II.Companhia das Letras,2007, SP. 171Idem

149

“Num país como o Brasil do século XIX, ser funcionário público era estar perto dos donos do poder, de maneira crescente na medida em que se dava a subida na escalada, tudo era mais distintivo do que hoje. Ser funcionário era ‘ter uma posta’. Mas ser funcionário dependia de muita coisa. Dos favores, do parentesco e até da habilitação. Os burocratas realmente habilitados deviam se ressentir, como se vê nesses relatórios, da presença dos penetras sem qualificação funcional, nomeados por pistolão e desmoralizando a carreira.”172

Outro fator também apreendido por Silva173 foi o hábito administrativo,

herdado da fase de Reino Unido, de vários cargos serem ocupados pelas

mesmas pessoas, não só em conselhos consultivos, mas também em cargos

administrativos de fato, como por exemplo Luis Riedel, diretor da Seção de

Botânica do Museu e Diretor do Passeio Público. Além dessa acumulação,

existem várias acumulações oficiais como a que coloca Manuel de Araújo Porto

Alegre como diretor da quarta seção do Museu, mesmo esse residindo em

Berlim e Lisboa consecutivamente e tendo pedido desligamento oficial da

função antes de embarcar para Berlim.

Para demonstrar essa situação, compus um quadro dos nomes que

ocupavam posições nas principais instituições de interlocução de 1844, ano em

que todos os cargos oficiais passam a ser publicados no ALMANAK do

Império174, até 1876, observando um espaço entre os quadros, de quatro a

cinco anos, de acordo com o ritmo das mudanças

A partir de 1876, o quadro de funcionário do Museu se amplia, devido à

reforma do regimento, fazendo com que a demonstração de um quadro mais

geral seja tão extensa que se torne pouco produtiva. Outras instituições

também multiplicam seus quadros, como a Secretaria de Negócios

Estrangeiros. Vale lembrar, no entanto, que as relações se ampliam, inclusive

em termos do aparecimento de mecenatos para a ciência. O quadro demonstra

não só a ocupação como a mudança de cargos, e principalmente a escolha da

172CANDIDO , Antônio -Um Funcionário da Monarquia .Ensaios Sobre o Segundo Escalão. Rio de Janeiro:Ouro sobre Azul,2002,p.11 173SILVA, Maria Beatriz Nizza. Op.cit. 174ALMANAK DO IMPÉRIO.Disponível na INTERNET via http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak. Consultado em 10 a 12 de 2007

150

representação externa brasileira, que, nos seus primeiros tempos, era

realizada, por quadros que integravam um corpo intelectual nascente da nação:

Quadro de Titulares de Cargos e Instituições

Ano Museu Nacional Campo D Aclamação, esquina com rua da Constituição (antiga rua dos ciganos)

Instituto Histórico e Geográfico

Colégio Imperial D. Pedro II Antigo Edifício da Igreja São Joaquim, Rua da Imperatriz

Academia de Belas Artes

Secretária de Negócios Estrangeiros Campo D Aclamação 11, lado da Rua do Conde

1844 Frei Custódio Serrão Diretor Geral e da Seção de Mineralogia, Geologia e Ciências Físicas Manoel de Araújo Porto Alegre Diretor da secção de Numismática e Artes liberais, Arqueologia, Usos e Costumes das Nações Modernas. Luis Riedel Diretor da Secção de Botânica Emilio Joaquim da Silva Maia Diretor da Seção de Anatomia Comparada e Zoologia

Manoel Ferreira Lagos Segundo Secretário Perpetuo Emilio da Silva Maia Sócio efetivo Frei Custódio Alves Serrão Sócio efetivo Manoel de Araújo Porto Alegre Sócio efetivo Domingos Gonçalves Magalhães Sócio efetivo Francisco Freire Alemão Sócio correspondente

Dr.Domingos Gonçalves de Magalhães Professor de filosofia Emilio Joaquim Silva Maia Professor de História Natural

Manoel de Araújo Porto Alegre Professor de Pintura

1850 Francisco Leopoldo César Burlamaque Diretor Geral do Museu e da Seção de Mineralogia Manoel de Araújo Porto

Manoel de Araújo Porto Alegre 3o vice-presidente: Secção de Arqueologia e Etnografia Americana Manoel

Dr.Domingos Gonçalves de Magalhães Professor de filosofia Emílio da Silva Maia Professor de Ciências Naturais

Capitão Honorário Manoel de Araújo Porto Alegre Diretor

Manoel Ferreira Lagos Arquivista Antônio Gonçalves Dias (em comissão)

151

Alegre Diretor da secção de Numismática e Artes liberais, Archeologia,Usos e Costumes das Nações Modernas. Luis Riedel Diretor da Secção de Botânica Emílio Joaquim Silva Maia Diretor da Secção de anatomia Comparada e Zoologia

Ferreira Lagos Secretário Perpetuo

Antônio Gonçalves Dias Professor de História do Brasil e Latim Antônio Gonçalves Dias Professor de História do Brasil e Latim

1855 Francisco César Burlamaque Diretor da Seção de Mineralogia E Diretor Geral do Museu Manoel de Araújo Porto Alegre Diretor da secção de Numismática... Riedel Luis Diretor da Secção de Botânica Emílio Joaquim Silva Maia Diretor da Secção de anatomia Comparada e Zoologia Guilherme Süch Capanema Adjunto da Seção de Mineralogia

Manoel de Araújo Porto Alegre Primeiro Secretário Joaquim Manoel Macedo Segundo Vice- Presidente

Dr.Domingos Gonçalves de Magalhães Professor de filosofia Emilio Joaquim Silva Maia Professor de Ciências Físicas Joaquim Manoel de Macedo Professor de Geografia e História do Brasil

Manoel de Araújo Porto Alegre Membro Honorário, Professor Jubilado e ex-Diretor

Dr.Domingos Gonçalves de Magalhães Encarregado de Negócios Manoel Ferreira Lagos Oficial Antônio Gonçalves Dias Oficial

1859 Francisco César Burlamaque Diretor da Secção de Mineralogia e Diretor Geral do

Joaquim Manuel de Macedo Segundo Vice-presidente, comissão

Joaquim Manuel de Macedo Professor de Geografia e história do Brasil Emílio Joaquim

Secção de ciências e acessórios; Anatomia das Paixões Dr. Luiz da

Dr.Domingos Gonçalves de Magalhães Encarregado de Negócios

152

Museu. Manoel de Araújo Porto Alegre Diretor da secção de Numismática... Luis Riedel Diretor da Secção de Botânica Emílio Joaquim Silva Maia Diretor da Secção de anatomia Comparada Guilherme Süch Capanema Adjunto Secção de Mineralogia

subsidiaria de história Manoel de Araújo Porto Alegre Primeiro Secretário, Comissão de Arqueologia e Etnologia. Emílio Maia Revisão de manuscritos

Silva Maia Professor de Zoologia

Fonseca Arqueologia; vago Professor Honorário: Guilherme Capanema

Estrangeiros Espanha Antônio Gonçalves Dias Oficial Manoel Ferreira Lagos Oficial

1865 Francisco César Burlamaque Diretor do Museu e Diretor da Secção de Mineralogia Guilherme Süch Capanema Adjunto Secção de Mineralogia Manoel de Araújo Porto Alegre Diretor da secção de numismática Residente em Berlim José Thomas de Oliveira Bastos Adjunto secção de Numismática... Manoel Ferreira Lagos Bibliotecário

Joaquim Manuel de Macedo Segundo Vice-presidente, comissão de trabalhos geográficos Guilherme Capanema Comissão de Arqueologia e Etnologia. Francisco Freire Alemão Comissão de admissão de sócios Manuel Ferreira Lagos

Joaquim Manuel de Macedo Prof de História do Brasil

Pintura Histórica José Reis de Carvalho Professor Honorário José Reis de Carvalho História das artes, estética e Arqueologia Vago

Diretor interino da 1a Seção e primeiro oficial. Manoel Ferreira lagos Corpo diplomático e consulado Áustria Ministro Presidente: Domingos José Gonçalves Magalhães Prússia Cônsul Geral Manoel de Araújo Porto Alegre Residente em Berlim

1870 Francisco Freire Alemão Diretor Geral do Museu e da Secção de Botânica

Segundo Vice- Presidente e orador Joaquim Manoel de Macedo

Professor de História Antiga Manoel Duarte Moreira de Azevedo Prof de História

Pintura Histórica Victor Meirelles História da Arte História e Arqueologia Pedro Américo

Primeiro Oficial Manoel Ferreira Lagos Corpo Diplomático Áustria

153

Guilherme Süch Capanema Adjunto Secção de Mineralogia Manoel de Araújo Porto Alegre Diretor da secção de numismática Residente em Berlim José Thomas de Oliveira Bastos Adjunto secção de Numismática. Manoel Ferreira Lagos Bibliotecário Ladislau de Souza Mello Santos Netto Adjunto Secção de Botânica

Comissão de trabalhos em História Comissão de Estatutos e redação da Revista Francisco Freire Alemão Comissão de Arqueologia e Etnologia Guilherme Capanema Comissão de Geografia Manoel Duarte Moreira de Azevedo Comissão de admissão de sócios

Natural Antônio Maria Corrêa e Sá Benevides. Professor de Corografia e História do Brasil Joaquim Manoel de Macedo

de Figueiredo e Mello Professor Honorário Guilherme Capanema Professor Jubilado da Academia Manoel de Araújo Porto Alegre

Ministro residente Francisco Adolfo Vanhagen Manuel de Araújo Porto Alegre Cônsul Geral Lisboa Gonçalves Magalhães Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário Conselheiro Estados Unidos da América

1876 Ladislau de Souza de Mello Santos Netto Diretor geral e da segunda seção 1a Seção João Joaquim Pizzaro Antropologia,Zoologia Geral e Aplicada e Paleontologia Vegetal Carlos Frederico Hartt 3a Ciências Mineralogia e Geologia e Paleontologia Geral

Joaquim Manoel de Macedo 2o Vice-presidente Manoel Duarte Moreira de Azevedo Comissão de Estatutos e redação da Revista Francisco Freire Alemão Comissão de Arqueologia e Etnologia Guilherme Capanema Comissão de Geografia

Prof de História Natural Antônio Maria Corrêa e Sá Benevides. Professor de Corografia e História do Brasil Joaquim Manoel de Macedo Prof de História Antiga Manoel Duarte Moreira de Azevedo

Pintura Histórica Victor Meirelles História da Arte História e Arqueologia Pedro Américo de Figueiredo e Mello Professor honorário dessa seção Guilherme Capanema

Barão de Santo Ângelo Manuel de Araújo Porto Alegre Cônsul Geral Lisboa Visconde do Araguaia Gonçalves Magalhães Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário Conselheiro Vaticano

154

A ligação entre Museu e IHGB é praticamente total. No primeiro quadro,

podemos ver que apenas Luis Riedel não é sócio do IHGB. Alguns nomes que,

nele, aparecem no vão, aos poucos, se aproximando do Museu e vice-versa.

Por exemplo, Manuel de Araújo Porto Alegre era do IHGB, antes der convidado

para a Quarta Seção, já havia demonstrado seu interesse no Instituto por

Arqueologia e Etnologia. Francisco Freire Alemão colabora de forma bastante

efetiva no Instituto antes de ser chamado para a sua direção geral. Já outros

nomes, como Ladislau Neto, vão do Museu para o Instituto em uma segunda

fase das relações posterior a 1860.

Algumas relações não passam necessariamente pelos quadros de

funcionários do Museu, como no caso de Gonçalves Dias, formador de coleção

e interlocutor de Manuel de Araújo Porto Alegre, Diretor da Quarta Seção.

Outro interlocutor Gonçalves Magalhães, escritor, vai se dedicar à carreira

diplomática com intensidade chegando a postos de prestígio. Sua forma de

interlocução ocorre por meio das discussões impetradas no IHGB, onde se

empenha no debate da formação do povo brasileiro, Gonçalves Dias e

Gonçalves Magalhães eram partícipes das idéias que Porto Alegre traria para

sua curadoria no Museu. Os três fechavam um cerco ideológico em defesa dos

indígenas, nos termos da época, na capacidade do elemento indígena ser

civilizável e compor a população brasileira harmonicamente. Essa posição

ecoava no Museu, em suas Exposições e publicações, e se contrapunha a

Vanhagen (diplomata como Magalhães) que discorria sobre a ferocidade do

indígena e sua incapacidade de integrar uma sociedade brasileira moderna e

progressista.

O governo imperial oscilava entre posições e apoios. Nas comissões das

Exposições Universais, por exemplo, em 1862, a representação brasileira,

levada a Londres por Manuel Ferreira Lagos, continha material indígena

coletado por Gonçalves Dias, em Paris, 1967, sendo Manuel de Araújo Porto

Alegre encarregado da sua montagem. Já em Viena, 1973, Vanhagen é chefe

da Comissão, não existindo, nela, representação dos indígenas, e Porto Alegre

sequer tem permissão para se hospedar em terra, como menciona Rebouças,

155

em seu diário175: “O Porto Alegre ficará a partir de 23 em vapor de Lisboa por

falta de recursos pecuniários e de ordem do governo.”

Por um lado, eram apoiados enquanto artistas e literatos, no caso de

Gonçalves Dias, recebeu uma comenda, mesmo sem estar muito inclinado

para aceitá-la. No caso de Gonçalves Magalhães, foi seu fiel defensor quando

a publicação da Confederação dos Tamoios, feita às suas expensas, foi

criticada. No entanto, quando entrevam posições que afetavam as posições do

Estado, ou mesmo as administrativas, agia com bastante cautela. Seu apoio a

Agassiz e Vanhagen era público. Na ocasião da pendência de Manuel de

Araújo Porto Alegre, na direção da Academia de Belas Artes, sua decisão foi

aceitar a demissão do mesmo. A posição dos mesmos como editores de

órgãos de imprensa não oficiais, provavelmente, era levada em conta, apesar

dos mesmos nunca atacarem diretamente a figura imperial. Já o governo era

bastante criticado, principalmente quanto á ineficiência de seu funcionamento

burocrático.

Posições opostas também se dão na mesma instituição e, por vezes, no

grupo social mais próximo. Joaquim Manuel de Macedo, editor da revista

Guanabara, junto com Gonçalves Dias e Porto Alegre, vai, aos poucos, se

aproximando das idéias de Vanhagen e difundindo-as, já que, ao lecionar no

Colégio Pedro II, na cadeira de História, sucedendo Gonçalves Dias, vai redigir

um compêndio, que resume as idéias de Vanhagen, em oposição ao ensino na

cadeira de História do Brasil do Colégio Pedro II na época em que Dias ensinou

com um compêndio mais liberal, em suas opiniões, a respeito do indígena.

Joaquim Manoel de Macedo também é um dos redatores encarregados da

Exposição de Filadélfia, mas, nessa exposição, a parte indígena foi escrita por

Couto Magalhães, com seu livro “O Selvagem”, que prega absorção pacífica do

elemento indígena e a importância da composição do elemento indígena na

formação do brasileiro.

Dentro do perfil de vários cargos, também podemos ver o das

especializações. Macedo vai se especializando em Política, tendo vários

mandatos na Assembléia Geral, utilizando-se de seu poder como escritor e de

175REBOUÇAS, André- Diário, op.cit, p.239.

156

sua credibilidade no IHGB, para escrever livros como a “Carteira de Meu Tio”,

no qual ironiza o sistema eleitoral, sem, no entanto, abdicar de participar do

mesmo, além de manter seu cargo de professor do Colégio Pedro II até a

morte. Gonçalves Magalhães se mostra um escritor e diplomata dedicado,

galgando postos, como o cargo de Ministro Plenipotenciário, mas não

alcançado o baronato.

Outros, no entanto, permanecem com perfis e cargos múltiplos, como

Manoel Ferreira Lagos. Ele cursou Medicina, sem defender tese, e a Academia

de Belas Artes, chegando a expor na classe de Escultura. Tornou-se Zoólogo,

Bibliotecário e Oficial da Secretaria de Negócios Exteriores, chegando a ser

considerado um dos maiores bibliófilos brasileiros do período, tendo, em sua

biblioteca, cuja maioria dos livros versava sobre assuntos brasileiros, mais de

quatro mil volumes. Após sua morte, a Biblioteca Nacional comprou a maior

parte da coleção: 3.475 volumes, 300 manuscritos e 146 mapas.

Sua trajetória aponta um início de carreira ligado a conhecimentos

efetuados no IHGB, onde se tornou Secretário Perpétuo. Logo depois, passa à

Secretaria de Negócios Estrangeiros, chegando a Primeiro Oficial da mesma,

mantendo um posto, e, ao mesmo tempo, articulando mudanças em um quadro

funcional. No Museu, apesar de ausência do título de Doutor, pois fez

faculdade de Medicina, mas não defendeu tese, é admitido como adjunto da

Zoologia, passando a Titular. Exerce também o cargo de bibliotecário do

Museu. Uma vida funcional bastante diversificada e de uma forma bastante

singular, muito bem entrelaçada e tecida ao longo dos anos.

Através de personagens com múltiplos cargos e encargos, vão se

formando as relações institucionais. Também surgem as primeiras dedicações

exclusivas à instituição, como a de Ladislau Neto, que dedica sua vida

profissional ao Museu, tendo assumido postos no IHGB e na Sociedade

Auxiliadora Nacional, de uma forma que hoje se convencionou chamar de

representação institucional. Sempre discutindo e se empenhando pela

instituição, sua projeção e seus direitos, Ladislau Neto marca a mudança de

um forte caráter pessoal na curadoria das coleções exercidas até então e a

157

manutenção de relações interinstitucionais representadas por um curador,

principalmente a partir de 1870.

3.1.1 Instituições de Interlocução

Como primeira instituição de interlocução, apontamos a Sociedade

Auxiliadora da Indústria Nacional, criada em 1825, por Álvares Pinto de

Almeida, tendo, desde a fase da elaboração de seu estatuto, estabelecido

diálogo com o Museu Nacional na figura de seu diretor de então, Dr.

Caldeira176. Criada no espírito da ilustração e como uma sociedade de classes,

propunha-se a ter um caráter científico177. A Sociedade, que contava com um

número significativo de membros, teve sua sede no Museu Nacional, até a sua

transferência na gestão de Ladislau Netto. Apesar de membro da referida

sociedade, lutou por sua saída das dependências do Museu, como deixa claro

em suas “Investigações”. A sociedade foi responsável por diversos eventos

relacionados diretamente ao Museu, entre eles, a primeira Exposição Nacional

de 1861, em que atuou na organização geral e escolha dos artefatos a serem

expostos, tendo seus membros, como o Barão de Mauá, trabalhado

intensamente para a realização da mesma.

A atuação da Sociedade Auxiliadora, ainda pouco estudada, aponta para

um respeito à monarquia, evidenciado, por exemplo, nas normas da montagem

da exposição, sendo, no entanto, menos interligada diretamente ao apoio do

monarca e à sua presença do que viria a ser o Instituto Histórico e Geográfico.

176NETTO, Ladialau,-Investigações- RJ: Instituto Philomatico- 1870, p.38/40 177BARETO, Patrícia Corrêa Sociedade Auxiliadora Nacional. XVII Encontro de História ANPHU

158

A Sociedade me parece mais próxima do que Elias178 identifica como a luta

presente no século XIX, de classes empresariais urbanas contra o domínio das

classes superiores tradicionais. Um de seus membros mais ativos viria a ser

Irineu Evangelista da Silva, o futuro Barão de Mauá, empresário, muitas vezes,

em choque com o os interesses mais tradicionais da monarquia.

Em 21 de outubro de 1838, criou-se o Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro, o IHGB, inspirado no Institut Historique, fundado em Paris, em 1834.

Membros da "boa sociedade", figuras importantes da elite econômica e literária

do Rio de Janeiro, associaram-se de imediato. Desde a sua inauguração, o

IHGB contou com a proteção de D. Pedro II, expressa por uma ajuda financeira

que, a cada ano, significava uma parcela maior do orçamento do Instituto. Mas

foi somente a partir de 1840 que o Imperador, além de participar

freqüentemente de suas sessões, tornou-se o grande incentivador da

Instituição. Cabe-nos acrescentar que, na sua ata de fundação, consta que o

Instituto foi fundado sob os auspícios da Sociedade Auxiliadora da Indústria

Nacional, fato esse pouco lembrado na escrita da história do Instituto, que dá

preferência a sublinhar o papel de D. Pedro II. Bertol Domingues179 menciona o

fato de o IHGB, aos poucos, se distanciar da Sociedade Auxiliadora e aumentar

seus vínculos com o Estado. O Imperador chegou a presidir quinhentas e seis

sessões do Instituto.

O Colégio D. Pedro II, criado em 1837, também pode ser considerado

como instituição interlocutória, uma vez que seu quadro de docentes contava

com grande parte dos membros do IHGB e com alguns dos diretores do Museu

Nacional. Manuel de Araújo Porto Alegre lecionou Desenho, cadeira herdada

de Gonçalves Magalhães. Gonçalves Dias lecionou História. Além do fato dos

compêndios de História, elaborados e utilizados no Colégio Pedro II, Abreu e

Lima e Joaquim Manuel de Macedo comportam uma visão do indígena a ser

transmitida por toda uma geração educada no Colégio, a partir da década de

40, e que vai até o final do século XIX.

178ELIAS Nobert. Processos de Formação do Estado e Construção da Nação. [Processes of state formation and nation building] Tradução de Kenzo Paganelli.In: INTERNATIONAL SOCIOLOGICAL ASSOCIATION.Transactions at the Seventh World Congress of Sociology. Varna: International Sociological Association, V.III 179DOMINGUES, Heloísa Bertol, op.cit.

159

Fundada por membros do Museu em 1850 e sem os compromissos da

boa sociedade, surge a Sociedade Velosiana, interrompida em 1855 e com

retorno em 1870. Ambas as ocasiões foram presididas por Francisco Freire

Alemão, tendo como membro Frederico Cezar Burlamaque (futuro diretor do

Museu) e Guilherme Capanema, Diretor Adjunto de Mineralogia. A seção de

Linguística Indígena foi presidida por Antonio Manuel de Melo. A Sociedade,

apesar de uma vida breve, serviu para congregar membros interessados na

pesquisa científica, com a leitura de várias memórias referentes a diversas

ciências, entre elas, a Linguística, conforme documentos no AGMN, sendo

algumas dessas publicadas pela revista “GUANABARA”. Seus estatutos

lembram a estrutura organizacional do próprio Museu, bem como seus

objetivos, destacando-se, no entanto, seu caráter de grupo voltado para

estudos científicos, pela proposição de envio e leitura das obras. Como os dois

títulos de que temos registro na documentação do AGMN: Viagem ao

Tocantins, de Manoel Lourenço de Souza, e uma memória sobre os radicais

indígenas da palavra pitanga. Também presente, na documentação, está o

regimento da sociedade, dando destaque à História Natural e à Linguística,

transcrito abaixo:

“Estatuto da Sociedade Velosiana do Rio de Janeiro 1870 Art.1º A Sociedade Velosiana tem por fim indagar, coligir e estudar todos os objetos pertencentes às ciências naturais, com particularidade os pertencentes à história natural do Brasil, e juntamente averiguar e interpretar as palavras indígenas com que forem esses objetos designados. Art.8º A sociedade será dividida em 4 secções que serão como comissões permanentes, a saber; a de Zoologia, a de Botânica, a de Geologia e Ciências físicas, a de Etnografia e Arqueologia , cada uma elegerá um diretor e um secretário. Art.3º Sócios efetivos são os que ocupando-se com o estudo das ciências naturais, e dedicando-se a elas teórica ou praticamente, tem residência mais ou menos permanente no Império. Sócios correspondentes, os que possuindo as mesmas habilitações, residem entretanto nas províncias ou em países estrangeiros. Sócios honorários aquelas pessoas respeitáveis e distintas por seu saber em ciências naturais, ou pela publicação de obras e escritos originais relativos a qualquer dos ramos d’estas ciências, ou por serviços relevantes que hajam prestado quer a eles em geral, quer a esta sociedade em particular. Art.17º Qualquer trabalho, memória, livro impresso ou manuscrito, que for apresentado à sociedade por pessoas a ela estranhas, será enviado à respectiva secção a qual dará parecer acerca de seu merecimento”. 24/07/1870

160

Construindo relações profícuas, os diretores do Museu Nacional de

meados do século foram sócios atuantes, quer do IHGB, quer da Sociedade

Velosiana, quer da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional. Eram também

responsáveis, ao lado de outros naturalistas e interessados nas práticas

científicas das demais instituições da corte, pelas principais iniciativas

científicas nesse campo, no período. Como a proposta de Exploração Interna,

que originou a Comissão Cientifica do Ceará, levada posteriormente ao IHGB,

por Manoel Ferreira Lagos, também membro da Sociedade Velosiana. Os

resultados dessas relações foram evidenciados com o crescimento dos

quadros de funcionários do Museu, de suas coleções e da visibilidade do

trabalho desenvolvido pelo Museu, através de Exposições, Publicações ou

relatos das pesquisas em andamento, efetuados nessas instituições.

Uma das relações importantes é a que se efetua entre Manuel de Araújo

Porto Alegre e Gonçalves Dias, comprovada de várias maneiras. Essa relação

entre o curador da coleção e um intelectual, que poderia ser considerado como

um etnólogo, como marca Kury180, ao considerar que “a abordagem de

Gonçalves Dias foi bem diferente do indianismo de gabinete da primeira

geração romântica. A investida estética e intelectual do poeta maranhense teve

suporte antropológico”. Já Antônio Candido181 o denomina de primeiro talento

do romantismo, que parece finalmente configurar-se com ele, para além dos

programas e intenções, um conjunto de boa qualidade sobre o índio. Enfatiza

ainda que são os únicos versos realmente belos dessa tendência, não porque

correspondam etnograficamente ao que o índio foi, mas, ao contrário, porque

construíram dele uma imagem arbitrária que permite recolher no particular da

realidade brasileira a força dos sentimentos e das emoções, comum a todos os

homens.

Há duas visões diferentes para Dias, um autor que procurou eficiência

nas duas áreas em que atuou inclusive no período de sua atividade mais

intensa como “etnógrafo”. Não produz poesia, de 1857 a 1861, apesar da

180KURY, Lorelay- A Comissão Cientifica de Exploração in: Ciência, Civilização e Império nos Trópicos- org. Heizer,A. & Videira,A.A.-RJ: Access-2001, p.46. 181CANDIDO, A. O Romantismo no Brasil, Antônio Candido. FFLCH/ USP. SP: HUMANITAS, 2002.

161

polêmica sobre não ter escrito a história da Comissão, principalmente como se

imagina hoje o que seria a história da Comissão e os relatos etnográficos. Foi

membro ativo do Instituto Histórico, mas preservando caráter independente,

sendo mencionado por Machado182 como aquele que quase recusou uma

comenda, achando a despesa desnecessária. Escreveu bastante sobre a

questão indígena antes da viagem ao Rio Negro, expondo suas idéias em

textos como: “o Brasil e a Oceania”, ou na revista Guanabara. De posse de

material observado nas viagens, recua: se, em cartas, descreve a paisagem,

cala sobre o homem ou diz pouco, de forma abreviada, contrariando seu estilo.

No entanto, em sua práxis de redigir os relatórios, pode ser aferida sua

perspectiva naquele que redige sobre a Educação no Solimões, demonstrando,

além do empenho, as observações de alguém perceptivo o suficiente para

entender que, com o modo de vida local, a educação indígena representava

um esforço bem maior do que o simples investimento em criar uma escola e

alocar um professor: “Para dizer a um destes que mande seu filho à escola,

que não os tire de lá antes de aptos, é ordenar que redirecionem a norma da

vida”.183 Dias, após a extinção da Comissão, segue viagem de tratamento de

saúde para a Europa e trava conhecimento com C. Martius, no período em que

estaria redigindo ou elaborando mentalmente seus relatos da viagem ao Rio

Negro. Cabe lembrar que, nesse período, Porto Alegre (redator das normas da

Comissão) era cônsul em Dresden. Portanto, na época em que recebia as

pranchas do material etnográfico litografadas, Dias se encontrava em um

ambiente propício à discussão sobre o material.

A importância das relações de Gonçalves Dias no Museu passa por

vários momentos, e por duas amizades pessoais, Porto Alegre e Capanema,

Diretor da Anatomia Comparada do Museu e companheiro de viagem, durante

a expedição científica do Império. Mas a rede social não se congela, o ciclo se

estende a outros nomes e a outras instituições intimamente ligados na época.

Entre elas, estão a já mencionada de Manoel Ferreira Lagos e a de Francisco

Freire Alemão, membro do Instituto desde sua criação, que mais tarde vai

182MACHADO, Ubiratan- op.cit. 183MONTELLO, Josué-. op. cit..

162

dirigir o Museu, assim como figuras que primeiro se tornam conhecidas no

IHGB, passam a dirigir seção no Museu e vice-versa.

Ladislau Netto também foi membro do IHGB e expandiu suas relações

pessoais muito além das fronteiras nacionais. Consta, em uma de suas

biografias, redigida por Costa184, faz menção, por exemplo, à sua amizade com

Ernest Renan. Sua correspondência com membros de instituições estrangeiras

e seus esforços para integrar o Museu Nacional no circuito de troca

internacional são evidentes e alcançados, em parte, com a publicação dos

Arquivos do Museu Nacional que passa a ser permutada com publicações de

instituições de renome. Esforça-se também no sentido de permuta de coleções,

com menos sucesso.

As relações entre o Museu Nacional e a Academia Imperial de Belas

Artes foram bem mais próximas no século XIX, não só por ser o Museu a

instituição que, por um período, abrigou a Academia no prédio do Museu em

1822185. As relações tiveram continuidade, através de Manoel de Araújo Porto

Alegre, não só nos nomes que exercerão funções na Academia, como também

nos nomes da Academia que participarão do Conselho do Museu Nacional,

como Victor Meirelles. Além disso, havia a participação de pintores da mesma,

quando necessário nas atividades do Museu, como a atuação de Décio Villares

e Aurélio de Figueiredo, que pintaram os quadros a óleo para a Exposição

Antropológica de 1882.

A Secretaria de Negócios Estrangeiros, mais tarde Ministério dos

Estrangeiros, teve, ao longo do século XIX, um crescimento acelerado. Suas

relações com o Museu são bastante significativas e vão além dos nomes em

comum, como Manuel de Araújo Porto Alegre e Manoel Ferreira Lagos, que

oficialmente integraram as duas instituições por um período. Mas a rede de

relações foi tecida também a partir do IHGB, onde o corpo diplomático como

um todo figurava como sócio. A Secretaria de Negócios Estrangeiros também

passaria a se relacionar mais diretamente com o Museu, face ao caráter

184COSTA, A.- Ladislau Netto in: Indiologia.RJ. Ministério do Exército 185“vemo-lo dar agasalho em, em janeiro de 1822, à Academia de Belas Artes e ao seu diretor, Henrique José da Silva, á pretexto de se tornar oneroso ao estado o aluguel do prédio em que então trabalhava”. P.28/29 in “Investigações”. Ladislau Netto, RJ: Instituto Philomático, 1870

163

diplomático assumido pelas Exposições Universais, nas quais o Museu passa a

ter sempre um envolvimento cada vez mais valorizado. Nesse período, inicia-se

um caráter que vai ser desenvolvido ao longo do século XX e tem sua

continuidade no século XXI: o caráter diplomático das exposições nos grandes

centros difusores da cultura, como nos países europeus.

Podemos começar a exemplificar o relacionamento entre a Secretaria e

o Museu com o relato em Missão, elaborado por Gonçalves Dias e Raja

Gabaglia, da Exposição de Paris, 1855. Antes da Comissão Científica do

Império com dois membros do Ministério, ambos oficiais da Secretaria,

Gonçalves Dias e Manuel Ferreira Lagos. Eles montariam conjuntos

importantes para a Primeira Exposição Nacional preparatória para a Exposição

de Londres. A atuação de Manoel Ferreira Lagos, como uma das pessoas

encarregadas de supervisionar a montagem geral da mesma, lhe garantindo

um lugar de maior destaque na Exposição de Londres e referenda seu cargo

de Primeiro Oficial da Secretaria. Manoel Lagos era Adjunto da Seção de

Zoologia do Museu, passando a Diretor e responsável pela biblioteca do

Museu, a partir de sua criação em 1863, continuando a atuar na Secretaria

como Primeiro Oficial e membro ativo do IHGB, como demonstra o quadro.

Os possíveis desentendimentos e disputas internas na Secretaria (Dias x

Lagos), observados na correspondência de Dias com Capanema (também

Adjunto no Museu), no entanto não influenciaram que o material de ambos

fizesse parte da Exposição Nacional e Universal, na representação harmônica

de uma nação, através das suas diferenças, garantida pelo material coletado e

exposto por Dias (Amazônico), e pelo material coletado e exposto por Lagos

(Ceará). Também se pode observar a permanência de ambos na Secretaria:

Dias normalmente encarregado de missões de viagens, e Lagos, de um

trabalho baseado na corte.

A formação de quadros especializados vai fazer com que os nomes, ao

invés de constarem em lista das mesmas instituições como funcionários,

passem a se encontrar apenas nas Instituições de discussão e representação

como o IHGB e em grandes representações da Nação, como nas Exposições

164

Universais, nas quais Ladislau Neto, representando o Museu, vai ganhar um

espaço precioso.

3.2 Aquisição das coleções, os interesses científicos da Instituição

Como foi mencionado na Introdução, o Museu Nacional foi criado com

o intuito não só de expandir uma coleção inicial, mas de formar uma coleção. A

partir desse dado, cria-se uma tensão entre os interesses do governo imperial,

os de subordinar a coleta de acervo a locais onde seus interesses

expansionistas se manifestassem, e inversamente o interesse institucional, o

de coletar acervo que demonstrasse e/ ou provocasse interesse científico.

Diversas são as tentativas de contratação de naturalistas viajantes. As

respostas do governo, invariavelmente, solicitavam o envio de normas de

coleta para que seus funcionários em missão pudessem executar e enviar

material aproveitável ao Museu. Uma dessas respostas, redigida por Frei

Custódio Serão, discrimina as pretensões de uma aquisição científica.

“Em resposta ao oficio de V.S. em que (...) declaro que serão importância para o museu todos os produtos naturais da Província do Pará; pois se alguns possuímos são raros e despidos de esclarecimentos a que deveriam maior parte de seu valor. Desses objetos apontamos os seguintes: Esqueletos de quadrúpedes encontrados, pelo menos o crânio e as patas acompanhados do sistema dentário e das unhas, os peixes, répteis e moluscos que por suas dimensões possa ser conservado, mostras de madeira de construção. Lâminas transversas, contendo a casca, (...) espécies mineralógicos e de rochas que possam indicar a natureza do Terreno. Objetos de uso dos indígenas que esclarecerão seus costumes, sua indústria, sua nacionalidade ou diferença como tribos distintas. Frei Custódio Alves Serrão”.186

Anos mais tarde, podemos ver o desabafo dos danos gerados por essa

política na resposta de Ladislau Netto, dada ao ministério a respeito das

186AGMN.Doc. 29

165

críticas de Louis Agassiz187 ao Museu Nacional. Agassiz começa sua

correspondência com D. Pedro II, em 1863. Em 1865, com a expedição Thayer

já estruturada, escreve discorrendo sobre seu interesse em estudar a

embriologia dos animais amazônicos, e sua visão de que a origem das

espécies deveria ser discutida à luz do material brasileiro. Segundo Freitas188,

“O cientista jogava com a vaidade das pessoas e, agindo através dos

intermediários, sabia transformar seus interesses pessoais em demandas

daqueles de quem ele, na realidade, necessitava de ajuda”. Dessa forma,

Agassiz e os membros de sua comissão desembarcam no Rio de Janeiro com

um diálogo pré- estabelecido com D. Pedro II. Suas criticas às instituições da

corte, como o Colégio Pedro II e o Museu Nacional, aparecem no relato da

viagem, cuja publicação é dedicada a D. Pedro II. Indiretamente o Imperador

faz uma cobrança ao Museu quanto às criticas, em documento enviado pelo

ministério. Pela resposta de Ladislau, podemos avaliar o grau de dificuldade do

Museu, enquanto instituição, e das suas relações com o governo:

“Acabo de ler as observações do Professor Agassiz sobre o Museu Nacional na sua “A Journney in Brasil” e convinha respondê-las pela parte que me compete neste estabelecimento. O Museu Nacional, e portanto a secção a meu cargo, não pode competir com as coleções de História Natural que mais se distinguem atualmente no velho mundo, e nem excedem de um número limitadíssimo estes estabelecimentos tipos, notando-se no mais perfeito d’eles lacunas tão sensíveis quanto inevitáveis sempre. O nosso Museu é imperfeito e incompleto confesso. Mas se quando o ilustre professor nos visitou se tivesse indiscretamente declinado ao algarismo de nossas verbas, estou certo de que tais asserções nunca teriam vindo aos lábios e ainda menos a pena. Dê-me um só homem, um simples arborisador como é fácil achá-los e formá-los e eu me encarregarei de provar em seis meses que pelo menos a secção de Botânica do Museu Nacional fôra inconsiderado quem se convenceu de que as coleções aí formadas destinavam-se a permanecer por longos anos em seu estado. Deus Guarde V.Exa. Museu Nacional, 30 de junho de 1868 “189

187Agassiz, defensor do criacionismo em oposição a Darwin, criou o Museu de Zoologia Comparada da Universidade de Harvard. 188FREITAS, Marcus Vinícius. Hartt, Expedição pelo Brasil Imperial.op. cit. 189AGMN pasta 1868

166

Em suas investigações sobre o Museu Nacional, Ladislau amplia essa

reforma. Durante o século XX, esse documento foi interpretado como fonte de

conhecimento da coleção do Museu, por aqueles que detinham sua guarda.

Sua intencionalidade está bastante relacionada a descrever as dificuldades que

a Instituição enfrentou desde sua criação até 1870. Ladislau descreve, como

época de aumento das coleções, o início da década de 1860, através de dois

correspondentes: Manuel de Araújo Porto Alegre diretor da Seção de

Numismática e Arqueologia e Cônsul Geral do Brasil em Berlim e o Naturalista

Francês L. Jacques Brunet, nomeado por portaria de junho de 1860. No

entanto, Brunet é nomeado para o Ginásio Pernambucano, em 1862. O então

diretor Burlamaque insiste na contratação de outro viajante, conseguindo

apenas Luis Baraquin, que não recebia salário e pouco coletou para o Museu.

A morte de vários membros do Museu e sua consequente desorganização fez

com que a luta por viajantes fosse continuada por Ladislau, que integra a

instituição por decreto de 1865, ocupando o cargo após seu retorno da França

onde estudava Botânica, já no período da direção de Freire Alemão.

Ladislau dedica-se, no epílogo, a responder, mais uma vez, a Agassiz,

de forma velada, defendendo o trabalho da Comissão Científica do Império,

esclarecendo que as críticas à comissão são feitas a “dois ou três exploradores

despretensiosos e sobrecarregados de trabalho, a quem mais não se concede,

além de modestos vencimentos do que o necessário para o transporte de suas

pessoas e de suas coleções”, em contrapartida ao que chama de ostensivas

comissões científicas que, a seu ver, “Não sabem viajar senão parodiando o

astro-rei, cercados de satélite e numerosa comitiva”.

Essa atitude de defesa institucional, no entanto, não vai impedir Ladislau

de criar um diálogo com Charles Hartt, que virá a ser diretor da Seção de

Mineralogia do Museu a seu convite. Fica clara a luta por competência e

verbas, passando obviamente pela contratação de pessoal, principalmente por

viajantes que pudessem fazer uma coleta científica de interesse institucional.

Quando finalmente o Museu consegue contratar novamente um

naturalista viajante, nas instruções enviadas exemplificadas por aquelas

167

enviadas ao Sr. Guilherme Schwacke190, em 22 de julho de 1874, pelo então

Diretor interino Ladislau Netto, afirma-se a preocupação em marcar a

intencionalidade do progresso da ciência.

“No que, porém, mais insisto nestas rápidas instruções com o fim essencial dessa viagem, é nas investigações antropológicas, que espero serão auxiliadas pelas autoridades locais interessadas pela prosperidade das ciências brasileiras, particularmente deste museu que as representa no Brasil(...) Estude como e de que matéria são feitas as armas, as vasilhas ou quaisquer utensílios encontrados nas sepulturas ou usados até hoje, comparando esses objetos entre si.”

A tensão entre os interesses do Museu e os do governo podem ser

exemplificada pelo ocorrido por ocasião da formação e da entrada da coleção

da Comissão do Madeira. No doc.1, pasta 12, do AGMN, constam alguns

elementos sobre os objetivos que nortearam a expedição iniciada nesse ano,

entre eles o de inspecionar os trabalhos de construção da estrada de ferro

Madeira-Mamoré e a medição e demarcação das terras devolutas do Madeira.

Nesse mesmo documento se introduz, de forma incisiva, a relação da comissão

com o Museu Nacional através da ordem do Ministro da Repartição de

Agricultura, para que o Museu forneça ao engenheiro Antônio Alvarez dos

Santos Lima, chefe e inspetor da comissão, instrumentos de coleta específicos:

“três caixas, duas prensas e os objetos necessários para se proceder à

arborização, materiais já requisitados para o serviço da comissão”. Além da

menção específica ao material requisitado, é de notar a omissão de qualquer

referência a instruções relativas ao processo de recolha. Na época era comum

se pedir ao Museu instruções sobre o que e como coletar.

No mesmo ano, 1872, a comissão envia 121 peças ao Museu

acompanhadas de uma lista com a procedência e indicações sumárias de uso

dos objetos. O Museu custa a agradecer formalmente o envio da coleção e a

cumprir a ordem do Ministério de publicar a lista das doações da comissão,

agradecendo oficialmente o recebimento da coleção só em 1875 e publicando

a lista só em 1876. O Museu estava em luta para optar o que receber e por 190AGMN, PASTA 1874.

168

quem. O ministério, irritado, manda diversas solicitações de que o Museu

agradeça a coleção oficialmente. A coleção é importante numérica e

qualitativamente, e bem documentada, apesar de ter dispensado as normas do

Museu, ela se encontra de acordo com elas. Entra, no entanto, em choque com

o tipo de política de aquisição pelo qual a instituição estava lutando, a

contratação do viajante data de 1874. Como conseqüência, até hoje, no livro de

registro, a coleção é mal documentada, omitindo-se o nome do engenheiro e

data das poucas peças com o registro “Comissão do Madeira”.

No entanto, ao empreender esforços para a realização da Exposição

Antropológica de 1882, Ladislau se vê obrigado a solicitar envio de peças pelos

presidentes de Província, o que passa a fazer a partir de 1878, e, com a

proximidade da Exposição, a incentivar qualquer doação de acervo ao Museu

através da publicação do nome dos doadores no Jornal do Comércio. O

esforço para dar visibilidade e conseguir recursos para a exposição valia o

abrandamento do caráter científico das coleções. A exposição de 1882 vai

dobrar as coleções e tornar o conhecimento propagado pelo Museu conhecido

por um público bem amplo através da revista da Exposição.

169

3.3 Implantação de um Quadro Administrativo 3.3.1Funcionamento Geral do Museu

Apesar de ter sempre uma grande suspeita em relação à visão do

Museu Nacional e sua época de ouro ligadas ao Império, a associação da

formação da instituição e da coleção com o nascimento da “Nação” brasileira é

uma tentação ou uma realidade, só que não tão direta, pomposa e enfática,

como por vezes é naturalizado, principalmente associando as benesses do

“Imperador Cidadão”191 D. Pedro II ao progresso do Museu.

Tentando estabelecer as relações entre a administração da instituição

e as coleções durante o período em que essas se formam, pretendo

demonstrar um pouco do funcionamento administrativo da instituição e detalhar

um pouco melhor quem eram os personagens envolvidos com as coleções da

indústria humana.

O Museu Nacional surgiu por decreto real, em 1818, e transformou-se no

local em que deveriam ser recolhidos os objetos dignos de observação e

exame, que poderiam ser empregados em beneficio do comércio, da indústria e

das artes (decreto de criação do Museu Nacional, Doc.1 pasta 1). Esses

objetos variavam da maquinaria da Sociedade Auxiliadora da Indústria

Nacional à Coleção Werner de Geologia. Nos primeiros anos, tem-se a

impressão de uma grande miscelânea posta aos cuidados de Frei José da

Costa Azevedo, matemático, filósofo, lente da Academia Militar e reconhecido

como grande pregador, tendo vários sermões publicados, e nomeado primeiro

diretor do Museu Real, e de João de Deus de Matos, seu auxiliar e preparador,

antigo aprendiz de Xavier dos pássaros, sempre vivamente ligado às coleções

191 Segundo Schwarcz (1998), como o imperador D. Pedro II preferia ser denominado.

170

de História Natural existentes no Brasil, citado como um grande especialista em

sua arte, a taxidermia (Lopes, 1977, pp. 48).

A formação inicial que podemos constatar por fontes de documento é de

um diretor, um porteiro e, por vezes, um funcionário temporário encarregado

das finanças, para a época, escrivão de receitas e despesas. Tomás Castro

Viana exerce esta última função sem vencimento por um tempo, indo ao Museu

apenas para executar suas tarefas. O porteiro ou guarda do museu era um

cargo bem diferente do que passa a ser a partir do século XX. Na época, eram

funções do porteiro: o cuidado com as coleções, anotações sobre sua entrada,

acompanhamento de pesquisadores e, no caso do primeiro porteiro do museu,

único funcionário além de seu diretor, trabalhos de coleta e taxidermia das

coleções. Essa prática, longe de ser uma característica nacional proveniente da

falta de recursos, era comum durante o século XIX, sendo adotada desde o

Museu de Elias Ashmole, Universidade de Oxford. Temos documentação que

comprova a prática da atividade do porteiro, logo no início do funcionamento da

instituição:

“Porteiro pede gratificação extra por excursão à Macaé para recolher ’Produtos’”.192

A partir da independência política do Brasil, vemos, nos documentos,

uma preocupação com a administração do estabelecimento por parte dos

governantes e uma lenta composição e resposta dessa organização por parte

do Museu, à medida que as nomeações eram feitas e o Museu se formava

administrativamente. Ainda no primeiro reinado (1827), é solicitada ao Museu a

elaboração de um regulamento interno, sendo que o mesmo só seria

implantado em 1842. O catálogo do Museu solicitado, em 1839, pela Regência

vem a ser parcialmente efetivado no relatório de 1844, após a nomeação dos

diretores de seção, como vemos na relação de documentos abaixo transcrita:

192AGMN.Doc n.14 (1821)

171

“Doc. N.84 (1827) Pedido de Regulamento Interno Doc. N.142 Regulamento N.123 de 3 de fevereiro de 1842 dá ao Museu Nacional uma organização acompanhando à melhor classificação e conservação dos objetos. Artigo 1 O museu Nacional desta corte será dividido em quatro secções: 1 Anatomia Comparada e Zoologia 2 Botânica, Agricultura e Artes Mecânicas. 3 Mineralogia, Geologia e Sciencias Phisicas. 4 Numismática e Artes Liberaes, Arqueologia, Usos e Costumes das Nações Modernas. Cada uma destas secções será confiada a um director especial, que poderá ter um ou mais adjuntos, em relação ao número de subdivisões da respectiva secção. Doc.N.91 O regente em nome de D. Pedro II solicitando um catálogo. “(...) cathalogo circunstanciado de todos os productos de natureza, de arte, existentes no Museu Nacional, declarando o estado de conservação, em que se achão bem como uma relação de todos aquelles que desde o principio do dito estabelecimento tenhão sido emprestados para fora deles.” 8 de Julho de 1939 Doc.N.195 (1844) “Em comprimento da ordem que me foi comunicado e em aditam os officios de 30 de Abril de 1843 e 8 de julho de 1839 tenho a honra de remeter inventário com o esclarecimento apresentado pelos D.D. das diferentes secções.” 193

O envio do inventário ao Senado é narrado por Ladislau, nas

Investigações, como tendo causado um grande mal-estar nas relações do

Museu com o Senado. Ladislau fala da acusação levantada pelo Senado que o

cobrava com veemência e o Museu o enviou tão logo pôde ou tão logo teve

pessoal para executar a tarefa. Frei Custódio Serrão, então Diretor,

acrescentou, em sua defesa da instituição, que, se os trabalhos de

classificação e confecção dos catálogos fossem fáceis, o governo não teria

autorizado a divisão administrativa por sessões. Como podemos ver pela data

de entrada dos diretores das sessões, o inventário tinha um prazo útil a ser

executado: 193AGMN. DOC. 84 ( 1827), 91 ( 1839), 195 (1844)

172

“Doc.129 Dr. Luiz Riedel para Diretor da seção de Botânica, Agricultura e Artes Mecânicas do Museu. Doc.N.134 Manoel de Araújo Porto Alegre para o lugar de diretor da seção de Numismática e Artes liberais, Arqueologia, usos e costumes das nações modernas”.194

Os salários dos diretores, que mal tinham sido instituídos, no entanto,

seriam diminuídos pelo Senado. Ladislau acrescenta que a resposta de Frei

Custódio foi de pouca valia para o Senado vitalício e retrógrado. A redução foi

executada, gerando um mal-estar que levou Frei Custódio Serrão à demissão

da direção do Museu, em 1845. Os demais diretores, mesmo com salários

reduzidos, continuaram na instituição.

O pagamento dos salários, bem como o controle através da exigência de

relatórios de trabalho e da freqüência para o pagamento, torna-se uma das

formas efetivas de presenciarmos as relações do governo imperial, através dos

ministérios, com relação ao Museu e seu funcionamento administrativo,

formando, ao mesmo tempo, a profissionalização e a hierarquização dos

cargos. A observação de os diretores pertencerem a outras instituições é

importante na medida em que marca o salário ganho ser complementado em

outras funções públicas, empreendimentos particulares ou ambos. A presença

na instituição e o trabalho junto às coleções eram facultativos e a diretoria

poderia mesmo ser exercida de forma honorifica, o que não se verificou na

maioria dos casos relatados: o interesse científico do ocupante parece ter sido

a medida para a realização dos trabalhos.

A cobrança de presença por parte do ministério foi questionada pelo

Museu, que, em resposta, esclarece não ser a cobrança para os diretores,

ocupantes de vários cargos, mas sim para os demais cargos. “Doc.112,

Esclarecendo ser a folha de ponto dos empregados subalternos e não dos

diretores de secção, visto serem estes professores de Academia e outros 194 AGMN. DOC. 129, 134

173

estabelecimentos scientificos”. Os documentos relativos a folhas de falta dos

funcionários são comumente encontrados no AGMN.

Em vários momentos de crise financeira, os salários dos diretores do

Museu eram rebaixados, como o observado no decreto a seguir: “Doc.N.4

Restabelece vencimento de 800$000 para três diretores de secção do Museu

que em 1843 tinham passado a receber 200$000”. O mesmo ocorria durante o

período da Guerra do Paraguai, não havendo registro documental de redução

salarial em outras instituições.

Os cargos, como Adjunto Viajante, eram de difícil remuneração, sendo,

em época de crise, os primeiros a serem tornados sem vencimentos. No

entanto, os serventes e seus vencimentos eram sempre objeto de

preocupação. Eles dependiam de forma mais direta dos ínfimos salários

(10$00), embora pudessem residir no Museu, como mostra a relação de

moradores do mesmo no ano de 1869:

“Doc.n.21 (1869) Lista dos moradores do Museu Nacional: Porteiro 38 anos, Mulher 34 anos, 4 filhos de 6 a 11/2 , 6 irmãos de 39 a 18 anos, tia de 62 anos, duas escravas alugadas de 50 anos. Serventes André Paulino de Carvalho casado 48 anos, esposa 25 anos, três filhos de 5 a 1 ½ e três viúvas. 2 serventes solteiros Heliodoro Pereira Leite Pedro Marcelino “195

O caso dos serventes, em 1869, estabelecidos como tal, é um caso

interessante de integração e profissionalização institucional e de integração dos

“africanos” na sociedade nacional. Seguiam-se sempre caminhos bem

díspares, o tratamento de escravos, ex-escravos, africanos livres, mulatos e

outras categorias, ficando quase sempre distanciado do enquadramento dos

mesmos nas instituições acadêmicas, salvo nomes proeminentes cuja inserção

195AGMN doc. 21 (1869)

174

ficou documentada por meio de diário, como o exemplo do engenheiro de

André Rebouças. Os servidores mais comuns que serviam nas instituições

imperiais poucas vezes são descritos; no entanto, é claro que eles existiram e,

por vezes, pode-se tratar, como no Museu, de integrações de africanos livres.

No arquivo geral do Museu Nacional, temos um passo a passo da

substituição do uso de escravos de aluguel por trabalhadores livres. O fato da

propriedade de escravos não se coloca, a substituição é feita de escravos de

aluguel por africanos livres, negros que eram libertos do tráfico ilegal e ficavam

à disposição do governo sem salário. A substituição foi recomendada como

medida de economia ao Museu, que vai, aos poucos, providenciando cartas de

alforria, pagamento196, aumentos de pagamento, transformação do pagamento

em salário. E, por último, há a incorporação como servente, sem referência ao

fato de serem ou não africanos, como no documento acima sobre a moradia

dos funcionários, mudando-os de status. Embora haja referência ao fato de um

deles estar de volta ao Museu, não se sabe como e que temporada passou

fora. Um deles faleceu na época em que o Museu perdeu diversos funcionários

por falta de higiene no laboratório, cobrada pelo ministério; mas foi enterrado

com toda documentação necessária a um trabalhador livre, carta de alforria e

certidão de batismo.

Esse processo não exclui, por exemplo, a presença de duas escravas de

aluguel na residência do porteiro. Traz, no entanto, como diferença, uma forma

de convivência social bastante específica: o africano que se integra como

funcionário, com residência oficial, salário e documentação. Parece que é do

interesse da administração imperial, em dado momento, perguntar pela

emancipação dos africanos livres. O museu responde com o nome

Hermógenes, abstendo-se assim do tratamento anterior de mencionar apenas

africano livre e quantificar. Posteriormente, vai se referir apenas à função

servente, abandonando a categoria de “africano livre”. Podemos ver uma

seqüência de documentos que comprovam essa incorporação:

196Embora a proposta salarial fosse modesta, mais modesto ainda foi o proposto pelo Governo.

175

“Doc.N.129 Substituição de escravos por africanos livres (devido aumento do preço de aluguel dos escravos) Doc.N.9 Gratificação oficial de 4$000 para o affricano livre que se acha há anos a serviço do museu. Doc.N.23 Falecimento do Africano livre e anexo sua carta de alforria de 1848 com anotação de batismo no verso. Doc.127 Remessa de outro Africano livre Doc.135 Concessão de alimentação 6$00 e 4$00 de gratificação mensal ao africano livre Hermógenes. Foi pedido 20$00 pelo diretor. Doc.86 Insistindo no aumento dos serventes. Doc.1 9 (1865) Inquirindo a situação dos Africanos livres, se já foram emancipados. O Africano livre Hermógenes volta a prestar serviço em 1864. Doc.144 ( 1868) Não concede dispensa da Guarda Nacional para os serventes. Doc.68 (1871) Africanos livres passam a ganhar com contratos de pessoas livres. Doc.75 (1871) Aumento de 10 mil réis ao salário mensal dos serventes”.

Podemos pensar em termos de uma formação administrativa, não

cabendo exatamente no modelo weberiano197, mas se esboçando, através de

alguns fatores, como, por exemplo, às nomeações para o museu, seguindo um

caráter profissional, com diretores, desde o primeiro, diplomados, indicados,

com qualificação e diplomas, os títulos de doutor não são meramente de

tratamento. Mais tarde, à medida que cresce, no Segundo Império, a ingerência

de indicações, vemos claramente a recusa por parte do Museu quanto ao nível

do cargo pretendido:

197 WEBER, Marx- Ensaios de Sociologia-Rio de Janeiro, Zahar Editores.

176

“Proposta de nomeação de adjunto de numismática e arqueologia para Luiz de Carvalho Jr”. Resposta de Ladislau Neto “Os adjuntos do museu (...) estas habilitações são adquiridas (salvo se possua reconhecidamente o pretendente) no lugar de praticante, como simples amador no lugar de prova satisfatória e suficiente não pode ser nomeado por enquanto senão para esta última classe.”

A evolução do quadro administrativo pode ser considerada a partir da

indicação de um diretor de reconhecida competência, embora sempre filiado a

uma indicação, a partir de convivência direta com a família imperial, como, por

exemplo: Francisco Freire Alemão, médico do imperador. Passa aos poucos a

ser modificada a partir de Ladislau Netto em 1876, sem um relacionamento

direto com a corte. Os diretores de seção deviam seus cargos à indicação e

confirmação de competência profissional por certificação e experiência, bem

como para os adjuntos. Para o porteiro, a comprovação e indicação vêm com o

parentesco198; para os serventes, há a transformação de uma categoria social à

parte em funcionário. Esse quadro que se forma ao longo de mais ou menos

cinqüenta anos está pronto para ser amadurecido nas últimas décadas do

século XIX, através de mecanismos como a criação da Congregação do Museu

Nacional. A instituição só passaria a ter concursos no século XX,

diferentemente de outras Instituições da época, como a Escola Central ou

Politécnica, a Santa Casa de Misericórdia e o Colégio Pedro II, que passam a

ter concursos para preenchimento de suas funções na segunda metade do

século XIX.

198Carlos Burlamaqui era irmão de Francisco Cezar Burlamaqui, um dos diretores da instituição.

177

3.3.1.1 REGULAMENTOS/ REGIMENTOS DO MUSEU NACIONAL199

Durante o Século XIX:

Decreto Assunto Regulamento nº 123 – 03/02/1842 Nova organização do MN Decreto nº 6.116 – 09/02/1876 Valida novo regulamento Decreto nº 9.942 – 25/04/1888 Valida novo regulamento Decreto nº 3.211 – 11/02/1899 Valida novo regulamento Decreto nº 379A – 08/05/1890 Valida novo regulamento

Através do quadro, podemos constatar a presença de dois regimentos

efetivos no período tratado do Império e de permanência do Museu no Campo

de Sant’Ana, que vão dar conta da expansão dos quadros administrativos da

instituição. No primeiro modelo, bastante simplificado, a expansão é bem maior

do que aparenta, já que se trata da divisão de uma primeira divisão de área de

conhecimento e funções que servirá, daí para frente, como modelo para as

subdivisões da instituição. É bom analisar com calma e notar que existiam

subdivisões previstas para cada divisão, provavelmente pensava-se que cada

subdivisão corresponderia a um adjunto. Deixa-se uma estrutura minimamente

preparada para mudanças e ampliações e criam-se os cargos de diretores de

seção e adjuntos. Também se estabelece o cargo de praticante, a ser indicado

pelos diretores de seção, e se estabelece uma prova para os mesmos, sem

maiores especificações. Cria-se o Conselho de Administração do Museu e se

estabelecem suas competências:

199Obs.: Na Biblioteca Geral do Museu Nacional, existe uma publicação mimeografada sobre todos os atos administrativos do MN que, estando em péssimo estado de conservação, não é permitido fotocopiar. MUSEU NACIONAL (Brasil) Coleção dos atos administrativos referentes ao Museu Nacional. (mimeografado).

178

“Art.30 Haverá um conselho composto dos diretores de sessão, o qual terá o titulo de Conselho de administração do Museu Nacional. Os adjuntos tomarão parte no conselho e terão voto consultivo. Na ausência dos diretores de sessão a que pertencerem, poderão ter voto deliberativo, si para isso forem autorizados por determinação especial do governo. Art. 40 Ao conselho compete: 10 Dirigir a policia geral do estabelecimento; 20 Propor Adjuntos 30 Dispor das quantias consignadas ao Museu em conformidade das leis e ordens do Governo”.200

No regulamento de 1842, o diretor está restrito à nomeação dos

serventes. Fica criado o cargo de secretário e ajudante, ficando os mesmos

incumbidos dos cuidados com o arquivo e biblioteca. Os diretores de seção têm

por obrigação: dispor e classificar os objetos das seções, segundo sistema

adotado pelo conselho e formar catálogo exato de todos os produtos.

Ao longo do século XIX, existem mudanças no regulamento, sofisticando

a forma de funcionamento do Museu e aumentando o quadro administrativo e a

independência de atos com relação ao governo, principalmente a partir de

1876. O regulamento de 1876 é bastante extenso e subdividido em capítulos

bastante esclarecedores de uma organização administrativa pretendida.

O capítulo I trata do Museu Nacional, seus fins e organização, focando o

interesse prioritário no estudo da história Natural, do Brasil, seu ensino e sua

aplicação às industrias e ás artes: “para esse feito coligirá e conservará sob

sua guarda, devidamente classificados, os produtos naturais e industriais que

interessem aqueles fins”. A divisão passa a ser em três seções, acrescidas de

uma seção anexa: “Art.2o Dividir-se-ha em três sessões: 1a De Antropologia, Zoologia animal e aplicada, Anatomia Comparada e Paleontologia Animal; 2a De Botânica geral e aplicada e paleontologia vegetal; 3a De Sciencias physicas: mineralogia, geologia e paleontologia geral. Arto 3o Enquanto se não realizar a creação de estabelecimento especial para o estudo de arqueologia, etnografia e numismática, constituirão esses materiais uma sessão anexa ao Museu Nacional” 201

200 Regulamento nº 123 – 03/02/1842 201 Regulamento, decreto n.6116.

179

O decreto cria uma seção anexa, segundo o próprio, enquanto não se

cria um estabelecimento especial para: Arqueologia, Etnografia e Numismática.

A seção anexa ao Museu, com um status entre seção e instituição ficará sob a

guarda da direção geral, conforme o especificado no oitavo item do artigo

sexto, no qual se definem as competências do diretor. Dessa forma, Ladislau

passa a dirigir duas seções do Museu, de grande peso para as relações

interinstitucionais: a seção anexa e a Botânica.

Ainda no capítulo I, temos a ampliação do quadro de funcionário no

artigo quinto: “Além do diretor geral, haverá três diretores, um secretário, um

amanuense, um bibliotecário, um porteiro, seis praticantes, três preparadores,

e naturalistas viajantes cujo número será fixado pelo Ministro da Agricultura

sobre proposta do Diretor Geral, de igual modo será marcado o número de

serventes”.

O decreto segue com o capítulo II, tratando da administração exercida

pelo Diretor Geral estabelecendo entre suas funções: “Promover relações entre

o Museu e análogos estabelecimentos nacionais e estrangeiros” e amplia seu

poder de nomeação, estendendo-se para os cargos de naturalista viajante,

secretário, amanuense, bibliotecário e porteiro. No artigo sete, compõe o

conselho diretor do Museu. As funções do conselho são modificadas ficando

claro logo no primeiro item “Deliberar sobre as questões em que for consultado

pelo Diretor geral”, ou seja, a mudança de poder é clara já que no regulamento

anterior ao conselho em primeiro lugar competia dirigir a política institucional. O

conselho passa a ser usado principalmente nas novas funções do Museu:

definir programas de curso, designar comissões de publicação, definir prazos e

instruções dos concursos. Ou seja, o conselho perde o poder político e se torna

um mediador nas questões científicas e metodológicas da Instituição.

Dessa maneira, Ladislau Neto, que já havia garantido também uma

diminuição das representações de diretores no Conselho (através da

transformação da Quarta Seção em Seção Anexa), vai garantir um controle

maior da direção geral sobre a Instituição, aumentando significativamente seu

poder político.

180

O capítulo II, em seu artigo oitavo, relata a competência dos servidores,

por exemplo, aos diretores de seção, cabe “primeiro classificar segundo regras

científicas, os objetos que estiverem sob sua guarda na seção, organizando o

respectivo catálogo, com declaração do estado em que se acharem e indicação

dos que forem precisos para completar as coleções. Segundo lecionar as

matérias da seção em conformidade com o programa adotado”. Ou seja, o

papel do diretor não é mais uma questão de consciência e dedicação à ciência,

é para ser exercido segundo padrões estabelecidos por normas claras e

científicas, a serem cobradas por meio de relatórios e de capacidade de

lecionar publicamente sobre os assuntos de sua competência.

O capítulo III estabelecia normas para o funcionamento dos cursos

públicos e a elaboração de seus programas. O quarto tratava das publicações,

criando o Arquivo do Museu e estabelecendo formas de distribuição do mesmo.

O capítulo V voltava a ter um caráter administrativo, tratando das nomeações,

substituições, vencimentos, licenças, apresentações e penas.

O artigo vinte e três estabelece que o diretor geral e os diretores de

seção e seus subdiretores serão nomeados por decreto, os praticantes e

preparadores por portarias do ministro, e os demais empregados pelo diretor

geral. O artigo vinte e quatro estabelece a nomeação de diretores e

subdiretores de seção por concurso, observando-se os seguintes itens como

requisitos: “10- Qualidade de cidadão brasileiro 20- Maioridade legal 30- Moralidade 40- Capacidade profissional”202

Os concursos não trazem as especificações de matéria indicada aos

cargos de diretores das seções. Apresenta-se, nesse regimento, a novidade da

nacionalidade brasileira, até o ano anterior 1875. Hartt, cidadão americano,

exerceu a função de diretor da seção de Mineralogia, tendo deixado o cargo

202 Idem

181

por falecimento. Para o cargo de praticante, as exigências estão estabelecidas

de maneira mais claras, sendo necessário galgar o primeiro degrau científico

na instituição:

“10-Qualidade de cidadão brasileiro 20- Maioridade 18 anos 30- Moralidade 40- Habilitação em exame público nas seguintes matérias: língua nacional, latim e francês; geografia, aritmética e geometria.”203

O artigo vinte e seis estabelece que poderão ser dispensados de

concurso para o preenchimento da vaga, os que provarem ter professado com

distinção204 em universidade, faculdade ou escola nacional ou estrangeira, as

matérias sobre as quais versarem as provas. Nas disposições gerais, ficam

acertados os salários e as despesas mensais com os mesmos.

203Idem 204A distinção nas matérias era bastante difícil de ser alcançada segundo relatos de diários e correspondências.

182

3.3.1.2 Salários

O pagamento dos salários, bem como o controle da freqüência para o

pagamento, tornam-se efetivos, através dos ministérios, com o Museu e o

funcionamento administrativo, formando, ao mesmo tempo, a profissionalização

e a hierarquização dos cargos. A observação dos diretores pertencerem a

outras instituições, principalmente nos primeiros tempos, é importante, à

medida que marca o salário ganho, que era complementado por outras funções

públicas, empreendimentos particulares ou ambos.

À medida que os diretores passam a se dedicar com exclusividade à

instituição, a necessidade de um salário maior aumenta, o que faz com que

aumentem as pressões da parte da instituição por aumentos salariais. Nas

suas “Investigações”, Ladislau transforma os salários em uma questão central.

No entanto, os aumentos só serão conseguidos a partir de 1876, como

demonstra o quadro salarial. A acumulação de funções passa a ser interna,

como uma forma de aumentar os ganhos na forma de gratificações.

A presença na instituição e o trabalho junto às coleções que em

princípio eram cobrados de forma pouco efetiva, podendo mesmo ser exercido

de forma honorífica, o que não se verificou na maioria dos casos relatados,

apenas em alguns casos de adjuntos, como o da Quarta Seção, por exemplo,

no caso de Pedro Américo, em uma época em que o interesse científico dos

ocupantes parece ter sido a medida para a realização dos trabalhos. Já à

medida da especialização dos cargos, os salários sobem e o Museu pode

passar a ser encarado como local de onde se retiram os ganhos para a

sobrevivência.

Os cargos, como adjunto viajante, eram de difícil remuneração, sendo,

em época de crise, os primeiros a serem tornados sem vencimentos. No

regimento de 1876 são os únicos cargos cujo número fica a ser determinado

pelo Ministro da Agricultura, demonstrando a importância das divergências em

torno de número e salário desses postos entre o Museu e o Ministério. Os

183

naturalistas viajantes eram fundamentais para cumprir a árdua tarefa de coletar

tudo em um território tão grande. Por parte do Ministério, havia sempre

soluções mais econômicas, como o aproveitamento das comissões já

existentes; por parte do Museu, havia a necessidade demarcar um campo

científico.

Os serventes e seus vencimentos eram sempre objeto de preocupação

da parte do Museu: serventes treinados, que pudessem mesmo “arborizar “205,

se fosse o caso, eram essenciais ao bom andamento do Museu, sempre em

carência de funcionários. Por sua vez, os serventes sempre dependeram de

forma mais direta dos ínfimos salários (10$00), embora pudessem usufruir

outros benefícios paralelos como alimentação e residência no Museu, como

mostra a relação de moradores do mesmo no ano de 1869 já mencionada

anteriormente:

Para demonstrar a evolução do quadro administrativo e seus salários,

foram compostos dois quadros referentes aos anos de 1844 e 1876, após as

respectivas mudanças regimentais, efetivadas em 1842 e 1876, com os

respectivos salários. Para que se possa ter uma idéia de valor, é necessário

lembrar o alto preço da moradia na corte, onde um salário de diretor de seção

não dava conta de um aluguel206 e manutenção mínima da casa, pois seu

salário anual de R$ 800:000 réis percebia uma quantia mensal de apenas

66$00, o que fazia com que os diretores gerais, que dedicavam mais tempo e

energia à instituição, morassem no Museu. Um exemplo disso é a descrição de

Ladislau207 sobre a residência de Frei Custódio Serrão: “Alojado num

205 Coletar material botânico. 206 Jornal do Commercio 1849: “Poucas casas para alugar. Anúncios da mesma casa só aparecem uma vez. As casas normalmente não aparecem com preços só com indicações de onde tratar do aluguel. Só as mais populares aprecem com preços: - Aluga-se a metade de uma casa por 10$000. Rua S. Pedro. Cidade Nova. - Aluga-se por 10$000 casa n. 9 do beco da rua Bom Jardim, com quintal e poço. Os anúncios de casa são poucos a maioria dos anúncios se refere a aluguel, venda e gratificações por escravos fugidos: -Aluguel de duas pretas que cozinham, lavão e fazem todo serviço por 12$00 reis. - Pretinha, para o serviço interior da casa 9 $ reis. - As gratificações por pretos fugidos variam de 20$000 a 400$000 reis Mobílias são pouco anunciadas: - Mobília de Jacarandá 130$ reis para cima, mesa estendida a 80$00 reis”. 207 NETO, Ladislau- Investigações. op. cit.

184

pequenino aposento que existe na mansarda do edifício”. O funcionalismo

público, para aqueles devotados à ciência, não trazia conforto financeiro à

medida do status adquirido, como fica claro nas biografias sobre Francisco

Freire Alemão, que, após ocupar diversos cargos de prestígio, retorna ao sítio

em Mendanha, herdado de seus pais, pequenos lavradores e, lá, falece.

O quadro abaixo mostra que o maior salário do primeiro quadro era o do

Porteiro, guarda e preparador: João de Deus de Mattos, de grande confiança e

responsabilidade junto às coleções, chegando a ser diretor substituto por duas

ocasiões, entre a saída do Dr. Caldeira e a chegada de Frei Custódio Serrão e

durante período de viagem de Frei Custódio. Após a nomeação dos diretores

de seção, essas substituições eventuais passaram a ser coberta pelos

mesmos. No entanto, a importância de João de Deus de Mattos fica

estabelecida pelo seu salário, que também leva em conta sua dedicação

exclusiva à instituição.

Nota-se que não existe aumento de salário, acumulação de salário ou

qualquer gratificação extra pelo acúmulo de cargos. Frei Custódio Serrão

recebe apenas como Diretor Geral, sendo o seu salário igual aos dos diretores

de seção e inferior ao do porteiro, preparador e guarda. Joaquim Maia também

não recebe pelo cargo de Secretário qualquer remuneração extra.

185

Quadro de Funcionários de 1844 FUNÇÃO

OCUPANTES ORDENADO

Diretor do Museu

Frei Custódio Alves Serrão 800,00

Diretor da Seção de Mineralogia, Geologia e Ciências Físicas

Frei Custódio Alves Serrão

Diretor da Seção de Anatomia Comparada e Zoologia

Emílio Joaquim da Silva Maia 800,00

Diretor da Seção de Botânica, Agricultura e Artes Mecânicas

Luiz Riedel 800,00

Diretor da Seção de Numismática, e Artes Liberais, Arqueologia, Usos e Costumes das Nações Modernas

Manoel de Araújo Porto alegre 800,00

Secretário

Emílio Joaquim da Silva Maia

Ajudante de Secretário e Tesoureiro

Francisco Antônio do Rego

Porteiro, Guarda e Preparador das Seções de Zoologia e Botânica

João de Deus de Mattos 1.000,00

Guarda, e preparador das Seções de Mineralogia e Numismática

José da Silva

2 Serventes que fazem a vez de contínuos

20,50

4 Serventes um para cada seção 10,00

186

Quadro de Funcionários de 1876 a 1877 Função

Ocupante Ordenado Gratificação

Diretor Geral

Ladislau Netto 3.000,000 1.500,00

Secretário João Joaquim Pizarro 800,00 Amanuense João da Motta

Teixeira 800,00

Bibliotecário Manoel da Motta Teixeira

800,00

Diretor de Seção de Antropologia, Zoologia Geral e aplicada e paleontologia Geral

João Joaquim Pizarro. 2.000,00 1.000,00

Subdiretor da Seção de Antropologia, Zoologia e Anatomia comparada

João Baptista de Lacerda

1.600,00 800,00

Praticante Manoel da Motta Teixeira

600,00 200,00

Praticante Daniel de Oliveira Barros de Almeida

600,00 200,00

Preparador Eduardo Teixeira de Siqueira

800,00 400,00

Diretor da Seção de Ciências Físicas,Mineralogia,Geologia e Paleontologia Geral

Carlos Frederico Hartt 2.000,00 1:000,00

Subdiretor da Seção Ciências Físicas,Mineralogia,Geologia e Paleontologia Geral

Carlos Luiz de Santos Junior

1.600,00 800,00

Praticante Antonio de Souza Mello e Netto

600,00 200,00

Praticante Antonio Teixeira da Rocha

600,00 200,00

Preparador Carlos Leopoldo César Burlamaque

800,00 400,00

Diretor da Seção de Botânica Aplicada e Paleontologia Vegetal.

Ladislau Netto

1.500,00

Subdiretor da Seção de Botânica Aplicada e Paleontologia Vegetal.

Nicolao Joaquim Moreira

1:600,00 800,00

Praticante João da Motta Teixeira

600,00 200,00

Praticante Lourenço José Ribeiro da Cruz Rangel

600,00 200,00

Preparador

Vicente Alves Ribeiro 800,00 400,00

Conservador da Quarta Seção

1.000,00

1 Desenhador

600,00

187

1 Preparador praticante

600,00 600,00

Contínuo

700,00 300,00

4 Serventes

600,00

Naturalista Viajante Domingos Soares Ferreira Penna

O crescimento do quadro e suas especificações, com a presença de

subdiretores, preparadores e praticantes em todas as seções, incluindo a

denominada ainda de Quarta seção, a Seção Anexa, na qual se incluíam duas

categorias específicas a seu funcionamento, a figura do conservador e a do

desenhador. Todos os cargos passam a receber salários e gratificações, salvo

no caso dos conservadores e desenhadores da Quarta Seção, que recebiam

apenas gratificações. Também ocorreram omissões, como o caso do porteiro e

guarda, além de reduções, como no caso do contínuo. No entanto, o aumento

salarial desse e dos serventes, esses sem gratificações, foi um dos mais

substanciais.

O salário do diretor geral passa a ser o maior, mesmo sem contar com a

gratificação pelo acúmulo da direção da seção de Botânica. As acumulações,

passíveis de gratificações, são dadas ao diretor de seção, no caso da

secretaria, e aos dois preparadores, nos casos de amanuense e bibliotecário,

marcando um incentivo extra, dado pelo Museu à dedicação integral à

Instituição, já que a nomeação desses era função do Diretor do Museu.

A hierarquização dos cargos é efetuada, complementando-se a

mudança regimental, na mudança salarial. Não existe mais espaço para

inversões hierárquicas ou dúvidas sobre a hierarquia dos cargos e suas

responsabilidades. Um preparador ganha mais do que um praticante, mas ele

não pode acumular cargos, e pela previsão do concurso ou da proficiência fica

vedado a este o acesso ao cargo de praticante, sendo esse o primeiro de uma

possível escala até o cargo e direção de seção. Com essa hierarquização, os

cargos com características técnicas ou administrativas, vão se distanciando

188

dos cargos científicos. Fica claro que, devido à acumulação, os cargos de

secretário, amanuense e bibliotecário ainda estão na órbita dos possuidores de

cargos científicos. O surgimento de novos João de Deus Mattos, ou a

manutenção de status de Carlos Burlamaqui, se torna impossível.

Podemos interpretar os cargos com nomes vagos como cargos que

poderiam ser exercidos de maneira temporária ou com nomeação facilitada. Já

o cargo de naturalista viajante está sem salário fixo, devido à eterna pendência

dos ministérios em assumir a necessidade desse cargo.

O regulamento passa a ser levado a efeito com a contratação de pessoal

e salários condizentes para fazer dos cargos um lugar efetivo, não apenas uma

da formas de conseguir equilibrar um orçamento. A produção do Museu

também cresce em todos os sentidos: cursos, publicações, coleções e

exposições. A reforma administrativa, promovida por Ladislau Netto, vai colher

seus frutos em visibilidade institucional e produção científica. O Museu se

profissionaliza, mas, para tanto, foi preciso a conquista de uma autonomia

mínima que se dá com a mudança de vinculação da instituição.

189

3.3.1.3-VINCULAÇÃO INSTITUCIONAL DO MUSEU NACIONAL

Durante o Séc. XIX

A vinculação institucional inicial do Museu ao Ministério do Império tem

a duração de 46 anos. Eram também vinculados ao Ministério a Academia

Imperial de Belas Artes, a Academia imperial de Medicina, o colégio Pedro II e

o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. A mudança de ministério, segundo

Lacerda208, foi planejada.

“Enfeudar o Museu a jurisdição de outro ministério, que tivesse mais largas esanchas[Marcos Po1] para gastar em empreendimentos novos, antolhou-se-lhe como uma medida de grande alcance. Convites insistentes foram dirigidos ao Conselheiro Manuel Pinto de Souza Dantas, Ministro da Agricultura, para visitar as sessões do Museu; e de uma visita ali fez o operoso Ministro resultou ficar ele convencido da necessidade que havia de passar á jurisdição de seu Ministério o Museu Nacional, transferência que foi levada a efeito em maio de 1868.”209

208 LACERDA,João Batista de- op. cit 209 Idem

Período Vinculação Legislação 6/06/1818 a 12/10/1822 Ministério dos Negócios do Reino

12/10/1822 a 29/04/1868 Ministério dos Negócios do Império

29/04/1868 a 08/05/1890 Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas

Decreto nº 4.167 de 08/05/1890

08/05/1890 a 06/12/1892 Ministério da Instrução Pública Correios e Telégrafos

Decreto nº 379A 08/05/1890

190

A mudança de vinculação do Museu para o Ministério da Agricultura,

em 1868, trouxe uma maior proximidade não só física, a sua sede também se

localizava no campo de Sant’Ana, como de relacionamentos possíveis para

que o Museu se desenvolvesse, de maneira mais livre, as relações Ministério,

Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional e Sociedade de Agricultura

Fluminense. Apesar da ausência de estudos sobre isso, acredito que a

existência dessas relações fazia com que o diálogo entre os membros do

Museu, também atuantes nessas sociedades e o Ministério, fosse mais

próxima do que o exercido até então com o Ministério dos Negócios do Império.

O Ministério da Agricultura parecia mais interessado em ações. Onde a

ciência poderia ser proveitosa, o conhecimento científico não mais é

considerado como um obstáculo à ação daqueles que representavam

interesses gerais, conforme indica Mattos210, mas um acréscimo na luta por um

progresso almejado.

Ladislau encerra a primeira parte da publicação das Investigações com a

mudança do Ministério para a Agricultura, associando-a à iniciativa que o

mesmo vinha tomando quanto ao desenvolvimento da indústria nacional,

atribuindo ao Conselheiro Manoel Pinto de Souza Dantas a mudança.

Acrescenta:

“Nós que, afora o caráter de estabelecimento de instrução pública que reveste o museu, nada tínhamos realmente a ver na repartição do império, exultamos com aquela medida tão providencial quanto prometedora para o nosso estabelecimento.”211

Ladislau descreve o amplo horizonte de aplicação científica das ciências

naturais na agricultura, destacando a economia rural e a zootecnia, colocando

o Museu no papel de árbitro idôneo de tais assuntos junto ao governo e ao

povo.

210 MATTOS, Ilmar- O tempo Saquarema- Editora Access: 1987 211 NETTO, Ladislau- Investigações op. Cit, p.136

191

Exorta a sua fé no futuro da instituição e releva que, em um ministério no

qual se concentram as Comissões, os problemas de afirmação de pessoal,

principalmente de naturalistas viajantes, serão contínuos.

3.3.2 Fases administrativas e Curadores das Coleções de Indústria Humana

As atuações individuais, quem eram essas pessoas e como se inseriam

socialmente são importantes para se possa ter uma medida de como eram

exercidas as funções no Museu e em suas coleções. Um dos itens

indispensáveis eram as pessoas que lidavam, diretamente com elas, suas

biografias resumidas. As pessoas escolhidas tiveram atuações hierárquicas,

temporalmente, diferenciadas e, ao mesmo tempo, fundamentais. Manuel de

Araújo Porto Alegre exerceu a primeira diretoria da Quarta Seção,

transformada em seção anexa; Carlos Burlamaqui, durante um grande espaço

de tempo, no cargo de porteiro, exerceu forte influência sobre a coleção,

embora a sua posição em uma hierarquização de saberes fosse inferior. E por

fim, Ladislau Neto que, no cargo de Diretor da Instituição, pegou para si o

encargo de dirigir a Quarta Seção, realizou a Exposição Antropológica e a

transformou em uma seção de Antropologia. Nesse item, entrarão breves

biografias dos curadores do século XIX.

192

3.3..2.1- Manuel de Araújo Porto Alegre

Porto Alegre, como é mais conhecido, principalmente enquanto pintor,

tem narrado em suas biografias, as origens humildes, no entanto sem grandes

especificações do quão humilde. O termo deixa claro que não era um homem

bem nascido para época, apesar de possuir recursos suficientes para

empreender viagem da província à corte, com intenção de se tornar pintor.

Torna-se discípulo de Debret, inclusive acompanhando-o em sua volta a Paris

e fazendo a viagem de estudo quase que obrigatória para pintores da época à

Itália. O texto de Debret sobre a fundação da Academia de Belas Artes212

coloca Araújo Porto Alegre como um jovem parente do Visconde de São

Leopoldo, Ministro que inaugura a Academia, acrescentando o elogio de ser o

mesmo dotado das mais felizes qualidades e que já vencera todas as

dificuldades do desenho durante três anos cursando sua classe. Coloca o

nome de Porto Alegre na lista de alunos fundadores da Academia de Belas

Artes.

Em Paris em 1834, Manuel Araújo Porto Alegre escreve na companhia

de dois brasileiros, José Gonçalves Magalhães e Francisco Torres Homem, o

resumo da história da Literatura, das Ciências e das Artes Brasileiras.

Escreveria a parte referente às Belas Artes, sendo o artigo publicado por

Debret, quando já membro do IHGB, usando, como apresentação, o artigo

escrito por “meus colegas de Instituto”. Participou ainda em Paris de seu

primeiro empreendimento como editor: a Revista Nitheroy, fundada com

Francisco Torres Homem e Azevedo Coutinho e tida como primeiro veículo de

difusão do Romantismo no país. Escrita e impressa em Paris, cidade onde os

autores se encontravam para estudo, em Língua Portuguesa, veiculavam, em

seus artigos e estudos, o programa de reforma e nacionalização da Literatura

Brasileira. Em 1836, foi convidado pelo Historiador Francisco J. Nichaud, 212DEBRET.J.b. - Viagem Pitoresca e Filosófica ao Brasil. Tomo II, volume III. SP: USP, 1966, p.112.

193

Presidente do Institut Historique, para fazer parte, com os pintores franceses

Leon Cogniej e Raymond Auguste Quinsce-Movisan, da Comissão que deveria

dar conta da Exposição Geral do Louvre. Uma parte de seus relatórios a

respeito das reformas foi publicada, em 1837, no jornal do L’Institut.

De volta ao Brasil, Porto Alegre assume várias funções. Entre elas, a

partir de 1842, a de Diretor da 4ª Seção do Museu Nacional, apesar de poder

exercer o cargo apenas honorificamente, como fará seu adjunto Pedro

Américo, nomeado após sua partida, pintor, mas não exclusivamente usando a

pintura como meio de expressão. Empenhou-se na sua tarefa que hoje pode

ser vista como a primeira curadoria da coleção, sendo um dos primeiros sócios

permanentes do IHGB, Instituto Histórico Geográfico Brasileiro. Suas relações

o faziam próximo das discussões a respeito das populações indígenas

brasileiras, que defendia, dentro das possibilidades de época, dando à mesma

uma qualidade estética aos artefatos, atestada por seus escritos de História da

Arte, nos quais avalia o material indígena como portador de um certo “pendor

industrial” e estético.

Os principais cargos que acumulou foram: Professor de Pintura

Histórica, Diretor e, depois, Membro Honorário da Imperial Academia de Belas

Artes, da Escola Militar, Pintor Imperial da Câmara, Primeiro Secretário, Orador

e depois Membro Honorário do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,

Diretor das Obras da Alfândega, Fundador da Imperial Academia de Música e

Ópera Nacional. Hélio Leboum, um de seus biógrafos, denomina-o de ”Homem

faz tudo”, possuidor de uma atividade incessante. Apesar de manter sua

atividade como pintor, procurava exercer suas atividades com presteza, era

especialista em relatórios bem feitos, nos quais apontava os problemas das

tarefas deixadas a seu cargo.

A respeito do Museu Nacional, vemos sempre seus relatórios

preocupados com a preservação da coleção e de seus significados. Para Porto

Alegre, o principal objetivo da coleção parece ser o de um grande arquivo de

documentos, conceito surpreendente, já que a coleção como arquivo é

evocada de forma recorrente a partir da década de oitenta do século XX,

quando as coleções, sob denominação de patrimônio, passam a ser objetos de

194

vários estudos. Devemos ressaltar também que as suas idéias de documentar

tinham por matriz suas teorias da irreversível extinção dos indígenas,

discutidas em vários fóruns de debate (como, por exemplo, o IHGB), como

constatamos em trecho de um de seus relatórios.

“A coleção do museu dos indígenas do Brasil de importância tão instrutiva que não se pode desconhecer, e tornar-se-á de dia a dia mais preciosa, à proporção que penetre a civilização do nosso país, pode conseguir uma coleção tal qual marque com perfeição a natureza, e caracteres peculiares de todas as tribos deste continente, o Museu Nacional será o único no mundo com arquivo de documentos originais sobre o estado destes aborígines desta parte d’América Meridional”.213

Podemos também inferir, a partir do trecho destacado, sua

preocupação com o que atualmente se institucionalizou como patrimônio

nacional. A ser mantido em território nacional, concorrendo com outros

patrimônios. Acompanhando seu discurso, podemos identificar suas

reclamações para melhor atender a divulgação e guarda do mesmo,

caracterizando, assim, as suas preocupações patrimoniais, uma vez que a

noção de um patrimônio público vem sempre associada às suas condições de

preservação e divulgação. Suas atitudes, sempre propondo obras e compra de

mobiliário, encaixando as mesmas em suas tarefas de arquiteto, combinavam-

se com suas preocupações acerca de preservação, desenvolvidas na Escola

de Belas Artes, durante o breve período que administrou a Academia. Eram

preocupações obsessivamente repetidas que ainda são atuais, como a citada:

213 Relatório 1844

195

“Relatório dos trabalhos, e aquisições havidas no Museu Nacional desta corte, durante o ano de 1845”. Secção de Numismática e Artes Liberais, Arqueologia ,Usos e costumes das nações modernas. Pouco avançou no decurso d’este ano, por se terem deslocado todos os objetos da sala arruinada em que estavam e acharem-se amontoados em armários e gavetas sem ordem conveniente. As reclamações constantes, que o conselho tem tido a honra de dirigir ao governo Imperial sobre o edifício do Museu, aumentam cada vez mais a necessidade da conclusão da obra, que salvará objetos tão preciosos e importantíssimos para os estudos históricos, não só dos outros povos, como particularmente do Brasil, desde os aborígines até a invasão do homem civilizado e seus progressos.”214

Podemos também constatar a sua evidente escolha de, no meio da

mistura de objetos que compunha a seção, privilegiar os acervos indígenas

nacionais, principalmente em termos de exposição, escolha essa coerente com

sua posição no movimento nativista e que, sem dúvida, permitiu a chegada da

coleção ao século XXI. Sua experiência em exposições no exterior faz com que

provavelmente ele transporte modelos europeus, como os troféus, para a

exposição do Museu Nacional, permitindo uma maior divulgação das mesmas,

que, na época, podem ter produzido o efeito de suavizar o barbarismo com que

essas populações eram normalmente vistas pelo senso comum. Esse efeito

comungava com o projeto do romantismo literário, do qual era partícipe; sua

preocupação com as exibições públicas era evidente.

Na Academia Brasileira de Belas Artes, ele provoca grandes

discussões, ao defender os interesses de uma Arte voltada para a natureza

nacional e ao se insurgir contra a naturalização do comando de estrangeiros na

direção da Escola. Após se retirar como docente da Academia, em 1838, volta,

em 1852, como seu primeiro diretor brasileiro. Amplia seu edifício, inaugura

novas cadeiras, inclusive a de Desenho Industrial, e areja seu ensino.

No entanto, Félix Taunay (ex-diretor da Escola), à frente, por meio de

intrigas na corte, nomeia à sua revelia um professor para a cadeira de Pintura

Histórica. Indignado, Porto Alegre se demite e se afasta do Brasil. Passa,

então, a exercer funções diplomáticas na Europa, em Dresden, Berlim e 214 Relatório 1845

196

Lisboa. Seu trabalho junto a exposições passa a ser o de colaborar na

organização dos pavilhões brasileiros, na Exposição de Paris, em 1867, e em

Viena, em 1873.

Junto ao trabalho diplomático, é tido como excelente diplomata e seus

relatórios são elogiados. Dedica-se ainda a escrever literatura: deixou 135

trabalhos publicados, 20 peças teatrais e quatro traduções.

Ao embarcar para a Europa como diplomata, pede demissão de seu

cargo no Museu:

“Tendo sido nomeado Cônsul Geral do Brasil na Prússia e devendo brevemente partir para o meu destino. Manoel de Araújo Porto Alegre, 1 de junho de 1859”.215

O governo não se apressa em realizá-la e nem em substituí-lo,

nomeando, em 1872, Pedro Américo para o lugar de adjunto e concedendo

uma dotação para que Porto Alegre compre moedas para o Museu, o que ele

efetiva, como comprova uma carta no Arquivo Geral. Parece que ele mantém

correspondência com Freire Alemão, então Diretor do Museu de Nacional.

Oficialmente se mantém como Diretor da Quarta Seção até sua transformação

em seção anexa.

Apesar de ser, por vezes, superficialmente descrito como “o amigo de D.

Pedro II” ou como “pintor oficial”216, só acolhia a política imperial até certo

ponto. Levava seus interesses científicos, literários e artísticos acima dessa

amizade e, como editor de várias revistas, defendia esse interesse. Na

Lanterna Mágica, primeira revista ilustrada brasileira de caricaturas críticas,

não concordava com as políticas imperiais na área artística e científica. Embora

considerasse D. Pedro II como amigo, amizade essa vinda de seu pai Pedro I,

o qual inclusive visitou no exílio em Paris. Em sua carta de demissão da

Academia,Porto Alegre escreve:

215 DOC. 63 (1859) 216SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do imperador. São Paulo: Companhia das letras, 1998.

197

“Vossa Excelência sabe quem combate hábitos de relaxação, não é amado pelos mandraços; e quem é justo, sofre dos que contam com o poderio misterioso do Patronato”.

A paixão que o movia, e como gostava de ser reconhecido, era a de

ser visto como um funcionário à serviço da nação brasileira. Para isso,

renunciou a uma possível glória como Pintor Acadêmico. Seus interesses o

levavam a uma grande ansiedade de conhecer, organizar e modificar,

mantendo parte de seus quadros inacabados. A preservação da coleção de

plumária do século XIX, tida como miraculosa nos dias atuais, certamente se

beneficiou do seu zelo, acompanhada da intencionalidade de guardar um

registro suave dos indígenas nacionais. Nas suas mãos, a coleção de Etnologia

toma a sua forma inicial: os adornos plumários valorizados, as armas,

principalmente as flechas, organizadas em troféus para exposições.

Contemporaneamente, temos como corrente, como a seleção curatorial

diz, muito sobre o que é preservado e exposto. No século XIX, essas decisões

acarretaram o que seria transmitido ao seu próximo sucessor de fato, a

curadoria de Ladislau Neto, em 1976. As peças que sobreviveram dos caixotes,

as peças que ficaram do Museu Nacional, coletadas pela Comissão Imperial

(pejorativamente denominada de Comissão das Borboletas), cujo integrante em

Etnografia, Gonçalves Dias, era amigo de Porto Alegre de longa data, como

demonstra a indicação de Porto Alegre para que Dias seja aceito como sócio

do IHGB, e que passaram a integrar a coleção por sua insistência, apelo de

Porto Alegre e de Capanema, Diretor de Anatomia Comparada, foram

preparadas para preservarem o que hoje se constata: o apuro estético. Isso

não ocorreu por acaso, mas pela valorização que Porto Alegre acrescentava ao

material nativo, em sua visão de um intelectual que se inspirava na criação de

uma feição artística romântica para um país em processo de construção de sua

imagem.

198

3.3.2.2 Carlos Burlamaqui

Durante vários períodos de crise ou de ausência da direção o controle

do acervo passava por um de seus únicos funcionários: o porteiro, cuja

importância se evidencia através dos anos de serviço (47 no total) e por meio

dos registros efetuados no livro do porteiro. Cabe-nos a ressalva de que, nos

museus europeus, também havia essa divisão, um especialista e um porteiro,

que funcionava quase como uma espécie de adjunto do especialista e tinha

esse nome por sua função na admissão do público e sua condução. Alguns

autores, como Bittencourt (1997)217, ao falar do museu, sentem-se impelidos a

marcar o nome de Burlamaqui, tendo dificuldades de classificá-lo.

“Carlos Leopoldo César Burlamaqui, irmão do diretor do período, Frederico Burlamaqui, foi contratado em 1857 como... porteiro. É certo que, cento e cinqüenta anos atrás, esse cargo não era tão humilde quanto é hoje em dia mas fazia parte da pirâmide burocrática. (47 anos no cargo).”218

Como podemos comprovar sua inserção na instituição de forma

atuante junto às coleções e seu zelo particular pela integridade das coleções

da Quarta Seção, da qual foi nomeado preparador, seus cuidados com a

preservação e a divulgação dos objetos são evidentes. Podemos exemplificar

seus cuidados com a integridade da coleção fartamente:

“MN.Doc.29 Peço licença a vossa Excelência para dizer as palavras seguintes a respeito da desvantagem de tirarem-se objetos do estabelecimento a seu cargo: acho muito inconveniente que o governo imperial mande como é de costume tirar objetos pertencentes às coleções que possua o Museu Nacional, objetos estes que são quase todos ofertas de particulares ou por investigação dos empregados. Ora a cada objeto que se tira de uma coleção deixa um vácuo, que quase nunca se pode preencher e eu como preparador e conservador da secção de numismática acho meu dever velar pela secção e ouso dizer aquilo que talvez não me consinta”.

217Bittencourt, José Neves- “Território Largo e Profundo” tese de Doutoramento-Curso de Pós Graduação em História - UFF – Niterói - 1997. 218 Idem.

199

Suas interferências iam além dos cuidados com a preservação e

entravam diretamente na seleção das peças a serem expostas, ou seja,

diretamente na exteriorização da instituição, embora algumas de suas

intervenções possam parecer ingênuas, como a demarcada, outras seguiam

um bom senso expositivo. Observador do caráter do público, serviu ao Museu

como um intermediário, como podemos classificar suas intervenções na

exposição, por vezes, propondo a retirada de moedas e medalhas que existiam

três para cima, sendo as demais transferidas para o depósito219, ou suas

ponderações no mesmo ofício para que fosse retirado o quadro “Vênus de

Ticiano” da exposição, em função de alguns pais de família considerarem o

quadro imoral pela posição “indecente” dada pelo autor a uma de suas

figuras.220 Ao mesmo tempo, age como mediador das doações de acervo,

como o envio de armas indígenas para servirem de modelo ao marmorista José

Bueno. Doc. 196

Outro dado interessante, que corrobora a importância das relações

sociais estabelecidas no Museu, é o fato de o porteiro ser um dos moradores

das dependências do Museu, com sua família, bastante extensa, como consta

na lista dos moradores do Museu Nacional : Porteiro 38 anos , Mulher 34 anos,

4 filhos de 6 a 11/2, 6 irmãos de 39 a 18 anos, tia de 62 anos, duas escravas

alugadas de 50 anos. Lá, convivia com os serventes, diretamente no ambiente

de trabalho, em um estado pré- burocrático, no entanto de contribuição

personificada o suficiente para ser ignorada. Durante muito tempo, sua

preferência pelas moedas e medalhas vai aumentar esse acervo, hoje

pertencente ao Museu Histórico Nacional. Por mais de quarenta anos, dedicou-

se aos cuidados do Museu e da coleção da Quarta Seção como seu

preparador; seu tempo junto à mesma foi único no século XIX.

219 Possivelmente existia um depósito geral, precursor das reservas técnicas. 220 AGMN DOC.187,1868.

200

3.3.2.3 Ladislau de Souza Mello Neto

Nascido em 1838, na cidade de Maceió. Filho de fazendeiros, ele veio

para a corte aos 18 anos, onde cursou Matemática e História Natural, na

Academia Imperial de Belas Artes, sempre lembrado enquanto diretor do

Museu Nacional. Sua institucionalização foi tão forte que pouco se encontra de

sua biografia; alguns dados são encontrados em Costa221, em breve artigo no

qual o mesmo lamenta não encontrar referência sobre a infância de Ladislau

Neto, a não ser que aprendeu Grego e Latim com Padre Joaquim, vigário da

Freguesia de Maceió e que se recusou a cursar o bacharelado em Direito.

Em 1860-1861, Ladislau participou da viagem da Comissão

Astronômica e Hidrográfica, incumbida dos estudos da costa de Pernambuco,

publicando uma série de artigos, no Correio Mercantil. Em 1863, trabalhou

como geógrafo e botânico da Comissão de Exploração do Vale São Francisco,

datando dessa época suas primeiras pesquisas sobre cerâmica e líticos. Um

ano mais tarde, seguiu para Paris, sob patrocínio imperial para cursar Botânica,

no Jardim das Plantas. Participou de excursão à Argélia para o estudo de

plantas, segundo Costa, em Argel estudou a flora, observou o homem,

examinou as raças, interpretou a história mais antiga, familiarizando-se com as

línguas orientais, cujo curso seguiria em Paris, estendo a viagem até a “terra

dos faraós” de onde viria sua inspiração para o estudo das civilizações e povos

distintos. Ao chegar ao Brasil, ingressa na Seção de Botânica do Museu

Nacional.

“Secretaria de Estado dos Negócios do Império. Rio de Janeiro, 30 de março de 1865 Pela secretaria de estado dos negócios do império se comunica ao Illmo Senhor Diretor do Museu Nacional, que, por decreto do corrente mês, foi nomeado Ladislau de Souza Mello Netto para o lugar de Diretor da Secção de Botânica, Agricultura e Artes Mecânicas do Mesmo Museu”.222

221 COSTA, Angyone- Indiologia, RJ: Gráfica Laemmert ltda. 222 AGMN doc. 150

201

Em 1868, foi nomeado Diretor Substituto do Museu Nacional e Diretor

efetivo, de 1876 até 1894. Seus interesses pela Quarta Seção se evidenciam

com clareza, quando no regulamento de 1876, no qual se passa para sua

direção direta, a Quarta Seção, “Enquanto não se realizar a criação do

estabelecimento especial para o estudo da Arqueologia, Etnografia e

Numismática”. Sua justificativa que, a meu ver, foi utilizada para retirar a seção

da direção fictícia de Pedro Américo, sucessor de Manoel de Araújo Porto

Alegre, e lhe dar destinos mais “científicos”. Seu interesse pela Etnologia e

Arqueologia, que acabaria por empenhar em representar na Exposição

Antropológica de 1882, ficaria evidenciado no prefácio da edição comemorativa

dos Arquivos:

“Mal volvi ao solo natal foi meu primeiro cuidado socorrer-me dos meios que melhores e mais prontos se me afiguraram para a realização das minhas cada vez mais alimentadas esperanças. Neste propósito oficiei a 18 de maio de 1867 ao senhor Conselheiro Dantas, então ministro da agricultura, pedindo aos poderes públicos e ao país inteiro a mais viva atenção para o estudo dos antigos iconoclastas desta terra, onde vagam, há já três séculos, forasteiros e perseguidos seus malfadados descendentes “223

A Exposição Antropológica de 1882 foi de grande importância para a

expansão da coleção e sua divulgação no século XIX. Seu empreendedor

Ladislau Neto, que dirigiu a instituição, no que Maria Margareth Lopes224

denominou de “anos de ouro do Museu Nacional”, foi de fundamental

importância para a formação da coleção etnológica. Houve uma grande

expansão da coleção, com o evento da exposição, por sua causa e em sua

conseqüência.

Um dos fatores de grande importância foi a realização de pesquisa de

campo no Pará, visando achados arqueológicos. Os Tembé tiveram a vida

cotidiana reconstituída na Exposição, a partir dos dados de sua viagem. Os 223Prefácio Arquivo do Museu Nacional, vol. VI. 224LOPES, Maria Margaret - O Brasil Descobre a Pesquisa Científica: Os Museus e as Ciências Naturais no Século XIX, Editora Hucitec, São Paulo, 1977.

202

anos de preparação da Exposição são uma das pistas da importância do jogo

de relações que se desenvolvia na formação da coleção. A viagem de Ladislau

ao Pará, por exemplo, é fruto de uma intensa relação por correspondência com

Ferreira Penna, Diretor do Museu Goeldi. As relações que se travam entre as

duas instituições no período causam bastante confusão posterior, uma vez que

a coleta não fica diferenciada dos empréstimos institucionais. A não restituição

de acervos institucionais emprestados ao Museu Nacional, por ocasião da

Exposição de 1882, ecoaria pelo século XX.

A aceitação do público, os elogios da Imprensa e uma condecoração

recebida como idealizador da exposição por parte do governo fizeram da

Exposição Antropológica um evento de repercussão altamente positivo.

Independentemente da Exposição, Ladislau Netto, em nome de um maior

cientificismo, irá priorizar coleções efetuadas por naturalistas viajantes

treinados. Conduziria o Museu em direção à institucionalização científica,

promovendo pesquisas direcionadas, ensino através de cursos públicos e

divulgação, como a promovida pela Exposição Antropológica, e publicações. A

partir da exposição passa a ser encarregado de missões internacionais como a

representação brasileira no Congresso de Antropologia, em Berlim, 1888, o

segundo a se realizar no mundo. Organizou e dirigiu a mostra “Amazônia”, na

Exposição de Paris, 1889. Foi condecorado com uma ordem honorífica alemã,

em 1890, e representou o Brasil na Exposição de Chicago, 1890.

Costa menciona o fato de Ladislau ter se recusado a qualquer função

política. Tendo sido nomeado deputado para a Constituinte Republicana de

1891, recusou o mandato, já havia marcado sua dedicação exclusiva à

instituição. Costa termina seu artigo enumerando seus artigos científicos e

títulos honoríficos nacionais e internacionais e sua amizade com Ernest Renan.

Ladislau Neto ficou conhecido como um homem dedicado a uma

instituição e, dentro dela, desenvolveu seus múltiplos talentos e interesses em

Botânica, Arqueologia e Etnologia. Ele foi um homem do seu tempo, com

interesses inseparáveis entre os estudos naturais e aqueles que

contemporaneamente denominaríamos de culturais.

203

O panorama esboçado, através da composição do quadro de funcionário

e das personalidades descritas, leva a algumas generalizações. Os quadros

superiores eram pessoas que tiveram acesso a uma formação no exterior e

retornaram com o intuito de profissionalizar suas áreas de atuação e, ao

mesmo tempo, dar uma imagem a algo entendido como uma nação, ou seja,

criar o Brasil e os brasileiros, através da composição de imagens visuais, nas

exposições e nos quadros, de publicações ou da transmissão passo a passo de

uma profissionalização da carreira científica.

Nem sempre o esforço era acompanhado do apoio direto do governo

imperial, preocupado com o progresso científico, mas em sua medida, e a partir

de suas prioridades. Por exemplo, os serventes do Museu não foram liberados

de prestar serviço durante a Guerra do Paraguai e as medidas de economia

impostas pela guerra atingiam duramente a instituição. As cobranças e um

interesse científico por parte do Imperador Pedro II nem sempre eram

acompanhadas de medidas efetivas para o desenvolvimento das ciências por

brasileiros e para interesses brasileiros. A publicação de litografias do material

coletado pela Comissão Científica de 1862 é um exemplo, nunca foi realizada

e, como Anderson descreve no item Museu, a publicação de imagens

litografadas popularizava os símbolos nacionais. O império brasileiro preferia

publicar a imagem da família imperial. Os itens expostos na Exposição

Antropológica de 1882, como pertencentes ao Imperador, não foram doados ao

Museu após a exposição, permanecendo na coleção particular do Imperador

sábio até o fim da monarquia. A coleção de vasos peruanos só passa ao

Museu depois do leilão do Paço, no começo da República.

Na verdade, a lenta composição de um quadro administrativo e científico

de profissionais, que poderiam tornar efetivo um decreto de criação de

instituição científica, se deu pela implementação prática efetivada pelos

profissionais nomeados ao longo dos anos para dirigir a instituição e, mais

tarde, pela dedicação dos profissionais que compunham as seções. Os

progressos lentos e negociados passo a passo, junto à estrutura burocrática

imperial, não deixam espaço para uma interpretação de patrocínio direto

facilitado pelo Imperador.

204

Capitulo 4 Construindo Uma Imagem

As primeiras iconografias tratadas se referem àquelas produzidas

através de observação direta de elementos da coleção do Museu Nacional.

Como um segundo passo são analisadas as iconografias referentes a

pesquisas cujos resultados passaram a integrar-se ao acervo seja sob a forma

de coleção seja sob a forma de iconografia do Museu Nacional em forma de

coleção e de iconografia como, por exemplo, a imagem da coleção incluída nas

pranchas da Comissão Científica de 1861. A imagem dos objetos etnográficos

retratada, enquanto espécimes científicos, aliados ao resultado do que seria

uma pesquisa iconográfica de viajantes. Torna compreensível parte do

sucesso/fracasso das coleções etnográficas.

Outra faceta do quarto capítulo é a imagem do indígena do século XIX,

produzida e preservada no Museu, através de uma tela produzida para a

Exposição Antropológica, situada no hall do Museu representando o índio

símbolo nacional

205

4.1 Iconografia da coleção

“A arte é uma cultura cujos conceitos são expressos por imagens, por imagens em vez de palavras; e a imaginação não é uma figura do pensamento, mas um passado tão vigoroso quanto o filosófico e o científico”.225

Para tratar de uma iconografia geral de acervo etnográfico brasileiro

seria um dever começar pela pranchas de Alexandre Rodrigues Ferreira226. No

entanto, trata-se de descrever a iconografia produzida sobre a coleção de

indústria humana ou a iconografia que passa a integrar a coleção de indústria

humana no Museu Nacional no período da formação de sua coleção. A

iconografia trabalhada nesse item é aquela produzida com uma

intencionalidade de divulgação e/ ou estudo dos objetos que compõem o

acervo de imagens a ele relacionadas ou de registros no local onde foram

observadas, à maneira de anotações desenhadas.

No século XIX, a iconografia e a descrição dos objetos estavam

presentes nos relatos de viagens e nas descrições etnográficas como uma

parte integrante dos mesmos. A tradição de retratar objetos como parte do

entendimento é longa e se dá quase com o começo das viagens científicas,

nas quais a presença de alguém que desenhe com caráter científico é

fundamental. Além dos próprios naturalistas fazerem seus esboços, o desenho

científico de Zoologia e Botânica também era aplicado às pessoas e à

produção de objetos da indústria humana.

Na publicação das viagens, largamente consumidas no século XIX, o

desenho dos objetos ou das coisas era parte do entendimento. Douglas227

infere que “os grandes romancistas nunca duvidaram de que existe uma

225 ARGAN, G.C. História da Arte Italiana, Vol.1 da antiguidade a Ducci. SP: Cosac e Naif, p. 19. 226 FERREIRA, Alexandre Rodrigues- Viagem Filosófica. RJ: Conselho Federal de Cultura, 1974. 227 DOUGLAS, Mary- O mundo dos bens- RJ: Editora UFRJ. 2006, p. 35.

206

grande distância entre o uso dos bens para o bem-estar de um lado e a

exibição, essa função de criar significado, de outro”. A autora se refere

basicamente a Henry James228, cujo romance “Os Espólios de Poynton” faz

uma crítica ao colecionismo da sociedade inglesa do século XIX. Como no

sucesso dos romances do século XIX, a literatura de viagem buscava “coisas”

ou objetos que ajudavam a criar significados inteligíveis que eram mais do que

meras ilustrações, ajudavam a traçar um mapa de entendimento. Toda a

viagem, portanto, começava ou terminava em busca de “coisas” para informar

melhor o futuro viajante ou de “coisas” trazidas por estes, e transformadas em

coleções particulares ou de museus.

Um dos testemunhos dos materiais integrantes da coleção do século

XIX, no Museu Nacional, são as pranchas produzidas no Museu por Jean

Baptiste Debret, durante sua permanência no Brasil, enquanto fundador e

professor da Academia Imperial de Belas Artes.

Debret, bonapartista e antimonarquista convicto, veio para o Brasil junto

com os pintores que integrariam a “Missão Artística Francesa” ou a “colônia” de

artistas franceses229, descrita romanticamente por Schwarcz230, como

“Desventuras dos artistas franceses na corte de D. João”. O meu interesse

reside no fato de ter sido efetivamente Debret um dos iniciadores do ensino

artístico no Brasil e o produtor de uma obra que, como destaca Lima231, possui

um caráter de descrição histórica preponderante condizendo com as análises

de sua obra enquanto pintura histórica, feitas por Sá232:

228Mais especificamente, podemos ver esse conteúdo e o tratamento de objetos como coisas no romance “ Os espólios de Paynton”. 229SÁ, Ivan Coelho de- Academias de Modelo Vivo e Bastidores da Pintura Acadêmica Brasileira, tese de doutorado em História da Arte, Programa de Pós Graduação em Artes Visuais. EBA/ UFRJ,2004. 230SCHWARCZ, L. M.- O Sol do Brasil, SP: Companhia das Letras, 2008. 231LIMA, Valéria. A viagem Pitoresca e Histórica de Debret, por uma nova leitura. Tese de doutoramento, IFCS/UNICAMP,2003 232Op. cit

207

“A idéia de caracterizar Debret prioritariamente como viajante parecia-me longe de concentrar toda a sua importância diante do testemunho que elabora a respeito do Brasil. Ao contrário prioriza seu perfil de historiador parecia ser o canal mais justo para que reconhecêssemos a sua importância, dada a complexidade de seu projeto sobre o país, materializado nos três volumes de sua Viagem Pitoresca e Histórica.”233 p.8

Estudos, como o de Segala234, sobre Victor Frond já apontavam para a

diferenciação na qualidade dos projetos a serem nomeados como “Viagens

Pitorescas ao Brasil”. No caso de seu estudo, mostra ser o projeto de Frond

baseado em fotografias posteriormente litografadas bem mais próximo de um

estudo da sociedade brasileira do que a narração de viagem para deleite, pura

e simplesmente.

Debret desenhou no Museu Nacional pranchas de objetos que aí se

encontravam, compondo o acervo de indústria humana, mais especificamente,

desenhou o acervo de indústria dos índios. Produzindo anotações desenhadas

que viraram posteriormente parte de composições a serem realizadas. Como

professor da cadeira de Pintura Histórica, as grandes composições eram seu

domínio, e nas suas composições aparecem vários elementos de seus esboços

no Museu. Em alguns casos suas anotações eram bastante específicas, por

exemplo, no caso as plumária Mundurukú, anotou a colocação da coifa, por

meio de imagem, seus detalhes de composição e mesmo as aves que

entravam em sua composição, a cabeça troféu também foi anotada e serviu de

inspiração para o modelo que porta a coifa Mundurukú :

Muitas das análises contemporâneas do colonialismo se basearam tanto

na iconografia como nos textos (Pratt235, Thomas236), descrevendo

intencionalidades por trás da iconografia. Oliveira237, em um artigo sobre os

viajantes, alertava, de forma precursora, para as diversas formações e

233 Idem. P. 8 234SEGALA, Ligia- Ensaio das luzes sobre um Brasil Pitoresco: O Projeto Fotográfico de Victor Frond. Tese de doutoramento, PPGAS, MN/UFRJ, 1988 235PRATT, Mary Louise. Os Olhos do Império, SC, EDUSC, 1999. 236Thomas, op.cit. 237OLIVEIRA, João P.- Os atalhos da Magia. Boletim Museu Paraense Emílio Goeldi, série Antropologia, 3 (2), 1987.

208

intenções dos mesmos, bem como para as suas finalidades práticas. Procurei,

então, levar em conta as mesmas para a seleção e análise do material

iconográfico.

Fig.12 Plumária Mundurukú Aquarela e Crayon, J. B. Debret Acervo Fundação Castro Maia

Partes dessas anotações foram transformadas em pranchas

litografadas, nas quais aparecem um grande número de objetos. A partir delas,

podemos verificar suas anotações gráficas ou esboços que foram usados nas

composições históricas, em que o elemento indígena é retratado.

Podemos exemplificar com o quadro a óleo “O caçador de Escravos”238,

onde na composição de um fato histórico: a caça de escravos indígenas,

238 Essa tela teve a atribuição a Debret contestada por Bandeira e Corrêa usando como argumento justamente o fato da tanga de miçanga não ser artefato de indígenas brasileiros, e os cestos da tela não terem sido desenhados por Debret. Bandeira, J. e Corrêa P.- Debret e o Brasil , Obra completa,- Editora Capivara, 2008

209

aparecem figuras de indígenas entre elas a que destaquei abaixo, com

elementos que foram estudados por Debret no Museu, o uso desses elementos

nas grandes composições, nem sempre era absolutamente fiel á etnografia,

pois não se tratava de um estudo científico e sim de uma obra artística que

apesar de seu cunho histórico tinha um compromisso com uma estética

romântica. Os adereços de cabeça, por exemplo: pentes com acabamento

lateral em penas dos Tucano, são colocados em penteados elaborados á

maneira de coques de uso corrente pelas mulheres brancas. Já a tanga de

contas do Rio branco está praticamente descrita, no entanto o objeto que

aparece mais estudado corresponde á prancha de estudo realizada no Museu

Nacional na qual o cesto cargueiro foi colocado á maneira correta com a alça

presa à testa e a carga nas costa. Na tela os traços seguem fielmente os

estudados no Museu.

Fig. 13 Detalhe do quadro “O caçador e escravos”

Debret s/ data, óleo sobre tela, MASP Reprodução digital Gênios da Pintura. Fascículo 1 ED. Abril cultural, 1979

210

Fig 14 Prancha de Debret com cestaria desenhada no MN,

Litografada e impressa no livro Viagem Pitoresca e Histórica, SP:USP,1972

A mistura de artefatos de vários grupos presente na figura acima pode

ser denominada como a composição de um índio genérico, não referido a um

grupo específico e a seus padrões de vestimentas ou aos objetos que

caracterizam sua produção. Uma composição geral que, através de objetos

esteticamente arranjados usados por diferentes índios brasileiros, cria uma

figura simbólica que o retrate. Para isso, o uso de objetos pertencentes aos

índios é de grande importância, não importando sua filiação étnica.

Por vezes, no entanto, o desenho desses artefatos, como no caso das

máscaras Tikuna, ganhou autonomia, figurando na obra “Viagem Pitoresca e

Histórica ao Brasil”, cujo primeiro volume dedicado aos indígenas foi publicado

em 1834.

As máscaras, desenhadas por Debret, têm destaque por se tratarem de

pranchas com conteúdo em separado e colorido. Existem outras pranchas, na

mesma publicação, com conteúdos em preto e branco e materiais diversos

expostos em um mesmo quadro, por vezes com algumas confusões, como o

manto das Ilhas Sandwich, figurando como material brasileiro. As máscaras

mereceram o destaque de seu trabalho como colorista e demonstração de seu

traço, ao mesmo tempo, sintético e detalhista. Dificilmente, as fotografias dessa

máscara, produzidas no século XX e XXI239, dão conta do volume e das

características do mesmo, como a prancha de Debret, na qual opta por mostrar

239Como a que aparece no Livro Institucional do Museu Nacional patrocinado pelo Banco Safra, em 2007. p.31

211

seus desdobramentos, frente, costas e lado, demonstrando, dessa forma, sua

tridimensionalidade e perfeição volumétrica.

Fig.15 Máscaras Tikuna Aquarela e Crayon, Debret Acervo Fundação Castro Maia

O professor Debret destaca, em linhas e sombras imperceptíveis, o

volume da cabeça na parte posterior e as reentrâncias e protuberâncias da

face na imagem desenhada de frente, complementada pela visão lateral, na

qual os destaques de volume ficam evidentes. O uso sutil das cores branco e

amarelo faz com que o pintor destaque o elemento artístico original,

acompanhando a sutileza das cores empregadas para a construção da

máscara. As máscaras Tikuna nunca se repetem e, nas máscaras desenhadas

por Debret, o mesmo captura os aspectos sutis empregados pelo artista

Tikuna, que elaborou o original, que, com pigmentação simples, conseguiu um

efeito que se preservou por mais de um século. Em seu texto apresenta a sua

admiração pelas máscaras240:

240DEBRET.J.B.- Voyage Pitoresque et Historique au Brésil- tone I.Paris: Firme Dodot Frére, Imprimeur de l’Institut de France. 1834.p.27

212

“Il ne restatit véritablement plus a l’homme sauvage industries, aprés d’avoir épuisé toutes les ressoucers du tatuage pour se rendre dideux, qu’a se fabrique de masques em forme de tête de animaux de toute espéce , Seul moyan de reproduire physiquemente l’apparance d’une monstruosite plus epouvantable, et par cete menu plus digne de toute l’adimiration de espectateur pendant le jour de fête “241

Ao desenhar o acervo, Debret prestou também auxílio documental à

coleção. Existem pranchas, com o conjunto das máscaras Tikuna em acervo,

no Museu, desenhadas, num total de cinco exemplares, complementadas pela

gravura elaborada por Martius, demonstrando o ritual Tikuna, onde as

máscaras são usadas. No caso das máscaras Tikuna desenhadas no livro,

apenas uma não se encontra hoje na Instituição, podendo a perda ter sido

acarretada por problemas de conservação ou por alguma permuta não

documentada, prática comum até 1930.

Debret pretendeu contribuir para história brasileira com sua obra,

abrindo inclusive espaço para comentário de dois de seus discípulos

brasileiros, Manuel de Araújo Porto Alegre e Domingos Gonçalves Magalhães

em sua obra “Viagem Filosófica ao Brasil”. Através de seus discípulos, que

formariam os futuros alunos da Academia e Belas Artes, teve longa influência

na arte brasileira do século XIX e na composição de uma história iconográfica

brasileira.

Segundo Bandeira e Corrêa242 Manuel de Araújo Porto Alegre foi autor

de algumas das pranchas realizadas no Museu do Campo de Santana, pelo

menos duas, uma delas o estudo das flechas publicado no livro Viagem

Pitoresca e outra onde aparece a trombeta (Trompete) Mundurukú. Dessa

forma anos antes de dirigir a coleção Porto Alegre a conhecera e estudara.

Outro testemunho importante para a coleção do Museu foi a iconografia

produzida pelos artistas da expedição Langsdorff (1821-1829), empreendida

pelo cônsul da Prússia, com os objetivos de descrever e coletar acervo e

informações para o Museu Imperial da Rússia. Os artistas contratados, ao 241 Idem 242 BANDEIRA, J. e CORRÊA P.- Debret e o Brasil , Obra completa,- Editora Capivara, 2008

213

longo das expedições, tiveram uma relação difícil com a coordenação do Barão

de Langsdorff. Alguns, como Rugendas (recrutado na Alemanha), preferem

abandonar a expedição e traçar um caminho individual. A diferença de olhares

e intenções entre os artistas e a coordenação científica da expedição, ao longo

da produção das imagens, causava conflitos principalmente na questão da

autoria, já que, para a coordenação científica, o objetivo principal da expedição

era coleta imperial. A expedição viajava e coletava sob a bandeira da Prússia.

Portanto, todo o material produzido deveria ser entregue à coordenação da

expedição, impedindo qualquer anotação visual ou não, de caráter pessoal que

pertencesse aos artistas.

Adrian Taunay e Hercule Florence forma recrutados já no Brasil e, com

experiência em viagens de exploração, permaneceram na expedição. Adrian

até sua morte (por afogamento, ao atravessar um rio) e Florence até o fim da

expedição. Com a doença do Barão Langsdorff, Florence tornou-se o único a

relatar o fim da expedição, tendo permanecido no Brasil e deixado suas notas

com a família Taunay, que as publicaria como resultado da “malfadada”

expedição.

Existe a possibilidade, já comentada no capítulo um, de parte da coleção

Mundurukú do Museu ser proveniente da coleta realizada pela expedição

Langsdorff. Vários caixotes com coleção ficaram no estado do Pará para serem

remetidos futuramente. Com a doença de Langsdorff e a perda de seu controle

sobre o destino do acervo coletado, uma parte deles pode ter sido remetido ao

Museu Nacional. Pode também ter havido sempre esse propósito, já que o

Barão enviou uma coleção de diamantes do cerro de Diamantina para o

Museu. Ainda que as tentativas de confirmação sejam infrutíferas, certamente a

coleção Mundurukú do Museu pode ser entendida face à iconografia de

Hercule Florance, como podemos visualizar abaixo:

214

Fig. 16 Aquarela de Hercule Fig.17 Plumária Mundurukú Florence. Comissão Langsdorff, acervo SEE. 1829 In: Os Diários de Langsdorff: Rio de Janeiro: Fiocruz, ,1998.

A maneira de descrição cientifica apreendida por Florence, fica evidente

no realismo da composição da aquarela, pelo menos no que diz respeito aos

artefatos. A plumária se encontra completamente descrita. O adereço de

cabeça: uma coifa com cobre-nuca é desenhada de maneira a demonstrar

todos os seus elementos sem prejuízo da composição geral da figura. O uso

das bandoleiras de penas, o detalhe do cinto ser atado à frente e os pendentes

ficarem atrás. São documentos visuais que conseguem recuperar a ausência

de informação do acervo do século XIX. Embora a descrição do guerreiro

Mundurukú seja recorrente na bibliografia do século XIX, os detalhes do uso de

artefatos de plumária, que, ao entrarem no Museu, perdem a sua característica

etnográfica, têm seu entendimento facilitado por detalhes descritos visualmente

por Florence.

A descrição escrita de Florence também é detalhada visualmente.

Florence nos concede relatos mais cotidianos dos Mundurukú. Seus relatos

pessoais são sutis e, apesar de tratar das diferenças visuais, falam também da

215

solidariedade frente a um problema comum aos humanos, a fome. Dessa

forma, a descrição das estranhezas visuais, elaboradas com riquezas de

detalhes também por escrito, é complementada por um caráter moral.

“Os Mundurucus raspam o cabelo da cabeça, deixando acima da testa um feixe redondo e curto; por trás usam cabelo que chega até às frontes de modo que todos, homens, velhos,mulheres e moços são calvos por inclinação. Em cada orelha fazem dois furos, nos quais introduzem cilindros de dois centímetros de grossura. A marcação (tatuagem) da cara consiste em duas linhas que vão do nariz e da boca às orelhas e de um xadrez em losango no queixo. Além dessas riscas fixas, pintam-se com suco de jenipapo que é da cor da tinta de escrever. Ás vezes traçam linhas verticais em algumas partes do corpo. Debaixo do braço trazia um desses índios um pedaço de Catitu (porquinho do mato) assado e embrulhado em folhas secas. A vista desse manjar, que tinha cara de ser excelente, acordou-me o apetite modificado uns dias atrás pela moléstia. Pedi-o ao índio que prontamente cedeu. Com a mesma satisfação saboreando-o, os senhores Langsdorff e Rubzoff, ainda mais faltos desse apetite que eu.”243

Seu relato mais do que enquadrar visualmente os Mundurukú nos

descreve condições de observação e contato de uma forma despretensiosa e

pouco preconcebida para 1829, como veremos na imagem Botocudo, descrita

por Wied-Newied em 1822. Sua capacidade de relatar detalhes visuais por

escrito, no entanto, é bastante especial. Hercule Florence fixou-se

definitivamente no Brasil, seu olhar de viajante é, portanto, diferente do

daqueles que, mesmo sendo partícipes de longos projetos, voltaram a seus

países de origem, como Debret.

Adrian Taunay produziu as pranchas de desenhos científicos da

Comissão, entre elas, a presença de pranchas com artefatos indígenas, em

seu detalhamento e recorte semelhante a encontrada principalmente nos

desenhos botânicos, nos quais aparecem recortes para que se possa visualizar

os detalhes. Suas composições de pranchas formam grupos de artefatos

243FLORENCE, Hercule. Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas. São Paulo: Editora Cultrix, USP, 1977. p. 273 a 275

216

identificados por tipo e pertencimento a grupo indígena, como, por exemplo, a

prancha abaixo, na qual se encontram vários tipos de colares e adornos

Bororo. Os detalhes, por vezes, são exagerados em prol do entendimento,

como no caso do peitoral reproduzido no canto inferior direito, em que o

detalhe central em cera e rodelas de concha recortada é aumentado em

proporção ao conjunto.

Fig.18 Adornos Bororo, Hercule Florence

Aquarela e Crayon In: Os Diários de Langsdorff, RJ: FIOCRUZ,1998

217

4.2 Uma Coleção Iconográfica

As expedições anteriores, sua produção e discussão no IHGB244, onde o

primeiro volume de Debret, dedicado aos indígenas foi bastante apreciado,

criaram caminho para a idéia da Comissão Científica do Império levada a cabo

entre 1859/1861, engendrada na Sociedade Velosiana e promovida através do

IHGB com integrantes brasileiros, entre eles a figura de um desenhista José

dos Reis Carvalho, um dos alunos fundadores da Academia de Belas Artes,

professor de Desenho da Escola Imperial da Marinha. A sessão de Botânica foi

chefiada e ilustrada por Francisco Freire Alemão, exímio desenhista científico.

As sessões de Etnografia e Mineralogia contavam com fotografias para

documentar a excursão, pois Gonçalves Dias e Guilherme Capanema, seus

diretores, dominavam a técnica245.

A expedição gerou uma coleção de pranchas que nunca foram

publicadas e, de certa forma, se tornaram invisíveis ou visíveis apenas para

pesquisadores mais atentos e trabalhadores das instituições por onde elas

foram divididas. O trabalho de José dos Reis de Carvalho encontra-se dividido

entre o Museu D. João VI e o Museu Histórico Nacional. O trabalho de Freire

Alemão e as pranchas produzidas com material etnográfico coletado por

Gonçalves Dias encontram-se na Biblioteca Nacional. Já o material etnográfico

possui cópias litografadas no Setor de Etnologia.

Para aqueles que lidaram diretamente com a coleção etnográfica do

Museu, as pranchas acabaram se transformando em uma espécie de lição e

síntese visual do acervo amazônico. Roquette Pinto, ao falar de Gonçalves

Dias, designa-o como “meu primeiro mestre em etnografia brasileira”246,

244As discussões sobre material de viajantes estrangeiros são comuns no IHGB, muitas vezes a visão estrangeira é rejeitada e considerada leviana, como no caso do volume de Debret dedicado aos escravos. A partir desses fatos surge a necessidade de uma comissão brasileira que entenda os fato como brasileiros e não os deturpe. 245Muito embora o material fotográfico da expedição tenha se perdido, provavelmente em sucessivos naufrágios. 246ROQUETTE PINTO, Edgar- Conferências realizadas na Academia Brasileira Letras. Gonçalves Dias. RJ: ABL, 1948, p.83.

218

mencionando as lições deixadas nas pranchas e em documentos por ele

estudados.

As litografias compõem um conjunto de cem pranchas, algumas com

várias cópias litografadas e possivelmente desenhadas também por Henrich

Fleiuss, com o acervo coletado por Gonçalves Dias já no Museu. As mesmas

se tornam inteligíveis, mediante a lista de Gonçalves Dias sobre o acervo

reunido em Manaus, para ser enviada à comissão organizadora da Primeira

Exposição Nacional. A lista faz com que possamos, cotejando com a lista típica

do Setor, obter informações sobre a coleta e outros dados complementares às

pranchas e às peças do acervo, conforme o já visto no capítulo 1.

Em termos iconográficos, podemos notar a influência da expedição

Langsdorff, em especial as pranchas deixadas por Adrian Taunay, que

influenciaram o estilo com que foram desenhadas as pranchas dos artefatos

indígenas coletados e litografadas no Museu por Fleiuss.247 A influência do

desenho das pranchas pode ser observada pelo estilo do corte das flechas

para que se possa proceder estudos de emplumação e ponta, locais onde se

pode observar a tipologia da flecha ou seja sua intencionalidade. A

emplumação indica se ela foi feita para alcançar curtas ou longas distâncias,

aponta se ela foi feita para pesca, caça ou guerra, sendo o local onde a

tipologia de material empregado encontra maior diversificação. Podemos notar,

no entanto, que, na prancha da comissão científica, existem os modelos da

flecha inteira em tamanho reduzido, para que se possa ter uma compreensão

do todo. Na prancha de Adrian, o detalhe é mais evidente, tendo o mesmo

escolhido representar a parte de trás da flecha, onde aparece amarração entre

cabo e ponta e detalhando a parte da taquara que se sobressai no verso da

ponta.

247Henrich Fleiuss, nascido em Dusseldolnf, na Alemanha, foi discípulo de Von Martius. No Brasil, uma empresa tipolitográfica mais tarde originou o Instituto Histórico e Artístico que se encarregaria das litografias oficiais do Império.

219

Fig.19 Flechas de Adrian Taunay Fig 20 Flechas da Comissão Científica do Comissão Langsdorff in: Império, Acervo SEE,Litografia Diários de Langsdorff,RJ;Fiocruz,1998, Litografia

As imagens de acervo podem ter sido tanto desenhadas diretamente do

acervo como geradas por fotos no Museu, antes de serem levadas para

acertos de desenho e litografia. O relato iconográfico da viagem de Dias ao

Amazonas fica, portanto, sendo posterior ao próprio, visto que Gonçalves Dias

não viajou ao Amazonas com desenhista e sim com equipamento fotográfico.

Essas fotos podem ter sido perdidas no naufrágio que atingiu parte do material

da expedição, ou no naufrágio que atingiu o próprio Gonçalves Dias, ou podem

fazer parte do acervo fotográfico do próprio Museu Nacional ou do IHGB, uma

vez que a pesquisa, nesses e em outros acervos fotográficos, ainda pode

revelar surpresas.

220

Fig.21 Muruku-Maracá

Litografia da Comissão Científica do Império Acervo SEE

“Nas armas há grande variedade como insígnias de mando, são belas as Murucu-Maracás, as grandes lanças usadas pelos chefes: curiosas pelo cumprimento da haste, pela perfeição do trabalho e por uma pedra esfera que, mal se sabe como”, Forçaram a entrada por uma fenda longa e estreita, que se vê na parte superior da haste.”

A iconografia das lanças Murucú-Maracá, representadas nas duas

pranchas acima, com a descrição de Gonçalves Dias sobre o material coletado,

é um curioso testemunho do que se pretendia e nunca chegou a ser cumprido.

Não só Gonçalves Dias, mas também Ladislau Netto pensou e começou a

trabalhar na composição de um catálogo da coleção etnográfica, aproveitando

221

as pranchas denominadas de Coleção Típica. Seus intentos de publicação,

bem como os de Raimundo Lopes, no século XX, não se concretizaram.

As “coisas” ou objetos indígenas, tão bem documentados visualmente,

transformaram-se em lições para iniciados, distanciadas do público geral e

mesmo da maioria dos pesquisadores. No entanto, sua sobrevivência aponta

para um conjunto bastante interessante de material etnográfico amazônico, que

acompanha o trajeto de Dias pelos Rios Negro, Solimões e Ucayale.

Fig.22 Arcos Connibo, Rio Ucayale

LITOGRAFIA da Comissão Científica do Império Acervo SEE

A coleta segue a viagem pelos rios, “a estrada do Amazonas”, e a

iconografia segue a coleção recolhida. Nas cem pranchas apenas cinco por

cento das pranchas se refere a plumária que é geralmente retratada nas

iconografias.O destaque nas pranchas da comissão é dado as armas,

retratadas em recortes para melhor entendimento, a perícia do desenho vai ser

ressaltada no detalhe como no caso dos arcos Connibo, onde o desenho

222

valoriza a forma quadrangular dos arcos, seu volume e principalmente a

decoração, reproduzindo fielmente a diferença dos padrões geométricos por

faixa, em cada uma das quatro faixas e nos arcos que servem como modelo,

existe também a tentativa de marcar que os padrões são construídos fio a fio,

retratando a forma como os arcos Connibo são revestidos de fios de algodão

formando os padrões geométricos.

A autoria do desenho é uma incógnita, pois pode ter sido feito pelo editor

das pranchas como por algum praticante do próprio museu, existe um texto

bastante curioso de Silvio Romero248 na biblioteca do Museu Nacional, uma

pequena publicação com o subtítulo de “apontamentos para o quarto volume

da História da Literatura”, onde o mesmo faz uma crítica bastante dura á

Ladislau Neto, começando por seu currículo, menciona o fato de Ladislau não

possuir comprovação de diploma e ter entrado no Museu como praticante de

desenho, fazendo ilustrações, antes de ter seguido para a França e voltado

Botânico. “Todos nós conhecíamos o nosso amável Ladislau, moço vivo e

cheio de habilidade para o desenho”.

Esses dados não aparecem na História da Literatura249, publicada como

tal, na qual Ladislau é tratado como um cientista romântico (termo pejorativo

para um membro da geração de 1870, como Silvio Romero). No entanto, a

biografia oficial mostra ter Ladislau Neto cursado a Academia de Belas Artes.

Nada impossível, portanto, de ter Ladislau estado no Museu na época da

entrada do material da Comissão do Império como praticante de desenho. Seu

interesse pelos padrões geométricos seria evidenciado, mais tarde, pelos seus

estudos da cerâmica arqueológica coletada em sua viagem ao Pará e também

por seu artigo sobre a evolução da arte na revista da exposição antropológica

brasileira.

Outro produto iconográfico da comissão Científica do Império, relativo ao

material coletado no Ceará, são as aquarelas e desenhos em crayon, que se

encontram hoje separadas em duas instituições distintas: Museu D. João VI /

248ROMERO, Silvio, Etnografia Brasileira; Estudos críticos sobre Couto Magalhães, Barbosa Rodrigues, Theophilo Braga e Ladislau Neto.Rio de JANEIRO: Alves, 1988. p.134. 249ROMERO, Silvio, História da Literatura Brasileira. Vol.4, RJ: Livraria José Olinpyo Editora, 1954. p.1784.

223

UFRJ e Museu Histórico Nacional. O segundo conjunto tem a possibilidade de

ser proveniente do próprio Museu Nacional, pois, em sua ficha técnica, consta

como processo de aquisição inexistente. As pranchas do Museu Histórico

formam um conjunto de 32, tendo a observação que o conjunto original teria 39

desenhos. A maioria se refere à Arquitetura, principalmente a religiosa. Em

meio a essas, no entanto, surgem testemunhos sobre a presença de índios em

Aracati, no Ceará, em duas pranchas: uma com habitação indígena e índias em

Aracati, fazendo renda, e o esboço de um índio Xocó. No Museu D. João VI,

temos outra aquarela de índia fazendo renda.

A maioria do conjunto de pranchas se refere à Arquitetura religiosa, no

caso do conjunto do Museu Histórico, e a figuras humanas com caracterização

e cor local e flores, no caso do Museu D. João VI. Em ambos os conjuntos,

surgem a presença de índios em Aracati.. Manuel Ferreira Lagos, autor da

Exposição do Ceará, nunca deixou relatos publicados a respeito da viagem ou

de sua coleta e acervo, coletou grande quantidade de redes e rendas, que

atribuiu à indústria do Ceará no Catálogo da Exposição Nacional de 1861

José Reis de Carvalho, formado pela Academia de Belas Artes e

professor da mesma instituição, com um olhar treinado para anotação visual de

tipos, desenhou indígenas e marcou-lhes a presença. Tendo sido aluno

fundador da Academia, junto com Manoel de Araújo Porto Alegre, seguiu boa

parte das instruções do mesmo sobre o trabalho a ser realizado:

”Sendo o ponto mais importante da etnologia, para o estudo do homem físico, o conhecimento do tipo, só se poderá adquirir noções suficientes por meio de desenhos fidelíssimos do todo, principalmente da cabeça, os quais deverão ser tirados de lado ou de perfil, e mesmo de outras posições favoráveis à demonstração de certos caracteres próprios a distinguir um tipo particular, tanto no homem como na mulher,”250

Seus desenhos foram separados. Provavelmente, a parte do Museu D.

João VI seja a parte dos desenhos que tenha ficado de posse do mesmo e,

250Instruções redigidas por Porto- Alegre in Braga, Renato: História da Comissão Científica do Império Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará,1962. p.203

224

mais tarde, encaminhada à Academia. A parte que se encontra

contemporaneamente no Museu Histórico deve ser aquela entregue

oficialmente como produção da Comissão. Dentro das suas anotações de

figuras humanas locais, podemos ver uma aquarela com a descrição

“Vaqueiro”, anterior às descrições iconográficas ou escritas, que caracterizaram

como um tipo, o vaqueiro, todo vestido em couro. A anotação segue o “tipo”

proposto por Porto Alegre. O conjunto portado na aquarela se encontra descrito

no relato da exposição do Ceará e faz parte de um dos primeiros conjuntos de

entrada da coleção, hoje denominado como regional.

Fig.23 Vaqueiro Aquarela e Crayon de José Reis de Carvalho Acervo Museu D. João VI

A própria lição, apreendida na Academia de Belas Artes, de anotar para

composições posteriores faz com que haja diferenças no tratamento desses

desenhos: o índio Xocó é um esboço fisionômico a crayon, com traços da face

bastante acentuados, lembrando um estudo documental e científico, apesar de

se tratar claramente de um esboço, com certeza, inspirado na norma proposta

por Porto Alegre, de desenhar cabeças com demonstração de caracteres de

um tipo particular. Sobre a identificação Xocó, paira dúvida se ela foi feita por

225

Braga, com base nos dois grupos visitados por Dias no Ceará, os Xocó e os

Cariri. Sobre os Xocó, Braga251 reproduz nota do jornal “Cearense”, de 16 de

março de 1860:

“Esses índios são restos de uma tribo, que vivia em outro tempo sob a proteção do missionário Frei Ângelo de Baixa Verde, aquele que Ferdinand Denis tão belo elogio fez, quando tratou de Pernambuco. Falam mal o português, e conservam o seu idioma. Te há pouco andavam nus. O dr. Gonçalves Dias nos dirá alguma coisa deles, assim também o dr. Lagos que lhes vai fazer outra visita.”252

Gonçalves Dias não deixou registro da visita, nem Manuel Ferreira

Lagos, apenas Reis de Carvalho, com suas anotações, registrou a presença de

indígenas quer fossem Cariri ou Xocó. Sobre os Cariri, Guilherme Capanema,

que acompanhou Gonçalves Dias, chegou a fazer uma palestra no IHGB, dada

como perdida (Boa parte do material lido no IHGB e não publicado se perdeu,

como os textos de Manoel Ferreira Lagos).

Fig.24 Esboço de cabeça de índio Xocó

José Reis de Carvalho Acervo MHN

251BRAGA, Renato. Op cit. P. 369. 252 Idem

226

Já a composição em aquarela, denominada de “índia de Aracati fazendo

renda”, mostra uma composição com a figura feminina central sentada,

portando um vestido com marcas que dão a entender estar sujo ou rasgado, de

pés descalços em evidência, com uma almofada no colo, com renda e mãos

unidas, como ajeitando agulha ou similar. Seu rosto inclinado para baixo

apresenta traços suaves, sua tez é amorenada e seus cabelos pretos,

compridos e lisos passando da nuca e descendo sobre as costas, em um

contexto possível para indígenas aldeados há algum tempo e utilizados na

confecção de artefatos locais. No entanto, no canto á direita, aparece uma

cena com dois indígenas nus, com cabelos recortados acima das orelhas, um

deles sentado sobre uma pedra, com varetas nas mãos, à moda de confecção

de flechas, esboçando, dessa forma, uma composição de aldeia mais “original”,

como uma afirmação da existência de “índios” no local.

O desenho de grupos humanos foi orientado por Porto Alegre para ser

feito de forma a orientar melhor a variação de formas, atitudes e fisionomias.

No entanto, na imagem, vemos um grupo de atitude variável apenas no

destaque dado ao personagem feminino principal, que aparece vestido e

fazendo renda. O grupo de contraste não é caracterizado em seu aspecto

fisionômico.

Fig.25 Índia de Aracati, Aquarela José Reis de Carvalho Acervo Museu D. João VI

227

A aquarela da habitação dos índios em Aracati, revela o que poderíamos

chamar de uma tapera em taipa, com telhado coberto de sapê, de modo algum

diferenciado da moradia de outros habitantes populares, a não ser por seus

prováveis habitantes. O corte lateral do telhado aparece como uma ruína, no

entanto o musgo e as flores dão um toque romantizado, principalmente

ressaltando a habilidade como é colorida a aquarela. Apesar da aparência

romântica, é o desenho de uma habitação indígena em aldeia que revela uma

habitação familiar, distante da oca comunitária. Sobre Aracati, temos notas

esparsas de Lagos e de Freire Alemão, ambos se referem à habilidade das

mulheres de Aracati com relação aos trabalhos manuais, principalmente os de

labirinto, sem entrar em designação de serem essas índias ou descendentes;

existem menções aos Cariri, esparsos pela região.

Fig.26 Habitação dos índios de Aracati

José Reis de Carvalho Acervo D. João VI

José Reis de Carvalho teve seu trabalho com flores, realizado a partir

das aquarelas e anotações visuais da Comissão, premiado na Exposição

Nacional de 1861, e enviado para a Exposição de Londres. No entanto, seu

trabalho “Histórico” e “Etnográfico”, à feição de Debret, um dos seus mestres e

fundador da academia que cursou, permanece inédito e desmembrado. O

228

registro iconográfico da “fracassada” Comissão do Império, como foi vista à sua

época, parece relegado a uma história do que poderia ter sido, ou

esperançosamente do poderá ser um dia reunido.

4.3 A Construção de uma Imagem

Meu interesse no atual trabalho é focar na coleção. Então surgiram as

imagens que fazem parte da coleção e que foram expostas pela Instituição

enquanto seus “índios”, ou seja, sua representação de índio. A partir de então,

o que naturalizamos como o que sempre esteve ali, ao longo dos anos de

trabalho na Instituição, nos saltou aos olhos: o quadro “Indígena do Alto

Amazonas”, produzido para a Exposição de 1882, presente

contemporaneamente no hall de entrada do Museu. Sem maiores explicações

da sua imponente presença, trata-se de uma tela de corpo inteiro em tamanho

natural.

Outro conjunto de imagens persistente nas exposições, produzida

igualmente no Museu para ser exposta é o das moldagens de gesso de três

indígenas, feitas em épocas diferentes. Um Botocudo e dois Xerente que

vagavam pela casa, sendo postos em diferentes locais da exposição, estando

localizados, na época da escrita desse capítulo, dois na Exposição temporária

Vandelli e um recepcionando os visitantes no alto da escada de madeira, na

nova sala de exposição da Etnologia. Apesar de não fazer parte do projeto

original da reforma da sala, lá estava ele no alto da escada na data da sua

inauguração, sem maiores explicações ou motivos, mas impondo sua presença

229

imponente e chamativa.

Ao observar isso, decidi pedir para duas pessoas diferentes fotografá-

los. Comparando imagens que adquiri, na Biblioteca Nacional, sobre a

exposição Antropológica com outras imagens profissionais capturadas ao longo

tempo, percebi que essa imagem deixada por herança do século XIX, nunca foi

discutida, mas esteve sempre presente e transformada em uma das peças

icônicas do Museu, devido ao apreço do público. Poderiam ser as imagens que

responderiam à proposta do professor, implicando no fato de uma delas, a do

“Indígena do Alto Amazonas”, ser ambígua, próxima da influência do índio

romântico, pintado pelos padrões neoclássicos da Academia e utilizado como

símbolo, apesar de uma tentativa de apresentação enquanto documento. Ou

seja, não era tão simples assim a imagem do indígena produzida pelo Museu.

O cientificismo convivia muito mais próximo do romantismo do que eu havia

suspeitado, e essa imagem existia com força suficiente para manter sua

presença silenciosa por mais de um século, uma mudança de prédio e vários

rearranjos na Exposição.

Uma vez encontrados os objetos para análise, a forma de analisá-los era

fundamental. Optei pela pouco da história da sua produção com um fim

comum, a Exposição Antropológica de 1882, e por uma análise que tenta

abranger também a importância da representação da figura humana para a

época, com estilo neoclássico em vigor e com a Academia de Belas Artes,

monopolizando um ensino da imagem, e o fim comum que os integrou a

pertença à coleção do Museu Nacional e suas exposições.

230

4.3.1 O Índio Símbolo

Um dos quadros de imagem persistente no Museu é o único quadro da

Exposição Antropológica que representa um indígena de corpo inteiro, com

informações conflitantes sobre a autoria, pois não se trata de um quadro

assinado e não aparece no catálogo da Exposição. A informação de sua

localização na exposição se deve à imprensa. Nos jornais, como o Jornal do

Comércio, aparece a seguinte referência: “Retrato de corpo inteiro de indígena

do Alto Amazonas. Pintado por Francisco Aurélio de Figueiredo”. Já no Livro de

Registro catalográfico do Museu, podemos ver a seguinte referência: “873.

Retrato de um índio do Rio Uaupés por Décio Villares”. As duas informações

obtidas, no entanto, conduzem ao fato da sua presença na Exposição de 1882.

Podemos apenas dizer que, no catálogo do setor, existe um excesso de autoria

atribuída a Décio Villares, que não concorda com o guia da época.

Outro fato a gerar dúvidas, devido à ausência da descrição no guia, é a

falta de informação sobre o fato de ter sido ou não pintado a partir de um

modelo natural, um esboço a crayon ou uma fotografia. O quadro não estava

colocado na sala Anchieta, junto com a maior parte da iconografia. Sua

presença na sala Lund, sala de Antropologia, que exibia crânios, esqueletos e

ossos em geral, além das fotografias documentais e antropométricas dos

botocudos, realizadas por Marc Ferrez, servia provavelmente de parâmetro

para um indígena em toda a sua plenitude corporal.

O quadro está em perfeita sintonia com os princípios do academicismo

brasileiro; destaque para a figura humana, idealizada próxima do ideal grego,

com proporções mais adequadas à idealização do que a realidade, mesmo

quando se trava de um estudo de modelo vivo. No caso da tela, surge um dado

curioso, seu corpo surge na mesma postura de um desenho de estudo

muscular da Escola de Belas Artes; embora não esteja esfolado (mostrando

sua parte interna), existe um grande destaque na composição muscular da

231

figura. A figura abaixo, um estudo de esfolado da academia, demonstra não só

o estudo muscular próximo ao da tela, mas também a posição semelhante,

necessária para a demonstração da construção da idealização corporal

presente na figura da tela.

Fig.27 Estudo Anatômico de Corpo Sanguínea e Crayon, Pedro Américo, 1875 Acervo MNBA.

232

Fig.28 Indígena do Alto Amazonas,

Óleo sobre Tela, Décio Villares, acervo MN.

233

A meu ver, a tela foi construída a partir de um estudo de fisionomia do

rosto, bem próximo do original, tenha ele sido feito diante do modelo ou a partir

de imagem e uma idealização do corpo, levando-se em conta o estudo da

Academia demonstrado acima. Outro fator é a moralização dada pela peça de

roupa que encobre as partes viris da figura, agindo como um elemento de

moralização e, ao mesmo tempo, despertando um olhar curioso, devido às

formas perfeitas com que o corpo é descrito.

A descrição das peças salvo o adorno plumário Tukano, que possui mais

destaque, trata de uma composição estética e fidelidade à representação de

um índio específico. Na tela, a figura aparece com cinto de penas sobre um

short, pintado em cor clara, bandoleiras de contas, colares de dentes, diadema

vertical (Tukano), com pendentes de penas laterais sobre o peito e pulseiras de

contas em ambos os pulsos. Tirando a faixa frontal do diadema, não existe

possibilidade de se pensar em um estudo prévio de peças à maneira do

recomendado pela Academia, nem de uma identificação da cultura material do

Uaupés.

O quadro lembra ainda as imagens de índios de estúdio fotográfico,

como as que aparecem nas imagens elaboradas por Marc Ferrez,

provavelmente no Rio de Janeiro, usando acervo do Museu, como a imagem

de um indivíduo vestido à maneira indígena, com a camisa com penas Apiaká,

um adorno não identificado e um maracá. O modelo fotográfico com seu painel

de fundo é certamente mais exagerado nos toques exóticos do que a tela.

Embora a vestimenta seja original, sua mistura com um adorno plumário, não

identificado, um maracá em uma das mãos e uma lança na outra amplia o

exotismo. A produção do cenário também contribui para um efeito de mistura,

aparece esteira sob os pés e, ao fundo, o que podemos inferir como sendo um

painel de líber, talvez com grafismos.

234

Fig.29. Apiaká

Fotografia Marc. Ferrez Acervo MN.

A tela em questão representa um ideal de masculinidade e virilidade

próximo do grego, mas bastante interessante quanto ao fato de se encontrar,

na sala, com peças de Antropologia, os estudos de Lacerda, representados

pelo ”Diploma Comemorativo da Exposição Antropológica de Paris, 1878,

concedido ao dr. João Batista de Lacerda pelos seus trabalhos de antropologia

brasileira”. Os estudos contribuíam para uma medição de força muscular, com

resultados nem sempre positivos para os indígenas, como os músculos

apresentados na tela.

A imagem da tela também pode ser considerada como possuindo uma

característica documental e científica forte. Principalmente, quando cotejada

com a fotografia acima, não chega a ser a imagem de uma pintura romântica

acadêmica. Temos uma economia de recursos pictóricos ao fundo e uma

235

necessidade de clareza e realismo presentes, além da diminuição de

expressão facial. Ausência de fundo, apesar de o influxo romântico poder ser

atribuído à postura heróica e à idealização da figura. A tela se torna simbólica

justamente por promover, em seu enxugamento de detalhes ao fundo, um

destaque da figura e, ao mesmo tempo, uma racionalização da mesma,

lembrando o proposto, pelo iluminismo descrito na Enciclopédia:

“A cor e a figura, propriedades sempre ligadas aos corpos, embora variáveis para cada um deles, serve-nos, de alguma maneira para destacá-los do fundo do espaço; uma dessas duas propriedades é mesmo suficiente neste sentido: por isso, para considerar os corpos sob uma forma mais intelectual, preferimos a figura à cor.... Assim, através de operações e abstrações sucessivas do nosso espírito, despojamos a matéria de quase todas as suas propriedades sensíveis, para considerar, de certa maneira, apenas o seu fantasma”.p.29253

Nesse despojamento do sensível e na criação de um corpo descrito

muscular e idealmente, surge uma imagem paradoxal, em sua própria

construção, simbólica, na medida em que está referida à busca de símbolos

que se efetivassem como nacionais. Elias254 se refere aos símbolos nacionais

ou as auto-imagens da nação como usualmente, dando a impressão de

profundidade temporal da nação, criando a sensação de que a nação sempre

existiu. A imagem simbólica ideal, portanto, para a nação brasileira foi a

inspirada no indígena, elemento nativo que, idealizado pelo romantismo, se

tornou símbolo para o Império brasileiro. Aquela tela no hall de entrada do

Museu revela que a imagem simbólica do indígena resistiu à transformação do

índio em objeto de estudo, a passagem de Império a Republica e se

estabeleceu como um símbolo do indígena apresentado a gerações e gerações

de visitantes do Museu Nacional, ao longo de sua existência.

253DIDEROT e D’ALEMBERT. Enciclopédia ou Dicionário Raciocinado das Ciências das Artes e dos Ofícios por uma sociedade de letrados, Discurso preliminar-Edição UNESP, São Paulo, 1989. 254ELIAS, Nobert- Processos de Formação do Estado, Op. Cit.

236

4.3.2 O índio como objeto de estudo

Os índios moldados, nos “fastos do museu nacional”255, dão o seu

testemunho, quanto à modelagem dos índios realizadas para a Exposição

Antropológica Brasileira:

“Com o fim de realçar a exposição vieram do Espírito Santo e de Goiás algumas indígenas dos dois sexos, procedentes da tribu Botocudo e Cherentes. Esses indivíduos, com outros mais foram retratados a óleo em grandes telas por dois distintos pintores brasileiros. Os Cherentes foram modelados em gesso do tamanho natural, por um estatuário estrangeiro, que estava no Rio de Janeiro. De cada um deles foi por mim tiradas medidas antropométricas.”

Em 6 de maio de 1882, o Jornal do Comércio dá como destaque a

notícia de que estavam sendo providenciadas esculturas em ”papier marche”

para a exposição, bem como “ esculturas modeladas em gesso sobre os

Cherentes que aqui estavam, sob a proteção do benemérito Sr. Dr. Glaziou, “a

cuja iniciativa e desinteressada generosidade se deve também o trabalho do

distinto escultor francês Deprés”. No guia da exposição, aparecem duas

referências numéricas a essas moldagens:

“88. Figura moldada em gesso pelo escultor Leon Després sobre o indígena José, da tribu Cherente, do rio Tocantins.(M.N.) 89. Idem do indígena Zeferino, pelo mesmo artista da mesma tribu. (M.N.)”

255 LACERDA, J.B.- Fastos do Museu Nacional. RJ:1918 p.56/57

237

As moldagens em gesso eram uma prática no século XIX, tratada como

uma ilustração de corpos vivos. No entanto, a utilização artística das imagens

passou a ser vista como um trabalho mecânico256, desvalorizando o processo

enquanto escultura. Como é impossível modelar um corpo por inteiro, no

processo de junção das partes e pela escolha da posição, o escultor pode

demonstrar o seu processo criativo.

Designado como estatuário ou escultor, Leon Deprés deixou pouco

rastro biográfico. No dicionário Benezit257, aparece apenas um verbete que

pode se referir ao escultor mencionado, mas não conta com pré-nome. O

verbete fala brevemente de um escultor Depréz, nascido em Marselhe, no

século XIX, que esculpia animais em madeira. Suas moldagens, no entanto, se

preservaram como imagens vivas dos indígenas Cherentes. Existe, no Arquivo

do Setor de Etnologia, uma foto que se refere ao grupo de três Xerente, dos

quais dois foram moldados.

Fig.30 Xerentes Fotografia, Acervo SEE

256ZERNER, Henri- O Olhar dos Artistas. in: CORBIN,Alain. História do Corpo vol.2. Petrópolis: Vozes, 2008, p.34. 257BÉNEZIT.E.Dictionaire critique et Documentaire des Peintre, Sculpteurs , Dessinateurs et Graveurs. Paris: Gründ, 1999, p.457.

238

Na sala Alexandre Rodrigues Ferreira da Exposição de 1882, podemos

ver acervo e representação do cotidiano integrados. Aí, ajudando a compor a

imagem desse cotidiano, aparecem as esculturas Xerente. As fotos de Marc

Ferrez da exposição foram feitas mostrando duas versões: uma delas, como as

esculturas aparecem na exposição, cobertas com tangas de pano, adereço de

cabeça e portando armas; em outra fotografia, eles aparecem sem tanga com

os órgãos sexuais à mostra. O destaque dado às esculturas moldadas pela

fotografia deixa clara a sua importância na representação do índio. Dessa vez,

com características “reais” indiscutíveis pelo processo de moldagem anunciado

pelos jornais e, fugindo, dessa forma, de uma acusação de construção

romântica. Os Xerente, na descrição de Couto Magalhães258, inclusa na

descrição dos Xavantes de Goiás, é quase tão iconográfica quanto as

moldagens.

“Cor de cobre tirando para o escuro (cor de chocolate), estatura ordinariamente acima da mediana até verdadeira corpulência, cabelos quase sempre duros, o malar e a órbita salientes, quase reto o maxilar inferior, o diâmetro transversal entre os dois posteriores do maxilar inferior é igual ao diâmetro transversal do crânio de um a outro parietal, o calcâneo grosso, o tarso largo, dando em resultado um pé sólido, si bem que algumas vezes de uma pureza admirável de desenho”259

Por vezes, a linguagem pende para o científico, descrição de ossos e

medidas; outras vezes, tem comparações sensoriais, como a cor do chocolate,

e adjetivações, como admiráveis se referindo ao desenho dos pés. As

esculturas moldadas passam igualmente entre o real e o sensível em sua

escolha de posição e da delicadeza dos rostos. Existe uma diferença entre a

imagem da foto e a escultura, como se a foto, pelos trajes e a cartola, não

fosse tão real e palpável como as esculturas, apesar de terem modificações

visíveis, como os cortes de cabelo. A realidade ou imagem viva dos Xerente foi

258COUTO MAGALHÃES. O Selvagem. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1940 (1876), p.112. 259Idem.

239

sendo, ao longo dos anos, despida de seus artefatos e do contexto da

Exposição Antropológica de 1882, onde representava uma espécie de cotidiano

misto dos grupos na sala Rodrigues Ferreira. Tornou-se uma das imagens

representativas do índio “moldado” e exibido pela instituição que atravessou

dois séculos exposta.

Fig. 31 Esculturas Xerente, em 1882, MN.

Fotografia Marc. Ferez.,1882. Acervo BN

240

Fig.32 Escultura (moldagem em gesso) Xerente, Leon Deprés Foto Exposição Museu Nacional,2008

241

4.3.3 Imagem Botocudo

“Um Botocudo robusto e entroncado, de olhos agudos e braços musculosos, acostumado desde vergar o lenho duro do grande arco, é, na solidão das florestas sombrias, causa de verdadeiro pavor.”260

A imagem do índio Botocudo de força e belicosidade, expressa nesse

trecho, marca uma visão dominante, no século XIX, sobre o que seria

designado como sinônimo de primitivismo. Ao longo desse século, à medida

que suas terras vão sendo ocupadas, a visão de força vai se perdendo. Na

exposição Antropológica de 1882, alguns anos antes da lei de terras extinguir

várias de suas aldeias, os Botocudo aparecem em uma mostra paralela, para

um público curioso, demonstrando uma imagem bem mais frágil do que a dos

bravos guerreiros, com seus poderosos arcos. Mesmo a sua força vai ser

questionada pelas medições de João Batista de Lacerda e a sua

representação, embora esteja impressa em todos os lados da exposição, não

vai imprimir força ou garbo.

A imagem do Botocudo passa servir também como exemplo para

quadros de evolução humana, como o fixado na fotografia de Marc Ferrez para

Comissão de Exploração Geológica, 1873, na qual uma régua de medição

aparece na foto do busto da indígena, transformando a foto em uma imagem

com realce no exotismo dos adornos labial e auricular, denominado de

batoque, e nos seios pendentes. Uma das conclusões dos trabalhos

antropológicos de então seria a tendência da mulher indígena para a flacidez

dos seios. O rosto com a expressão contraída ressaltada e os olhos com uma

expressão de tristeza não evocam uma figura ofensiva , mas uma figura

submissa.

260WIED- NEWIED, Maximilian- Viagem ao Brasil, São Paulo- Companhia Editora Nacional 1940(1822)

242

Fig.33 Fotografia torso índia Botocudo

Marc. Ferrez Acervo MN.

Essa imagem, acervo fotográfico da Comissão Geológica do Império,

pertence a uma série realizada em 1873/1875, por Marc Ferrez, para figurar na

mostra brasileira a ser enviada para a Exposição de Filadélfia, 1876. Suas

filiações acadêmicas e artísticas sofrem alterações que vão desde uma

mudança de processo técnico, por serem imagens fotografadas dentro dos

limites da técnica fotográfica do século XIX, até as mudanças de filiação

acadêmica. Sua filiação ao evolucionismo e a diferenciação racial, no momento

em estudo na instituição, se evidenciam pelo instrumental utilizado junto com o

modelo. Os chamados estudos “antropológicos” da época, que, em parte do

século XIX, corresponderiam à Antropologia Física, referem-se a exames de

medição e verificação de caracteres físicos da raça, aplicados a indivíduos

vivos, dos quais eram tiradas medidas de variados tipos. As fotos são

acompanhadas de régua de escala, exatamente como contemporaneamente

são utilizadas para evitar a perda de coerência do tamanho dos objetos.

Essas fotos vão estar presentes na Exposição Antropológica de 1882,

junto com quadros a óleo de bustos por ela inspirados. Na sala referente à

243

Antropologia Física, os ossos Botocudos são em maior número, sendo eles:

quatorze crânios, sendo um de criança, cinco crânios com esqueletos, duas

bacias (uma do sexo feminino e outra do masculino).

Não consta, nas notícias da exposição, referências à existência de

escultura ou moldagem de índios Botocudos para a Exposição. Nem no

catálogo da exposição ou nas fotografias da mesma aparece a imagem da

fotografia da moldagem ou escultura Botocudo. Pelo lado da técnica, a

escultura do Botocudo difere da dos Xerente, principalmente pelo tratamento

dado aos olhos e ao fato de estar mais solta, tendo apenas os pés presos a

uma base.

Acredito ser essa escultura uma parte do conjunto de esculturas de

gesso, descrito por Ladislau como constante do salão nove da exposição

permanente do Museu, em 1870, onde o Brasil era representado pela escultura

original do escultor Fernando Petrich, realizada em 1845, de um jovem índio,

garbosamente adornado de penas e armado para a caça e a guerra. Essa

escultura fazia parte de um conjunto de três: uma do colonizador português e

outra de Napoleão261.

Ferdinand Friedeich August Petrich262,escultor alemão em atividade no

Brasil entre os anos de 1843/1855. Foi responsável pelos frisos da Santa casa

e do Hospício, executou também estatua de D. Pedro II, quando jovem em traje

de majestade. Em gesso executou escultura de Padre Anchieta para a Santa

Casa de Misericórdia. A partir das investigações de Ladislau, também

podemos incluir em sua obra realizada no Brasil as três estatuas citadas por

Ladislau.

261Ambas devem ter passado a fazer parte do acervo do Museu Histórico Nacional. 262MIGLIACCO, Luciano- Catálogo da Mostra do Redescobrimento, Arte no Séc. XIX, SP: 2001.

244

Fig.34 Escultura em gesso, Botocudo, Ferdinand Petrich Foto Exposição Museu Nacional,2008

O torso da escultura Botocudo parece mais esculpido de forma ideal do

que moldado. O que chama bastante atenção é o garbo descrito por Ladislau

Neto, um índio capaz de representar o Brasil com garbo, elegância, uma

imagem de força. O rosto da escultura, bastante suave, equilibra, em medida,

os batoques, de maneira que principalmente os auriculares estejam em

proporção com as orelhas, longe da figura atarracada, descrita por Martius263:

“cor de canela clara, altura mediana, estatura atarracada e pescoço curto,

olhos pequenos, nariz curto e achatado e lábios grossos” se na descrição de

263SPIX E MARTIUS,- Viagem pelo Brasil- Imprensa Nacional, 1938(1823)

245

Martius o pescoço é retratado como curto, na escultura as proporções do

pescoço e do resto do corpo respeitam as normas acadêmicas incluindo a

descrição da fisionomia, em que, para compensar o batoque labial, os lábios

são retratados bem finos.

Na Exposição Antropológica, onde a mesma representa botocudos

medidos e estudados, de forma a caberem em uma imagem mais humilde.

Nenhum dos bustos botocudos pintados para a exposição aparece com os

batoques labiais e auriculares juntos. Sempre os batoques auriculares são

retirados, deixando o lóbulo da orelha flácido e caído. As telas também não

representam um Botocudo no pleno vigor da idade, são sempre mais jovens ou

mais velhos, nenhum deles passa a imagem de força ou garbo. Todos os

botocudos são retratados vestidos. Na imprensa, os comentários e as

caricaturas representam os botocudos, de forma ainda mais indefesa, em

comentários como o da Revista Ilustrada264: “mas quem diria! Esses

Antropófagos é que ficaram com medo de serem devorados pela curiosidade

pública”.

A imagem viril garbosa e independente dos Botocudo, transmitida pela

escultura, parece coisa de tempos em que os mesmos não passavam a

imagem de fragilidade da Exposição Antropológica, culminada pela carta

enviada pelo presidente da província do Espírito Santo a Ladislau Neto durante

a exposição. “Vi pelo jornaes que meus Botocudos foram ahi bem recebidos.

Estimei que tenham passado bem e que v.S.a. m’os re-envie logo que for

possível”.

A imagem passada pela imprensa de um índio botocudo frágil e

submetido à curiosidade pública, no entanto, não chega a ser inteiramente

positivada de forma a despertar solidariedade. Em uma das caricaturas, o

botocudo aparece comparado ao negro para uma platéia de possíveis colonos,

ele é desenhado como em todas as caricaturas, com uma cabeça mais

avantajada do que o corpo, sendo esse diminuído, dando idéia de inferioridade

física e, ao mesmo tempo, ressaltando o batoque labial. Na imagem da

caricatura, os batoques auriculares não estão presentes, transformando os

264 Revista Ilustrada no311-12 de agosto de 1882- Acervo Biblioteca Nacional

246

lóbulos em acentuadamente flácidos e deformados. Os colonos da platéia,

principalmente na expressão feminina, exprimem horror ao negro e ao

Botocudo, mas um horror carregado mais de repulsa do que de medo. As

armas são portadas da mesma forma com a enxada na mão do negro, uma

tendência à indolência.

Bem distante da imagem idealizada para a composição do povo

brasileiro pelo IHGB, e também da retratada por artistas com cunho

documental como Debret e Reis de Carvalho, a caricatura, por sua capacidade

de divulgação, vai deixar suas marcas na interpretação popularizada dessa

formação.

Fig 35. Charge publicada na Revista Ilustrada número 311/ 1882

Acervo BN

Dessa maneira, o índio Botocudo garboso e altivo criado pelo Museu,

não se encaixava na mostra de 1882, na qual a figura do índio, em toda sua

força física, passaria para a figura a óleo do índio do Alto Amazonas, um índio

247

um tanto genérico, sem uma denominação de grupo ou nação, referida por

título ou imagem fiel, aparece altivo e simbólico como o índio brasileiro. Em

momentos de demonstração científica de menor intensidade, o Botocudo faria

par com ele na representação do índio brasileiro ou na representação do

brasileiro ancestral.

As imagens, em suas sutilezas, entre moldadas, esculpidas, pintadas de

forma idealizada ou mensurada, passaram, ao longo do século XIX, a

mensagem ao público de um índio, com propriedades sensíveis que podemos

entender melhor, a forma como Ladislau se referiu às flores na abertura das

“Investigações”: “ao povo, finalmente, que as flores classifica pelo perfume e

pelas cores e as aves por sua melodia”. Ao entender a diferença entre a

imagem dissecada e classificada do laboratório e a expectativa de um público

popular, Ladislau explica as características sensíveis, impressas na produção

da imagem do indígena nas exposições do Museu; por isso, o sucesso da sua

durabilidade junto ao público, embora, em dissonância com a vida científica da

Instituição.

248

Considerações Finais

A questão central do trabalho foi estabelecer em que medida coleção e

pesquisa estavam interligadas na constituição da coleção de Etnologia do

Museu Nacional durante os anos de sua formação.

Em um primeiro momento, ficou clara a impossibilidade de pensar uma

coleção de material etnográfico na formação do Museu, onde as divisões eram

bem mais amplas e indefinidas. Com o tempo, a categoria “indústria humana”

foi surgindo com força do material dos arquivos. Na primeira qualificação, o

Professor Moacir Palmeira me pediu para explicitar o seu uso. A partir de

então, comecei a perceber a abrangência da categoria e seu papel de divisor

inicial com relação aos materiais provenientes da História Natural.

A divisão entre categorias de conhecimento foi sendo feita ao longo da

formação da instituição e de sua coleção, de uma maneira bastante vagarosa.

Já a questão que eu me propusera da separação entre pesquisa e coleção na

formação da mesma, com relação ao material de indústria humana, foi se

respondendo de maneira bem clara ao longo da pesquisa. Tanto a coleção

provinha da pesquisa como o seu contrário, a pesquisa provir a partir de

dúvidas suscitadas pela coleção, era possível. O que não era possível era a

separação entre elas, dado que o objetivo central da instituição era formar uma

coleção, um grande arquivo de dados palpáveis das nações indígenas,

inseridas na nação brasileira, mas também de outras civilizações próximas ou

distantes. Isso fica demonstrado pelo número de peças de seu primeiro

levantamento em 1842, mo qual a proporção entre peças brasileiras e o

material estrangeiro é bem equilibrada.

Em um primeiro momento, ficou clara a impossibilidade de pensar uma

coleção de material etnográfico na formação do Museu, onde as divisões eram

bem mais amplas e indefinidas. Com o tempo, a categoria “indústria humana”

foi surgindo com força do material dos arquivos. Na primeira qualificação, o

249

Professor Moacir Palmeira me pediu para explicitar o seu uso. A partir de

então, comecei a perceber a abrangência da categoria e seu papel de divisor

inicial com relação aos materiais provenientes da História Natural.

A divisão entre categorias de conhecimento foi sendo feita ao longo da

formação da instituição e de sua coleção, de uma maneira bastante vagarosa.

Já a questão que eu me propusera da separação entre pesquisa e coleção na

formação da mesma, com relação ao material de indústria humana, foi se

respondendo de maneira bem clara ao longo da pesquisa. Tanto a coleção

provinha da pesquisa como o seu contrário, a pesquisa provir a partir de

dúvidas suscitadas pela coleção, era possível. O que não era possível era a

separação entre elas, dado que o objetivo central da instituição era formar uma

coleção, um grande arquivo de dados palpáveis das nações indígenas,

inseridas na nação brasileira, mas também de outras civilizações próximas ou

distantes. Isso fica demonstrado pelo número de peças de seu primeiro

levantamento em 1842, mo qual a proporção entre peças brasileiras e o

material estrangeiro é bem equilibrada.

No momento em que Ladislau reconhece, em seu texto de 1870, a

importância do cheiro das flores e do canto dos pássaros para as classificações

populares e passa a investir no sensível em termos de exposição, a cisão já

pré-existente entre a vida da instituição interna, ligada à pesquisa, e a externa,

ligada às exposições e seu acervo, estava começando a se definir,

principalmente junto às coleções de indústria humana, que não vão perder seu

valor efetivo de imediato, mas se tornam cada vez mais dependentes do

contexto em que estarão incluídas por exposição ou pesquisa e como esse as

classificará. Coletar ainda é importante, mas a observação local e a descrição

dessa observação, como a efetuada por José de Couto Magalhães, em “O

Selvagem”, 1876, é que trarão o conhecimento necessário.

Na História Natural, a pesquisa prossegue no laboratório com a

dissecação, comparação e desenho dos espécimes coletados. Na coleção de

indústria humana, a comparação e o desenho passam a ser passiveis de

estudo apenas se confrontados com a observação local, sob pena de tornarem

estudos comparativos formais, áridos e, por vezes, inconsistentes. Essa

250

percepção muda o caráter das publicações do Museu, principalmente dos

Arquivos do Museu e da Revista Antropológica Brasileira de 1882, em que só

existe um estudo formal.

Justamente uma das possibilidades de estudo do acervo de indústria

humana no laboratório ou depósito vai marcar o acervo que posteriormente irá

se dividir entre Arqueologia, Etnologia e Antropologia Física: a Arte. A arte,

enquanto possibilidade de entendimento da coleção, vai se dar de uma forma

quase que automática no caso do Museu, devido às suas primeiras curadorias:

Manuel de Araújo Porto Alegre, pintor formado pela Academia de Belas Artes e

seu futuro professor e mestre, vai lidar com a coleção da qual será o primeiro

diretor ainda como aluno, acompanhando Debret em seus estudos.

Provavelmente também foi essa a primeira forma de contato de Ladislau

Neto com a coleção do Museu, desenhando-a, enquanto aluno da Academia.

Se, em sua biografia, é colocado que cursou a Academia por falta de opção

entre Direito e Medicina, fica para o presente trabalho o dado que, através da

arte e da compreensão da construção artística dos objetos da cultura humana,

os primeiros curadores tiveram um lampejo fundamental sobre como

compartilhar as tarefas propriamente científicas com as finalidades expositivas

de um museu.

Outro aspecto a considerar diz respeito aos estudos de evolução da arte.

A “arte primitiva” era colocada como um primeiro patamar, seguindo a criação

da idéia de sociedade primitiva265, sistematizada ao fim do século XIX. Em

estudos, como o de Ladislau Neto, sobre a evolução da arte, em que o mesmo

se baseia nos padrões decorativos dos objetos ou em informação não

publicada sobre os arcos Connibo, nos quais os padrões geométricos são o

destaque de sua descrição.

O fato de o Museu estar inserido em uma sociedade de corte faz com

que o desenvolvimento artístico seja valorizado. Elias266 fala da conformidade

da passagem da sociedade de corte na França, da arte clássica ao barroco e

deste ao rococó. O neoclássico com um influxo romântico, no Brasil imperial,

265 KUPER, Adam- The Invention of Primitive Society- London: Routleadge,1988 266 ELIAS, Norbert, A sociedade de Corte, op. Cit.

251

permitiu uma visão brasileira do indígena que influenciou e foi influenciada pelo

estudo científico da Antropologia Física e da Etnologia, em seus primórdios.

O Caráter das coleções do museu vai se definindo, assim, entre uma

integração do nacional ao universal. Uma duvida freqüente quanto as

exposições do Museu Nacional do século XIX é quanto as suas características

pretenderem demonstrar uma construção nacional ou um caráter universalista

inspirado nos museus imperiais de Viena e britânicos. A partir da pesquisa fica

clara a coexistência das duas tendências a universalista por um motivo

civilizatório ou educacional; dando ao público do museu uma visão do “mundo”

ao seu redor estabelecendo imagens do que era uma fauna, flora e indústria

diferenciada como no caso mencionado do pintassilgo.

O nacional sempre anexo ao nome do Museu e ao seu objetivo de criar

um arquivo demonstrável das formas naturais e de indústria humanas

encontradas no território brasileiro, estudando e transformando-as em material

passível de exploração e melhora das condições de desenvolvimento da

nação. Ao proporcionar esse efeito o arquivo demonstrável funcionava também

como uma forma de integração no universal, conforme o promovido pelas

grandes exposições universais. É o nacional, que cada vez mais, vai conseguir

dar destaque ao Brasil dentro do panorama Universal, como a exposição sobre

a “Amazônia” na Exposição Universal de Paris, 1889.

O caráter civilizador era uma pré-condição da instituição Museu, que, no

Brasil do século XIX, obteve sucesso devido á popularização do “Museo”. A

maneira de se comportar diante de um templo da ciência foi sendo

vagarosamente difundida na corte, junto comum pacote civilizador que incluía

outras instituições e hábitos, como os de ler revistas científicas

Outra questão que impulsionou a pesquisa: a ausência de informações

sobre a coleção do século XIX. Ficou demonstrado que, embora em alguns

casos a falta de informação seja proveniente da coleta, de uma forma geral, o

apagamento foi provocado pela necessidade da criação de uma coleção

institucional, na qual a marca do Museu, definida como M.N., nas exposições

externas, e Museu Nacional do Rio de Janeiro, nas exposições universais,

252

figurasse e se valorizasse frente aos colecionadores particulares, exercendo,

dessa maneira, seu papel de instituição representativa do Império brasileiro.

A composição dos quadros da instituição, em sua longa batalha por uma

capacitação efetiva do corpo de funcionários, em uma nação onde ser um

doutor representava um determinado tipo de bacharel em Direito ou um

médico. Ser um doutor diferente, principalmente em uma sociedade

escravocrata na qual qualquer trabalho manual era mal visto, um doutor que

precisava observar vários meios e, para isso, estar junto de vários meios, além

de manusear equipamentos e trabalhar com as próprias mãos, o que soava

bastante inusitado.

A criação de uma hierarquização de funções tão novas como diretores,

preparadores, praticantes e conservadores de coleção, conseguida em 1876,

foi um dos empreendimentos que garantiu vida longa às coleções do Museu e

sua ampliação. A importância da luta de seus primeiros diretores e

funcionários, empenhando-se junto a uma burocracia de governo em fase de

expansão, para conseguir meios de dar sobrevivência à instituição e efetivar

seu compromisso de criação da coleção, foi muito além do apoio pontual dos

Imperadores e de suas respectivas famílias. A importância dos vínculos criados

pelos membros do Museu, primeiro de uma maneira pessoal e em uma

segunda fase de uma forma representativa também, foi uma das bases da

instituição para a qual contribuíram também fatores como a sua localização

física em um centro de poder, o Campo de Santana.

A existência de uma vida interna no Museu, bastante ativa em seus

laboratórios com análises, discussões, publicações e reuniões de seu conselho

e posteriormente com seus cursos públicos e atividades de preparação para as

publicações, faz com que a atividade do Museu Nacional tenha sempre sido

uma intermediação entre o visto pelo público, em suas exposições e seus

bastidores, nos quais se desenvolveram por um tempo diversas atividades

geradoras de outras instituições ou se abrigaram os períodos iniciais de outras

instituições. Em diversos momentos, a vida externa, ligada às exposições,

aparentava um ritmo mais lento do que a vida interna se desenvolvia. A

instituição desenvolvia suas raízes internas com mais velocidade do que

253

possuía condições de demonstrar na sua parte dirigida ao público. Esse fator

veio se evidenciar com a sua participação nas exposições universais, nas

quais, a partir de uma possibilidade, o Museu estava pronto para demonstrar

coleção e conhecimento e abrir seus espaços.

A criação de uma instituição forte o bastante para resistir a repetidos

momentos de falta de verbas e de inadequação de prédio funcionando apenas

com um diretor e um porteiro a chegar completo sua mudança de localização,

com um prédio definido com base em várias reformas, uma coleção e um corpo

complexo de funcionários. Foi efetivada principalmente pela interligação entre

coleção, pesquisa e suas formas de divulgação, interligados, defendida por

pessoas cuja competência cientifica caminhava lado a lado com a sua

inabalável fé no progresso, tanto no progresso da nação quanto da

humanidade, associando ambas as finalidades em uma maneira romântica de

interpretar a realidade em que viviam.

254

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Anexo I Descrição de uma das pranchas da Comissão de 1861, realizada por Ladislau Netto. (s/ d)

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Anexos II Colleção Typica ( coleção da Comissão do Império, 1861) 1- Arcos Dos Conibos do Rio Ucaiale. 2- Arcos dos Conibos do Rio Ucaiale 3- Arcos dos Maués e dos Karajá 4- Arcos dos índios do madeira e flechas de pesca 5- Flechas de pesca de tribus menos selvagens 6- Flechas de caça dos conibos do Rio Ucaiale 7- Flechas de caça dos conibos do Rio Ucaiale 8- Flechas de caça dos conibos do Rio Ucaiale 9- Flechas de caça dos conibos do Rio Ucaiale 10- Flechas de caça dos conibos do Rio Ucaiale 11- Flechas de caça dos conibos do Rio Ucaiale 12- Flechas de pesca dos conibos do Rio Ucaiale 13- Flechas de caça dos conibos do Rio Ucaiale 14- Flechas de caça dos conibos do Rio Ucaiale e dos Arara do Aripuanã 15- Flechas de caça dos Arara do Aripuanã 16- Flechas de caça dos Maués 17- Flechas de caça dos Maués 18- Flechas de caça dos Uaupés 19- Flechas de caça dos Uaupés e dos Tembés 20- Flechas de caça dos Tembés do Rio Capim

(pesca) 21- Flechas de caça dosindios Tembés, dos Iauapérys e do Alto Mearim

(pesca) 22- Flechas de caça dos e de pesca dos Parintintins

(pesca) 23- Flechas de pesca dos índios do Rio Javary

(pesca) 24- Flechas de caça dos índios do Rio Javary

(pesca) 25- Flechas de pesca do Rio Javary e dos Carajá

(pesca) 26- Flechas de caça dos Carajá

(pesca) 27- Flechas de caça dos Carajá

(pesca) 28- Flechas de caça dos Carajá , 29- Flechas de caça dos Carajá 30- Flechas de caça dos Carajá 31- Sararaca,flechas do Uaupés do Alto Mearim 32- Flecha incompleta e sararaca de tartaruga 33- Sararaca para tartarugas 34- Sararaca para peixes 35- Anzol de tucunaré, arco e flecha para pesca 36- Aparelhos de pesca e pontas

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37- Curabys com barrilha? Esférica ? dupla. Uaupés 38- Curabys com barrilha? Cilíndrica dupla dos Tikuna 39- Curabys com barrilha? Cilíndrica dupla dos Ipurinãs 40- Curabys com barrilha? Cilíndrica dupla dos Ipurinãs 41- Curabys com barrilha? Cilíndrica dupla dos Ipurinãs 42- Curabys com barrilha? Cilíndrica dupla dos Ipurinãs 43- Curabys com barrilha? Cilíndrica dupla dos Ipurinãs e dos Tikunas 44- Curabys com barrilha? Simples e arcos do uaupés 45- Murucú-Maracá dos Uaupés Simples 46- Murucú-maracá dos Uaupés de chefe 47- Lanças , arcos dos Tikunas ? 48- Lanças, arcos Tikunas? E zarabatana dos Uaupés 49- Zarabatanas do Rio Branco e dos Tikunas 50- Zarabatana dos Tikunas e dos Conibos 51- Aljava e flechas dos Bahuanas. Com saco de algodão 52- Aljava e flechas dos Bahuanas. Rio Branco 53- Aljava incompleta dos Uapixanas saco e esteira 54- Aljava incompleta dos Tikunas e complementos 55- Aljava e instrumentos de Taquara Memby e Toré 56- Tacapes do Rio Madeira remos do Pará 57- Cuidaru dos Uaupés e tacape dos Uapixanas, remos ornados 58- Flauta dos Cauchinauas e tambor dos Uaupés Covo e poitá para pesca 59- Bastão sonoro,trombeta de crânio e maracá machado, guampa e tuxaua-itá 60- Remos do Pará e do Araguaia forno de cachimbo,ponta de arpão e bilro 61- Remos Ornados Tacuary 62- Machado depedra, vaso de chifre e tuxaua-itá Tacuary 63- Cachimbo,fisga,bilro e vaso 64- Tubos de cachimbo de Cametá 65- Tubos de cachimbo de Cametá 66- Tubos de cachimbo de Cametá 67- Tubos de cachimbo de Cametá 68- Tubos de cachimbo ramificado e liso de Cametá 69- Tubos de cachimbo e cachimbos 70- Cachimbos 71- Ralos dos Uaupés 72- Ralos dos Uaupés 73- Saco de algodão dos Ipurinãns 74- Casaco de Tururury 75- Camisade turury e bolsa de spata de palmeira 76- Ventarola e pena dos Tikunas 77- Pentes implumados dos Uaupés 78- Pentes implumados com pingentes dos Uaupés 79- Mascara de madeira dos Tikuna e pente dos Uaupés 80- Camisa de Tururry.Pulseira dos Uaupés 81- Bolsinhas de algodão. Ornato de fibras 82- Sacola de Tucum. Cordão de palhas 83- Bastão implumado dos mundurucus.TangaIauapery 84- Colares de sementes e dentes

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85- Colares de dentes de onça,de contas e rodellas 86- Colares de dentes de onça,de contas e rodellas e pennas 87- Pulseira e cuias de missanga 88- Colares de sementes de issus? 89- Colar de rodellas e enfeite de missangas 90- Pulseiras do Uaupés 91- Coroas de pennas dos guajajaras 92- Pulseira Tikuna e coroa Tembé 93- Coroas Guajajara e tembé 94- Coroas Uaupés 95- Acangatares Uaupés 96- Coroas de palha e penas com pingentes 97- Acangatares de penas e coroa 98- Oiá e Coroa de palha e penas dos Uaupés 99- Sairé 100-Producto de esculptura indigena