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A Formação da Classe Operária Capitulo – Exploração A “manufatura” como um centro potencial de rebelião política, dessa forma, fábrica surge como o símbolo das energias sociais que estão destruindo o verdadeiro “curso da Natureza". Ela incorpora uma dupla ameaça à ordem estabelecida. A primeira, proveniente dos proprietários da riqueza industrial, esses novos-ricos que desfrutavam de uma vantagem injusta sobre os proprietários de terras, cuja renda estava limitada aos arrendamentos. A segunda, proveniente da população trabalhadora industrial, considerada uma hostilidade aliterante que denuncia uma reação não totalmente distinta daquela do branco racista em relação à população de cor nos dias de hoje. A equivalência entre a indústria do algodão e a nova sociedade industrial se tornava cada vez mais intrigante e inovadora. Não era apenas o proprietário da fábrica, mas também a população trabalhadora trazida a viver junto e ao redor dela que parecia "nova" aos seus contemporâneos. Nas décadas de 1830 e 1840, os observadores ainda se admiravam com a novidade do “sistema fabril”, a máquina a vapor "aglutinou a população em densas massas”. Os efeitos dessas “inovações” sobre o homem são impactantes. A população, tal como o sistema a que ela pertence, é nova, mas cresce a cada momento em força e extensão. Ela é um agregado de massas que nossas concepções revestem com termos que exprimem algo de prodigioso e terrível. A população manufatureira não é nova apenas em sua formação: é nova também em seus hábitos de pensamento e ação, que se formaram pelas circunstâncias da sua condição, com pouca instrução, e orientação externa ainda menor. Os operários eram os filhos primogênitos da revolução industrial e formaram, do princípio à atualidade, o núcleo do Movimento Trabalhista”. Os instrumentos físicos da produção eram vistos, numa forma direta e mais ou menos compulsiva, como responsáveis pelo surgimento de novas relações sociais. Instituições e hábitos culturais. Entre 1811 e 1813 a crise dos luditas; em 1817, a ascensão de Pentridge; em 1819, Peterloo; por toda a década seguinte, a proliferação da atividade sindical, propaganda owenista, jorna- lismo radical, o Movimento das Dez Horas, a crise revolucionária de 1831-2; e, além disso, a multiplicidade de movimentos que constituíram o Cartismo. Foram, talvez, a extensão e a intensidade dessa agitação popular multivariada, mais do que qualquer outra coisa, que criaram a imagem de uma mudança catastrófica. Quase todo acontecimento radical na década de 1790 se reproduziu com força dez vezes maior após 1815. Quando se recorda toda a agitação popular no decorrer da dramática evolução da indústria algodoeira, é natural assumir uma relação causal direta. A tecelagem e' vista tanto como agente de uma revolução industrial como também social, produzindo não apenas maior quantidade de mercadorias, mas o próprio “Movimento Trabalhista”. É perceptível que a imagem da “fábrica tenebrosa e satânica" domina nossa reconstrução visual da Revolução Industrial. Em parte, talvez, porque essa é uma imagem visual dramática - edifícios semelhantes a um quartel, grandes chaminés, as crianças da fábrica, os tamancos e xales, a aglomeração de habitação ao redor das indústrias como que geradas por elas. Em parte, porque a tecelagem e as novas cidades industriais pela rapidez do seu crescimento, engenhosidade das suas técnicas e novidades ou dureza da sua disciplina - pareciam dramáticas e portentosas aos seus contemporâneos. A indústria do algodão foi certamente a pioneira na Revolução industrial e a tecelagem foi o modelo preeminente para o sistema fabril. Ainda assim, não podemos assumir qualquer correspondência automática ou excessivamente direta entre a dinâmica do crescimento econômico e a dinâmica da vida social ou cultural. Os operários, longe de serem os "filhos primogênitos da revolução industrial", tiveram nascimento tardio. Muitas das suas ideias e formas de organização foram antecipadas por trabalhadores domésticos. É discutível se os operários - exceto nos distritos algodoeiros - "formaram o núcleo do Movimento Trabalhista" antes do final da década de 1840 e da região central, nos anos de 18234. O jacobinismo criou raízes profundas entre os artesãos. O ludismo foi obra de trabalhadores

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A formação da Classe trabalhadora

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A Formação da Classe OperáriaCapitulo – Exploração

A “manufatura” como um centro potencial de rebelião política, dessa forma, fábrica surge como o símbolo das energias sociais que estão destruindo o verdadeiro “curso da Natureza". Ela incorpora uma dupla ameaça à ordem estabelecida. A primeira, proveniente dos proprietários da riqueza industrial, esses novos-ricos que desfrutavam de uma vantagem injusta sobre os proprietários de terras, cuja renda estava limitada aos arrendamentos. A segunda, proveniente da população trabalhadora industrial, considerada uma hostilidade aliterante que denuncia uma reação não totalmente distinta daquela do branco racista em relação à população de cor nos dias de hoje.A equivalência entre a indústria do algodão e a nova sociedade industrial se tornava cada vez mais intrigante e inovadora. Não era apenas o proprietário da fábrica, mas também a população trabalhadora trazida a viver junto e ao redor dela que parecia "nova" aos seus contemporâneos.Nas décadas de 1830 e 1840, os observadores ainda se admiravam com a novidade do “sistema fabril”, a máquina a vapor "aglutinou a população em densas massas”. Os efeitos dessas “inovações” sobre o homem são impactantes. A população, tal como o sistema a que ela pertence, é nova, mas cresce a cada momento em força e extensão. Ela é um agregado de massas que nossas concepções revestem com termos que exprimem algo de prodigioso e terrível. A população manufatureira não é nova apenas em sua formação: é nova também em seus hábitos de pensamento e ação, que se formaram pelas circunstâncias da sua condição, com pouca instrução, e orientação externa ainda menor. Os operários eram os filhos primogênitos da revolução industrial e formaram, do princípio à atualidade, o núcleo do Movimento Trabalhista”. Os instrumentos físicos da produção eram vistos, numa forma direta e mais ou menos compulsiva, como responsáveis pelo surgimento de novas relações sociais. Instituições e hábitos culturais.Entre 1811 e 1813 a crise dos luditas; em 1817, a ascensão de Pentridge; em 1819, Peterloo; por toda a década seguinte, a proliferação da atividade sindical, propaganda owenista, jorna- lismo radical, o Movimento das Dez Horas, a crise revolucionária de 1831-2; e, além disso, a multiplicidade de movimentos que constituíram o Cartismo. Foram, talvez, a extensão e a intensidade dessa agitação popular multivariada, mais do que qualquer outra coisa, que criaram a imagem de uma mudança catastrófica.Quase todo acontecimento radical na década de 1790 se reproduziu com força dez vezes maior após1815. Quando se recorda toda a agitação popular no decorrer da dramática evolução da indústria algodoeira, é natural assumir uma relação causal direta. A tecelagem e' vista tanto como agente de uma revolução industrial como também social, produzindo não apenas maior quantidade de mercadorias, mas o próprio “Movimento Trabalhista”. É perceptível que a imagem da “fábrica tenebrosa e satânica" domina nossa reconstrução visual da Revolução Industrial. Em parte, talvez, porque essa é uma imagem visual dramática - edifícios semelhantes a um quartel, grandes chaminés, as crianças da fábrica, os tamancos e xales, a aglomeração de habitação ao redor das indústrias como que geradas por elas. Em parte, porque a tecelagem e as novas cidades industriais pela rapidez do seu crescimento, engenhosidade das suas técnicas e novidades ou dureza da sua disciplina - pareciam dramáticas e portentosas aos seus contemporâneos. A indústria do algodão foi certamente a pioneira na Revolução industrial e a tecelagem foi o modelo preeminente para o sistema fabril. Ainda assim, não podemos assumir qualquer correspondência automática ou excessivamente direta entre a dinâmica do crescimento econômico ea dinâmica da vida social ou cultural.Os operários, longe de serem os "filhos primogênitos da revolução industrial", tiveram nascimento tardio. Muitas das suas ideias e formas de organização foram antecipadas por trabalhadores domésticos. É discutível se os operários - exceto nos distritos algodoeiros - "formaram o núcleo do Movimento Trabalhista" antes do final da década de 1840e da região central, nos anos de 18234. O jacobinismo criou raízes profundas entre os artesãos. O ludismo foi obra de trabalhadores

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qualificados de pequenas oficinas. De 1817 até o cartismo, os trabalhadores de pequenas oficinas, na região norte e central, eram tão proeminentes em toda agitação radical quanto os operários industriais. Em muitas cidades, o verdadeiro núcleo de onde o movimento trabalhista retirou suas ideias, organização e liderança era constituído por sapateiros, tecelões, seleiros e fabricantes de arreios, livreiros, impressores, pedreiros, pequenos comerciantes e similares. A vasta área da Londres radical, entre 1815 e 1850, não extraiu sua força das principais indústrias pesadas (a construção de navios tendia a declinar, e os mecânicos causariam impacto somente no final do século), mas das fileiras dos pequenos ofícios e ocupações.O fato relevante do período entre 1790 e 1830 é a formação da “classe operária", isso é revelado emprimeiro lugar, no crescimento da consciência de classe: a consciência de uma identidade de interesses entre todos esses diversos grupos de trabalhadores, contra os interesses de outras classes. E, em segundo lugar, no crescimento das formas correspondentes de organização política e industrial. O fazer-se da classe operária ,é um fato tanto da história política e cultural quanto da econômica. Ela não foi gerada espontaneamente pelo sistema fabril. O operário ou o tecedor foram objeto de doutrinação religiosa maciça e criadores de tradições políticas. A classe operária formou a si própria, tanto quanto foi formada.O território da Revolução Industrial, que foi primeiramente demarcado e explorado por Marx, Arnold Toynbee, os Webbs e os Hammonds, assemelhasse agora a um campo de batalha acadêmico.Ponto por ponto, a familiar visão "catastrófica" do período tem sido contestada. Embora fosse costumeiro julgar o período como marcado pelo desequilíbrio econômico, miséria e exploração intensas, repressão política e heroica agitação popular, a atenção agora é dirigida à taxa de crescimento econômico. Os sofrimentos do período são considerados como consequência das mudanças provocadas pelas Guerras, das comunicações deficientes, das operações bancárias e de troca incipientes, dos mercados incertos e do ciclo econômico, ao invés da exploração ou da competição encarniçada. A agitação popular é considerada como resultado da coincidência inevitável da alta dos preços do trigo com as depressões econômicas, e explicável em termos de um quadro elementar de “tensão social”, derivado dessas condições. Em geral, se sugere que a situação do trabalhador industrial em 1840 era melhor, em muitos aspectos, que a do trabalhador doméstico em 1790. A Revolução Industrial foi um período, não de catástrofes ou conflitos e opressão de classe, mas de desenvolvimento.A clássica ortodoxia catastrófica foi substituída por uma nova ortodoxia anticatastrófica, os estudosda nova ortodoxia enriqueceram nosso conhecimento histórico, modificando e revisando em aspectos importantes o trabalho da escola clássica.No período em que metade da Europa estava intoxicada e a outra metade deslumbrada ante a nova magia da palavra cidadão, a nação inglesa se encontrava nas mãos de homens que encaravam a ideia de cidadania como uma ameaça para sua religião e sua civilização. e que buscavam. Deliberadamente, fazer das desigualdades da vida a base para o listado, enfatizando c perpetuando aposição dos trabalhadores como uma classe subalterna. Por esse motivo. a Revolução Francesa dividiu o povo da França menos do que a Revolução industrial dividiu o povo da Inglaterra.Nessa percepção de que a revolução que nau aconteceu na Inglaterra foi tão devastadora e, em alguns aspectos, mais desagregadora do que aquela que aconteceu na França, encontramos uma pista para a natureza verdadeiramente catastrófica do período. Nesta época, houve três, e não duas, grandes influências simultâneas sobre o trabalho. Houve o tremendo aumento da população, há também a Revolução Industrial. Nos seus aspectos tecnológicos. E. finalmente, a contra revolução política, entre l792-l832. Enfim, tanto o contexto político quanto a máquina a vapor tiveram a maiorinfluência sobre a formação da consciência e das instituições da classe operária.Após o êxito dos Direitos do Homem, a radicalização e o terror da Revolução Francesa e a repressão de Pitt, a plebeia Sociedade de Correspondência resistiu sozinha às guerras contrarrevolucionárias, alarmados com o exemplo francês, e envolvidos pelo fervor patriótico da guerra, a aristocracia e os industriais buscaram uma causa comum. O antigo regime inglês recebeu um novo impulso vital não apenas nos negócios nacionais, mas também na perpetuação de

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corporações arcaicas que desgovernavam as cidades industriais em expansão. Os industriais, em compensação, receberam importantes concessões, principalmente a abolição ou revogação da legislação "paternalista" relativa ao aprendizado, regulamentação de salários, ou às condições de trabalho na indústria. A aristocracia estava interessada em reprimir as "conspirações" jacobinas populares, e os industriais buscavam derrotar as "conspirações” pelo aumento dos salários: os Decretos sobre as Associações (Combination Acts) serviram aos dois propósitos.Os trabalhadores foram, portanto, forçados a se sujeitarem a um apartheid político e social durante as Guerras. Era a coincidência com uma revolução na França com uma crescente autoconsciência e aspirações mais ambiciosas com o aumento da população que, em valor absoluto, tanto em Londres quanto em outros distritos industriais, se tornava mais impressionante, ano após ano e com formas de exploração econômica mais intensas, ou mais transparentes. Na agricultura, os anos entre 1760 e1820 foram a época de intensificação dos cercamentos, em que os direitos a uso da terra comunal foram perdidos numa vila após a outra; os destituídos de terras e, no Sul, os camponeses empobrecidos são abandonados às expensas dos granjeiros, dos proprietários de terras e dos dízimosda Igreja. Nas indústrias domésticas, a partir de l800, os pequenos mestres foram cedendo lugar aos grandes empregadores (industriais ou atacadistas), e a maioria dos tecelões e dos fabricantes de pregos tornaram-se trabalhadores assalariados externos, com um emprego mais ou menos precário. Nas tecelagens e em várias áreas mineradoras, esses são anos de trabalho de crianças (e, clandestinamente, de mulheres).Podemos agora constatar parte da natureza verdadeiramente catastrófica da Revolução Industrial e algumas das razões pelas quais a classe operária se formou nestes anos. O povo foi submetido, simultaneamente, a intensificação de duas formas intoleráveis de relação: a exploração econômica ea opressão política. Em qualquer situação em que procurasse resistir à exploração, ele se encontravafrente às forças, do patrão ou do Estado, e, comumente, frente às duas. Para a maioria dos trabalhadores, a experiência crucial da Revolução Industrial foi percebida com uma alteração na natureza e na intensidade da exploração.Os patrões e os trabalhadores eram vistos como “duas classes distintas de pessoas”. Os primeiros são um grupo de homens que emergiram da oficina algodoeira, com poucas exceções, sem educaçãoou maneiras. Para contrabalançar essa deficiência, procuram impressionar nas aparências, através daostentação. Mantêm suas famílias nas escolas mais caras, determinados a oferecerem a seus descendentes uma dupla porção daquilo que tanto lhes falta. São literalmente pequenos monarcas absolutos e despóticos nos seus distritos particulares. Para manter tudo isso, ocupam seu tempo tramando formas de conseguir a maior quantidade de trabalho com a menor despesa.Os mestres fiandeiros são uma classe de homens distintos de outros mestres de oficio no reino. São ignorantes, orgulhosos e tirânicos. Como devem ser, então, os homens, ou melhor, as criaturas que servem de instrumento para tais mestres? Ora, eles têm sido há anos, com suas esposas e famílias, a própria paciência - escravos e escravas dos seus amos cruéis. É inútil insultar nossa inteligência com a observação de que estes homens são livres, que a lei protege igualmente o rico e o pobre, e que o fiandeiro pode deixar seu mestre, se não lhe agradar o salário. É verdade que ele pode, mas para onde irá? Graças a um abominável acordo firmado entre os mestres, que estabelecia que nenhum mestre deveria contratar alguém antes de verificar se havia sido despedido por seu último mestre, eles não podiam procurar outros empregos. Dessa forma, por uma série de circunstancias, ele é forçado a se submeter a seu mestre.Os trabalhadores, em geral, formam um grupo de homens inofensivos, modestos e bem-informados,embora eu desconheça a maneira como se informam. São dóceis e afáveis, não os molestarem muito, mas isso não surpreende, quando consideramos que eles são treinados para trabalhar desde os seis anos de idade, das cinco da manhã até às oito ou nove da noite. A sua rotina baseia-se em acordar antes das 4 da manhã, sempre com uma aparência quálida e cansada, sua refeição baseia-se numa miserável porção de comida, normalmente uma sopa aguada de aveia e bolo, também de aveia, um pouco de sal e, às vezes, completada com um pouco de leite, além de algumas batatas, umpouco de bacon ou gordura, para o jantar. Permanecem fechados em salas onde o calor é maior do

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que nos dias mais quentes do último verão, até a noite (se atrasarem alguns minutos um quarto da jornada é descontado), sem intervalos, exceto os quarenta e cinco minutos para o jantar: se comem alguma outra coisa durante o dia, têm de fazê-lo sem parar de trabalhar. Ele não tem descanso até asmaquinas pararem.Se antes um homem discordava de seu mestre, ele o deixava e podia empregar-se em outro lugar. Contudo, a fisionomia das coisas mudou em poucos anos. Surgiram as máquinas a vapor, exigindo um grande capital para sua aquisição e para a construção de edifícios suficientemente grandes para abriga-las, juntamente com seiscentos ou setecentos trabalhadores. A energia do vapor produziu um artigo mais comercial (embora não melhor) que o pequeno mestre, pelo mesmo preço. A consequência foi sua rápida ruína, ao passo que os maiores capitalistas triunfaram com sua queda, pois representavam o único obstáculo para o completo controle sobre os trabalhadores.Então, surgiram várias disputas entre trabalhadores e mestres a respeito da qualidade do trabalho: ostrabalhadores eram pagos de acordo com o número de meadas ou jardas de linha que produzissem a partir de uma quantidade fornecida de algodão, que sempre deveria ser examinada pelo contramestre, cujos interesses tornavam imperativo agradar seu mestre: por isso, julgava-se o material inferior ao que realmente era. Se o trabalhador não o acatasse, ele deveria denunciar seu patrão a um magistrado, geralmente eram cavalheiros saídos da mesma origem que os mestres fiandeiros de algodão. O patrão geralmente se limitava a enviar um contramestre para responder a qualquer citação, a decisão do magistrado geralmente beneficiava o mestre.O monopólio da riqueza e poder, a nova ordem da exploração capitalista se traduz na ascensão de uma classe de mestres, sem qualquer autoridade ou obrigações tradicionais; a distância crescente entre os mestres e os outros homens; a transparência da exploração na mesma fonte da sua nova riqueza e poder; a perda do status e, acima de tudo, da independência do trabalhador, reduzido a total dependência dos instrumentos de produção do mestre; a parcialidade da lei; a ruptura da economia familiar tradicional; a disciplina, a monotonia, as horas e as condições de trabalho; a perda do tempo livre e do lazer; a redução do homem ao status de "instrumento".Os trabalhadores demonstraram de uma maneira diferente como sentiram as injustiças, e assim, conflitos mais virulentos desses anos giraram em torno de questões que não são englobadas pelas séries de custo de vida. As questões que provocaram maior intensidade de envolvimento foram muito frequentemente aquelas em que alguns valores, tais como costumes tradicionais, “justiça”, "independência”, segurança ou economia familiar, estavam em risco, ao invés da simples questão do “pão com manteiga”. Os primeiros anos da década de 1830 foram marcados por agitações que levantaram questões nas quais os salários tinham importância secundaria: os oleiros, contra o pagamento de salários em espécie; os trabalhadores têxteis, pela jornada de IO horas; os trabalhadores na construção, pela ação cooperativa direta; todos os grupos de trabalhadores, pelo direito de formação de sindicatos.A relação clássica de exploração da Revolução Industrial é despersonalizada, no sentido de que não admite qualquer das antigas obrigações de mutualidade - de paternalismo ou deferência ou de interesses da "Profissão". Não há nenhum sinal do preço “justo", ou do salário justificado em relação a sanções sociais ou morais, como algo oposto à livre atuação das forças no mercado. O antagonismo é aceito como intrínseco às relações de produção. Funções de gerência ou supervisão demandam a repressão de todos os atributos, a exceção daqueles que promovam a expropriação do máximo de mais-valia do trabalho. Na verdade, nenhum empreendimento industrial complexo poderia ser conduzido de acordo com essa filosofia. A necessidade de paz na indústria, de uma força de trabalho estável e de um corpo de trabalhadores capacitados e experientes exigia a modificação das técnicas gerenciais - e. na realidade, a formação de novas formas de paternalismo - as fábricas do algodão, na década de 1830.Contudo, essas considerações não são válidas para as abarrotadas indústrias de trabalho externo, emque sempre havia grande quantidade de operários desorganizados disputando empregos. Aqui, as relações de exploração emergiram com supremacia, enquanto os velhos costumes desapareciam, e oantigo paternalismo era colocado de lado.

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Isso não significa que possamos atribuir toda a "culpa" pela dureza da Revolução Industrial ao "patrões" ou ao Iaissez-laire. O processo de industrialização precisa impor o sofrimento e a destruição de modos de vida estimados e mais antigos, em qual- quer contexto social concebível. Investigações recentes lançaram luz sobre as dificuldades particulares da experiência britânica: os riscos do mercado, as múltiplas consequências comerciais e financeiras das Guerras, a deflação do pós-guerra, as mudanças nas condições de mercado e as tensões excepcionais resultantes da explosão" populacional. Pode-se argumentar que a Grã-Bretanha, durante a Revolução Industrial, enfrentava problemas de "decolagem": pesados investimentos de longo prazo - canais, fábricas, fundições, minas, serviços - ocorreram às expensas do consumo corrente: as gerações de trabalhadores entre 1790 c 1840 sacrificaram parte, ou a totalidade, das suas expectativas de aumento de consumo para o futuro. A ordem social humana naquele período é uma questão levada muito a sério pelos historiadores, pois havia duas visões alternativas e irreconciliáveis da ordem social humana se confrontando, entre1815 e 1850 uma delas baseada na mutualidade, a outra, na competição.Só é possível escrever a história da agitação popular destes anos através de um esforço de imaginação suficiente para compreender como o “Oficial Fiandeiro de Algodão" interpretou as evidências. Ele se referiu aos “patrões", não como um agregado de indivíduos, mas como uma classe. Como tal. "eles" lhe negaram direitos políticos. Se houvesse uma recessão. "eles" cortavam seu salário. Se a situação econômica melhorasse, ele teria de “combatê-los" e à sua ostentação para obter qualquer parcela dessa melhoria. Se os alimentos fossem abundantes, "eles" lucravam. Se fossem escassos, alguns “deles" lucravam ainda mais. "Eles" não conspiravam em torno deste ou daquele fato em particular, mas da relação essencial de exploração, na qual todos esses fatos adquiriam sentido. Certamente, havia flutuações de mercado, colheitas ruins e todo o resto, mas a experiência de exploração intensa era constante, enquanto as demais causas de sofrimento eram variáveis. Essas últimas não atingiam os trabalhadores diretamente, mas através da refração de um particular sistema de propriedade e poder que distribuía os ganhos e as perdas com grosseira parcialidade.Durante alguns anos, essas considerações gerais foram encobertas por um exercício acadêmico conhecido como a “controvérsia do padrão de vida". O padrão de vida da massa popular subiu ou decaiu entre 1780 e 1830 - ou entre 1800 e 1850? Na realidade, no que se refere ao período de 1790-1830, havia pouco o que observar. As condições da maioria eram ruins em 1790, e assim permaneceram até 1830 (e quarenta anos é um longo período), mas há desacordo sobre a dimensão de cada grupo, dentro da classe operária. As coisas pouco se esclareceram na década seguinte. Houve aumentos indiscutíveis no salário real dos trabalhadores organizados durante a erupção da atividade sindical entre 1832-4. Mas o período de intensa atividade econômica, entre 1833 e 1837, foi acompanhado pelo esmagamento dos sindicatos, através da ação conjugada do governo, magistrados e patrões; já o período entre 1837-42compreende anos de depressão. Portanto, é correto afirmar que a tendência começou a se inverterem“alguma data indeterminada entre a redação da Carta do Povo e a Grande Exposição”: digamos como boom ferroviário, em 1843. Além disso, mesmo na metade da década de 40, o estado de penúria de grandes grupos de trabalhadores permaneceu desesperador, enquanto a ruína das ferrovias gerou a depressão dos anos de 1847-8. Isso não se assemelha a uma “história de sucesso”: em meio séculode acelerado desenvolvimento industrial, o padrão de vida permanecia ao nível de subsistência para grandes grupos de trabalhadores, ainda que indeterminados.Portanto, é perfeitamente possível sustentar duas proposições que, à primeira vista, parecem contraditórias. Durante o período de 1790-1840, houve uma ligeira melhoria nos padrões materiais médios. No mesmo período, observou-se a intensificação da exploração, maior insegurança e aumento da miséria humana. Por volta de 1840, a maioria da população vivia em melhores condições que seus antepassados cinquenta anos antes, mas eles haviam sentido e continuavam a sentir essa ligeira melhoria como uma experiência catastrófica.

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