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108 ARQTEXTO 16 A FEIRA MUNDIAL DE OSAKA DE 1970: O PAVILHÃO BRASILEIRO OSAKA WORLD’S FAIR OF 1970 AND THE BRAZILIAN PAVILION Ruth Verde Zein e Izabel Amaral Tradução português-inglês: Equipe editorial 1

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a FEIRa MUNDIaL DE OSaKa DE 1970: O PaVILHÃO BRaSILEIROOSaKa WORLD’S FaIR OF 1970 aND THE BRaZILIaN PaVILION

Ruth Verde Zein e Izabel amaralTradução português-inglês: Equipe editorial

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a participação do Brasil em exposições universais desde 1862 contribuiu bastante para a afirmação identi-tária de sua arquitetura, como afirma Margareth da Silva Pereira1. ao longo do século 20 três projetos de pavilhão são considerados como obras primas pela historiografia da arquitetura brasileira e contribuíram para seu reconhe-cimento internacional, notadamente para as exposições de Nova York 1939, de Bruxelas 1958 e de Osaka 1970.

No momento da Exposição Universal de Osaka 1970, entretanto, o Brasil se encontrava fora do circuito de ex-posições universais havia 12 anos. as condições políticas do país haviam mudado depois da euforia do desenvol-vimentismo no fim dos anos 1950 e da inauguração de Brasília em 1960. Com o golpe de estado militar de 1964 e o endurecimento do regime em 1968, a participação em exposições universais não era um assunto prioritário. O Brasil esteve ausente da Exposição Universal de Mon-treal de 1967, uma das mais importantes do século, e não pode seguir de perto as trocas culturais e econômicas daquele importante encontro que antecipou o de Osaka.

apenas em 1969 o Ministério das Relações exterio-res do Brasil solicita ao IaB que sugira o nome de cinco arquitetos para realizar o projeto do pavilhão do Brasil em Osaka no ano seguinte. Recorde-se que nesse mesmo ano alguns dos arquitetos brasileiros de maior prestígio acabavam de partir para o exílio político, ou estavam politicamente perseguidos. O prazo era particularmente apertado entre a concepção do projeto e a construção do pavilhão no Japão. O presidente do IaB na época, o paulista Eduardo Kneese de Mello, se recusa a nomear um profissional em particular, argumentando que uma tal soli-citação levantava um conflito ético profissional, e propõe em vez disso organizar um concurso nacional de arquite-tura aberto a todos os profissionais interessados. Embora a organização do concurso e os profissionais implicados no júri fossem todos do sudeste do país, tratava-se de um concurso nacional, cujo anuncio foi feito no começo do ano 1969, e os participantes puderam contar com um prazo muito curto de apenas 25 dias para enviar seus projetos.

O governo brasileiro militar considerou a participa-ção do Brasil em Osaka em 1970 como uma maneira de re-estabelecer um certo prestígio dentro do contex-to internacional a fim de abrir o dialogo com as outras nações. De fato, o mérito da participação na exposição de Osaka parece hoje mais diretamente ligado aos con-tatos da grande comunidade japonesa de São Paulo, do que às diligências do governo militar, possivelmente com a participação de Fabio Riodi Yassuda, que, na época do desenrolar do concurso era responsável pela Cooperati-va agrícola de Cotia e foi nomeado comissário do Brasil

The participation of Brazil in universal expositions since 1862 contributed considerably to affirming its architecture’s the identity, as Margareth da Silva Periera1 has stated. Three pavilion designs in the 20th century are considered to be key works in the historiography of Brazilian architec-ture and have contributed to its international recognition, notably those for the expositions in New York in 1939, Brussels in 1958 and Osaka in 1970.

at the time of the 1970 Osaka Universal Exposition, however, Brazil had been away from the circuit of interna-tional expositions for twelve years. Political conditions in the country had changed after the euphoria of late-1950s developmentism and the inauguration of Brasilia in 1960. With the 1964 military coup d’état and the hardening of the regime in 1968, participation at universal exposi-tions was not a priority. Brazil was absent from the 1967 Montreal Universal Exposition, one of the most important of the century, and was unable to closely follow the cultural and economic interchanges of that important event prece-ding Osaka.

It was only in 1969 that the Brazilian Ministry of Foreign affairs asked the IaB – Instituto dos arquitetos do Brasil [Brazilian Institute of architects] to suggest the names of five architects to design the Brazilian pavilion in Osaka the following year. It should be noted that in the same year some of the most respected Brazilian ar-chitects had just gone into political exile, or were being politically oppressed. The time frame between conception of the design and construction of the pavilion in Japan was particularly tight. The IaB president at the time, Eduardo Kneese de Mello, from São Paulo, refused to nominate any one professional, arguing that the request raised a conflict of professional ethics, and instead proposed the organisation of a national architecture competition open to all interested architects. although the competition orga-nisation and jury members all came from the southeast of the country, this was a national competition, which was announced in early 1969, giving participants a very short period of 25 days in which to submit their proposals.

The Brazilian military regime considered Brazil’s parti-cipation at Osaka in 1970 to be a way of re-establishing a degree of influence in the international context and opening dialogue with other nations. In fact the merit of participation at the Osaka exposition seems today more directly linked to contacts with the Japanese community in São Paulo, than to the endeavours of the military regime, possibly with the participation of Fabio Riodi Yassuda, who at the time of development of the competition was responsi-ble for the Cooperativa agrícola de Cotia and was named Brazil’s commissioner for the Osaka Exposition. Yassuda was made minister for trade and industry in 1969, thus

1 Vista do Pavilhão Brasileiro em Osaka.1 View of the Brazilian Pavilion in Osaka.

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6 para a Exposição de Osaka. ao longo do ano de 1969 Yassuda se torna ministro da Indústria e Comércio, sendo portanto o primeiro ministro brasileiro de origem japone-sa2. De qualquer maneira, o governo militar parece ter aproveitado a oportunidade, o que é característico na participação da maioria dos países nas exposições uni-versais e internacionais desde o século 19: um fenômeno descontínuo, freqüentemente ligado a episódios isolados, fruto de grupos de indivíduos interessados em exposições universais, mais do que de uma verdadeira política cultu-ral nesse campo.

O projeto ganhador do concurso para o Pavilhão do Brasil na Expo’70 em Osaka, Japão, é de autoria de um grupo de arquitetos paulistas: Paulo Mendes da Rocha, Jorge Caron, Júlio Katinsky e Ruy Ohtake (1969), com grande equipe de colaboradores arquitetos, estudantes e artistas plásticos. a escolha do grupo foi unânime pelo júri, que reconheceu no projeto uma “poética inconfundí-vel, muito ligada às tradições brasileiras”, concretizada por uma “abordagem nitidamente brasileira” baseada na “liberação do terreno” e resultando em um “espaço rico em formas e conteúdos”. O júri, considerando as limita-ções orçamentárias para a construção do pavilhão e a ela-boração da exposição, via no projeto de Paulo Mendes da Rocha uma arquitetura que não desejava “concorrer com os países desenvolvidos”, que não tinha a pretensão de fazer demonstração de altas tecnologias, signo de uma modéstia desejável, apta a bem representar o pais3. alem disso, o projeto de Paulo Mendes da Rocha explorava a tecnologia do concreto armado, fazendo assim uso da técnica construtiva mais comum no país, sem se arriscar a recorrer a outras tecnologias sobre as quais os arquitetos e industriais do país não detinham um profundo conheci-mento da linguagem.

Para Paulo Mendes da Rocha e equipe, o projeto do pavilhão brasileiro em Osaka devia significar sua “huma-nidade”. Ele não é verbalmente definido por sua arquitetu-ra mais pelo fato de ser aberto aos espaços vizinhos e por palavras-chave como “sombra”, “ondulações” e “chão de estrelas”4. No discurso do autor, ele se caracterizaria mais por sua relação com o sítio que por sua arquitetura propriamente dita. O texto descritivo do projeto sugere apenas indiretamente o papel dos aspectos construtivos na concepção do pavilhão. Toda a ênfase é colocada sobre o sentido humanístico do projeto. Em resumo, o texto de apresentação do pavilhão brasileiro não buscava apresentar sua arquitetura como um espetáculo atrativo, mas mais como uma integração harmoniosa e delicada ao sítio da exposição e aos pavilhões vizinhos.

as razões dessa escolha, e a pretendida “brasilida-de” dessa proposta levantam, porém, algumas questões,

becoming the first Brazilian minister with a Japanese ba-ckground2. Whatever the case, the military regime seems to have exploited the opportunity, which is a feature of the participation of most countries at universal and interna-tional expositions since the 19th century: a discontinuous phenomenon, often connected to isolated events, the fruit of groups of individuals interested in universal expositions, rather than a genuine cultural policy in the field.

The winning design for the Brazilian Pavilion at Expo’70 in Osaka, Japan comes from a group of São Paulo archi-tects: Paulo Mendes da Rocha, Jorge Caron, Júlio Katinsky and Ruy Ohtake (1969), with an extensive team of assis-tant architects, students and visual artists. The jury was unanimous in its selection, recognising the design’s “un-mistakeable poetics, closely linked to Brazilian traditions,” materialised in a “clearly Brazilian approach”, based on “freeing the ground”, and resulting in a “space rich in form and content”. Taking into account the budgetary limitations for building the pavilion and producing the exhibition, the jury saw that Paulo Mendes da Rocha’s architecture had no wish to “compete against developed countries,” and did not aim to offer a display of high technology, in a desirable sign of modesty capable of representing the country well3. Furthermore, Paulo Mendes da Rocha’s design exploited the technology of reinforced concrete, thus employing the country’s most common building prac-tice, without risking the use of other technologies of whose languages the country’s architects and industrialists had no deep knowledge.

For Paulo Mendes da Rocha and the team, the Brazilian Osaka pavilion design should signify its “humanity”. This is not verbally defined by its architecture but by the fact of being open to the neighbouring spaces and through key words like “shadows”, “undulations” and “floor of stars”4. He characterises the design more in terms of its relationship with the site than for its architecture itself. The descriptive text for the project only indirectly suggests the role of construction elements in the pavilion’s conception. all the emphasis is on the humanistic sense of the design of the pavilion. In short, the presentation of the Brazilian pavilion did no seek to present its architecture as an at-tractive spectacle but rather as a harmonious and delicate integration with the exposition site and the neighbouring pavilions.

The reasons for this choice, and the intended “Brazilian identity” of the proposal raise some questions, however, which should be addressed before continuing with the task of better understanding this proposal: since there actually seems to be no simple continuity between the modern Brazilian architecture produced between the 1930s and 1960s and this other modern Brazilian architecture, with a

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2 Pilar formado pelo cruzamento de dois arcos.2 Pillar formed by the intersection of two arcs.

3 Viga de bordo.3 Edge beam.

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6 que caberia satisfazer antes de prosseguir na tarefa de compreender melhor essa proposta; já que, de fato, não parece haver em absoluto simples continuidade entre a arquitetura moderna brasileira que se praticava nos anos 1930-60 e esta outra arquitetura moderna brasileira, de corte brutalista, que começa a se manifestar nos anos 1950 e já estava então, em fins da década de 1960, consolidada e em processo de expansão.

a BRaSILIDaDE aRqUITETôNICa NO PóS BRaSíLIaHá vários indícios que sugerem que os anos 1960 são

um momento de esgotamento e crise de certas pautas que marcam a construção de uma “identidade nacional” brasi-leira que havia sido posta em ação, direta ou indiretamen-te, pela contribuição dos intelectuais da geração dos anos 1930 – entre os quais seria possível incluir Lucio Costa). Pautas essas que já estavam passando por transformações com a euforia do desenvolvimentismo democrático dos anos 1950, e que já haviam sido tensionadas pelos con-flitos políticos, de cunho maniqueísta, postos em marcha pela guerra fria. Esgotamento ainda mais premido pela situação política crítica manchada de crescente autorita-rismo, e que passa a dominar a situação de vários países latino-americanos nos anos 1960.

Infelizmente, ocorria também uma desditosa conjunção entre o esgotamento dessas pautas políticas e sociais e o esgotamento de pautas disciplinares arquitetônicas, da modernidade em geral e da modernidade brasileira em especial, entendida como aquela fomentada pelo grupo carioca desde antes da 2ª Guerra. Sabe-se que a arqui-tetura, em seus processos criativos, configura domínio próprio da cultura, que não pode ser reduzido a uma de-terminante exclusivamente política ou social; assim sendo – e visto à distância no tempo – parece hoje mais fácil perceber que se tratavam de conflitos apenas parcialmen-te relacionados, ou melhor, que eram de fato parcialmente autônomos. Mas embora mude de coloração e foco, pros-segue havendo uma preocupação nos anos 1960, per-meados de militarismo de corte xenofóbico e chauvinista, uma difusa preocupação com o tema sempre candente da “identidade”, e de sua manifestação, substantiva ou adje-tiva, na arquitetura brasileira; assunto que o momento de transição e crise dos rumos da modernidade arquitetônica tornava ainda mais problemático.

Nessa cúspide, o concurso do Pavilhão do Brasil na Expo’70, e por sua própria natureza, põe em questão o tema da “identidade nacional”. Outros países como os Estados Unidos, a Finlândia e o Canadá também orga-nizaram concursos de arquitetura para selecionar seus pavilhões nacionais para a mesma feira, o que compro-va a delicadeza desta questão, dificilmente solucionada

brutalist slant, that starts to appear in the 1950s and was therefore already established and in a process of expan-sion by the late 1960s.

aRCHITECTURaL BRaZILIaN IDENTITY POST BRaSILIa Several indications suggest that the 1960s are a period

of breakdown and crisis in certain features that mark the construction of a Brazilian “national identity”, which had been activated directly or indirectly by the contributions of intellectuals from the 1930s generation (in which one might include Lucio Costa). These features had been trans-formed with the euphoria of the democratic developmen-tism in the 1950s, and had been put under tension by the dualistic political conflicts set in train by the cold war. The breakdown was further hastened by a critical political situ-ation marked by increasing authoritarianism, which began to dominate the conditions of several Latin american coun-tries in the 1960s.

Unfortunately, there is also a conjunction between the breakdown of these political and social features and a breakdown of architectural disciplines, within modernity in general and Brazilian modernity in particular, consisting of that fostered by the Rio group before World War II. architecture, with its creative processes, is known to be a feature of culture that cannot be reduced to exclusive-ly political or social factors, which in hindsight makes it easier today to realise that these conflicts were only par-tially related, or rather, that they were in fact partially au-tonomous. But despite a change in colour and focus, there continues to be a vague concern in the 1960s, permeated by a xenophobic, chauvinistic militarism, with the cons-tantly burning topic of “identity”, and its manifestation in Brazilian architecture; a topic that the period of transition and crisis in the directions of architectural modernity made even more problematic.

at the height of this period, the competition for the Brazilian Pavilion at Expo’70 and its own nature raised the question of the term “national identity”. Other countries like the United States, Finland and Canada also organised architecture competitions to choose their national pavilions for the same fair, which prove that this delicate issue is hard to solve b the invitation of one single architect. In the case of the Brazilian competition, it was not just a matter of selecting the best architectural design, but also of se-lecting the architecture that would “represent” Brazil. and the choice of the winning design would not fail to be also understood as a declaration and/or manifestation in this sense, given that the architecture would have to convey, albeit symbolically, a “Brazilian identity” that would stand in contrast and comparison with the architecture of other neighbouring nations in an international fair.

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na base da comanda direta a um só arquiteto. No caso do concurso brasileiro, tratava-se não apenas de selecio-nar o melhor projeto de arquitetura, mas igualmente, de selecionar uma arquitetura que “representasse” o Brasil. E a escolha do projeto ganhador não pode deixar de ser também compreendida como uma declaração e/ou manifestação nesse sentido, uma vez que tal arquitetura deveria transmitir, mesmo que simbolicamente, uma “bra-silidade”, que seria disposta em contraste e confronto com as arquiteturas de outras nações, presentes ao seu lado em uma feira internacional.

No período 1945-60 a arquitetura brasileira havia sido reconhecida como “manifestação nacional da modernida-de internacional” e recebido fortemente as atenções mun-diais; uma acolhida calorosa, freqüentemente polêmica, mas sempre interessada. Porém, logo apos a inauguração de Brasília, verifica-se um anticlímax: praticamente desa-parecem menções à arquitetura brasileira no cenário de publicações e debates internacionais, e pouco se publica sobre a arquitetura brasileira, em especial as arquiteturas que vinham se desenvolvendo nos anos 19605. a coinci-dência entre esse desinteresse crescente pela arquitetura brasileira e a data do golpe militar brasileiro de 1964, seguido do fechamento ainda maior do regime ditatorial a partir de 1968, não é desprovida de conexão – mas embora seja relevante, não é explicação suficiente para compreender plenamente essa ausência no cenário inter-nacional; até porque ela não parece causá-la, pois que antecede, mas apenas corroborá-la.

De qualquer maneira, a distância de alguns anos entre o nascimento de Brasília e o subseqüente isolamento (par-cialmente, um auto-isolamento) da arquitetura brasileira em relação ao cenário internacional já era suficiente, em 1969 – no momento do concurso do Pavilhão do Brasil em Osaka – para ativar uma difusa percepção, entre os ar-quitetos, da necessidade de reafirmação da “arquitetura brasileira” enquanto fato cultural de relevância; de nova-mente promovê-la como fato “representativo”; de valorizá-la enquanto manifestação “nacional”. até porque, entre outros motivos, tal relevância e representatividade pare-ciam estar em cheque, e sua importância efetiva, progres-sivamente se esvaindo. Por outro lado, em finais dos anos 1960, simplesmente a arquitetura brasileira não era a mesma daquela dos anos 1940 ou 1950: o esgotamento das pautas da escola carioca, embora não estivesse então claramente compreendido, ou sequer plenamente percebi-do, de fato já ocorrera. Esgotadas suas potencialidades; – por um sem numero de razões, sobre as quais não cabe aqui demorar – era então a arquitetura paulista brutalista que passava a dominar cada vez mais o cenário da pro-dução arquitetônica nacional. Fato que só vai passar a ser

From 1945 to 1960 Brazilian architecture had been recognised as a “national manifestation of international modernity” and received strong global attention: a heated, often controversial welcome, but always interested. Yet an anti-climax can be sensed soon after the inauguration of Brasilia: mention of Brazilian architecture practically disa-ppears from international publications and debate, and little is published about Brazilian architecture, especially the architecture that develops in the 1960s5. The coinci-dence between this growing lack of interest in Brazilian architecture and the date of the 1964 Brazilian coup, follo-wed by the hardening of the dictatorship after 1968 is not unconnected – yet although relevant, it is not enough to fully explain its absence from the international scene; even because, coming afterwards, it seems not to cause it but simply to corroborate it.

Whatever the case, the distance of some years between the birth of Brasilia and the subsequent isolation (partly self-isolation) of Brazilian architecture from the internatio-nal scene was in 1969 – the time of the competition for the Brazilian Pavilion at Osaka – already enough to sti-mulate scattered perception among architects of the need to reaffirm “Brazilian architecture” as culturally significant, promoting it once again as “representative”, and valuing it as a “national” manifestation. Because, among other reasons, such significance and representativeness seemed to be in abeyance, and its effective importance was gradu-ally falling away. On the other hand, Brazilian architecture in the late 1960s was simply not the same as that of the 1940s and 1950s: the stagnation of the Rio school, al-though not clearly understood or even fully perceived, had already happened. Its potential seemed exhausted – for a number of reasons that we cannot go into here – and the national architectural scene was increasingly dominated by brutalist São Paulo architecture. This only became re-cognised almost a decade later6, and its existence had still not received any attention on the domestic scene in the late 1960s, let alone internationally.

Moreover, unlike what had occurred from the 1930s to the 1960s, architectural professionals now felt there to be an important discrepancy between Brazilian and interna-tional architecture – which was probably real and rooted in technological reasons. One symptom of this can be seen in the minutes from the competition jury for the Osaka Pavilion, which stress this as being a decisive element in the choice of the winner:

“many entrants allowed themselves to be overcome by the technical aspects of the pavilion. [But] Brazil has no intention of competing with super-developed countries [so] this empha-sis on the technological side was discarded”7.

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64 Planta do subsolo.4 Floor plan of underground level.

5 Planta do térreo.5 Ground floor plan.

6 Planta da cobertura.6 Roof plan.

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7,8,9,10 Cortes.7,8,9,10 Sections.

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6 reconhecido quase uma década depois6, e que naquele final dos anos 1960 ainda não havia recebido o reconhe-cimento de sua existência, nem no panorama nacional, e muito menos internacionalmente.

ademais, e diferentemente do que ocorria nas décadas de 1930-60, pairava naquele momento entre os profis-sionais arquitetos a sensação de haver uma importante defasagem entre a arquitetura brasileira e a internacional – provavelmente real e repousando em razões de ordem tecnológica. É sintomático que a ata do júri do concurso para o Pavilhão de Osaka enfatize esse fato como ele-mento decisório na escolha do vencedor:

“muitos concorrentes se deixaram levar pelos aspectos técnicos do pavilhão. [Mas] o Brasil não pretende mesmo concorrer com os países superdesenvolvidos [portanto] essa ênfase sobre o lado tecnológico foi afastada”7.

Note-se que tal frase seria impensável uma década antes, quando não caberiam dúvidas sobre estar a arqui-tetura brasileira tão aparelhada tecnicamente quanto a de quaisquer outros países; ou, se houvesse alguma consci-ência de sua eventual defasagem técnica, isso antes não lhe tirava valor propositivo, já que este repousava essen-cialmente em sua inventividade. a qual, aparentemente, deixou de ser o aspecto mais adequado a ser invocado, como parâmetro de decisão, em fins dos anos 1960. E de fato, o desenvolvimento tecnológico norte-americano e russo (ambos explicitamente citados na manifestação do júri), subsidiário em parte da corrida espacial em que então se empenhavam, de alguma maneira afetava o campo da construção civil dos países do Primeiro Mundo (inclusive Europa e Japão), acentuando a defasagem tec-nológica entre estes e os países subdesenvolvidos.

Nesse panorama, projetar um edifício para represen-tar o Brasil, e que teria também como missão não decla-rada a de buscar trazer novamente certa notoriedade ar-quitetônica ao país; implicitamente renovando a imagem da “arquitetura brasileira”, era, sem dúvida, uma opor-tunidade rara. Tanto para o cliente, o governo brasilei-ro, internacionalmente desmoralizado por sua manifesta truculência antidemocrática; como para algumas de suas facções internas menos abusivas, como os membros da diplomacia brasileira de carreira, que tomam a iniciativa de propor a participação brasileira na feira internacio-nal; como para os arquitetos, que viam na realização do concurso uma esperança de reafirmação democrática a nível nacional, reagindo, enquanto categoria profissional, aos então recentes episódios de cerceamento das liberda-des individuais sofridos por vários de seus membros ilus-tres. Sem contar que a opção de um concurso permitiria,

Such a statement would have been unthinkable ten years before, when there was never any doubt about Brazilian architecture being as technically equipped as that of any other country; or any awareness of occasional technical discrepancy would not previously have removed any value from the proposal, since that essentially lay in its inventiveness, which apparently ceased to be the most appropriate aspect as a parameter for decision in the late 1960s. and in fact North american and Russian techno-logical development (both explicitly mentioned in the jury statement), supported in part by the space race they were engaged in at that time, had some effect on building cons-truction in First World countries (and Europe and Japan) and accentuated the technological imbalance between these and underdeveloped countries.

Within this context, the design of a building to repre-sent Brazil, which would also have an undeclared mission of once again attracting a degree of architectural fame to the country, implicitly renewing the image of “Brazilian architecture” was, without doubt, a rare opportunity for the client, the Brazilian government, internationally discredited by its clearly anti-democratic ferocity, and for some of its less offensive factions, like members of the Brazilian demo-cratic service, who had taken the initiative of suggesting Brazilian participation at the international fair, and also for the architects, who saw some hope in the organisation of the competition as a reaffirmation of democracy on a national level, in a reaction as a professional category to the recent episodes curtailing the individual liberties of some of its more illustrious members. The option of a competition would also elegantly allow avoidance of the simple reaffirmation of respected masters like Niemeyer, or even artigas (perhaps the preferred choice of the diplo-matic service) in favour of the possibility of participation and selection of the work of talented young architects.

By awarding the project to São Paulo architects, the jury was careful to strongly emphasise that “the winning project has chosen a clearly Brazilian approach [...] deeply embedded with undeniable poetry closely con-nected to Brazilian traditions”. What this “traditional” Brazilian identity might be was not clear, although the jury indicates that it is based on “freeing the ground, with a floor treatment developed over a spatial composition rich in form and content”8. although a desire for “freeing the ground” had been one of Le Corbusier’s five points and the modelling treatment of the floor in the design was a funda-mental element of spatial definition, as one of the strong points of São Paulo brutalist architecture, and despite this not being a feature exclusively of São Paulo brutalism – found in the definition of the urbanism of Brasilia, for example – from the contemporary panoramic viewpoint,

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de maneira elegante, evitar a simples reafirmação dos mestres consagrados como Niemeyer, ou mesmo artigas (opção talvez de preferência do cliente Itamaraty) em prol da possibilidade de participação e seleção da obra de jovens arquitetos talentosos.

ao premiar um projeto de arquitetos paulistas o júri toma o cuidado de enfatizar com veemência que “o projeto vencedor escolheu uma abordagem nitidamente brasileira […] seu maior sentido de profundidade é uma poética inconfundível, muito ligada às tradições brasi-leiras”. Não fica explícita o que seria essa brasilidade “tradicional”, embora o júri indique ser sua base “a libe-ração do terreno, com um tratamento do chão elaborado sobre composição de espaço rico em formas e conteú-do”8. Embora já conste dos cinco pontos de Le Corbusier o desejo de “liberação do solo”, e embora o tratamento projetual modelador do chão, enquanto elemento funda-mental da definição espacial seja um dos pontos fortes da arquitetura paulista brutalista; e embora essa não seja característica exclusiva do brutalismo paulista – podendo já ser encontrada na definição urbanística de Brasília, por exemplo – desde um ponto de vista contemporâneo e pa-norâmico, que considere a arquitetura brasileira do século 20 de maneira menos apressada e mais consciente das diferenças, não se poderia afirmar levianamente que essa seria a característica mais típica da arquitetura moderna brasileira da escola carioca; ou, ao menos, não seria esse o traço que poderia ser escolhido para melhor representá-la. a diferença é relevante no caso, e não deve ser su-bestimada. assim, ao que parece, a memória invocada pelo júri sobre o que fosse, em seu juízo, “uma aborda-gem nitidamente brasileira”, parece não retroceder muito atrás de, no máximo, o ano de 1957, sendo seu corte de veio preferencialmente brasiliense e paulista, mais do que carioca.

Como se sabe, as “tradições” (neste caso, as “brasi-leiras”) não são fatos telúricos ou imanentes, mas cons-truções interessadas, que reivindicam e “tradicionalizam” os aspectos que desejam enfatizar, em operações mais ou menos conscientes de criação/recriação e legitimação de “identidades” – embora sempre aleguem estar apenas retomando tais ou quais valores “genuinamente” tradi-cionais; os quais variarão conforme cada nova geração assuma o palco. as tradições não são nem eternas, nem contínuas: podem e sofrem interrupções e mudanças, mais ou menos bruscas e até radicais. Se bem observados os fatos – as obras, mais que os discursos – a arquitetura moderna brasileira do ano de 1969 diverge em muitas e variadas maneiras da arquitetura moderna dos anos 1930. Trata-se, pois, de uma operação de legitimação – e não, de uma análise consistente das características

which considers 20th-century Brazilian architecture less hastily and is more aware of the differences, it cannot be stated lightly that this would be the most typical feature of the modern Brazilian architecture of the Rio school, or at least this might not be the feature to best represent it. The difference in this case is significant and should not be underestimated. It therefore seems that the jury statement about what in its opinion was “a clearly Brazilian approa-ch”, seems not to go back much further than 1957, given that its Brazilian nature is more of the São Paulo school than from Rio.

“Traditions” (in this case “Brazilian” ones) are known not to be ingrained or intrinsic but, rather, interested cons-tructions, which assert and “traditionalise” the aspects they wish to emphasise in operations that are more or less aware of the creation/re-creation and legitimation of “identities” – while always claiming just to be restoring this or that “genuinely” traditional value, which would vary as each new generation comes to the fore. Traditions are neither eternal nor constant: they can undergo more-or-less abrupt interruptions and changes. If we look carefully at the facts – the works rather than the discourse – modern Brazilian architecture in 1969 diverges in many and various ways from the modern architecture of the 1930s. The announcement thus needs to be understood as an ope-ration of legitimation, rather than a consistent analysis of the architectural features of the winning design.

Whatever debates and interpretations of the subject of identity may be raised by the sparing words of the jury minutes, none of them affects the key point, which is the undeniable quality and originality of the winning project. It is a design that heroically exemplifies the best moments of São Paulo brutalist architecture and which, chosen to represent Brazil, metaphorically elevates such architecture as also being “representatively” Brazilian. It is no coin-cidence that the 1970s, which are in a way opened by the project, will architecturally be an decade of expan-sion and then exaggeration of brutalist features – already present not just in São Paulo but also widespread throu-ghout Brazil.

THE CONSTRUCTION OF THE BRaZILIaN PaVILIONThe plot of land reserved for Brazil is situated on one

of the main avenues, which begins at the entrance gate further south and heads westwards to the USSR Pavilion. The Brazilian site is about 50 m x 82.5 m, with entrances on the smaller side and another to a rear service road; neighbours on the main road were Czechoslovakia to the left and Ethiopia to the right. The winning proposal defined a roof following the golden-section proportions of the site, with the shorter dimension of the site taken as the larger

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6 arquitetônicas do projeto vencedor do concurso, e como tal essa afirmação precisa ser compreendida.

Entretanto, sejam quais forem os debates e interpre-tações sobre o tema da identidade, passíveis de serem ativados pelas parcas palavras da ata do júri, nada disso afeta o principal: que é a indiscutível qualidade referen-ciada e originalidade pertinente da proposta ganhadora. Trata-se de uma obra que exemplifica com galhardia um dos melhores momentos da arquitetura paulista brutalista; e que, ao ser escolhida para representar o Brasil, eleva essa arquitetura, metaforicamente, também a foros de “representativamente” brasileira. Não por coincidência, a década de 1970, que ela de certa maneira inaugura, será arquitetonicamente uma década de expansão, e em seguida, de certa exacerbação das pautas brutalistas – já então presentes não apenas em São Paulo, mas com ampla disseminação por todo Brasil.

a CONSTRUçÃO DO PaVILHÃO BRaSILEIROa parcela de terreno reservada ao Brasil situa-se em

uma das avenidas principais, que se inicia no portão de acesso mais ao sul e dirigia-se a oeste, terminando no Pa-vilhão da URSS. O lote brasileiro tinha aproximadamente 50 x 82,5 metros com frentes pelo lado menor, e outra frente para uma rua posterior de serviço; desde a rua principal tinha como vizinhos à esquerda a então Checos-lováquia e à direita a Etiópia. a proposta da equipe ven-cedora definia uma cobertura, cujas dimensões seguem a proporção áurea do lote, tomando a dimensão menor deste como a dimensão maior da cobertura, resultando num perímetro de cerca de 32,5 x 50 metros disposto transversalmente e ocupando toda a largura do lote; res-tando duas faixas livres, nos recuos de frente e fundos, e cuja área total perfaria um quadrado de mais ou menos 50 x 50 metros, seccionado em duas faixas, uma de 20 metros e outra de 30 metros. a cobertura plana propor-ciona uma sombra aberta, e seu chão desenha pequenas elevações artificiais suavemente arredondadas, que se elevam em três pontos quase tocando a cobertura, escon-dendo três de seus quatro pontos de apoio, dispostos nas bordas dessa cobertura e distribuídos em posições ligei-ramente assimétricas. Complementando, e abrigando de fato as áreas de exposição e apoio, se desenham duas áreas em subsolo, independentes entre si e acessíveis por rampas próprias.

Desde a rua principal as suaves elevações propostas parcialmente protegeriam a área posterior e mais reserva-da do lote, que deveria ser acessada não por cima, mas por baixo. O visitante desceria uma rampa que se situaria no canto direito do lote e bem próxima ao alinhamento, passaria pela área enterrada destinada a eventos e apoio

dimension of the roof, producing a perimeter of about 32.5m x 50m arranged transversally and occupying the full width of the site. This resulted in two open strips to the front and rear with a total outer square area of ap-proximately 50m x 50m, divided into two strips, one of 20m and the other of 30m. The flat roof provides an open shade, and the floor has small gently rounded artificial elevations, rising to three points that almost touch the roof, hiding three of its four support points, which are arranged in slightly asymmetrical positions around the edge of this roof. This is completed by two independent underground areas housing the exhibition and support areas, accessible by their own ramps.

From the main street, the proposed gentle elevations would partially protect the rear and more private part of the site, which had to be accessed from below rather than from above. The visitor would descend a ramp situated close to the alignment of the right corner of the site, pass through the underground area intended for events and support services, and then be able to continue up another ramp arranged to emerge almost in the middle of the site, under the shade of the roof, in an area named Coffee Plaza around the only visible roof-support pillar.

This first basement area was partially situated at the edge of the overhanging upper roof, forming a rectangle that extended the 50-metre width of the site to a depth of about 12.5 metres. a second basement area, intended for diplomatic offices, and therefore more restricted, was situ-ated next to the opposite alignment and the boundary with Czechoslovakia, and would also be accessed by a ramp, this time narrow, descending from the internal part of the site near the boundary and forming a 30 x 12.5-metre rectangle. This second area would be lit by a cleft light well from the ground floor of the site, designed on a slope to prevent an open view of the spaces on the lower floor.

The few elements of the design are striking: roof, sup-ports, access ramps, light well, group of 16 flagpoles (in a square of 4 x 4 flagpoles placed at the access near the diplomatic annex and the boundary with Ethiopia; just one visible pillar (the others being “embedded” in the relief) formed by the intersection of two arches; the artificially formed relief uniformly covered with a layer of asphalt, as if it were a street. The quite simple arrangement would subtly but firmly define the routes of the visitor.

The approximately central portion of the site, organised around the double-arch pillar, with the land sloping do-wnwards by a minimum of 1.5 metres, is not immediately visible from the main street due to the “mounds” of the relief. The main access, according to the original plan, would require a diagonal route organised by the arrival and exit ramps of the lower events annex, although it could

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ao público, dali podendo o visitante prosseguir por outra rampa, posicionada de maneira a sair já quase no centro do lote, sob a sombra da cobertura, área denominada como Largo do Café, situada ao redor do único pilar visível de apoio da cobertura.

Essa primeira área em subsolo situava-se parcialmente sobre o bordo da projeção da cobertura superior, confi-gurando um retângulo que se estendia pelos 50 metros da largura do lote, e com cerca de 12,5 metros de profundi-dade. Uma segunda área em subsolo, destinada aos es-critórios do Itamaraty e, portanto, de acesso mais restrito, situa-se junto ao alinhamento oposto e pegada à divisa com a Checoslováquia, e seu acesso seria também por uma rampa, mais estreita, cuja descida começa desde a parte interior do lote junto à divisa, e conforma um retân-gulo de 30 metros de comprimento por 12,5 metros de largura. Esta segunda área seria iluminada por um rasgo de acesso de luz, à maneira de um “poço inglês”, afloran-do no piso térreo do lote, cujo desenho em corte inclinado impede a franca visualização dos ambientes dispostos no pavimento inferior.

Os elementos de projeto são poucos e marcantes: co-bertura; apoios; rampas de acesso; rasgo de iluminação; conjunto de mastros para 16 bandeiras (disposto num quadrado de 4 x 4 mastros situado no acesso próximo ao anexo do Itamaraty e à divisa com a Etiópia); um único pilar aparente (os demais estando como que “embutidos” no relevo), cujo desenho é formado pela intersecção de dois arcos; o relevo artificialmente conformado e homo-geneamente recoberto de camada de asfalto, como se de rua se tratasse. E sua disposição, bastante simples, definiria de maneira sutil mas soberana os percursos do visitante.

a porção mais ou menos central do lote, organiza-da ao redor do pilar em duplo arco, em volta do qual o terreno desce em pequena depressão com cota mínima de –1,5 m, não é imediatamente visível desde a rua principal devido aos “morrinhos” do relevo. Seu acesso prioritário, conforme o projeto original, exigiria um percurso diago-nal, organizado pelas rampas de chegada e saída do anexo inferior de eventos, embora pudesse ser também alcançada, secundariamente, por um trecho estreito junto à divisa com a Checoslováquia. O relevo dos pequenos morros criava, com um mínimo de recursos, uma ambiên-cia protegida cuja existência mal se pode suspeitar desde a rua de acesso, mas visível desde a rua posterior, de serviços, onde se situava o monorail elevado que percor-ria o sitio da exposição; não podendo porém ser por ali acessada por estar protegida pela elevação definida pelo rasgo de iluminação do anexo do Itamaraty. O Largo do Café, central e protegido, conforma uma espécie de an-

also be reached by a narrow space near the boundary with Czechoslovakia. The relief of the mounds used the minimum of resources to create a protected area that could hardly be imagined from the access road, but which was visible from the other service road with the elevated mono-rail, which toured the exhibition site yet was inaccessible from there due to being protected by defined elevation of the government annex light well. The central and protected Coffee Plaza forms a kind of natural amphitheatre with the help of the hill slopes, being partly shaded by the roof and partly in the open. The mounds hide or prevent sight of the underground events area, which is in fact only half buried. access to the Coffee Plaza via a “diagonal” route defines a sequence of vertical compression and decom-pression and alternating natural and artificial light, shade and natural light again.

The very horizontal and relatively low and discrete roof is the main architectural element of the ensemble – unlike most of the national pavilions at Expo’70, which tended towards verticality and exhibitionism, but also without dis-playing the technological boldness of the american pa-vilion, whose inflatable canvas roof was the biggest and lowest open span of the event. Made from pre-stressed concrete, the roof of the Brazilian pavilion was formed by two longitudinal edge beams varying in height by about 2 metres, fixed to reinforced concrete transversal beams ap-proximately 2 metres high and repeated every 2 metres, between which were open pyramidal “domes” closed at the top by glass. From below the ensemble defines a “grid” occupying about 40 metres of the roof, interrupted in the final section some 5 metres before each of the side divisions and complemented on its two smaller extremities by a transversal edge beam designed as a “downward pointing arrow”. The span between the edge beams and the grid is also closed with glass. The lower line of the longitudinal beams is designed in gentle curved lines des-cending slowly to the edges, defining subtle “arches”. The slightly asymmetrical position of the supports allows for a subtle variation in the design of each elevation. The three non-visible support columns, hidden by the hill elevations, are of cylindrical design, while the only visible support seems to pay symbolic homage both to colonial arches and to the columns of the porticoed palaces in Brasilia.

The large roof is a major Brazilian architectural gesture, representing an ideal of climatic comfort: it is a covering that protects from the sun and the rain, providing an open space to allow air circulation and an architectural prin-ciple that works well in almost all regions of the country. Paulo Mendes da Rocha’s pavilion reinterprets the large roof idea, distancing it from Sergio Bernardes’s pavilion proposal for the 1958 Brussels Expo and avoiding both the

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6 fiteatro natural com a ajuda dos declives dos morrinhos, estando parte sob a sombra da cobertura, parte sob a luz. Os morrinhos não permitem que seja percebida a área subterrânea de eventos, que de fato está apenas semi-en-terrada. O acesso ao Largo do Café por um percurso em diagonal define uma seqüência de compressão e descom-pressão vertical e de alternância entre luz natural, para artificial, para a sombra, para a luz natural novamente.

a cobertura muito horizontal e relativamente baixa e discreta é o principal elemento arquitetônico do conjunto – diferentemente da maioria dos pavilhões nacionais da Expo’70, que tendiam à verticalidade e ao exibicionismo, mas também sem apresentar o arrojo tecnológico do pavi-lhão americano, cuja cobertura inflável em lona constituía o maior e mais baixo vão livre do evento. Realizada em concreto protendido, a cobertura do pavilhão brasileiro era conformada por um conjunto de duas vigas de bordo longitudinais, com altura variável, amarradas por vigas transversais de concreto armado com cerca de 2 m de altura, repetidas a cada 2 m, entre as quais se definiam “domos” em tronco de pirâmide vazada, fechados acima com vidro. O conjunto define uma “grelha”, percebida como homogênea desde debaixo, ocupando aproxima-damente 40 m da cobertura, interrompendo-se no seu último trecho, a uns 5 m antes de cada uma das divisas la-terais, sendo complementada em suas duas extremidades menores por uma viga de bordo transversal com seção em forma de “seta com a ponta para baixo”. O vão entre as vigas de bordo e a grelha são também fechados por vidro. as vigas longitudinais têm sua linha inferior dese-nhada em linhas curvas e suaves descendo ligeiramente nas extremidades, definindo sutis “arcos”; a posição assi-métrica dos apoios permitem sutilmente variar o desenho de cada elevação. as três colunas de apoio não visíveis, por estarem protegidas pelas elevações dos morrinhos, têm desenho cilíndrico; enquanto o único apoio visível parece fazer uma homenagem aos arcos coloniais e às colunas dos palácios porticados de Brasília.

O tema da grande cobertura corresponde a um grande gesto referencial para a arquitetura brasileira, na medida em que representa um ideal de conforto climático: cobrir para proteger do sol e da chuva oferecendo um espaço aberto que permita a circulação do ar é um princípio ar-quitetônico que funciona bem em quase todas as regiões do país. O pavilhão de Paulo Mendes da Rocha reinter-preta a idéia de uma grande cobertura, distanciando-se do pavilhão proposto por Sergio Bernardes na Expo de Bruxelas de 1958, evitando tanto o aspecto de leveza como o uso de formas curvas, que marcavam a arquite-tura brasileira dos anos 1930-60. Outros projetos brasi-leiros antecipam o uso de um plano horizontal como ele-

sense of lightness and the use of curved forms that featured in Brazilian architecture from the 1930s to 1960s. Other Brazilian designs had anticipated the horizontal plane as an element for the roof and spatial definition, notably Oscar Niemeyer’s porches at Pampulha (1941) and the Parque do Ibirapuera (1951)9. Mendes da Rocha had already used the idea for the Ginásio Paulistano (1958), as had Vilanova artigas for the Garagem de Barcos do Clube Santapaula (1961). The idea of the large roof also appears in other competition proposals for the Osaka Expo’70 Pavilion, such as Koiti Yamagushi’s (2nd prize), Francisco Petracco’s (4th prize) and Ivan Mizoguchi and Rogério Malinski’s (4th prize).

The pavilion proposed by Mendes da Rocha illustra-tes how the horizontal roof can relate to a conspicuous set of construction issues that begin to appear in brutalist Brazilian architecture from the 1950s, in particular separa-tion of the horizontal roof plane and the vertical columns, generally porticoed, which define and separate the sup-ports to allow the creation of a strong tension. The design should thus solve: a) the rigidity of the horizontal plane, to be able to create the large porticos and free the space below b) the transfer of the weight of the horizontal plane to the vertical supports; c) reinforcement; and d) transfer of weight to the ground. This type of architecture seeks not only to solve these questions, but also to do so in original ways. The Osaka pavilion can be seen as a renewal of Gottfried Semper’s theory of transformation of material in relation to wood and stone buildings10.

The principal longitudinal beams of Brazil’s Osaka pa-vilion can be understood as a set of three greatly flattened arches, whose gently curving design marks the points of support and the edges. Like a bridge structure, the pavilion roof seems to span a space over a surface of water, while the undulating ground also resembles the natural move-ment of waves. although not actually a bridge, the pavi-lion symbolically connects and separates the neighbouring sites. But unlike stone bridges, its ends are not supported but remain in balance, which would be impossible with stone, yet viable with reinforced concrete.

The symbolic pillar formed by the intersection of two arches reflects a concern with expressing the physical properties of the construction and forms another of the pavilion’s references to stone buildings: the arch and the vault. In this case, it sought to express the direction of forces and transfer of weight to the ground. The “symbolic pillar” evokes a hollowed vault and allows the weight of the structure to be shared between four support points.

Two secondary yet startling aspects of the symbolic pillar are also worthy of note. The first comes from a change in the use of the construction elements: the arch and vault,

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mento de cobertura e de definição espacial, notadamente as marquises de Oscar Niemeyer em Pampulha (1941) e no Parque do Ibirapuera (1951)9. Mendes da Rocha já havia aproveitado a idéia no projeto do Ginásio Paulista-no (1958) e Vilanova artigas na Garagem de Barcos do Clube Santapaula (1961). O tema da grande cobertura também comparece em outras propostas do concurso do Pavilhão da Expo’70 em Osaka, como no projeto de Koiti Yamagushi (2º prêmio), Francisco Petracco (4º prêmio) e de Ivan Mizoguchi e Rogério Malinski (4º prêmio).

O pavilhão proposto por Mendes da Rocha ilustra como a cobertura horizontal pode se referir a um conjunto de questões construtivas notáveis que passam a compa-recer na arquitetura brasileira de tendência brutalista a partir da década de 1950, particularmente a separação do plano horizontal da cobertura e dos suportes verticais, em geral porticados, que definem os apoios e os distan-ciam, permitindo criar uma forte tensão. assim, o projeto deve solucionar: a) a rigidez do plano horizontal, a fim de criar os grandes pórticos e liberar o espaço abaixo; b) a transferência do peso desse plano horizontal aos suportes verticais; c) o contraventamento; e d) a transferência das cargas ao solo. Nessas arquiteturas, busca-se não apenas a solução dessas questões mas também, maneiras origi-nais para atingir esses fins. Pode-se considerar no caso do pavilhão de Osaka, uma renovação da teoria da trans-formação material de Gottfried Semper, em referencia às construções em madeira e pedra10.

as vigas longitudinais principais do pavilhão do Brasil em Osaka, podem ser entendidas como o conjunto de três arcos muito abatidos, cujo desenho em curvas suaves marca os pontos de apoio e as extremidades. É análoga à estrutura de uma ponte, como se a cobertura do pavilhão vencesse um vão sobre a superfície da água, enquanto o chão também ondula, em analogia ao movimento natural das ondas. Se bem não seja de fato uma ponte, o pavi-lhão simbolicamente se conecta e separa-se dos lotes vizi-nhos. Mas o pavilhão se distingue das pontes de pedra na medida em que suas extremidades não estão apoiadas, mas restam em balanço, feito impossível em pedra mas viável em concreto armado.

O pilar simbólico formado pelo cruzamento de dois arcos reflete uma preocupação com a expressão das pro-priedades físicas da construção, e constitui outra referên-cia do pavilhão em relação às construções em pedra: o arco e a abóbada. Procurou-se neste caso exprimir a traje-tória das forças e a transferência do peso ao solo. O pilar evoca uma abóbada esvaziada, e permite dividir o peso da estrutura por quatro pontos de apoio.

Dois aspectos secundários, mas surpreendentes, merecem ser assinalados no pilar simbólico. O primeiro

as elements for covering spaces, have been employed as load-bearing elements. The second aspect is that the load of the main longitudinal beam, with its flattened arches, is carried at the keystone of the crossed arches, which would be a static incongruity, transferring the weight to the weakest point of the arch. The roof actually seems to be supported by a void – by the inner space resulting from the intersection of the arches. This feat is made possible through the internal framework of the reinforced concrete, with the armature allowing distribution of static forces. In short, the architects’ desire of concentrating the weight on the flexible joint (of the flattened arches of the longitudi-nal beam) to then redistribute this weight on four support points (through the intersecting arches) can be said to create a strong poetic tension between those elements. The symbolic pillar in the Brazilian pavilion thus cannot be disconnected from the history of building techniques, and related to them symbolically; for the arch and vault, easily recognisable architectural symbols since antiquity, have been used to mark out an important space – which in the case of the pavilion is the Coffee Plaza.

But the symbolic pillar will also have a technical func-tion: to horizontally reinforce the ensemble. Considering that the roof weight is released on four flexible joints, and that three of these are columns directly supported on the foundations, the only technical element able to support the horizontal forces would be the symbolic pillar; a significant aspect in a region subject to earthquakes such as Japan.

ELIMINaTION OF THE COLUMN, MONUMENTaL PRIMI-TIVISM aND CONSTRUCTIONaL UNIFORMITY

The architect evokes references to nature in the reasons for the three undulations of the ground that seem to support the pavilion roof; but there may also be a search for a solution that removes a traditional element in almost every system of construction: the column, or the vertical support. The roof seems to discharge its weight onto three points, directly on the foundations, reaching to the ground and creating a strong relationship with it. Two of the undula-tions in fact hide cylindrical columns that are nonetheless visible in the underground exhibition space, and only the third one is actually part of a foundation piling – and it is only in this case that the weight is in fact directly transfer-red to the ground.

One might also think that the pavilion resembles a kind of large-scale primitive dolmen, as if the horizontal roof were a huge stone slab and the space beneath, the under-ground area, its funerary chamber. On entering this space, the ramp inviting entry to the pavilion gives the visitor the impression of entering a grotto, partly artificial (due to the roof) and partly natural (due to the undulations). It remains

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6 vem de uma mudança na maneira de utilizar os elementos construtivos: o arco e a abóbada sendo elementos de reco-brimento de espaços, foram empregados como elementos portantes. O segundo aspecto é que a viga longitudinal principal, por seus arcos abatidos, descarrega seu peso na chave dos arcos cruzados, o que seria um contra-senso estático, pois se transfere o peso no ponto mais frágil do arco. De fato, a aparência que resulta é que a cobertura é apoiada sobre um vazio, ou seja, sobre o espaço interior que resulta do cruzamento dos arcos. É graças à arma-dura interna do concreto armado que se torna possível realizar essa proeza, isto porque a armadura permite a redistribuição das forças estáticas. Em resumo, pode-se afirmar que a vontade dos arquitetos de concentrar o peso na junta flexível (pelos arcos abatidos da viga longitudi-nal) para depois redistribuir esse peso em quatro pontos de apoio (pelos arcos cruzados), foi criar uma forte tensão poética entre esses elementos. assim, o pilar simbólico do pavilhão do Brasil não pode ser dissociado da história das técnicas de construção, e é simbólico vis-à-vis a elas; pois desde a antiguidade que o arco e a abóbada tor-nam-se símbolos arquitetônicos facilmente reconhecíveis, que foram utilizados para marcar um espaço significativo – no caso do pavilhão, a Praça do Café.

Mas o pilar simbólico terá também uma função técnica: contraventar horizontalmente o conjunto. Considerando que a cobertura descarrega seu peso em quatro juntas fle-xíveis, e que três dessas juntas definem colunas apoiadas diretamente sobre as fundações, o único elemento capaz de suportar as forças horizontais seria justamente o pilar simbólico; aspecto significativo em uma região sujeita a terremotos como o Japão.

a ELIMINaçÃO Da COLUNa, PRIMITIVISMO MONU-MENTaL E HOMOGENEIDaDE CONSTRUTIVa

quanto às três ondulações do terreno sobre as quais a cobertura do pavilhão parece se apoiar, o discurso do arquiteto evoca referências à natureza; mas parece haver também a busca de uma solução que elimina um elemento tradicional de quase todo sistema construtivo: a coluna, ou o suporte vertical. a cobertura parece descarregar seu peso em três pontos, diretamente das fundações, aproxi-mado-se do chão e com ele criando uma forte relação. De fato, duas das ondulações escondem colunas cilíndri-cas que entretanto são visíveis no espaço de exposições situado em subsolo, e apenas uma terceira de fato se integra a uma estaca de fundação – e somente nesse caso o peso é de fato diretamente transferido ao solo.

Poderia-se também pensar que o pavilhão se asseme-lha a uma espécie de dólmen primitivo de grande escala, como se a cobertura horizontal fosse uma grande laje de

to be seen whether this relationship between the Brazilian pavilion and primitive stone architecture was intentional on the part of its designers, but there is no doubt that in the arrangement of elements that make up the pavilion – the flattened arches of the main beams, the intersecting-arch pillar, the part-buried spaces – there is an emphasis on a kind of “primitive state”. Even if this seems to be mere coincidence, the analogy gains force when one considers the construction challenges of setting up a huge horizontal slab over the ground, as in megalithic architecture; and the symbolic meaning of this gesture in which the horizontality acquires a respectable sense of monumentality.

The use of a restricted palette of materials and even construction elements should be taken as intentional, as a manifestation of the use of reinforced concrete and in pursuit of unity of result, emphasised also by the symbolic pillar, the use of asphalt as a finish for the floors and undu-lations, in a visual and tonal continuity with the dominant concrete, strengthening the massive and rough appearan-ce of a surface that was initially liquid before solidifying into a rigid form that, when set, leaves scarcely a trace of the moulds that made it possible, and shows hardly any sign of the steel armatures that enabled it. The pavilion can therefore be seen as an architecture of homogenous mate-rials, practically minimalist in the literal sense, a delicately simplified, unadorned construction, capable of evoking a sense of the sublime in the minds of the visitors.

as we can imagine, the constructional unity of the Brazilian pavilion, exploiting the mass of reinforced con-crete, together with its horizontal form, could only seem to be highly simple amidst the profusion of colours and materials of the Expo’70 buildings. Within such diversity of construction, Paulo Mendes da Rocha’s pavilion also evoked the opposite of the typical temporary buildings of this type of event, made from light materials, since its cons-tructional unity offers precisely the impression of durability and solidity.

NaTIONaL IDENTITY aND CREaTIVE FREEDOMStill on the topic of national identity, it is worth recalling

St Thomas aquinas’s fundamental “principle of individu-ation”, which explains the diversity of the world through the different identities of things, distinguishing one from another. In the case of the architecture of universal exposi-tions, it is not the significance of a uniform ensemble that matters, but the individually of each pavilion. The theme of national identity therefore runs through this natural indivi-duality of the buildings in a world exposition.

In practice, the architecture of universal expositions is essentially pavilion architecture, consisting of isolated buil-dings designed independently by different practitioners.

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pedra, e o espaço abaixo, correspondente à área em subsolo, sua câmara funerária. ao entrar por esse espaço, graças à rampa de acesso que convidaria o visitante a acessar o pavilhão, o visitante teria a impressão de estar acessando uma gruta, parcialmente artificial (em razão da cobertura), e parcialmente natural (em razão das on-dulações). que essa relação entre o pavilhão brasileiro e a arquitetura primitiva em pedra seja intencional ou não da parte de seus autores, resta a demonstrar, mas há sem dúvida, na disposição dos elementos que compõem o pa-vilhão – os arcos abatidos das vigas principais, o pilar em arcos cruzados, os espaços semi-enterrados – uma ênfase num tal “estado primitivo”. Se bem que isto pareça ser apenas uma coincidência, a analogia pode ganhar consistência ao considerar o grande desafio construtivo que é o de erguer do solo uma grande placa horizontal, tal como na arquitetura megalítica; e o sentido simbólico desse gesto onde a horizontalidade ganha um respeitável sentido de monumentalidade.

O uso de uma paleta restrita de materiais e mesmo de elementos construtivos deve ser interpretado como inten-cional, como um manifesto pela utilização do concreto armado, e como uma busca de homogeneidade nos resul-tados; enfatizada pelo seu uso também no pilar simbólico, pelo uso de asfalto no revestimento dos pisos e morrinhos, em continuidade visual e de tonalidade com o concreto predominante, reforçando a aparência massiva, rugosa e de existência primeiramente líquida, antes de solidificar-se em uma forma rígida, que ao estar terminada mal deixa vestígios das formas que a tornaram possível, e pratica-mente não dá notícia das armaduras de aço que a viabi-lizaram. Dessa maneira, o pavilhão pode ser visto como uma arquitetura de materiais homogêneos, praticamente minimalista, no sentido literal do termo. Uma construção delicadamente simplificada, despojada, capaz de suscitar o sentimento do sublime no espírito dos visitantes.

Como podemos imaginar, a homogeneidade cons-trutiva do pavilhão do Brasil, explorando a massa do concreto armado, bem como a sua forma horizontal, só poderia parecer de uma grande simplicidade em meio à profusão de cores e materiais dos edifícios da Expo’70. Dentro desta diversidade construtiva, o pavilhão de Paulo Mendes da Rocha evocava também o contrário das cons-truções temporárias típicas deste tipo de evento, feitas de materiais leves, pois sua homogeneidade construtiva proporciona exatamente a impressão de durabilidade e solidez.

IDENTIDaDE NaCIONaL E LIBERDaDE DE CRIaçÃOainda pensando sobre a identidade nacional, vale a

pena lembrar de um princípio fundamental da teoria da

In such circumstances the purpose of the buildings is to stand out from the others and to attract visitors, a condition that in itself leads to competition between architects. Fully aware of this, Paulo Mendes da Rocha offers a non-pavi-lion architecture, creating a large public space covered by a monumental horizontal plane, through a symbolic gesture of spatial integration and refined constructional research. In this context, the search for the best national representation is accompanied by a search for architec-tural creativity, with the aim of producing a unique work, in which architecture-competition selection played a key role. In conclusion, if there is a lesson to be taken from the Brazilian pavilion in Osaka, it is the fact that designing a national pavilion is foremost an exercise of creative artistic freedom, and an occasion whose rare historical importan-ce cannot be dismissed. This singular work of São Paulo brutalism, which raises discussion of Brazilian identity, in fact ended up becoming a key feature of national archi-tectural identity.

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6 identidade, o famoso “princípio de individuação”, pro-posto por São Tomás de aquino, e que explica a diver-sidade do mundo através das diferentes identidades das coisas, que se distinguem umas das outras. No caso da arquitetura de exposições universais, não é o significado de um conjunto uniforme, mas a individualidade de cada pavilhão que importa. Então, é através desta individuali-dade natural entre os edifícios de uma exposição mundial que passa o tema da identidade nacional.

Na prática, a arquitetura das exposições universais é essencialmente uma arquitetura pavilhonar, ou seja, com-posta de edifícios isolados, projetados de forma indepen-dente por diferentes profissionais. Nestas circunstâncias, a finalidade dos edifícios é diferenciar-se uns dos outros para atrair visitantes, uma situação que, por si só, conduz a uma concorrência de arquiteturas. Muito consciente, Paulo Mendes da Rocha oferece uma arquitetura não-pavilhonar; que cria uma grande praça pública coberta por um plano horizontal monumental, através de um gesto simbólico de integração espacial, e de uma refinada pes-quisa construtiva. Neste contexto, a busca pela melhor representação nacional veio acompanhada da busca pela criatividade arquitetônica, com o intuito de realizar uma obra única, e sobre cuja escolha o concurso de ar-quitetura efetuou tarefa fundamental. Enfim, se há algo que podemos levar como lição do pavilhão do Brasil em Osaka é o fato que projetar um pavilhão nacional é antes de tudo um exercício de liberdade de criação artística, e uma ocasião rara cuja importância histórica não pode ser relegada. Esta obra notável do brutalismo paulista, que levanta a discussão sobre a identidade brasileira, ter-minou tornando-se de fato uma referência da identidade arquitetônica nacional.

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11, 12 Imagens da maquete.11, 12 Images of the physical model.

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613 Detalhe da viga de bordo com formato de “seta com ponta para baixo”.13 Detail of the edge beam designd as a “do-wnward pointing arrow”.

14 Detalhe do pilar aparente.14 Detail of the visible pillar.

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NOTaS

1 Projeto 139, 1991, p.83-90 “a participação do Brasil nas exposições universais: uma arqueologia da modernidade brasileira”.2 Uma nota na revista acrópole de março de 1969 afirma que o governo do presidente arthur da Costa e Silva havia recebido um convite do primeiro ministro japonês Eisaku Sato para par-ticipar na Expo de Osaka no ano seguinte; não se menciona a possibilidade de se organizar um concurso de arquitetura, mas se nomeiam os responsáveis pela organização da participa-ção brasileira. No mês de maio publicam-se os resultados do concurso.3 ata do júri, publicada em acrópole, no. 361, 1969, p. 13.4 Texto descritivo do projeto, publicado em acrópole, no. 361, 1969, p. 15.5 1961 foi a data da edição da revista italiana Zodiac parcial-mente dedicada ao Brasil, seguindo-se um grande vazio: desde então, salvo engano, o Brasil nunca mais comparece como tema principal ou exclusivo de qualquer publicação internacional de arquitetura. 6 Nos depoimentos coligidos na publicação “arquitetura Brasilei-ra Pós-Brasilia” organizados pelo IaB-RJ e publicados em 1978.7 ata do júri, publicada em acrópole, no. 361, 1969, p. 13.8 Idem, ibidem.9 Sobre o tema da grande cobertura, ver : Mahfuz, Edson da Cunha, 2006. Transparência e sombra: o plano horizontal na arquitetura paulista. In arquitextos, 079, Vitruvius, http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq079/arq079_01. (acessado em 28/09/2009).10 abordamos o pavilhão de Osaka sob o ângulo da teoria de Semper no seguinte artigo: amaral, Izabel. Reatualizando Gott-fried Semper: entre exposições universais, concursos e teoria do projeto. In: Projetar 2009: IV Seminário sobre ensino e pesquisa em projeto de arquitetura. São Paulo: Universidade Mackenzie, 2009.

NOTES

1 Projeto 139, 1991, p.83-90 “a participação do Brasil nas exposições universais: uma arqueologia da modernidade brasileira”.2 a note in the March 1969 issue of acrópole states that govern-ment of arthur da Costa e Silva had received an invitation from the Japanese prime minister Eisaku Sato to take part in the Osaka Expo the following year; there is no mention of the possible or-ganisation of an architecture competition, but the names of those responsible for organising the Brazilian participation are given. The results of the completion are published in May.3 Jury minutes, published in acrópole, no. 361, 1969, p. 13.4 Text describing the project, published in acrópole, no. 361, 1969, p. 15.5 1961 was the date of the issue of the Italian magazine Zodiac partly dedicated to Brazil, followed by a large gap: since then, unless we are mistaken, Brazil never again appears as the main or exclusive topic in any international architecture publication.6 In the statements collected in the publication “arquitetura Brasileira Pós-Brasilia” organised by IaB-RJ and published in 1978.7 Jury minutes, published in acrópole, no. 361, 1969, p. 13.8 Idem, ibidem.9 On the subject of the large roof, see: Mahfuz, Edson da Cunha, 2006. Transparência e sombra: o plano horizontal na arquite-tura paulista. In arquitextos, 079, Vitruvius, http://www.vitru-vius.com.br/arquitextos/arq079/arq079_01. (accessed on 28/09/2009).10 We address the Osaka pavilion from the angle of Semper’s theory in the following article: amaral, Izabel. Reatualizando Gottfried Semper: entre exposições universais, concursos e teo-ria do projeto. In: Projetar 2009: IV Seminário sobre ensino e pesquisa em projeto de arquitetura. São Paulo: Universidade Mackenzie, 2009.