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A FLORESTA CAPITALIZADA: Gênese de um processo de degradação.
Margareth Padinha das Chagas1
Resumo: Este artigo objetiva fazer uma breve análise do processo de acumulação primitiva e acumulação capitalista, ressaltando sua importância e rebatimentos na Amazônia brasileira, e intrínseca relação com a degradação dos recursos naturais e humanos. O estudo é resultado de pesquisa bibliográfica das obras de Karl Marx, Leo Huberman, Eduardo Galeano, Gilberto Marques, Aluizio Leal e Nádia Fialho Nascimento. Considera-se a grande relevância da compreensão da formação socioeconômica das Américas, do Brasil e da Amazônia, para o desvelamento das contradições próprias do modo de produção capitalista, na particularidade amazônica. Palavras-chave: Acumulação Primitiva; Acumulação Capitalista; Subalternização; Amazônia.
Abstract: This article aims to make a brief analysis of primitive accumulation and capitalist accumulation process, highlighting its importance and repercussions in the Brazilian Amazon, and inseparably linked to the degradation of natural and human resources. The study is the result of bibliographic research of some works of Karl Marx, Leo Huberman, Eduardo Galeano, Gilberto Marques, Aluizio Leal and Nadia Nascimento Fialho. It is considered the great importance of understanding the socioeconomic development of the Americas, Brazil and the Amazon, to the unveiling of the contradictions of the capitalist mode of production in the Amazon particularity. Keywords: Primitive accumulation; Capitalist accumulation; Subaltern; Amazon.
1 Assistente Social, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade
Federal do Pará. E-mail: [email protected]
1-INTRODUÇÃO
Partindo de características universais, de acordo com o método
histórico-dialético, que possibilita traçar um panorama histórico do processo
de formação socioeconômica do Brasil e da Amazônia articulado ao contexto
internacional, torna-se imprescindível iniciar este artigo fazendo um breve
comentário acerca do modo-de-produção capitalista que lança suas bases,
com o desenvolvimento mercantil por meio da subalternização das colônias
por nações imperialistas.
Em sua gênese o capitalismo já apresenta características cruéis,
devido à exploração da natureza e como parte desta do gênero humano, a
ocupação de terras até então desconhecidas pelos países europeus se deu
de forma sangrenta, devido o extermínio dos povos indígenas, seguido do
tratamento desumano dispensado aos negros africanos trazidos para as
colônias a fim de serem usados como mão-de-obra escrava, e também pela
precariedade das condições de vida dos operários europeus em sua fase
industrial. Com este cenário é possível afirmar, que o que menos interessa
para o capital é a preservação da vida.
Falar sobre a Amazônia é sempre um desafio, haja vista, sua
importância no que tange as questões ambientais que, por sua vez tem
expressões mundiais, o que a torna alvo de grande interesse de muitas
nações, seja por sua diversidade de flora e fauna ou por sua riqueza de
recursos hídricos e minerais. Leal (1991) destaca como a ação dos
colonizadores foi de fato uma ação de extermínio dos povos indígenas, da
sua cultura e “devassamento da natureza” (p.04), em um curto período.
Ressaltando que a degradação da floresta tem uma gênese histórica.
Este estudo traz três seções: a introdução; o desenvolvimento dividido
em dois itens numerados, sendo que: o ítem 2 apresenta uma breve
abordagem do processo histórico da acumulação primitiva enfatizando a
exploração da América Latina, demonstrando como a dinâmica deste
processo de desenvolvimento do capitalismo, requisitou condições para sua
consolidação; no ítem 3, faz-se uma análise da inserção da Amazônia na
dinâmica da acumulação capitalista, ressaltando as consequências históricas
engendradas.
Na terceira e última seção que constitui a conclusão do estudo,
embora ainda não apresente uma discussão esgotada, considera-se a
grande relevância da discussão do processo histórico de ocupação da
América Latina, do Brasil e da Amazônia de maneira articulada, ressaltando
que a Amazônia permanece em condição de exploração de seus recursos,
perpassada pelas diversas fases nas quais o capitalismo se apresenta.
2- A ACUMULAÇÃO PRIMITIVA E A SUBALTERNIZAÇÃO DO “NOVO
MUNDO”.
Na obra As Veias Abertas da América Latina (1987), Eduardo Galeano
ilustra a crença nos limites imaginários, traçados pelos homens do século XV,
para os quais o mundo restringia-se ao mar mediterrâneo; segundo o autor
citado, Cristovão Colombo aceita o “desafio das lendas” e lança-se “à
travessia dos grandes espaços vazios” (p.23); ressaltando que o motivo que
o impulsionou foram as riquezas que as novas terras ofereceriam (p.24).
As nações imperialistas com seus reis e sacerdotes empreenderam
muitas expedições em busca de riquezas nas terras além – mar, afim, de
sustentar o poderio ostentado através das riquezas materiais, lançando
bases de uma acumulação dita primitiva, ou originária de acordo com os
escritos de Marx em O Capital (1982). Segundo Galeano (1987):
Uma única bolsa de pimenta valia, na Idade Média, mais que a vida de um homem, mas o ouro e a prata eram as chaves que o Renascimento empregava para abrir as portas do paraíso no céu e as portas do mercantilismo capitalista na terra. A epopeia dos espanhóis e portugueses na América combinou a propagação da fé
cristã com a usurpação e o saqueio das riquezas nativas. O poder europeu estendia-se para abarcar o mundo (GALEANO 1985, p.26).
Ao que diz respeito ao ambiente sociocultural, o Renascimento
propiciara o conhecimento e o avanço de técnicas, que permitiram ao
mercantilismo capitalista, o saqueio das riquezas nativas, em particular das
Américas. Leo Huberman em a História da Riqueza do Homem (1979) faz
uma abordagem de como se deu a acumulação da riqueza, à custa da
exploração e massacre de muitos povos, e infere que isto é o que dá
condições estruturais para o posterior desenvolvimento industrial europeu;
destacando como esse processo degradante acirra a pobreza, e evidencia a
desigualdade entre as classes.
Marx (1982) ao tratar da acumulação primitiva demonstra a vinculação
desta com a desapropriação do homem dos seus meios de produção: da
terra e dos instrumentos de trabalho, o que é possível visualizar tanto nas
obras de Huberman (1979) quanto de Galeano (1987), haja vista que os
países imperialistas quando adentram as terras de povos não conhecidos,
até então, além de extrair a riqueza natural, explorar a mão-de-obra local,
usurpam o que era produzido levando a dependência das colônias em
relação à metrópole.
Galeano (1987, p.40) destaca o “saqueio interno e externo” como
“meio mais importante para a acumulação primitiva de capitais”, o autor
evidencia:
As colônias americanas foram descobertas, conquistadas e colonizadas dentro do processo de expansão do capital comercial. A Europa estendia seus braços para alcançar o mundo inteiro. Nem a Espanha nem Portugal receberam benefícios do envolvente avanço do mercantilismo capitalista, embora fossem suas colônias as que, em grande parte, proporcionaram ouro e prata, que nutriam esta expansão (GALEANO 1985, p.40).
A Europa ia articulando-se internacionalmente por meio de relações
comerciais que reuniam em um só período características mercantis, feudais
e escravistas, todas voltadas para estruturação e um novo modo de produção
que se mostrará como um desses grandes monstros temíveis pelos
navegadores, escondidos no fundo dos oceanos ou no final de um abismo
esperando suas presas; assim o modo de produção capitalista ia se
desenvolvendo, de forma velada embora apresentando formas de
acumulação de riqueza, cruéis, por expropriar o homem da terra, dos meios
que propiciavam a reprodução de sua existência. E nessa dinâmica não só as
colônias eram inseridas de uma maneira subalterna, também suas
metrópoles se tornavam dependentes das nações mais desenvolvidas, como
é o caso da Espanha e de Portugal em relação à Inglaterra.
Os séculos XV e XVI são marcados pela lógica mercantilista, com toda
sua voracidade na busca por novos produtos adquiridos a baixos custos para
serem comercializados por um alto valor, Huberman destaca:
Antes da Idade Capitalista, o capital era acumulado principalmente através do comércio – termo elástico, significando não apenas a troca de mercadorias, mas incluindo também a conquista, a pirataria, saque, exploração. Não foi em vão que as cidades-Estados italianas se prontificaram a ajudar a Europa ocidental nas Cruzadas. O término dessas guerras “religiosas” encontrou Veneza, Gênova e Pisa controlando um rico império. E os conquistadores italianos aproveitaram ao máximo sua oportunidade. Uma corrente de riqueza do Oriente para as mãos de seus comerciantes e banqueiros [...] (HUBERMAN, 1979, p.169 – Grifo do autor).
Galeano (1987) narra a ostentação com uso da prata de Potosí, no
século XVII, quando a “espada e a cruz marchavam juntas na conquista e na
espoliação colonial” (p.32). O ouro e a prata antes utilizados pelos incas para
adorar os deuses, transformara Potosí em “Vila Imperial” (p.33), na qual foi se
constituindo uma elite local que ostentava a riqueza e a estrutura de uma
cidade com requintes europeus. E já no início do século XVII, a cidade
“passou a ser ‘o nervo principal do reino’, como definiu o vice-rei Furtado de
Mendonça”. Galeano descreve:
[...] Os salões, os teatros e os tablados para as festas ostentavam riquíssimos tapetes, cortinas, brasões e obras de ourivesaria; dos balcões pendiam damascos coloridos e trançados de ouro e prata. As sedas e os tecidos vinham de Granada, Flandres e Calábria; os chapéus de Paris e Londres; os diamantes do Ceilão, as pedras preciosas da índia, as pérolas do Panamá, as meias de Nápoles; os cristais de Veneza; os tapetes da Pérsia; os perfumes da Arábia, e a porcelana da China. As damas rebrilhavam com jóias [...] (GALEANO, 1987, p. 33-34).
Desta forma o mercado internacional ia se configurando, conferindo
aos países em formação e os já consolidados politica e economicamente, o
lugar que ocupariam no sistema capitalista, em suas fases futuras. Aqueles
que já possuíam conhecimento e técnicas mais desenvolvidas cientificamente
se destacaram na industrialização dos produtos a serem consumidos.
Estavam com a faca e o queijo na mão: a matéria-prima; a força de trabalho e
o mercado consumidor; além do capital acumulado para investir nos
instrumentos de trabalho tendo em vista o lucro.
O contraste que a acumulação e concentração da riqueza nas mãos
de poucos ia produzindo tornava-se cada vez mais evidente, na miséria
escancarada e na ostentação da elite local e da metrópole. Percebe-se de
uma forma muito nítida que embora houvesse riqueza ao mesmo tempo em
que esta era extraída, gerava mais pobreza em seu entorno.
O resultado final do processo de Acumulação Primitiva desencadeado pelos colonizadores sobre as colônias da Ásia, da África e da América foi o mesmo produzido originalmente sobre a Europa. Os objetivos eram os mesmos – a destruição da propriedade comunal e a separação final do homem dos seus meios de produção. Estava aberto assim o caminho para o apossamento
direto dos recursos naturais e para a “liberação” do homem, condições elementares para o processo de constituição do próprio capitalismo (FIALHO NASCIMENTO, 2006, p.34- Grifo da autora).
É possível inferir que o processo de acumulação primitiva está
intrinsicamente relacionado ao colonialismo e, que a riqueza de fato surge
onde há matéria prima e força de trabalho disponível, contudo esta riqueza
muito raramente vem beneficiar a população nativa ou a massa de
trabalhadores que a produz. No interior de um sistema de expansão
imperialista, o capitalismo em sua fase mercantilista promoveu a dominação:
territorial; cultural; política, econômica de nações sobre outras.
De fato, os séculos que precederam a consolidação do capitalismo, especialmente os séculos XVI e XVII, foram marcados, assim, pelo surgimento de um número exponencial de homens empobrecidos. Huberman (1979) destaca que a miséria generalizada do período teve, basicamente, duas causas: as guerras – especialmente a Guerra dos Trinta Anos na Alemanha (1618 – 1648) e a descoberta do “Novo Mundo”. Para esse autor o acúmulo de ouro e prata proveniente das Américas, provocou um aumento generalizado dos preços, especialmente dos alimentos [...] (FIALHO NASCIMENTO, 2006, p. 45 – Grifo da autora).
Fialho Nascimento (2006) ao citar Huberman (1979) evidencia duas
causas para o empobrecimento: a guerra e a “descoberta do ‘Novo Mundo’”
(p.45), haja vista que as nações acumulavam riqueza, acirrando as
desigualdades, levando a uma precariedade nas condições de existência da
maioria da população das colônias e também das cidades europeias.
Huberman (1979) é enfático ao afirmar que “um homem só trabalha
para outro quando é obrigado” (p.173), portanto não há possibilidade de
naturalizar as relações de exploração às quais as colônias foram submetidas
por suas metrópoles e posteriormente os pequenos produtores rurais e
artesãos dos países europeus, quando desapropriados dos objetos e
instrumentos de trabalho.
Galeano (1987) descreve como “usurpadores” (p.56) que promoveram
uma contínua espoliação dos países latino-americanos, os colonizadores
espanhóis e portugueses entre outras nacionalidades que adentraram as
novas terras com a mesma finalidade. Nessa dinâmica feroz os povos
indígenas do México, Peru, Uruguai, Patagônia Argentina,..., sofreram um
extermínio de suas vidas, cultura, do meio onde viviam e continuam
padecendo um drama consequente da própria riqueza de suas terras, não
por elas mesmas, mas pela ganância dos que sobre elas se lançaram.
A ocupação do Brasil em um primeiro momento que abrange os dois
primeiros séculos se deu por meio da colonização das costas com as
plantações de açúcar na região Nordeste, após a exploração do pau-brasil,
pois ao contrário das colônias espanholas, a colônia portuguesa parecia não
oferecer ouro e prata. Riquezas até então desconhecidas pelos indígenas e
que só foram encontradas pelos bandeirantes paulistas “que atravessaram a
vasta zona entre a Serra da Mantiqueira e a cabeceira do rio São Francisco”
(GALEANO, 1987, p.62).
No período que compreende o século XVIII Minas Gerais desponta
como grande fonte de riqueza, de onde segundo Galeano (1987) se fez a
extração da “maior quantidade de ouro então descoberta no mundo” (p.62),
extraída em um curto espaço de tempo. O ouro era ostentado tanto pela
Igreja quanto pela elite que detinha o poder político e econômico, todo ouro
reluzente contrastava com a miséria vivida pelos colonos, a prostituição, a
fome e exploração do trabalho escravo eram sinais latentes de uma
sociedade sem escrúpulos em suas ações para acumular riqueza.
E todo ouro que passava pelas mãos dos portugueses chegava até os
ingleses, sendo estes os que fato usaram o acúmulo do ouro para o seu
desenvolvimento industrial. Dessa forma a riqueza ia embora e só restavam
as colônias uma realidade de miséria e degradação, destruição da vida
humana e da natureza. Outro grande exemplo dessa triste realidade foi o que
aconteceu com parte da região nordeste, depois das plantações de açúcar,
em grandes extensões de terra - os latifúndios-, o solo esgotou-se
rapidamente. Nos dizeres de Galeano “O tapete vegetal, a flora e a fauna
foram sacrificadas, nos altares da monocultura, [...]” (GALEANO, 1987, p.74).
E seguindo esta mesma lógica a Amazônia vive um processo de degradação
contínuo, herança colonial, que se perpetua no latifúndio, exploração de suas
riquezas naturais e humanas, e injustiça social.
3- ACUMULAÇÃO CAPITALISTA E AMAZÔNIA: APROFUNDAMENTO DA
DEGRADAÇÃO DA AMAZÔNIA BRASILEIRA.
Eduardo Galeano (1987) em As Veias Abertas da América Latina
expõe o processo de ocupação e exploração dos países latino-americanos,
relatando o massacre dos povos nativos, esses países em sua gênese de
formação socioeconômica têm muitas semelhanças por terem sido inseridos
na dinâmica da acumulação capitalista de maneira subalternizada. Além do
saqueio das matérias primas, implementaram a estratégia de fazer com que
as colônias deixassem de produzir o que precisavam para sua subsistência e
passassem a comprar das metrópoles, levando a uma dependência cada vez
maior.
A divisão do mundo e as relações de exploração iam se configurando
de acordo com as regras ditadas pelos países mais poderosos econômica e
ideologicamente. Como fornecedores de matéria-prima, força de trabalho e
mercado consumidor; assim o Brasil e consequentemente a Amazônia
entraram na roda capitalista dançando de acordo com a música que o capital
tocava. Tornando-se cada vez mais dependentes das grandes metrópoles
sem usufruir da própria riqueza.
A acumulação de capital se deu via acumulação primitiva propiciada
com a exploração das colônias, portanto não pode e não deve ser
configurado como um processo natural, mas histórico dotado de
contradições, Aluizio Leal (1991) acerca do processo histórico da ocupação
da Amazônia e sua inserção à economia capitalista apresenta a seguinte
divisão:
A história da Amazônia pode ser dividida em quatro grandes períodos, com suas respectivas subdivisões: 1) que poderíamos chamar de período exploratório, que compreende o século XVI, e no qual já se tem uma clara mostra do que iria advir nos séculos seguintes; 2) o verdadeiro período colonial português, que, grosso modo, pode ser compreendido entre o ano da fundação de Belém (1616) e o início do Império (1822); 3) o período de vinculação às economias capitalistas hegemônicas, do século XIX em diante (cujo início coincide com a vinculação subordinada do Brasil à Inglaterra, por força da existência de uma independência política formal, mas uma subordinação econômica de facto); e 4) a fase da atualidade recente, onde essa vinculação é redefinida em função da redefinição da Divisão Internacional do Trabalho após a Segunda Guerra Mundial, que se materializa a partir do surgimento do golpe militar, e se consolida com a vigência da ditadura. [...] (LEAL, 1991, p.1).
De acordo com Leal (1991, p. 1) os períodos citados expressam o
entendimento que a colonização teve em relação à Amazônia, tratando-a
desde o primeiro momento como “espaço de saque”. Seguindo a cartilha
capitalista que enquadra os países “periféricos”, “subdesenvolvidos” de
acordo como as teorias que assim o designam, em uma posição de
dependência e mesmo subalternização como enfatiza o autor. É de grande
valia analisar a ocupação e exploração da Amazônia dentro de um processo
histórico que vai se construindo repleto de contradições.
No período em que se exploravam o ouro das minas, a ocupação da
Amazônia requeria um marco legal que se deu com a fundação de Belém em
1616, por motivos políticos, haja vista o perigo que representava aos
portugueses a presença de holandeses e ingleses na região. No século XVII
e parte do XVIII, a produção econômica da região restringia-se a produtos
nativos como: cacau; urucú,..., e também por produtos agrícolas oriundos do
trabalho indígena, trabalho escravo como ressalta Leal (1991): algodão,
açúcar, café,...; um cultivo e exploração desordenada que levou ao
esgotamento e diminuição de alguns produtos. (LEAL, 1991, p. 9-10).
A organização produtiva na Amazônia se deu via parceria metrópole e
igreja, nos Regimentos das Missões do Maranhão e do Pará, que são
exemplos de como os jesuítas conseguiram estabelecer uma disciplina
rigorosa sobre a mão-de-obra indígena, e explorá-la ao máximo por meio do
“sobretrabalho” e do trabalho excedente. Sendo que toda essa organização
produtiva de fazendas e propriedades religiosas era voltada para exportação
(LEAL, 1991, p. 9-10). Afastando cada vez mais o povo nativo da
propriedade comunal da terra, que ía sendo apropriada por poucos e sua
produção voltando-se ao capital internacional.
A consolidação do Capitalismo como modo de produção e das sociedades capitalistas avançadas como expressões do poderio burguês a nível planetário, desarticulou o poder das sociedades assentadas sobre concepções arcaicas da organização produtiva, casos em que se incluíam os ibéricos. Assim, o mundo colonial ibérico vai começar a ser gradualmente colocado na esfera de influência da ordem mundial capitalista da era industrial, agora comandada pela Inglaterra, secundada pela França e Alemanha (LEAL, 1991, p.12).
O Século XVIII marca a consolidação da Inglaterra como potência
mundial, a ascensão da classe burguesa, e a intensificação da exploração
dos recursos naturais dos países latino americanos, asiáticos e africanos, e
da força de trabalho nas fábricas europeias.
Nesse processo a vinculação da Amazônia ao capitalismo hegemônico
se dá por meio de estratégias, como as expedições científicas (ROBERTO
SANTOS, 1980, p.44-45), que possibilitaram o conhecimento científico da
floresta descrita ao mesmo tempo como “exuberante” e “selvagem”. A
primeira expedição é marcada pela descoberta das propriedades da
“borracha” e do “curare” por La Condaimine.
O processo de reconhecimento científico da Amazônia se associou, naturalmente, aos movimentos no sentido de poder manipulá-la ao possível para os objetivos da Acumulação. As nações cujo desenvolvimento capitalista as impelia a essa atitude começaram a demonstrar esse interesse via pressões econômicas ou políticas. Quem mais abertamente agiu nesse sentido foram: a Inglaterra, por força da sua condição histórica de sede da produção industrial capitalista, somada à condição particular de efetiva credora das dívidas de proteção a que se obrigou Portugal pela fuga da côrte para o Brasil; e os Estados Unidos, que, ainda na primeira metade do século XIX, iniciaram uma expansão pré-imperialista que levaria à consideração da América do Sul como extensão territorial subordinada (LEAL, 2001, p. 16).
As expedições científicas possibilitaram a catalogação da Amazônia, a
identificação das riquezas naturais e de suas valiosas propriedades, por sinal,
muito rentáveis para o capital. Tais expedições representaram uma das
formas de intervenção externa na região e a possibilidade de saqueio com
alvo certo. No período que se consolida a produção industrial as matérias
primas requeridas são buscadas com afinco e de formas sofisticadas.
No século XIX, o fortalecimento da produção industrial e a consolidação da Revolução Industrial como processo histórico decretam a abertura definitiva da Amazônia como objeto de interesse da Ciência, e, então, passam a desembarcar aqui – e a estudá-la – cientistas cujas nacionalidades refletiam a liderança das nações burguesas a nível mundial: prussianos, franceses, ingleses – e americanos. [...] (FIALHO NASCIMENTO, 2006, p.14).
A corrida científica de desbravamento da floresta se deu como uma
corrida disputada ferrenhamente entre as nações, haja vista, que a dinâmica
industrial requeria uma diversificada base de matérias primas em grandes
quantidades e baixos custos, sem dúvidas a descoberta das propriedades
científicas da borracha possibilitou a inserção da Amazônia na economia
mundial e provocou uma verdadeira transformação no espaço de suas
principais cidades Belém e Manaus, a Belle Époque. No entanto, toda riqueza
produzida na região não criou condições para que esta se desenvolvesse de
maneira independente do capital internacional.
Segundo Leal (1991) quando Henry Alexander Wickham faz o
contrabando da borracha, desarticula toda a economia gomífera, gerando
anos de decadência nos quais de uma hora para outra toda riqueza acabou.
Definitivamente nesse contexto e avançando sobre as diversas formas de
exploração dos recursos materiais da Amazônia comprova-se historicamente
que de fato esta região, foi e é concebida pela lógica capitalista como espaço
de saque.
A frágil produção econômica da Amazônia no século XVIII, baseada no
extrativismo, sobretudo do cacau dá lugar às exportações da borracha, que é
alavancada pela Revolução Industrial e a descoberta do processo de
vulcanização, e uso na indústria automobilística. Apesar e toda riqueza
produzida com ganhos com a borracha, a economia continuara dependente,
focada em apenas um único produto, portanto muito vulnerável as oscilações
do mercado. O contraste evidente entre os que desfrutavam da riqueza e os
que tinham a força de trabalho explorada era latente, nas precárias condições
de trabalho e moradia.
A consolidação do modo de produção capitalista no século XVIII,
segundo Leal (1991) desarticulou os outros modos de produção e redefiniu a
organização produtiva, com o declínio dos países ibéricos - Portugal e
Espanha- e a afirmação da Inglaterra como potência industrial, como já
afirmado anteriormente. E a subordinação de Portugal devido às dívidas
adquiridas quando se deu fuga da coroa portuguesa para o Brasil e sua
dependência as importações dos produtos ingleses.
O professor Gilberto Marques (2007, p. 31-32) no capítulo dois de sua
tese faz uma abordagem situando formação socioeconômica da Amazônia,
nos séculos XIX e XX, o autor destaca as relações que a região estabelece
com o sudeste do Brasil dentro da dinâmica da acumulação capitalista, faz
um breve comentário das transformações ocorridas enquanto instâncias
normativas que demarcavam sua ocupação: fundação do Estado do
Maranhão e Grão Pará; a configuração de uma só província na Amazônia; a
criação dos territórios nacionais; as relações de subordinação e dependência
as outras regiões e ao mercado externo.
No século XIX seguindo esse contexto os Estados Unidos iniciam sua
expansão pré-imperialista sobre os países sul-americanos, subordinando-os
de acordo com alógica de dominação e superioridade de uma nação sobre a
outra. Leal (1991) descreve a Amazônia como “empório de matérias primas”
(p. 16), ainda na primeira metade desse século a potencial contribuição da
Amazônia ao processo de acumulação aguça as potências capitalistas a
continuarem e intensificarem inúmeras investigações acerca das
características naturais da região; o que Leal (1991) denomina
“devassamento científico” (p.19).
Enquanto a acumulação de capital ia se efetivando nas potências
europeias e propiciando a consolidação do modo- de -produção capitalista,
ao mesmo tempo deixava um rastro destruidor da vida em suas diversas
formas. Galeano (1987) ressalta que “Em 1988, aboliu-se a escravidão no
Brasil. Porém não se aboliu o latifúndio [...]” (p. 98), sinal da usurpação da
terra, objeto de trabalho do homem, do qual é desapropriado, que sendo
vinculado aos instrumentos de trabalho revestem-se em meios de produção,
segundo a teoria crítica. Nessa dinâmica de exploração, a força de trabalho
após a abolição dos escravos, no discurso falacioso de uma pretensa
liberdade, continua sendo explorada em condições degradantes. Retirantes
de outras regiões emigram em busca de um comprador de sua força,
segundo Galeano (1987, p. 98) cerca de “meio milhão de nordestinos
emigraram para Amazônia” durante o auge da borracha. Se submetendo a
condições precárias de trabalho muito semelhantes à escravidão, o
aviamento ou escravidão por dívida, realidade vivencia até os dias atuais na
Amazônia.
Com uma economia altamente dependente do mercado externo a
Amazônia se constituiu de maneira muito vulnerável as oscilações da oferta
de matéria-prima, já no século XX, houve uma significativa redução do preço
da borracha do Brasil, abalada pela exportação do Ceilão e Malásia, já no
final do século o país passa a comprar a borracha que antes produzia
(GALEANO, 1987), e como enfatiza Leal (1991) mais uma vez a Amazônia é
saqueada.
A floresta serviu como um grande laboratório provisório, onde depois
de descobertas as rentáveis propriedades que a floresta oferecia e a extração
destas, o capital também migrou, com a finalidade de baratear os gastos para
aumentar os lucros. O último episódio de destaque dos tempos áureos da
borracha foi o impulso transitório durante a Segunda Guerra Mundial, devido
à ocupação da Malásia pelos japoneses. Demandando mais uma vez mão-
de-obra barata, o que ficou conhecida como “batalha da borracha” mobilizou
camponeses da região nordestina, resultando para as duas regiões do Brasil
mais um saldo negativo de degradação do ser humano e da natureza.
Segundo a lógica colonialista e capitalista a Amazônia continuou e
continua sendo explorada, as políticas governamentais implementadas nos
diversos períodos posteriores acabaram por servir ao capital, e não a
preservação da vida na e da floresta.
4-CONCLUSÃO
Tecendo algumas considerações acerca do processo da acumulação
primitiva, da acumulação capitalista e da particularidade amazônica nesse
processo, visualizando como se deu sua inserção na dinâmica capitalista é
possível inferir, que de fato a realidade amazônica constitui uma totalidade
com raízes históricas muito profundas. Huberman (1979) e Galeano (1987)
oferecem elementos para uma análise histórica de como a lógica capitalista,
articula a exploração e a acumulação como contrapontos que subsidiam a
consolidação do modo-de-produção, de cujo capital é o cerne. Considera-se
a relevância do estudo de Marx (1982) na abordagem do capitalismo
evidenciando que este desapropria o homem da terra e dos meios de
produção, explorando sua força de trabalho em vista do lucro.
Todo processo de ocupação da Amazônia desde os primórdios da
chegada dos europeus na América Latina, se deu de maneira muito invasiva
no modo de viver do povo nativo, impondo uma lógica de acumulação de
capital que se perpetua ao longo da história por meio de suas fases, e
tentativas de superação de suas crises cíclicas. Desse modo, a cultura dos
povos indígenas é exterminada junto com suas vidas, assim como as dos
outros povos que formam o povo amazônida. Portanto, afirma-se de acordo
com Leal (1991) que de fato a inserção tanto do Brasil como da Amazônia no
mercado mundial foi de maneira subalternizada, e segundo Galeano (1987)
revelando a gênese do desnível de desenvolvimento entre os países do
globo.
Na história mais recente da Amazônia, é possível verificar o grande
contraste entre os altos lucros obtidos com a extração do minério. Toda
infraestrutura que demanda, como: estradas, portos; energia;..., contrasta
com a realidade dos lugarejos cortados pelas ferrovias e atingidos pelas
barragens; situações de miséria, precariedade habitacional, falta de
saneamento, má qualidade da água,..., entre outras expressões da questão
social, agudizadas com a implantação de programas e projetos que com a
promessa de desenvolvimento e progresso, acirram o conflito agrário- rural;
onde o pequeno produtor expropriado dos meios de produção, permanece à
margem das políticas socais que deveriam garantir e efetivar seus direitos.
Ao invés disso, as políticas estatais beneficiam os grandes empreendimentos
exploradores dos recursos minerais e da mão-de-obra barata, por meio de
relações de trabalho precarizadas e negligentes.
A partir de todo arcabouço teórico utilizado é possível inferir, que a
dinâmica de acumulação primitiva e acumulação capitalista na particularidade
da região amazônica, são criadoras de um processo de degradação, ao
capitalizar as riquezas da floresta. Seguindo essa abordagem, as políticas
implementadas pelo Estado segundo os moldes das diretrizes do grande
capital, representam de uma forma muita explícita a capitalização da
Amazônia, onde seus recursos são extraídos deixando, de fato, a natureza
saqueada; com as riquezas naturais levadas para outros países à custa de
preços irrisórios e revendidos por autos valores; nítido exemplo de como a
matéria prima revestida em produto se torna capital.
REFERÊNCIAS
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