a experiencia do brinca com o fazer artístico

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A Experiência do Brincar com o Fazer Artístico: desvendando o universo musical dos povos indígenas e africanos Rodrigo Cantos Savelli Gomes Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis [email protected] Resumo: Com a implementação do Ensino Fundamental de Nove Anos no Brasil, as crianças passaram a ingressar mais cedo na escola e permanecem mais tempo no Ensino Fundamental. Esta restruturação implica não apenas em um deslocamento de idade- tempo, mas também se faz necessário refletir sobre as práticas educativas apropriadas aos alunos que ingressam com este novo perfil. Por isto, o presente relato apresenta experiências do brincar com o fazer artístico a fim de repensar sobre esta nova demanda e propor iniciativas para supri-la. Trata-se de um relato de atividades desenvolvidas nas aulas curriculares de artes-música em uma escola que atende os anos iniciais do Ensino Fundamental, de modo que aproximadamente 450 alunos foram atendidos. Através das experiências promovidas, as crianças incorporaram a experiência social e cultural do brincar por meio das relações que estabeleceram com a arte da música, com os adultos e com as outras crianças. Palavras chave: Anos Iniciais, Ensino Fundamental, Infância. Relato Este relato traz experiências desenvolvidas no ensino curricular de Artes em uma Escola Municipal de Florianópolis durante o ano letivo de 2013 e primeiro trimestre de 2014. Nesta escola há cerca de 550 alunos matriculados do 1º ao 5º ano, ela está localizada norte da ilha e tal como todo o litoral catarinense, a região foi ocupada historicamente por XII Encontro Regional Nordeste da ABEM Educação musical: formação humana, ética e produção de conhecimento São Luis, 29 a 31 de outubro de 2014

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Resumo: Com a implementação do Ensino Fundamental de Nove Anos no Brasil, as crianças passaram a ingressar mais cedo na escola e permanecem mais tempo no Ensino Fundamental. Esta restruturação implica não apenas em um deslocamento de idade-tempo, mas também se faz necessário refletir sobre as práticas educativas apropriadas aos alunos que ingressam com este novo perfil. Por isto, o presente relato apresenta experiências do brincar com o fazer artístico a fim de repensar sobre esta nova demanda e propor iniciativas para supri-la. Trata-se de um relato de atividades desenvolvidas nas aulas curriculares de artes-música em uma escola que atende os anos iniciais do Ensino Fundamental, de modo que aproximadamente 450 alunos foram atendidos. Através das experiências promovidas, as crianças incorporaram a experiência social e cultural do brincar por meio das relações que estabeleceram com a arte da música, com os adultos e com as outras crianças.

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Page 1: A experiencia do brinca com o fazer artístico

A Experiência do Brincar com o Fazer Artístico: desvendando o universo musical dos povos indígenas e africanos

Rodrigo Cantos Savelli GomesSecretaria Municipal de Educação de Florianópolis

[email protected]

Resumo: Com a implementação do Ensino Fundamental de Nove Anos no Brasil, as crianças passaram a ingressar mais cedo na escola e permanecem mais tempo no Ensino Fundamental. Esta restruturação implica não apenas em um deslocamento de idade-tempo, mas também se faz necessário refletir sobre as práticas educativas apropriadas aos alunos que ingressam com este novo perfil. Por isto, o presente relato apresenta experiências do brincar com o fazer artístico a fim de repensar sobre esta nova demanda e propor iniciativas para supri-la. Trata-se de um relato de atividades desenvolvidas nas aulas curriculares de artes-música em uma escola que atende os anos iniciais do Ensino Fundamental, de modo que aproximadamente 450 alunos foram atendidos. Através das experiências promovidas, as crianças incorporaram a experiência social e cultural do brincar por meio das relações que estabeleceram com a arte da música, com os adultos e com as outras crianças.

Palavras chave: Anos Iniciais, Ensino Fundamental, Infância.

Relato

Este relato traz experiências desenvolvidas no ensino curricular de Artes em uma

Escola Municipal de Florianópolis durante o ano letivo de 2013 e primeiro trimestre de 2014.

Nesta escola há cerca de 550 alunos matriculados do 1º ao 5º ano, ela está localizada norte da

ilha e tal como todo o litoral catarinense, a região foi ocupada historicamente por açorianos e

até os dias atuais apresenta traços característicos desta colonização. Trata-se de uma das

regiões mais tradicionais e conservadas em termos de cultura e meio ambiente. No entanto, ao

longo dos últimos anos, a chegada da vida urbana e de novos moradores tem sido intensa e

vem transformando de forma relevante a paisagem urbana e social desta localidade, outrora

pacata área rural, em um bairro densamente povoado por migrantes de diversas regiões do

país. Este espaço vem sendo ocupado muitas vezes de forma desordenada e, em grande

medida, irregular, causando problemas sociais, econômicos e ecológicos de diversas ordens,

alterando profundamente a identidade da região.

A presente Escola é bastante singular na Rede Municipal de Florianópolis, pois atende

prioritariamente a infância, cerca de 80% são crianças menores de 8 anos de idade. Por isso, é

objetivo da escola valorizar a infância e atender ao direito da criança na sua escolarização sem

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restringir a aprendizagem das crianças exclusivamente à alfabetização, mas sim ampliando as

possibilidades de aprendizagem.

Com a implementação do Ensino Fundamental de Nove Anos no Brasil, as crianças

passaram a ingressar mais cedo na escola e permanecem mais tempo no Ensino Fundamental.

Esta restruturação implica não apenas em um deslocamento de idade-tempo, mas também se

faz necessário refletir sobre as práticas educativas apropriadas aos alunos que ingressam com

este novo perfil (BEAUCHAMP et. al, 2007).

Algumas ações visando esse atendimento diferenciado estão sendo implementadas por

esta Escola, como: adequação curricular, mobiliário, tempo do recreio, recreio com atividades

lúdicas, reorganização das salas de aula com livros e brinquedos, discussão sobre o tempo que

a criança dedica à realização das diferentes propostas e como essa criança aprende a leitura e

a escrita. Entre as ações, a mais recente foi a implementação no final de 2013 e início de 2014

de um espaço especialmente planejado e unificado para desenvolver as atividades de Música,

Artes Visuais e Brinquedoteca, o que representou uma nova possibilidade de articular as artes

e a brincadeira com o desenvolvimento infantil.

É a partir deste contexto educativo que a proposta A experiência do brincar com o

fazer artístico foi pensada e aplicada nas aulas de Artes de fevereiro de 2013 a junho de 2014,

paralelamente aos demais eixos temáticos da disciplina. Nesta escola, as aulas de Artes-

Música fizeram e fazem parte do cotidiano de 16 turmas do 1º ao 5º ano, de modo que

aproximadamente 450 alunos foram atendidos em cada ano letivo. A proposta teve como

objetivo conhecer, ouvir e tocar os instrumentos musicais dos povos indígenas e africanos,

estando atento as suas propriedades sonoras. Juntamente ao uso destes instrumentos, buscou-

se interpretar, experimentar, criar e improvisar em conjunto, explorando diversas formações

instrumentais.

A improvisação e criação aqui sugerida não é aquela relacionada às grandes

performances dos músicos jazzistas e eruditos – onde há, muitas vezes, uma preocupação

maior com exibicionismo de virtuosidade do que com a musicalidade em si –, mas sim um

instrumento que tem como meta a criação de uma ideia musical, com lógica e sentido

expressivo. Desse modo, uma das preocupações iniciais foi a ideia de eximir nos primeiros

contatos com os instrumentos os conceitos de certo e errado, bonito e feio, permitindo ao

aluno um contato íntimo e próprio com os instrumentos, com seu corpo e com sua voz,

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explorando todos os seus recursos sonoros de acordo com sua criatividade e possibilidade

(CAMPOS, 2000). Desse modo, experimentando e improvisando sempre antes de introduzir

conceitos, o professor possibilita ao aluno uma maior liberdade, despertando a vontade de

descobrir por si, habituando-o a ouvir e pensar por conta própria, facilitando o

autoconhecimento e o desenvolvimento da personalidade.

Procurou-se, como isso, seguir as novas correntes da educação musical dos dias atuais

buscam oferecer ao aluno mais do que a habilidade de tocar um instrumento, proporcionando

a ele um contato íntimo com a música de modo que este contato esteja comprometido com sua

realidade sociocultural, com sua época, com seus anseios e desejos; em outras palavras, “[...]

tornar um indivíduo sensível e receptivo ao fenômeno sonoro, promovendo nele, ao mesmo

tempo, respostas de índole musical” (GAINZA, 1988, p.101).

O conteúdo da proposta A experiência do brincar com o fazer artístico foi

instrumentos musicais indígenas, africanos e afro-brasileiros, entre eles, chocalhos africanos,

chocalhos indígenas, ganzás, ovinhos, bongôs, caxixis, berimbau, cabuletês, marimba, mbira,

pau-de-chuva, flautas indígenas, maracás, agogô, reco-reco, pandeiro, tambores diversos.

Fotos de alguns dos instrumentos trabalhados com os alunos em sala de aula

Fonte: acervo do autor

Algumas estratégias metodológicas foram lançadas para conhecer os instrumentos a

partir dos objetivos propostos, entre elas, conto sonoro, distribuição interativa,

experimentação, improvisação coletiva, regência, apreciação musical interativa. Estas

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atividades foram divididas em quatro grandes eixos: conhecer, experimentar, produzir,

apresentar. A seguir, descreverei como estas atividades foram desenvolvidas em sala de aula.

Conhecer

Conto Sonoro consistiu no relato de uma história sobre o instrumento pau de chuva a

partir de um roteiro semiestruturado e cuja finalidade foi ressaltar a origem e as propriedades

sonora do instrumento musical em foco. Na história, as crianças foram personagens,

brincaram com o enredo, com instrumentos musicais e com demais materiais que serviram

para contextualizar a narrativa. O índio foi um aluno da sala, os amigos foram todos os

colegas da turma. No momento da tempestade, as crianças utilizaram placas de raio X para

fazer sons de trovão, canos flexíveis para o som do vento, guarda-chuva para se abrigar. A

história foi mais ou menos assim (com variações conforme a turma e intervenção das

crianças): “Era uma vez um índio bem pequeninho que andava sozinho pela floresta. Era um

belo dia de sol, não tinha nenhuma nuvem no céu e fazia muito calor. De repente, o índio viu

no meio do mato um objeto muito diferente... pegou em suas mãos, mexeu para um lado,

mexeu para o outro, e ouviu um som muito gostoso....era um som de...?? (os alunos

respondem). O índio gostou tanto daquele som que não conseguia parar de mexer no objeto.

De tanto mexer, o tempo começou a fechar, veio uma nuvem enorme, encobriu todo o céu e,

quando menos se esperava, caiu uma chuva imensa!! O índio, coitado, ficou todo ensopado,

escorria água por ele todo! Assustado, o índio largou o objeto no chão e, imediatamente, a

nuvem foi embora. O sol voltou a brilhar e fez muito calor novamente. O índio ficou muito

assustado com o que aconteceu, não entendeu nada! Então, pegou o objeto de novo, mexeu

pra um lado, mexeu para o outro...e....(repete a cena)...". Próximas etapas da história: (1) o

índio batiza o instrumento, dá um nome; (2) leva para sua aldeia e mostra para todos os

amigos; (3) os amigos experimentam/brincam com o instrumento e se molham também; (4) o

índio retorna para a floresta para procurar mais; (5) encontra outro pau de chuva e

experimenta novamente; (6) volta para a aldeia e mostra novamente para os amigos; (7)

retorna outra vez para a floresta; (8) encontra tantos paus de chuva que vem uma tempestade e

inunda toda a aldeia.

Além desta, outras histórias sonoras com características similares foram utilizadas

para conhecer, o Agogô, a Mbira e o Cabuletê - estes três de origem africana. No caso da

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Mbira, a história foi inspirada a partir da leitura do livro A mbira da beira do rio Zambeze de

Décio Gioielli (2007), que conta a história da Mbira, apresenta diversos contos, áudios com

som do instrumento e curiosidades. Estas, não serão detalhadas aqui neste relato devido a

limitação de palavras.

Apreciação musical interativa foi uma estratégia que usei para as crianças ouvirem

diversas vezes a gravação de uma determinada música e, assim, aprender a letra da canção

brincando. Formei uma roda no chão e uma criança ficava no centro de olhos fechados.

Enquanto se ouvia a música, uma moeda ia passando de mãos em mãos. Todos fingiam estar

passando a moeda para confundir quem estava no centro. Ao parar a gravação, todos

fechavam as mãos e a criança do centro tinha que adivinhar com quem parou. Para reiniciar,

quem ficava com a moeda ia para o centro. Repetiu-se várias vezes até todas passarem pelo

centro. É possível fazer inúmeras variações desta brincadeira.

Experimentar

Após conhecer e experimentar diversos instrumentos musicais e repertórios variados,

iniciei algumas atividades sonoras com estes instrumentos envolvendo interação, trabalho em

equipe, controle dos instrumentos, regência, criação e improvisação.

Distribuição interativa foi uma estratégia que utilizei com frequência que, além de

organizar a entrega, serviu como forma de revisar do nome dos instrumentos musicais. Uma

sala de aula comum costuma ter de 25 a 35 alunos. Distribuir instrumentos musicais

diversificados para todos os alunos de forma organizada requer algumas estratégias próprias

para não causar tumulto, confusões e descontentamentos. Fiz uma roda com os alunos e

coloquei no centro todos os instrumentos já conhecidos e experimentados pela turma em

atividades anteriores. Um aluno de cada vez foi até o centro e escolheu um instrumento para

um colega, entregando-o na mão dele. O colega que recebeu, dizia o nome do instrumento em

voz alta para que todos ouvissem. Se ele acertasse, ficava com o instrumento, se errasse era

escolhido outro. Quando todos estavam com um instrumento, passei para atividade seguinte.

Improvisação coletiva foi o momento de tocar musicalmente os instrumentos e, ao

mesmo tempo, elaborar criações instantâneas, prestar atenção aos sons produzidos e interagir

entre os colegas. Em roda, cada aluno estava com um instrumento em mãos. No centro, um

repinique ou caixa de guerra. Com um pandeiro, o professor puxou um ritmo de capoeira e

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todos os alunos acompanharam ao seu modo com seus instrumentos. Em certos momentos, o

professor fez um breque e todos deveriam estar atentos para também pararem de tocar. No

instante do breque, um aluno foi ao centro e elaborou algumas células rítmicas. A turma

imitou/repetiu as sequências logo em seguida, sem perder a fluência musical. Ao finalizar a

seção de improvisação/criação, o professor voltou a puxar o ritmo anterior e, enquanto isso, o

aluno que tinha improvisado escolheu outro colega para seguir o jogo de improvisação

coletiva. Fiz assim até boa parte da turma improvisar. Outra variação foi, ao fazer o breque,

todos paravam de tocar, menos um grupo de instrumentos (uma vez só os pandeiros, outra só

os chocalhos, só tambores, agogôs, etc.) e este grupo permanecia tocando sozinho por um

tempo pré-determinado, por exemplo, 4 compassos ou outra contagem à escolha. Enquanto

isso, o restante da turma que parou de tocar fazia a contagem do tempo em voz alta. Ao final

da contagem, todos voltavam a tocar o ritmo da capoeira.

Regendo com instrumentos foi uma atividade que iniciou em roda, cada aluno com um

instrumento leve de percussão em mãos. O professor puxou um ritmo simples ao pandeiro que

serviu como guia. Os alunos acompanharam o professor, cada um ao seu modo, sem

necessidade de explicar a levada. De vez em quando, o professor fez alguns breques. Nestes

breques todos deviam parar de tocar, não podia haver nenhum som de instrumento (silêncio

total) e só voltavam a tocar novamente quando o professor tocasse seu instrumento. No

decorrer da atividade, o instrumento guia foi passado para alguns alunos coordenarem a

regência. Se o aluno tocava, toda a turma tocava junto, se ele parava de tocar, todos paravam

também. Foram explorados elementos musicais como intensidade e andamento.

Produzir

Para produzir a partir dos instrumentos conhecidos e das experiências sonoras feitas

com os mesmos, foram selecionadas algumas músicas inspiradas na cultura infantil, africana e

indígena para trabalhar em sala de aula. Entre elas: Lagusta Laguê1, Enhambo mena2,

1 Canção retirada do Material didático Contar Cantando, de Francisca Cavalcanti (2001) e músicos catarinenses. As canções falam da cultura de Florianópolis, do folclore, dos locais tradicionais, praias, bairros. Trata-se de um material próprio para a faixa etária entre 3 a 10 anos. 2 O arranjo para esta canção foi inspirado no material didático Música africana na sala de aula: cantando, tocando e dançando nossas raízes negras, de Lilian Abreu Sodré (2010).

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Escravos de Jó3, Samba-lê-lê4, Rabo do Tatu5, Quem Dorme é o Leão6. O critério para

escolha do repertório foi diversificado, entre eles: contemplar a Lei 10.639/03 e 11.645/08,

contemplar o eixo temático do trimestre escolar (a cidade de Florianópolis; meio-ambiente;

cultura e diversidade), contemplar o gosto dos alunos, contemplar músicas do universo

infantil.

Para cada música foram elaborados arranjos vocais e instrumentais a partir das

experiências vivenciadas anteriormente. Nos arranjos foram inseridos momentos de

improvisação coletiva, regência, som, silêncio, cantar, tocar, ouvir. Em geral, o professor

trazia uma proposta que era experimentada e transformada pelas sugestões e intervenções das

crianças após cada experimentação. Ao final, os arranjos formaram uma espécie de

bricolagem das atividades, um resumo do que foi vivenciado em sala.

Apresentar

As apresentações consistiram em momentos de socialização dos trabalhos

desenvolvidos em sala de aula e uma forma vivenciar o fazer artístico em um dos seus

momentos mais íntimos e sublimes. A apresentação consiste em uma das práticas musicais

mais comuns da sociedade e talvez mais representativa de seus valores. No meio musical, seja

nas escolas, salas de concerto e mesmo ao ar livre, as pessoas se mobilizam para ver o produto

musical que está pronto, acabado e no nível do status exigido (MÜLLER, 2000). As

apresentações são prazerosas porque são desafiantes, envolvem uma situação de risco,

motivando as crianças para realizar os trabalhos em sala. Por isso, ao final de cada arranjo

produzido em sala de aula, as crianças se apresentaram em locais e eventos como: mostra

pedagógica da escola; festa junina; outras escolas e creches da região; abertura de seminários;

festivais; teatros. Foram de momentos de muita expectativa, pois além do "apresentar", outros

elementos entraram em cena, como: o passear pela cidade, andar de ônibus com a turma, o

lanche diferenciado, conhecer outros espaços e outras pessoas, interações diferenciadas entre

3 O arranjo para esta canção foi inspirado no material didático Lenga la lenga: jogos de mãos e copos, de Freitas e Beineke (2006). 4 O arranjo para esta canção foi inspirado no material didático Bateria e Percussão Brasileira em Grupo: composições para prática de conjunto em aulas coletivas, de Alexandre e Paiva (2010).5 O arranjo para esta canção foi inspirado no material didático Lenga la lenga: jogos de mãos e copos, de Freitas e Beineke (2006).6 O arranjo para esta canção foi uma sugestão dos estagiários da UDESC com o objetivo de trabalhar a temática africana.

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os colegas que o espaço da escola às vezes não permite. Desse modo, as apresentações das

músicas trabalhadas na escola conferiram relevância às atividades realizadas em classe,

conectando as crianças ao “mundo real”, ao universo musical que elas vivenciam fora da

escola, em sintonia com suas ideias sobre música. Além disso, elas representaram um

momento de reconhecimento, ou seja, tiveram seu trabalho valorizado e reconhecido perante a

sociedade conferindo credibilidade às atividades escolares, aumentando, com isso, o

engajamento das crianças na realização de novos trabalhos (BEINEKE, 2011).

Avaliação

Pretendi com esta avaliação constituir uma situação de ensino e aprendizagem que

permitisse à criança verificar e refletir sobre o que ela aprendeu e possibilitar ao professor

avaliar sua proposta de ensino, os conteúdos, sua metodologia, de modo a refletir se estes

procedimentos foram empregados de forma satisfatória para o adequado aprendizado de seus

alunos. Além de avaliar os conteúdos e a prática pedagógica, a avaliação proposta teve como

meta permitir a intervenção do aluno nas tomadas de decisões durante o processo de ensino e

aprendizagem, manifestando, dessa maneira, seus pontos de vista. A seguir apresento os

critérios que foram utilizados como forma de avaliação da aprendizagem dos conteúdos pelos

alunos, fundamentados nos Parâmetros Curriculares Nacionais em Arte (1997) e na Matriz

Curricular Arte da Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis (2012). Estes critérios

foram observados e avaliados através das atividades diárias, examinando a atuação,

participação e interesse de cada aluno do decorrer das aulas, seus questionamentos,

intervenções, seu desenvolvimento, seus registros no caderno, produções no campo da escrita

e oralidade.

Capacidade de Comunicação e Expressão em Música: com este critério avaliei como

as crianças criaram, interpretaram e improvisaram com autonomia e expressividade através

dos diferentes instrumentos e materiais sonoros explorados em aula. Trabalho em equipe: foi

avaliado como acontecia o trabalho em equipe, se os alunos respeitaram a opinião dos demais

colegas e conseguiam produzir ideias e materiais de forma colaborativa, interagindo

grupalmente através dos processos de criação e interpretação musical. Uso da Linguagem

Musical: com este critério percebi de que forma os alunos se apropriaram da linguagem

musical abordada durante as atividades trazidas pelo professor, como: nome e características

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dos instrumentos, reconhecimento dos timbres, uso do vocabulário musical. Música e Cultura:

foi avaliado como os alunos se relacionaram com o repertório trabalhado em sala e, ao mesmo

tempo, se reconheciam e valorizavam a diversidade como parte da cultura humana, sem

preconceitos estéticos, étnicos e culturais.

Por fim, avalio que A experiência do brincar com o fazer artístico: desvendando o

universos musical dos povos indígenas e africanos cruzou diferentes alunos, conteúdos,

tempos e lugares. Através das experiências ali promovidas, as crianças incorporaram a

experiência social e cultural do brincar por meio das relações que estabeleceu com a arte da

música, com os adultos e com as outras crianças. Trataram-se de experiências não

simplesmente reproduzidas, mas constantemente recriadas a partir do que as crianças traziam

de novo, com o seu poder de imaginar, criar, reinventar e produzir.

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Referências

BEAUCHAMP, Jeanete; PAGEL, Sandra Denise; NASCIMENTO, Aricélia Ribeiro do. (Orgs). Ensino fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade. Brasília: Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica, 2007.

BEINEKE, Viviane. Aprendizagem criativa na escola: um olhar para a perspectiva das crianças sobre suas práticas musicais. Revista da Abem, v.19, n.26, p. 92-104, 2011.

BEINEKE, Viviane; FREITAS, Sérgio P. R. Lenga la lenga: jogos de mãos e copos. São Paulo: Ciranda Cultural, 2006.

BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: arte. Brasília: MEC/SEF, 1997.

CAVALCANTI, Francisca. Contar Cantando: Lagusta Laguê. Livro e CD didático. Florianópolis: Ed. Cidade Futura, 2001.

CAMPOS, Moema Craveiro. A Educação Musical e o Novo Paradigma. Rio de Janeiro: Enelivros, 2000.

GAINZA, Violeta Hemsy de. Estudos de Psicopedagogia Musical. São Paulo: Ed. Summus, 1988.

GIOIELLI, A mbira da beira do rio Zambeze. São Paulo: Moderna, 2007.

MATRIZ CURICULAR ARTE. Ensino Fundamental de 09 anos. Secretaria Municipal de Educação. Prefeitura Municipal de Florianópolis. 2012.

MÜLLER, Vânia. "A música é, bem dizê, a vida da gente": um estudo com crianças e adolescentes em situação de rua na Escola Municipal Porto Alegre. Dissertação (Mestrado) Programa de Pós-Graduação em Música. Universidade federal do rio grande do sul. 2000.

PAIVA, Rodrigo Gudin; ALEXANDRE, Cleiton Rafael. Baterial & Percussão Brasileira em Grupo: composições para prática de conjunto e aulas coletivas. Itajaí: Edição do Autor, 2010.

SODRÉ, Lilian Abreu. Música africana na sala de aula: cantando, tocando e dançando nossas raízes negras. Ed. São Paulo: Duna Dueto, 2010.

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