a experiência agroecológica de neto

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O agricultor é antes de tudo um forte A experiência agroecológica de Neto Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 7 • nº 1161 Novembro/2013 Quixadá - CE Vou rasgar no tempo o meu próprio caminho E assim, abrir meu peito ao vento, me libertar De ser somente aquilo que se espera Em forma, jeito, luz e cor E vou, vou pegar um mundo novo, vida nova (Gonzaguinha) Neto foi criado na Agricultura, filho de agricultores, a arte de cuidar da Terra e retirar dela o alimento fizeram parte de sua vida desde muito cedo. Ir embora nunca fez partes dos seus planos – a rede no alpendre, o fogão à lenha; o canteiro bem verdinho; a água do pote, abandonar tudo isso seria como matar um pouco de si. Passar alguns dias na cidade grande até que vai, mas se estabelecer, viver por lá, não. Não dá. Neto e sua família vivem na Fazenda Primavera, comunidade Bom Jardim, no distrito São João dos Queiróz, a 29 km de Quixadá, Sertão Central de Ceará. Através do projeto PAIS, (Produção Agroecológica Integrada e Sustentável), em 2011, o agricultor aprendeu muitas coisas, percebeu que era possível produzir de forma saudável e alimentar não só a família, mas também comercializar para que outras famílias também pudessem ter acesso a um alimento saudável e de qualidade. O trabalho com a horta, diferentemente da bovinocultura, proporciona ao feirante mais tempo para buscar formações, ter um lazer. O agricultor recebe uma bolsa da Fundação Banco do Brasil, através do PAIS, que tem como objetivo final incentivar os agricultores a se organizarem e juntos comercializarem os seus produtos orgânicos através de uma feira. Para isso, é preciso que os agricultores/as entendam um pouco de Empreendedorismo, que aprendam a construir estratégias de trabalho para buscar novos espaços, novas formas de comercialização, etc. Há quatro anos que Neto tem sua horta e não quer saber de outra coisa: “Primeiro, a gente tem alimentação na mesa, segundo, o excedente, a gente sempre tem onde vender, não há um desperdício, e terceiro, a questão da formação, cê tem sempre tempo pra fazer algo, já com a bovinocultura você não consegue, não sobra tempo”, afirma Neto. Em 2011, depois de um bom inverno, Neto começou a comercializar o que produzia através da feira agroecológica de São João dos Queiróz e de Quixadá. Para isso, o agricultor preocupou‐se em estudar táticas da comercialização do “produto convencional”, como ele mesmo diz, para vender o seu produto agroecológico: “ter controle de produção, se não tiver enfraquece o seu poder de mercadoria, você tem que ter uma qualidade de visão para convencer os clientes e atrair mais consumidores”. Para Neto, “um grupo bem organizado tem acesso às políticas públicas”, sozinho ninguém consegue nada.

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Page 1: A experiência agroecológica de neto

O agricultor é antes de tudo um forte A experiência agroecológica de Neto

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 7 • nº 1161

Novembro/2013

Quixadá - CE

Vou rasgar no tempo o meu próprio caminho

E assim, abrir meu peito ao vento, me libertar

De ser somente aquilo que se espera

Em forma, jeito, luz e cor

E vou, vou pegar um mundo novo, vida nova

(Gonzaguinha)

Neto foi criado na Agricultura, filho de agricultores, a arte de

cuidar da Terra e retirar dela o alimento fizeram parte de sua vida desde

muito cedo. Ir embora nunca fez partes dos seus planos – a rede no

alpendre, o fogão à lenha; o canteiro bem verdinho; a água do pote, abandonar tudo isso seria como matar um

pouco de si. Passar alguns dias na cidade grande até que vai, mas se estabelecer, viver por lá, não. Não dá.� Neto e sua família vivem na Fazenda Primavera, comunidade Bom Jardim, no distrito São João dos Queiróz,

a 29 km de Quixadá, Sertão Central de Ceará. Através do projeto PAIS, (Produção Agroecológica Integrada e

Sustentável), em 2011, o agricultor aprendeu muitas coisas, percebeu que era possível produzir de forma saudável

e alimentar não só a família, mas também comercializar para que outras famílias também pudessem ter acesso a um

alimento saudável e de qualidade.

O trabalho com a horta, diferentemente da bovinocultura, proporciona ao feirante mais tempo para buscar

formações, ter um lazer. O agricultor recebe uma bolsa da Fundação Banco do Brasil, através do PAIS, que tem como

objetivo final incentivar os agricultores a se organizarem e juntos comercializarem os seus produtos orgânicos

através de uma feira. Para isso, é preciso que os agricultores/as entendam um pouco de Empreendedorismo, que

aprendam a construir estratégias de trabalho para buscar novos espaços, novas formas de comercialização, etc. Há

quatro anos que Neto tem sua horta e não quer saber de outra coisa: “Primeiro, a gente tem alimentação na mesa,

segundo, o excedente, a gente sempre tem onde vender, não há um desperdício, e terceiro, a questão da formação,

cê tem sempre tempo pra fazer algo, já com a bovinocultura você não consegue, não sobra tempo”, afirma Neto.

Em 2011, depois de um bom inverno, Neto começou a comercializar o que produzia através da feira

agroecológica de São João dos Queiróz e de Quixadá. Para isso, o

agricultor preocupou‐se em estudar táticas da comercialização do

“produto convencional”, como ele mesmo diz, para vender o seu

produto agroecológico: “ter controle de produção, se não tiver

enfraquece o seu poder de mercadoria, você tem que ter uma qualidade

de visão para convencer os clientes e atrair mais consumidores”. Para

Neto, “um grupo bem organizado tem acesso às políticas públicas”,

sozinho ninguém consegue nada.

Page 2: A experiência agroecológica de neto

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Articulação Semiárido Brasileiro – Ceará

Realização

O sonho do agricultor juntamente com seus colegas feirantes é que o

grupo se fortaleça através de uma rede de agricultores agroecológicos do

Sertão Central. O objetivo principal dessa rede é buscar “a segurança de

marketing dos produtos”, como a certificação participativa, a rotulagem e a

embalagem adequada. Os bancos de sementes crioulas também entram na

lista de objetivos. “Quando você trabalha a Agroecologia e a Socioeconomia,

ela abre muitos caminhos, não é só assistência técnica, a feira, ela se conecta

em tudo, é uma teia de objetivos, você tem que tá conectado à questão de

gênero, à questão solidária”, explica Neto.

A “questão de gênero” se aplica na casa de Neto, o homem não é maior que a mulher, ambos estão juntos,

lado a lado, trabalhando na horta e em casa. As tarefas são divididas, Ana Cristina, a irmã caçula, fica com a parte

de higienização e lavagem, os meninos ficam com a parte pesada de enfrentar o sol. “A mulher no campo é

fundamental”, afirma Nenzinho, o irmão.

No quintal da família tem mamão, couve‐manteiga, alface, cheiro‐verde, rúcula, plantas medicinais

(malvarisco, hortelã, manjerona, corama), berinjela, tomate‐cereja, coco verde, melancia, batata‐doce. Para a feira,

Neto e Nenzinho levam mamão, couve, cheiro‐verde, hortelã e alface, que são os mais vendidos. Tem também a

tomate‐cereja, a rúcula e o ovo da galinha caipira.

Os dois irmãos preocupam‐se com o bem‐estar da Terra, nesse sentido, a horta é junto com a Caatinga,

“consórcio da planta nativa com a horta” ajudando na preservação da fauna e flora local.

Os defensivos naturais são feitos através de um calendário. Neto construiu uma espécie

de laboratório para produzir os seus experimentos. A pimenta malagueta, além de ser

um defensivo, atua como repelente, por exemplo. E dá a receita: 300 gramas de pimenta

em 1,5 litro de água, com 250,00 ml de álcool, ponha em uma garrafa pet e está pronto o

seu defensivo natural”. O soro fisiológico da planta é o biofertilizante. Esterco de criação,

junto com esterco de gado, as folhagens, (folha do melão‐de‐são‐caetano, da bananeira,

folha de nin, cana doce, capim paulista), rapadura,

leite, cinza, calcário. As folhas são trituradas em

uma máquina. Em torno de 45 a 50 dias está pronto.

A cobertura morta (que para Neto é “a manta da

Terra”) controla a evaporação da água e diminui a

salinidade e a nutrição do solo. É essencial nos

tempos mais quentes. “Quando se trabalha com a

Agroecologia, você vai especificamente para a Ecologia, a fauna e a flora,

nenhum tá por acaso, a formiguinha, o calango, o sapo, para eu controlar eu

preciso respeitar o espaço deles, aprender a conviver, não existe praga, existe o desrespeito ao espaço, o homem é

que é um invasor do espaço, não os insetos, ensina Neto.

A família de Dona Ana Maria, mãe de Neto, será beneficiada através do

P1+2 (Programa Uma Terra e Duas Águas) da Articulação Semiárido Brasileiro

(ASA) com um barreiro‐trincheira e para o agricultor a tecnologia fortalecerá o

quintal, dando condições para o desenvolvimento de novas culturas, uma

maior segurança de água.

Para Neto, uma ação faz toda a diferença, o agricultor se preocupa com

as ações do cotidiano. O uso da água, será que estamos desperdiçando, será

que não podemos economizá‐la mais e mais? As sacolas plásticas, não teremos outros meios de embalar nossos

produtos? Neto e Nenzinho colaboram para que a máxima do escritor Guimarães Rosa permaneça viva na memória

do (Ser)tão: “o sertanejo é antes de tudo um forte". É forte porque conhece o seu lugar, sabe conviver e transformar

a sua terra em um lugar de bem‐viver e atravessa as adversidades experimentando, construindo, refletindo. É, o

agricultor é antes de tudo um forte.

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