a face negra da terra - parte iii

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  • 8/14/2019 A FACE NEGRA DA TERRA - PARTE III

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    A FACE NEGRA

    DA TERRA

    PARTE III

    [ FINAL ]

    RAYOM RA

    [ Direitos Reservados No 315.455 ]

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    A negra cortina se fazia estranha ao Portal, mas era imprescindvel que ela aliestivesse. Que a luz? Que so as trevas? Sero, ambas, irrefutveis provas daperfeio do Criador? Haveria luz sem as trevas?

    A cortina ocupava o vo inteiro entre as colunas, fechando abaixo do arco.Flutuava, movia-se a quase imperceptvel ritmo.

    Ainda em cumprimento ao ritual, Bruno elevou a mo direita pouco acima do rosto,apontando com os dedos indicador e mdios unidos, pronunciando:

    - Abra-se o Portal! Permanea no umbral o que Eu no Sou! Meu corao epensamento sejam dignos de ser ouvidos!

    Ditas as palavras, baixou a mo em gesto nico cortando o ar, e a cortina abriu-seao meio. Atravs do rasgo, j era possvel entrever o outro lado e ele deu dois passoscolocando-se no entremeio. A cortina se cerrou e o envolveu, mas no encontrandoegocentrismo em seu propsito, caiu desfeita ao umbral. Aliviado, Bruno reiniciou ospassos.

    A luz, aps o Portal, era exatamente a mesma de antes e ele se afastou tomando oreto caminho diante de si. Em espaos regulares, pequenas vias se desenhavam comoasas. Dobravam-se em curvas terminando em pontas. O cho, constitudo por blocostriangulares de cristais justapostos, emitia farto e iridescente brilho, mesclando matizesluminosos - principalmente azul e dourado - destacando s margens a cor gnea.Idnticos blocos, matizes e margens orladas, tambm existiam nos desenhos das asas,tanto direita como esquerda. Um transparente manto j o envolvia; ele procuravaignor-lo mantendo os olhos presos claridade mais acima. E medida que avanava,vinha-lhe mente a sensao de estar ascensionando, subindo gradual everticalmente, e um gostoso torpor o invadia.

    As chamas se acenderam. O caminho era agora um facho retilneo, luminoso ebrilhante, e uma luz brilhou em toda a sua longitude. Aos flancos labaredas crepitavamlanando ao ar pequenas fascas. Era algo singular: a luz vibrava em transparentelmina e as pequenas asas, tornadas gneas, queriam soltar-se levando tudo emardente vo. Entrementes, um outro processo comeou a se fazer sentir, semelhante auma rplica ou transferncia. Aquilo, sob cuja forma externa ele vinha vivenciando aolongo desse palmilhar, de certa maneira passava-se tambm em seu intimo. Umalmina idntica quela por onde ele pisava houvera se acendido no interior de seuprprio corpo. Estendia-se desde a base da coluna vertebral at ao alto da cabea.Pequenas asas em chamas, a exemplo daquelas existentes no caminho, principiaram aarder em seus braos e pernas, aos flancos. Em poucos instantes, a transparente eluminosa lmina alargava-se, moldando-se num tubo de igual teor. No interior dessetubo, em toda a sua extenso, surgia um vibrante fio azul.

    Ao cabo de segundos novas e rpidas variaes aconteciam e o tubodesapareceu, mas o fio azul, agora mais espesso, vibrava intensamente. As pequenasasas gneas de seus braos e pernas juntaram-se todas, formando duas grandes asas.A cabea ficou envolta de um excedente brilho que lhe configurava uma grande

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    aurola. Essas transformaes rapidamente transmutaram-se, tornando-o numa estrelaflamgera!

    Luz e chamas cambiavam em seu tronco. A luz oscilava do branco luminoso aoazul irradiante e as chamas, ao tomarem seus membros, iam do gneo ao dourado. Ele

    sentiu-se mergulhar no mais profundo de si mesmo, perdendo o pouco domnio queainda detinha sobre sua vontade e um irresistvel impulso de voar veio tom-lo, sendoimediatamente lanado para cima. Aps alguns segundos, ou seriam minutos -impossvel mensurar - atingiu um pice, onde pousou. To logo se apoiou em basefirme, o fenmeno transmutativo apagou-se magicamente e ele voltou sua formanatural, como se nada tivesse acontecido.

    Encontrava-se no interior de um lugar cujas dimenses de valores e qualidadeseram sobremodo superiores. Permeava-o outra vida: era algo eltrico, dinmico,magntico, disseminando-se e se transmitindo pelo ar. O lugar era verdadeiramenteum jardim no formato de uma coroa. Ps de variegadas flores e arbustos compactoscom folhas coloridas delineavam os seus limites: subiam em formosos bicos e abaixovinham se constituir em segmentos retos que se interligavam. No exato centro dessacoroa, brilhava um lago absolutamente circular, de uma gua perfeitamente lmpida eazul. O anel que configurava sua volta era largo e dourado. O fundo era branco,claramente percebido, onde havia um disco de ouro externando doze raios,ultrapassando por baixo a margem circular, terminando fora da gua. Os raios, tambmde ouro, transmitiam reflexos tanto debaixo da gua como fora dela.

    Algo extremamente interessante vinha contemplar a viso de quem alipermanecesse: uma agradvel combinao de matizes produzia um fenmeno derefrao no lago. A pouca distncia, j era possvel notar com inteira nitidez o fundo dolago a pairar sobre a superfcie, sobrelevando-se em excntrica miragem. Isso setornava possvel, em parte, pelo resplandecente banho da claridade que provinha defora.

    Havia em redor do lago quatro bancos de pedra lisa e polida, voltados, cada um,para uma respectiva orientao astronmica. Diante dos bancos, a via circular, cobertapor milhares de ptalas de flores, detinha ao alto uma trepadeira perfeitamenteaparada, apoiada em finos moures inclinados e encurvados para baixo. A trepadeiralanava-se alpendrada para o centro da coroa, debruando-se s margens do lago emtodo o seu desenho, largando ptalas das flores sobre a via.

    No ventava nesse instante. Os galhos, ramos ou flores na figura da coroa, jaziamtotalmente imveis. Nem sempre era possvel ver dali o azul do cu. A viso somenteacontecia em determinados instantes sobre o lago, quando as nuvens, engolfando amontanha, se abrissem parcialmente, e as chamas no estivessem em propagao eardncia. As chamas irrompendo dentre as nuvens ou fora delas, produziam rudo derasgar maciamente um tecido. Seguia-se o deslize e expanso das prprias chamaspara as vrias direes. Esse ltimo movimento assemelhava-se a um toque de carciana seda. Enquanto as chamas no ressurgissem, a claridade era mais ou menosestvel, acentuando-se aos poucos do branco-rseo ao dourado suave. s vezesabraava por fora translcido manto azul de finssima tessitura.

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    Mas tudo era fogo, mesmo nos entremeios da ao mais forte e vibrante daschamas, quando aps impulsarem-se elas decaam querendo desaparecer. O ar, aatmosfera, o espao etreo, conservavam nas entranhas a resultante ao gnea, aexemplo de invisvel cortina em perene ardncia. A claridade no era um reflexo, mas aprpria ardncia e crepitao. O Jardim, - a coroa propriamente - na verdade, no era

    alcanado pelo furor das chamas; era-o, isto sim, pelo esprito da presena que secomunicava atravs de tudo sob a ao inicial do fogo.

    Havia um apndice coroa. Num ponto mais abaixo da montanha, constitua-seum patamar de pedra negra em formato hexagonal. Esse tipo de laje antecedia a umacripta situada mais acima, a cujo acesso era necessrio subir trs degraus. A criptapossua a figura de um pentagrama encravado no cho, vindo aps uma urna funerrialadeada respectivamente direita e esquerda, na cabeceira e aos ps, por um totalde quatro tochas ardentes. Na rocha, ao fundo, aparecia um sol em tom dourado.Bruno aqui estivera algumas vezes em meditao. Aps as experincias vividas nombito da Fraternidade Irmos Atlantes, tendo merecido ouvir nesse lugar certasrevelaes, fora-lhe concedida a permisso de ascender coroa.

    Nesse momento Bruno encontrava-se em p, olhando fixamente para o lago.Desde o instante da transmutao de seu corpo para uma estrela flamgera, eleperdera o senso de proporo de todas as coisas. Veio dar-se conta do que realmenteera algum tempo depois de aqui ter chegado. Em rpido olhar em derredor, vieram-lhe memria as gratas recordaes de sua ltima visita a esse Jardim. Lembrou-se comsatisfao, dos momentos em que recebera todas as diretrizes para transcrever umencadeamento sucessrio nas centrias. Era o fechamento premonitrio da histria daclula no atual momento vibratrio de manifestao fsica no planeta, revelado emquadros mentais. O encadeamento proftico e cognitivo precisaria traduzir os ideais daclula para o atual ciclo, a partir de sua ltima e pregressa manifestao fsica noplaneta. E ficou tudo muito claro e perfeito ao final de tudo.

    Enquanto Bruno divagava, as chamas reacenderam envolvendo o espao externoao Jardim. A coroa transformou-se. Todas as cores ficaram muito mais fortesadquirindo coloraes diferentes de sua originalidade. Bruno passou a sentir-sepenetrado de uma nova vitalidade; um calor que no ardia perpassava-lhe todo o corpodeixando-o com a sensao de maior leveza. Algum tempo depois as chamasdecaram e uma nvoa permaneceu. Aos poucos a nvoa foi clareando, mostrando-seprincipalmente em tons rseo, dourado e branco. Finalmente, o Jardim clareou-se porcompleto.

    Bruno sentou-se naquele banco voltado para o sul e fechou os olhosconcentrando-se na prpria alma. Com isso, desligou-se do ambiente externo, viajandomentalmente, repetindo sempre as palavras como a um mantra auto elaborado:nuvem escura, como enfrent-la? Mais tarde voltou conscincia. Pareceu-lhe noter ocorrido qualquer mudana externa. Tudo transpirava harmonia e paz, muitoembora o teor magntico do Jardim impregnasse poderosamente aos tomos de seucorpo e esses respondessem com vibraes mais dinmicas. O extraordinrio lugarvivia em todas as coisas como uma s alma. Uma realidade abarcante movia-se nontimo de tudo, fazendo-se sentir a cada segundo. Mas nada era igual ao que sepassara segundos antes: o presente era especialmente escorregadio. A subjetiva

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    percepo da envolvente atmosfera arremetia o pensamento de quem ali estivesse aum transcendente parmetro de tempo e espao, apesar de todos os limites existentes.

    No haveria nada a mudar: estava tudo perfeitamente inserido naquele momento.O que existiria seria uma progresso da conscincia, quando essa pudesse se

    desprender das aparncias ou das limitaes auto criadas e atingisse a um espaofuturo, aonde viesse abrir-se em sensaes. Bruno, em reflexes, enquanto aquiestivera noutras oportunidades, ousara, algumas vezes, sondar a esse fenmeno,perguntando-se se essa percepo e sentir seriam, to somente, devido a uma aoperidica das chamas. Conclura, outrossim, que as chamas so a prpria vidadimanada do Criador. Ele as houvera criado sob Sua ao renovadora,incessantemente manifestada. O revestimento na aparncia de todas as coisas podedecair por que est submetido a uma lei temporal, tendo um limite de sobrevivncianas mirades de formas do mundo. Mas o essencial, no: as chamas sendo uma vidadistinta e independente bastam-se a si mesmas; so eternas existncias, noprecisando renovar-se, mas simplesmente viver a sua prpria imanncia. Elastranscendem o tempo e o espao, no sendo contidas nem encerradas pelas formas.As chamas, ao final das contas, so uma s vida, vrias vezes desdobradas: e todasso a um s tempo a Chama do Saber. Eis porque, concluiu, as chamas ardentes noJardim falavam-lhe como se nele elas todas estivessem - e de fato, ao final de tudo,estavam!

    As horas se passavam. Bruno nesSe instante caminhava descalo sobre asptalas de flores. medida que as ia sentindo sob a sola dos ps, seus perfumesrecendiam, exalando algo indefinvel. Ele trazia os braos largados atrs, sobre a parteposterior dos quadris, com mos sobrepostas. Seus olhos buscavam ora o cho ora oalto, mas no se fixavam em nada porque nada o distraa. Repetia obsessivamente amesma questo aguardando por uma resposta.

    Anoitecera sem que percebesse. Uma projeo de sombras procurava o Jardim,porm no era possvel notar os seus avanos de dentro da coroa. Mesmo ao seproduzirem dentre as brechas das claras nuvens, eram obstadOs pelo alpendre; a luzcircundante no lhes permitia de todas as formas grassar, perdendo assim aconsistncia. Mas tal como em horas de cu azul, a exceo noturna tambm ficavapor conta do lago, e assim, somente pedaos do manto negro, s vezes, sobre a gua,vinham refletir-se, obtendo rpido acolhimento.

    Voltando a Bruno, no importava se fosse dia ou noite - isSo seria de somenosimportncia - porquanto permanecia fechado sobre a significativa e pertinente questoque lancetava seu ego. Cansado de andar em crculos ao longo da via, voltou aomesmo banco, buscando emergir de todas as coisas, sobrelevar-se conscincia maisalta. Esse estado mental, ele alcanara uma nica vez neste ltimo tempo demeditao. A ausncia de uma significativa resposta comeava a alimentar novas ecrescentes preocupaes. Outra incmoda e impronunciada questo rondava-lhe aosmais recnditos de seus pensamentos, batendo incessantemente: e se retornasse semuma soluo prtica tentativa de bloqueio da nuvem escura? Entretanto, a despeitodo emprego de todas as tcnicas de meditao que conhecia, nada obtivera, e acaboupor desistir. Virou-se ento opostamente, girando sobre o assento do banco, e mirou olago. Havia rebrilhos na superfcie da gua azul, pequenas luzes ali se espelhavam;

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    instintivamente ele volveu os olhos para o cu, vendo atravs da translcida rosadanvoa pontos oscilantes de luz sobre as claras nuvens. Tratava-se de diminutos focosiridescentes que permaneciam sempre nas mesmas posies. Ao olhar maquinalmentede volta para o lago, viu formar-se dentre as pequenas e deslizantes marolas, umaimagem contornada pelos reflexos daqueles focos de luz. Era um rosto! Surpreso,

    procurou fixar-se sobre essa formao; logo o rosto delineou-se melhor, tomandoperfeitos contornos, e materializou-se.

    O rosto era masculino e belo. Os dourados cabelos, a meio tamanho, com franjasobre a testa, reluziam como o mais precioso ouro. Possua uma tiara, tambm deouro, contornando a testa e a cabea, assentando melhor os cabelos. O rosto no tinhaidade; os olhos eram verdes; o delicado queixo terminava com extremidade quadrada.Ele tomou-se de vida, piscou, e diante do olhar estupefacto de Bruno, falou-lhe comausteridade:

    Julgastes vossa preocupao nica? Saibai que durante todo esse tempo mentessuperiores tambm trabalham com possibilidades diante da nova incluso, denominada

    por vs humanos de a nuvem escura. Acalmai vosso corao; como podeis esquecer-vos de que os Mestres Superiores no saberiam da inaudita presena? Tentastes umas vez fazer contato com os mensageiros dos Mestres? Julgastes que a imagemmostrada ao Ministro Extraordinrio, escaparia conscincia dos Superiores? Como

    podeis imaginar tamanha amplitude de um possvel acontecimento como esse a tragarsomente as energias e preocupaes de uns poucos obreiros como vs? Ouvi comateno por que falo com clareza e discernimento a uma mente sbia e a um corao

    puro: fazei a vossa parte da melhor maneira possvel, no negligenciai vossasobrigaes, saiais a lutar com denodo e sabedoria. Ningum far humanamentemelhor o que dos humanos, mas lembrai-vos: o futuro se definir na Terra por tudoquanto os homens fizerem de bem ou mal. Dar-vos-ei uma pequena indicao de comoagir na ocasio, mas todos os passos sero de vossa exclusiva competncia.Memorizai!

    Os olhos daquele magno rosto fecharam-se; a fisionomia tornou-se como de umaesfinge reinante no tempo e sobre todas as coisas. A imagem ptrea assimpermaneceu por alguns segundos, perfeita, intacta, bela, irretocvel! Depois comeoua oscilar, acompanhando o suave movimento da gua. Foi-se tornando mais fraca,translcida e desapareceu. No lugar ficaram os vacilantes pontos luminosos. Brunoolhou para o cu vendo as luzes l em cima tambm recuar, at serem totalmenteencobertas pelas nuvens.

    Ele voltou a fitar o lago, mas nem teve tempo para reflexes por que ouviu umestridente guincho provindo de uma das gigantescas guias a sobrevoar a coroa doJardim. Ela abriu as enormes asas e pairou sobre o lago, acima dos limites doalpendre, lanando em direo a Bruno um pergaminho que trazia preso s patas. Opergaminho caiu diante de seus ps e a guia afastou-se.

    Ele arcou-se e o tomou, abrindo-o de imediato, vendo tratar-se de um plano paraum posicionamento estratgico de combate malignidade da nuvem escura. Estudou-o com ateno nos mnimos detalhes, percebendo no desenho um entrelaamento deforas entre os planos terreno e espiritual, sobre cuja fase no tocante irmandade,

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    que de todas as formas no estando ali significativamente representada, no deveriamesmo dela conjeturar ou discutir.

    Tendo memorizado o plano, enrolou novamente o pergaminho, porm assustado,largou-o no ar, porque subitamente ele se aquecera, comeando a incendiar-se. Ao

    cabo de poucos segundos o pergaminho incinerou-se num fogo vivo e dourado,consumindo-se completamente sem deixar qualquer vestgio. Nem tendo ainda serecuperado dessa nova surpresa, seguiram-se as seguintes palavras: Nenhumregistro deste plano ir transferir-se para o vosso crebro terreno. Os malignos no

    podero sond-lo de forma alguma. No momento certo a intuio revelar oposicionamento adequado a adotar-se para o incio da luta!

    Tendo retornado ao castelinho, as imagens quase todas se apagaram,permanecendo unicamente umas poucas cenas acontecidas no Jardim Ardente.Permeava-o, no obstante, a certeza de que no momento da ao contra a nuvemescura, saberiam como agir.

    Bruno chegou aos crculos. O trabalho transcorria com normalidade. A noite cara;a luz artificial produzia sombras que se moviam ao balano das lmpadas. Sombrastambm insistiam em se mover sobre o planeta. Por quanto tempo ainda as correntesresistiriam nessa oposio? O cansao estampado nos rostos dos irmos erapreocupante.

    Havia um campo fortemente magntico que atuava intensamente para o interiordos crculos. Esse campo determinava a atrao centrpeta da energia. Outro campo,de atrao centrfuga, empurrava da periferia para fora toda e qualquer tentativa deinvaso de foras contrrias. Nada estranho poderia ali penetrar ou ingerir no trabalhodesenvolvido pela irmandade - isto de muitas maneiras os deixava tranquilos.

    A idia inicial de Mendez houvera sido modificada. Os Mensageiros dos Superiorestrouxeram-lhes novas e diferentes instrues sobre a repolarizao da energiaprimria. No era desejvel, hbil ou coerente a irmandade arcar com essa imensaresponsabilidade que compreenderia a macro vida do planeta. Desta feita no setratava de exercer ajustes no plano de vida e evoluo da clula, nem de estabelecereventual plano solidrio com outras clulas numa mobilizao intercontinental.Situaes especiais, embora de grande amplitude, mas pequenas num contexto deescala mundial, estariam adstritas a decises e esforos da prpria hierarquia nombito de sua irmandade. Aes coordenadas nesse teor seriam, antes de tudo,precedidas de um planejamento real e concreto a fim de prever manobras de qualidadee quantidade relativas to somente a capacidade de gerir da clula. A estrutura dequalquer clula no pode produzir soma de esforos que vo alm de sua prpriaeconomia. E o atual problema era demasiadamente grande.

    A repolarizao - conforme denominara o Superior em suas primeiras explanaessobre o plano - sem dvida, modificaria o sentido da energia primria. Se por um lado amudana de atitude perante a presena da energia conforme disseram osMensageiros dos Superiores - os isentaria de uma responsabilidade infinitamentemaior, aliviando a ele, Bruno, de enorme carga de preocupao e incomensurvel

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    trabalho - afora o que j tivera - por outro lado, o fato vinha trazer-lhe um aguamentomental que o impulsionava a tentar saber como isso seria feito nas dimensessuperiores. Essa curiosidade, mais tarde, foi-lhe em parte satisfeita pelos relatos deSorman sobre sua viagem s dimenses. As naves, as mquinas e as cabeas,passaram a realizar essa vital ao. Esse trabalho, se realizado somente aqui embaixo,

    logicamente em propores menores, sem o emprego daquela avanada tecnologia, oslevaria em poucos minutos extrema exausto. Necessitariam, para tanto, de seutilizar de outras tcnicas envolvendo diferentes posturas fsicas, mentais e at artesevocatrias.

    Tinham razo os Mensageiros. Os recursos de que dispunham no seriamsuficientes para realizar grandes avanos contra a energia primria ou nuvem escura.Essa flagrante desvantagem revelara-se a si desde o princpio, ao ser informado porSorman do tamanho e profundidade do vrtice e da proporo da energia viajando peloespao. Sabia, sim: no conseguiriam cont-la ou sufoc-la concretamente, mesmo setodas as clulas espalhadas pelo planeta pudessem unir-se a um s comando,trabalhando com eficiente disciplina e perfeita coordenao. Essa realidadepraticamente o apavorou, entretanto guardou-se em no demonstrar um nvelexcessivamente alto de apreenso ou possvel medo. Assim mesmo omitira-se de

    julgar, mas no de lanar reptos, incentivar ou exortar luta.

    Os Mensageiros, por outro lado, embora o instrussem sobre alguns aspectos darepolarizao, nada lhe revelaram de substancial aos planos deles. Quanto a isso,limitaram-se a passar-lhe palavras com certo teor enigmtico que, de toda a sorte,serviram muito mais para deix-lo entre a desconfiana e a incerteza do quepropriamente seguro. O duelo, por sinal, voltara-lhe mente ao rever os irmostrabalhando nesse momento, confiantemente, sem o conhecimento de grande parte darealidade oculta. Unicamente trabalhavam obedientes s ordens. Essa constatao,velha e casusta, veio de novo mexer com sua conscincia, fazendo imediatamenteemergir ao pensamento a mesma indagao: pecava por omisso ou mentia-lhes?Entretanto, os subterfgios de seu experiente ego procuravam inocent-lo como a umser humano normal, comum, impotente perante as leis universais ou acontecimentosdessa magnitude csmica, perguntando-se: quantas vezes fatos csmicos como esse

    j no teriam ocorrido na vida milenar do planeta sem que nada soubesse?

    Uma nova questo veio abortar de seus pensamentos: o conhecimento daprovvel realidade, talvez catica, que se estabeleceria com os efeitos danosos dessainvaso a Terra, no lhes seria um tributo elevao pretendida pela clula nesseinterldio planetrio? Quanto mais conscincia maior o sofrimento!

    - Parem as correntes, descanso geral! ele gritou-lhes. Os crculos, um a um,foram interrompendo os fluxos. - Desfaam os crculos at segunda ordem, retirem-see refaam-se!

    Logo a rea onde estavam ficou deserta. Sombras e luz artificial dominaram todo ocenrio. O cu de nuvens escuras sistematicamente riscado por relmpagos outomado de sbitos clares, pareceu-lhe mais sombrio e ameaador que antes. O ventoe a chuva jamais cessavam; havia horas estavam expostos a todas essas intempries.

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    A Casa Rosa superlotava. O salo principal e a varanda eram palcos de verdadeiramultido. Eles retiravam gorros, capuzes, casacos, sapatos e meias. Enxugavam osrostos, tomavam caf ou ch, comiam po e biscoitos sentavam-se s cadeiras, aocho, apoiavam-se nos corrimes. Ora um burburinho mais alto se espalhava comoenvolvente onda, ora transformava-se num grande falatrio. Procuravam soltar as

    emoes antes contidas ou represadas. Praticamente com alegria constatavam nadalhes ter acontecido de mal, apesar da exploso que os assustara e do raio quefelizmente a ningum atingira.

    Bruno cruzou o salo percorrendo todo o corredor, chegando biblioteca. Abriu aporta e acendeu as luzes, trancando-a novamente chave. Sentou-se mesa,apoiando os cotovelos sobre o grosso e claro vidro, trazendo o queixo s mosentrelaadas. Fechou os olhos, concentrando-se no rosto de Mendez. O contato foifeito, mas o Superior pediu-lhe um pequeno tempo at retirar-se da corrente. Comefeito, poucos minutos depois restabelecia o contato.

    Como est a situao?- perguntou Bruno.Normal, sem incidentes!O estado geral dos irmos bom?Sim, porm o cansao j grande, creio podermos suportar somente at meia-

    noite.Devem todos parar nessa hora, voltando para suas casas. Novas equipes

    permanecero at s oito da manh, como planejado.Certo, cumpram-se as ordens!

    o o o

    A vida no planeta nessas ltimas horas estivera tumultuada. Em muitos pases oselementos em revolta haviam provocado diversos estragos. Diante de uma sucessode acontecimentos, os governos viam-se em inesperadas dificuldades. Onde aspopulaes no tinham ainda se defrontado com a violncia das tempestades, outrasconsequncias transtornavam a normalidade. Religiosos fanticos, extremados,organizaes terroristas, usurpadores de toda espcie, agitadores de massas, facescriminosas, fomentadores de guerras - enfim, toda a sorte de mentes voltadas para adestruio, que fazem do dio o principal mvel da vida, estiveram em intensamovimentao, reunindo-se, planejando ou j tomando rdeas para tortuosasatividades. Havia evidentemente uma insuflao geral incitando a esses egos sair eprocurar.

    Intensa movimentao tambm acontecia nos mundos internos da FIA e aliados.Aqueles trabalhadores no atuantes em consonncia direta com o plano de contenoda energia primria e nuvem escura vinham, por outro lado, formar fileiras noenfrentamento das foras demonacas. Eram exrcitos de soldados, legies deespecializados combatentes, falanges de lutadores marciais, conhecedores de artesmgicas e imensa gama de discpulos da sabedoria inicitica. A luta tomava vriasdirees ou vertentes. No se tratava unicamente de cercear o inimigo ou combat-locorpo a corpo. Tratava-se tambm, entre tantas coisas, de lutar pelos ideais dopensamento, travar o estreitamento mental originrio do despotismo e aes violentas;era convocar os homens de mentes cientficas para uma luta aberta em favor da

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    humanidade. As ss oposies, os ideais nobres, os valores contributivos paz, osrefreadores da violncia, o fortalecimento das culturas, o desenvolvimento mental eespiritual do homem: todo um trabalho de embasamento servindo h milnios paralapidar as massas de vividas civilizaes, e da recente histria mundial, apesar dosabsolutismos, reinados desastrosos, regimes totalitrios, fanatismos religiosos,

    orgulhos sacerdotais, pseudo raas eleitas, escravides, conquistas de guerras,capitalismos selvagens e tantas aberraes - e um amplo retrospecto de estudos dosavanos ou retrocessos das sociedades, e de captulos negros da insanidade humanaque levaram consigo milhes de pessoas morte ou a inteis sacrifcios - todos essesvalores positivamente conquistados, sabiam os homens de pensamento esclarecido,precisavam ser, tanto quanto possvel, reconfirmados para sua prpria salvaguarda.

    A necessidade das foras negras sempre inverter valores; elas gozam e selocupletam; enchem-se de vazios arroubos; cantam hosanas vitria do anarquismosobre a ordem, do atraso sobre o progresso, do mal sobre o bem. No h valores quemais respeitem; no existe hierarquia que no seja a do mais profundo, indigno erepelente sobre a Terra. Repudiam a luz e a verdade intrnseca luz, mas no tmculpa disto, por que no podem v-las e no as vendo no as sentiro; assim jamais asentendem. O seu negro mundo amplo, to amplo quanto na Terra o de seu oposto,mas ainda assim somente incursionam em seu prprio caminho quando realizamhercleos esforos de oposio a quem simplesmente constri.

    Dessa maneira, a convocao foi geral clula, no somente aos departamentosatuantes da FIA. A irmandade, como um s corpo, tomou para si essas difceis tarefasno tocante capacidade de realizar. A cada um segundo as suas obras, e a clula dosIrmos Atlantes penetrou como pde no momento da humanidade.

    Os trs dias que se seguiram foram notadamente decepcionantes. A FIA e aliadosno conseguiram manter o mesmo ritmo de cooperao ao plano, como de incio.Irmos adoeceram, ficando at impedidos de sair de casa. Outros, em grande nmero,esgotados pelo alto nvel da energia deles subtrada, ou pelo excessivo esforo mentalrealizado, foram excludos em definitivo. Devido a esses problemas e aos que dediversas origens vieram participar das relaes de vida dos irmos, a produtividade doscrculos decaiu consideravelmente em todos os setores de operaes. Os persistentesnessa cruzada, pretendendo no se dobrar s incidentais adversidades, chegavam damesma maneira ao limite de suas foras, tornando-se imperioso reconhecer-se aimpossibilidade de continuar aquele trabalho.

    A nuvem escura j cobria a quase totalidade do planeta. A situao nesse tempo -quanto ao revolvimento da atmosfera e revolta dos elementos - no se modificara. Emmuitos pases, temores recrudesciam a todo instante diante da perspectiva demaremotos, terremotos ou mesmo de erupes vulcnicas. E dos temores ao pnico,rompeu-se a linha de menor resistncia. Inmeras famlias abandonaram suas casasbuscando locais mais seguros. Via-se com frequncia a dispora de prximo ao mar,em derredor de vulces - mesmo os extintos h sculos - ou de reas notoriamentefragilizadas por falhas geolgicas. Como consequncia, aldeias, vilas e cidades seesvaziaram.

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    Diante disso vandalismos aconteceram: desordeiros, desocupados e ladres,aproveitando-se dessas evases, realizavam pilhagens. Polcia e foras especiaispatrulhavam ruas em busca de proteger os bens das populaes. Mas de todos oslados as coisas caminhavam para a dissoluo da ordem e confuso. Pessoas notendo para onde correr ou no querendo deixar os seus domiclios, concentravam-se

    nas proximidades de templos religiosos ou em locais pblicos, acendendo velas ourezando. Entretanto, a expectativa hecatombes produzia um tipo de reao emcadeia nas mentes de milhes. O pavor ao imaginar-se as piores possibilidademostrava-se nas fisionomias alteradas. O resultado dessa comoo trazia tonaexploses emocionais. Crises de choros misturavam-se a convulsivo histerismocoletivo. Um sem nmero de desesperados rolava ao cho, ajoelhava-se ou gritava emtotal descontrole; outros, mais ainda impressionados, proporcionavam cenas deincrveis desatinos. E imploravam por clemncia ao Todo-Poderoso. O rumor de que ofim do mundo estava prximo, ganhava corpo e espao!

    Trs vulces haviam dado sinais de que a qualquer instante poderiam entrar emerupo. Curiosamente, distavam muitos quilmetros uns dos outros, ficando emcontinentes diferentes. Populaes das aldeias, vilas e cidades vizinhas, antesresistindo idia de deixar as suas casas, agora se movimentavam em tentativa defuga. Eram milhares em pnico; as tempestades tornavam as escapadas praticamenteimpossveis.

    Vinte e sete dias tinham decorrido desde que a Terra comeara a sofrer o durocastigo das foras contrrias. Em muitos pontos do planeta a nuvem escura abrira-se; aatmosfera aquecera demasiadamente. Uma das consequncias desse fenmeno, foraa subida de muitas espcies de insetos e bichos para a superfcie, e uma migrao stontas, como se tivessem perdido o sentido de orientao grupal e instintiva. Estradas,ruas, lares, cidades, viram-se subitamente invadidas por um exrcito dessesmigradores, muitos venenosos e perigosos tais como cobras, lagartos, escorpies,aranhas e muitos outros. Os voadores infestavam a todos os ambientes.

    Os animais ficaram nervosos e viviam s turras; os carnvoros ferozes comeavama sair de seu habitat e por onde passavam atacavam rebanhos, criaes e sereshumanos. Outra conseqncia dessa virada da natureza, relacionada diretamente comas atitudes da fauna, era a falta dgua. Rios, lagos e reservatrios rapidamentesecavam; as plantaes no resistiam, os alimentos escasseavam. Doenas advieramem decorrncia de todas essas calamidades.

    Noutros quadrantes da Terra situaes simultaneamente inversas se repetiam;tormentas, vendavais e enchentes, causadoras de mortes e destruio, cessavam osseus furores de um momento para outro. Os homens ento saam dos seus abrigostentando retomar o controle de suas vidas, buscando por desaparecidos, resgatandosobreviventes ou corpos sem vida, e visando reconstruir o que sofrera danos. Mas emdeterminados lugares o Sol vinha logo escaldar e o calor insuportvel atrapalhava-lhesos servios. A rpida elevao de altssimas temperaturas alterava-lhes os humores;eles se irritavam, se desentendiam, brigavam. As falanges negras, atuandosubrepticiamente nos planos invisveis, sustentavam esta gama de energia inferior -exsudada dos maus humores - provocando novos conflitos. Inteis as tentativas dos

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    homens de mover-se com agilidade para rescaldar valores ou salvar vidas, pois osmalignos se incumbiam de a tudo obstruir e quase sempre conseguiam o seu intento.

    No se passavam dois ou trs dias, a situao novamente mudava. Asorganizaes governamentais de defesa civil, engrossadas por voluntrios do povo,

    viam-se abruptamente diante da necessidade de parar com os trabalhos a fim de sepreparar para se defender a si prprias de novas investidas da nuvem escura. Elaretornava com fora s vezes redobrada, trazendo consigo, novamente, os violentosaoites dos elementos aulados fria.

    A alternncia de presenas era, sobretudo, singular. As estaes, nos seusrespectivos ciclos anuais dos hemisfrios, ficavam completamente descontroladas edescaracterizadas. At a ao da neve cedia lugar a um assolamento diferente,passando a alternar-se com tempestades de vento e chuvas torrenciais. Esses fatosintempestivos geravam tambm um rolamento de guas a nveis catastrficos. Odegelo prematuro no s ocorria pela inslita torrente pluvial, mas, principalmente, porsbita elevao da temperatura em funo do aquecimento descomunal da Terra. E dealguma forma, o excessivo e anormal calor subterrneo, ao aproximar-se das regiesgeladas, proporcionava condies propcias ao degelo.

    Embora essas anomalias no permanecessem por muito tempo, era difcil resistiraos extremos contrastes, tornando-se assim impossvel apagar um rastro de destruiorecente sem que, em poucas horas, os fenmenos viessem repetir-se ou novosacontecessem, causando mais uma vez ondas de destruio e mortes.

    Inmeras cidades apresentavam quadros gravssimos quanto s necessidadesmnimas. Os servios essenciais de muitas maneiras descontinuavam. Registravam-seabsoluta falncia de recursos humanos e o rompimento das malhas funcionais. Emdiversos casos, o pessoal responsvel pela manuteno das malhas abandonara osseus postos. A sobrevivncia impunha-se como a principal preocupao e corriam para

    junto de seus familiares. Saques a mercados, lojas e depsitos de vveres j notinham a participao nica de ladres ou desordeiros: a populao, ansiosa, acorriaqueles locais de suprimento proporcionando cenas de tumulto, desespero e violentoinstinto tribal. As foras organizadas oficiais haviam desaparecido das ruas.

    - Levantai-vos e vinde!A imperativa voz fez Sorman estremecer. Ele no esbooua menor reao por que se sentiu dominado. A ltima imagem a permanecer-lhe namemria fora de uma vela acesa sobre o camiseiro, aos ps da cama.

    Sem saber quem o conduzia, mergulhou por cavernas, despenhadeiros, rios elagos - todos subterrneos. Aps um tempo nessa incrvel viagem, estancou diante deum mar ardente. Olhou para cima e viu que se encontrava no interior de um vulco, acujo pice extraordinariamente alto no conseguia enxergar.

    A massa lquida e avermelhada borbulhava. O cheiro de gases misturado aenxofre impregnava a atmosfera; havia uma fumaa negra se desprendendo. Sormansentiu sbito e insuportvel calor. Temeroso, quis recuar.

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    - No temais, estais protegido, concentrai-vos! determinou-lhe a mesma eautoritria voz. Ele fechou os olhos, concentrando-se em seu ntimo; o calor passou e ocheiro esvaiu-se.

    Por que me trouxe aqui? Sorman pensou e a voz respondeu-lhe:Para que testemunheis o trabalho que realizamos em oposio s energias

    invasoras. Concentrai-vos agora no interior do magma!Sorman obedeceu e sentiu uma vertigem. Sua mente girava como num

    redemoinho medida que ia penetrando o interior da substncia fervente, derretida amilhares de graus centgrados. Ento presenciou cenas extraordinrias. A energiaprimria se precipitava para o interior do vulco, mergulhando no caldeiro. Ele apercebia numa cor excessivamente vermelha, e, embora descesse continuamente numfacho, vinha aos borbotes. Ao tocar as profundezas, produzia erupes tambm demodo contnuo. Em decorrncia disto o magma, na sua totalidade, se revolvia. Seresgneos, fantasmagricos, grandes e longos, tambm se revolviam em meio massalquida, agitando-a. Lanavam-se para cima, sem sustentao, ou subiam pelasparedes, levando nesses saltos, ondas do magma que alcanavam muitos metros dealtura.

    De repente ocorriam exploses; o magma se abria deixando passar de seu interiorblocos de rochas incandescentes partindo como pequenos meteoros, atingindograndes alturas. Ao entrarem em contato com o ar atmosfrico do interior do vulcoincineravam-se parcialmente, muitos se fragmentavam soltando uma fumaa negra quedesaparecia mais acima. Os pedaos dessas rochas, ao carem de volta no caldeiro,eram absorvidos pela altssima temperatura, derretendo no prprio magma,desprendendo outro tanto da fumaa negra. Sorman assustou-se ao verificar aquantidade do magma que crescia, vendo que todo o seu volume provinha de um riofervente. Este rio navegava desde um redemoinho mais afastado e mais subterrneo,formado da mesma substncia. Outros rios iguais percorriam novos leitos, indodepositar-se em diferentes vulces a muitos quilmetros dali. Sbito ele viu-se de voltaao interior do vulco. A fumaa negra, o enxofre e os gases tinham aumentadoconsideravelmente. A energia invasora dividia-se nesse momento entre o vulco e oredemoinho, distribuindo o magma.

    Como a energia primria, especificamente, invade locais estratgicos debaixo dascamadas e placas tectnicas do planeta? inquiriu-se de novo Sorman. Ento umquadro descerrou-se diante de seus olhos, materializando-se. A Grande Face Negra,sorrindo diabolicamente, produzia a invaso. No meio de sua testa formava-se umenorme orifcio; dentro dele reproduziam-se cenas de locais no interior do orbeterrestre. Sorrindo sempre, ela exercitava o seu maligno poder interferindo nas funesvitais da natureza, provocando reaes como aqui, j delineando uma culminnciacatastrfica.

    Realizemos agora a nossa parte! disse a voz interrompendo aquela viso. Novaviso veio ocupar-lhe a ateno. Sorman percebeu a aproximao de pequena naveoblonga, tendo volta do bojo um anel completo, como estreita plataforma. Possua acor prateada, parecendo toda de ao. A nave pairou no interior do vulco, a poucosmetros do caldeiro, passando a emitir fortssimo e indescritvel som. O som possuaincrvel penetrao, alcanando grande distncia, atingindo com exata intensidade atodos os canais ou rios que partiam do redemoinho do magma.

    O efeito foi imediato. Todos os rios ferventes e o caldeiro do vulco diminuramaquela agitao; o nvel do magma parou de subir, estabilizando-se. Desse modo, a

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    energia invasora passou a exercer maior intensidade na sua ao, querendo retomar ocrescimento da massa lquida, mas medida que ela se intensificava, a nave, emcontrapartida, emitia variaes do som, ampliando sempre a frequncia. O duelocontinuou por certo tempo at que a energia intrusa cedeu e se retirou.A Grande Face Negra tentar outras manobras no interior do orbe terrestre, mas aqui

    estaremos para lutar em favor da Terra.

    CAPTULO XVIII

    A VIDA CONTINUA

    Tendo feito a varredura dos assuntos que chegavam todas as manhs, asecretria depositou sobre a mesa de Sorman a correspondncia. Um envelope brancopermanecera intacto. Havia nele a recomendao de pessoal e confidencial em letrasgrandes e destacadas. Sorman tomou-o em primeiro lugar, verificando que o remetenteera Javan. Curioso, apressou-se em abri-lo, vendo tratar-se de uma carta feita emcomputador, com o seguinte contedo:

    Carssimo Sorman:

    Sei que se surpreender com essa carta posto que, ao restabelecermos contato, temosfalado muitas vezes pessoalmente ou por telefone. Entretanto, em todas as nossasconversas, conduzi-me com extremo egosmo por desejar sempre sua ajuda a meuspessoais problemas, em detrimento de qualquer outro assunto. Pouco o inquiri arespeito de suas dificuldades, mas voc, com habitual elegncia, jamais deixouescapar em todos os momentos, qualquer lamento, desnimo ou sequer transpareceua necessidade de fazer um desabafo. Ao contrrio, absteve-se de si, permanecendodurante todo o tempo perfeitamente atento s minhas palavras, mas de forma algumaadestradamente, como na maioria das vezes fazem as pessoas superficiais e pueris,naturalmente falsas, em nome de uma tica artificial e sem consistncia.

    Fui cansativo no meu egocentrismo, na exposio de minhas fraquezas ou nainabilidade de atrair uma soluo para meus prprios dilemas. Abri-lhe o meu ntimoat a ltima de minhas fmbrias, como jamais antes houvera feito a algum, nemmesmo Vera, minha querida esposa, a quem amei com sinceridade e em quemirrestritamente confiava. Mas no houve qualquer demonstrao de aborrecimento ouirritao de sua parte mesmo quando, repetidamente, pretendi no t-lo entendidonaquilo que me externou como viso, alento ou at mesmo admoestao s minhasatitudes.Queira perdoar-me inestimvel amigo, por ter abusado de sua sincera amizade epacincia. Tive pena de mim, estive sem auto-estima, sem a mnima confiana;permaneci, por escolha, num mundo onde s infelizes e derrotados habitam. Nesseponto conheci a sua severidade e dirigida energia. Voc buscou sacudir-me, tirar-medaquele estado letrgico, tentou despertar-me novamente a esperana e a vida. E tudoisso realizou no como os arrogantes e pretensiosos que julgam conhecer a todos osmeandros ou enredados caminhos encravados na alma humana. Eles usam a seduo

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    de nossa pobre psicologia, cuja vida acadmica vai h pouco mais de cem anos semrealmente curar algum. Nem demonstrou, caro irmo, (permita-me assim cham-lo),aquela pieguice de tantos que, embora muitas vezes sincera, de cunho e empirismopopular, evidenciando-se pela falta de imaginao criativa, no vinculada a umaenergia renovadora, moderna ou atual. Essa forma de transferncia, somente os

    santos foram capazes de realizar, pois haviam incorporado da alma algo maior edesconhecido s suas prprias personalidades. Porm, hoje no h mais santos comooutrora e a pieguice milagreira no realiza como antes, ao contrrio, por sua formapopulista afasta cada vez mais os buscadores necessitados.

    No voc, Sorman, isso sempre repetirei como a um lema; suas atitudes e palavrasso e foram autnticas, veiculadas ao seu precioso dom de ter conquistado oalinhamento quase perfeito de sua inteligente e brilhante personalidade com asabedoria da alma. Vejo-o assim, amigo, pelo menos nessa instncia em que vocexiste e se manifesta, e que para mim extraordinria.

    claro que em voc no se revela a santidade dos castos que o mundo de hojeardentemente desejaria conhecer em algum, para depois, a esse, muitoprovavelmente sacrificar e de novo crucificar. E nem precisa acontecer semelhanteidentidade com a alma, quer parcial ou completamente, em mesmo padro ou linha deevoluo dos santos, a fim de que, somente tocando-o com as mos, possam oshomens acreditar estarem diante de um espcime raro da raa humana, algum detalento desmedido que consegue falar com Deus. Isso creio, para os homens de viso,ficou e morreu com o passado.

    A alma santa e casta justamente por ser a alma, mas o santo no se tornou santosomente por abjurar ao mundo para depois vir servi-lo com adorao. Aquela crena jpassou, quer tivessem acontecido milagres verdadeiros atravs de homens de grandeestatura espiritual, quer fossem eles lendrios. O que hoje sinto que o vendo, amigoSorman, estou diante do homem do futuro, quem por sua inteligncia tornou-sesensvel sua elevada alma e no o oposto, e isso vem reforar a meus olhos que ainteligncia iluminada totalmente abrangente, quer racional ou sensorial, no seprendendo somente a alguns atributos expoentes da cultura humana. Essaincondicionada inteligncia prtica e transparente quando, atravs da prpria alma,revela possveis atributos acima da concepo vulgar. Todavia, para nela poderrealizar-se plenamente, em sua perfeio e legitimidade, necessrio sacrificar apersonalidade. Isso no novidade, os religiosos tambm assim tentaram e a julgarpelos milhares de devotos que por todo o mundo inicialmente se lanaram nessaempresa, cheios de esperana e f, poucos, seno raros, puderam em todo o passadousufruir dessa superior condio. Eis, aqui, seno o engano, o sentido de contramo.No se negando ao mundo que a personalidade se sacrificar para a alma, mas simse doando a ele que seu sacrifcio ser vlido. Pois foroso sofrer para melhoraprender, tanto quanto sejamos conscientes desse irrefutvel processo. aprendendoque o homem se transformar num religioso (por favor, desejo destacar a exata noodo termo religio como religar.), mas no se tornando religioso queimpreterivelmente aprender.

    Contudo, no posso ainda percorrer os idnticos e magnficos passos corajosamentepercorridos por voc por que sou refm de mim mesmo. Meditei das palavras da velha

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    mulher naquele nosso primeiro encontro no restaurante. Tremi ao lanar-me nouniverso de minha prpria imaginao; acovardei-me mediante a possibilidade desofrer uma punio caso tergiversasse do alerta do maior a querer guiar o menor.Passei noites mal dormidas, outras em claro. Ponderei sobre a minha incapacidade desuportar novos sofrimentos, talvez pungentes como esses atualmente suportados.

    Meditei tambm de suas palavras e pensamentos, caro amigo, e finalmente conclu.Conclu que realmente no estou pronto nem preparado para seguir essa viagem sobum determinismo imposto, ou solicitado por um maior, supostamente a alma.

    Trago em mim profundas e vivas cicatrizes de minhas frustradas realizaes e desejode felicidade humana. No aprendi o suficiente do mundo para dizer-me saciado desuas tentaculares iluses. E esse pensamento vem somente trazer-me inquietaes,fazendo desdobrar-se ante minhas reflexes mil outras conjeturas. A memria aviva-see relembro de muitos princpios apregoados pelos mestres orientais, principalmente deuma velha afirmao budista dizendo mais ou menos assim: o desejo renasce sempreno ser no perfeitamente remido, por isso necessrio mat-lo na raiz.

    Houve um tempo, pouco alm de nossa adolescncia - voc certamente relembrar,at evocar dele as imagens - quando recentemente nos conhecamos, que eu aindaprocurava no esprito as respostas de que necessitava. Porm no as encontrando -talvez no as tivesse mesmo buscado com suficiente vontade e determinao -permaneci margem. Ou talvez, permita-me julg-lo pelo que depreendia de suaspalavras, eu no fosse suficientemente infeliz ou inadaptado ao mundo quanto eravoc. Provavelmente tivesse eu insistido e encontrado o mesmo caminho encontradopor voc, ainda assim diante dele permanecesse vacilante pela dvida ou relutantepelo medo; pois no conseguiria de qualquer maneira desapegar-me de meu desejo devida emocional. A morte que transmuta e regenera, trazendo uma outra vida, causava-me uma espcie de averso, apesar de eu proclamar o contrrio. Como e por quemorrer se assim que eu sei viver e amar a vida? Perguntava-me. Ao mesmo tempo oadmirava por sua deciso, embora temesse profundamente por sua sorte. Vrias vezesvoc me falou sobre a loucura e a morte. Isso no me era completamente estranho;sempre li compndios, ouvi palestras de orientadores, mas voc era um exemplo vivo elatente diante de meus olhos, algum realmente inadaptado ao qual somente restariaum caminho, o seu caminho, quer fosse vencedor ou vencido. E venceu, at agora temsido sempre um vencedor; a morte e as agonias de seus estertores, julgo, jamais odesanimaram nem o acovardaram. preciso morrer cada dia um pouco, dizia-nos SoFrancisco de Assis, mas nem todos tm a capacidade disso realizar e ainda doar-se crucificao, o Glgota de todos os loucos de Deus!

    Cabe-me ainda outra auto-anlise. Parece-me a mim desejar ser um menino mimadoque, sabendo de seu mundo ntimo, ainda assim reluta decididamente em aceit-lo,teimando em ser conduzido. Um menino que no deseja perder a condio daingenuidade, apesar de no ser mais ingnuo, mas tambm no desejar ser adulto.

    Surpreende-me a ousadia de a tudo isso relatar-lhe. Escrevo-lhe por que noconseguiria de todas as formas dizer-lhe pessoalmente; minha voz embargaria, e noteria a necessria coragem para enfrent-lo, olhando-o nos olhos. Isso pode mostrar-secom um subterfgio; sempre que estive diante de voc pude constatar-lhe a vocaode compreender com profundidade os problemas da alma; voc atuou durante todo

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    este tempo como meu mestre! A energia dimanada de seu ntimo no foi uma exceo minha pessoa - no fundo desejaria que fosse - ela sempre a mesma, magnnimapara a vida, para todos, disto jamais duvidei. Acredito que, principalmente por isso,pude retirar do fundo de meu ser meus prprios pensamentos, pois mesmo distnciasinto-me, como agora, atingido por sua aura amiga. E ela abriga-me, compreende-me,

    e me fortalece!Poder negar tal fato, Sorman, no pelo real no visto, no obstante perfeitamenteplausvel, porm por sua humildade verdadeira inclinada a admitir sempre que ummaior e significativo valor habita outra pessoa. E nesse caso, alenta-me o possvel fatode no ser to timorato quanto imagino porquanto resolvi tomar fundamental decisoem minha vida, contrariando, talvez, o alerta superior. Ou teria sua alma clareadominha deciso, segundo o que o maior, ainda assim, estaria me guiando para aquiloque ademais necessito aprender do mundo, para mais tarde conseguir palmilhar ocaminho da sntese, como voc agora o palmilha? No sei realmente como se esboao meu futuro, ou se h em mim um determinismo to rgido e oculto, unicamentedesvendvel no tempo, e nisso deva acreditar.

    Estou de partida. Viajo para a Amrica do Norte onde permanecerei definitivamente.Desejaria v-lo uma vez mais e abra-lo fortemente, porm temo nesse momento queesse ltimo encontro muito me abalaria. No futuro desejaria que nos vssemosnovamente. De qualquer maneira informarei meu endereo to logo fixe residncia nopas. Perdoe-me uma vez mais por essa outra manifestao egocntrica de minhapersonalidade algo conturbada.

    Nada mais posso desejar-lhe seno que todas as glrias e conquistas sejamderramadas sobre sua cabea, pois certamente voc saber compreender melhor doque ningum a relatividade ou profundidade destas coisas.

    Adeus eterno amigo,

    Javan.

    Terminada a leitura, Sorman largou a carta sobre a mesa, soltando-se de encontro poltrona. As palavras e idias de Javan no lhe provocavam qualquer reao. Apoltrona, ao dobrar-se suavemente para trs, afastou-o da mesa, lhe advindo asensao de que a carta estaria fisicamente to afastada de suas mos quantomentalmente estaria ele, Sorman, das convices do seu autor.

    Rpido e fugidio tremor permeou-lhe o ntimo, mas nada to pondervel a ponto deprovocar qualquer tipo de tenso emocional, por menor que fosse. E nem daria tempoporque aquilo partiu to depressa quanto chegou, deixando unicamente um fino rastro,configurado no pensamento de que teria falhado na tentativa de ajuda ao amigo. Mas aeste pensamento negativo, ele contraps de si mesmo com as seguintes palavras,como a desejar confortar-se:

    - Seus tormentos e dilemas, a partir de agora, estaro bem mais prximos de umasoluo.

    o o o

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    Durante sessenta e sete dias a nuvem escura e energia primria provocaramabalos no mundo, levando os elementos da natureza s raias do inimaginvel. Mas avida continuava; a atmosfera ao redor do globo voltara normalidade: todas as

    ameaas de irremediveis catstrofes tinham desaparecido. No havia mais sintomasfisiogrficos de possveis hecatombes por decorrncia de abalos ssmicos ouexploses vulcnicas. Da mesma forma, tinham se acalmado as mentes terrificadaspelo medo de um fim do mundo ter chegado. Todavia, a alma planetria ficara ferida. Eos ferimentos abertos demonstravam que um grande perigo ainda rondava o mundo seos acordos internacionais de paz fossem violados.

    Os pases afetados pelas borrascas, buscavam reconstruir o que lhes fora parcialou totalmente destrudo. A mtua ajuda dos povos mostrava-se em primeiro plano,naquilo em que cada um podia dispor como recursos em favor do outro. No entanto,alguns pases fragilizados pelas ocorrncias vinham sendo alvos de observaesexternas de uma outra ordem. Etnias semelhantes, portadoras em suas almas do dioguardado por ultrajes do passado, viam nesses desastres a oportunidade de tirar adesforra e aniquilar com seus antigos inimigos. Por estranha coincidncia, esses povosarrogados ao dio, fortemente militarizados, pouco ou nada tinham sofrido com osacontecimentos assoladores de quase todo o planeta. Assim, desde logo iniciarammobilizaes, visando realizar exerccios de guerra e treinar consistentes tticas deabordagem ou invaso. Seus lderes passaram a estimular no povo um fanatizadopatriotismo e absurdo orgulho racial, relembrando-lhes seguidamente de antigas ehumilhantes infmias j suportadas.

    Dois pases lideravam estes pensamentos de desforra e guerra, j despertandosimpatias de outros povos e possveis promessas de apoio militar. Os povos registramem suas memrias raciais muitos engajamentos de lutas com vitrias ou derrotas,vexames, dio e desprezo pelos inimigos, mas se apoiam mutuamente quando lhesinteressam.

    O fato gerou reao mundial. Todos os organismos internacionais operantes pelapaz comearam a procurar os caminhos da no agresso, trazendo a ateno doslderes para o indesejvel rompimento dos acordos. Aliados a esse desejo dospacifistas - mas nem tanto - os pases considerados de primeira linha e potnciasplanetrias, sob tantas alegaes, trataram tambm de armar-se e discutir sobre asconsequncias da guerra e seus impactos sobre a economia mundial. Com o passardos dias, essa grande ameaa veio trazer atmosfera invisvel da Terra, outra nuvemescura a pairar sobre todos.

    - As trevas trabalham sistematicamente para isso acontecer, dizia o SuperiorMestre Terra sem disfarar o sotaque espanhol, a Grande Face Negra fortaleceu suasalianas nos submundos da Terra.

    - Eles de fato esto mais fortes, isso os leva a imaginar-se livres para realizar osseus planos de destruio da maneira como desejarem. A Grande Face Negra veiotambm com o escopo de proporcionar s inteligncias csmicas do mal, condiesmais favorveis de se lanar no ter terrestre, e, assim, poder melhor se infiltrar nopensamento humano. E acho mesmo que foi bem sucedida - aduziu Sorman, logo

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    prosseguindo -e se esta luta nos trs desgaste, para eles sem trguas, pois no estsendo-lhes to fcil como pensavam inicialmente.

    O Irmo Supremo sorriu mediante as ltimas e ardentes palavras do MinistroExtraordinrio. Sorman pareceu-lhe nesse momento entusiasmado adolescente. Mas

    sob certo ngulo ele tinha razo. As lutas desses trs ltimos meses seriam, de certaforma, proporcionalmente to angustiantes quanto foram os embates dos quatro diasem que haviam se posicionado diretamente contra as incurses da energia primria enuvem escura. Nesse momento, milhares de criaturas horrendas, seres subumanos ealmas atribuladas pelo pensamento em trevas, pululavam nos submundos invisveis,estimulando torpeza nas mentes dos homens. Essa tenebrosa prtica gerava nospases de todos os continentes clima de violncia e agresses, a par de ainda subsistirtenses e desespero pelas recentes perdas. Tudo isso minava-lhes constantementesuas energias, produzindo-se permanente e pesada atmosfera por todo o globo.

    A ao calculada dos mentores das trevas - principalmente de seus mestrescsmicos fora do planeta Terra - era de estimular insistentemente a simples ttica deacercamento aos lderes de todas as categorias de classe, sugerindo-lhes oinconformismo. Com isso, propiciavam-se a implantao do vrus do anarquismo. Essattica vinha ser complementada pela propaganda pessoal e ideolgica de algunslderes, a maioria anacrnica, de puro oportunismo ou de contextura megalmana, queeles procuravam a todo instante espalhar pelos ambientes onde se infiltravam.Invarivel e consecutivamente, se manifestavam pela derrubada dos regimesgovernamentais em vigncia, e mudanas de suas polticas internas e externas.Embora eles mesmos estivessem fartamente comprometidos com inescrupulososinteresses em vrios segmentos da economia, indstria ou comrcio, apoiavam-se,esses impiedosos adversrios dos governos, na atual explorao poltica da fome e damisria, no enriquecimento infinito de poderosos homens de empresas monopolistas,cujos negcios eram respaldados por leis privilegiadas e injustas - elaboradas para seufavorecimento - e na corrupo desmedida e comprovada de pessoas de todas asclasses. Melhor para eles se essas aberraes demonstrassem alarmantes ndices decrescimento.

    Alm disso, instalava-se uma sucesso de acontecimentos perniciosos sociedade em todo o planeta - insuflada pelas falanges negras - fazendo campear cadavez mais os assaltos, roubos, crimes de morte, trfico de entorpecentes, prostituio,perseguies, racismo e tantos outros atos a promover a dissoluo dos costumes edireitos. O controle psicolgico dos elementos germinais da complexa rede mente-emoes, mantido sob vigilncia consciente do ego, vinha assim sofrer processo dedetonao pelas inteligncias operosas ao mal - invisveis ou personificadas - afetandoseguida e negativamente as reaes condicionadas ou inconscientes das massas.

    Essa gerao mundial de conturbadas e envolventes sugestes, pelas sucessivaspresses da energia negativa sobre a psique coletiva, justamente reforava osparasitrios interesses das trevas em exercer domnio da vontade humana a fim dematerializar os seus ideais, com objetivos cada vez mais hediondos.

    O grupo completava-se neste momento com a chegada de Michel ao Salo deConferncias. Em verdade, ele aqui estivera desde o alvorecer, pois sua residncia era

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    justamente a casa no plano superior do terreno. Michel com Vernica haviam comosempre providenciado todo o material necessrio reunio, realizado a limpeza,verificado as instalaes eltricas e dos equipamentos eletrnicos, bem como tinhamtomado todas as demais e atinentes providncias. Os treze membros da hierarquiaestavam, portanto, reunidos e o Supremo a todos se dirigiu:

    - Irmos, organizemo-nos para adentrar o Templo do Sol Nascente.Os rituais no Templo do Sol Nascente invariavelmente incorporavam energias

    para serem trabalhadas em eletivas situaes. Havia quatro datas no ano em queestes rituais eram ordinariamente realizados. Poderia acontecer mais de umaconvocao urgente no ano, porm a mdia mais freqente era de dois rituais extras,perfazendo assim seis rituais anuais. O Supremo convocara extraordinariamente ocorpo hierrquico para o ritual em virtude dos ltimos acontecimentos. Tanto nesteritual extraordinrio como nos agendados segundo o calendrio, todos os membroshierrquicos precisariam estar presentes sem qualquer exceo. Unicamente pormotivos imperiosos, impossveis de serem contornados naquelas datas, se admitiria aausncia de qualquer um deles. Os resultados dos rituais no Templo do Sol Nascenteproduziam rpidas implicaes na vida da clula, da a exigir a presena de todos osMestres Terra e Ministros, at sob sacrifcios fsicos. Aos dois Ministros assessores, omotivo de suas presenas e responsabilidade prendia-se mais concepo cabalsticanumeral das Ordens Superiores, que necessitavam ancoragem s foras anlogasinferiores, do que propriamente a uma atuao posterior deles, direta e autnoma, aosassuntos e problemas concernentes vida da clula. H pssaros que mergulhamvertiginosamente enquanto outros, inversamente, se lanam para cima. Mas h os queplanam e somente fazem isto, e justamente por isto, so tambm teis s suasespcies.

    Aps o ritual, eles voltaram ao Salo de Conferncias. Fantstica energia ainda ostomava. Vernica somente aqui participava da reunio secretariando aos hierrquicos.Nesse momento, tinha um gravador em punho e registrava os assuntos para depoisfirm-los no computador, sob o formato de atas. Bruno retomou a palavra:

    - Irmos, a energia hoje a ns concedida pelo Pai, vir suplementar-se s foras jconstitudas para que melhor atuemos contra os ferozes inimigos da luz. No lutamospor lutar, nem nos lanamos sobre eles por prazer. Mas vital para a dignidade dohomem e objetivos da prpria civilizao, que continuemos a combater. A energia aquirecebida precisar ser repassada em quantidades e propores especficas aosnossos subordinados. Esta novssima presena em nossas mentes e corpos virrestaurar-nos dos dispndios acontecidos nas pugnas em que nos envolvemos, bemcomo aos nossos exrcitos. algo fantstico do Pai Solar, proporcionando-nos novascondies. A energia pura inteligncia direcionada para a matria. , sobretudo, umagrande glria alcanada por nossa clula.

    A utilizao dessa nova energia comeou a produzir rpidos resultados. OsMestres Terra ficavam prximos de seus principais ordenanas nos locais onde aslutas aconteciam, ou, nos setores em que as foras contrrias se infiltravam. Noprimeiro caso, os Mestres Terra endereavam a energia diretamente aos seus generaiscom a determinao de que essa fosse retransmitida a todos os escales. Bastava umtoque com os dedos indicador e mdio unidos sobre a testa do receptor e na altura deseu plexo solar, para ele sentir imediato torvelinho. Suas foras mentais e astrais,

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    ento, aumentavam sobremaneira, multiplicando-lhe o nmero de movimentos erpidos reflexos, tornando-o extraordinariamente ativo e consciente. Como resultado,uma percepo mais aguda vinha estimul-lo; inmeras vezes antecipava-se aosmovimentos dos inimigos, por mais velozes que fossem.

    A nova energia compartilhada pelos homens da FIA, era recebida momentos antesdos combates ou mesmo j na decorrncia deles. Tudo dependeria das circunstnciase deciso do Mestre Terra. Esse, por sinal, ao pass-la aos seus imediatos, no maisdeveria se expor. Normalmente ficava parte, afastado da arena das lutas emconcentrao, embora pelas cercanias. Cercava-se de soldados que o escudavam.Essa era uma providncia determinada por Bruno, talvez desnecessria, mas indicadapor cautela, porquanto em torno do Mestre Terra, to logo ele invocasse a poderosaenergia e a transmitisse, vinha cerc-lo um anel magntico branco.

    - V l que eles percebam nossos homens incorporados da nova energia ebusquem o motivo disto, encontrando o Mestre Terra desguarnecido de proteo. Nosabemos que artifcios podero utilizar para distra-lo, fazendo decair a suaconcentrao. No esqueam de que eles so extremamente hbeis e j nosmostraram do que so capazes. As palavras de Bruno soaram como uma sentena.

    A concentrao do Mestre Terra era de fundamental importncia ao quepretendiam, pois a nova energia somente permaneceria fluindo enquanto ele amantivesse ativada. Terminada a concentrao, a corrente por ele estabelecida sequebraria e os homens se haveriam com suas prprias reservas de foras, emborabastante implementadas.

    Noutras operaes, o processo de transmisso da nova energia no se prendia tosomente s batalhas campais ou aos enfrentamentos acontecidos em quaisquerambientes. Poderia ser utilizada, por exemplo, nos encontros ou reunies em queemanassem mdias ou grandes decises de autoridades legalmente constitudas, queviessem afetar diretamente a vida dos povos. Os Mestres Terra, e seus principaiscomandados, percorriam esses ambientes, procurando antes cercar as autoridadescom suas naturais energias. Entretanto, mediante propositais e dirigidas aes dastrevas, quer por ondas mentais, por presenas obsessoras ou mesmo devido a algumparticipante das reunies j estar dominado pela energia negativa, os irmos da FIAtomariam ento novas posies. Nesses casos, o Mestre Terra transmitiria a novaenergia a sua equipe - homens e mulheres - mantendo-se parte no trabalho desustentao. Os irmos, a partir da, atuariam diretamente sobre os participantes,usando especialmente a nova energia em propores administradas.

    Cada situao requeria uma especial forma de ao. Algumas vezes elessimplesmente isolavam o veculo da fora negativa, no lhe permitindo contagiar osoutros. Noutras, construam uma redoma com a nova energia, ou mesmo atuavamsobre cada um individualmente, reforando os seus campos uricos a fim de quepermanecessem inclumes s correntes, sugestes ou formas pensamentosarremetidas pelos malignos. Porm, se as foras negativas revoltadas com ainterveno dos trabalhadores da FIA se insurgissem contra eles, uma outra batalhapoderia ter incio e lutariam corpo a corpo.

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    Mesmo nas ruas, praas pblicas, ou diversos outros logradouros, onde grupos oumultides se concentrassem, e os trabalhadores da FIA verificassem haver umaameaa pela presena dos trevosos, ou nuvens negras se aproximassem sobre aspessoas, o alerta era dado, logo surgindo um Mestre Terra ou Mestre Menor,incorporado da nova energia a fim de que se posicionassem contra aquela investida.

    Em linha com esse fato, e como as lutas se sucedessem de muitas maneiras ecrescesse o nmero dos confrontos, o Irmo Supremo decidiu enviar novas instruespor seus Ministros Assessores no sentido de que os Mestres Terra delegassemespecialmente poderes aos Mestres Menores ou ordenanas. Com essas providncias,ele estabelecia a estratgia segundo a qual os Mestres Terra no precisariam mais sairpara pessoalmente transmitir a nova energia. Sendo muitos os confrontos, nopoderiam de todas as maneiras atend-los simultaneamente, permanecendo assimabrigados em seus ncleos e concentrados. Da mesma forma, em emergncias, osMestres Menores ou ordenanas, que respectivamente tivessem recebido a energia,segundo a nova orientao, permaneceriam afastados dos locais dos embates, pormatentos ao trabalho de sustentao mental da corrente, enquanto seus homens eramcomandados em campo de batalha por um lder adrede escolhido.

    A tal ponto as lutas se sucederam que todos os departamentos e setores dahierarquia viram-se, em pouco tempo, envoltos por esta suplementar energia. Algumasclulas, antes tendo feito parte da aliana mundial contra a Grande Face Negra, foramcontatadas pelo Irmo Supremo para saber se desejavam participar das lutas,incorporadas da nova energia, segundo as estratgias por ele elaboradas. Duasclulas somente aceitaram a idia, as demais no acreditaram na nova energia e naeficincia de sua atuao, preferindo assim os seus prprios mtodos.

    Sorman, nesse tempo, resolveu atuar ao lado de Michel, misturando-se com seushomens, saindo a combater em todos os setores onde fosse necessrio. Vernicarecebia constantemente a energia por Michel e agia principalmente em ambientesfechados. O Superior Mestre Terra foi inicialmente para os Andes onde organizou osirmos para atuarem segundo a recente estratgia do Supremo; depois viajou para oOriente Mdio a fim de se entrevistar com Magashi. Em seguida, foi para a sia onde airmandade possua poucos ncleos; mas assim mesmo buscou expandir a nova energiade que era portador.

    Mais difcil era a posio do Irmo Supremo. Sendo ele o grande pilar dahierarquia, teria de permanecer em constante concentrao e meditao para suster anova energia provinda do Pai. Apesar dos corpos mentais e astrais dos Mestres Terra,em todo o mundo, estarem permanentemente incorporados da nova energia, elesprecisariam de suplementao aos gastos. Em termos e dimenso da clula, essetrabalho era grandioso e imprescindvel para o sucesso da empresa em que seenvolviam, e poucos eram os momentos de descanso do Supremo, ocasies em queestabelecia artifcios a fim de que os fluxos da nova energia no sofresseminterrupes. Representava algo diferente em relao aos ciclos e subciclos. Aqui,nesse momento, no havia a necessidade de modificar fluxos in natura, passando-osao Superior Mestre Terra. Neste caso, a nova energia j descia praticamente pronta; atarefa do Supremo, no entanto, era dom-la, sust-la em padres vibratrioscompatveis ao a desenvolver, e aps envi-la aos Mestres Terra. Isso o deixava

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    em permanente e incrvel tenso. Difcil explicar a forma como seu mecanismo cerebraltratava dos ajustes vibratrios e como ele percebia os momentos solicitados para osenvios na quantidade e qualidade requeridos.

    A par de suas lutas, chegavam-lhes constantes notcias de que os Mestres Maiores,

    merc de seus grandes recursos e avanada tecnologia, realizavam o aprisionamentode falanges negras, levando-as em naves para lugares secretos e seguros no astral, deonde no poderiam fugir nem ser libertadas. De pouco em pouco resultados favorveis Terra comearam a aparecer. O fato levava os ncleos da Loja Negra a realizarconstantes reunies e rituais escabrosos na tentativa de recuperar energia e forasperdidas. Houve apelos e invocaes Grande Face Negra para que, de alguma forma,ela interviesse nas lutas. A Grande Face Negra enviou-lhes, ento, fortes emanaesde energia, sugestes de como extrair e obter novas foras na Terra, alm de terdestacado um grande representante de sua hierarquia csmica para vir aqui chefi-los.

    As energias e sugestes chegaram-lhes com certa facilidade pelo ter e luz astral,todavia seu representante no conseguiu aportar no planeta. Houve intensa luta naatmosfera terrestre com a participao direta dos Mestres Maiores, sendo orepresentante da Grande Face Negra arrojado para longe, desistindo de tentar outravez.

    Seguidamente hordas de seres subumanos eram derrotadas pelos defensores daTerra, aprisionadas em campos de isolamento e detidos por anis de fora magnticaque os impediam de sair. Grande nmero de repelentes elementais propositadamentecriados com forma humana, sob rituais sangrentos de magia negra, fortalecidos pelasemanaes que absorviam pelo mundo - principalmente de situaes provocadas emque o plasma sangneo e o terror estivessem presentes - eram da mesma formadominados e levados a lugares especiais, prprios, onde os trabalhadores afeitos aoconhecimento prtico da magia os destruam. Os combates pendiam ao equilbrio,porm a energia csmica negativa continuava seguidamente a fluir e atuar pelo ladonegro da natureza. Seu direcionado fluxo sempre encontrava os pontos de atrao daslojas malignas onde mestres e discpulos da via da mo esquerda realizavam rituais.Da, com o auxlio de grandes formas elementais, que sabiam muito bem manipular,fortaleciam asseclas e dirigiam a energia ao mundo, s mentes voltadas para o mal.

    O momento do planeta era sem dvida atpico. Quando normalmente os contrriosse digladiavam, os motivos eram quase sempre os mesmos, ou seja, pelas intenesdas foras negativas de escamotear as bases da inteligncia iluminada. Se possvel,

    jogariam por terra os nobres princpios esposados pela alma e infiltrariam suaincompreensvel sanha, a fim de que a degradao substitusse a razo pela loucura. Equando coordenavam ataques para essas finalidades, era imprescindvel osdefensores da luz tomar das armas e sair a lutar. A filosofia de consagrar-se aoconsistente bem, no tolhia a clula em acusar a ao do mal, prestando-lhe assim adevida ateno. Agir de maneira contrria seria afrouxar a vigilncia ao prprio bem.Portanto, era um dever o permanente alerta.

    As recentes manobras das trevas os tinham levado a enormes tenses e lutasintestinas, mas, no plano externo da vida humana, o barril no explodira ainda, muitoembora o palito estivesse aceso junto ao rastilho da plvora. No havia mesmo a

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    menor esperana de que essas oposies estivessem prximas de acabar no atualestgio evolutivo das raas, pois as trevas continuariam a habitar a matria enquanto ohomem se sentisse atrado pela massa do barro do qual era feito. A vida continuava.

    Sorman voltara a empreender os melhores esforos no sentido de recuperar o

    tempo perdido nos negcios da empresa. Por sinal, a empresa houvera feitodesdobramentos, criando duas subsidiarias com capital prprio a fim de gerir osdiversos assuntos e atender com maior eficincia tanto ao mercado nacional quanto aointernacional. A guinada administrativa aliviava a empresa mater e seus departamentosde uma carga excessiva de responsabilidade, determinando o fim de algumasincmodas limitaes. A recente ampliao envolveria uma metodologia administrativa- mais especfica e direcionada - trazendo novos implementos tecnolgicos e vigorososlanamentos de marketing, que se esperava, fossem fruto de hbeis estratgias. Aidia veio a ser formulada to logo a vida planetria se livrara das tempestadesprovocadas pela energia primria e nuvem escura. Entretanto, somente agora, quatromeses depois, o fato se materializava.

    Em virtude dos acontecimentos mundiais e de certas medidas defensivas tomadaspelos pases afetados pela ameaa de guerra e terrorismo internacional, algunscompromissos de entrega no tinham sido honrados. Com os seguidos colapsos nofornecimento da energia eltrica, houve muitos dias de total abandono das tarefasdirias com drstica reduo nos horrios dos turnos de trabalho. Tudo era realizadoprecariamente. Os geradores das empresas eram acionados para a produo maisimediata, preferencialmente para clientes domsticos de endereos mais prximos.Seria temerrio embarcar lotes de mercadorias para destinatrios longnquos, pelapossibilidade de no chegarem. Muito menos foram feitas entregas ao exterior naqueleperodo de sessenta e sete dias, pelos fatos j conhecidos, nem a produoconseguiria apront-las pelos conseqentes problemas. Alm de tudo, para a maioriados contratos de frete, j majorados, as companhias seguradoras vinham cobrandoaltssimos e estarrecedores valores nas aplices, ou simplesmente recusavam-se a darcobertura. Todos esses envolvimentos e muitos outros decorrentes de tantas causasprincipais inviabilizaram as entregas, produzindo interrupes na produo eprovocando a estagnao do fluxograma dos departamentos.

    Em compensao, sobrara mais tempo para que Sorman e Anita tivessemencontros, aliado ao fato de que poucas reunies da FIA eram marcadas no planoterra. A maioria das decises coordenava-se na Grande Casa dos Estdios e Cmarasda Hierarquia, no plano interno e superior. Com isso, pde Sorman conduzir Anita casa de Bruno.

    Anita levou um susto ao ver aquele homem negro, alto e forte, muito conservadoapesar de seus cinqenta e tantos anos. Era a mesma pessoa que lhe aparecera emsonho, antes dos violentos acontecimentos se precipitarem na atmosfera do planeta.Ele sorriu-lhe mostrando os alvssimos dentes e como a perceber o porqu de suareao, tomou-lhe a mo beijando-a, ato raro em se tratando do Irmo Supremo.

    - Como vai, Iana? perguntou-lhe olhando-a nos verdes olhos. Anita sentiu-serodopiar. Iana! Iana! Aquele nome repetiu-se em eco; ela viu-se transportada a umpassado longnquo, entrada de majestoso templo, cujo corredor principal detinha smargens altssimas e grossas colunas. No outro extremo desse corredor, sete degraus

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    se dispunham ante um patamar circular. A negra parede de fundo era antecedida porgigantesca esttua de um deus da natureza, a julgar pelas representaes que ocercavam. Enorme pira prateada, emergindo do solo, ardia no centro do crculo,rodeada por sacerdotes simplesmente vestidos e sacerdotisas envoltas por coloridosvus e guirlandas de flores nas cabeas. Adiante de todos, ladeado por dois outros

    sacerdotes, estava esse homem com uma longa veste negra, mostrando no peito umaserpente naja dourada, ligeiramente sinuosa, que subia desde abaixo da cintura, atacima do corao. Iana caminhou solitariamente sob a vocalizao de um tipo demantra emitido pelos sacerdotes, ao som de instrumentos metlicos e chocalhos.Enquanto Iana caminhava, Anita via as imagens irem se enfraquecendo atdesaparecer completamente.

    - Fui Iana, disse um tanto hesitante, voc...- Seu iniciador - completou Bruno. Silncio. Aps segundos ele reiniciou - foi-lhe

    necessria esta vidncia da Atlntida a fim de que a alma terrena novamentecomeasse a despertar para a realidade espiritual. Outras mais ainda viro desde queretorne irmandade. Ela olhou para Sorman que nada disse.

    - Pode explicar-me a respeito da existncia da irmandade, suas exigncias eobjetivos?

    - Sim, claro, em certa medida, por enquanto. Mas entremos! - convidou-os,afastando-se da porta, permitindo-lhes adentrar.

    Luca veio conhec-la, seguida de Lucen. Por instantes Sorman ficouembaraado, mas Luca a beijou deixando-a a vontade:

    - Ento voc a escolhida de Sorman. Por isto a escondeu por tanto tempo.Pudera, to bonita!

    - Obrigada, voc tambm . Sorman no exagerou ao descrev-la. Luca olhou-o,endereando-lhe o maravilhoso sorriso. Lucen fez coro com a irm nos elogios,dizendo ao final:

    - Vou preparar um ch. E retirou-se em companhia de Luca. Aps o ch Brunoconvidou-a:

    - Gostaria que conhecesse um local e l pudssemos continuar nossa conversa.- Para mim est bem aceitou Anita.

    Saram. Chegando casa de Manoel tomaram o jipe. Anita saboreou a pequenaviagem, lembrando-se do stio onde passava frias na infncia. A Casa Rosa pareceu-lhe extremamente familiar.

    - O que existe detrs desta parede? perguntou Anita olhando-a com extremaateno, trazendo o indicador aos lbios como se pensasse.

    - Que lhe parece? redargiu Bruno, enquanto abria uma janela, devolvendo-lhe ainquirio. Anita fechou os olhos, concentrando-se por segundos.

    - No sei, exatamente..., uma escada, talvez um corredor, qualquer coisa nessesentido. disse hesitante

    - E depois? insistiu Bruno.- Uma porta! respondeu com segurana.- E aps a porta?- Uma cortina de sombra!- Excelente vidncia, irm, mas finalmente obstada por nossas energias.- Desculpe, no pretendia...

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    - No se preocupe, foi timo. Venham! convidou-os, logo adentrando pelocorredor, chegando biblioteca. Anita olhava tudo com espanto, como se j ali tivesseestado. Tendo os trs se instalado longa mesa, Bruno explicou:

    - As exigncias iniciais da irmandade em relao mulher so diferentes. Amulher, at certo ponto, deixa fluir mais facilmente qualidades espirituais. Com o

    homem a situao se revela de outra maneira, mas, para ambos, sob o labor individuala que submetem suas personalidades no caminho esotrico, evidentemente h umdeterminado momento em que precisam unir suas foras. Os iniciados bem sabem dacurva ascendente da espiral evolutiva onde em certo ponto h que existir a comunhode corpos e almas a fim de que um casal se realize mais amplamente. Nada distoassemelha-se a uma unio religiosa em matrimnio ou mesmo vida natural a dois. Aespecial unio a que me refiro, necessita possuir outros ingredientes, somente hojeexperimentados por praticantes dos ensinamentos ocultos. Entretanto, antes deacontecer a unio as experincias individuais tendem a enriquecer o ego. Nesteparticular, desejaria saber, agora, se voc pretende realmente solicitar admisso irmandade?

    - Penso nesta possibilidade, mas no tenho ainda suficientes informaes paraafirmar convictamente.

    - Claro, e voltamos ao mesmo impedimento de nossa conversa anterior - eleinspirou profundamente - desejo passar-lhe um livro que certamente vir trazer-lhesuficientes esclarecimentos. Antes de qualquer coisa, voc precisar assinar umdocumento, se assim desejar, naturalmente.

    Bruno levantou-se em direo dependncia contgua, afastando as cortinas.Voltou pouco depois trazendo uma pasta de arquivo que abriu sobre o tampo vtreo damesa. Retirando um documento, estendeu-o moa que o leu rapidamente. Odocumento, na realidade, era um juramento sob o qual, no primeiro pargrafo, o abaixoassinado colocava-se ante a exigncia de jamais revelar a algum qualquer informaorecebida de viva voz, visualmente ou em textos, durante seu perodo de pr ingresso irmandade. O segundo pargrafo exigia tambm seu compromisso de, mesmo nosendo aceito na irmandade, respeitar o silncio. O terceiro e ltimo pargrafo, vinhaestabelecer ao candidato a total liberdade em abandonar o estgio e a irmandade aqualquer momento, se assim desejasse ou necessitasse, quer temporria oudefinitivamente, mas atendo-se ao irrestrito compromisso de honrar o silncio por todaa vida.

    Anita pediu a caneta a Sorman, assinando o documento. Bruno se levantou,alcanando um livro num dos escaninhos da estante, relativamente grosso, deencadernao azul marinho, estendendo-o moa com elegante gesto.

    - Leve-o em carter de exceo, sob minha total responsabilidade - disse apssentar-se - leia-o com a mxima ateno. Ter trinta dias para devolv-lo.

    Anita leu avidamente o livro em quinze dias. A cada pgina seu interesseaumentava, vindo a saber da origem da Fraternidade Irmos Atlantes e alguns de seusatuais propsitos - respondendo em parte ao que a si mesma argra - bem como,de uma forma geral, do trabalho objetivo desenvolvido no mundo. Apndices inseridosentre as narrativas, contavam momentos da histria universal em que a participao dairmandade fora efetiva. Nesses fragmentos, inmeras correes eram feitas e fatos

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    realinhados em relao ao que a histria oficial e acadmica contava, restabeleciaverdades.

    Concomitante ao livro, certos envolvimentos pessoais com ela acontecidos, vieramtrazer-lhe elementos para profundas reflexes. Numa dessas ocasies, ao dormir,

    sentiu-se transportada a um edifcio grande, de arquitetura antiga, esplendidamenteconservado, por cujo interior foi conduzida a uma espcie de anfiteatro moderno, ondeocorria uma reunio. Tratava-se da Grande Casa dos Estdios e Cmaras daHierarquia. Num lugar semicircular, muitas outras pessoas ocupavam poltronas nasarquibancadas, aguardando o incio dos encontros. Viu ento frequentadores dediferentes pases e raas. Mas to logo os diretores entraram, ocupando os seuslugares, todas as imagens repentinamente desapareceram.

    E quando desperta, no exerccio da vida profissional, via-se, vez por outra, envoltapor um campo de foras que lhe alterava o estado vibratrio, deixando-a com a mentemais perceptiva. Ela comentou estas situaes com Sorman, que nada pde esclarec-la.

    Anita decidiu-se: solicitaria admisso irmandade. Sorman, ao ser comunicado,unicamente esboou um sorriso, pois jamais duvidara de que ela tomaria esta deciso.De volta casa de Bruno, recebeu todas as informaes adicionais ao que pretendia;mais tarde foi-lhe apresentada uma irm fraternal que por algum tempo viria ser suamestra instrutora. Acertaram todos os detalhes relacionados a esses contatos. Amestra a instruiria e a treinaria pessoalmente, em aulas ministradas num pequenoapartamento pertencente a FIA, no centro da cidade.

    Meses se passaram. Os relatrios da mestra foram altamente recomendveis; comisso Anita estaria definitivamente habilitada a ingressar na irmandade. Foi marcadauma data para a cerimonia de consagrao; na mesma ocasio, trs outros aspirantesestariam tambm passando a membros-nefitos, podendo a partir da participar dereunies e rituais na Casa Rosa.

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    CAPTULO XIX

    NOVAS DECISES

    O desarme ao inimigo continuava. No entanto, as lutas tinham se tornado muitomenos frequentes, no havendo mais aquela ateno e concentrao como de incio,quando da passagem pela Terra da Grande Face Negra. Muitas falanges malignaspegas de surpresa em ofensivas dos defensores da Terra, foram dissolvidas. Devido aestratgia, a resistncia deles diminura, parecendo s clulas empenhadas noscombates, que os inimigos teriam realizado um recuo intencional a fim de avaliar suasperdas. De todas as formas, pareceu-lhes tambm, a essa altura, que no teriammesmo condies de produzir ataques macios e simultneos a diversos pontos doplaneta como os at ento realizados.

    Sorman e Anita resolveram casar-se. A notcia no veio causar significativacomoo Olga porque Sorman j vinha trazendo Anita a casa. Assim preparouterreno e deu tempo para Olga aceitar a situao. Ela se lembrava perfeitamente damoa. No passado, julgara que Anita seria somente mais uma das namoradas do filho,mas a odiara profundamente quando ambos foram viver juntos por trs longos anosnaquele ashram. Esquecera-a com a volta de Sorman ao lar, posto que desde entoele no mais fizesse qualquer meno moa. Com imenso sacrifcio esforou-se portrat-la bem; o sacrifcio prolongou-se em muitas ocasies e visitas dela. Eduardoadorou a deciso de ambos. Sempre simpatizara com Anita; jamais lhe atribuindo, aocontrrio de Olga, qualquer peso ou culpa na deciso de Sorman em trocar o lar peloashram.

    Pelo lado de Anita, houve pequeno rebulio. Sua me, avessa Sorman, de incioposicionara-se contrria reaproximao, chegando a ficar amuada por vrios dias.Fazia pequenas birras para a filha e emudecia. Mais tarde, ao saber que tinham ainteno de casar-se, mudou o comportamento, voltando a agir com normalidade, at acantar. Afinal, Sorman era rico; um casamento assim no se despreza por bobagens.

    O casamento em cartrio teve poucas testemunhas. Essa simplicidade foicontrastada naquele mesmo dia pela grande festa em casa, organizada por Olga, coma presena de parentes e amigos. O casal foi morar num apartamento no longe dali;Olga chorou inconsolavelmente com a partida do filho.

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    Outra solenidade viria acontecer na irmandade. O Supremo oficiou o casamento emritual no templo da Casa Rosa, em presena de muitos membros irmos. Acomemorao veio aps a cerimnia com tradicional almoo ao ar livre.

    o o o

    Conforme houvera prometido a Garcia, no estdio do Supremo, Sorman tomoupara si a tarefa de um estudo mais acurado acerca, principalmente, das etnias dasAmricas, em cujos ramos existissem egos pertencentes a clula da FIA. Mandouchamar Garcia, com a devida permisso do Superior, com ele se reunindo algumasvezes no Salo de Conferncias, em companhia de Vernica e Michel. Garcia, alm departe interessada nesse estudo, seria valioso companheiro, pensou Sorman, poisdetinha enorme experincia no trato com problemas tnicos dos milhares de irmos aquem missionariamente se dedicava. O ramo racial que de certa forma eraresponsvel, tinha em suas famlias o maior nmero de egos da irmandade, a par deviver em reas muito amplas e diversificadas. Vrios mapas e relatrios da histria dospovos americanos foram estudados, objetivando um aprofundamento mais amplo doprocesso evolutivo dos egos nesses povos. Alguns livros rescritos por irmos dafraternidade no atual ciclo planetrio, retratando fatos antropolgicos das diversasetnias ou comentrios pessoais, foram encontrados por Vernica no acervo dairmandade, e pesquisados. Em certa ocasio, Sorman pediu permisso a Bruno paratambm pesquisar na biblioteca da Casa Rosa, trazendo de l dois excelentesvolumes, que os abriu sobre a mesa de mogno do Salo de Conferncias, diante dapequena equipe. Do computador puderam tambm obter interessantes dados.

    Entretanto, na Grande Casa dos Estdios e Cmaras da Hierarquia puderam irmais longe. Reunidos ora no estdio de Sorman, ou, principalmente, numa dascmaras especiais - uma das mais importantes e significativas da FIA - entrarampropriamente na histria dos milhares de egos da clula encarnados nas Amricas. Amanobra foi fundamental para montar um quadro abarcante, em sees e segmentos,em relao s etnias, que os conduziu a definies finais de seu momento evolutivo.

    Garcia jamais estivera em qualquer das cmaras. Foi necessrio o Supremoautorizar sua participao, aps mandar submet-lo a um ritual de purificao comvapores aromticos, tendo prescrito jejum de quarenta e oito horas e orientado que, porcerto tempo, se ocupasse de um painel na visualizao de cones esotricos em quartadimenso, que predispunham atrair determinadas e especficas energias mentais.

    Ele aceitou com entusiasmo a todas as disciplinas, bem como a ter de submeter-se, ao final deste intrincado trabalho, a uma seo de letargia com o Supremo. Durantea seo, as experincias vivenciadas por Garcia, seriam trazidas para uma das reasde seu mental, permanecendo inativas, sem o risco de ser absorvidas pelo crebrofsico. Desse modo, estaria assegurado ao ego no entrar em conflito com aquilo queno saberia definir, por no dispor claramente daqueles elementos em seusmecanismos de raciocnio objetivo.

    Passado o perodo de preparao de Garcia, os quatro adentraram a CmaraBranca, denominada tambm de Berrio. Era imensa, no propriamente pela sa