a fase introdutória da acção executiva (2009)_pp

38
Paulo Pimenta Mestre em Direito Docente Universitário Advogado 1 A FASE INTRODUTÓRIA DA ACÇÃO EXECUTIVA 1. Generalidades Como é consensualmente entendido, o regime da acção executiva sofreu uma relevante reforma por via do DL nº 38/2003, de 8 de Março, diploma este que, com vigência desde 15/09/2003, consagrou um novo paradigma no processo executivo, inspirando-se particularmente no regime francês, corporizado na figura do hussier de justice. Para além da própria alteração do paradigma, e como sua decorrência (até certo ponto, ao menos), o legislador procedeu a inúmeras modificações em diversos aspectos da tramitação da acção executiva (sobremaneira, na execução pecuniária). Uma das áreas em que as modificações foram mais significativas respeita à fase introdutória da acção executiva, tendo expressão nos artigos 811º, 812º, 812º-A e 812º-B do Código de Processo Civil (CPC) 1 . Cerca de cinco anos decorridos, eis que o legislador introduziu novas alterações no regime da acção executiva, através do DL nº 226/2008, de 20 de Setembro, que teve início de vigência em 31/03/2009 2 . Esta nova intervenção legislativa, essencialmente marcada pelo aprofundamento das linhas caracterizadoras da reforma de 2003, trouxe consigo mexidas em diversos aspectos de ordem procedimental. Um desses aspectos voltou a ser o da fase introdutória da acção executiva, tendo sido revogados os artigos 812º, 812º-A e 812º-B e 1 Pertencem ao CPC todos os preceitos legais referidos sem indicação da origem. 2 Não esquecendo, todavia, as particularidades contidas nos arts. 20º, 22º e 23º deste DL nº 226/2008.

Upload: isabel-pinto

Post on 08-Nov-2015

5 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

Execução

TRANSCRIPT

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    1

    A FASE INTRODUTRIA DA ACO EXECUTIVA

    1. Generalidades

    Como consensualmente entendido, o regime da aco executiva

    sofreu uma relevante reforma por via do DL n 38/2003, de 8 de Maro,

    diploma este que, com vigncia desde 15/09/2003, consagrou um novo

    paradigma no processo executivo, inspirando-se particularmente no regime

    francs, corporizado na figura do hussier de justice.

    Para alm da prpria alterao do paradigma, e como sua decorrncia

    (at certo ponto, ao menos), o legislador procedeu a inmeras modificaes

    em diversos aspectos da tramitao da aco executiva (sobremaneira, na

    execuo pecuniria).

    Uma das reas em que as modificaes foram mais significativas

    respeita fase introdutria da aco executiva, tendo expresso nos artigos

    811, 812, 812-A e 812-B do Cdigo de Processo Civil (CPC)1.

    Cerca de cinco anos decorridos, eis que o legislador introduziu novas

    alteraes no regime da aco executiva, atravs do DL n 226/2008, de 20

    de Setembro, que teve incio de vigncia em 31/03/20092.

    Esta nova interveno legislativa, essencialmente marcada pelo

    aprofundamento das linhas caracterizadoras da reforma de 2003, trouxe

    consigo mexidas em diversos aspectos de ordem procedimental.

    Um desses aspectos voltou a ser o da fase introdutria da aco

    executiva, tendo sido revogados os artigos 812, 812-A e 812-B e

    1 Pertencem ao CPC todos os preceitos legais referidos sem indicao da origem. 2 No esquecendo, todavia, as particularidades contidas nos arts. 20, 22 e 23 deste DL n 226/2008.

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    2

    aditados os artigos 812-C, 812-D, 812-E e 812-F, mantendo-se o artigo

    811, embora com alteraes.

    Se j em face da redaco proveniente do DL n 38/2003, vinha

    sendo dito que a regulamentao da fase liminar da execuo era complexa,

    agora, perante os normativos introduzidos pelo DL n 226/2008, saiu

    reforada a convico acerca da complexidade que caracteriza a fase inicial

    do processo executivo.

    este o mote para o presente texto, destinado a analisar a evoluo

    legislativa e, com isso, a contribuir para a interpretao dos novos

    preceitos.

    Devo comear por dizer, em jeito de nota prvia, que sempre

    acompanhei a ideia de que a regulamentao da fase introdutria do

    processo executivo, tal como saiu da reforma de 2003, era complexa e

    excessiva.

    Mais devo acrescentar que a complexidade e o excesso no

    relevavam s por si, isto , objectivamente, mas ainda porque a gesto da

    aplicao daqueles preceitos era cometida secretaria judicial, no sendo

    certo que os funcionrios judiciais estivessem em condies de assegurar

    adequadamente tal gesto.

    Apesar de tudo, aps as dvidas e as hesitaes iniciais, a minha

    convico foi a de que se havia chegado a um patamar minimamente

    aceitvel na interpretao e aplicao dos citados normativos. Quer dizer, a

    experincia e a prtica forense foram permitindo ultrapassar as dificuldades

    colocadas pela lei.

    Agora, em face das novas alteraes, o problema volta a pr-se, mas

    num plano que suscita bem maiores preocupaes.

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    3

    Com efeito, mantendo-se a complexidade da regulamentao,

    criaram-se outros e novos problemas.

    que, desta vez, so detectveis diversas imprecises e imperfeies

    no texto legal, gerando quer contradies, quer dupla regulamentao, quer

    ainda falta de regulamentao em certos pontos.

    O mesmo dizer que, nesta fase do processo executivo, a

    interveno legislativa expressa no DL n 226/2008 peca por falta de rigor

    e de preciso3.

    Para melhor se enfrentar o regime vigente, que decorreu da

    promulgao do DL n 226/2008, mostra-se til proceder a uma breve

    sntese do regime da fase introdutria da aco executiva que fomos tendo

    nos ltimos anos.

    Como se ver, a anlise do novo regime legal beneficiar se tivermos

    presente a evoluo legislativa, condio essencial para chegarmos a um

    resultado interpretativo com um mnimo de coerncia e apto a colmatar as

    imprecises ou deficincias do novo texto legal.

    Nessa perspectiva, importar considerar os seguintes momentos:

    o perodo que decorreu entre o incio da vigncia do actual CPC

    (01/01/1997) e a reforma da aco executiva de 2003;

    o perodo que decorreu entre a reforma da aco executiva de 2003

    (vigente desde 15/09/2003) e as alteraes promovidas pelo DL n

    226/2008;

    o perodo posterior a 31 de Maro de 2009, que corresponde ao

    regime actual, institudo pelo DL n 226/2008.

    3 Embora extravase o mbito deste texto, no pode deixar de dizer-se que a falta de rigor e de preciso se manifestam em diversos pontos da regulamentao do processo executivo, o que sempre grave, mais a mais numa rea to sensvel como esta.

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    4

    2. A fase introdutria da execuo, no perodo que decorreu entre

    01/01/1997 e 14/09/2003

    Quando o actual Cdigo de Processo Civil entrou em vigor, na aco

    executiva, e dentro do processo comum, existiam duas formas de processo

    perfeitamente delimitadas, sempre em funo do ttulo executivo.

    A forma ordinria, caracterizada por despacho liminar, citao e

    contraditrio inicial, estava ento regulada partir do art. 811 e era

    destinada execuo de ttulos extrajudiciais (e execuo de sentenas

    que tivessem condenado em quantia no liquidvel por simples clculo

    aritmtico).

    Nessa forma processual, apresentado o requerimento inicial, o

    mesmo era submetido a despacho liminar. Caso a execuo fosse recebida,

    o executado era citado para, em 20 dias, pagar ou nomear bens penhora.

    Caso no pagasse e tambm no nomeasse bens penhora, devolvia-se ao

    exequente, nos termos ento previstos no art. 836.1.a), o direito de nomear

    bens penhora.

    A forma sumria, com despacho liminar, penhora imediata e

    contraditrio posterior, era prevista a partir do art. 924, estando

    vocacionada para execues de sentena judicial.

    A, assistia ao exequente o direito de, logo no requerimento inicial

    executivo, nomear bens penhora. Submetido o requerimento a despacho

    liminar e ordenada que fosse a penhora, s depois de consumada esta que

    havia lugar interpelao do executado.

    Era este, em traos gerais, o esquema original do CPC que entrou em

    vigor em 01/01/1997, sendo que a nota distintiva das duas formas

    processuais era o momento da penhora, justificando-se o regime da forma

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    5

    sumria (penhora imediata e contraditrio posterior) pelo facto de o ttulo

    ser uma deciso judicial condenatria, o que significava que o ento

    executado j fora ru em aco declarativa, tendo gozado j de amplo

    contraditrio, bem diferentemente das execues ordinrias, as quais no

    eram antecedidas de qualquer processo declarativo4. Quanto ao despacho

    liminar, importa reter que o mesmo tinha lugar em ambas as modalidades

    executivas, ora para ordenar a citao do executado (na execuo

    ordinria), ora para ordenar a penhora de bens (na execuo sumria).

    Este esquema foi relativamente abalado logo em Outubro de 1997,

    atravs do DL n 274/97, de 8 de Outubro, diploma que veio alargar a

    certas execues de ttulos no judiciais o regime favorvel (ao exequente)

    da forma executiva sumria.

    Com efeito, para a execuo de ttulos que, luz do CPC, deveriam

    seguir a forma ordinria, o legislador veio permitir que o exequente

    beneficiasse da tramitao prevista para a execuo sumria

    (primordialmente, a penhora imediata e o contraditrio posterior), desde

    que verificados certos requisitos.

    Assim, para alm de a aplicao desse regime depender de

    manifestao de vontade do exequente, era preciso que o valor do pedido

    no excedesse a alada da 1 instncia e que a penhora apenas recasse

    sobre determinados bens (mveis ou direitos que no tenham sido dados de

    penhor, com excepo do estabelecimento comercial)5.

    4 No esquecendo, todavia, que a execuo de sentena arbitral, embora sucedesse a uma tramitao declarativa, decorria sob a forma ordinria. 5 Note-se que, luz da lei (art. 862-A), a penhora do estabelecimento comercial era regulada como penhora de direitos, tendo sido intuito do legislador evitar que o estabelecimento comercial fosse penhorado numa execuo instaurada ao abrigo do citado DL n 274/97.

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    6

    Quer isto dizer que, mantendo-se a dicotomia execuo

    ordinria/execuo sumria assente na espcie de ttulo executivo, foi

    ampliado, em termos prticos, o domnio de aplicao da execuo

    sumria, numa ntida inteno de, embora com certas restries, permitir ao

    exequente a mais rpida efectivao da penhora de bens do executado,

    diferindo-se o contraditrio para depois da penhora.

    Nesta mesma linha, importa recordar que, cerca de um ano depois, o

    DL n 269/98, de 1 de Setembro, (re)introduziu a figura da injuno e

    determinou que a execuo fundada em requerimento de injuno ao qual

    tivesse sido aposta a frmula executria seguiria os termos do processo

    sumrio ou do dito DL n 274/97 (cfr. a redaco original do art. 21.1 do

    Anexo ao DL n 269/98).

    Daqui decorreu, mais uma vez, a ampliao do mbito da execuo

    sumria, a despeito do critrio genericamente consagrado no CPC.

    3. A fase introdutria da execuo, no perodo que decorreu entre a

    reforma da aco executiva de 2003 (vigente desde 15/09/2003) e

    as alteraes promovidas pelo DL n 226/2008

    Com a reforma da aco executiva de 2003, instituda pelo citado DL

    n 38/2003, de 8 de Maro, houve uma significativa reestruturao da fase

    inicial do processo executivo.

    Embora do art. 465 resultasse que o processo executivo comum

    passava a ter forma nica, era claro que a aco executiva, na sua etapa

    inicial, comportava tantas possibilidades que era quase um eufemismo essa

    ideia de unidade de forma.

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    7

    Nas execues iniciadas aps 15/09/2003, apresentado o

    requerimento executivo em juzo e sendo o mesmo recebido pela secretaria

    (os casos de recusa constavam do art. 811), a concreta tramitao

    processual, em face do disposto nos arts. 812, 812-A e 812-B, variava

    entre quatro regimes:

    execues com despacho liminar e citao prvia do executado;

    execues com citao prvia do executado mas sem necessidade

    de despacho liminar;

    execues sem despacho liminar, sem citao prvia e com

    penhora imediata;

    execues sem citao prvia, com penhora imediata, mas

    mediante despacho liminar6.

    Esta variedade, assente numa previso assaz complexa, jogava pouco

    com a tal forma nica do processo executivo comum.

    Do cotejo do disposto nos ditos arts. 812, 812-A e 812-B, resultava

    que o regime regra era o da prolao de despacho liminar7, na medida em

    que, segundo o n 1 do art. 812, o processo seria concluso para esse

    despacho, salvo quando se verificasse alguma das situaes previstas no n

    1 do art. 812-A (preceito que dispensava o despacho liminar)8, no

    esquecendo ainda os casos do n 7 do art. 812, em que era dispensado

    despacho liminar, havendo, porm, citao prvia oficiosa.

    6 Acrescendo que, dentro destas modalidades, ainda era possvel encontrar algumas variaes. 7 Sendo certo que, neste contexto, havendo tantos casos de dispensa de despacho liminar, a regra jurdica no era confirmada pela regra estatstica. Reconhecendo isso mesmo, JOS LEBRE DE FREITAS (A aco executiva depois da reforma, 4 edio, p. 161, e Penhora e oposio execuo, Themis, Ano V, n. 9, 2004, p. 13). 8 Da conjugao deste n 1 do art. 812-A com o n 1 do art. 812-B resultava que, no havendo despacho liminar, igualmente no haveria citao prvia do executado, havendo outrossim penhora imediata.

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    8

    Recordemos, ento, o funcionamento da fase liminar das execues

    aps a reforma de 2003, tendo em conta as referidas quatro situaes9.

    O primeiro regime correspondia ao das execues em que,

    funcionando o regime regra, o requerimento era submetido a despacho

    liminar (art. 812.1).

    Nessa situao, o despacho judicial poderia ser de indeferimento (art.

    812.2), de convite ao aperfeioamento (art. 812.4) ou de recebimento (art.

    812.6).

    O recebimento da execuo implicava a citao do executado, a que

    o legislador passou a chamar citao prvia (por anteceder o acto de

    penhora).

    O segundo regime respeitava s execues com citao prvia do

    executado mas sem necessidade de a secretaria fazer o processo concluso

    para despacho liminar.

    Nesses casos, que eram trs e estavam indicados no n 7 do art. 812,

    a lei prescrevia a citao do executado logo no incio da execuo, mas

    dispensava a interveno liminar do juiz.

    O terceiro regime era o das execues em que tinha lugar a penhora

    imediata, sem despacho liminar e sem citao prvia.

    Resultava isso da conjugao do art. 812-A e do art. 812-B.1,

    estabelecendo o primeiro quando que se dispensava a interveno liminar

    do juiz e referindo o segundo que, nesses casos, tambm no haveria

    9 Acerca da fase introdutria da execuo, em face da reforma de 2003, cfr. PAULO PIMENTA (Reflexes sobre a nova aco executiva Sub Judice, Justia e Sociedade, n 29, 2004, ps. 87-90).

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    9

    citao prvia, o que significava, portanto, que a execuo principiava pela

    penhora.

    Note-se, todavia, que o art. 812-A, embora a sua epgrafe induzisse

    que o preceito se reportava aos casos de dispensa de despacho liminar

    (disso tratando o seu n 1), continha duas importantes ressalvas.

    Por um lado, o seu n 2 estabelecia que, ainda que se verificasse

    algumas das hipteses do n 1, haveria, afinal, sempre despacho liminar nas

    execues movidas apenas contra o devedor subsidirio, quando o

    exequente tivesse requerido que a penhora fosse efectuada sem prvia

    citao do executado (devedor subsidirio) e nas execues em que fosse

    de aplicar o n 2 do art. 804.

    Por outro lado, o n 3 do art. 812-A previa que, tratando-se embora

    de execues que, pelo n 1 daquele preceito, dispensavam despacho

    liminar, a interveno do juiz poderia ser suscitada pelo funcionrio

    judicial quando ocorresse alguma das situaes indicadas nas alneas a), b)

    e c) desse n 310.

    O quarto regime, por fim, era o das execues em que era afastada a

    citao prvia, abrindo-se caminho penhora imediata, mas a mediante

    despacho judicial, o que significava que cabia ao exequente promover algo

    nesse sentido.

    Assim, ao avanar para a via executiva, o exequente deveria

    antecipar a tramitao a que o seu requerimento daria lugar (em funo,

    designadamente, do ttulo executivo e do valor do pedido). Sempre que

    10 Esta previso do n 3 do art. 812-A destinava-se como que a contrabalanar o risco decorrente da no interveno liminar do juiz em certas (que eram muitas) aces executivas, confiando o legislador na capacidade dos funcionrios judiciais para se aperceberem de vcios que, se detectados pelo juiz, impediriam o prosseguimento da execuo. Esta norma paralela contida no n 5 do art. 234-A, relativamente aco declarativa, introduzida igualmente pelo DL n 38/2003, de 8/3.

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    10

    conclusse que a sua execuo implicava despacho liminar (sendo que

    despacho liminar significava citao prvia cfr. o art. 812.1 e 6),

    competia ao exequente, caso tivesse fundamentos para tal, requerer que o

    juiz dispensasse a prevista citao prvia e autorizasse a penhora imediata.

    Quando o exequente assim procedesse, a execuo iniciava-se por uma

    diligncia probatria tendente demonstrao do justo receio de perda de

    garantia patrimonial do crdito, cumprindo-se o previsto nos n.s 2 e 3 do

    art. 812-B.

    4. A fase introdutria da execuo nos processos instaurados aps

    31/03/2009, luz do regime institudo pelo DL n 226/2008

    Uma das matrias em que as alteraes decorrentes do DL n

    226/2008 mais se notaram foi, como dito, a da fase introdutria da aco

    executiva.

    Assim, foram revogados os arts. 812, 812-A e 812-B e, em

    substituio daqueles, foram aditados os arts. 812-C, 812-D, 812-E e

    812-F.

    Relativamente ao art. 811, preceito cujo regime se articula

    funcionalmente com aqueles, foi mantido mas sofreu uma importante

    alterao, pois a competncia para receber (ou recusar) o requerimento

    executivo foi cometida ao agente de execuo.

    Antes de passarmos directamente anlise do novo regime, cumpre

    deixar aqui algumas notas prvias.

    Em primeiro lugar, no confronto entre os preceitos que tnhamos

    (arts. 812, 812-A e 812-B) e os que ora temos (arts. 812-C, 812-D,

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    11

    812-E e 812-F), mesmo admitindo que os novos preceitos acrescentaram

    algo face aos anteriores, no se v razo que impedisse a adequada

    conformao do teor daqueles preceitos, mantendo-se a sua vigncia.

    Em segundo lugar, no obstante as alteraes, continuamos a ter, no

    essencial, um quadro semelhante ao institudo em 2003, pois h execues

    com despacho liminar e citao prvia do executado, h execues com

    citao prvia do executado mas sem necessidade de despacho liminar,

    execues sem despacho liminar, sem citao prvia e com penhora

    imediata e execues sem citao prvia, com penhora imediata, mas

    mediante despacho liminar.

    Em terceiro lugar, os quatro novos preceitos esto organizados,

    epigrafados e redigidos de modo assaz imperfeito e desajeitado, j porque a

    respectiva sequncia no correcta, j porque o teor dos preceitos no

    corresponde sua epgrafe, j porque o texto legal contm inmeras

    imprecises e omisses.

    Em quarto lugar, e como decorrncia do que antecede, deixou de

    haver regulamentao assente num regime regra, aplicvel, pois, a todos os

    casos em que no prevalea uma excepo.

    Em quinto lugar, e como outra decorrncia do que ficou dito, h

    casos de dupla regulamentao da mesma hiptese, casos de falta de

    previso de certa hiptese e casos de regulamentao contraditria.

    Para ilustrar o que fica dito, reparemos que o art. 812-C trata dos

    casos em que h penhora imediata, dispensando-se o despacho liminar e a

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    12

    citao (aqui com referncia primeira parte do n 1 do art. 812-F)11, mas a

    epgrafe fala de outra coisa, fala de diligncias iniciais12.

    Podemos tambm exemplificar com o art. 812-E, cuja epgrafe

    (indeferimento liminar) induz o intrprete a pensar que tal preceito indica

    os casos justificativos de indeferimento liminar do requerimento executivo,

    mas o preceito trata, afinal, do contedo possvel do despacho liminar, seja

    de indeferimento (total ou parcial), seja de convite ao aperfeioamento, seja

    de citao do executado13.

    Passemos, ento, a analisar os novos arts. 812-C, 812-D, 812-E e

    812-F, procurando fixar o regime deles resultante acerca da fase

    introdutria da aco executiva.

    a) Execues sem despacho liminar, sem citao prvia e com

    penhora imediata

    O art. 812-C enuncia os casos em que, recebido o requerimento

    executivo, a execuo prossegue de imediato para a penhora, assim se

    dispensando o despacho liminar e a citao do executado (esta interpelao

    fica postergada para momento ulterior).

    De acordo com a alnea a) do art. 812-C, isso acontece quando o

    ttulo executivo uma deciso judicial ou arbitral.

    11 O art. 812-C e a primeira parte do n 1 do art. 812-F correspondem ao que tnhamos nos (revogados) art. 812-A.1 e art. 812-B.1 (segunda parte). 12 Mais rigorosa era a epgrafe do (revogado) art. 812-A (dispensa do despacho liminar). 13 O art. 812-E corresponde ao que estava no (revogado) art. 812, sendo que a epgrafe deste ltimo (despacho liminar e citao prvia) era rigorosa e precisa, o que no sucede agora.

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    13

    Como se v, nesta alnea no h qualquer novidade relativamente ao

    regime precedente, correspondendo ao que tnhamos no (revogado) art.

    812-A.1.a).

    Tambm h penhora imediata no caso indicado na alnea b) do art.

    812-C, ou seja, quando o ttulo executivo seja um requerimento de

    injuno a que tenha sido aposta frmula executria, soluo que

    corresponde ao que j tnhamos no (revogado) art. 812-A.1.b).

    Nos termos da alnea c) do art. 812-C, teremos tambm penhora

    imediata quando o ttulo executivo for um documento exarado ou

    autenticado por notrio ou por outras entidades com competncia para tal14,

    ou quando for um documento particular com reconhecimento presencial da

    assinatura do devedor, mas desde que verificado o seguinte:

    i) quando o valor do pedido no exceder a alada do tribunal da

    Relao, for junto documento comprovativo da interpelao do

    devedor, se tal fosse necessrio ao vencimento da obrigao;

    ii) quando o valor do pedido exceder a alada do tribunal da Relao,

    for demonstrado ter sido exigido o cumprimento por notificao

    judicial avulsa ou equiparada.

    Face ao teor da alnea c) do art. 812-C, no pode dizer-se que haja

    diferenas significativas relativamente ao que j decorria do (revogado) art.

    812-A.1.c).

    14 Esta categoria de documentos tem correspondncia com os ttulos executivos a que alude a alnea b) do n 1 do art. 46.

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    14

    Alis, as diferenas, detectveis no prprio texto legal, so mera

    decorrncia de alteraes ocorridas noutros campos do ordenamento

    jurdico, que acabaram por manifestar-se aqui. Assim, enquanto na verso

    de 2003 se falava apenas em notrio, hoje fala-se em outras entidades

    ou profissionais com competncia para tal (exarar ou autenticar

    documentos)15. Depois, alm da notificao judicial avulsa alude-se a

    notificao equiparada.

    Finalmente, nos termos da alnea d) do art. 812-C, quando sirva de

    base execuo qualquer outro ttulo de obrigao pecuniria vencida e o

    pedido no exceda a alada do tribunal da Relao, tambm teremos

    penhora imediata se o exequente indicar penhora16 bens que no

    estabelecimento comercial, direito real menor que sobre eles incida ou

    quinho em patrimnio que os inclua.

    primeira vista, seramos tentados a concluir que esta alnea d) do

    art. 812-C corresponde alnea d) do n 1 do (revogado) art. 812-A.

    No entanto, o confronto literal dos dois preceitos legais coloca um

    problema relevante.

    Tal como resultou da reforma de 2003, para alm do critrio do valor

    do pedido e do tipo de ttulo executivo, o (revogado) art. 812-A.1.d)

    estabelecia a dispensa de despacho liminar e de citao prvia desde que a

    penhora no recaia sobre bem imvel, estabelecimento comercial, direito

    real menor que sobre eles incida ou quinho em patrimnio que os

    inclua.

    15 Na base disto esto as alteraes introduzidas pelo DL n 116/2008, de 4 de Julho. 16 Em condies normais, tal indicao dever ser feita no requerimento executivo, nos termos do disposto no art. 810.1.i), pois esse o acto processual do exequente que antecede o desencadear da aplicao do regime deste art. 812-C.d).

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    15

    O actual preceito, o dito art. 812-C.d) tambm aponta para penhora

    imediata, dispensando despacho liminar e citao prvia desde que no

    tenham sido indicados penhora, pelo exequente, estabelecimento

    comercial, direito real menor que sobre eles incida ou quinho em

    patrimnio que os inclua.

    H, desde logo, um ponto que objectivamente indiscutvel, qual

    seja o de a (actual) alnea d) do art. 812-C ter deixado de fazer aluso ao

    bem imvel, referindo-se apenas ao estabelecimento comercial.

    Ser que, pelo DL n 226/2008, o legislador quis excluir da previso

    desta alnea d) do art. 812-C o bem imvel?

    Antes de tomarmos posio, importa clarificar o alcance dessa

    hiptese, isto , da hiptese de ter sido mesmo intuito legislativo deixar de

    fora da previso normativa o dito bem imvel.

    O que, nessa hiptese, o texto dessa alnea d) do art. 812-C

    consagrava era a possibilidade, quando a execuo se baseasse em ttulo de

    obrigao pecuniria vencida e o pedido no excedesse a alada da

    Relao, de haver penhora imediata de quaisquer bens do executado,

    excepto daqueles que a prpria alnea indica.

    Quer isto dizer que, tomando letra esta alnea d) do art. 812-C,

    apenas ficariam a salvo da penhora os seguintes bens do executado:

    estabelecimento comercial;

    direito real menor que sobre ele [estabelecimento comercial] incida;

    quinho em patrimnio que o [estabelecimento comercial] inclua.

    Consequentemente, sempre nessa hiptese, face alnea d) do art.

    812-C, no respectivo campo de aplicao, no sendo proibida, passaria a

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    16

    ser genericamente permitida a penhora de um bem imvel de que o

    executado fosse titular17.

    Ora, como se sabe, no (revogado) regime do art. 812-A.1.d), as

    coisas eram bem diferentes, j que a referncia expressa a bem imvel

    tinha por efeito impedir a penhora de bens dessa categoria.

    Voltando pergunta acima formulada, ser que o legislador quis

    mesmo excluir da previso desta alnea d) do art. 812-C o bem imvel

    ou a omisso da expresso bem imvel ficou a dever-se a algum lapso ou

    descuido1819?

    Se foi intencional a retirada da expresso bem imvel, ento como

    explicar que o novo texto legal, tal como o anterior, continue a referir-se a

    direito real menor que sobre eles incida e a quinho em patrimnio que

    os inclua, isto , num registo que aponta para o plural (eles, os), s

    compreensvel se l continuasse o bem imvel.

    J ficou dito que a interveno legislativa expressa no DL n

    226/2008 est longe de ser um exemplo de rigor e exactido, abundando as

    falhas e as imprecises, nomeadamente na regulamentao da fase

    introdutria da aco executiva.

    Por isso, para fixar o sentido a dar alnea d) do art. 812-C, no

    devemos dar particular relevo ao texto legal (seja no que parece faltar, seja

    no que pode ser excedentrio), pois nada permite, com um mnimo de

    17 A peremptoriedade desta afirmao esgota-se nos limites da penhora luz do prprio art. 812-C.d), no se atendendo, por aqui irrelevante, ao critrio consagrado nos ns 1 e 2 do art. 834. 18 Defendendo que se trata de um lapsus calami, JOS LEBRE DE FREITAS (A aco executiva depois da reforma da reforma, 5 edio, p. 161). 19 Defendendo a soluo inversa, afirmando que o lapso no texto do art. 812-C.d) reside no plural em eles (e em os) e admitindo, por conseguinte, a penhora de bem imvel ao abrigo desta previso, MARIANA FRANA GOUVEIA (A novssima aco executiva, in htpp:/tribunaldefamiliaemenoresdobarreiro.blogspot.com, p. 6).

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    17

    segurana, concluir que houve um efectivo intuito legislativo, seja no

    sentido de excluir o bem imvel da previso, seja no sentido de que a

    omisso foi involuntria e fortuita.

    Em face disso, a interpretao dever atender aos antecedentes

    normativos e tambm ao modo como, na prpria aco executiva, a

    regulamentao que contende com os bens imveis usa ser objecto de

    particular cautela ( luz da ideia, certa ou no, mas instituda, de que os

    imveis so os bens mais importantes para o executado).

    J ficou dito que a actual alnea d) do art. 812-C tem um antecedente

    imediato na alnea d) do art. 812-A (resultante da reforma de 2003) e tem

    um antecedente mais remoto no DL n 274/97, de 8 de Outubro.

    Quer num caso, quer noutro, a previso legal apontava no sentido de

    o exequente poder beneficiar da vantagem de obter a penhora imediata de

    bens do executado, cuja citao seria feita em momento posterior.

    Quer num caso, quer noutro, embora com formulaes distintas, o

    legislador teve o cuidado de, para proteco do executado, impedir que essa

    penhora imediata recasse sobre determinados bens, supostamente mais

    importantes para o executado, entre eles figurando sempre os bens imveis.

    Noutro plano, possvel verificar que, ao longo da regulamentao

    do processo executivo, o legislador tem particular ateno em tudo o que

    diz respeito a imveis, sendo que, por vezes, essa ateno se alarga ao

    estabelecimento comercial.

    Desde logo, em sede de penhora, vemos que o n 2 do art. 834 (seja

    na nova redaco, seja na introduzida pela reforma de 2003), apenas em

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    18

    certas circunstncias permite a penhora de bens imveis ou do

    estabelecimento comercial.

    Depois, no mbito da venda por propostas em carta fechada, o

    legislador volta a mostrar o seu cuidado, aqui com a particularidade de ter

    maior preocupao quando a venda respeita a bem imvel do que a um

    estabelecimento comercial. Na verdade, do n 1 do art. 893.1 e do n 2 do

    art. 901-A (cuja redaco no sofreu alteraes) retira-se que o legislador

    impe que as propostas sejam abertas na presena do juiz, quando se trate

    de imvel, e atribui ao juiz o poder de decidir acerca desse ponto, quando

    se trate de estabelecimento comercial.

    Portanto, est demonstrado que o bem imvel aquele cuja

    regulamentao, na aco executiva, a lei rodeia de maiores cautelas,

    mesmo no confronto com o estabelecimento comercial.

    Assim, no havendo nenhum sinal relevante em contrrio20, a alnea

    d) do art. 812-C deve ter o sentido e alcance que, desde 1997 e com

    reforo em 2003, sempre esteve associado figura, ou seja, o de que,

    baseando-se a execuo em ttulo de obrigao pecuniria vencida e o

    pedido no exceda a alada da Relao, no h despacho liminar, nem

    citao prvia, havendo, outrossim, penhora imediata desde que o

    exequente no indique penhora os seguintes bens: bem imvel,

    estabelecimento comercial, direito real menor que sobre eles incida ou

    quinho em patrimnio que os inclua.

    20 Na convico de que simples omisso no texto legal no pode ser atribudo qualquer significado, num quadro de notria falta de cuidado e preciso por parte de quem redigiu este preceito (e no s este).

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    19

    Ainda a propsito desta alnea d) do art. 812-C, e porque h que

    salientar o que positivo, deve notar-se que, alm da verificao dos seus

    pressupostos objectivos, a aplicao do regime desta alnea desencadeada

    pelo prprio exequente, quando indica penhora bens do executado, com

    excepo daqueles cuja penhora no autorizada.

    Nesta vertente, a soluo legal mostra-se melhor do que a que

    resultante da reforma de 2003, pois o (revogado) art. 812-A.1.d) era

    passvel de, por vezes, gerar uma desfuncionalidade tcnica, por confundir

    dois planos diferentes (o dos bens a penhorar e o dos bens penhorados)21.

    b) Execues com despacho liminar e citao prvia

    Tal como j foi recordado, a reforma de 2003 instituiu um regime em

    que, por regra, aps ter sido recebido, o requerimento executivo devia ser

    submetido a despacho liminar (era o que ento resultava do n 1 do art.

    812).

    A apresentao do requerimento executivo a despacho era, todavia,

    excluda nos casos ressalvados, que eram os do n 1 do art. 812-A.

    Como tambm se recordou, o n 2 do art. 812-A impunha sempre a

    prolao de despacho liminar, mesmo que a situao fosse enquadrvel nos

    casos indicados no n 1 desse preceito.

    Havendo despacho liminar (ora por fora do n 1 do art. 812, ora por

    fora do n 2 do art. 812-A), os ns 2, 4 e 6 do art. 812 indicavam os

    sentidos possveis do despacho: indeferimento, convite ao aperfeioamento

    ou citao do executado.

    21 J na ocasio, aps a reforma de 2003, houve oportunidade de assinalar essa desfuncionalidade tcnica. Cfr. PAULO PIMENTA (Reflexes sobre a nova aco executiva, cit., p. 90).

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    20

    Recorde-se ainda que, no regime legal sado da reforma de 2003, e

    naquilo que configurava uma correcta tcnica legislativa, o regime regra (o

    da concluso do processo para despacho liminar) no tinha campo de

    aplicao explicitamente definido, pela simples e bvia razo de que, no

    se verificando nenhum dos casos excepcionais (esses, sim, indicados

    expressamente) que dispensavam a prolao de despacho liminar, ento

    sempre seria de cumprir a regra.

    Numa opo tecnicamente defeituosa, com o DL n 226/2008, foi

    criado um esquema em que, formalmente, deixa de haver regra e excepo.

    Essa opo mostra-se ainda mais defeituosa se a confrontarmos com

    o regime institudo na reforma de 2003, acima recordado.

    Realmente, agora, temos um preceito (o art. 812-D) que diz

    expressamente quais os casos em que o processo deve ser submetido a

    despacho liminar.

    Como tambm j vimos, no preceito imediatamente anterior (o art.

    812-C) esto expressamente indicados os casos em que a execuo comea

    pela penhora, no havendo, pois, despacho liminar (sendo certo que, como

    j vinha de trs, no havendo despacho liminar, tambm no h citao

    prvia22).

    Como bom de ver, tal tcnica legislativa, assente em definir

    expressis verbis o campo de aplicao de dois preceitos que, digamos, se

    excluem reciprocamente, comporta um risco srio, qual seja o haver casos

    no mencionados nem num, nem noutro dos preceitos, gerando-se

    22 No regime decorrente da reforma de 2003, cjg. os arts. 812-A.1 e 812-B.1. No regime decorrente do DL n 226/2008, cfr. a primeira parte do n 1 do art. 812-F.

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    21

    desnecessrias omisses legislativas23. o que sucede, de resto, como se

    ver adiante.

    Atentemos, por ora, no art. 812-D, destinado a indicar os casos em

    que o requerimento executivo deve ser submetido a despacho liminar,

    preceito esse que integrado por sete alneas.

    Bem vistas as coisas, este art. 812-D resultou da reunio, num nico

    preceito, de trs diferentes categorias de situaes, assim agrupadas:

    alneas a) e b);

    alneas c) e d);

    as alneas e), f) e g).

    Como se ver, muitos dos problemas interpretativos gerados pelo

    novo arranjo da fase liminar da aco executiva, tm origem na redaco

    deste art. 812-D e do art. 812-F.

    O art. 812-D paradigmtico acerca da confuso criada pelo prprio

    texto legal.

    Os casos previstos nas alneas a) e b) do art. 812-D correspondem ao

    que, pela reforma de 2003, estava previsto nas alneas a) e b) do n 2 do art.

    812-A.

    Como j vimos, o art. 812-A oriundo da reforma de 2003 indicava,

    no seu n 1, os casos (excepcionais) em que a execuo se iniciava pela

    penhora de bens, dispensando-se despacho liminar e citao prvia.

    23 Dando tambm nota desse risco, JOS LEBRE DE FREITAS (A aco executiva depois da reforma da reforma, 5 edio, p. 159).

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    22

    O que o n 2 desse art. 812-A acautelava era que, mesmo que o

    ttulo executivo pudesse desencadear a previso do n 1 (regime

    excepcional), haveria sempre submisso do processo a despacho liminar

    (regime regra) em dois casos, a saber24:

    se fosse demandado apenas o devedor subsidirio e o exequente

    tivesse pedido que a penhora se realizasse sem prvia citao do

    executado;

    na hiptese regulada no n 2 do art. 80425.

    Quer isto dizer que as alneas a) e b) do art. 812-D no configuram

    qualquer inovao, pois o seu regime j existia na lei.

    Acresce que a nova redaco peca por defeito, pois a alnea a) no

    pode querer referir-se a todos os casos em que seja demandado apenas o

    devedor subsidirio, mas s queles em que o exequente vise obter a

    penhora sem prvia citao do executado [o que, alis, confirmado pela

    alnea a) do n 2 do art. 812-F, onde regulada a (oficiosa) citao prvia

    do devedor subsidirio demandado sozinho, quando no tenha sido pedida

    a dispensa dessa citao]26.

    Os casos previstos nas alneas c) e d) do art. 812-D no tm

    correspondncia no regime anterior.

    24 Pode dizer-se que, em face da reforma de 2003, o art. 812.1 previa o regime regra, o art. 812-A.1 previa o regime excepcional e o art. 812-A.2 previa a excepo excepo, reimplantando a regra do despacho liminar em dois casos particulares. 25 Aquilo que, em face da reforma de 2003, estava no n 2 do art. 804, est, agora, repartido pelos ns. 2 e 3 desse art. 804. 26 O que equivale a dizer que a alnea a) do n 2 do (revogado) art. 812-A era mais rigorosa do que a actual alnea a) do art. 812-D. A propsito, cfr. a alnea a) do n 7 do (revogado) art. 812, que corresponde ao actual art. 812-F.2.a).

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    23

    Mas isto apenas significa que, at vigncia das alteraes

    introduzidas pelo DL n 226/2008, no havia qualquer preceito que

    referisse expressamente as hipteses agora mencionadas nas alneas em

    apreo.

    Essa omisso era incua, dela resultando o seguinte: as execues

    fundadas em ttulos executivos da espcie dos (hoje) indicados nas ditas

    alneas, por no se lhes aplicar o regime excepcional do n 1 do (revogado)

    art. 812-A, estavam sujeitas a despacho liminar, por aplicao do regime

    regra consagrado no n 1 do (revogado) art. 812.

    Quer isto dizer, portanto, que a criao das alneas c) e d) do art.

    812-D no alterou nada, pois a soluo a que se chega agora (apresentao

    do processo a despacho liminar) a mesma a que j se chegava antes, sem

    ser precisa norma expressa nesse sentido.

    Os casos previstos nas alneas e), f) e g) do art. 812-D, apresentados

    como situaes em que o processo deve ser remetido para despacho

    liminar, so mais um exemplo de uma interveno legislativa descuidada.

    certo que o teor destas alneas no configura novidade, pois teor

    semelhante se encontrava j nas alneas a), b) e c) do n 3 do (revogado)

    art. 812-A.

    O teor semelhante, mas no igual, por dois motivos.

    Por um lado, porque a alnea f) do art. 812-D [aludindo s alneas b)

    e c) do n 1 do art. 812-E] no to ampla como a alnea b) do n 3 do

    (revogado) art. 812-A, pois esta referia-se s alneas b) e c) do n 2 do

    (revogado) art. 812, mas tambm se referia ao n 4 desse art. 81227.

    27 As alneas b) e c) do n 2 do (revogado) art. 812 correspondem s actuais alneas b) e c) do n 1 do art. 812-E, enquanto o n 4 do (revogado) art. 812 corresponde ao n 3 do art. 812-E.

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    24

    Por outro lado, o teor no igual porque, em face do regime

    institudo em 2003, a aplicao das alneas a), b) e c) do n 3 do (revogado)

    art. 812-A era desencadeada pelo funcionrio judicial, ao passo que agora

    as alneas e), f) e g) do art. 812-D se reportam actuao do agente de

    execuo.

    O problema, verdadeiramente, est no modo como as situaes sobre

    que versam as alneas e), f) e g) do art. 812-D so tratadas na lei.

    Como se v, a lei trata essas situaes como se fossem casos em que

    o processo est sujeito a despacho liminar, o que no , de todo, rigoroso.

    Acerca da questo do despacho liminar, o sistema processual civil

    sempre assentou a respectiva regulamentao numa opo entre haver ou

    no haver despacho liminar.

    Se a opo for no sentido de haver despacho liminar, essa ser a

    regra a observar, salvo quando uma excepo obste a tal.

    Se a opo for no sentido de no haver despacho liminar, essa ser a

    regra a cumprir, salvo se uma excepo dispuser diferentemente.

    Como se sabe, na aco declarativa, desde 01/01/1997, a regra no

    haver despacho liminar e, com isso, no haver despacho de citao. No

    entanto, a ttulo excepcional, quando a lei impe que a citao depende de

    prvio despacho judicial, casos h em que a petio inicial deve ser

    apresentada a despacho.

    Na aco executiva, com a reforma de 2003, embora a regra fosse

    haver despacho liminar, as excepes previstas na lei eram tantas que, em

    termos estatsticos, o habitual (a regra) era no haver despacho liminar28.

    28 Dando nota disso mesmo, JOS LEBRE DE FREITAS (A aco executiva depois da reforma, cit., p. 161)

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    25

    Foi ciente desse quadro estatstico, foi ciente de que na maioria das

    execues no haveria controlo judicial liminar, que o legislador, na

    reforma de 2003, resolveu criar uma previso que pudesse funcionar como

    que uma vlvula de segurana.

    Essa previso foi inserta no n 3 do art. 812-A, exactamente o

    preceito cujo n 1 era responsvel pelo citado quadro estatstico de menor

    controlo judicial liminar.

    O que sucedeu, em 2003, foi o seguinte: no prprio preceito que

    previa a dispensa de despacho liminar, o legislador estipulou a hiptese de

    o funcionrio judicial suscitar a interveno do juiz em determinadas

    situaes, assim permitindo um controlo judicial que, em condies

    normais, no ocorreria, pois a execuo era daquelas que dispensavam

    despacho liminar.

    As situaes em que o funcionrio judicial haveria de suscitar a

    interveno do juiz foram, ento, indicadas nas alneas a), b) e c) do dito n

    3 do (revogado) art. 812-A.

    Aquilo que se esperava do funcionrio judicial era que, nas

    execues dispensadas de despacho liminar, caso admitisse estar perante

    algumas das situaes tratadas naquelas alneas, colocasse o assunto

    considerao do juiz de execuo29.

    Tendo sido esta a histrica razo de ser da criao do n 3 do art.

    812-A, bom de ver que as situaes referidas nas alneas a), b) e c) desse

    n 3 no configuravam casos de despacho liminar na aco executiva.

    29 A partir da, o juiz poderia, em funo dos casos, concluir pelo indeferimento liminar ou pelo convite ao aperfeioamento ou at concluir que era injustificada a sua interveno (promovida pelo funcionrio judicial), caso em que deveria determinar que o processo seguisse o curso normal, isto , penhora imediata, sem despacho liminar e sem citao prvia, luz do n 1 do (revogado) art. 812-A.

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    26

    Tratava-se, apenas e s, de um expediente legal destinado a atenuar

    os riscos decorrentes do incio e prosseguimento de execues sem

    controlo judicial liminar.

    Voltando, agora, ao art. 812-D, vemos que a lei trata as alneas e), f)

    e g) deste preceito como casos de despacho liminar, o que no rigoroso.

    Na verdade, o que sucede que, tendo confiado a gesto da

    aplicabilidade dos (novos) arts. 812-C, 812-D, 812-E e 812-F ao agente

    de execuo (em substituio do funcionrio judicial) e tendo-se dedicado a

    aditar preceitos cujo teor, no essencial, reproduz ou, pior ainda, mistura

    textos legais que estavam nos preceitos revogados, o legislador criou uma

    teia confusa e complexa, muitas vezes sem sentido.

    Apesar de tudo, para darmos sentido til do que consta das alneas e),

    f) e g) do art. 812-D, podemos assentar no seguinte: nos casos de

    execues que, nos termos do art. 812-C, dispensam despacho liminar, o

    agente de execuo, em vez de diligenciar pela imediata penhora de bens

    do executado, deve apresentar o processo ao juiz de execuo nas hipteses

    seguintes:

    quando duvide da suficincia do ttulo ou da interpelao ou

    notificao do devedor30;

    30 Como a lei foi elaborada sem o cuidado devido, h aqui mais uma dificuldade, como passa a expor-se: face ao art. 811.1.b), o agente de execuo recusa receber o requerimento executivo se for manifesta a insuficincia do ttulo apresentado; face ao art. 812-D.e), o agente de execuo apresenta o processo a despacho liminar quando duvidar da suficincia do ttulo; face ao art. 812-E.1.a), o juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando seja manifesta a insuficincia do ttulo. Ora, se a insuficincia do ttulo manifesta, o agente de execuo haver de recusar o requerimento executivo. Caso receba o requerimento (sinal de que, para si, no manifesta a insuficincia), concede-se, em tese, que possa duvidar da suficincia (o que gradativamente inferior ao motivo de recusa), em termos de promover o despacho liminar. No entanto, s h indeferimento liminar se a insuficincia for manifesta (o que gradativamente superior ao motivo para submeter o processo ao juiz).

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    27

    quando admita que ocorrem excepes dilatrias, no suprveis, de

    conhecimento oficioso [cfr. a alnea b) do n 1 do art. 812-E];

    quando, fundando-se a execuo em ttulo negocial, admita ser

    manifesta, face aos elementos constantes dos autos, a inexistncia de

    factos constitutivos ou a existncia de factos impeditivos ou

    extintivos da obrigao exequenda que ao juiz seja lcito conhecer

    [cfr. a alnea c) do n 1 do art. 812-E];

    quando, pedida a execuo de sentena arbitral, duvide de que o

    litgio pudesse ser cometido deciso por rbitros, quer por estar

    submetido, por lei especial, exclusivamente a tribunal judicial ou a

    arbitragem necessria, quer por o direito no ser disponvel pelo seu

    titular.

    Isto posto, caso o processo seja liminarmente presente ao juiz de

    execuo, este pode proferir despacho com um de trs possveis contedos,

    os quais so enunciados no art. 812-E, cuja epgrafe (indeferimento

    liminar) no expressa o real mbito do preceito31.

    Assim, o despacho ser de indeferimento liminar quando ocorra

    alguma das hipteses previstas nas trs alneas do n 1 do art. 812-E32, que

    so os casos mais graves e impedem o aproveitamento da execuo33.

    O despacho liminar pode ser de convite ao aperfeioamento, nos

    termos do n 3 do art. 812-E, sendo que, como decorre do n 4 do preceito,

    a tal despacho sempre se seguir um outro, ora indeferindo o requerimento

    31 Este art. 812-E, que dispe sobre o contedo do despacho liminar, corresponde ao (revogado) art. 812, sendo certo que os n.s 1 a 5 do art. 812-E correspondem, respectivamente, aos ns. 2 a 6 do (revogado) art. 812. 32 Acerca dos motivos de indeferimento liminar, cfr. FERNANDO AMNCIO FERREIRA (Curso de processo de execuo, 11 edio, ps. 167-170) e JOS LEBRE DE FREITAS (A aco executiva depois da reforma da reforma, cit., p. 163). 33 Esse indeferimento pode ser parcial, tal como admite o n 2 do art. 812-E (e j admitia o n 3 do antigo art. 812).

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    28

    executivo, ora admitindo a execuo e determinado o seu prosseguimento,

    conforme o exequente actue em face do convite que lhe for dirigido34.

    Finalmente, nada obstando ao prosseguimento da execuo, o

    despacho liminar ser no sentido da citao prvia do executado, como

    estabelece o n 5 do art. 812-E.

    Esclarea-se que por referncia a este n 5 do art. 812-E que se

    fala no regime do despacho liminar e citao prvia.

    Como resulta ntido do que antecede, o art. 812-E nada traz de novo

    relativamente ao que estava regulado no (revogado) art. 812 (ns. 2 a 6).

    c) Execues com citao prvia, sem despacho liminar

    Tal como acontecia desde a reforma de 2003, h execues que se

    iniciam com a citao prvia do executado, mas tal acto no carece de

    despacho judicial nesse sentido.

    Em face da reforma de 2003, esses casos de citao prvia do

    executado estavam previstos nas alneas a), b) e c) do n 7 do (revogado)

    art. 812.

    Com as alteraes introduzidas pelo DL n 226/2008, pode dizer-se

    que, no essencial, o regime se manteve, tendo sido, no entanto,

    acrescentadas duas outras hipteses de citao prvia independentemente

    de despacho.

    Tambm neste domnio se v que, abandonando uma regulamentao

    clara e precisa, o legislador optou por uma formulao confusa e geradora

    de dvidas interpretativas.

    34 Acerca dos casos de convite ao aperfeioamento, cfr. FERNANDO AMNCIO FERREIRA (Curso de processo de execuo, cit., ps. 171-172) e JOS LEBRE DE FREITAS (A aco executiva depois da reforma da reforma, cit., ps. 162-163).

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    29

    Vejamos quais so os casos em que a execuo se inicia pela citao

    (por isso, prvia) do executado, sem necessidade de despacho que a

    determine.

    Por um lado, so os casos indicados nas alneas a), b), c) e d) do n 2

    do art. 812-F.

    Por outro, o caso referido na segunda parte do n 1 do art. 812-F.

    Quanto aos casos das alneas a), b) e c) do n 2 do art. 812-F, tm

    total e absoluta correspondncia com os que, desde a reforma de 2003,

    estavam enunciados nas alneas a), b) e c) do n 7 do (revogado) art. 812,

    no havendo, pois, qualquer inovao.

    Constitui j novidade o caso da alnea d) do n 2 do art. 812-F,

    estabelecendo-se essa citao prvia e oficiosa quando, no registo

    informtico de execues, conste a meno da frustrao, total ou parcial,

    de anterior execuo movida contra o executado.

    Para alm de no se perceber por que motivo o desfecho de uma

    dada execuo h-de influir no modo e no momento de citao do

    executado numa futura execuo, a previso legal no totalmente

    compatvel com a tramitao da prpria aco executiva.

    Com efeito, a informao que pode desencadear a aplicao do art.

    812-F.2.d) haver de ser colhida no registo informtico de execues.

    Como resulta da conjugao do disposto nos ns. 1 e 2 do art. 832, a

    consulta do registo informtico de execues no tem lugar sempre no

    mesmo exacto momento processual.

    Antes de mais, embora parea confuso, note-se que essa consulta

    dever ocorrer como acto anterior s diligncias prvias penhora, mas

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    30

    sempre depois de verificada alguma das circunstncias que determinam o

    incio dessas diligncias prvias penhora.

    Tais circunstncias so as mencionadas nas alneas do n 1 do citado

    art. 832.

    Ora, basta ver o teor da alnea b) e o teor das segunda e terceira

    partes da alnea c)35 daquele n 1 para concluir que, nesses casos, ao

    consultar o registo informtico de execues, por estar na altura de iniciar

    as diligncias prvias penhora, o agente de execuo nunca pode dar

    cumprimento alnea d) do n 2 do art. 812-F, pela simples razo de que,

    em tais casos, o executado j est citado.

    Daqui decorre, pois, que no prprio fazer depender o modo de

    citao do executado de uma informao que, muitas vezes, s obtida

    pelo agente de execuo depois de consumada essa mesma citao.

    E no caso da alnea a) do n 1 do art. 832, em que, a sim, a consulta

    do registo informtico de execues ocorre em momento anterior ao da

    citao, no se v como compatibilizar a soluo para que aponta o art.

    812-F.2.d) (citao prvia oficiosa) com o disposto no n 3 do art. 832,

    nem com o n 1 do art. 833-B (este articulado ainda com o n 1 do art.

    834).

    Quanto ao ltimo caso de citao prvia do executado sem

    necessidade de despacho judicial, constante da segunda parte do n 1 do art.

    812-F, est previsto em termos de permitir ao exequente, caso o pretenda,

    fazer requerimento nesse sentido.

    35 Tambm na nova redaco do n 1 do art. 832 houve falta de zelo. Tendo sido intuito legislativo converter em alneas aquilo que estava em texto corrido no n 1 desse art. 832 (tal como saiu da reforma de 2003), o resultado foi mau, em especial na alnea c), em que patente a falta de texto (no confronto com a verso anterior).

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    31

    O campo de aplicao desta figura o das execues que, por

    subsumveis no art. 812-C, permitem a penhora imediata, sem despacho

    liminar e sem citao prvia36.

    A, antevendo que a sua execuo comear pela penhora de bens do

    executado e s depois ter lugar a respectiva citao, o exequente, caso

    pretenda evitar essa sequncia e caso pretenda que o primeiro acto da

    execuo seja a citao do executado, pode formular pedido nesse sentido.

    Tal pedido h-de ser feito no prprio requerimento executivo, nos

    termos do art. 810.1.j), desencadeando a aplicao da segunda parte do n

    1 do art. 812-F e gerando uma alterao na (previsvel) cadncia do

    processo executivo.

    primeira vista, ser pouco compreensvel que o exequente faa um

    pedido deste gnero, j que desperdia a oportunidade de assegurar a

    apreenso de bens do executado antes de este ser citado, no beneficiando,

    assim, do efeito surpresa da penhora imediata.

    No entanto, aqui e ali, poder haver razes para o exequente fazer tal

    opo. Por um lado, para evitar o risco de vir a ser responsabilizado nos

    termos do art. 81937. Por outro lado, para impedir que o recebimento da

    oposio execuo gere efeito suspensivo, sem exigncia de cauo38.

    Alm disso, pode colocar-se a convenincia da citao do executado como

    meio de obter a interrupo da prescrio, por referncia ao disposto no art.

    323 do Cdigo Civil39.

    36 Recorde-se que a primeira parte do n 1 do art. 812-F dispensa a citao prvia do executado nos casos do art. 812-C. 37 Alm do mais, pressuposto desta responsabilidade que no tenha havido citao prvia do executado. 38 Nos termos do n 2 do art. 818, quando no haja citao prvia, se a oposio execuo for recebida, o processo de execuo fica suspenso. 39 Com exemplos semelhantes, ELIZABETH FERNANDEZ (A (pretensa) reforma da aco executiva, Cadernos de Direito Privado, n 26, Abril/Junho 2009, ps. 28-29).

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    32

    d) Execues sem citao prvia e com penhora imediata,

    mediante despacho liminar

    Para alm dos casos em que, por lei (art. 812-C), h penhora

    imediata, realizando-se a citao depois de consumada a penhora, existe

    uma outra possibilidade de a penhora ser feita antes da citao do

    executado.

    Esta hiptese coloca-se no domnio das execues que, por princpio,

    esto sujeitas a despacho liminar.

    Como se sabe, nos processos submetidos a despacho liminar, caso

    no haja motivo para indeferimento ou para convite ao aperfeioamento40,

    ordenada a citao do executado.

    Tal citao antecede a penhora, na medida em que esta s ter lugar

    depois de esgotado o prazo (de 20 dias) de que o executado dispe para

    pagar ou deduzir oposio41.

    Pode, todavia, suceder que a prvia citao do executado ponha em

    risco a garantia patrimonial do crdito exequendo. Nos casos em que

    entenda haver esse risco, compete ao exequente pedir que a penhora seja

    efectuada sem a prvia citao do executado42.

    Para tal, nos termos do disposto no n 3 do art. 812-F, o exequente

    deve alegar factos que justifiquem o receio de perda da garantia patrimonial

    do seu crdito, indicando logo as provas respectivas.

    40 Ou quando o exequente d satisfao ao convite que lhe dirigido. 41 Se o executado deduzir oposio e esta tiver efeito suspensivo, nos termos do n 1 do art. 818, ento as diligncias para penhora s ho-de iniciar-se aps a deciso que julgue improcedente a oposio, conforme decorre da alnea c) do n 1 do art. 832. 42 Esse pedido deve ser formulado no requerimento executivo, nos termos do art. 810.1.j).

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    33

    Nesse caso, o processo h-de iniciar-se pelas diligncias probatrias

    competentes, aps o que, caso entenda ser justificado o receio invocado, o

    juiz dispensar a citao prvia do executado, autorizando a penhora

    imediata (art. 812-F.4).

    Esta figura, que corporiza como que o enxerto de uma providncia

    cautelar de arresto na aco executiva43, no nova, pois j existe desde a

    reforma de 2003, estando ento prevista nos ns. 3 e 4 do (revogado) art.

    812-B.

    A particularidade deste regime consiste na circunstncia de a

    penhora imediata ter por base uma deciso judicial, proferida

    casuisticamente, e no uma previso legal geral e abstracta.

    e) Sntese e tomada de posio sobre alguns pontos controvertidos

    Percorridos os arts. 812-C, 812-D, 812-E e 812-F e assumindo

    que, na fase liminar da execuo, podemos encontrar quatro tramitaes

    distintas (i. execues sem despacho liminar, sem citao prvia e com

    penhora imediata; ii. execues com despacho liminar e citao prvia; iii.

    execues com citao prvia mas sem necessidade de despacho liminar;

    iv. execues sem citao prvia, com penhora imediata, mas mediante

    despacho liminar), deveria ser simples, aqui chegados, enunciar o modo de

    determinar a aplicao de cada uma dessas tramitaes, mas no assim

    to simples.

    Em rigor, h mesmo alguma dificuldade em conjugar os referidos

    preceitos e em, a partir deles, extrair um regime legal harmonioso e

    43 A propsito, cfr. cfr. FERNANDO AMNCIO FERREIRA (Curso de processo de execuo, cit., p. 174) e JOS LEBRE DE FREITAS (A aco executiva depois da reforma da reforma, cit., p. 168).

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    34

    equilibrado. Na base dessa dificuldade est o modo como os preceitos

    foram redigidos e o modo como (no) se articulam entre si.

    Comecemos, todavia, pelos pontos que se mostram seguros.

    seguro que, nos casos indicados no art. 812-C, tendo recebido o

    requerimento executivo, o agente de execuo deve providenciar pela

    imediata penhora de bens, sem citar o executado e sem submeter o

    requerimento a despacho judicial.

    seguro que, estando em causa a aplicao da alnea d) do art.

    812-C, a penhora no pode incidir sobre os bens (direitos) a indicados.

    seguro que, mesmo que o caso pudesse enquadrar-se em algumas

    das alneas do art. 812-C, o agente de execuo, em vez de proceder

    penhora, deve apresentar o processo a despacho liminar, quando se trate

    execuo movida apenas contra o devedor subsidirio e o exequente tenha

    pedido a dispensa da citao prvia ou quando esteja em causa a

    aplicao dos ns. 2 e 3 do art. 804.

    seguro que o agente de execuo deve apresentar o processo a

    despacho liminar nas execues em que o ttulo seja algum dos indicados

    nas alneas c) e d) do art. 812-D.

    seguro que, havendo lugar prolao de despacho liminar, esse

    despacho pode ser de indeferimento, de convite ao aperfeioamento ou de

    citao.

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    35

    seguro que os casos previstos nas alneas e), f) e g) do art. 812-D

    no configuram, em rigor, motivo de despacho liminar, embora o agente

    de execuo, deparando com tais casos, deva apresentar os autos ao juiz

    de execuo.

    seguro que, nos casos indicados no art. 812-C, o agente de

    execuo, em vez de realizar a penhora imediatamente, deve citar

    previamente o executado, quando o exequente haja feito requerimento

    nesse sentido.

    seguro que, nos casos em que o processo deva ser submetido a

    despacho liminar, o exequente pode requerer que seja dispensada a

    citao prvia e autorizada a penhora imediata, alegando factos que

    justifiquem o receio de perda da garantia patrimonial e indicando logo as

    provas.

    Consideremos, agora, pontos que suscitam dvidas interpretativas,

    aproveitando para tomar posio sobre os mesmos.

    H dvidas sobre o sentido a dar alnea d) do art. 812-C, quanto a

    saber se ou no excluda a penhora de bem imvel.

    Sobre este ponto, j tomei posio, entendendo, pelas razes ento

    apontadas, que a alnea d) do art. 812-C deve ser tomada no sentido de

    que a proibio quanto penhora de certos bens inclui o bem imvel.

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    36

    H dvidas sobre qual o regime a aplicar quando determinado caso

    no esteja expressamente indicado no art. 812-C, nem no art. 812-D, nem

    no art. 812-F.2, configurando um caso omisso44.

    Se no est previsto no art. 812-C, fica logo excluda a hiptese de

    penhora imediata, sem despacho liminar e sem citao prvia.

    Resta a opo entre apresentar o requerimento a despacho liminar

    (art. 812-D) e realizar a citao prvia sem despacho liminar (art. 812-

    F.2).

    O problema que hoje se coloca [mas no colocava na reforma de

    2003, pois havia um regime regra (despacho liminar art. 812) que era de

    aplicar sempre que no funcionasse a excepo] resulta da opo de a lei

    indicar os casos em que no h despacho liminar e, simultaneamente,

    indicar aqueles em que h despacho liminar.

    A omisso legislativa deve ser resolvida no sentido mais garantstico

    e mais seguro para o executado, bem assim mais conforme ao que era o

    regime institudo em 2003, ou seja, o agente de execuo deve apresentar o

    requerimento a despacho liminar45.

    H dvidas sobre o promio do n 2 do art. 812-F, discutindo-se

    qual o sentido a dar previso de o processo ser remetido para despacho

    liminar e, simultaneamente, previso de citao prvia, sem necessidade

    de despacho judicial.

    44 Exemplo: execuo de 100.000 euros fundada em escritura pblica de mtuo, sem que o exequente demonstre ter requerido a notificao judicial avulsa do executado. Outro exemplo: execuo de documento particular de confisso de dvida de 5.000 euros, com reconhecimento presencial da assinatura do devedor, sem que esteja definida a data de vencimento e sem que o exequente demonstre ter interpelado por escrito o executado, assim tornando vencida a obrigao. Como se v, estes casos no so subsumveis no art. 812-C, mas tambm no cabem na previso dos arts. 812-D e 812-F.2. 45 Neste sentido, MARIANA FRANA GOUVEIA (A novssima aco executiva, cit., p. 9).

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    37

    J vimos que o n 2 do art. 812-F corresponde, em absoluto, nas trs

    primeiras alneas, ao n 7 do (revogado) art. 81246, e j vimos que, em face

    da reforma de 2003, eram trs casos em que o legislador entendia haver

    necessidade de assegurar o contraditrio inicial (citao prvia),

    dispensando, porm, o controlo judicial (no havendo despacho liminar).

    Nessa conformidade, entendo que a nica forma de salvar o n 2 do

    art. 812-F ignorar (fazendo de conta que l no est) a previso de

    remessa do processo para despacho liminar e, assim, tomar o preceito como

    se l estivesse escrita apenas a parte final do promio desse n 2, ou seja,

    h sempre citao prvia, sem necessidade de despacho do juiz.

    Desse modo fica assegurada a coerncia do preceito, em si e na

    conjugao com outros, e fica assegurada a soluo que foi instituda, ento

    de modo exacto, em 20034748.

    Em jeito de concluso, pode dizer-se que a criao dos arts. 812-C,

    812-D, 812-E e 812-F, destinados a substituir os arts. 812, 812-A e

    812-C, redundou num exerccio injustificado e inglrio.

    Por um lado, porque, no fundo, ficou tudo igual, com a agravante de

    se ter perdido em qualidade, pois os novos textos legais apresentam vrias

    imperfeies, contradies e omisses.

    46 A alnea d) do n 2 do art. 812-F inteiramente nova, sem correspondncia com a redaco anterior. 47 Registe-se, todavia, o esforo de MARIANA FRANA GOUVEIA (A novssima aco executiva, cit., ps. 7-8) no sentido de encontrar outra soluo interpretativa, opo que no parece adequada pela simples razo de que o texto legal totalmente absurdo, impedindo que dele se retire qualquer resultado aceitvel. 48 Para confirmar o quanto foi descuidada a redaco dos preceitos relativos fase introdutria da execuo, note-se que a alnea e) do n 5 do art. 234 diz que, no processo executivo, a citao depende de despacho nos casos do n 5 do art. 812-E (o que correcto) e do n 2 do art. 812-F (n 2 esse que diz exactamente o contrrio).

  • Paulo Pimenta Mestre em Direito

    Docente Universitrio Advogado

    38

    Por outro lado, porque uma ou outra inovao til poderia

    perfeitamente ser incorporada nos preceitos originais, mantendo a sua

    matriz.

    Por fim, porque, como se v, a nica forma de, com fiabilidade,

    interpretar e aplicar os novos preceitos buscando sempre apoio no que

    estava consagrado nos preceitos revogados. Foi, alis, muito por isso que se

    iniciou este texto recordando o regime de pretrito.