a filosofia de mario ferreira dos santos

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  • 7/27/2019 A Filosofia de Mario Ferreira Dos Santos

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    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida, arquivada outransmitida de nenhuma forma ou por nenhum meio, sem a permisso expressa do autor.

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    A filosofia de Mrio Ferreira dos SantosOlavo de Carvalho

    A obra de Mrio Ferreira dos Santos1 tem uma srie de caractersticas que a impedem deser abordada como a obra de qualquer outro filsofo. Em primeiro lugar pelo seu estado deconservao, uma obra que nunca foi submetida a uma edio regular, as edies foram todasfeitas pelo prprio autor em condies que ns no poderamos dizer amadorsticas mas emcondies muito precrias. Ns temos que reconhecer que ele foi um pssimo editor de seusprprios textos, o que ele fez com os textos dele um crime, de certo modo ele merece umpouco do sofrimento post-mortem dos prprios textos. Mas isso uma brincadeira na verdadeporque o sujeito no tem obrigao de ser to bom nem como editor nem como escritor quantofoi como filsofo.

    Ento eu tenho insistido muito nessa idia de que a filosofia no se transmite

    essencialmente nos textos, s acidentalmente, que a idia de obra que ns temos em literatura nopode ser transposta para a filosofia. A obra de um poeta so os seus poemas, o poema que elepensou no interessa, s interessa o poema ao qual ele deu uma forma definitiva fisicamentereconhecvel. A obra literria uma presena fsica reconhecvel, ela nada seria sem o seu estratosonoro. O poema tem que poder ser lido repetindo-se o mesmo som, a mesma seqncia de sonsa cada vez que for lido. A presena fsica do poema uma coisa fundamental, tanto que se vocler um poema numa lngua cuja fontica voc desconhece ele no funciona tanto quanto se numalngua cuja fontica voc conhece. Essa presena fsica da obra muito importante na literatura eisso nada tem a ver com a filosofia. A obra do poeta so seus poemas, a do romancista so seusromances, mas a obra do filsofo no so os seus livros e sim sua filosofia.

    uma noo bastante evidente, se bem que possa parecer bastante escandalosa em face

    das prticas constitudas, e tambm uma idia que tem as conseqncias mais extraordinrias doponto de vista metodolgico, tanto na metodologia filosfica propriamente dita quanto do pontode vista do ensino e do aprendizado da filosofia. Isto quer dizer que em princpio uma mesmafilosofia ter de poder ser exposta de muitas maneiras diferentes e a maneira pela qual elaefetivamente foi exposta somente uma delas, e no necessariamente a melhor. No podemosexcluir a hiptese de que at mesmo um outro sujeito fosse capaz de expressar a filosofia dePlato ou Aristteles melhor do que eles mesmos, o que no quer dizer compreend-la mais masexplic-la melhor. Isto at acontece com uma certa freqncia, de obras que so mais dedivulgao ser melhor escritas de certa maneira do que os originais dos quais ela partiu. Tambmacontece de obras fundamentais do pensamento filosfico serem apenas fragmentos, rascunhos,anotaes de aula ou textos feitos por terceiros. A lista desses exemplos no acaba mais. Bastaria

    que isso tivesse acontecido uma nica vez para que voc entendesse que a forma completa doescrito no faz parte da essncia da filosofia, embora possa acidentalmente ser muito importantepara esta ou aquela filosofia em particular caso a expresso escrita seja uma forma preferencial deexpresso de um filsofo em particular. Se coincide de o sujeito ter uma vocao de escritor, almde filsofo, ento evidente que o escrito predominar. Do mesmo modo que se o indivduotiver o dom da oratria, ter esta como meio predominante. Agora, pode ser apenas um dom deconversador como Scrates. Scrates conversava, este era o grande talento dele, ele no era nemescritor nem orador, era um conversador. Ento pode ser este o instrumento predominante, masisto apenas uma coincidncia. Se o filsofo opta por este ou aquele meio de expressopredominante apenas uma coincidncia que vem do talento, da vocao pessoal dele, nada tema ver com a essncia da atividade filosfica.

    1Aulas do Seminrio de Filosofia de 25 e 26 de Julho de 1997, transcritas por Fernando Antonio de Araujo Carneiro.

    Sem reviso do autor.

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    No caso do estudo da obra do Mrio preciso ter isto em vista o tempo todo, porque osescritos no vo te dar moleza, ao contrrio, vo complicar formidavelmente a sua vida, ao pontode o estado desses textos ser uma das causas principais, eu acho, da repugnncia que muita gentetem diante dessa obra. Uma repugnncia meio inconsciente, quer dizer no bem umarepugnncia, uma preguia de se aproximar dela, uma relutncia em se colocar o problema.

    Um outro motivo, claro, a prpria incredulidade de princpio de que um brasileiro possa terfeito algo de realmente importante. compreensvel essa relutncia. Mas tambm precisocontar que se o indivduo comeou por descrer dessa possibilidade, quando em seguida eledescobre que ela verdadeira, ele ainda se sente humilhado por no ter percebido antes, e a ficacom mais raiva ainda. A burrice e a incapacidade a so fontes de inveja e de rancor, e issoconspira para fazer do homem um bode expiatrio da burrice nacional. Ele acaba sendo comoque o culpado, ns o escondemos porque ele representa a nossa vergonha. No porque ele seja motivo de

    vergonha, mas porque ele de certo modo um ponto de comparao que faz ressaltar a nossavergonha.

    Aluno: mas isso na prpria poca dele? Chegou a esse ponto de execrao?

    No, chegou ao ponto de pessoas que sabem perfeitamente quem o Mrio preferiremesconder, chegou a esse ponto. Ex-alunos at preferiram esconder. Olha, o complexo deinferioridade brasileiro no uma coisa simples, leve, muito grave e pesado, atrapalha a vida detodos ns. Eu acho que o Brasil nunca vai deixar de ser Brasil. O horizonte de minhaconscincia, se ainda est acima, a superao disso no fruto do progresso, tem que partir deuma perspectiva melhor. No creio que tenha existido alguma civilizao que tenha subidorealmente do zero para cima, no, sempre tem que comear do alto, que se mantm, e podemelhorar a partir de um certo patamar. Sair da burrice total para alguma coisa acho que nuncaaconteceu. Acontece quando um pas ocupado por outro, ele integrado numa outra sociedade,s assim. Alm disso, este fenmeno denunciado gerao aps gerao e voc v que est

    acontecendo exatamente igual. O Lima Barreto j falava disso, Machado de Assis tambm, muito renitente. E no caso do Mrio no chegou a um extremo justamente porque se trata deuma grandeza desproporcional. O Brasil realmente no est apto a engolir uma coisa dessas,ningum est, nem os filsofos profissionais. Se voc pegar a nossa classe intelectual, os melhoresdentro dela, os melhores so os caras que conseguem manter uma atividade intelectual a altura deuma universidade europia atual a altura da mdia. Conseguiram ser bons alunos, tirar seusmestrados, doutorados, mas no vai passar disso a. O sujeito que no Brasil chega a isso j quasegnio. Mas acontece que toda essa formao que eles recebem medida pela altura de certasobras e certos autores que esto na moda neste momento. Teve um artigo do Srgio Augusto emque ele d como referncia da autora do livro que ele comentava, no, ela est muito bem escoradateoricamente em Baudrillard, Foucault... ela leu esses autores, assimilou a teoria e capaz de aplic-la.

    Se chegou a isto j um grande negcio. Mas entre voc ser capaz de aplicar uma teoria que foiinventada agora mesmo e voc conseguir realmente ter uma participao global em todas aspocas, quer dizer, voc conseguir transitar no pensamento grego, medieval, oriental, a j outracoisa. Essa pessoa, comentada pelo Srgio Augusto, ela pode se sentir vontade em Paris, emtorno de Lyotard, Baudrillad, Foucault, mas fora de Paris caipira, e se sair da poca maiscaipira ainda. Ento so pessoas que esto presas dentro do esprito da poca e no conseguemsair dele, no conseguem enxergar nada para trs, e forosamente nem para diante.

    Para um pblico assim, o Mrio um bicho muito esquisito, porque ele dialoga com afilosofia de todas as pocas, ele dialoga com Plato cara a cara, com Aristteles, depois passa paraNietszche, para ele tudo a mesma coisa, tanto faz se de agora ou de dois mil anos atrs. Eletem uma viso universal da filosofia e no est de maneira alguma preso aos limites do que uma

    certa poca, um certo consenso social toma como se fosse a realidade inteira. Ele sabe que arealidade muito maior, ento ele transita dentro da realidade sem problema algum. Mais ainda,ele est to fora disso que ele pode discutir com filsofos absolutamente desconhecidos porque

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    ele no de maneira alguma dependente de um consenso exterior que lhe diz que tal filsofo importante e merece ser discutido e o outro no. No, ele faz sua avaliao prpria. Quer dizer,quando ele descobre um filsofo como os escolsticos portugueses, ele vai lhes dar uma atenodanada e ningum tem nada que ver com isso. Ele no vai selecionar seus focos de ateno deacordo com o critrio de um outro, ele tem o seu prprio. E esse critrio dele mais amplo que o

    dos outros, porque ele conhece mais autores, conhece mais profundamente. Como ele tem umaamplitude maior de informao ele pode ter um critrio de importncia que no coincide com ouniversitrio. simplesmente o problema de que o homem muito mais culto do que todos elesjuntos. Mais ainda, se voc sabe muito mais do que os outros, voc tem duas alternativas: ou vocos trata como crianas e vai tentar ensin-los, ou voc simplesmente se afasta. E o Mrio optoupela ltima, ele no queria papo. No sei por qu, uma coisa do temperamento dele, ele nuncasequer criou polmica com esses caras, ele os ignorava, ele os desprezava. Alis, ele no tevetempo para isso, a obra dele toda desenvolvida a parte mais significativa, que so os cinqenta eseis volumes da Enciclopdia Filosfica desenvolvida num prazo de dezessete anos quatrolivros por anoevidentemente no ia dar certo o cara querer dialogar com o meio universitrio.E, alis, para qu? No tem nenhum motivo porque das pessoas que estavam em destaque

    naquela poca voc no ouve mais falar de nenhuma. Quem que hoje l um livro do JooCustdio, do Lus Washington (???), do Renato Cherna? Ningum l, e so os filsofos que sediscutia na poca, dentro da universidade, mas tudo isto passou junto com o vento. Mesmo o

    Vicente Ferreira da Silva, que era um homem mais inteligente, hoje quando a gente l j tem umcerto rano, j aparecem uns cinqenta iguais. Ento o Mrio, ao no prestar ateno nessa genteisto lhe fez muito bem, porque ele ficou e eles passaram.

    Esta obra mais do que qualquer outra exige de ns a compreenso de que a filosofia noest no escrito mas est num certo estilo, ou num certo conjunto de pontos de vista que o sujeitolana sobre o objeto, de certo modo livremente escolhido, e que forma o que ns chamamos defilosofema. O filosofema no apenas um conjunto de teses mas um conjunto de mtodos, e nos um conjunto de mtodos mas tambm um estilo. Um estilo no necessariamente de pensar

    mas um estilo de olhar, um modo de se aproximar de certas questes. isso sempre necessrio apreender. Ento a forma dos escritos pode ser determinada em parte pelascircunstncias s quais eles vo ser limitados. Se o sujeito est dentro de uma universidade ele vaiter que se adequar ao gnero literrio adequado para aquilo, ele vai fazer teses universitrias, daraulas, algum gnero adequado quilo. Agora, se ele escreve para si mesmo ou amigos ele podeescolher um gnero que existe no meio ambiente ou at inventar um outro. Quer dizer, a formado escrito muito acidental. Agora, pode acontecer tambm que de certos casos essas maneiraspadronizadas de se pensar sejam muito prximas do esprito daquele filsofo. Eu no possoimaginar So Toms de Aquino fora do ambiente da universidade medieval porque ele encarna decerto modo esse esprito. No h hiatos entre uma coisa e outra, ele estava perfeitamenteadequado quilo. E talvez se no existisse esse gnero ele talvez o tivesse inventado.

    No caso do Mrio, o primeiro problema esse: a que gnero pertencem os livros deMrio Ferreira dos Santos? Veja, um sujeito que est fora do meio universitrio, portanto no sedirige a um pblico universitrio. E ele se dirige a um pblico que ele tambm no sabe quem ,podia ser de um, de dois, de trs ou de mil, at podia ser o Brasil inteiro. Mas um Brasilimaginrio que s podia existir na cabea dele, ele tinha que supor um auditrio possvel,eventualmente futuro. Por outro lado tambm no podia desprezar totalmente as pessoas que jestavam interessadas em filosofia, que j estavam envolvidas na atividade filosfica de algummodo. Ento ele est falando para um auditrio indefinido mas com uma espcie de umaramificao ali para acertar nos filsofos de ofcio da poca. Por outro lado, ele est discutindocom filsofos de outros pases, s vezes j mortos h muito tempo, e no se sabe bem qual aplatia que est ouvindo isso.

    Ento ns temos que partir disso: o Mrio um autor que escreve para um pblicoimaginrio, e que na cabea dele nunca esteve muito bem definido, quer dizer, tinha um leitorideal e talvez um dia tivesse. Mas ele no escreve como quem vai ser ouvido no futuro, ele

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    escreve como se j estivesse sendo ouvido na mesma poca. Ento isso a j complica muito paraa informidade dos livros. Voc no tem um gnero definido, voc no sabe para quem voc estfalando, ento voc no sabe exatamente com que propsito, qual o resultado que vocpretende obter com o escrito, ento voc acaba escrevendo para si mesmo ou para Deus, oauditrio universal. Em retrica ns sabemos que quanto menos definido o pblico mais difcil

    voc definir o rumo do discurso. Porque para Deus voc vai falar qualquer coisa, no temmotivo para voc desejar persuadir Deus de uma coisa em particular ou de outra. Ento voc jv na composio dos livros dele uma hesitao constante neste ponto. Nos primeiros livros queele publica at os quarenta anos voc no tem muito isto porque voc tem um resto daexperincia jornalsticaMrio comeou a vida como jornalista. Ora, o jornalista escreve para opblico de jornal, que so os dois mil leitores para os quais escrevem os outros colegas, ento

    voc j tem mais ou menos um perfil definido e que ajuda a definir o tom, a seleo devocabulrio, o enfoque, e at o tamanho dos escritos. Tudo isto definido em funo dos hbitosdo seu pblico.

    No comeo da carreira do Mrio existe um monte de escritos que no so propriamentefilosficos, mas so filosfico-literrios, como o livro Se a esfinge falasse, ou o Provas a favor

    e contra a existncia de Deus, que so livros de assuntos filosficos mas como se fossemcronicas literrias com fundo filosfico dirigidos a um pblico que no de estudantes defilosofia mas geral, leitor, no qual o intuito de aprendizado menos intenso do que o intuito derecreao. O leitor que l uma coisa porque curiosa, interessante. Ento nos primeiros escritosexiste uma certa unidade de gnero, de estilo. Mas a partir do momento em que o Mrio toma orumo do seu pensamento definitivo isso se dilui. E a primeira obra dele que formalmentefilosfica, Filosofia e cosmoviso, essa a j mostra a total hesitao do autor quanto ao gneroque ele vai dar ao livro. Porque ele comea como se estivesse fazendo uma introduo filosofiapara um pblico que desconhece o assunto. Ele tinha essa idia de educar o seu pblico, de juntocom o livro criar o pblico. No somente um autor que escreve para um pblico filosfico jexistente, mas um pedagogo, na verdade mais um reformador social que vai criar um pblico para

    ouvi-lo. Mas, ao mesmo tempo, ele j tinha na poca estava com uns quarenta e cinco anos pelo menos um vislumbre dos objetivos finais de sua filosofia e de sua obra, que eu acredito queseja muito difcil expor a um pblico principiante. Ento o que ele faz? Ele promete um livro deiniciao mas este praticamente no compreendido por seus leitores iniciais. Ento de repente

    voc v o Mrio largando o tom pretensamente didtico com que ele comea e entrando emdiscusses dificlimas que o sujeito s vai compreender depois de ter apreendido a totalidade dafilosofia do Mrio Ferreira dos Santos. Ento Filosofia e cosmoviso um livro hbrido onde

    voc tem vrias intenes misturadas e quase antagnicas, uma que a de ser pedaggico e outraque a de dizer tudo. So as intenes mais antagnicas que pode ter. Se voc quer serpedaggico vai ter que dizer s um pedacinho de cada vez. Inclusive Ortega y Gasset mestrenisso a, em adiar, diluir o discurso para no dizer muita coisa de uma vez, porque ele est seguro

    de que quando ele disser voc vai entender tudo. Ento tem todo um rodeio para ter certeza deque o leitor o acompanhou. Mas esta habilidade propriamente retrica falta ao Mrio. Mesmoporque se for comparar os dois so filsofos que esto em ambientes despreparados para afilosofia. Acontece que o Ortega y Gasset contava com um ambiente literrio altamentedesenvolvido, um pblico leitor cultssimo mas de cultura literria; um pblico com um domniomuito grande da linguagem, um pblico que gostava de sua lngua e que j tinha lido todos osclssicos da literatura espanhola. Ento ele tinha de onde partir. O Mrio no tinha nem isso. Porisso mesmo o primeiro livro da srie o livro mais desastroso para voc comear a ler. Se voccomear a ler o Mrio por Filosofia e cosmoviso eu te garanto que voc nunca vai entend-lo.

    No deixa de ser interessante a gente repetir que a evoluo do Mrio foi muitotemporria (???) e feita aos saltos, porque a passagem do estilo litero-filosfico para o estilo

    propriamente filosfico repentina e coincide com descoberta ou a apropriao de certas idiasque j vinham sendo trabalhadas no fundo dele. Eu, de fato, no consigo explicar de maneiraalguma para mim a evoluo interior do Mrio, para mim um mistrio. Porque voc vai ver at

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    uma certa poca um homem profundamente influenciado pelos temas nietszchianos. O Mriotraduziu oito ou nove livros de Nietszche diretamente do alemo e escreveu um comentriosimblico muito bonito sobre o Zaratrusta de Nietszche, ele vive sob o fantasma de Nietszchedurante a maior parte de sua vida. Ora, todo mundo que muito influenciado por Nietszchetende a imit-lo na expresso escrita, ento tende a falar atravs de aforismos, a usar uma

    linguagem potica mais ou menos enigmtica e nunca a uma argumentao filosfica, em regra. Eat os quarenta e poucos anos o Mrio s escreve assim, de forma bastante literria, potica dem qualidade. O Mrio acho que foi um caso de erro de vocao no comeo, ele descobretardiamente sua vocao. Voc v que ele tem muitos recursos mas no tem auto-crtica,conteno, que a coisa bsica para o escritor qualquer idia, qualquer figura ele pe no papel e

    v se deu ou no deu. Alm disso ele tem esse negcio de escrever demais e no ler o queescreve. De repente esse sujeito publica Filosofia e cosmoviso cuja inteno voc s vaiperceber claramente na medida em que voc v a continuao. E voc de repente percebe queaquele indivduo que era um cronista filosfico nietszchiano vira um filsofo no sentido formaldo termo, ele est montando um sistema filosfico da maneira mais organizada que voc possaconceber. E o mais paradoxal que a mais extrema organizao do pensamento filosfico

    comea a aparecer justamente num dos livros mais desorganizados, que Filosofia ecosmoviso. Desorganizado primeiro por causa da duplicidade de inteno, ao mesmo tempopedaggica e ao mesmo tempo enunciada uma doutrina final. Ele queria dizer s umpouquinho mas tambm queria dizer tudo ao mesmo tempo. Mas medida em que ele vaipublicando todos os outros livros voc v que est diante de uma construo filosfica de tipoantigo, como as metafsicas clssicas, do idealismo ou dos escolsticos. Ou seja, ele redigetratados sobre cada uma das disciplinas filosficas. Primeiro ele tem uma concepo prpria dasdisciplinas filosficas, ele as rearticula, as redefine, demarca o ponto de cada uma, e vaiconsagrando um tratado a cada disciplina. No apenas isto, mas ele procura expor osequenciamento de uma maneira sistmica de modo que nada escape e que ao mesmo tempotudo esteja totalmente justificado.

    Se voc l escritos literrios dele j dos quarenta e poucos anos e compara com livros queele publica a partir desta mutao absolutamente incompreensvel o que se passou com essecara. Algo muito estranho se passou porque ele era apenas um escritor de no muito talento, masde muita cultura, e de repente voc v um filsofo completo. Ento eu suponho que todas essasidias foram trabalhando dentro da cabea dele e ele mesmo no percebeu, foi um processo meioinconsciente. Houve uma poca na vida dele em que ele consultou ||| e ela fazia a leitura dehorscopo por escrito, pegava o horscopo e lia para o sujeito na presena dele e conversava emcima daquilo ||| o que ele tinha realizado at ento aquilo tem uma inteno de um exagerobrutal. Ora, o Mrio tem uma idia de que se esse negcio de astrologia tem algo a ver com arealidade, ele s pode ter a ver com um estrato muito profundo da personalidade que nemsempre equivale personalidade concreta que o indivduo est mostrando no seus atos. Mas h

    um pouco de possibilidades disso ter sido ignorado totalmente pelo sujeito a vida inteira. a queentra a distino entre carter e personalidade. impossvel voc ignorar a sua prpriapersonalidade, at um louco conhece, porque esta se constitui do conjunto de valores,referncias, gostos que voc sabe que tem, mas voc pode ignorar o carter, que a estruturaprofunda que est por baixo daquilo. Ento eu acredito que essa leitura de horscopos tenhacontribudo - alm de outros acontecimentos da mesma poca que eu ignoro e que daria umtrabalho medonho para sondar - para que esse homem aceitasse que ele tinha que fazer um algo amais. claro que o sujeito num meio bastante rudimentar, mas no tanto quanto hoje, na pocaele trabalhava na editora Globo do Rio Grande do Sul, que foi uma editora que publicou coleesde clssicos da literatura e tradues que tambm viraram clssicas. A edio brasileira daComdia Humana de Balzac, a edio completa, ganhou um monte de prmios internacionais e

    talvez seja a melhor edio da Comdia Humana que se fez no mundo. Tambm editou o Proustinteiro, Tolstoy, um monte de clssicos, e isto circulava bem na poca em edies grandes eelegantes e o Mrio era tradutor da editora. Ele no estava num meio inculto totalmente mas num

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    meio sem retaguarda filosfica nenhuma. Ento muito possvel que toda essa preocupaoprofunda do Mrio com certas questes filosficas fundamentais permanecesse reprimido atmesmo dentro dele. Tudo aquilo que voc no tem meios de verbalizar como se no existisse.Conta a filha dele que um dia ele estava fazendo uma conferncia e no meio da conferncia elerepentinamente parou e disse: desculpe eu interromper a conferncia mas eu tive uma idia e

    tenho de ir para casa escrever. E foi. O que ele escreveu? Ele escreveu um sistema axiomtico,que um sistema que parte de certos princpios e vai deduzindo matematicamente as suasconcluses. Este sistema axiomtico a base interna de uma parte da obra filosfica dele.

    Ento esse foi o primeiro escrito que marca a inaugurao do Mrio Ferreira dos Santoscomo filsofo propriamente dito. Antes ele era o que se chama de filosofante. Um filosofante algum incapaz de filosofar mas que escreve alguma coisa sobre filosofia, como tem tantos, efilosofantes altamente qualificados. O Jos Guilherme Merquior um filosofante, o maior dosfilosofantes, mas no um filsofo. Ento o Mrio era um filosofante e de repente ele aparececomo um filsofo capaz de pegar questes fundamentais da filosofia, recolocar, com uma grandecoragem, recolocar tudo desde a base, e criar um novo sistema filosfico. Ento ele redige essesistema axiomtico, que d umas trezentas e poucas teses, com as suas conseqncias todas,

    redige isso muito rapidamente, e da surge a idia do que ele chamou de Enciclopdia dascincias filosficas. A idia era to confusa no incio que ele at hesita no nome, s vezesEnciclopdia das cincias filosficas e sociais, outra vezes Enciclopdia das cincias filosficase culturais, e s vezes apenas Enciclopdia das cincias filosficas. Ele deu trs ttulos, ns

    vamos abreviar e usar o mais curto.Ento ele bola o esquema da ECF, que um conjunto de obras cuja diviso por volumes

    corresponde rigorosamente s partes do sistema, voc tem idealmente pelo menos uma obra paracada disciplina, e os primeiros volumes correspondem s disciplinas de base e medida em que

    voc vai avanando na numerao dos volumes voc vai penetrando em zonas cada vez maisaltas do pensamento filosfico. Como ns supomos que fez Aristteles isto se refere organizao que Andronico de Rhodes deu s obras de Aristteles e no do prprio, porque

    ns no sabemos que organizao Aristteles deu seriam as obras sobre o mtodo primeiro,depois as obras de filosofia da natureza, de fsica, depois as obras de metafsica, completando afilosofia teortica, depois as obras de filosofia prtica, a tica e a Poltica, e finalmente as obrasde filosofia referente s tcnicas, a filosofia criativa, que seria a Potica e a Retrica. O Mrio criauma organizao desse tipo que tem a pretenso de que a organizao dos volumes correspondarigorosamente distribuio das matrias, coisa que no acontece sequer na obra de So Tomsde Aquino. Um sujeito no qual isso acontece Kant. Kant tem uma obra de teoria doconhecimento, de tica, de fsica, tudo organizadinho, para cada disciplina pelo menos um

    volume.Mas esse sistema que ele escreve tudo de uma vez no a primeira coisa que ele publica.

    Dessa enciclopdia que ele inventa ele comea a escrever os dez primeiros volumes de uma srie

    que se completaria com uns cinqenta e poucos. Ele desde o incio j tem mais ou menos umaidia dos cinqenta e pouco volumes que ele precisar escrever para expor o sistema todo. Masele comea a fazer somente os dez. Do dcimo-primeiro em diante ele tem alguma idia mas emalguns casos ele ainda hesita. Tem livros que ele promete mas no escreve, outros ele escreve masno prometeu, e assim por diante. Mas no geral a obra que ele chega a realizar correspondebastante de perto ao plano esboado no comeo. E esse sistema que ele redigiu na interrupodessa conferncia corresponde mais ou menos ao contedo do dcimo volume dessa primeirasrie, que ele chamou de Filosofia Concreta. A Filosofia Concreta a exposio sistemtica dopensamento do Mrio Ferreira e os nove livros anteriores so o desenrolar no sistemtico maspedaggico, onde ele vai abordando as questes no por sua ordem de importncia mas pordisciplina. Tem esse primeiro livro que seria uma introduo geral filosofia, Filosofia e

    cosmoviso, depois voc tem um livro de lgica, Lgica e Dialtica, depois tem um livro deTeoria do Conhecimento, um livro de Psicologia, depois tem um livro sobre simbolismo, Tratadode Simblica, e depois tem um livro chamado Filosofia da Crise, que a justificao do

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    pensamento do Mrio Ferreira em funo do estado de nosso tempo, quase uma filosofia dacultura; depois voc tem uma teologia filosfica, depois voc tem uma obra que ele chama deNoologia, que seria o estudo das naturezas e propriedades do esprito, e finalmente voc tem aFilosofia Concreta, que o fecho do sistema. Se da obra do Mrio tivessem sobrado somenteesses dez ns teramos j uma idia de conjunto mas no do alcance total que ele iria dar a seu

    pensamento. Ento a coisa certa comear do fim, comear da Filosofia Concreta, porque aidia do Mrio era de que tudo que voc apreende voc comea com uma sntese inicial confusa;depois voc analisa, corta em pedaos e voc monta uma sntese final clara e distinta. Mas se vocfor ler os livros pela ordem voc no vai ter exatamente essa experincia, voc vai entrar diretonuma anlise e voc vai se perder, voc no vai pegar a noo de conjunto. Ento eu sugiro essainverso: voc pega a Filosofia Concreta em sua redao final o Mrio fez redaes da FC,primeiro em um volume, depois em dois, depois em trs, e na terceira ficou bem arrumadinhomesmo.

    Aluno: mas se o aluno for iniciante de filosofia vai ser complicado fazer essa ordenao.

    Mas vai ficar mais complicado se comear pelo primeiro. Todas as pessoas que leramMrio Ferreira dos Santos ficaram numa confuso mental... e eu fiquei durante quinze anospensando como fazer para sair dessa confuso mental, eu tambm fiquei numa confuso. Agora,eu li o Mrio Ferreira sem ter nenhuma referncia a respeito dele, no sabia nada. Uma alunaminha, que era uma besta quadrada, e que a nica coisa que ela fez de bom na vida, a nica coisatil foi me trazer esses livros. Da eu comecei a ler de noite e percebi que ou ele era um loucocompleto ou era um dos maiores filsofos de todos os tempos, e precisava ler o resto para tirar advida. Ento eu tive essa chance de no ter nenhum preconceito nem a favor nem contra.

    Agora, quando voc vai ler sabendo que l tem alguma coisa, as coisas que voc vai pegando nemsempre so exatamente as que voc deveria pegar. Primeiro pode acontecer que o indivduo notem cultura filosfica e as coisas que lhe atraem a ateno sejam simples informaes referentes

    filosofia de Plato, Aristteles, ou So Toms de Aquino e voc vai ficar deslumbrado comaquilo, achando que o Mrio Ferreira mas aquilo de Mrio Ferreira no tem nada. O Mrio no um autor para principiantes. A pior que pode acontecer na sua vida voc comear o seuestudo pelo Mrio Ferreira, porque voc faz uma confuso dos diabos. como dar a uma crianaque est aprendendo a ler uma Enciclopdia Britnica com as pginas rasgadas e mandar que elaordene. Existe uma ordem, no impossvel reconstitui-la, mas no uma experincia pela qualum principiante possa passar sem ficar um pouco traumatizado com aquilo e sem criar idiasabsolutamente fantsticas, que no vo corresponder realidade de maneira alguma. A filosofiado Mrio um negcio to poderoso que ela desorientou muita gente na poca. Eu conheo umsujeito que praticamente pirou da cabea tentando ele era estudante de Wilhelm Reich articular a filosofia do Mrio com Reich e ainda misturou com candombl e macumba. Claro que

    o Mrio no tem nada a ver com isso, apenas um cara que entrou dentro daquilo sem a atitudedevida. Se voc no sabe mesmo o que uma filosofia no vai procurar nada no Mrio. Aquilo para quem j sabe o que filosofia, e sabe muito bem. Porque seria como a obra de So Tomsde Aquino mas em desordem. Quer dizer, a possibilidade de voc ir direto ao que essencial mnima. E por isso mesmo que essa obra continua desconhecida. Ela no boa para oprincipiante, ela vai desorientar o sujeito, ela muito grande e muito ampla. uma internet.Ento voc tem que mapear o negcio, ver por onde pode entrar e ir por partes. Vamos pegar aspartes que interessam e onde est o pulo do gato. E no fazer isso fora do contexto de um estudogeral da filosofia. Portanto no tenha a iluso de se iniciar na filosofia atravs do Mrio. No dpara fazer isso.

    Eu acho que o prprio intuito pedaggico que o Mrio teve s atrapalhou. O livro que ele

    escreveu sem nenhum intuito pedaggico que a Filosofia Concreta e que era um simplessistema axiomtico, que uma leitura para filsofos, est muito mais claro e muito mais eficientedo que as coisas que ele fez antes. Mesmo porque nos primeiros livros da srie ele comea a

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    expor certas noes que so puramente de ordem enciclopdica, informao geral, o que seentende por tal palavra, o que se entende por tal outra. Quando voc v ele repentinamentepassou do uso corrente da palavra para o uso especfico dele e no avisou nada e da voc seestrepa todo. prprio de uma filosofia nova reconceituar todos os termos bsicos da filosofia,

    vai dar uma acepo nova a cada palavra. Cada filosofia tem o seu vocabulrio, no tem jeito de

    no ser assim. E o Mrio quando comea ele no sabe se ele vai usar a filosofia dele, as acepesdele mas que ainda no esto prontas ou aquelas que j esto prontas mas no so dele. E istocria uma hesitao que para o leitor um desastre. Eu tive muita sorte de comear a ler peloPitgoras. Por acaso eu catei l no meio o Pitgoras e o Tema do Nmero, que um dosdecisivos, um livro importante e que no faz parte da primeira srie. um livro isolado, comcomeo, meio e fim e que at d para voc entender fora do contexto da filosofia inteira doMrio.

    O essencial a mapear o conjunto para ver onde o sujeito quis chegar e em que medidaque ele realmente chegou. Essa primeira srie de dez livros seria na cabea dele na poca oessencial da filosofia dele e o resto seriam aplicaes pelas quais ele ia ilustrar esse sistema ao qualnessa poca ele chamava Filosofia Concreta. Acontece que quando ele terminou essa srie de dez

    ele comeou a escrever os volumes seguintes que ele chamava de livros de problemtica. Voctem os livros de temtica que so os livros que vo se dividir pelas disciplinas e tem os livros deproblemtica que partem de algum problema em particular e aprofundam esse problema. Asegunda srie ento seriam os livros de problemtica, ou seja, com a filosofia e os mtodoscriados nos dez primeiros volumes ele atacaria esse, aquele ou aquele outro problema que teminteresse para a filosofia contempornea de algum modo. Acontece que durante essa segunda faselhe ocorrem certos aprofundamentos da filosofia que ele tinha concebido na primeira parte queele mesmo jamais poderia prever. Quer dizer, na verdade voc tem trs Mrios: o Mrio Ferreiraescritor, filosofante; depois voc tem o MF filsofo dos dez primeiros volumes, da FC, que onome do ltimo volume e tambm do sistema inteiro nesta poca; e depois voc vai ter o MF dafase final, e ele muda o nome do sistema, que agora se chama Mathesis Megisto, quer dizer,

    ensinamento supremo. Se a FC j uma tentativa de fundamentao de todo o mundo doconhecimento, na Mathesis ele vai dar o fundamento mais profundo ainda. E ele concebe aambio de criar um modo de raciocnio que funcione para ele como uma meta-linguagem detodo o conhecimento possvel. Uma linguagem na qual voc possa abordar todas as cincias eestabelecer a conexo de todas elas. Mais ainda, ele cria a idia de que ao longo da evoluo dopensamento filosfico houve uma srie de constantes, uma srie de mximas, sentenas, frases,juzos que se repetiram, que todos os filsofos sempre concordaram, pelo menos os maisimportantes. A este conjunto de teses ele chama as positividades no no sentido comum e simno sentido etimolgico, daquilo que posto. Quer dizer, a filosofia positiva o contrrio dafilosofia crtica. Esta a que vai analisar e derrubar os conceitos, a filosofia positiva a que vaipr. Ento ele acha que ao longo da histria da filosofia surge uma srie de positividades que no

    apenas se repetem mas que podem ser organizadas em um sistema, que elas somam uma espciede sistema dedutivo dentro delas e que isso formaria uma espcie de meta-filosofia. A esta meta-filosofia ele chama Mathesis Megisto.

    Aluno: mas de certa forma a filosofia concreta j era isso.

    J era mas no era. J era mas ele no sabia que era. E por isso mesmo ele muda o nomedo sistema. Ele percebe que ele deu um passo. O sujeito um prodgio filosfico, ele criou defato dois sistemas filosficos, s que um est dentro do outro. Ento a FC fica sendo umaintroduo Mathesis Megisto. Para o indivduo chegar ao ltimo patamar da coisa ele vai ter depassar por uma srie de etapas. A primeira etapa ento pode ser abreviada todinha nesse volume

    dez que se chama FC. O que a FC no entender dele? A FC uma tentativa, um sistemaaxiomtico todinho feito de evidncias ou provas. Aquilo que no for automaticamente evidenteter de ser provado, e nada pode sair disto. Ento parece a metafsica clssica num sentido de

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    usar o sistema axiomtico como Spinoza, como uma organizao geomtrica. Mas ao mesmotempo no se limita ao processo espinoziano porque medida em que ele vai construindo o seusistema axiomtico ele vai calando com comentrios crticos. Quer dizer, ele vai dialetizando, ele

    vai fazer uma construo lgica e linha retauma coisa leva outra, outra, e assim por diantemas ao mesmo tempo ele vai dialetizando. Na primeira tacada ele escreve s essa linha central da

    deduo mas depois ele vai acrescentando corolrios, comentrios, esclios... que vo calando acoisa por tudo quanto lado. O conjunto do edifcio muito consistente. Ele diz que o problemabsico de toda a filosofia encontrar o que ele chama de ponto arquimdico, que algo que nopode ser negado de maneira alguma. Enquanto Descartes acredita encontrar este pontoarquimdico na prpria conscincia, quando ele diz que no pode negar que est pensando, oMrio parte de uma base que no interior, no subjetiva, mas tambm no exterior. Aafirmao da qual parte a FC alguma coisa h, algo h, algo existe. O que esse algo? Esse algo por um lado o conceito mais vazio que voc pode supr mas tambm o mais cheio. Ento aprimeira constatao do Mrio a da impossibilidade da negao total, no existe negao total.Na hora em que voc negar essa afirmao pelo menos a negao h. Esta a coisa maisevidente. Se algo hento no h o nada absoluto. Se o nada absoluto no existe ele tambm no

    age. Portanto todas as privaes ou negaes que existam tm que ser em funo de algo que h,de certo modo um efeito, uma manifestao ou um aspecto do algo que h. Ento a partirdessas constataes iniciais ele vai construindo todo um sistema axiomtico at fundar as basesda metafsica, da psicologia, da teoria do conhecimento, e assim por diante. Ele acredita que possvel reduzir a doutrina filosfica a uma forma inteiramente matematizada, dar deduofilosfica uma continuidade to grande quanto a de uma demonstrao matemtica. Porm, eledistingue muito bem o de que ele est falando, o objeto, e a atividade cognitiva que o apreende.Ento todo conhecimento tem um lado ontolgico, que o objeto, e vai ter o lado psicolgico,que a atividade cognitiva que voc desempenha. No em funo da natureza do objeto mas emfuno da sua prpria natureza de sujeito cognoscente voc no pode se ater exclusivamente demonstrao lgica, porque a sua mente suscita contradies. Ento de cara ele percebe que

    uma abordagem unilateralmente lgica no funciona e que ele vai ter que recorrer a uma dialtica.O que a dialtica? A dialtica, diz ele ele privilegia nessa raiz diaa acepo do atravsde ele v a dialtica como um pensamento que vai atravs de hipteses, ou atravs de erros,buscando alguma coisa. um pensamento essencialmente crtico, e crtico de si mesmo. E nestadialtica ele vai ver justamente que a partir da hora em que voc tem uma abordagem lgica euma dialtica, ele vai ver que h a impossibilidade de abordar qualquer objeto num plano nico.Ento pergunta ele: de quantas maneiras ns temos que olhar o objeto para ns termos certezade que o cercamos? Ento surge na cabea o primeiro esboo na cabea dele do mtodo que ele

    vai chamar de decadialtica, que um conjunto de dez pontos de vista tem que ser dez porquea partir do dcimo voc comea a se repetir, e at o dcimo eles so distintos ento ele diz quequalquer objeto, qualquer conceito ||| fictcia, pode ser a unidade do engano; mas ele um

    engano e no dois. Ento, mesmo que voc conceba um conceito que seja obtido por meraacumulao de detalhes inconexos, ainda assim essa coleo uma coleo e no duas. Mesmoaquilo que tenha o mnimo de unidade ter alguma para voc saber que ele ele. Essa aprimeira caracterstica. Ento em primeiro lugar temos que olhar a unidade do objeto. Mas se aunidade do objeto for uma unidade absolutamente simples ||| ento qual a contradiomxima que existe dentro desse objeto? Essa seria a segunda abordagem. No mnimo voc teriaque olhar o objeto, saber o que , saber a unidade dele, e qual a contradio mxima que existedentro dessa unidade. Porm, essa unidade e essa dualidade, pelo simples fato de voc terunidade e dualidade, voc j estabeleceu uma relao qualquer entre elas. Em que medida essesdois fundam a unidade e em que medida a unidade gera a dualidade? Isto ele chama de relao.Com isso a ele vai formando o sistema dos dez enfoques: primeiro a unidade, segundo a

    dualidade, terceiro a relao. Agora, a hora em que voc consegue equacionar essa relao e dizerqual ela, voc a enuncia sob a forma de uma proporo. Proporo quer dizer uma frmula dotipo: a/b = x/y. Quer dizer que a dualidade equacionada e expressa sempre uma quaternidade.

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    Essa uma lei: todo par um par de pares. Se voc colocar a e b, voc colocou aparentemente sdois elementos. Mas se voc colocou uma ordem entre eles, a primeiro e b depois, ento jcolocou implicitamente a negao dela, seno ela seria impensvel. Quer dizer, a dualidade em sino pensvel, a unidade tambm no. Voc sabe mais ou menos o que , mas voc sabe por umato de intuio intelectual, voc no capaz de expressar o que . O expressvel comea a partir

    dessa quaternidade. Quer dizer que uma relao a/b = x/y. Como em geometria, voc tem aquium ponto e ali outro ponto, ento existe uma figura chamada miponto. Voc no podeestabelecer um miponto sem que voc estabelea a distino entre um ponto e outro. Mas nahora em que voc colocou uma distino lgica, este ponto no este outro ponto mas ambos so pontos,ento voc colocou dois elementos, uma identidade e uma diferena, voc formou umaquaternidade. Sem isso ela no seria pensvel. Ento a voc estabelece a categoria daproporcionalidade. Porm esta proporcionalidade, por sua vez, ela o resumo da forma total doque voc sabe do sujeito, ento esta quaternidade tem sua unidade, ela uma forma. Ento istod a quinta categoria que se chama forma. A forma a unidade, mas j no a unidade simples docomeo mas a unidade de uma contradio montada num sistema de propores.

    Aluno: na verdade todas as categorias tm uma forma que sempre superada na prxima.

    Todas ela. Todas as categorias tm uma forma, mas tambm tm uma proporcionalidade,tambm tm uma relao. Ento essas categorias so inseparveis. S que neste momento em queele est concebendo a FC e para isto est concebendo este mtodo que ele chama dialticaconcreta, ele encara isto apenas do ponto de vista metodolgico, apenas um mtodo. Mais tardeque ele vai descobrir que isso no s um mtodo, que mais alguma coisa. A partir domomento em que voc tem a forma voc vai ter a relao entre esta forma, que uma unidade, euma outra unidade possvel qualquer. Quando voc pegar uma unidade completa, que seria comoum pentagrama, este pentagrama tambm um ponto. Ento se voc pegar esta unidadecompleta e considerar em face de uma outra unidade qualquer voc vai ter uma harmonia, uma

    semelhana de forma entre esta e aquela. Isto se chama harmonia. Ento quando voc chegaraqui voc j no est falando de um objeto s, entrou um outro. Ento todo o objeto, todo o serque voc compara com um outro qualquer tem que ter algum padro de harmonia entre os doisseno voc no poderia estabelecer comparao nenhuma. Porm existe o seguinte: pode terharmonia mas um no o outro. Ento esta a categoria da separao ou do abismo, ou da crise.

    A crise a irredutibilidade de uma coisa outra. Porm entre esses dois objetos que ao mesmotempo tm alguma harmonia, para poder ser comparados, mas tambm tem uma crise, umabismo, esses dois, se voc est podendo falar deles, porque h algo em comum que ossubordina, eles pertencem alguma linha, alguma categoria, alguma lei que os transcende dealguma maneira. Isto se chama integrao.

    Aluno: seria uma relao maior entre um e outro?

    uma relao que abarca a ambos. Ento essa seria a oitava categoria, que se chamaintegrao. Mas acontece que tudo aquilo que est integrado um com o outro est integrado noconjunto todo. Ento todas as coisas que tm alguma conexo entre si esto conectados dealguma maneira no conjunto, e isto se chama integrao transcendental. Porm, tudo isto queest integrado se est integrado num todo porque este todo tambm tem unidade. Ento areduo do todo unidade forma a dcima categoria que se chama a unidade transcendental.

    Quer dizer, a hora em que voc conseguiu pegar um ser qualquer e olh-lo por todosesses lados voc realmente o entendeu. Ento voc sabe qual a unidade que ele tem e queportanto o distingue. Ele um cachorro, um bicho, uma equao, uma idiotice, qualquer coisa.

    Qual a contradio que o compe? Qual a relao entre as duas partes da contradio e comons podemos equacion-la numa frmula proporcional? Qual a forma que essa frmulaproporcional adquire dando a este ente a figura de uma unidade distinta? Ou seja, no uma

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    unidade simples como no comeo. Qual a harmonia e a separao que h entre este objeto e osoutros que o circundam? A ele chama a normal: a lei que os integra. Esta lei por sua vez estintegrada em qual conjunto de leis e qual a unidade de leis deste conjunto no todo? A vocsabe tudo que d para saber, supondo-se que voc pudesse saber isto a respeito de alguma coisa,ento voc teria a a resposta final sobre o que aquilo l, sem cair nem no abstratismo que s vai

    ver os aspectos gerais e universais da coisa nem no nominalismo que s vai ver o aspectoseparativo e emprico. Quer dizer que a separao do objeto em relao sua classe, espcie,gnero, importantssima, mas a integrao tambm, e voc s compreende uma pela outra e aoutra pela uma. No existem separadamente. Quem est certo, realismo ou nominalismo? Osdois. Se voc no conseguir integrar voc no vai entender porra nenhuma. Qual est certo,materialismo ou espiritualismo? Os dois.

    Aluno: da que entra a positividade de que ele falou.

    Exatamente. com este mtodo, decadialtico que ele vai complementando esta deduoque ele faz na FC. Ele vai fazer um sistema axiomtico mas preenchido de abordagens dialticas

    que passam por esses dez nveis. Tudo isso em tese, no atacou nenhum problema concreto, eleest concebendo como mero conjunto de possibilidades. Ningum nos disse que possvel umafilosofia assim e, de fato, a FC no realiza isso, ela apenas enuncia. Da se segue a segunda sriede livros, que so os livros de problemtica onde ele vai mostrar que pensando assim a gentechega em algum lugar e a gente pode resolver problemas concretos de moral, teologia, metafsica,poltica. E da estaria realizado o trabalho. Acontece que da ele ataca o problema do Pitgoras.Eu no sei se a esta altura quando ele fez a FC ele j estava consciente de que ele era umpitagrico.

    Aluno: a ordenao da primeira srie foi inconsciente?

    No, foi consciente. Foi uma ordenao dele, mas isto no quer dizer que ele soubesseperfeitamente dentro de qual tradio filosfica que ele estava. Ele pode ter percebido tudo numrelance, s que num relance. Isto no quer dizer que especulativamente, no espelho de sua mente,

    voc seja capaz de reproduzir aquilo. Voc pode ter a sacao intuitiva mas na hora de tentarlembrar voc j produz uma reduo. A intuio filosfica dele idntica desde o primeiro livroat o ltimo, desde a Filosofia e cosmoviso at a Matesis certamente a intuio a mesma.Mas isso vai passar por vrias representaes sucessivas que vo ficando cada vez melhores. Ele

    vai tomando conscincia de algo que no fundo ele j sabia desde o incio. Todos ns somosassim.

    Quando ele vai atacar o problema do Pitgoras, especificamente no livro Pitgoras e otema do nmero, ele rel todos os textos que foram deixados pela escola pitagrica,

    comentarios, etc, e a ele faz uma descoberta formidvel: ele descobre primeiro que Plato umpitagrico ele no foi o primeiro que disse isso, mas ele se conscientiza disso e de que portrs de toda a teoria das idias tinha que ter um outro patamar da filosofia platnica que seriamais ou menos essa decadialtica que ele acabou de inventar. Quer dizer, ele acabou de inventar edepois descobriu que no inventou. Ele vai dizer ento que quando Pitgoras dizia que osnmeros, que as coisas so feitas de nmeros, quer dizer, que os nmeros eram a substncia realdas coisas, ele no diz isso do nmero no sentido matemtico concreto mas do nmero comoexpresso da forma do ser. Ou seja, o que o nmero de um ser? a frmula dele. E ele vaidizer que a lei de sua proporcionalidade intrnseca, aquilo que faz com que ele seja o que . Etodo esse sistema dos nmeros vai ter no topo o um e o dois, o um e a dada. Ora, mas o um e adada j era o comeo tambm da dialtica simblica. Ento a eu j acho que o Mrio j no

    sabia mais se a filosofia era dele ou no era, porque a ele descobre a cadeia urea que vem desdePitgoras at agora e todo mundo pensou exatamente a mesma coisa. Ento ele j no sabe se eleest fazendo uma coisa que saiu de seu pensamento ou se est fazendo a mesma filosofia de

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    sempre. E tambm no interessa mais porque a ele j entrou num patamar onde isso j no vemmais ao caso. Ento a j no se trata mais de expor a filosofia do Mrio Ferreira mas de expor aMathesis Megisto, quer dizer o pensamento que expressa aquelas verdades axiomticasfundamentais que todos os filsofos pensaram mais conscientemente ou menos conscientemente,mais claramente ou menos claramente, desde o comeo dos tempos.

    Fim da primeira aula.

    A simetria total do negcio no to perfeita assim. Mas eu acho que at impossvelrealizar isso no prazo que ele teve para trabalhar. Nessa segunda srie naturalmente no existeuma numerao porque ns temos os livros do que ele chama de problemtica, ento pode terum nmero indefinido de assuntos, so simples exemplificaes. Ento ele comea a segundasrie com um livro de tica e de sociologia e de filosofia dos valores. E naturalmente a pista queele vai seguir para a soluo dos problemas a o problema da falibilidade, o problema daprevisibilidade, onde voc vai ter que entrar em problemas de natureza tica medida em queexiste margem para uma deciso e esta s cabvel onde existe a possibilidade da falha.

    Mas ele no se interessa muito por problemas ticos. Eu acho que tica um assunto paracrebros inferiores. tica no fundo dizer o que os outros devem fazer, ocupao paradesocupados. Ento deve-se tocar o mnimo nesse assunto e com um certo comedimento. Dosgrandes filsofos poucos se ocuparam disso a. Aristteles tem dois livros de tica mas isso seperde dentro do oceano de obras dedicadas a outras coisas. A tica de Spinoza na verdade no uma tica mas uma metafsica. A tica como filosofia prtica certamente um domniomenor. Nesta segunda srie de livros do Mrio os pontos de mximo interesse so o livro sobrePitagras, evidentemente, e os estudos que ele vai fazendo a respeito das obras dos filsofosantigos. Ele lanou uma srie de tradues comentadas. Quando ele vai calar Plato e Aristtelesele ainda o filsofo da primeira parte, mas quando ele chega no Pitgoras a coisa comea atomar um outro rumo. Para entender esse outro rumo ns precisamos ter uma idia mais precisa

    do ponto onde ele estava na FC. Para isso eu vou ler e comentar algumas das teses da FC.O Mrio primeiro escreveu um certo nmero de teses, umas trezentas e poucas, queformavam o encadeamento de um sistema dedutivo. Depois ele faz demonstraes ecomentrios. Ns vamos ver, desde logo, as dez primeiras teses. No por coincidncia ele fecha oincio do sistema com as dez primeiras.

    Primeira tese: alguma coisa h e o nada absoluto no h.Segunda tese: o nada absoluto, por ser impossvel, nada pode.Dos comentrios que eu selecionei aqui tem o seguinte: para poder preciso ser,

    portanto o nada absoluto nada poderia fazer. Se pudesse fazer alguma coisa, j seria alguma coisae no o nada absoluto. Portanto nada podemos esperar que dele provenha, porque no nada.

    A terceira tese sai aparentemente dessa linha, que est numa linha ontolgica, e ele vai

    dizer que existe no somente a prova por demonstrao mas a prova por mostrao. A prova pormostrao a prova por auto-evidncia. Ento diz ele que o conceito de demonstrao implica oconceito de mostrar, quer dizer, a demonstrao seria uma mostrao indireta. Isso a, paraaqueles que acompanharam as minhas outras aulas, exatamente a idia da evidncia da prova.A primeira certeza tem naturalmente que ser mostrada a demonstrao exige que algo sejadefinitivamente mostrado para que algo possa ser demonstrado por ela o axioma alguma coisah evidente de per si e mostra a sua validez de per si independentemente da esquemticahumana isso aqui eu j vou explicar o que ele quer dizer com isso pois esta pode variar,podem variar os contedos esquemticos, mas que alguma coisa h evidente para ns e extra-mentis independente da mente humana.

    O que ele quer dizer com evidente de per si? Algo que no requer e nem admite prova.

    Mas eu mesmo depois descobri que a caracterstica do auto-evidente que ele no admite umacontraditria unvoca, que se tentar formular a contraditria dele voc cai necessariamente numasentena de duplo sentido. Se voc diz que algo hqual a contraditria disto?Algo no hou nada

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    h? As duas, no ? Qual das duas vale? Qual o contrrio de algo h? algo no hou nada h,mas no d para saber se uma ou outra. As duas valem como contraditria dela, e isto indecidvel. E isto sempre acontece com os juzos auto-evidentes. E isto uma propriedadefantstica. Isto no est no Mrio, eu que descobri e tenho um espanto por ningum ter reparadonessa coisa antes. Porque o problema com o conceito da evidncia que nele parece que existe

    um resduo irracional. Se todo raciocnio lgico tem um fundamento, que por sua vez no demonstrvel, ento toda a demonstrao depende de algo que no demonstrvel. E esse algode onde vem? um mistrio, algo que se impe por si mesmo, algo que escapa do mundo darazo. Ento ns temos que ter tambm um critrio lgico para decidir o que evidncia e o queno . E est a o critrio. Todo juzo evidente no pode ter contraditria unvoca. Por que assim? A eu tambm no sei, s posso dizer apenas que um fato que descobri, mas ainda nosei os fundamentos desse fato. Mas toda vez que voc tentar vai acontecer isso. Por exemplo,esse algo hafirma a existncia de um particular, que o algo, mas ao mesmo tempo, ao afirmar oparticular, ele afirma tambm coerentemente o seu gnero. Quer dizer que se algo existe, existe aexistncia; se existe esse algo em particular porque existe a existncia em geral. Ento a voctem o sentido particular e o sentido geral imbricados na mesma frase. Voc no precisa decidir,

    para que a sentena geral valha, voc no precisa decidir se alm desse algo hh, alguma outracoisa tambm, basta que exista um algo para que a sentena seja vlida seja no sentido particularde que este algo h, seja no sentido genrico de que algo em geral h. Quer dizer, no h salto,no h incoerncia entre o sentido particular e o sentido geral. Por isso mesmo a contraditria vai

    visar de um lado o sentido particular e de outro o sentido geral, s que a fica contraditrio. Umacoisa voc negar a existncia de um algo e outra coisa voc negar a existncia de tudo. Ocontraditrio da sentena algo h so duas sentenas que so totalmente diferentes entre si e queno podem ser reduzidas uma outra, uma no sentido de que algo no h ou de que nada h.Bastaria isso para voc perceber que est lidando com um conhecimento que auto-evidente ecom o qual, portanto, voc no pode lidar na esfera da lgica, vai entrar na esfera dosfundamentos da lgica.

    Em seguida o Mrio vai dizer que a demonstrao exige o termo mdio e que a mostraono exige. A mostrao segue uma via intuitiva. A evidncia do que se mostra impe -se por simesma, pois a sua no aceitao levaria ao absurdo. Tambm se pode fazer uma demonstraodireta pela mera comparao acima citada; ou indireta, como a reductio ad absurdum. Aqui voc vque ele s admite como tentativa de prova lgica da evidncia a reduo ao absurdo. Se voccontradiz aquela sentena voc chega num absurdo. A que eu acrescento algo mais: alm dareduo ao absurdo existe uma outra, se no uma prova pelo menos um indcio, que aimpossibilidade da contraditria unvoca. A reduo ao absurdo no prova efetivamente umatese, apenas prova a absurdidade da sua contraditria. Agora, uma sentena absurda pode ter umacontraditria tambm absurda. Se voc disser que todos os homens so vivos. Esta sentena absurda evidentemente. No entanto se voc contraditar voc tem que nenhum homem vivo e

    esta tambm um absurdo. Ento a prova do absurdo do contrrio no uma prova positiva deum juzo. Ento a evidncia sempre fica um pouco sob suspeita por causa disso, ns sabemosque o contrrio dela absurdo ou leva a absurdos mas isso no quer dizer que ela seja verdadeiraem si mesma. Agora se voc diz que o contrrio informulvel, o contraditrio dela no apenas absurdo logicamente mas informulvel, no d para formular. Ento voc entende que estejuzo tem uma necessidade intrnseca. Ele se afirma a si mesmo e exclui a possibilidade deformular o contraditrio. Uma coisa voc ter uma idia que seja absurda e outra coisa voc teruma idia que no d para ser pensada, no sequer formulvel, portanto ela no quer dizernada. Ento ns diramos que como o contraditrio de uma sentena evidente uma sentenaambgua, o ambguo, como ele pode ter dois sentidos contrrios ele no pode ter sentidonenhum. Ento no que o contraditrio da sentena evidente leve a absurdos, ele no tem

    significado, ele no diz nada.Ento a a gente chega num ponto muitssimo importante que vai faltar no Mrio Ferreiramas que acho que uma das bases para validar essa coisa, que de que existem dois planos de

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    conhecimento: um seria o plano da intuio das essncias simples gato, homem, parede eoutra a dos complexos, onde voc forma juzos esta parede branca, o gato miou, e assim pordiante. Aristteles dizia que no que diz respeito apreenso das essncias simples no existe erro,s existe erro quando voc afirma algo. Quando voc pensa na essncia gato no h erro; podehaver um erro de denominao, voc pensa numa essncia mas no nome de outra, mas o que

    voc est pensando verdadeiro em si. Se eu penso gato e digo peixe, errei a palavra mas ocontedo do conceito pensado verdadeiro em si mesmo. A possibilidade de erro s comea apartir da declarao do juzo. Quando voc diz que isso aquilo, este peixe grande ou esse gatoest miando. Acontece ento que tudo aquilo que voc apreende num certo senso ou num certotermo, se voc o apreende no como um juzo que voc faz a respeito desse ser mas como sendoa simples essncia desse ser voc no erra.

    Quando voc pensa assim: Scrates homem; um juzo, ento pode estar errado,Scrates pode ser um hipoptamo, mas isso s no plano da composio verbal. Na verdade eununca pego o conceito de Scrates sem que l dentro esteja o homem. Portanto a hominidade deScrates auto-evidente, e se eu tir-la no em Scrates que estou pensando, outra coisa. como se fosse um retrato de Scrates. Eu vejo uma figura e digo: este Scrates. Mas claro que

    esse no Scrates, s um quadro pintado, uma imagem de Scrates. Mas para eu pensar essaessncia individual Scrates, eu penso enquanto homem. Eu no preciso formular o juzoScrates homem para saber que ele homem, na hora em que falo Scrates o que eu penso essa essncia de Scrates, e sem nada afirmar ou negar eu j estou pressupondo dentro dela ahominidade. Agora se eu digo: o homem um animal racional. Bom, na hora em que eu penseiScrates, eu pensei Scrates separado de sua racionalidade e animalidade, de modo a depois terdesdobrar e afirmar Scrates homem e portanto um animal racional? No. Eu j pensei tudoisso, tudo isso j est na essncia simples. Ento esse o domnio do que intuitivo e verdadeiro.O problema que para voc express-lo voc s pode express-lo pelas formas da lgica,portanto aquilo que voc apreendeu como conceito voc tem que expressar como juzo, tem quefazer uma sentena. Aquilo que voc apreende como um nome s, Scrates, voc tem que

    expressar Scrates um homem, homem animal racional, e assim por diante; voc faz umasequncia de juzos que na realidade nada esto acrescentando, so apenas juzos analticos, sesto analisando o contedo do conceito. Mas acontece que esses juzos analticos j esto todosimplcitos logicamente no conceito.

    Agora, quando eu penso este conceito eu j o penso com todas suas implicaes lgicasou s com uma parte? Essa uma diferena acidental e psicolgica. Algumas vezes eu penso oconceito cheio, quer dizer, j com todas as suas determinaes e todos seus contedos implcitos,outras vezes eu penso s o nome. Se eu penso s o nome ento eu preciso captar a restante dascaractersticas que eu desejaria apreender e da eu preciso pensar, preciso fazer a deduo, e nadeduo posso errar. Ento existe a possibilidade de voc apreender dentro de um conceito jtodos os juzos analticos que esto dentro dele e apreender isso tudo intuitivamente. E neste

    caso o sujeito apreendeu de maneira correta, automaticamente. Mas o que determina essadiferena? Nada determina essa diferena, ela acidental, um pensa assim e o outro assado,depende da sua quantidade de ateno, depende da sorte. Ento isto quer dizer que aquilo quepara um um conceito intuitivo para outro um conceito racional. uma diferena meramenteacidental, no que diz respeito a esses conceitos simples. Aquilo que para mim um conceitosimples para o outro uma sequncia de juzos que ele deduziu. E no conheo nenhum meiolegtimo de distinguir essas coisas efetivamente, distinguir teoricamente. Isto um mero acidente.Quando voc pensa em um ser que voc conhece muito bem voc j o pensa com todas as suasdeterminaes e outros que voc conhece apenas pela espcie, pelo nome da espcie, ento vocpensa ele s com uma definio vazia da qual voc depois pode com muito esforo ir deduzindo.

    Aluno: o Mrio chega a fazer uma distino formal entre animalidade e racionalidade, masno uma distino no ser, na substncia.

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    Mas nem pode ser, no indivduo homem a animalidade e a racionalidade no estoseparados, so apenas nomes que voc d. A racionalidade do homem est dentro de suaanimalidade.

    Aluno: inclusive voc pode num momento ter o conceito cheio e depois esquec-lo.

    Exato. Ento voc que toda essa distino entre racional e intuitivo ela na verdade vemde uma confuso de fatos. Porque a mesma coisa pode ser por um lado racional e por outrointuitivo dependendo do momento que voc a enxerga. uma distino meramente funcional eno real. Agora, at aqui o Mrio s tinha chegado neste ponto de que o evidente aquilo cujocontraditrio absurdo. Mas ns vimos que isso pode ser muito mais fundamentado.

    Quinta tese: h proposies no deduzidas, inteligveis por si, de per si evidentes(axiomas). Bom, ele j enunciou uma, que : algo h.

    Sexta tese: pode-se construir a filosofia com juzos universalmente vlidos. Bastando quese estabelea um juzo universalmente vlido sob o qual se possa construir todo um sistema.

    Stima tese: o nada absoluto a contradio de alguma coisa h. fcil voc perceber

    isso, j est constituido na prpria alguma coisa h.Oitava tese: o que h; ser. O que no h no-ser. Ele est apenas denominando.Nona tese: a proposio alguma coisa h notada suficientemente por si mesma. Note bem,

    por um lado ele diz que ela auto-evidente em si, quer dizer, ontologicamente. Agora na tesenove ele fala do ponto de vista cognitivo. Quer dizer, ns no precisamos nos reportar a algumaoutra coisa para compreender que algo h. Ou seja, o conhecimento de que algo hprovm do fatode que algo h, e mais nada.

    Finalmente, dcima tese: alguma coisa hno apenas um ente de razo, mas um ente real-real. Todo mundo sabe o que o real-real.

    Isto aqui o miolo da filosofia concreta, a fundamentao de uma nova metafsicarealista. Isto tambm o limite dessa srie. Tudo que ele fez nesses dez livros vai chegar aqui

    nessas dez teses. fcil voc ver que essas dez teses tm uma estrutura similar aos nmeros queas designam. Primeiro ele coloca esse algo, que o ser. Na segunda tese ele coloca o nada, que o contraditrio do ser. Na tese trs ele coloca o problema da prova, que o silogismo, o ternrio.Na tese quatro ele coloca uma comparao entre a mostrao e a demostrao; uma exige otermo mdio e a outra no, portanto ele j fez aqui uma proporo a/b = x/y. Na tese cinco ele

    volta unidade, mas colocada j do ponto de vista cognitivo h proposies no deduzveis,inteligveis por si, de per si evidentes ento ele est falando de novo da primeira tese. Ela inteligvel por si e evidente por si. J com tudo isso que est dentro. Na tese seis ele diz que pode-se construir uma filosofia com juzos universalmente vlidos, ento ele fez uma relao entre essejuzo e outros juzos. Na stima tese ele diz que o nada absoluto contradio de alguma coisah, e ele esclarece que h contradio quando h simultaneamente ausncia e presena do mesmo

    aspecto no mesmo objeto. Quer dizer, a simultaneidade da presena e da ausncia traz a idia dacrise, do abismo, da contradio absoluta. Na tese oito ele vai passar da idia de algo para a idiade ser. Ele generalizou, subiu de nvel. Na nove ele vai falar que a proposio alguma coisa hnotada suficientemente por si mesma, esse j o aspecto cognitivo ou noolgico da coisa. Efinalmente na dez ele afirma a realidade ontolgica do alguma coisa h, quer dizer, que no uma

    validade apenas formal, mas ontolgica. Com isso fechou o sistema, fechou os dez.Da para diante para onde ele vai? Ele tenta ento resolver uma srie de problemas

    filosficos com isso aqui, e quando ele chega no Pitgoras ele tem que elucidar em que sentidoPitgoras dizia que as coisas so nmeros. E ele v claramente que ele tem que distinguir entre osnmeros matemticos, que so os nmeros do clculo, e que evidentemente no se trata disso emPitgoras. Mas, se no se trata disso, se trata do qu? Ento seriam nmeros arquetpicos, os

    nmeros como categorias, os nmeros como princpios. As categorias so as mesmas dez. Todaselas so dadas no um e na dada, seria o ser e o contraditrio do ser. Quando ele percebe isso elev que tem na mo os seguintes elementos: ele tem por um lado os dados sensveis e por outro

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    lado os esquemas matemticos do mundo sensvel, como, por exemplo, a contagem uma, duas,trs... a numerao do mundo sensvel. Mas por outro lado voc tem os nmeros arquetpicosque so a possibilidade mesma de voc enumerar alguma coisa. Para que exista nmero nosentido matemtico necessrio que exista algo que seria a prpria numerosidade, a prpria idiade quantidade. De onde sai esta idia? Como que ela poderia se originar no na nossa cabea mas

    ontologicamente? O que torna possvel a quantidade? No a idia nossa de quantidade mas paraque exista quantidade necessrio que algo exista e que este algo tenha por um lado unidade masque por outro lado tenha a possibilidade de multiplicar-se, de ser vrias coisas ao mesmo tempo.Ento voc j tem a o um e a dada. Na hora em que ele fala isso ele percebe que esses so osprincpios platnicos. Ento ele v a unidade de pensamento que vem desde Pitgoras at Plato,e ele chega ento, como antecedente de mais de quarenta anos, ao resultado do Giovanni Reale.Giovanni Reale vai dizer exatamente isso, que em Plato o universo das idias no o pontoterminal, elas no so explicaes ltimas do mundo, mas que elas dependem de um universo deprincpios dos quais os primeiros so o um e a dada. A partir da ele vai vendo que todos osconceitos fundamentais da filosofia, de ser, nada, causa, antecedente, conseqente, que todosestes podem ser montados num sistema axiomtico; que seria possvel voc estabelecer a partir

    das dez categorias numricas a expresso de sentenas universalmente vlidas nas quais estariamfundamentadas todas as noes que voc usa no s em filosofia como em cincia. Ento elerefaz esses dez princpios expressando j as categorias no apenas no sentido de unidade,dualidade, ternariedade, e assim por diante, mas como juzos universalmente vlidos. Porexemplo, a primeira lei seria: tudo que , um; regra dois: esse um sempre se compe de uma oposio ; regratrs: os opostos esto relacionados; regra quatro: a relao forma uma proporcionalidade; regra cinco: a

    proporcionalidade tem uma forma. Essas sentenas so absolutamente inegveis porque elas so aomesmo tempo a estrutura da aritmtica elementar, estrutura da contagem, e a fundamentao detodos os conceitos cientficos e filosficos bsicos.

    Acontece que ele enuncia ento essas dez regras. Tendo enunciado essas dez ele descobrea coisa mais assombrosa: a contagem prossegue, e, na medida em que prossegue, o enunciado dos

    princpios tambm prossegue. Ento quando voc chega no dez, voc tem o onze. O que oonze? Bom, os dez primeiros princpios se enunciariam mais ou menos assim: o Todo forma umaunidade transcendental, unidade que transcende tudo aquilo que o compe; a regra onze seria oqu? A unidade da unidade transcendental. A unidade transcendental uma. Doze: a unidadetranscendental se compe de uma oposio; e assim por diante, e chega at no-sei-quantas teses.

    Todas essas sentenas so absolutamente axiomticas, no tem nenhum jeito de voc dizer queno. Agora, voc poderia dizer que esse sistema meramente formal. Bom, se o sistema meramente formal ||| adiantando mais um pouquinho, h uma hora em que no podemosencontrar um contraditrio unvoco. Ainda assim eu ainda no provei que tem alcanceontolgico. Provei apenas que a tese contrria, alm de absurda, no d nem para formular,portanto provei que o contrrio no apenas absurdo mas impensvel, informulvel, que ele

    nonsense, que absurdo, mas ainda no est provado que esse absurdo no seja ontolgico.Ento voc tem dois contraditrios: algo no he nada h.

    Aluno: esse algo no hpode ser verdadeiro tambm.

    Ele pode ser verdadeiro tambm mas de fato ele s contradiz esse aqui no seu sentidoparticular, voc tem o sentido particular e o sentido geral. Os dois no se contradizem, voc noprecisa escolher entre eles porque um implica o outro. Agora, este implica aquele mas aquele noimplica esse. Se nada h evidente que cada um dos algos tambm no h, mas o fato de que algono haja no significa que nada h. Alis o fato de que algo no hnem mesmo contradiz este aqui.Ento eu descobri que na negao do princpio evidente voc no pode decidir entre o contrrio

    e o contraditrio. Este o contrrio e aquele o contraditrio. E isto indecidvel, no d parasaber de qual dos dois voc est falando. Tudo isto aqui s prova que esta negao absurda,mas nada nos prova que o ser mesmo no absurdo. Ento ns temos duas hipteses: ou este

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    algo htem alcance ontolgico e fundamenta portanto o real e o conhecimento do real ou o sermesmo absurdo. E isto ainda no est resolvido no Mrio Ferreira.

    Como que a gente sai dessa? O Mrio coloca o algo hcomo fundamento da ontologia.A negao disto cai no duplo sentido algo no he nada h, e isto indecidvel. Portanto alm dissons camos no informulvel e no absurdo. Mas dizendo isso ns no provamos ainda que o ser

    mesmo no informulvel e absurdo. Pode ser que essa parte, essa negao, algo no he nada h,ela seja vlida, contanto que o ser seja intrinsecamente informulvel e absurdo. Se voc nega oalgo hvoc cai no absurdo. Mas e se a realidade for absurda? Da ela ganhou. Ento ns temosduas hipteses: ou algo h ou prevalece o absurdo. Na hora em que ns formamos essaalternativa, ou algo h ou tudo absurdo, ns s formulamos uma alternativa mas ns no adecidimos, ns no exclumos a possibilidade do absurdo. impensvel, mas quem disse que oreal tem que ser pensvel? Pode ser que seja impensvel, pode ser que seja absurdo.

    Como samos dessa? Samos da seguinte maneira: esse algo h expressa uma sentenanecessria. logicamente necessria. Porque o necessrio aquilo que no pode no ser,logicamente falando. Em que medida voc poderia pensar o necessrio apenas como hipottico?

    Voc teria o hipoteticamente necessrio. O que o hipoteticamente necessrio? o se A ento

    necessariamente B. Ou seja, se houver a condio A ento se seguir necessariamente a condio B.Isto seria o hipoteticamente necessrio. Mas o hipoteticamente necessrio, de fato, das duas, uma:ou o carter hipottico dessa sentena meramente pensado ou ele tambm real, ontolgico.Isto voc poderia verificar com o negcio do Santo Anselmo, que diz: Deus um ser necessrio,o ser necessrio no pode no existir. Porque se necessrio ento tem que existirnecessariamente. Ento o conceito de Deus exige a sua existncia. Da responde a crticakantiana: essa necessidade se refere apenas ao conceito de Deus. Portanto se esse conceito realento a necessidade do ser se segue, mas uma necessidade hipottica. A que eu pergunto: emque medida o necessrio pode ser hipottico? Se ele for hipottico voc admite a possibilidade deque ele no seja, e da ele no necessrio de maneira alguma. Mas se eu digo que esse ser hipottico, pergunto eu: ele necessariamente hipottico? Ele tem que ser hipottico?

    Aluno: ele tem que ser necessrio at para viabilizar essa hiptese.

    Ele hipottico mas no necessariamente hipottico, portanto ele no pode ser hipotticoem si mesmo. Ele s pode ser hipottico na nossa cabea. Portanto entre o necessrio e ohipottico no h meio-termo. Ou necessrio ou hipottico. E o hipoteticamente necessrio,que o Mrio admite, um rombo nessa coisa toda. Se uma coisa necessariamente hipottica, ela hipottica em si mesma, e portanto necessariamente hipottica, ento ela no necessria demaneira alguma. Se ela necessariamente hipottica ento impossvel que ela seja necessria.Ento isto est negado j no conceito da necessidade do ser. Ento ele s pode ser hipotticoacidentalmente. Ora, se ele s pode ser hipottico acidentalmente e est excluda totalmente a

    possibilidade de ele ser hipottico necessariamente ento necessrio necessariamente.Algo h colocado como uma sentena necessria. Se voc diz que algo no hou que nadah, das duas, uma: ou essa negao necessria em si mesma, e ento prevalece o absurdo, ou desnecessria. Ou algo h necessrio ou nada h necessrio. Ento este algo h, que necessrio,ele comea a ser visto como uma necessidade hipottica, pode ser que algo haja. Ento note quenesse caso hipoteticamente necessrio. Se algo hento no h o nada. Mas o que quer dizer ohipoteticamente necessrio? uma coisa que se cumprir certas condies se tornar necessria.Mas se a sentena hipottica, ela hipottica necessariamente ou s acidentalmente? Se ela hipottica necessariamente ento ela no necessria de maneira alguma. Como ns admitimosessa idia intrinsecamente impensvel que o necessariamente hipottico, e ainda admitimos queesse necessariamente hipottico necessrio de algum modo, isto absurdo, porque se

    necessariamente hipottico ento no pode ser necessrio necessariamente, ou ento nsadmitimos que h algo de estranho na idia do hipoteticamente necessrio. Na verdade o termo

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    hipoteticamente necessrio que se usa designa uma necessidade absoluta, apenas limitada a umacondio. O que no quer dizer que o conceito de que se trata seja em si mesmo hipottico.

    Voltando agora ao exemplo de Santo Anselmo, ele diz que se Deus um ser necessrioento o ser necessrio existe necessariamente. Pronto, est provada a existncia de Deus. Da aresposta famosa a seguinte: que essa necessidade de Deus meramente hipottica, ela se refere

    no a um ser mas a um conceito de Deus que voc mesmo est formando; se este conceito verdadeiro ento o seu Deus ser necessrio e ele existir necessariamente, mas ns no sabemosainda se o conceito verdadeiro. Isto supe que voc possa pensar como hipottico o conceitodo ser necessrio. Faamos a hiptese de um ser absolutamente necessrio. Em que medida nspodemos fazer esta hiptese? Para fazer essa hiptese eu tenho que pens-lo como apenashipoteticamente verdadeiro e no como necessariamente verdadeiro. Mas se eu digo que ele hipoteticamente verdadeiro, hipoteticamente necessrio, ento falta saber se esse carterhipottico dele necessrio tambm ou se acidental. Ou seja, ele necessariamente hipottico?Ele s pode ser hipottico? Se ele s pode ser hipottico ento no necessrio. Ento oconceito mesmo contraditrio, e da voc no est falando de nada. Ento o necessrio nopode ser hipottico a no ser para ns, do ponto de vista da mente. Na hora em que voc

    formula a hiptese, pelo simples fato de formular a hiptese voc j afirmou a existncia dele.Portanto esta mesma hiptese ela mesma afirma que algo h. A simples tentativa de torn-lahipottica a afirma como necessria. Portanto isso no uma negao de fato, parece umanegao mas no . uma prova. Voc pode dizer que nada hporque algo h. A possibilidade daafirmao depende do algo h. Portanto essa sentena no tem contraditria, s tem contraditriaaparente. Primeiro ns vemos que o contraditrio absurdoo Mrio diz que absurdo. Da euacrescentei que alm de ser absurda ela de duplo de sentido, portanto no tem sentido. E agoraeu estou afirmando que ela no existe. Ento temos aqui um exemplo da necessidade absoluta.

    Aluno: mas do ponto de vista da mente voc tem que contar com as duas alternativas.

    Do ponto de vista da mente voc pode pensar isso aqui s como necessariamentehipottico. Isto o necessariamente hipottico: uma coisa que no pode ser de maneira alguma.Aqui voc tem o necessariamente necessrio e ali o necessariamente hipottico. O que onecessariamente hipottico? O que no pode ser de maneira alguma. Ento voc v que na

    verdade esses pensamentos no existem, essa uma mera possibilidade gramatical. Isso nunca foinegado, nunca ningum negou. E cada vez que negou, na hora em que negou afirma. Ento nofundo tudo isso a mesma coisa, maneiras diferentes de dizer alguma coisa. Se o sujeito diz algoh, algo no he nada hele disse trs vezes a mesma coisa. Este algo que voc diz que no hcertamente no o algo ao qual estou me referindo que h, um outro. Este nada o algo? No.Ento esse nada ao qual voc est se referindo um outro e no esse, portanto esse continuaexistindo necessariamente. Ento essas sentenas nunca foram contraditadas e nunca sero.

    Chegamos ento no ponto arquimdico, daqui no d para passar. Claro, isso sou eu que estoucolocando esse tijolo embaixo. Ele, Mrio, parte do algo h. E qual a demonstrao que ele d deque algo h? De que o contrrio absurdo, mas isso s no satisfaz. A possibilidade de que omundo seja absurdo existe, ento precisa fundamentar melhor. E para voc fundamentar precisaprimeiro descobrir essa caracterstica lgica das sentenas auto-evidentes que a de que elas notem contraditria unvoca. Quando voc tenta fazer o contraditrio voc no sabe se aquilo ocontraditrio ou se o contrrio. Qual dos dois contraditrio e qual o contrrio? Depende dosentido que voc est dando quilo, pois aquilo tambm tem dois sentidos; acontece que essesdois sentidos so coerentes entre si, um est contido no outro. O nada hs contradiz o sentidogeral, e o algo no hs contradiz o sentido particular. Mas acontece que o particular e o geral umdepende do outro e o outro depende do um. Ento para que algo em geral exista necessrio que

    exista um algo em particular, ento o sentido particular j est garantido pelo geral, e vice-versa.Agora, do fato de que algo no haja no implica que nada h, ao contrrio. Quer dizer, a relaoaqui no simtrica como do outro lado. Ento essa a segunda etapa. A terceira essa de que

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    estou falando, de que se voc nega uma sentena necessria dizendo que ela apenashipoteticamente necessria, falta esclarecer se apenas voc que est pensado que ela hipotticaou se ela hipottica em si mesma. Se ela for hipottica em si mesma ela necessariamentehipottica. Ora, se ela necessariamente hipottica ela no pode ser necessria. Ento onecessrio necessariamente hipottico auto-contraditrio, no pode existir.

    Aluno: no pode fundamentar uma ontologia em cima de uma hiptese.

    No pode. Ento o necessrio pode ser pensado como hipottico s hipoteticamente.Quer dizer, eu finjo que estou pensando que o necessrio hipottico, mas no estou pensandorealmente, s estou combinando palavras.

    Aluno: o hipottico no pode ser o contrrio do necessrio. Mas tudo isto uma buscadele de montar uma ontologia?

    , ele quer encontrar o ponto arquimdico, o que absolutamente inegvel. Muitos

    procuraram isso. Muitos procuraram e no encontraram. E de fato ele encontrou, algo h, muitosimples. O contrrio o cinismo, quando o sujeito diz que nada h, o que o sujeito diz que eleest tentando pensar que nada h. S fiz isso por hiptese, eu estou declarando que mentira nahora em que digo isso. No precisa nem recorrer a isto de que o sujeito precisa existir para poderdizer. A seria um requinte, mas no precisa. Voc quer dizer que essa sentena que colocadacomo necessria, ela apenas hipottica, hipoteticamente necessria, fingimos que ela necessria. Mas somos ns que fingimos que ela assim ou ela assim mesmo? Para que vocpudesse demonstrar sua tese de que nada h seria necessrio que a sentena algo h fossenecessariamente hipottica e no apenas pensada como hipottica. Mas acontece que aquilo que necessariamente hipottico no pode ser definido como necessrio, nem mesmo no sentidohipottico. Na hora que eu fao a hiptese de que algo necessrio, para isso eu vou ter que

    expressar que necessrio. Mas se ao mesmo tempo eu estou dizendo que ela no necessria,acabou, no tem conceito. Quer dizer, quando eu digo penso algo como necessrio eu j estou dizendopara mim que aquilo no necessrio de maneira alguma, porque s necessriocondicionalmente, portanto no necessrio. Mas se ao mesmo tempo eu quero insistir que necessrio ento meu conceito auto-contraditrio. Ou ele necessrio ou no necessrio. Ohipoteticamente necessrio condicional. Agora, ele necessariamente condicional. Se ele necessariamente condicional ele depende de um outro. Qual esse outro? No tem um outro aoqual voc possa recorrer. Ento no verdade o que voc falou, no ato voc est declarando queisto apenas uma frase, cujo contedo notico de que algo h. O contedo da frase nada h algoh.

    Aluno: esse o princpio.

    Claro. o princpio dos princpios. Ento, como o Mrio deixa esse pedao meionebuloso ento precisa fazer uma demonstrao mais rigorosa desse negcio, no pode ficarassim. Porque seno pode chegar l para diante na tese 132 um engraadinho vai l e contesta oseu algo he invalida tudo. Eu prprio no exclu o nada. No fui eu que o excluiu, foi voc que no oinclui; inclua se puder. Voc est falando nada hmas pensando algo h. Porque idntico, a mesmacoisa. O algo e o nada no fim so a mesma coisa. Esse nada o que acrescenta ao conceito de algo?Nada. Voc no pode assinalar um nico trao, uma nica nota no nada que o distinga do algo.Ele no tem notas, mas o algo tambm no tem notas. Mas esse algo tem a existncia e o nadano tem a existncia. Mas como no tem a existncia se voc est afirmando isso? O nico trao

    que tem nesse algo e que ns conhecemos que ele h; e qual a nota ns conhecemos do nada?Tambm que ele h. Ento esse h que a nota positiva e no o algo ou o nada.

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    Aluno: s que esse h do nada um h lgico apenas, est dentro da esfera lgica,enquanto que o outro no. O h do algo ontolgico.

    No bem isso. que este h ontolgico nos dois casos, e por isso mesmo esse nadano quer dizer nada a no ser que queira dizer algo. Essas duas frases so a mesma.

    Aluno: a realidade lgica deriva da ontolgica, ela s possvel na medida em que ela uma realidade ontolgica tambm.

    Sim, mas ns nem precisamos chegar nisso. Isso a conseqncia da conseqncia daconseqncia. Eu estou querendo dizer que o sentido desse nada precisamente o algo. Me duma nota do algo. Voc no tem, ele totalmente genrico. A nica nota que ele tem aexistncia. Muito bem, voc tem um algo que no possui uma nota que o caracterize a no ser aexistncia. E o seu famoso nada? Me d uma nota desse nada. Ele no tem nota, a nica nota queele tem que ele h. Mas essa nota igual do algo. Ento voc tem uma identidade, dizer quealgo he que nada h exatamente a mesma coisa. Portanto isto nunca foi contestado, nem nunca

    vai ser. Ainda se poderia dizer: mas tudo isso que voc demonstrou apenas uma demonstraolgica e no ontolgica. Ento o conjunto dessa necessidade que estou demonstrando hipottica? A cai no problema anterior: ela necessariamente hipottica? Ento voc no saidisso. Que uma coisa necessariamente hipottica seja necessria de fato o absurdo dosabsurdos. Se hipoteticamente necessrio ento no necessrio, voc est apena