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A FIGURA HUMANA NA ARTE DOS ÍNDIOS KARAJÁ
Raquel Mello Salimeno de Sá e Valéria Carrilho da Costa
Museu do índio – Instituto de História – UFU Painel
Relato de experiência
A inserção da cultura indígena nas escolas não indígenas, através do
estudo da cultura material na arte-educação, pode ser um fator de aproximação
entre grupos humanos pois, “o domínio do objeto e da arte indígenas, dada a
possibilidade da reprodução, como aprendizado, de técnicas e motivos para
estudantes não índios, favorece a transposição da distância que habitualmente se
coloca entre esses dois mundos, permitindo a experimentação do modo de ser do
outro, e a descoberta da humanidade básica que ambos compartilham”.(Silva e
Vidal, 370:1995)
Foi esse pensamento que direcionou esta prática reflexiva, que teve a arte
dos índios Karajá como referência na aprendizagem.
A arte nas sociedades indígenas, diferentemente de nossa visão ocidental
que cria comportamentos individualizados, se encontra associada à maioria das
práticas sociais de seu povo. È uma experiência coletiva, até certo ponto anônima e
estetizada de maneira densa. O estudo dos objetos permite uma melhor
compreensão, por parte dos não índios, sobre o contexto e a arte do mundo
indígena. Apresenta-se como uma via de comunicação.
A cerâmica Karajá, é considerada a mais conhecida atualmente no Brasil,
principalmente pelas famosas “bonecas” ou “litxokós”. Modeladas em barro crú,
eram a princípio simples brinquedos de crianças, representando principalmente a
figura humana Karajá com seus atributos culturais típicos.
O pesquisador L. de Castro Faria, no ano de 1959, apresenta um estudo
formal e sociológico dessas peças e as classifica em duas fases: Antiga e Moderna.
Sua pesquisa mostra as características formais e sociais dos objetos até 1940,
quando as peças ainda eram feitas em barro cru seguindo alguns padrões estéticos
e as mudanças que ocorreram, após esta data, nestes padrões tradicionais e no
uso dos materiais, que é quando a queima das peças se torna mais constante e a
figura humana adquire nova estética, mas sem perder seus estilo formal.
Fig. 1 – Fase antiga Fig. 2 – Fase moderna
Segundo o autor isso acontece devido ao aumento dos contatos dos Karajá
com agentes da sociedade nacional. As mulheres da aldeia foram incentivadas a
produção para venda. A figura humana, a partir de então, passou a ser representada
em grupos exercendo desde atividades cotidianas, até os ritos de passagem, os
sobrenaturais, as práticas funerárias, e o parto. Essa produção para a venda fez com
que a qualidade da cerâmica sofresse mudança, não interferindo, entretanto, na
temática nem no seu estilo étnico.
Propusemos nessa prática reflexiva, a descristalização do acervo da
coleção Karajá do Museu do Índio da Universidade Federal de Uberlândia,
avançando para além dos objetos em si, adentrando no mundo que os cercam,
reconhecendo sua historicidade e suas relações com o contexto social.
Para tanto, durante a análise estética realizada numa primeira etapa
consideramos que detrás do isolamento da cultura material para fins analíticos, há
um objetivo maior, que é o de identificar as relações entre os domínios material e
não material das culturas, seus mecanismos de recriação, e os da ressignificação,
pensando nas contradições sociais que apresentam.
Numa segunda etapa propusemos a modelagem em argila (fig.3), onde
apresentamos as características, variações de cor e textura que este material pode
apresentar, dependendo de seu local de origem e também as várias possibilidades
de trabalho que este material oferece. Tendo em vista que os objetos não passariam
pelo processo da queima, não foi necessário o uso de técnicas específicas de
cerâmica para a sua confecção.
Fig. 3 – Modelagem em Argila
Posteriormente, para a finalização do
trabalho, foi realizado um estudo dos padrões
gráficos utilizados na pintura corporal Karajá e seus
significados sociais. A pintura das peças dos
participantes foi feita com tinta guache, visto que os
trabalhos estavam em argila crua molhada e
haveria então uma melhor absorção da água e do
pigmento da tinta formando assim uma
Fig.4 – Padrão gráfico Karajá espécie de engobe artificial.
Como não indígenas e educadoras, consideramos que as práticas de
ensino de arte utilizando a cultura material indígena como referência dentro das
escolas não indígenas é um caminho aberto a outras discussões apontando que
este ensino não deve ser temporário, “festivo”. Além disso, nas tentativas de um
ensino multicultural, tem sido comum encontrarmos propostas multiculturais sob uma
ótica conservadora, que reforça preconceitos e práticas opressivas. Mais um motivo
para refletirmos sobre uma arte-educação multicultural e emancipatória, que
depende da sensibilização e da educação dos professores não indígenas que têm
no ensino formal um importante meio de construção de identidades. Superar os
limites impostos mesmo antes do ensino ser institucionalizado, numa espécie de
barbárie que se instituiu no decorrer do tempo desde a colonização, intencionando
deletar o que já existia enquanto cultura nativa. Superar os limites do que nos
ensinaram a considerar como arte.
Fig.5 – Trabalho realizado pelos participantes
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