a fonte dos desejos

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    A Fonte dos Desejos

    Barbara Cartland

    Ttulo original: Dancing on a Rainbow

    Copyright: (c) Barbara Cartland 1986

    Traduo: Erclia Magalhes Costa

    Copvright para a lngua portuguesa: 1986

    Editora Nova Cultural Ltda. - So Paulo

    Esta obra foi composta na Artestilo Uda. e impressa na Editora Parma Ltda.

    Nova Cultural - Caixa Postal 2372

    NOTA DAAUTORA

    Na ltima dcada do sculo XIX, Paris tornou-se a capital do mundo civilizado, do modo elegante de viver, do

    prazer e dos gnios artsticos.

    A Torre Eiffel, construda em 1889, sendo a mais alta estrutura metlica de todo o mundo, foi o smbolo de um

    sculo turbulento e de grandes feitos em Paris.

    Paris cresceu muito e foi se tornando cada vez mais burguesa. Foi, ao mesmo tempo, tornando-se cada vez mais

    democrtica, apesar das injustias sociais. As dvidas de guerra haviam sido pagas Alemanha vitoriosa antes do

    prazo previsto, e o imprio colonial da Frana crescia rapidamente.

    Em Paris, as reas que haviam sido devastadas pelo fogo e pela artilharia inimiga haviam sido reconstrudas. Foi

    concluda tambm a construo do Teatro de pera. Pouco havia na capital da Frana que revelasse que ela fora

    uma cidade sitiada, agitada por uma guerra civil.

    Para os amantes dos prazeres mais intensos e mais refinados, cidade alguma poderia igualar-se a Paris. Jfamosa como centro da moda feminina, famosa tambm por sua comida, sua msica, pela vida brilhante de que

    gozava a alta sociedade, a partir de 1889, Paris foi presenteada com o fascnio do Moulin Rouge. A partir dessa

    data, as grandes asas de madeira vermelha do moinho de vento giravam constantemente sobre a entrada do

    prdio; o Moulin Rouge tornou-se, durante toda a dcada seguinte, a Meca daqueles que tinham muito dinheiro

    para gastar.

    Escritores e artistas da poca encontravam completa liberdade em Paris. Podiam escrever, pintar e viver o que e

    como quisessem, no meio de um povo apaixonado por tudo o que fosse novidade.

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    Havia liberdade de imprensa, liberdade de convices polticas, e liberdade para se pensar.

    CAPITULO I

    1889

    Antes de desmontar, lady Loretta Court deu umas palmadinhas carinhosas no pescoo de seu cavalo.

    - Hoje ele comportou-se maravilhosamente, Ben - ela disse ao cavalario, que esperava para levar o belo animal

    aos estbulos.

    - Ele sempre gostou de ser montado pela senhora, milady

    - disse Ben com um sorriso.

    Lady Loretta tambm sorriu para ele e subiu alguns degraus, entrando no grande hall.

    Quando j se achava no alto das escadas, um criado que vinha apressado ao seu encontro lhedisse:

    - Sua Graa deseja falar-lhe, milady, e lhe pede que v biblioteca imediatamente.

    Loretta suspirou. Tendo cavalgado durante duas horas, sua vontade era tomar um banho e tirar a roupa de

    montaria. Entretanto, se o pai desejava v-la, nada podia fazer seno obedecer.

    Desceu as escadas, entregou ao criado as luvas e o chicote, que nunca usava; numa atitude quase hostil, tirou ochapu e deu-o tambm ao criado.

    Depois de ajeitar os cabelos, atravessou o hall e foi caminhando pelo longo e largo corredorque conduzia

    biblioteca do pai.

    Loretta fazia conjeturas sobre o que seu pai poderia querer lhe dizer. Talvez apenas quisesse adverti-la a no sair

    cavalgando sem a companhia de um dos cavalarios. Isso era uma coisa que ela sempre fazia e que o pai

    desaprovava. com certeza ele falaria muito sobre o assunto, e seria difcil escapar da biblioteca to cedo.

    Loretta amava o pai, mas desde a morte da esposa ele tornara-se extremamente autoritrio. Como muitos

    homens mais velhos, raramente ouvia o que as pessoas tinham a dizer.

    Em sua posio de governador do condado, o duque vivia muito ocupado, mas jamais deixava de dedicar parte

    de seu

    tempo filha nica.

    Ao mesmo tempo, suas ideias sobre convenes sociais eram

    severas, enfadonhas e rgidas ao extremo.

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    Ela abriu a porta da biblioteca e entrou, apreensiva, sem deixar, entretanto, de observar que aquele cmodo

    continuava lindo e agradvel como sempre.

    O que mais apreciava naquele aposento eram as telas, que retratavam belssimos puros-sangues, pintados pelo

    prprio

    duque.

    Quando mais jovem, ele havia sido um dos mais bonitos

    nobres da corte da rainha Vitria.

    Ao ver o pai escrevendo, sentado escrivaninha, Loretta notou que ele estava de muito bom humor.

    Havia uma pilha de papis diante dele, porque, apesar de ter um secretrio, o duque tinha um lema: "Se quiser

    alguma coisa bem-feita, faa-a voc mesmo".

    O resultado disso era que sempre tinha muito trabalho para

    fazer.

    Ao ver Loretta, ele sorriu e pensou, como sempre, que era um homem afortunado por ter uma filha toencantadora. No se poderia esperar o contrrio, tendo sido a me de Loretta a mulher mais linda que ele j

    vira.

    - Queria falar comigo, papai?

    - Sim, Loretta, tenho algo importante para lhe dizer. Quis falar-lhe sobre isto ontem noite, mas achei que no

    convinha, pois sentia-me cansado depois das corridas, e, alm disso, queria que voc dormisse bem.

    Uma expresso aborrecida toldou o olhar de Loretta, e ela

    perguntou:

    - E o que que no quis contar-me ontem noite?

    O duque levantou-se e caminhou at o outro lado da biblioteca, ficando em frente cornija da lareira,

    lindamente entalhada, acima da qual pendia um lindssimo quadro pintado por Sartorius.

    - Ontem, quando estive em Epsom - ele comeou -, vi meu velho amigo, o duc de Sauerdun.

    Como o duque falasse devagar e com certa pompa, Loretta percebeu que ele ia contar uma longa histria.

    Ento, sentou-se em uma poltrona.

    Ela sempre ouvira o pai falar no duc. Embora fossem de nacionalidades diferentes, os dois cavalheiros tinham

    algo em comum: ambos gostavam muito de cavalos, e seus puros-sangues corriam tanto na Inglaterra como naFrana, sempre numa competio acirrada.

    - Seu cavalo venceu o do duc na corrida de ontem?

    - Para dizer a verdade, Minotauro ganhou com facilidade. Chegou com meio corpo de vantagem sobre o de

    Sauerdun! exclamou o duque, satisfeito.

    - Fico contente, papai, por v-lo to feliz.

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    - Depois de terminada a corrida - continuou o pai, como se a filha nada tivesse dito -, Sauerdun e eu tomamos

    um drinque juntos, e ele me sugeriu algo em que no havia pensado antes, mas que achei muito interessante.

    - O que foi, papai?

    Loretta estava achando que o pai fazia muitos rodeios, e imaginava como poderia sair dali e ir para seu quarto.

    - J faz muito tempo que me preocupo com voc, minha filha. Gostaria que se casasse. A sugesto do duc que

    voc se case com o filho dele. Seria uma tima soluo para o problema.

    Loretta endireitou-se de repente, e todo o seu corpo ficou tenso.

    - O que. o que est dizendo, papai? No entendo aondequer chegar!

    - Estou falando sobre seu casamento, querida. Teria grande prazer em dar sua mo ao marquis de Sauerdun, que

    herdar, quando o pai morrer, um castelo magnfico no vale do Loire, bem como muitas propriedades na

    Normandia, lugar de origem dos Sauerdun.

    - Mas... papai! No pode estar falando srio! Como pode arranjar um casamento para mim... e com um homem

    que nem conheo? Alm disso, prometeu levar-me a Londres, para

    a temporada.

    - Sim, eu sei, eu sei! - disse o duque, um tanto irritado.

    - Mas, francamente, minha querida, esta uma oportunidade boa demais para que a percamos.

    Loretta ficou de p. Ela era magra e de estatura mdia; mesmo assim, ergueu a cabea e olhou de maneira

    desafiadora para o pai, bem mais alto do que ela.

    - Pode dizer o que quiser, papai, mas no tenho a menor inteno de me casar com um homem que no amo!

    - Amor? Ora, o amor vir depois que vocs se casarem. O que tem a fazer, sendo minha filha, casar-se com o

    homem certo; um homem com uma slida posio na vida, o homem que eu escolhi para voc.

    - Mas, papai, sou eu quem vai se casar com ele, e no

    voc!

    - Sei disso - disse o duque, zangado. - Mas est muito enganada se pensa que vou permitir que se case com

    algum joo-ningum que fique impressionado pela sua posio social ou que pense em herdar sua fortuna, uma

    vez que minha nica

    herdeira.

    - Mas, papai, os nicos homens que vejo no momento so os que vivem no condado e que conheci desdecriana! - protestou Loretta.

    com voz triste, ela continuou:

    - Depois que mame morreu, no vou a festas ou bailes, nem a lugar algum onde possa encontrar bons partidos.

    - Mesmo que frequentasse bailes, jamais iria conhecer homem nenhum que fosse melhor partido do que o

    marquis de

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    Sauerdun.

    - Ele pode ser um timo partido do ponto de vista social, mas como posso saber se ele ser um bom marido, se

    nunca

    o vi?

    - Vai conhec-lo! Claro que vai conhec-lo! Eu disse a Sauerdun que trouxesse seu filho para ficar conosco em

    Madrescourt, antes das corridas de Ascot. O duc achou uma boa

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    ideia. Poderemos anunciar o noivado de vocs antes do trmino da temporada.

    - Ora, papai, est arranjando tudo sem me dar a chance de decidir por mim mesma se desejo me casar com o

    marquis ou se no gosto dele, a ponto de recus-lo.

    - Recus-lo? O que quer dizer com isso? Nunca ouvi tamanha tolice! Na Frana, Loretta, como bem sabe, os

    casamentos so arranjados. O duc tem certeza de que aceitar seu filho, e o marquis no cometer erros uma

    segunda vez.

    - Segunda vez? Como?

    - O marquis casou-se quando era muito jovem - replicou o pai. - Ao que parece, confiou-me Sauerdun, ele ficou

    louco por uma jovem que conheceu em Paris. Ela vinha de boa famlia, e o duc no viu por que no aceitar o

    casamento, que acabou se transformando num desastre. Os dois jovens no se davam bem, e no havia sinal de

    herdeiros. Felizmente, a jovem sofreu um acidente de carruagem, ficou muito ferida e veio a falecer.

    Loretta no sabia o que dizer. O duque fez uma pausa e depois continuou:

    - Desta vez Sauerdun no quer correr riscos. Ele quer escolher uma esposa para seu filho com o mesmo carinho

    com que escolhe seus cavalos de raa.

    - Cavalos! - gritou Loretta, mas o pai continuou, sem lhe dar ouvidos.

    - O duc j ouviu falar de sua beleza, minha filha, e est determinado a realizar esse casamento logo depois de

    voc e o marquis se conhecerem e ficarem noivos.

    - No farei isso, papai! Sei muito bem o que quer dizer: que no tenho escolha e vou ter que me casar com o

    marquis. Quando ele chegar aqui, todos os nossos parentes j estaro sabendo a razo de voc t-lo convidado.

    Ela ergueu a voz e prosseguiu:

    - Depois que todos j estiverem sabendo que ns dois estamos comprometidos, ser impossvel eu no aceitar o

    pedido de casamento do marquis, se que ele vai fazer algum pedido.

    Quando Loretta terminou, o duque teve um sbito ataque de raiva. Todos naquela casa conheciam bem os tais

    ataques.

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    O duque era um homem alto e corpulento, e tornava-se assustador quando ficava zangado.

    Ao ver o pai to enfurecido, Loretta foi ficando cada vez

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    mais plida.

    O pai chamou-a de ingrata, egosta, imprudente e insensvel. Disse ainda que a filha fazia questo de contrari-

    lo, sabendo que ele se sentia s e infeliz depois da morte da esposa. Acusou Loretta de estar sendo desapiedada.

    Apesar de ela ter tomado a firme resoluo de no se deixar influenciar pelo que o pai dizia, ficou com os olhos

    rasos de lgrimas. Finalmente, quando quis falar, ele no quis ouvi-la.

    - Voc vai se casar com Sauerdun, nem que eu tenha que arrast-la pela nave da igreja at o altar! No vou maisouvir essa tolice de que precisa estar apaixonada.

    Ele olhou para a filha com um olhar inflexvel.

    - Tem que me obedecer, Loretta. Est ouvindo? Vai fazer exatamente como eu disse, e no se fala mais sobre o

    assunto!

    O pai, a essa altura, gritava, e Loretta no pde mais suportar ficar ali. Saiu correndo da biblioteca, soluando.

    Quando chegou ao alto da escada, depois de ter atravessado o hall, as lgrimas lhe rolavam copiosamente pela

    face.

    Ao entrar em seu quarto, ela bateu a porta com fora, tirou o casaco de montaria, sentou-se na cama e cobriu o

    rosto com

    as mos.

    - O que devo fazer? Oh, meu Deus, o que devo fazer?

    Desde que tinha idade suficiente para ler histrias de amor,

    Loretta emocionava-se com elas. A primeira que leu foi Romeu

    e Julieta; desde ento, sonhava em viver um grande amor. Ela

    haveria de encontrar o homem de seus sonhos.

    Loretta foi crescendo, e esse homem tornava-se mais e mais real. Ela no podia identificar seu rosto, mas tinha

    certeza de que no estava distante dela.

    Ela partilhava seus pensamentos com o homem de seus sonhos, e sabia que um dia ele iria materializar-se, e

    ambos viveriam felizes para sempre.

    Podia parecer um conto de fadas para crianas, mas esse sonho fazia parte da vida de Loretta, que nunca

    passava um

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    dia ou uma noite sem pensar no amor que viveria com esse homem ideal.

    O homem de seus sonhos estava sempre ao seu lado. Juntos, escalavam montanhas no Himalaia, navegavam

    pelo Amazonas, eram nufragos numa ilha deserta, eram perseguidos por bandidosou por uma tribo hostil de

    rabes.

    Ele sempre a salvava, e, ao lado dele, ela nada temia.

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    Em segredo, Loretta acalentava a esperana de ir para Londres, logo depois de terminar o perodo de luto pela

    me. L estaria o homem de seus sonhos, esperando por ela.

    Talvez o encontrasse em um dos bailes de gala oferecidos por anfitris importantes, todas amigas de seu pai. Ou

    poderia conhec-lo no baile que o pai ofereceria a ela na manso da famlia, em Park Lane.

    Seria ainda mais romntico se ela o encontrasse no Palcio de Buckingham, na sala do trono, quando, com as

    trs plumas brancas do Prncipe de Gales no cabelo, ela fosse apresentada rainha. Se a rainha Vitria estivesse

    indisposta, ela seria apresentada linda princesa de Gales.

    J havia sido planejado que a manso Madescourt, em Park Lane, fosse aberta para receber Loretta e seu pai.

    A tia de Loretta, a condessa de Brendon, que era sua chaperon quando ela se achava em Londres, a

    acompanharia s festas.

    A condessa havia mandado para a sobrinha, que se achava no castelo, no campo, vrios vestidos, todos

    lindssimos, para usar na ocasio de seu dbut. Os vestidos vinham das melhores, mais caras e mais requintadas

    casas de moda da Bond Street.

    Loretta achou os vestidos maravilhosos, ambos um tanto convencionais, mais ao gosto da tia. O duque, muito

    generoso, autorizou-a a comprar muitos outros vestidos a seu gosto, escolhidos por ela mesma, assim queestivesse em Londres.

    Agora ela sabia que o pai no a levaria a Londres, apesar de ser tradio uma jovem desua idade ser

    apresentada rainha no grande salo do Palcio de Buckingham.

    O duque s pensava na visita do duc de Sauerdun e do filho, o marquis, que, segundo as previses de Loretta,

    seria no fim de maio ou comeo de junho.

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    "No terei a chance de conhecer algum especial, depois de tudo o que disse a papai", pensou Loretta.

    Sendo muito ligada ao pai, ela sabia exatamente como a mente dele trabalhava, e tinha certeza de que ele

    apresentaria todo tipo de desculpas para no lev-la a Londres. Ele iria concentrar-se nos preparativos para

    receber seu futuro genro, dispensando-lhe um tratamento digno de rei.

    "Mas isso injusto... muito injusto!", dizia Loretta a si mesma, sentindo-se presa em uma armadilha, da qual no

    via

    como escapar.

    Ao mesmo tempo, estava disposta a lutar para no ser forada a fazer um casamento sem amor, o que seria

    desastroso no s para ela, como para o homem com quem se casasse. Era preciso evitar tal desastre. E no ia

    ser fcil. Loretta sabia disso muito bem. Seu pai no voltava atrs depois de haver tomado uma deciso.

    Loretta tambm era bastante inteligente para reconhecer que a ideia de ter como marido o filho do duc de

    Sauerdun era, na verdade, muito sensata, do ponto de vista dos pais, lgico. O marquis era, segundo os

    comentrios, "um partido", e ela duvidava que pudesse haver na Inglaterra algum candidato sua mo que se

    pudesse igualar a ele, tanto em posio social

    como em riqueza.

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    Havia muitos comentrios sobre a fortuna fantstica do duc, que era conhecida e exaltada nos meios sociais.

    Alm disso, ele possua muitas propriedades espalhadas pelo mundo todo. Loretta nunca prestara muita

    ateno quando o pai lhe falava sobre as telas valiosssimas que os Sauerdun possuam, que rivalizavam com as

    do Museu do Louvre e da National Gallery. Mas devia admitir que sempre se impressionara com os cavalos do

    duc de Sauerdun. Seus estbulos eram muito maiores, e seus puros-sangues tinham muito mais vitrias do que

    os de seu pai, ou talvez do que os de qualquer outra pessoa na Inglaterra.

    Ela podia entender por que o pai havia ficado de to bom humor, quando seu melhor cavalo, o Minotauro, havia

    vencido o cavalo do duc. Fora certamente por isso que ele havia aceitado a sugesto do amigo sobre o

    casamento de seus filhos.

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    Loretta pensava que o duc de Sauerdun devia ter uma razo muito especial para querer arranjar um casamento

    para o filho com tanta pressa, em vez de convid-la, e ao pai, para ir visit-los na Frana.

    "Ah, mas bem prprio de papai tomar uma deciso apressada. Agora fica insistindo para eu me casar com um

    francs que nunca vi, s porque ele e seu amigo tm interesse pelo mesmo esporte", pensou Loretta.

    Ela no ignorava que, como o pai havia dito, na Frana os casamentos eram, em geral, arranjados.

    Mesmo na Inglaterra isso acontecia entre as famlias aristocrticas.

    "Pensem o que quiserem, mas vou ser uma exceo a essa regra", disse Loretta para si mesma, de maneira

    desafiadora.

    Ela no ignorava que seria muito difcil no fazer o que o pai queria, e que precisaria de muita astcia para

    conseguir escapar dos planos que o pai tinha para ela.

    Se ele podia ser to obstinado quando queria uma coisa, ela tambm o seria.

    Depois de se trocar, Loretta desceu para almoar; estava plida e arrasada.

    Esperava que o pai, vendo-a abatida, angustiada, silenciosa e de olhos baixos, se sentisse um tanto culpado.

    Entretanto, ele estava de tal bom humor ante a ideia de um casamento to a seu gosto, que mal notou o

    aspecto da filha. Pensava que, por ter sido to severo com Loretta, ela no ofereceria resistncia.

    Pai e filha almoaram sozinhos, pois Emily, a prima de Loretta, que j estava h alguns meses no castelo,

    apanhara uma forte gripe e achava-se acamada.

    O duque passou uma parte do almoo falando sobre as corridas que havia assistido no dia anterior. Ele

    descreveu detalhadamente como seu cavalo havia derrotado muitos competidores famosos, inclusive o do duc

    de Sauerdun.

    - Depois de amanh - disse ele - irei a Newmarket, onde espero ser to bem-sucedido como fui ontem.

    Loretta no respondeu, e o pai disse, irritado:

    - Ora, filha, pelo amor de Deus, por que essa cara de

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    quem perdeu uma moeda de ouro? Qualquer jovem estaria dando pulos de alegria s em pensar que iria fazer

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    um casamento extraordinrio, o maior da temporada!

    - Mas no me levou a Londres para a temporada, papai! lamentou a filha.

    O duque considerou o argumento e disse em seguida:

    - Bem, se est ressentida por causa disso, posso ver o que pode ser feito. Mas no adianta abrirmos nossa casa

    em Londres para oferecermos um grande baile para voc, como

    havamos planejado.

    Ele ficou pensativo por alguns segundos e acrescentou:

    - Vamos oferecer um baile aqui, quando os Sauerdun estiverem conosco. Portanto, converse com sua prima

    Emily e planejem um baile que seja o mais encantador de todos os que j

    oferecemos.

    Loretta sabia que o pai estava pensando em anunciar seu noivado com o marquis nesse baile. Mas disse

    simplesmente:

    - Parece ser uma boa ideia, papai.

    - Ento est feliz? Voc mesmo uma boa filha! Prometo que a levarei a Londres para ser apresentada

    formalmente rainha, no palcio. Isso ser em meados de maio, no?

    - Sim, papai.

    - Muito bem! Iremos a um ou dois bailes e assistiremos a um jogo de plo em Ranelagh. No abriremos a casa

    completamente, como havamos planejado. Poderemos ficar em Londres at depois das corridas de Ascot.

    - Sim, papai.

    Terminado o almoo, o duque saiu apressado para uma reunio, e Loretta trocou-se, vestindo novamente seutraje de

    montaria.

    Saiu sozinha, desobedecendo s severas ordens do pai de sempre se fazer acompanhar por um dos cavalarios.

    Sabia que na beira do bosque, a trs milhas dali, Christopher Willoughby estaria esperando por ela.

    Christopher era um rapaz que ela conhecia desde a infncia. Ele possua uma propriedade localizada ao lado da

    do duque, mas muito menor, e por isso o pai de Loretta a considerava sem importncia.

    16

    Na verdade, o duque tratava Christopher e o pai com altivez. O pai de Christopher, apesar de ser um baronete,

    no era rico, portanto pouco contribua para as organizaes beneficentes cujo patrono era o duque. Se este

    soubesse que a filha costumava encontrar-se com Christopher para cavalgarem juntos, ficaria furioso.

    Mas Christopher era o nico rapaz que Loretta conhecia bem. Embora ele j estivesse apaixonado por ela h trs

    anos, ela o via como o irmo que nunca tivera.

    Ele era seu maior amigo, e, por isso, era muito mais divertido cavalgar ao lado dele do que de um cavalario. Por

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    essa razo, sempre que saa para dar um passeio a cavalo, Loretta marcava um lugar onde pudessem se

    encontrar.

    Juntos, eles atravessavam os campos ou o bosque, e conversavam sobre assuntos que interessavam a Loretta e

    que Christopher procurava entender, por am-la demais.

    Assim que viu Loretta aproximar-se, Christopher soube que algo no estava bem.

    - O que aconteceu? - ele perguntou.

    Ela nem notou que ele j sabia instintivamente que ela estava aborrecida, e respondeu apenas:

    - No via a hora de contar a voc o que meu pai est planejando para mim.

    - O que ?

    - Meu casamento!

    O tom de Loretta era dramtico, e por um momento houve silncio. Ento, numa voz sufocada, ela disse:

    - Oh, meu Deus! Eu sabia que isso iria acontecer, mais cedo ou mais tarde.

    Christopher era um bonito rapaz de vinte e cinco anos. Tinha ombros largos,e montava muito bem. seu cavalo

    de raa no muito apurada - que era o que seu pai podia comprar. Havia servido num bom regimento, mas

    preferira voltar para casa e cuidar de sua propriedade e das terras, para faz-las dar lucro.

    Amando Loretta desmedidamente, ele no perdia uma oportunidade que fosse de estar com ela, e com isso

    negligenciava seus deveres. Mesmo sabendo que seu amor era sem esperanas,

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    pois nada tinha para lhe oferecer, sua vida era extremamente feliz s por poder estar ao lado de Loretta.

    Assim que Loretta lhe contou sobre o casamento que o pai havia arranjado para ela, foi como se o mundotivesse escurecido de repente. Tudo o que era mais importante para ele rura aos seus ps, em pedaos.

    - Voc no pode ficar noiva de um homem que nunca viu! - ele disse, enquanto Loretta fazia uma pausa para

    respirar.

    - Foi isso o que eu disse a papai, mas ele no quer me ouvir. Oh, Christopher, o que posso fazer? No quero me

    casar com um francs com quem nada tenho em comum. Tambm no vou viver na Frana, longe de tudo o que

    amei desde

    minha infncia!

    Ela pensava naquele momento nos bosques, nos jardins e na beleza dos campos ao seu redor, que eram todo oseu

    mundo.

    - Mas tudo isso um erro! Chega at a ser absolutamente

    desumano! - disse Christopher com firmeza.

    - Eu sabia que me compreenderia. Mas como poderei fazer meu pai entender que o modo como me trata

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    injusto?

    No havia o que responder, e Christopher sabia, assim como todos naquelas redondezas, que, quando o duque

    decidia algo, ningum o demoveria de sua deciso.

    - Se mame estivesse viva - continuou Loretta -, tenho certeza de que ela conseguiria que papai fosse mais

    razovel. O marquis poderia muito bem vir Inglaterra e ns nos conheceramos em uma festa ou um baile em

    Londres, sem que ningum falasse em noivado ou casamento.

    - Vamos supor que voc o detestasse.

    - Se isso acontecesse, pelo menos eu teria a chance de recusar seu pedido de casamento. Mas, como sabe, foi o

    duc quem sugeriu que nos casssemos, e meu pai aceitou a sugesto semme consultar. Portanto, s me resta

    aceitar o anel que o marquis por em meu dedo, tornando-me sua esposa!

    - No pode fazer isso!

    - Mas exatamente assim que vai acontecer, a menos,

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    claro, que eu possa evit-lo. Voc sabe como papai obstinado, e ele sempre admirou o duc de Sauerdun. Ela

    fez uma pausa e prosseguiu a seguir:

    - Tenho ouvido falar tanto sobre o duc e seus cavalos, que at parece que esses cavalos so meus.

    - Logo sero mesmo - disse Christopher com amargura.

    - No quero os cavalos do duc! Tambm no quero seu filho!

    Christopher respirou fundo.

    - Quer fugir comigo, Loretta?

    Surpresa, ela olhou para ele e percebeu que at o momento s havia pensado em si mesma. Seu olhar

    transformou-se, de zangado, em terno e suave.

    - Querido Christopher! Voc me oferece uma oportunidade dessas, e eu aceitaria sem hesitar, se estivesse

    apaixonada por voc.

    - Vamos! Deixe-me lev-la daqui! - ele implorou. Loretta acenou negativamente com a cabea.

    - No posso fazer algo que ir arruinar sua vida e a minha, justamente por gostar muito de voc.

    - Mas por qu? Por qu? - perguntou Christopher. - Eu a amo, e juro que farei com que me ame tambm. Quero

    que seja minha esposa.

    Era difcil para Loretta explicar ao amigo que ele no era, de forma alguma, o "homem de seus sonhos".

    Na verdade, Christopher era bondoso, solidrio, compreensivo, e ela gostava muito dele. Mas o que ele sugeria

    no era o que ela desejava da vida; no era o amor com o qual sempre sonhara. Loretta sabia que, quando o

    homem de seus sonhos surgisse, o reconheceria imediatamente.

    Loretta estendeu a mo e Christopher segurou-a enquanto ela dizia:

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    - Obrigada, Christopher, por ser to compreensivo, mas a soluo para o meu problema no fugir com voc;

    tentar salvar-me de um casamento com um homem que no conheo. Para mim, esse marquis deve ser uma

    pessoa abominvel, por mais que meu pai o elogie.

    19

    - No correto seu pai fazer por voc uma escolha de importncia to vital como essa - disse Christopher em

    voz

    um tanto baixa.

    Ele sabia que seus argumentos no tinham muito peso, pois era comum um homem na posio do duque

    escolher o futuro marido da filha, sem dar ouvidos ao que ela pudesse dizer

    sobre o assunto.

    Embora o pai de Christopher fosse relativamente pobre, ele havia crescido numa sociedade que acreditava que

    "sangue azul" devia sempre se unir a "sangue azul". Tambm se acreditava que um homem que possusse um

    ttulo deveria assegurar um casamento vantajoso, que trouxesse terras para a

    famlia.

    O pai de Christopher jamais considerara, por um instante que fosse, que seu filho tivesse a chance de casar-se

    com Loretta. Por isso, sempre que podia, aconselhava o rapaz a escolher para esposa uma jovem que tivesse um

    grande dote.

    - Quando se tornar o sexto baronete, meu filho - ele costumava dizer -, voc e sua famlia no tero os

    problemas financeiros que temos agora.

    Christopher fez mais uma tentativa desesperada para no

    perder Loretta.

    - Prometa-me que, ao conhecer o marquis, se achar que ser impossvel casar-se com ele, vai dizer-me isso com

    toda a franqueza. Se for assim, eu a levo comigo. Ah, s Deus sabe como detesto at mesmo pensar nesse

    homem.

    - Quer dizer que fugiremos?

    - Poderemos nos casar obtendo uma licena especial disse Christopher. - Pelo menos, casar comigo no vai ser

    to assustador como casar com um estranho.

    - verdade - disse Loretta pensativamente. - Ao mesmo tempo, Christopher, vou lutar, e hei de encontrar um

    modo de impedir que papai anuncie meu noivado no baile que pretende oferecer na semana das corridas de

    Ascot, quando o duc e seu filho estiverem hospedados em casa.

    - Por que ele no vem v-la antes disso? Acho tudo isso muito estranho. Afinal, o marquis deve estar, como

    voc, ansioso para que se conheam.

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    - exatamente o que eu penso, mas suponho que ele tambm esteja dominado pelo pai, e deve agir como o duc

    mandar.

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    - Se for assim, que tipo de homem ele ? Um homem tem que se impor! - disse Christopher com firmeza. - Estou

    achando essa situao ridcula. Para mim, cada um de vocs est bem confortvel em seu prprio pas, com o

    canal da Mancha entre ambos, e nenhum tem coragem de encontrar o outro.

    Ele falou com violncia, como nunca costumava falar com Loretta, mas ela no pareceu estranhar; apenas disse:

    - Isto me d uma ideia, Christopher!

    - O que lhe d essa ideia?

    - O que acaba de dizer. Se o marquis no vem me conhecer, por que no devo eu ir conhec-lo?

    - Como poderia? O duc no a convidou para ir visit-los, e, como seu pai disse, ele talvez tenha razes para agir

    assim.

    Christopher percebeu que estava sendo maldoso, mas, em matria de amor e de guerra, tudo vlido. Fixando

    nele seus grandes olhos, Loretta disse:

    - Voc muito esperto, Christopher! Muito mais esperto do que eu imaginava!

    - No estou entendendo aonde quer chegar.

    - Estou pensando uma coisa - disse Loretta em voz baixa.

    Christopher ficou alarmado.

    - Escute, Loretta, no v fazer nenhuma tolice! No importa o que eu tenha dito, voc no pode ir para a Frana

    sem um convite do duc de Sauerdun. Isso causaria um escndalo, alm de compromet-la. Voc teria que se

    casar com o abominvel marquis.

    - No sou to tola a ponto de fazer uma coisa dessas.

    - Ento, no que est pensando? Por favor, diga-me logo!

    - ele pediu, ansioso.

    - Foi s uma ideia que eu tive - disse ela, rindo. - Obrigada, Christopher. Sinto-me bem melhor depois de lhe ter

    contado tudo isso. Mas agora preciso ir para casa.

    - No! - protestou Christopher. - Vamos cavalgar juntos sob aquelas rvores. Voc me deve isto, depois de ter-

    me

    21

    dado essa notcia to triste. vou ficar muitas noites sem dormir, sabendo que a perderei.

    Impulsivamente, Loretta estendeu-lhe a mo.

    - Voc nunca me perder completamente, Christopher. Faa eu o que fizer, sempre haver um lugar em meu

    corao

    para voc.

    Aquelas palavras encheram os olhos de Christopher de ansiedade. Loretta afastou a mo e partiu a galope, e

    Christopher seguiu-a, entrando ambos no bosque.

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    Dentro do bosque havia trilhas onde s passavam dois cavalos andando lado a lado; mais adiante havia uma

    clareira, pois algumas rvores haviam sido cortadas.

    Era ali que eles sempre desmontavam para conversar. Loretta sabia que Christopher estava aborrecido e poderia

    querer beij-la, por isso no parou na clareira e seguiu deliberadamente para o outro lado do bosque.

    Eles falaram muito pouco. Christopher estava contente s por estar ao lado dela, mesmo sofrendo.

    Christopher era muito importante em sua vida, por ser seu nico confidente, seu nico companheiro, umapessoa em quem podia confiar e a quem podia dizer qualquer coisa que lhe viesse cabea. Mas no estava

    apaixonada por ele, e sabia que o sentimento que nutria pelo amigo jamais se transformaria em amor.

    Quando, finalmente, saram do outro lado do bosque, ela despediu-se e, vendo a expresso triste no rosto do

    amigo, achou que havia sido cruel demais em lhe falar sobre seus

    problemas.

    Mas no podia recorrer a ningum mais, pois no confiava

    em quem quer que fosse.

    - Estarei esperando por voc amanh tarde, Loretta. Se por acaso quiser ver-me antes, mande um bilhete por

    intermdio de Ben. Pode confiar nele.

    - Acho que todos sabem que nos encontramos, exceto papai, claro. Mas ningum ousar contar-lhe.

    - Espero que no.

    Christopher havia marcado o encontro para a tarde porque

    22

    havia muito o que fazer em suas terras, pela manh. Ele disse mais uma vez:

    Bem, se precisar de mim, mande Ben me avisar, que virei encontr-la o mais depressa possvel.

    - Muito obrigada, Christopher, por ajudar-me. J no me sinto to desesperada como antes.

    - Cuide-se bem, Loretta.

    Havia amor nos olhos de Christopher, e Loretta ficou comovida, mas intimamente reforou o propsito de que

    jamais se tornaria esposa dele, por mais desesperada que estivesse.

    Cavalgando para casa sozinha, ela foi meditando sobre o que haviam conversado, e um nico pensamento

    invadia sua mente:

    "Se o marquis no vem me ver, ento eu devo ir v-lo".

    Mas ela no poderia ir a Paris como Loretta. Isso seria um erro. Se ela pudesse ver o marquis, se pudesse

    descobrir que tipo de homem ele era, como se comportava, e se depois de tudo viesse adescobrir que de fato

    ele era uma pessoa que odiaria, ameaaria seu pai, dizendo que fugiria se ele a obrigasse a casar-se com um

    homem to detestvel.

    Loretta no tinha a menor ideia de algum lugar aonde pudesse ir, mas pelo menos poderia desaparecer poruns

    tempos, indo para onde ningum a pudesse encontrar.

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    Se desaparecesse por algumas semanas, ou mesmo meses, seu pai haveria de capitular. Apesar de ser um

    homem de gnio difcil e mesmo gritando com ela sempre que no conseguia as coisas a seu modo, elasabia

    que, para o duque, agora que a me estava morta, ela era a pessoa mais importante do mundo, e que ele

    realmente a amava.

    "Tenho que ver o marquis, mas como? "

    Subitamente, como se em resposta a uma prece, ela lembrou-se de sua prima Ingrid.

    Loretta sempre gostara muito de Ingrid, que era seis anos mais velha do que ela. Ingrid casara-se com a idade de

    dezessete anos, tendo feito o que se considerava socialmente "um casamento brilhante".

    Seu marido, um homem trinta anos mais velho, o conde de Wick, era muito rico e de grande projeo social.

    Agora Loretta compreendia que a prima no tivera escolha e fora obrigada a casar-se com o conde. Na verdade,

    Ingrid fora levada ao altar pela ambio dos pais, encantados de ver a filha, que mal terminara os estudos,

    ocupar um lugar to importante na sociedade.

    Sem nada saber sobre os homens ou sobre o amor, Ingrid achava o marido um velho cansativo e obstinado.

    O nico interesse do conde era que sua jovem esposa lhe desse um herdeiro para o ttulo e que fosse umaanfitri perfeita para receber os amigos, todos muito mais velhos do que

    ela.

    com o passar dos anos, Ingrid amadurecera e se tornara uma mulher lindssima. Era evidente que acabaria por

    apaixonar-se.

    Certo dia ela conheceu o marqus de Galston, em uma

    caada.

    O conde de Wick, nessa poca, costumava deixar a esposa sozinha em sua casa de campo. Ele saa com os

    amigos para caadas ou ia a jantares em Londres, reunindo-se aos amigos de seu regimento. No outono ele

    preferia ir caar veados na Esccia, onde no era perturbado por mulheres.

    Ingrid vivia sozinha, e como o marqus de Galston estava to desiludido como ela com o casamento, era

    inevitvel que fossem solidrios um com o outro.

    O marqus casara-se ainda muito jovem com uma linda moa por quem acreditara estar profundamente

    apaixonado, at descobrir o quanto ela era inconstante e histrica. Em dois anos ela comeara a demonstrar

    sinais de perturbao mental. Finalmente, mesmo contra a vontade, mas a conselho mdico, ele acabara

    internando a mulher em uma clnica particular, com a superviso de enfermeiras que a ajudavam a conviver com

    sua

    terrvel doena.

    O marqus e Ingrid abriram seus coraes um ao outro, falando sobre seus problemas, e acabaram

    apaixonando-se.

    O que sentiam um pelo outro era completamente diferente de tudo o que haviam experimentado antes.

    Achando que a vida seria intolervel se tivessem que se separar, ambos fugiram, causando um escndalo que

    repercutiu nas famlias tanto do marqus como na do conde e do duque.

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    Eles conversaram sobre diversos assuntos, e Loretta tomou o maior cuidado para no fazer a menor aluso ao

    duc de Sauerdun. Depois de ficar mais um pouco na sala de visitas, fazendo companhia ao pai, ela subiu e foi

    para seu quarto.

    Durante o tempo todo em que conversava com o pai naquela noite, Loretta estivera planejando uma aventura

    to ousada que, s de pensar nela, ficava amedrontada.

    Mas precisava fazer alguma coisa, pois suas objees no seriam consideradas, e ela acabaria casando-se com o

    marquis, a quem ficaria presa para sempre.

    Na manh seguinte, em vez de ir cavalgar, que era a primeira coisa que costumava fazer depois de se levantar,

    Loretta foi

    vila.

    L, em uma das casas do duque, vivia Marie, uma ex-empregada que havia trabalhado durante muitos anos no

    castelo, como costureira. Depois da morte da duquesa, ela preferira mudar-se para a vila, por no se dar bem

    com os outros criados.

    Apesar de gostar muito de Marie, Loretta reconhecia que ela era uma mulher geniosa, talvez por ser francesa e

    sentir-se, na Inglaterra, "como um peixe fora da gua".

    Marie viera para a Inglaterra como aia da esposa do embaixador francs.Quando sua ama voltara Frana com

    o marido, ela preferira ficar na Inglaterra. Afinal, no tinha parentes em seu prprio pas e crescera fora dele.

    26

    Era uma costureira muito habilidosa, e a duquesa relevava seu gnio difcil.

    Loretta gostava muito dos vestidos que Marie fazia. Seu trabalho era perfeito, pois ela aprendera a costurar em

    um convento, na Frana.

    Enquanto desmontava em frente da graciosa casinha, no fim da vila, e amarrava o cavalo na cerca de madeira,Loretta imaginava se Marie aceitaria ou no o que ia pedir.

    Bateu porta, e a prpria Marie atendeu sem demora. Loretta achou-a bem-disposta e muito conservada para

    seus cinquenta e cinco anos.

    Mesmo no esperando visitantes, Marie vestia-se com a elegncia prpria de uma francesa.

    - Milady! - exclamou ela ao ver Loretta. - Quelle surprise!

    - Vim v-la para falar de um assunto muito importante disse Loretta entrando na casinha, que estava muito

    limpa.

    Marie, como toda dona-de-casa francesa, punha diariamente sua roupa de cama na janela para tomar sol e

    arejar, e considerava os ingleses desleixados por no cultivarem esse costume.

    - Aceitaria uma xcara de caf, milady?

    - Oh, sim, Marie, obrigada!

    A melhor maneira de quebrar o gelo quando conversasse com Marie seria tomarem juntas o caf excelente, com

    o qual Marie gastava uma boa parte de sua penso.

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    Enquanto a costureira se ocupava fazendo o caf e depois servindo-o em xcaras imaculadamente limpas,

    Loretta pensava no que iria dizer.

    Era melhor contar logo toda a verdade. Ento, enquanto tomavam o caf, ela disse a Marie que o duque tinha a

    inteno de torn-la esposa do marquis de Sauerdun. Os olhos da ex-costureira brilharam.

    - O duc de Sauerdun um ilustre aristocrata! - ela exclamou.

    - Sim, sei disso. Ao mesmo tempo, recuso-me a aceitar como marido um homem que nunca vi e que possadetestar. Tambm pode ser que ele me deteste.

    Marie ficou calada, e Loretta continuou:

    27

    - Decidi ir Frana visitar minha prima Ingrid, que mora em Paris. Tenho certeza de que ela dar um jeito para

    que eu veja marquis sem ele saber quem eu sou.

    Marie olhou para ela, atnita, mas seu crebro rpido captou exatamente o que Loretta pretendia fazer.

    - C'est impossible, milady! - disse ela com firmeza. A condessa de Wick no aceita por seu pai.

    - Sei disso, mas Ingrid a nica pessoa conhecida que mora em Paris. Tenho que ir procur-la e falar-lhe sobre

    meu plano. Portanto, quero que me acompanhe at Paris, a no ser que queira que eu v sozinha, o que me

    assusta. Partiremos

    amanh.

    Marie fitou-a de olhos arregalados, achando que Loretta

    devia ter perdido o juzo.

    - Amanh? Non, non! Ma petite, no pode fazer isso!

    - Pois pode crer que o que vou fazer. Ficarei muito aborrecida se no vier comigo, mas, se no me

    acompanhar, terei que ir sozinha. Como bem sabe, no posso recorrer a ningum. No confio nos criados l de

    casa. A primeira coisa que fariam seria contar a meu pai todos os meus planos.

    - Isso verdade. Aqueles criados idiotas iriam correndo contar a milorde, e ele ficaria muito zangado.

    - Ficaria furioso! Voc sabe muito bem que no adianta eu tentar falar com meu pai e faz-lo ver a situao sob

    meu ponto de vista. Ele j tomou a deciso, e tm que ser como

    ele quer!

    Marie fez um gesto bem tpico dos franceses, o que significava

    que era verdade o que ela dizia.

    Tendo vivido no castelo durante muitos anos, ela sabia que o duque era extremamente autoritrio quando isso

    lhe interessava. Seus acessos de raiva assustavam a todos, desde o mordomo at o mais humilde lavador de

    pratos da cozinha.

    - O que temos a fazer - foi explicando Loretta - partir assim que papai for para Newmarket. Ele sair bem cedo,

    pois vai at a estao pegar o trem para Londres, e pretende chegar a tempo de almoar em seu clube, antes de

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    seguir para

    Newmarket.

    Marie assentiu, e Loretta continuou:

    28

    - Ns iremos de carruagem at a estao e pegaremos o trem que chega a Dover em tempo de tomarmos o

    vapor da tarde para Calais.

    Marie ergueu as mos.

    - Tem tudo planejado, milady! Mas j pensou na confuso que vai ser quando descobrirem que no est no

    castelo?

    - Ningum vai saber que estarei indo para a Frana. Direi a todos que irei passar uns dias na casa de uns amigos,

    pois minha prima Emily ainda est de cama. Emily vai ficar muito feliz em se ver livre de mim e no ter nada para

    fazer at que papai volte.

    Loretta segurou a mo de Marie, que olhara para ela, ligeiramente amedrontada.

    - Por favor, ajude-me - ela suplicou. - Sabe muito bem que no devo ir para a Frana sozinha. Voc sabe como

    chegar at Paris, e poder ajudar-me a encontrar minha prima Ingrid quando chegarmos l.

    Marie levantou-se, foi at um mvel e abriu uma das gavetas; pegou um mao de papis, e Loretta viu que eram

    recortes de jornais.

    Por cima de todos eles, havia um que se referia a uma corrida de cavalos que havia sido vencida pelos cavalos do

    duque.

    Debaixo, havia diversos recortes sobre o marqus de Galston e a condessa de Wick.

    - Onde conseguiu esses recortes, Marie?

    - Tenho uma amiga na Frana que no vejo h vinte anos, mas que me escreve regularmente; sabendo que gosto

    muito de corridas, mandou-me esses recortes sobre os cavalos de Sua Graa, quando eles ganharam corridas

    muito importantes. Ela tambm sempre manda jornais que acha que me podem interessar.

    Loretta comeou a folhear os recortes apressadamente.

    Havia uns quatro ou cinco que se referiam beldade inglesa, a condessa de Wick. Um deles, o mais recente,

    mencionava que o marqus de Galston havia comprado uma casa nos Champslyses. A nota descrevia a

    decorao e os cmodos da casa, e terminava com a seguinte observao:

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    "A anfitri das festas do marqus ser a linda condessa de

    Wick".

    Assim que Loretta terminou de ler, pensou em como seus parentes ficariam chocados se lessem aquela notcia,

    que se referia de maneira to crua ao relacionamento do marqus e

    Ingrid.

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    Mas nada disso interessava, no momento. O importante era que j sabiam para onde se dirigir, quando

    chegassem a Paris.

    Loretta deu mais uma olhada nos recortes, muitos deles j bem velhos, interessando-se pelos que se referiam

    aos cavalos

    do pai. Depois disse:

    - Obrigada, Marie. Sabia que me ajudaria. Estar pronta amanh cedo, s oito e meia, quando eu vier apanh-la?

    Sem hesitar, Marie disse, com um sorriso:

    - vou acompanh-la, milady, e ficarei muito feliz por rever

    la belle France.

    - isso mesmo, Marie! Se tivermos sorte, estaremos de volta antes de papai voltar de sua viagem. Nem lhe

    passar pela cabea onde estive em sua ausncia.

    Ao dizer isso, ela pensou em ir cruzando os dedos desde aquele momento. Confiava, entretanto, que tudo

    correria bem, e que era mesmo uma sorte poder contar com Marie.

    - s oito e meia, Marie! - repetiu Loretta. - E obrigada

    pelo caf!

    Ao despedir-se de Loretta, Marie estava entusiasmada. Certamente j comearia a arrumar o que fosse preciso

    para a viagem.

    Como ela mesma havia dito, seria emocionante voltar ao seu pas depois de tantos anos.

    Ao chegar em casa, Loretta mandou chamar sua aia e disse-lhe para arrumar tudo o que fosse preciso para uma

    viagem.

    - Ento vai viajar, mlady?

    - Sim. vou passar uns dias com alguns amigos. Como ainda no falei com Sua Graa, por favor, no comente com

    ningum. Voc sabe que ele se preocupa com tudo. Confio em voc, Sarah, e peo-lhe que no mencione uma

    palavra aos outros

    criados.

    Sarah gostava muito de Loretta, e fez exatamente como lhe

    fora ordenado.

    30

    Loretta s esperava que seu pai no lhe fizesse perguntas excessivas sobre o que ela iria fazer na ausncia dele.

    Felizmente, o duque estava preocupado demais com seus afazeres.

    Como a filha no mais tocara no assunto de seu casamento com o marquis, ele supunha que ela havia aceitado o

    fato, e, por isso, estava de muito bom humor.

    - Cuide-se bem em minha ausncia - disse ele. - Espero que sua prima sare logo, assim voc no ficar to

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    sozinha.

    - Sentirei muito sua falta, papai. Mas sabe que fico feliz cuidando dos cavalos, portanto, no se preocupe

    comigo. Quando Emily melhorar, quem sabe poderemos ir fazer algumas compras.

    O duque ia perguntar por que esse interesse em fazer compras, mas no disse nada, imaginando que tipo de

    compras a filha iria fazer. Ento, deu um sorriso de contentamento.

    Mulher nenhuma poderia resistir fascinao de comprar um enxoval. Ele estava certo de que qualquersentimento rebelde de Loretta logo desapareceria quando ela estivesse comprando roupas novas, e,

    principalmente, quando estivesse escolhendo seu vestido de noiva.

    O duque partiu na manh seguinte, todo afobado, receando perder o trem.

    No ltimo instante, viu que ia esquecendo de pegar uns papis, e os criados tiveram que correr de um lado para

    outro, para cima e para baixo, em grande agitao.

    Quando ele partiu, afinal, ainda no eram oito horas, e Loretta teve tempo suficiente para fazer o que queria.

    Ordenou que preparassem uma carruagem com os cavalos mais velozes, e foi pegar o passaporte que o pai

    guardava na gaveta de uma mesa. Esse passaporte era apenas uma folha de papel com os dados impressos ecom a assinatura do ministro das Relaes Exteriores.

    O duque j o usara diversas vezes. Ainda havia o nome da me de Loretta no passaporte. Foi fcil para Loretta

    escrever seu nome ao lado do da me, e ficou to perfeito, que ningum suspeitaria que no tivesse sido escrito

    por uma autoridade.

    Subitamente, Loretta lembrou-se de que no havia perguntado

    31

    a Marie se ela ainda tinha passaporte. Mas acreditava que uma mulher to cuidadosa no jogaria fora um

    documento to importante, mesmo vivendo na Inglaterra h tanto tempo.

    Ao chegar casa de Marie, encontrou-a esperando porta, com muito pouca bagagem. Preocupada, perguntou-

    lhe:

    - Est levando o passaporte, Marie?

    - Oui, oui! Eu no iria perder uma coisa to preciosa! Marie entrou na carruagem, depois de ter trancado a porta

    e guardado a chave na bolsa.

    Olhando para a ex-costureira, Loretta achou que ela parecia mesmo uma aia, vestindo uma capa preta que a

    agasalhava bem. Seu chapeuzinho, tambm preto, tinha fitas que o prendiam sob o queixo. O nico toque

    colorido era uma echarpe azul ao redor do pescoo.

    Seus cabelos grisalhos estavam impecveis, e os olhos brilhavam, demonstrando o quanto ela estava excitada.

    Loretta mais uma vez pensou que tivera muita sorte em poder contar com a companhia de Marie nessa aventura

    perigosa.

    Elas pegaram um trem que as levou at um entroncamento. Felizmente, tiveram que esperar apenas vinte e

    cinco minutos para tomarem outro, que vinha de Londres, com destino a Dover. O trem chegou costa a tempo

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    de elas tomarem o vapor que atravessava o canal da Mancha.

    Loretta no esquecera que precisariam de muito dinheiro, e, como no podia pedi-lo ao pai, lembrara-se de que

    ele guardava o dinheiro das despesas imediatas do castelo numa gaveta de

    sua escrivaninha.

    Era o secretrio do duque quem pagava- os criados, mas o duque no confiava em ningum, e ia dando ao

    secretrio o

    que fosse necessrio.

    Havia uma soma considervel na gaveta, e Loretta pegou um pouco mais do que achava que seria necessrio.

    Mas no quis ser ambiciosa demais e deixar pouco dinheiro na gaveta, o que causaria problemas para o

    secretrio. Este j era um homem de idade e parecia estar sempre preocupado, como se carregasse todos os

    problemas do mundo nas costas.

    Para no compromet-lo, Loretta pedira ao mordomo, antes de partir:

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    Por favor, avise ao sr. Miller que Sua Graa deu-me

    algum dinheiro da sua gaveta especial, para eu levar comigo nesta visita que vou fazer.

    Est bem, milady - respondera o mordomo.

    Loretta conseguira sair de casa sem confuso nenhuma. Agora podia ver o marquis e formar uma opinio sobre

    ele; depois voltaria para casa sem ningum suspeitar que ela estivera na Frana.

    Tendo dinheiro suficiente, ela pde pagar por uma cabina no vapor, e, para deixar Marie ainda mais feliz, pediu

    ao camareiro que lhes trouxesse caf e bolachas imediatamente.

    Mas Loretta no comeu nem bebeu nada, receando enjoar.

    - Acho melhor comer quando estivermos no trem. O mar est um pouco revolto - disse ela.

    - No tenho medo do mal de mer. Quando vim da Frana para c, h muitos anos, o navio no era to grande, e

    todos os passageiros passaram muito mal, menos eu. Sou muito boa marinheira.

    - Espero que eu seja to boa marinheira como voc respondeu Loretta.

    Ela pensava que, se viesse mesmo a se casar com o marquis, teria que se acostumar quela travessia, se quisesse

    visitar a Inglaterra frequentemente.

    Loretta achou estranho que o marquis sempre ficasse na Frana, j que o duc no perdia uma corridaimportante na Inglaterra.

    Da mesma forma, seu pai assistia constantemente s corridas de Chantilly e Longchamps.

    O vapor chegou a Calais em duas horas, porque o vento estava favorvel. Otrem para Paris j estava na

    plataforma.

    Loretta pediu a Marie que conseguisse para elas a melhor acomodao possvel, e ela conseguiu um vago

    particular. Esse trem de Calais a Paris era mais moderno, e permitia a passagem de um vago para outro,

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    - Oui, oui, madame, c'est vrai! - disse o cocheiro.

    - Espere um minuto, milady - disse Marie. - vou verificar.

    Ela desceu do fiacre, foi at a porta de entrada e conversou com um criado que usava uma libr luxuosa, com

    gales dourados.

    O criado e Marie gesticulavam, e Loretta lembrou-se de que os franceses pareciam incapazes de falar sem

    movimentar as mos.

    Logo Marie voltou, toda sorridente.

    - Est certo, milady. Esta a casa do senhor marqus, e esto dando uma festa.

    Loretta sentiu uma sbita timidez.

    - Talvez. - ela comeou a dizer.

    Nesse instante o criado que havia seguido Marie abriu a porta e ela viu-se obrigada a descer.

    - Talvez seja melhor pedirmos para o cocheiro esperar, Marie, caso no sejamos bem-vindas.

    Tarde demais. Marie j havia dado ordens para que descessem a bagagem e pagava o cocheiro com alguns

    francos que elas haviam trocado no vapor, apesar de Loretta achar que o cmbio no fosse nada favorvel.

    Tudo o que tinham a fazer agora era seguir o criado. Elas entraram no hall muito grande, decorado com enormes

    vasos cheios de flores exticas. Vrios convidados desciam as escadas, rindo e conversando, vindo com certeza

    do salo que ficava no primeiro andar.

    Quando Loretta chegou ao topo da escada, um criado perguntou:

    - A quem devo anunciar, mademoiselle?

    Enquanto ele falava, Loretta viu, por sobre o ombro dele, Ingrid parada perto da porta, lindssima, cheia debrilho, com jias nos cabelos, ao redor do pescoo e nas orelhas.

    Loretta ficou parada olhando para a prima, enquanto o criado esperava que ela lhe dissesse seu nome. Ingrid

    virou-se e, vendo-a, no escondeu seu espanto. Ento, Loretta correu ao encontro.

    - Ingrid! Lembra-se de mim? - ela perguntou, quase sem ar.

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    - Loretta! O que est fazendo aqui?

    - Vim para v-la. Precisava v-la! Ingrid parecia cada vez mais confusa, e Loretta disse:

    - Papai no sabe que sa da Inglaterra, mas eu tive que vir v-la, porque s voc poder ajudar-me.

    Muito perturbada, sem poder pensar claramente, Ingrid apenas beijou a prima e disse:

    - Claro, querida, farei tudo o que puder por voc. Onde

    est hospedada?

    - Ficarei aqui, se puder receber-me.

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    Novamente Ingrid olhou para Loretta, como se no tivesse entendido bem o que ela dizia. Ento disse

    rapidamente:

    - Precisamos conversar sobre isso. Mas espere um pouco. Meus convidados esto indo embora, deixe-me

    despedir deles

    primeiro.

    - Claro - disse Loretta. - Peo-lhe desculpas por surgir

    assim to de repente.

    Ingrid virou-se e despediu-se de um homem que estava de

    p, esperando por ela.

    - Au revoir, monsieur!

    - Au revoir, milady - respondeu o cavalheiro. - desnecessrio dizer que jamais passei uma noite to agradvel.

    A conversa foi muito interessante. Espero que me convide novamente, dentro em breve.

    - Claro! Como poderemos ter uma festa sem o senhor?

    O francs beijou a mo dela e saiu. Ingrid despediu-se de outro cavalheiro e quase a mesma conversa se repetiu.

    S quando o ltimo convidado se retirou e o marqus o acompanhou at o alto das escadas, foi que Loretta

    notou que no havia mulheres naquela festa.

    Os convidados eram homens exclusivamente, alguns deles j idosos, mas todos muito distintos.

    Ingrid voltou-se novamente para a prima, dizendo:

    - Agora, Loretta querida, conte-me tudo o que est acontecendo. No posso imaginar o que esteja fazendo aqui

    em Paris, como voc disse, sozinha!

    - Marie veio comigo. Lembra-se de Marie, que costurava

    para ns, no castelo?

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    - Sim, claro, lembro-me dela. Ningum mais sabe que veio me procurar?

    - Ningum - disse Loretta com um sorriso. - Papai foi para as corridas de Newmarket. Vai ficar fora uma semana,

    e no tem a menor ideia de que eu esteja na Frana.

    O marqus vinha ao encontro delas, e Ingrid disse:

    - Hugh, querido, o que devo fazer? Esta minha prima, Loretta Court, que acaba de chegar a Paris para me ver.

    Ela diz que precisa de minha ajuda.

    - Ento, claro que deve ajud-la - respondeu o marqus. Ele era um homem muito bonito, e Loretta pde

    entender

    por que a prima se apaixonara por ele. Ele lhe apertou a mo, dizendo:

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    - Muito prazer em conhec-la, Loretta. Bem-vinda nossa casa, embora no esperssemos sua visita!

    Loretta olhou para ele com um ar suplicante.

    - Por favor, deixe-me ficar com vocs por alguns dias. Estou com um problema, um terrvel problema, e a nica

    pessoa que pode me ajudar, e que sei, me compreender, Ingrid!

    - Mas claro que pode ficar aqui! - disse o marqus. Ele olhou para Ingrid, e esta disse baixinho:

    - Ser conveniente deixarmos que ela fique? Afinal.

    - Ningum vai ficar sabendo que estou aqui - disse Loretta depressa. - E ser melhor que eu use outro nome, por

    razes que depois lhe explicarei. Avisei Marie para no dizer quem sou at que eu conversasse com voc.

    - Sendo assim, tudo fica mais fcil - disse Ingrid ainda em voz baixa. - Ao mesmo tempo, tenho certeza.

    - Pare de se preocupar - disse o marqus. - Sei exatamente o que est pensando, querida, mas o que importa

    que j muito tarde, e sua prima esteve viajando o dia todo. Acho melhor oferecermos a ela algo para comer e

    beber. Depois cuidaremos dos problemas.

    - Isso mesmo, querido Hugh. Voc sempre muito sensato.

    Ela falou com uma voz to terna e havia tal brilho no olhar, que Loretta percebeu que ela continuava apaixonada

    pelo homem com o qual havia fugido.

    Ingrid deu o brao prima e disse:

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    - Vamos sentar-nos em uma sala mais aconchegante. Hugh vai servir-nos uma taa de champanhe.

    - Primeiro vou mandar os criados trazerem a bagagem de Loretta para o quarto dela - disse o marqus. - Depois

    vou dar ordens para que acomodem a aia.

    - Tenho certeza de que Marie se sente em casa - disse Loretta a Ingrid. - Ela ficou to excitada com esta

    oportunidade de vir Frana! de confiana, e nunca vai contar a meu pai que estive aqui.

    - Ainda no posso acreditar que esteja em Paris. Mas voc sabe, querida, que, por muito que eu a ame, no fica

    bem para voc procurar a minha companhia.

    - Tudo isso tolice! Se vocs vivem felizes, acredito que fizeram o que devia ser feito. Justamente por ter

    passado por tudo o que passou, precisando at fugir, que recorro a voc

    para me aconselhar.

    - No est dizendo... Mas voc muito jovem para...

    - gaguejou Ingrid, atrapalhada, e Loretta disse depressa:

    - No, no estou fugindo com ningum! Estou fugindo do homem que papai escolheu para ser meu marido!

    Ingrid havia aberto a porta de uma sala muito bonita e confortvel.

    Assim que Loretta entrou na sala, sentiu como era aconchegante, e imaginou que ali a prima e o marqus

    deviam passar a maior parte do tempo quando queriam estar a ss.

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    Ingrid ajudou Loretta a tirar o casaco de viagem e o chapeuzinho que lhe cobria os cabelos loiros.

    - Sente-se, querida. No posso acreditar, em primeiro lugar, que esteja aqui, em segundo, que j esteja em idade

    de se casar.

    - Claro que estou! J fiz dezoito anos. S no fiz minha apresentao no Palcio deBuckingham no ano passado

    porque estava de luto pelo falecimento de mame.

    - Mas no vai ser apresentada este ano?

    - No tenho tomado parte em nenhuma das festas da temporada. Mas papai prometeu que eu seria

    apresentada ainda este ano; tambm quer anunciar meu noivado logo depois das corridas de Ascot, e quer que

    eu me case em seguida.

    - Mas por qu? Para que toda essa pressa?

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    - o que estou disposta a descobrir! Por isso vim procur-la.

    Sinto-me lisonjeada por ter feito isso, mas voc pode ser prejudicada. Ainda no entendi como poderia ajud-la.

    Loretta ficou em silncio por um momento, depois disse:

    - O marido que papai escolheu para mim filho de um nobre que ele sempre encontra nas corridas e que na

    verdade o impressiona muito. o mar quis de Sauerdun!

    O silncio que se seguiu foi muito significativo para Loretta, que ficou observando a reao da prima. Depois

    Ingrid disse, incrdula:

    - Est dizendo que seu pai deseja que voc se case com Fabian, o marquis de Sauerdun?

    - Exatamente. J decidiu que eu vou me casar com ele.

    - Mas, no! Isso impossvel! Terminantemente impossvel! Pode casar-se com qualquer um, menos comFabian!

    A voz dela elevou-se, e Loretta ficou olhando para ela, assustada. Ingrid moderou a voz:

    - Eu no devia falar desse jeito, deixando-a alarmada. Mas voc to jovem, to linda! Sabe que sempre a amei,

    querida, e jamais vou desejar que faa um casamento que a torne infeliz, como aconteceu comigo.

    - Por isso recorro a voc - disse Loretta com simplicidade.

    - Eu sabia que me compreenderia. Papai simplesmente no me ouve quando digo que preciso conhecer meu

    futuro marido antes de ele ir para a Inglaterra. vou acabar ficando noiva de um homem que no conheo.

    - Isso intolervel! Como pode o tio Arthur, que sempre admirei, trat-la dessa forma?

    - Voc sabe como ele quando toma uma deciso. Sempre teve muita admirao pelo duc de Sauerdun, porque

    ele possui excelentes cavalos de raa.

    - Cavalos de raa so uma coisa, casamento outra!

    - Imagine se posso dizer isso a papai! Ele no me d ouvidos!

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    - A mim que ele no ouviria! - disse Ingrid, fazendo uma pequena careta.

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    Percebendo a nota de amargura na voz da prima e lembrando-se de sua situao, Loretta disse:

    - Sempre tive muita vontade de saber se voc era feliz com o marqus e se valia a pena fugir, deixando tudo,

    como

    vocs fizeram.

    - Foi a coisa mais sensata que fiz em toda a minha vida

    - respondeu Ingrid. - Agradeo a Deus todos os dias por me conceder a felicidade que tenho ao lado de Hugh. Ao

    mesmo tempo, minha querida priminha, esta vida no para voc,

    com essa idade.

    Loretta parecia confusa, e Ingrid explicou:

    - Suponhamos que. voc se case com Fabian de Sauerdun e descubra que ele um marido insuportvel,

    totalmente insuportvel. Mais cedo ou mais tarde, tenho certeza de que voc far o que eu fiz. Acabarencontrando um homem que a compreenda, que a ame, que ser bondoso como Hugh para mim, e acabar

    fugindo com ele.

    Loretta suspirou.

    - esse tipo de amor que eu desejo encontrar.

    - Claro que o que deseja. Todas ns desejamos.

    - Est convencida de que no encontrarei esse tipo de amor

    com o Marquis?

    - Eu diria que impossvel para qualquer mulher ser feliz

    com ele por muito tempo.

    - Mas por qu?

    - difcil explicar, mas entender quando o conhecer.

    - exatamente por essa razo que estou aqui! Ingrid olhou surpresa para a prima, e esta explicou:

    - Quero que pense em um modo de eu conhecer o marquis sem ele saber quem eu sou. Quero v-lo como

    homem, simplesmente, no como um marido j arranjado para mim. - Ela respirou fundo. - Quero explicar apapai exatamente por que me recuso a casar com ele, mesmo que papai fique furioso comigo, mesmo que me

    castigue por recusar uma ordem sua.

    - Agora compreendo por que veio me procurar. Mas vai ser difcil, muito difcil Fabian prestar ateno em voc.

    - No estou entendendo.

    Ingrid sorriu e pareceu ainda mais adorvel. 40

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    - Fabian de Sauerdun o homem mais querido pelas mulheres, o mais aclamado, o mais festejado de toda

    Paris! No h mulher que no corra atrs dele! Elas caem em seus braos antes que ele tenha tempo de lhes

    perguntar o nome!

    Loretta olhava para Ingrid, abismada, e a prima prosseguiu:

    - Quando ele as abandona, pois logo se cansa de amores fceis, elas ficam desoladas, de corao partido, e

    tentam at o suicdio!

    - Suicdio!

    - J se comenta em toda Paris que ele um moderno Casanova, um homem que despedaa os coraes, mas

    que no consegue ser fiel a mulher nenhuma por mais de dois meses.

    Ao terminar de falar, Ingrid deu um suspiro e exclamou:

    - Ah, Loretta, pobrezinha! Como poder suportar viver ao lado de um homem assim?

    - No poderei mesmo. Era isso que queria descobrir: que tipo de homem o marquis. Infelizmente, vou ter que

    convencer papai, e duvido que ele me oua.

    Enquanto falava, pensava que a nica soluo que lhe restava era fugir com Christopher.

    Apesar de ter visto Ingrid e o marqus juntos por apenas alguns minutos, logo notou que o que sentia pelo outro

    era algo que jamais sentiria por Christopher Willoughby, nem em um milho de anos.

    - No sei o que fazer para ajud-la! - disse Ingrid em voz baixa.

    - Tenho que ver o marquis! muito importante que eu mesma tenha uma opinio sobre ele- disse Loretta. - O

    que lhe peo, Ingrid, que me vista bem e me d um novo nome. Quero conhecer o marquis fazendo-me passar

    por uma amiga sua, e no sendo a filha do duque de Madrescourt.

    Ingrid olhou bem para ela.

    - Imagino que quem esteja por trs disso tudo seja no s seu pai, mas o pai de Fabian tambm.

    - isso mesmo - concordou. Loretta. - Tenho certeza de que o marquis no tem a menor vontade de se casar

    comigo, como eu no tenho de me casar com ele. Foram nossos pais que arquitetaram esse casamento durante

    as corridas.

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    Loretta franziu a testa e continuou:

    - O que ainda no consegui entender por que o duc parece ter tanta pressa de realizar esse casamento.

    - A isso eu posso responder. O duc est muito preocupado porque Fabian est envolvido com uma mulher muito

    bonita, um tipo extico, e bem possvel que esteja disposto a se

    casar com ela.

    - E por que no se casa?

    - Se ela fosse uma demi-mondaine, no haveria problema, pois num caso desses nem se pensa em casamento.

    Mas a mulher, em questo bem-nascida, e, embora no seja do nvel dos Sauerdun, o que se pode chamar

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    uma lady.

    Ingrid deu um sorriso e prosseguiu:

    - Ela tambm j foi casada por pouco tempo com um homem que podia ser considerado, sem sombra de dvida,

    um

    cavalheiro.

    - O que uma demi-mondaine?

    Por um momento Ingrid olhou para ela, dizendo, depois de

    uma pausa:

    - Digamos que seja o nome que se d a uma mulher de...

    diferente nvel social.

    - O duc est determinado a que o filho faa um excelente

    casamento.

    - Claro. E quem melhor do que voc para ser sua nora?

    Loretta ficou de p.

    - No me casarei com o marquis! Tenho que convencer papai de que isso impossvel! Mas primeiro preciso

    convencer a mim mesma. Por favor, Ingrid, d um jeito de eu conhecer Fabian! S assim poderei ter argumentos

    suficientes para fazer papai ver que h muitos outros homens no mundo alm do filho do duc de Sauerdun.

    Ingrid deu um profundo suspiro.

    - Vai ser muito difcil, Loretta! Mas, para evitar que estrague sua vida, como aconteceu comigo, farei tudo o que

    me pede, querida!

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    CAPITULO iii

    - A primeira coisa que precisa entender - dissera Ingrid

    - que Fabian no vai prestar a menor ateno em voc se continuar com esse jeito de jeune-fille.

    Loretta no escondera o seu espanto, e a prima explicara:

    - Em geral, os homens experimentados ignoram as jovens, principalmente porque tm medo de serempressionados a se casar. Portanto, pode imaginar que as mais lindas mulheres, sejam elas da Frana ou da

    Inglaterra, fazem questo de encorajar essa ideia. Tenho certeza de que Fabian no conversa com jovenzinhas, a

    no ser que sejam suas parentas.

    - Ento, se eu quiser conversar com ele, que devo fazer?

    - perguntara Loretta, meio desalentada.

    Agora ela se achava recostada nos travesseiros, em sua cama confortvel, enfeitada com um lindo cortinado. O

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    quarto era suntuoso, mobiliado no estilo Lus XIV, que ela tanto apreciava.

    Marie havia trazido o caf da manh para Loretta, s oito horas, e falava sem parar, mais parecendo um

    periquito, excitada por estar de volta sua querida Frana. Avisara a Loretta que ficasse na cama at que a

    condessa viesse v-la.

    - Esta casa linda, milady! - disse Marie, que no se cansava de admirar tudo. - Todo mundo vive to feliz aqui!

    sempre assim na Frana!

    Seu modo de falar era quase uma provocao. Loretta teve que se controlar para no rir, pois sabia que Marie

    queria dizer que os ingleses eram muito diferentes dos franceses, mas nem sempre se expressava bem.

    Loretta tomou o caf fragrante e muito mais gostoso do que ? que tomava em sua casa. Comeu tambm alguns

    croissants quentinhos e leves, acabados de sair do forno.

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    Nesse instante Ingrid entrou no quarto. Usava um nglig, e estava to linda que Loretta podia entender por que

    o marqus a olhava com verdadeira adorao nos olhos.

    - Dormiu bem, minha querida? - perguntou Ingrid, sentando-se na beira da cama.

    - Dormi como uma pedra! Alm de cansada, sentia-me to agradecida a voc e to aliviada por ter chegado at

    aqui, que at consegui esquecer um pouco minhas preocupaes.

    - Receio que ainda tenha muitos aborrecimentos, minha querida prima. Passei a noite acordada pensando nesse

    seu problema, e cheguei concluso de que um dos mais difceis que j tive que resolver!

    Ela fez uma pausa e disse, com um sorriso travesso:

    - Exceto, claro, quando tive que decidir se devia ou no

    fugir com Hugh!

    - Foi muito difcil para voc?

    - Foi muito difcil, porque no queria mago-lo, pois o amava demais. Ainda receio que ele venha a lamentar um

    dia por ter renunciado sua casa ancestral, grande fazenda e

    aos amigos.

    - Assim que o vi, notei que ele parece um homem muito

    feliz.

    Ingrid juntou as mos.

    - Tento faz-lo feliz, e rezo para que um dia, se Deus for misericordioso, possamos nos casar e ter os filhos que

    ambos desejamos to desesperadamente.

    Loretta sabia que a prima se referia esposa do marqus. Se ela morresse, tudo correria s milmaravilhas para

    eles. Sem poder evitar, perguntou:

    - Quando vocs se casarem, pretendem voltar Inglaterra?

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    - o que sempre me pergunto - respondeu Ingrid em voz baixa -, mas acho que a resposta inquietante. Mesmo

    casando-me com Hugh depois que a mulher dele morrer, ser difcil voltarmos para a Inglaterra, talvez por

    muitos anos.

    Havia tristeza na voz de Ingrid. Loretta compreendia que seria embaraoso para o conde de Wick se sua ex-

    esposa voltasse para o seu pas. As pessoas talvez continuassem sendoindelicadas com Ingrid.

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    Tambm seria muito difcil a famlia Court perdoar a prima. Todavia, como a nanny de Loretta costumava dizer,

    o tempo cura todas as feridas.

    As geraes mais velhas poderiam desaprovar o comportamento de Ingrid e estarem determinadas a puni-la

    pelos seus pecados. As mais jovens, entretanto, a aceitariam como marquesa de Galston, uma vez que seu

    marido era rico e importante.

    Impulsivamente, Loretta ps a mo sobre a de Ingrid e disse:

    - vou rezar muito, muito, prima querida, para que um dia seja feliz como merece.

    - Sou muito feliz agora! Mas no quero que voc cometa erros. O meu maior erro foi casar-me aos dezesseteanos, com um homem trinta anos mais velho do que eu.

    - Bem, pelo menos disso eu no posso acusar meu pai disse Loretta com um sorriso.

    - verdade, mas sua situao no vai ser muito diferente da minha.

    - Por que diz isso?

    - Porque a maioria dos franceses, e Fabian no ser exceo, deixam suas esposas no campo cuidando dos

    bebs, enquanto eles se divertem em Paris com mulheres glamourosas, que granjearam para a capital da Frana

    a fama de ser um lugar invejvel ou de perdio, dependendo do ponto de vista.

    Loretta riu.

    - Sei muito bem o que nossos parentes pensam de Paris, especialmente porque voc vive aqui.

    - No precisa me contar, pois posso avaliar o que dizem! Mas o que me preocupa, querida, no que Fabian se

    sinta atrado pelos prazeres de Paris, mas que ele venha a despedaar seu corao, como j fez com o de tantas

    mulheres.

    - Entendo o que diz, por isso estou decidida a provar a papai que ele , como voc disse, um moderno Casanova,

    e que no devo casar-me com ele. Um casamento desses me faria infeliz, e eu tentaria encontrar algum to

    encantador como

    O seu marqus.

    Ingrid deu um pequeno grito de horror.

    - Como pode estar imaginando uma coisa dessas se nem

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    chegou a se casar? Eu tive muita sorte de Hugh ser um homem diferente da maioria dos ingleses. Ele me ama de

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    todo o corao e com toda a sua alma, e no se lamenta por ter perdido o que era importante para ele antes de

    me conhecer. Sua voz tornou-se mais suave.

    - Sei muito bem que qualquer outro cavalheiro ingls estaria sentindo saudades de praticar tiro ao alvo no

    outono, caar no inverno e, mais do que tudo, haveria de sentir falta de seus clubes, onde sempre se reuniria

    com os colegas do colgio e da universidade. Se Hugh sentiu saudades, algum dia, de qualquer uma dessas

    coisas, nunca deixou transparecer. Mas voc pode compreender que vivo inquieta, sempre esperando que um

    dia ele, pela primeira vez, se arrependa de ter feito uma coisa socialmente to condenvel como fugir com a

    esposa de outro homem.

    O modo como a prima falava era to comovente que Loretta

    s pde abra-la e beij-la. Depois disse:

    - Admiro-a por estar sendo to franca comigo, e compreendo o que tem passado. Portanto, ajude-me, para que

    eu no me venha a encontrar na mesma situao.

    - J pensei muito no que poder ser feito, e a soluo que Hugh e eu encontramos, e que pode parecer ousada

    demais, que voc se encontre com Fabian de uma maneira que pode ser considerada. repreensvel.

    - Como? O que quer dizer? - perguntou Loretta, nervosa.

    - Na verdade, Fabian vem almoar hoje aqui em casa.

    - Hoje?

    - Sim. Hugh queria cancelar esse almoo, mas achei que melhor no escondermos voc. Entretanto, em Paris

    as notcias voam, e a menos que sejamos muito cautelosos, logo todos estaro sabendo que uma linda jovem

    est hospedada em nossa

    casa.

    - Ento, o que posso fazer? - perguntou Loretta, ansiosa.

    A ideia de que Ingrid poderia mand-la para um hotel lhe passou pela cabea, deixando-a assustada.

    - O que temos a fazer - disse Ingrid vagarosamente

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    transformar esta jovenzinha em uma mulher mais madura, da minha idade, e casada.

    Loretta olhava para a prima, de olhos arregalados.

    Voc parece uma criana, mas se a vestirmos com roupas mais sofisticadas e se usar uma maquilagem mais

    carregada, como se usa em Paris, duvido que Fabian no acredite que voc seja quem lhe diremos que .

    Ingrid deu uma risada.

    - Uma coisa absolutamente certa: ele no vai esperar que uma jovem e pura debutante se hospede na casa da

    to falada condessa de Wick!

    - Se deve me fazer passar por uma mulher casada, que direi sobre meu marido?

    - O menos possvel. Obviamente, sendo ingls, seu marido no atencioso, nem delicado, e prefere os esportes

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    companhia da esposa. Se no fosse assim, ele no a deixaria vir a Paris. Podemos at insinuar que seu marido

    tem outros "interesses" alm da esposa.

    - Outros. interesses?

    Ingrid percebeu como a prima era inocente, e explicou depressa:

    - Interesses como esportes, cavalos, e, claro, ele poderia estar. enamorado de uma linda atriz.

    - J entendi! uma tima ideia, e justifica minha presena em Paris sem ele.

    - Exatamente! Agora, querida, levante-se, e vamos comear a sua transformao para o papel que vai

    representar.

    Acabando de dizer isso, ela levantou-se, e Loretta, saltando da cama, atravessou o quarto e foi at a janela.

    - Estou to contente por estar em Paris! com marquis ou sem marquis, preciso ver um pouco da mais excitante

    capital de todo o mundo.

    - Paris encantadora nesta poca do ano em que as castanheiras esto em flor. Claro que vai conhecer a cidade,

    querida. Quero que esta sua primeira visita capital da Frana seja inesquecvel, apesar de seus aborrecimentos

    por causa desse horrvel marquis.

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    Achando que j haviam conversado demais, Ingrid comeou a instruir Loretta sobre o que fazer, como se ela

    estivesse no palco. Afinal, para serem bem convincentes, ambas teriam que ser boas atrizes.

    Enquanto Loretta tomava banho, Ingrid foi ao seu quarto

    para vestir-se tambm.

    Ao voltar, uma criada a acompanhava, trazendo uma pilha

    de vestidos nos braos.

    - Para comear, vou emprestar-lhe minhas roupas, pois no temos tempo de fazer compras. Mas, se for ver

    Fabian novamente, deve comprar vestidos novos. Em Paris, onde a moda atualssima, encontrar modelos

    maravilhosos, que poder usar quando voltar para casa, se no este ano, certamente no

    ano que vem.

    Passou pela cabea de Loretta que o que iria comprar j poderia ser parte de seu enxoval. Mas afastou esse

    pensamento e concentrou-se no que a prima lhe dizia.

    Primeiro Ingrid insistiu em que ela usasse um espartilho preto de um modelo que ela nunca tinha visto antes.

    - Seu corpo perfeito, mas ficar ainda mais na moda se afinarmos sua cintura ao mximo. Isso quer dizer, goste

    ou no, apertar bem os cordes!

    Na verdade, Loretta no achou o espartilho incmodo; apenas limitava um pouco seus movimentos e a deixava

    muito

    ereta.

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    Ingrid fez com que a prima experimentasse um vestido aps outro, at encontrar um apropriado. Era azul, da

    mesma cor dos olhos de Loretta, de um modelo sensacional, mas no vistoso demais, o que s os grandes

    estilistas e costureiros franceses conseguiam.

    Tinha detalhes de um azul mais escuro, o que lhe dava um ar chique e o tornava diferente de tudo o que Loretta

    j vestira em toda a sua vida.

    Escolhido o vestido, a criada comeou a arranjar-lhe o penteado, num estilo tipicamente francs. Todo o cabelo

    foi levantado para o alto da cabea, e ficou to bonito, que Marie exclamou:

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    - C'est merveilleux, milady! Muito diferente das jeunesfilles anglaises.

    Marie referia-se s ilustraes que vira no Ladies Journal que ela havia comprado.

    com aquele vestido e aquele penteado, Loretta parecia to tipicamente francesa, que at comeou a sentir-se

    diferente.

    Mas Ingrid no havia terminado. Ela mesma aplicou um pouco de p na pele perfeita de Loretta, passou um

    pouco de pintura nos clios e um toque escuro nas plpebras, que tornaram seus olhos ainda maiores. Sobre asmas do rosto, um pouquinho de rouge, e um brilho nos lbios. Se o pai de Loretta a visse, mandaria que

    subisse imediatamente e fosse lavar o rosto.

    Entretanto, no se podia negar que Ingrid havia sido bem habilidosa. Quem no conhecesse Loretta, se a visse

    sem pintura, no diria que era a mesma pessoa.

    Finalmente, ela ergueu-se da penteadeira e, olhando-se em um espelho de corpo inteiro, pensou que o prprio

    Christopher teria dificuldade em reconhec-la.

    Ao mesmo tempo, queria voltar a ser ela mesma o mais depressa possvel.

    - Agora, Loretta, quero conversar a ss com voc.

    Elas deixaram Marie e a criada exclamando como Loretta havia ficado linda e foram para a sala ntima de Ingrid,

    que ficava ao lado.

    A sala era muito agradvel, ensolarada e primorosamente mobiliada; tudo ali parecia um ambiente perfeito para

    uma pessoa apaixonada.

    Loretta sentou-se em uma poltrona de estofamento bordado em meio-ponto. Ela percebeu que a prima fizera

    questo de criar ao redor do marqus uma atmosfera romntica da qual ele no pudesse escapar.

    "Eles so to felizes!", pensou, quase com inveja. "Como eu poderia me casar sem amor, sabendo que minha

    vida futura seria desolada, solitria e desastrosa? "

    Deixando esses pensamentos, concentrou-se no que Ingrid lhe dizia.

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    - Agora, querida, vamos recordar todos os passos. Voc uma lady inglesa, casada com um lorde muito

    aborrecido e egosta. Sentindo-se infeliz, mas orgulhosa demais para admiti-lo, veio a Paris e me procurou,

    sabendo que eu seria a nica de suas amigas que compreenderia seu sofrimento.

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    Ingrid fez uma pausa; seus olhos brilhavam.

    - Que tal? Tem lgica, no tem?

    - S uma pessoa feita de pedra no se apiedaria de minha situao! - disse Loretta, rindo.

    - timo! Vamos agora ao mais importante. Loretta prestava a mxima ateno.

    - Tendo sofrido muito, tem averso por homens em geral. Suspeita de tudo o que lhe dizem, e no tem a menor

    inteno de se envolver, de modo algum, com qualquer homem que tente flertar com voc.

    Loretta pareceu confusa, e Ingrid explicou:

    - Compreenda, querida, que, mesmo parecendo leviana e frvola, voc tem que deixar bem claro que no quer

    envolver-se emocionalmente, como o faz a maioria das mulheres que vm a Paris especialmente para esse tipo

    de diverso.

    - No! Claro que no!

    - por isso que deve parecer uma mulher orgulhosa, fria, desiludida da vida, com a firme inteno de no se

    ligar a homem nenhum que, como o seu marido, logo se cansaria de

    voc.

    - Compreendo, compreendo - disse Loretta, rindo. Voc acha que o marquis pode tentar flertar comigo, e eu

    devo deixar bem claro que ele no me interessa.

    - Esse ponto o mais importante - insistiu Ingrid. Quero que o conhea, que converse com ele, mas de forma

    alguma se deixe envolver. Tenho certeza de que, mesmo achando-a linda, ele no ficar interessado em voc se

    no lhe der

    ateno.

    Loretta bateu palmas.

    - Ingrid, voc um gnio! Entendi tudo, e vou deixar bem claro ao "Monsieur Casanova" que ele no me atrai

    como homem, e que sou apenas delicada com ele por ser sua hspede.

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    - exatamente o que deve fazer. Prometa-me, Loretta, prometa por tudo o que sagrado que no vai se deixar

    seduzir por Fabian! Estou lhe avisando que ele como o flautista de Merlin. toca uma msica e as mulheres o

    seguem!

    - No se preocupe. Ficarei pensando o tempo todo que, se me casar com ele, como papai quer, vou ficar a vida

    inteira sozinha, sentada em algum chateou sombrio, na Frana, sem conhecer ningum, enquanto meu maridofica em Paris perseguindo lindas mulheres.

    - isso mesmo o que ele far. Portanto, no d ouvidos s coisas maravilhosas que ele lhe dir. No se deixe

    iludir pelos elogios, pois nisso ele muito eloquente. Lembre-se nessa hora de que ele j repetiu a mesma frase

    centenas de vezes para mulheres loucamente enamoradas, que agora choram, desesperadas, porque ele no se

    interessa mais por elas.

    - Fabian abominvel! - disse Loretta, indignada. No se preocupe comigo, Ingrid. Uma pessoa prevenida vale

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    por duas, diz o ditado. Acho que foi meu anjo da guarda que me inspirou a procur-la, depois que papai decidiu

    que eu no tinha outra escolha seno me casar com o marquis.

    - Influenciado pelo duc, claro! S no se esquea de que o marquis est, no momento, enamorado da Mme. Julie

    St. Gervaise.

    - possvel que ele queira se casar com ela?

    - Talvez fosse possvel, se Fabian no tivesse decidido nunca mais se casar novamente. Sei que ele lutardesesperadamente para no perder a liberdade.

    - Espero que esteja certa, pois ser mais fcil para mim.

    - Sim, claro. Mas no se fie muito nisso. Voc tem que representar seu papel com muito empenho. E lembre-se

    de que, Por estar nesta casa, ele no deve pensar que voc no seja.

    Ela fez uma pausa e, pensando melhor, mudou o que ia dizer:

    - to respeitvel como nossos... parentes.

    Loretta no sabia muito bem o que ela queria dizer com aquilo, mas respondeu:

    - vou fazer exatamente como tia Edith, quando no aprovava o que voc havia dito.

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    Ingrid deu uma risada gostosa.

    - Lembro-me de que ela sempre dizia a seu pai que eu i exercia pssima influncia sobre voc, e, claro, dizia a

    todos que eu teria um fim triste! Acho que ela ainda continua fazendo o mesmo JUZo de mim l no cu, ou

    onde possa estar, Loretta comeou a rir, achando muita graa no modo como

    a prima falava.

    Elas continuaram a recordar histrias de infncia, quando o marqus mandou avisar que Ingrid devia descer,

    porque seus convidados logo chegariam.

    - uma festa... muito grande? - perguntou Loretta, um

    pouco nervosa.

    - No, apenas meia dzia de cavalheiros.

    - S homens? Ontem no vi senhoras na festa. Ingrid olhou para ela de um modo estranho.

    - Voc no entendeu por qu? Loretta sacudiu a cabea.

    - Ento deixe-me explicar. Para as mulheres que ns costumamos chamar de "senhoras", eu sou considerada

    "alm do limite social", uma mulher escandalosa que, quando encontram, as faz voltar a cabea e afastar-se,

    como se pudesse contamin-las.

    Respirou fundo e continuou:

    - Mas quero ver Hugh feliz, por isso sempre encorajei os homens mais inteligentes de Paris a frequentarem

    nossa casa, a virem a festas e almoos ntimos como este que vamos dar hoje. Hugh um homem muito

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    inteligente, e sempre gostou de reunies onde possa conversar com os amigos, em um alto

    nvel intelectual. Ns formamos um crculo de amigos, todos muito cultos, e nos reunimos, com boa comida e

    bebida, passando assim momentos agradveis.

    - Parece fascinante.

    - Entre esses amigos temos tambm alguns artistas e msicos. Ocasionalmente, s ocasionalmente, temos

    mulheres entre os convidados. Elas so geralmente pessoas talentosas e de muita personalidade, que tambmno so aceitas pelas anfitris mais austeras. Por isso nossos convidados so quase sepre

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    homens. Adoro receb-los. So cavalheiros muito interessantes, que ocupam altos cargos no governo ou que

    atuam em outros diferentes setores. Todos tm, na verdade, uma inteligncia brilhante.

    - Acho tudo isso maravilhoso! Agora compreendo por que o marqus est sempre feliz ao seu lado, mesmo que

    tenha que esperar muito tempo para vocs se casarem.

    - Rezo todas as noites para podermos realizar nosso casamento um dia. Amo Hugh, e morreria por ele. Por isso

    fao tudo para ele viver feliz e nunca se arrepender de ter escolhido viver ao meu lado.

    - Nunca se arrepender - disse Loretta, beijando a prima. Depois de olhar-se rapidamente no espelho, Ingrid

    apressou-se em descer as escadas.

    - Espere aqui exatamente dez minutos - ela disse. Depois desa e v ao salo prateado, que onde nos

    reuniremos antes do almoo. Os criados do hall lhe diro onde fica.

    Loretta sorriu.