a etnobotÂnica da morraria mimoso no pantanal de mato grosso · medicinal, 48% de diversas...

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1 A ETNOBOTÂNICA DA MORRARIA MIMOSO NO PANTANAL DE MATO GROSSO LUNALVA MOURA SCHWENK 1 e CAROLINA JOANA DA SILVA 2 RESUMO: A pesquisa "Etnobotânica da Morraria Mimoso no Pantanal Mato- Grossense" foi realizada na localidade de Mimoso, situada no município de Santo Antônio do Leverger, Pantanal de Barão de Melgaço, no Estado de Mato Grosso. Teve por objetivo: a) caracterizar a vegetação da Morraria de Mimoso b) levantar a florística em uma área mais conservada e outra menos conservada e c) caracterizar o uso das espécies de plantas pela comunidade mimoseana. A caracterização da vegetação foi realizada por meio da análise em aerofotogramas escala 1:60.000 e trabalho de campo. As áreas consideradas mais e menos conservadas foram baseadas na percepção dos pantaneiros mimoseanos. Para o levantamento florístico da vegetação, foram amostrados todos os indivíduos, plântulas acima de 0,5 cm de altura, locados em três parcelas de 10 x 10 m, nas faixas de sopé, intermediária e cume da vertente voltada para a comunidade de Mimoso, dispostas em três transectos, onde um seguiu o interior do vale e os outros dois a margem esquerda e direita. A Morraria de Mimoso apresenta uma vegetação de transição com Savana e Floresta Estacional, predominando, nos fundos dos vales, falhas, fraturas e meia encosta, a Floresta Estacional e, nas encostas e cristas, a Savana Florestada. Foram encontradas diferenças quanto ao número de indivíduos, famílias, gêneros, espécies e altura das árvores nas áreas mais e menos conservadas mostrando a intervenção humana. O uso pela comunidade mimoseana das plantas levantadas foi obtido com base em entrevistas com crianças, jovens e adultos, mulheres e homens e depoimento de um raizeiro da comunidade. Foram identificadas quatro etnocategorias de uso das espécies levantadas, das quais 53% são de uso medicinal, 48% de diversas benfeitorias, como construções de cercas, casas, móveis, pontes, utensílios, 25% de uso desde doméstico na fabricação do sabão até cosmético, 5% na atividade têxtil e artesanal e 12% apresentam frutos comestíveis. Das espécies, 1 Departamento de geografia - Universidade Federal de Mato Grosso. 2 Dra. Pesquisadora do Projeto Ecologia do Gran Pantanal – Env:13 /IB – UFMT.

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A ETNOBOTÂNICA DA MORRARIA MIMOSO NO PANTANAL DE MATO

GROSSO

LUNALVA MOURA SCHWENK1 e CAROLINA JOANA DA SILVA2

RESUMO: A pesquisa "Etnobotânica da Morraria Mimoso no Pantanal Mato-

Grossense" foi realizada na localidade de Mimoso, situada no município de Santo

Antônio do Leverger, Pantanal de Barão de Melgaço, no Estado de Mato Grosso. Teve

por objetivo: a) caracterizar a vegetação da Morraria de Mimoso b) levantar a florística

em uma área mais conservada e outra menos conservada e c) caracterizar o uso das

espécies de plantas pela comunidade mimoseana. A caracterização da vegetação foi

realizada por meio da análise em aerofotogramas escala 1:60.000 e trabalho de campo.

As áreas consideradas mais e menos conservadas foram baseadas na percepção dos

pantaneiros mimoseanos. Para o levantamento florístico da vegetação, foram

amostrados todos os indivíduos, plântulas acima de 0,5 cm de altura, locados em três

parcelas de 10 x 10 m, nas faixas de sopé, intermediária e cume da vertente voltada

para a comunidade de Mimoso, dispostas em três transectos, onde um seguiu o interior

do vale e os outros dois a margem esquerda e direita. A Morraria de Mimoso apresenta

uma vegetação de transição com Savana e Floresta Estacional, predominando, nos

fundos dos vales, falhas, fraturas e meia encosta, a Floresta Estacional e, nas encostas e

cristas, a Savana Florestada. Foram encontradas diferenças quanto ao número de

indivíduos, famílias, gêneros, espécies e altura das árvores nas áreas mais e menos

conservadas mostrando a intervenção humana. O uso pela comunidade mimoseana das

plantas levantadas foi obtido com base em entrevistas com crianças, jovens e adultos,

mulheres e homens e depoimento de um raizeiro da comunidade. Foram identificadas

quatro etnocategorias de uso das espécies levantadas, das quais 53% são de uso

medicinal, 48% de diversas benfeitorias, como construções de cercas, casas, móveis,

pontes, utensílios, 25% de uso desde doméstico na fabricação do sabão até cosmético,

5% na atividade têxtil e artesanal e 12% apresentam frutos comestíveis. Das espécies,

1 Departamento de geografia - Universidade Federal de Mato Grosso.2 Dra. Pesquisadora do Projeto Ecologia do Gran Pantanal – Env:13 /IB – UFMT.

III Simpósio sobre Recursos Naturais e Sócio-econômicos do Pantanal Os Desafios do Novo Milênio De 27 a 30 de Novembro de 2000 - Corumbá-MS
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10% estão em duas ou mais etnocategorias. Das espécies de trepadeiras, 11% são

utilizadas para amarrar cercas e caibros. Foi observada na área uma pressão sobre

espécies nobres ou de maior utilidade para a comunidade. Espécies como Myracrodruon

urundeuva, Cordia af alliodora e Annona cornifolia são conservadas pela comunidade e

encontradas nos fundos dos quintais, pastagens e fraldas da morraria.

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ETNOBOTANY OF MIMOSO MOUNTAIN IN THE PANTANAL OF MATO

GROSSO

ABSTRACT: This project was conducted at Mimoso, Santo Antonio de Leverger

County, Pantanal of Barão de Melgaço, Mato Grosso, State. The objectives e were to: a)

Characterize the vegetation of Mimoso mountain; b) Survey plants in a more conserved

area and also in a less conserved area; c) Characterize the use of plant species by the

local community. The vegetation characterization was conducted by analysing

airphotograms in the scale 1:60,000 and field work. The identification of more or less

conserved areas was done with the help of local people. All of the plants above 0,5 m of

height were sampled by using 3 plots of 10 x 10 m in the bottom, middle and upper part

of the slope of the facing the Mimoso community. The results show differences

regarding the number of individuals, families, genera and species and also in the height

of trees in both (more and less conserved) areas, showing human intervention. Plants

used by the community were identified through interviews with children, young people

and adults, men and women, and also a local medicine man. Four etnocategories of

plant use were found, 53% were of medicinal use, 48% of several construction uses,

such as fences, houses, furniture, bridges and utensils, 25% os domestic use from soaps

to cosmetics, 5% of crafts use and 12% of edible fruits. Of all of the species, 10% were

in two on more categories. Of the liana species, 11% are used to tie up fences. It was

observed that there is a pressure on noble species or of greater use by the community.

Species such as Myracrodruon urundeuva, Cordia af allisdora e Annona corrifolia are

conserved by the community and are found in the back yards, pastures and on the

mountains.

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INTRODUÇÃO

Embora o Pantanal seja constituído, principalmente, de planícies, aparecem

isoladas, ainda, feições, ou relevos ondulados a fortemente ondulados, denominadas, na

região, de morrarias, a exemplo da Morraria de Mimoso, constituída de rochas

pertencentes ao Grupo Cuiabá, apresentando ambiente de deposição marinho com

instabilidade tectônica e influências glaciais, destacando-se nas planícies e contrastando

na região tanto no relevo quanto na cobertura vegetal, recebendo, portanto, uma

ocupação e uso diferenciados.

Entre os recursos naturais existentes no Pantanal e em toda a Bacia do Alto

Paraguai (BAP) está a vegetação, tornando essa região importante fonte de

germoplasma de plantas de interesse econômico e de grande diversidade florística, com

endemismos, logo, de grande interesse para conservação. Estudos mais recentes têm

descoberto novas plantas ainda não citadas para a região e até algumas novas para a

ciência (Brasil, 1997).

No entanto, constata-se que essa vegetação natural, principalmente a floresta,

fisionomicamente, apresenta-se conservada, porém, na comunidade, ela tem sido

manejada de modo que a pressão seja exercida sobre algumas espécies, em especial,

aquelas consideradas nobres de interesses econômicos ou medicinais. Deste modo, a

vegetação apresenta-se com vários níveis de conservação quando estudada em grande

escala, já que ela sofre um maior ou menor grau de uso com desbastes de algumas

espécies, pequenos desmatamentos e outras formas de uso. Assim, muitas espécies

consideradas raras podem ter sido eliminadas das quais muitas nem chegaram a ser

conhecidas pela ciência ou sobre suas potencialidades, como tem acontecido em muitas

formações tropicais constatadas por Silva e Shepherd (1986).

Em termos de extrativismo vegetal, é grande a quantidade da retirada e

comercialização de madeiras nobres na região, principalmente a aroeira (Myracrodruon

urundeuva), cuja qualidade tem-se mostrado insubstituível na construção de diversas

benfeitorias das propriedades rurais, a exemplo de currais, cercas, galpões, entre outros.

A exploração vem ocorrendo de maneira desenfreada e sem manejo adequado e, apesar

de ser nativa, apresenta problemas quanto à disponibilidade para manter a demanda

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crescente (Brasil, 1997). A exploração extrativista da lenha é também significativa,

principalmente nas regiões próximas a Cuiabá e outras cidades mais populosas da

BAP/MT, pois é utilizada intensivamente nas indústrias de cerâmicas, olarias,

frigoríficos, padarias, unidades de secador de sementes entre outras.

Em estudos já realizados no Pantanal, não são discutidas as formas de utilização

dos recursos naturais disponíveis e sua importância na vida cotidiana dos povos

pantaneiros. Os recursos naturais que tão bem aproveitados e explorados nas diversas

formas de uso por estes povos muitas vezes dão um aspecto aparente de conservação e

manutenção natural. Porém, na realidade, estão esgotados ou em via de esgotamento

pela pressão em determinados ambientes, em virtude da necessidade humana e

sobrevivência e também pela ausência de um plano de manejo e conservação, como de

uma política conservacionista que atenda aos anseios e às necessidades da população

pantaneira, incluindo as áreas de influência.

A vegetação é um exemplo típico disso, não apenas no Pantanal como na BAP e

em todo o Estado de Mato Grosso. Portanto, é necessário o levantamento das espécies

existentes em áreas consideradas “conservadas”, já que o uso crescente de certas

espécies pode deixar de atender à demanda em determinada comunidade pelo

esgotamento. Além disso, a regeneração das plantas pode não acontecer em

conseqüência do pisoteio, ou o tempo necessário para que as plantas se estabeleçam e se

tornem adultas, ou ser prejudicada por causa do corte precoce e das queimadas.

Não existem estudos dessa natureza no Pantanal que comprovem tal fato e,

ainda, aqueles sobre uso de plantas e seu potencial econômico realizados em outras

regiões da Bacia, como de Macedo (1995), Pott e Pott (1994) e Guarim Neto (1991),

estão, em sua maioria, desvinculados de um grupo cultural localizado, em um espaço

definido.

Mediante essa necessidade do conhecimento é que se propôs o estudo sobre

“Etnobotânica na Morraria Mimoso no Pantanal de Mato Grosso". Este faz parte de um

trabalho intitulado: Morraria Mimoso e Entorno: Caracterização Ambiental e Uso Social

da Biodiversidade, por Schwenk (1998). A escolha da referida área deu-se pelo fato de

ser uma região pantaneira carente de pesquisas locais e detalhadas, onde a vegetação das

morrarias existentes, especialmente a Morraria Mimoso ou Morro do Meio, aparenta

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estar bastante conservada; e ainda por fazer parte da área de estudos do Projeto Gran-

Pantanal.

Essa região, para Da Silva e Silva (1995), é composta de uma comunidade

bastante tradicional, descendente de Rondon e de origem indígena, principalmente

“bororó”, mas hoje sofre transformações e misturas de povos, com atividade econômica

baseada, principalmente, na criação do gado bovino, com aproveitamento dos recursos

forrageiros nas pastagens naturais das savanas.

Entre os problemas de inundações enfrentados por essa comunidade, estão a

dificuldade no transporte e comunicação com as cidades mais próximas e a necessidade

de utilizarem áreas mais elevadas e dos recursos disponíveis. Muitas vezes são

obrigados, conforme levantamento para este trabalho, a ocuparem parte da morraria de

Mimoso onde os sopés são desmatados para dar lugar a pequenas pastagens que servem

de refúgio para o gado e cultivos de subsistência, descaracterizando a vegetação

original. Também as pressões exercidas na rotina da comunidade às espécies nobres

para consumo próprio e benfeitorias da comunidade ou mesmo comercialização têm

prejudicado a regeneração ou o desenvolvimento de plantas.

Em vista desse processo de ocupação e uso na área, o referido estudo tem como

objetivo geral: efetuar o levantamento etnobotânico da Morraria de Mimoso; e

específicos: a) caracterizar a vegetação da Morraria de Mimoso; b) realizar o

levantamento florístico em uma área mais conservada e outra menos conservada; e c)

caracterizar o uso das espécies de plantas pela comunidade mimoseana, com base em

entrevistas com crianças, jovens e adultos, mulheres e homens e depoimento de um

raizeiro da comunidade.

Espera-se, com base nos dados levantados e nos resultados obtidos neste

trabalho, dar uma contribuição e subsídios para o planejamento ambiental para a região,

e ainda servir como orientação para a comunidade local. Acredita-se que o

levantamento de base de dados e discussões, levando em consideração a localidade e a

realidade cultural em escalas maiores, possibilitam uma maior participação da

comunidade no aproveitamento do conhecimento produzido para o manejo e

recuperação do espaço por ela ocupada.

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ÁREA DE ESTUDO

LOCALIZAÇÃO

O Pantanal brasileiro, com 139.558 km2, está definido como a planície contínua

de inundação, inserida na Bacia do Alto Paraguai, representando 38,93% do território

brasileiro, e posicionado entre os paralelos 16° a 22°S e 55° a 58°W. É visto como um

mosaico complexo de subunidades geomorfológicas, sendo classificado por Adámoli

(1981) em dez pantanais. De acordo com essa classificação, a área de estudo está

inserida no Pantanal de Barão de Melgaço, fazendo parte do município de Santo

Antônio do Leverger, localizado no sudeste do Estado de Mato Grosso, em áreas

periodicamente alagáveis, abrangendo a localidade de Mimoso. Tem como via de

acesso uma estrada vicinal que liga Mimoso à rodovia MT- 316 em Porto de Fora,

distando em linha reta cerca de 70 km da Capital. Localiza-se, aproximadamente, entre

as coordenadas 16o15' de latitude S e 55o45' de longitude W.

Na Morraria de Mimoso, os estudos concentram-se, especialmente, na encosta

com a face voltada para o noroeste e para a comunidade de Mimoso, onde foi dividida

em área mais conservada (Área I) e Área menos conservada (Área II) (FIG. 1).

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FIG. 1. Mapa de Localização da área de estudo segundo o município do Estado de Mato

Grosso - 1997.

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DESCRIÇÃO DA ÁREA

De acordo com Tarifa (1986), o clima do Pantanal recebe a classificação de

Köppen de clima do tipo AW, quente e úmido, com estação chuvosa no verão e

estiagem no inverno. A sua localização em plena faixa tropical, com cerca de 1.500 km

a oeste da faixa atlântica, propicia a ocorrência das maiores amplitudes de temperaturas

anuais do território brasileiro.

No município de Santo Antônio do Leverger, a média mensal da umidade

relativa do ar é de 65,75%, a temperatura do ar máxima é de 39,5°C e, a mínima, de

7,5°C, com uma precipitação média anual de 1.412,6 mm, distribuída em média por um

período seco de cinco meses, de maio a setembro e, um período chuvoso, com maior

intensidade nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro.

A Morraria de Mimoso, que corta a planície do Pantanal, é datada do pré-

cambriano, pertencendo à unidade Planalto dos Guimarães. Nesta se destacam litologias

pertencentes ao Grupo Cuiabá de composição bastante diversificada, predominando os

metarenitos e quartizitos, onde o ambiente de deposição desse grupo foi marinho, com

instabilidade tectônica e influências glaciais (Del’Árco et al., 1982; Bittencourt Rosa,

1992).

Apresenta um relevo de cristas simétricas e assimétricas de topo contínuo

predominantemente plano, tendo, porém, trechos aguçados na forma de topos

arredondados e ponteagudos, ocorrendo ainda falhas ou fraturas que separam e cortam

essas cristas. A altitude varia entre 280 a 360 m, com picos que chegam até 394 m. A

vertente de declive mais íngreme está voltada para a comunidade de Mimoso, dando um

aspecto fisionômico de uma elevação fortemente acentuada, evidenciando uma área

bastante susceptível à erosão, enquanto que a vertente oposta apresenta-se com declive

bem menos acentuado e prolongado, proporcionando maior intervenção humana.

Embora a vertente apresente declive fortemente acentuado, aparecem ao longo da

mesma trechos com declividades mais amenizadas a quase planas, enquanto outros com

alta declividade formando pequenas rampas. O relevo apresenta ainda diferentes ordens

de grandeza e aprofundamento de drenagem, sendo que, na vertente mais íngreme

voltada para a comunidade, o relevo está separado por vales em forma de V e

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próximos uns dos outros, enquanto que, no lado oposto, os vales aparecem tanto em

forma de V quanto em forma de ∪, estando mais distantes uns dos outros (Schwenk,

1998).

Com base na análise do relatório de solo descrita por Orioli et al. (1982),

conclui-se que os solos que compõem a morraria são os Litólicos eutróficos, com

afloramentos rochosos apresentando-se bastante pedregoso em toda sua extensão.

Quanto à cobertura vegetal, ocorre uma vegetação com Sistema de Transição Ecológica

de Savana com Floresta Estacional, denominada por Loureiro et al. (1982) de Floresta

Semidecidual e Decidual Submontana.

A referida área é banhada pelos afluentes do rio Cuiabá e, quando ocorrem as

cheias neste rio, no período de janeiro a março, atingem as proximidades da

comunidade de Mimoso, a mais representativa da região, tanto em número populacional

como espacial, localizada ao longo da morraria que leva seu nome.

MATERIAL E MÉTODOS

A delimitação da área de estudo baseou-se na carta topográfica do DSG, folha

SE-21-X-A-III, Barão de Melgaço, na escala de 1:100.000, e a interpretação da

vegetação em fotografias áereas escala 1:60.000 da AST, datada em 1966, seguida de

trabalho de campo. A densidade amostral para quantificação foi estipulada pelo método

do papel milimetrado, onde cada cm2 corresponde a 100 ha no terreno.

O levantamento em campo foi efetuado em 1996. As áreas consideradas mais

conservada e menos conservada foram definidas por meio de observações qualitativas

feitas in loco, e na percepção dos pantaneiros mimoseanos por meio de entrevistas,

levando em conta apenas a vertente voltada para a comunidade de Mimoso,

correspondendo a 900 ha. Considerou-se a área mais conservada aquela em que houve

a menor intervenção humana e, a menos conservada, o oposto. Pela dificuldade de

limitar tais áreas, os levantamentos foram efetuados nos trechos aparentemente mais

conservados em uma área e, os trechos visivelmente mais atingidos pela ação antrópica,

em outra.

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Para o levantamento das espécies florísticas, foram estabelecidas áreas de

amostragem em três gradientes altitudinais: sopé, numa altitude média de 160 a 215 m,

intermediária, de 215 a 270 m e, cume, de 270 a 320m ou mais tomadas pelo altímetro

(Altimeter Barometer Handy e Accurate). Traçaram-se transectos do sopé ao cume em

cada área de estudo, onde um transecto acompanhou um vale e, os outros dois, em linha

reta, a margem esquerda e direita desse vale. A cada 20 m de distância, foram tomadas

medidas com trena que possibilitou o sorteio de uma área de amostragem com tamanho

de 10 x 10 m, para cada faixa, amostrando portanto 900 m2 por área e no total 1800 m2

ou 0,18 ha. O levantamento de ambas as áreas foi feito no mesmo período.

O registro por espécie acima de 0,5 cm foram lançados em fichas, catalogadas,

prensadas e, posteriormente, levadas para secagem em estufa e identificada. Essa

identificação teve o apoio bibliográfico, a exemplo de Pio Corrêa (1933), Pott e Pott

(1994), Lorenzi (1991 e 1992), e comparação com exemplares depositados no herbário

da UFMT, além do apoio do Prof. Germano Guarim Neto, doutor em Botânica da

UFMT, e do CPAP-EMBRAPA. As espécies estudadas encontram-se amostradas e

depositadas no Herbário da UFMT.

Para identificar o uso das espécies de plantas da Morraria Mimoso, pelos

mimoseanos, realizaram-se entrevistas, por meio de uma ficha previamente elaborada,

com 30 pessoas escolhidas ao acaso, entre elas: cinco crianças (oito a treze anos) e cinco

jovens (catorze a dezoito anos) de ambos os sexos: dez mulheres e treze homens

(adultos). Na Tabela 2, crianças são representadas pela sigla *1, jovens *2, homens *3

e mulheres *4.

Foram considerados os mimoseanos nascidos ou que viviam no local pelo menos

há 20 anos, entre eles estão: lavradores, donas de casa, pescadores, criadores de gado

bovino, raizeiro ou curandeiro, professores e estudantes. O número de entrevistados

mostrou-se suficiente já que em, aproximadamente, 60% da entrevista não houve

diversificação nas respostas.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização da vegetação

A Morraria de Mimoso é recoberta pela Floresta Estacional Decidual

Submontana, com transição para os cerrados ou savanas. Predominantemente nas cristas

e encostas em solos mais lixiviados, localiza-se a formação do cerradão. Já a Floresta

Decidual predomina nos fundos de vales e meia encosta, cujos solos possuem maior teor

de umidade e fertilidade. Entretanto, ao longo de toda a morraria, aparecem as espécies

de ambas as formações, formando um ecótono. A floresta submontana, segundo

Loureiro et al., (1982) apresenta mais de 60% de plantas deciduais durante a época

desfavorável ou estiagem, e a submata é também de carácter decidual, e o extrato

inferior é integrado de formas biológicas de geófitas e hemicriptófitas, o que pode ser

confirmado nesta área.

Conforme verificado em campo, no mês de agosto, dentro do período de

estiagem, a área mais conservada (Área I) da Morraria do Mimoso apresenta um

aspecto fisionômico mais seco e cinza, com perca quase total das folhas das espécies

decíduas, enquanto a área conservada (Área II) ainda permanece com um aspecto verde,

o que mostra a provável ocorrência do microclima.

Quanto ao aspecto fisionômico dessa vegetação ao longo da Morraria Mimoso,

com a face voltada para a comunidade, observada do lado de fora ou à distância no

período chuvoso, apresenta-se com um aspecto de floresta fechada, densa e conservada.

Porém, ao adentrá-la, verifica-se que as árvores de copas grandes são espaçadas uma

das outras, apresentando inclusive clareiras causadas por afloramentos rochosos, árvores

mortas ou mesmo retirada e corte de árvores. Todavia, na área menos conservada dessa

morraria observa-se, com maior frequência, a presença da vegetação secundária em

estádios de sucessão avançados, com algumas manchas quase atingindo o clímax, sendo

vestígios de antigos desmatamentos.

Ao longo dos seus cursos intermitentes, fundos dos vales, a vegetação apresenta

uma fisionomia diferenciada dos demais ambientes, sendo que, na área mais

conservada, apresenta-se com um sub-bosque bastante fechado e de difícil acesso,

mostrando espécies características de matas ciliares, embora na faixa dos sopés nota-se

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a presença marcante da vegetação secundária. Enquanto que, na área menos conservada,

ocorre exatamente o oposto; são trechos bem abertos, praticamente, sem vegetação de

sub-bosque que facilita o acesso à área, com exceção do sopé, onde predominam a

vegetação secundária e capoeira bastante densa.

O sub-bosque na encosta da Morraria Mimoso apresenta-se mais adensado e

com maior quantidade de trepadeiras, plantas jovens e plântulas na área mais

conservada que na área menos conservada. Enquanto que, no cume, apresenta-se mais

aberto, pela predominância do cerradão, principalmente na área mais conservada. O

solo ao longo da vertente é recoberto também por pteridófitos em grande quantidade.

Ao longo dessa morraria, a vegetação apresenta-se ainda nas partes mais baixas

do sopé substituídas pelas pastagens e pequenas plantações. Já nas partes mais altas,

cujo acesso é dificultoso, aparecem cortes selecionados de espécies que são

transportadas com o auxílio da própria declividade, sendo que, empurradas, descem com

grande velocidade e arrancam tudo por onde passam, desde plântulas, inclusive de

espécies nobres e de grande utilidade para a comunidade, até seixos de rochas, deixando

nesses locais o solo desprotegido, favorecendo à erosão. Isto é observado com muita

freqüência na área menos conservada.

Composição Florística da Morraria Mimoso

No levantamento florístico da área estudada (Tabela 1), foram encontradas 49

famílias, 103 espécies distribuídas em 78 gêneros onde, duas espécies apenas chegaram-

à determinação de família e, outra, ficou indeterminada. Entre as famílias de maior

diversidade estão: Bignoniaceae - doze, Sapindaceae - nove, Caesalpinaceae - seis,

Rubiaceae - cinco, Euphorbiaceae - cinco e Myrtaceae com quatro espécies. Aquelas

com maior percentual em números de indivíduos estão: Verbenaceae, com 31,16%;

Bignoniaceae, com 13%; Mimosaceae, 11,60% e, Caesalpinaceae, com 11,51%.

Essas espécies apresentam vários hábitos, desde herbáceas, sub-arbustivas, com

maior representatividade das arbóreas seguida das arbustivas e trepadeiras, onde esta

última aparece com 23 espécies distribuídas em onze famílias. Foram observadas

também na área muitos pteridófitos. Apenas na mais conservada foram encontradas

algumas epífitas e com vestígios de queimadas.

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Estudos e levantamentos realizados por pesquisadores encontraram espécies

semelhantes na região do Pantanal e Cuiabá e em outras regiões brasileiras (Rizinni

1979; Ratter et al.,1988; Prance e Schller 1982; Cunha 1989; Guarim Neto,1984, 1991;

Lorenzi 1992; Macedo 1980,1993; Pott e Pott 1994; Dubs 1994, Guarim Neto et al.,

1995, entre outros).

TABELA 1. Comparações florísticas entre as áreas consideradas mais conservada (Área

I) e menos conservada (Área II).

Composição florística Área I.3(quantidade)

Área II(quantidade)

Total(quantidade)

Indivíduos 7.350 2.309 9.659

Famílias 43 38 49

Famílias indeterminadas - 1 1

Espécies 84 79 103

Espécies indeterminadas 2 3 3

Gêneros 63 59 78

Gêneros indeterminados 2 3 3

Espécies mortas 20 15 35

Trepadeiras 1.234 446 1.680

Vegetação herbácea 3.350 92 3.442

Plântulas e jovens (0,5 cm a 1 m) 3.562 1.829 5.391

Plantas adultas (> e < 10 cm diâmetros) 418 373 791

Plantas adultas (> 10 cm diâmetro) 144 125 269

Altura máxima 25 16 -

Verificando a Tabela 1, observam-se diferenças nas áreas mais e menos

conservadas quanto ao número de indivíduos, famílias, espécies e alturas das árvores

onde a Área I apresenta-se em maior quantidade, por causa da maior preservação. Na

área I, a altura máxima é de 25 metros, em ordem cronológica, enquanto que, na Área

II, de 16 metros, com interrupções por causa da seleção no corte de árvores. Conforme

as análises efetuadas, muitas espécies consideradas de grande uso ou valor econômico,

pela comunidade mimoseana, nem sempre aparecem na Área II e as que aparecem

apresentam-se com porte pequeno pela pressão exercida sobre elas. Estando, portanto,

as espécies mais importantes em valor econômico e uso, apresentando-se com porte

elevado, chegando ao estádio maduro ou biostático pela conservação, restritas na Área I.

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Uso das Espécies da Morraria pela Comunidade Mimoseana

Aproximadamente, 84% das espécies levantadas na Morraria Mimoso são

largamente usadas pela comunidade mimoseana em várias etnocategorias. Onde

ocorrem aquelas cuja madeira é de grande utilidade em benfeitorias e valor comercial,

outras destinadas ao valor medicinal, alimentar e diversas formas de uso, como

utilidade doméstica e até cosméticas. Ainda, uma única espécie pode pertencer a várias

etnocategorias, podendo a comunidade beneficiar-se, gratuitamente, de tudo aquilo que

a natureza oferece.

De acordo com a Tabela 2, foram identificadas 86 espécies utilizadas pela

comunidade; destas, 48% são de madeiras úteis consideradas pelos mimoseanos de

“madeiras boas”, utilizadas em várias benfeitorias, como construções de móveis, casas,

canoas, remos, mourões, currais, palanques, cochos, tábuas, vigas, pilão e mão de pilão

ou cabo de ferramenta. Essas são utilizadas e/ou conhecidas por, aproximadamente,

100% dos homens, 50% das mulheres e dos jovens e apenas 13% das crianças.

Dos 48% das espécies, apenas 19% não têm nenhuma outra utilidade. Além da

utilização das madeiras para construções de um modo geral, são utilizadas também

como medicinais, a própria madeira, casca, folhas ou raízes, ou ainda oferecem frutos

comestíveis. Entretanto, em relação à amostragem total, 32% apresentam com apenas

uma etnocategoria ou forma de uso. Apenas 10% das espécies apresentam usos

variados, em mais de duas etnocategorias, como medicinal, comestível, madeiras úteis

ou outras formas de uso.

Entretanto, cerca de 53% das espécies de plantas levantadas são usadas como

medicinais pela maioria dos entrevistados da comunidade de Mimoso. Todavia, as

espécies usadas em enfermidades femininas são mais conhecidas pelas mulheres e, em

doenças de animais domésticos, pela maioria dos homens. Observou-se durante o

trabalho de campo e mesmo nas entrevistas que, apesar do conhecimento e uso dessas

espécies, é muito freqüente, pela comunidade, a consulta a um raízeiro considerado

curandeiro, cujo medicamento adotado aos seus pacientes é a planta medicinal, sendo

que a maioria está levantada e registrada na Tabela 2.

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TABELA 2. Principais Etnocategorias da Morraria Mimoso utilizadas pela comunidade mimoseana do município de Mimoso, MT. T. Ent. (Total deentrevistado) *1 (criança), *2 (jovens), *3 (homens) *4 (mulheres).

Família/espécie Nome Vulgar Comes-tível T. Ent. Medicinal T. Ent. Madeiras Úteis T. Ent. Outros Usos T. Ent.ACANTHACEAEIndeterminada 1. Crista-de-galo - 30 menopausa, ferida brava 1*3; 6*4 - 30 - 30ANACARDIACEAEAstronium fraxinifolium Gonçaleiro - 30 - 30 construção de modo geral,,

móveis, mourão, ponte, poste etc.2*2 ; 13*3

6*4- 30

Myracrodruon urundeuva Aroeira - 30 machucadura, quebradura,inflamação ginecológica, tosse,cicatrizante, vitamina

3*2; 13*310*4

construção de casa, ponte, móveis,mourão, poste, palanques decurrais, esteio de casa, esticadoresde mourões etc.

2*1; 3*213*3; 6*4

- 30

ANNONACEAEAnnona cornifolia Ateira fruto 30 - 30 cabo de machado, cerca para

chiqueiro, lenha, caibro2*2 ;10*3 - 30

APOCYNACEAEAspidospermacylindrocarpon

Peroba-rosa - 30 dores de modo geral, úlcera 6*3 2*4 mourão, móveis, banco,construção em geral, cabo deenxada e ferramentas em geral,tábuas, cocho, ripa , viga etc.

3*2; 13*3 10*4- 30

Aspidosperma polyneuron Peroba-branca - 30 úlcera 1*3 idem ao anterior 13*3; 3*210*4

- 30

Aspidosperma subincanum Guatambu - 30 - 30 construção em geral, tábuas, cabode ferramentas em geral, canoa,lenha

2*2; 13*3 5*4- 30

ARECACEAEOrbignya oleifera Babaçu fruto (paçoca e

óleo comestível) palmito

30 tosse, expectorante (óleo),bronquite e resfriado, colírio

1*1; 2*29*3; 5*4

- 30 cobrir casa(palha), engraxararma

30

ARISTOLOCHIACEAEAristolochia esperanzae Abutua - 30 infecção dos rins, fígado,

estômago, amarelão e malária1*1; 2*2 11*3

10*4- 30 - 30

Aristolochia rídicula Abutua - 30 idem idem - 30 - 30ASTERACEAEEupatorium odoratum Cruzeirinha - 30 disenteria e dores no corpo,

coceira3*1; 3*212*3; 8*4

- 30 - 30

BIGNONIACEAECybistax antisiphilitica Pé-de-anta - 30 enxaqueca, inflamação nos rins 7*3; 5*4 - 30 - 30Jacaranda cuspidifolia Jacaranda - 30 - 30 Lenha, mourão 2*2; 10*3 - 30Macfadyena af. unguis-cati Unha-de-gato - 30 - 30 - 30 amarrar cercas 13*3; 5*4Melloa quadrivalvis Unha-de-gato 30 - 30 amarrar cercas 13*3; 5*4Tabebuia impetiginosa - 30 gastrite 1*3 construção em geral, móveis,

mourão, esteio e viga de casa,canoa, cocho, tábuas

2*1; 5*2;13*3; 5*4

- 30

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TABELA 2. (Continuação)Família/espécie Nome Vulgar Comes-tível T. Ent. Medicinal T. Ent. Madeiras Úteis T. Ent. Outros Usos T. Ent.

Tabebuia serratifolia Piúva-amarela - 30 gastrite 5*3; 7*4 colher de pau, cabo deferramentas, cumeeira e viga decasa, mourão, lenha

2*2; 13*3; 4*4- 30

Tabebuia roseo-alba Pertinga - 30 estômago e empachado 1*3 colher de pau, cabo deferramentas, cumeeira e viga decasa, mourão, lenha

2*2; 13*3 4*4- 30

Arrabidaea Cipó-de-Balaio-verde

- 30 - 30 têxtil= balaio,pá, peneira eamarrar cerca

3*1; 5*2;13*3; 8*4

Pestonia Cipó-de-macaco - 30 remédio para dores 1*3; 1*4 - 30 têxtil= cadeira 6*3 ; 2*4cf. Arrabidaea Cipó-de-balaio-

branco- 30 - 30 balaio, pá ,

peneira eamarrar cerca

3*1; 5*213*3; 6*4

BOMBACACEAEPseudobombax tomentosum Imbiruçu - 30 - 30 - 30 artesanatos,

cordas etravesseiros,lenha industrial

3*1; 3*213*3 10*4

1*3

BORAGINACEAECordia af alliodora Louro-branco - 30 febre, estômago e vesícula 5*3; 5*4 cabos de ferramentas em geral,

móveis, canoa, construção de casa,etc.

3*1; 5*2 6*4;13*3

30

Cordia glabrata Louro-rajado - 30 - 30 idem 30 - 30BURSERACEAEProtium heptaphyllum Amescla fruto 4*1; 1*3; vitamina, tosse, dores no peito 2*1; 2*2;

12*3; 7*4mourão e lenha (usado mais comolenha)

10*3 - 30

CACTACEAECereus peruvianus Merumbeva fruto 4*1 ; 1*3

2*4doença venérea, coqueluche 2*3 - 30 cola em viola-

de-coxo, dar ligaem sabão

1*1; 4*213*3 10*4

CAESALPINACEAEBauhinia glabra Tripa-de-galinha - 30 para diarréia (humana e de

bezerro), dores de barriga5*2; 13*3

10*4amarrar cerca,ripas, caibros epalhas

5*2; 13*35*4

Bauhinia nitida Pata-de-vaca-branca

- 30 diabetes 8*3; 7*4 - 30 - 30

Bauhinia rufa Pé-de-boi, unha-de-vaca

- 30 diabetes, tosse, derrame 13*3; 10*4 espeteiro 2*3

Copaífera langsdorffii Pau-de-óleo,copaíba

fruto 2*1 pneumonia e inflamação nagarganta (óleo)

3*1; 5*2 13*3;10*4

Construção de canoa , móveis econstrução em geral

5*2 ; 13*3 9*4- 30

Diptychandra aurantiaca Carvão-vermelho

- 30 - 30 mourão, chiqueiro, currais econstrução em geral, móveis

4*2 ; 13*3; 6*4- 30

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TABELA 2. (Continuação)Família/espécie Nome Vulgar Comes-tível T. Ent. Medicinal T. Ent. Madeiras Úteis T. Ent. Outros Usos T. Ent.

Peltogyne confertiflora Coração-de-negro

- 30 - 30 mão de pilão e pilão, cabo deenxada, mourão, palanque,esticada de cerca, móveis e canoa

2*1; 3*2; 13*3; 5*4

- 30

CELASTRACEAEIndeterminado 2 Calonguinha fruto 5*1; 2*2

1*3- 30 lenha, curral, cabo de machado,

caibro5*1; 6*3 isca de anzol

(fruto),5*1; 6*3

COMBRETACEAECombretum duarteanum Sarã-do-cerrado aperitivo, chá

(folha)2*1; 3*2;10*3; 8*4

- 30 construção de casa, tábua, mourão,poço, canoa, jirau, curral etc.

5*2; 13*3 5*4- 30

Combretum leprosum Carne-de-vaca - 30 - 30 lenha 1*2; 2*3 - 30COMMELINACEAEDischorisandra hexandra Cana-de- macaco para suíno (raiz) 7*3 infecção dos rins e da bexiga

(urina presa), febre e ecterícia2*2; 13*3;

8*4;- 30 30

CONVOLVULACEAEIpomoea sp. Batata-brava para suíno (raiz) 5*3 - 30 - 30 - 30CUCURBITACEAEMomordica charantia São-caetano fruto 5*1; 1*2

1*3; 1*4coceira brava, disenteria, piolhoe machucadura (emplasto), tosse

5*1; 5*2 13*310*4

- 30 - 30

EUPHORBIACEAEJatropha sp. Cançançã para suíno (raiz) 6*3 disenteria de bezerro, dor de

dente, coceira, reumatismo,tosse e aceleração cardíaca

1*2; 13*310*4;

- 30 - 30

Manihot sp. Mandioca- brava para suíno 8*3 - 30 - 30 - 30Phyllanthus orbiculatus Quebra-pedra - 30 infecção dos rins 5*2; 13*3;

10*4- 30 - 30

FABACEAEDesmodium adscendens Carrapichinho - 30 infecção nos rins, depurativo

para sangue, inflamação diversae da urina

13*3; 10*4 - 30 - 30

Dipteryx alata Cumbaru fruto para ohomem, suíno e

bovino

30 inflamação na garganta (emforma de gargarejo usando acasca) e feridas (pó da cascatorrada)

2*2; 10*36*4

lenha, mourão, construção de casa,vigas, postes, charrete

2*2; 13*3 - 30

Platypodium elegans Jacarandá - 30 - 30 construção em geral: casa, curral,mourão, pontes etc., móveis, cabode ferramentas

13*3 ; 5*4 - 30

FLACOURTIACEAECasearia decandra Pururuca-preta - 30 - 30 vara de curral, lenha, barrote de

casa13*3 - 30

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TABELA 2. (Continuação)Família/espécie Nome Vulgar Comes-tível T. Ent. Medicinal T. Ent. Madeiras Úteis T. Ent. Outros Usos T. Ent.

Casearia gossypiosperma Pururuca- branca fruto 5*1; 2*21*3 ; 2*4

- 30 madeira para casa de palha, vigade casa, espeto para churrasco ecurral

4*2; 13*3 3*4- 30

Casearia silvestrys Chá-de-frade usada comoaperitivo (folha)

2*1; 3*210*3; 5*4

enxaqueca (em forma de chápara beber e banho), bronquite

5*3; 7*4; - 30 - 30

LAMIACEAEOcimum micranthum Tapera-velha - 30 inflamação ginecológica e dores

(chá e banho)8*3; 10*4 - 30 - 30

MALPIGHIACEAEDicella macroptera Cipó-roxo - 30 - 30 - 30 amarrar cerca 7*3MELIACEAECedrella fissilis Cedro-rosa - 30 dores, úlcera, peste de galinha

(casca)’,3*2; 13*3 8*4 tábua, canoa, móveis, mourão,

cocho, construção em geral2*2 ; 12*3 3*4- 30

MIMOSACEAEAlbizia niopioides Angico-branco - 30 para dor (chá da casca) .3*3 ; 4*4 mourão, móveis, lenha,

construção em geral, lenha 3*2; 13*3

7*4curtir sola decouro (casca)

2*1 ;3*213*3 ; 7*4

Anadenanthera colubrina Angico-vermelho

- 30 para dor (chá da casca), ferida 2*2 ;10*3 8*4 construção em geral, mourãomóveis, carvão

4*2 ; 13*3 7*4curtir sola decouro (casca)

2*1; 4*2;13*3; 7*4

Anadenanthera peregrina Angico-amarelo - 30 para dor (casca), tuberculose 3*2 ; 11*310*4

construção em geral, mourão,lenha

3*2; 11*3 curtir sola decouro (casca)

3*2; 11*3

MORACEAEBrosimum lactescens Leiteiro - 30 - 30 lenha 5*1 ; 4*2 11*3isca para anzol

(fruto)5*1 ; 4*2

11*3Maclura tinctoria Moreira, Taiúva-

amarela- 30 reumatismo, dor de dente

(extração de dente)2*2; 8*4 9*3 tábua, pilão, mourão, canoa,

móveis, construção de casa, curral3*2 11*3 2*4 - 30

MYRTACEAEEugenia dysenterica Orvalheira fruto 30 lenha, vara de curral e barrote 5*1; 5*2 10*3isca para anzol

(fruto)5*1 ; 5*2

10*3Eugenia sp1. Mate-bravo aperitivo (folha) 5*3; 3*4 - 30 - 30 - 30Eugenia sp2. - 30 - 30 - 30 - 30Psidium sp. Goiabinha fruto 5*1; 3*2

6*3; 5*4- 30 - 30 - 30

NNCTAGINACEAENeea hermaphrodita Pau-de-sal - 30 - 30 lenha e barrote 6*4; 11*3 sabão 6*4; 11*3POACEAEBrachiaria Capim-

braquiária- 30 - 30 - 30 forrageiro para

bovino30

Panicum sp. Capim - 30 - 30 - 30 forrageiro parabovino

30

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TABELA 2. (Continuação)Família/espécie Nome Vulgar Comes-tível T. Ent. Medicinal T. Ent. Madeiras Úteis T. Ent. Outros Usos T. Ent.

Setaria sp. Capim - 30 - 30 - 30 forrageiro parabovino

30

RHAMNACEAERhamnidium elaeocarpum Cabriteiro fruto 30 enxaqueca e hemorragia do

nariz (casca)8*3; 7*4 lenha, mourão, chiqueiro, curral 3*2 ; 9*3 - 30

RUBIACEAEAlibertia edulis Marmelada- bola fruto 30 - 30 - 30 isca para pescar

pacu (fruto)5*1 ; 5*2

9*3Alibertia sessilis Marmelada-

pretafruto 30 - 30 - 30 isca para anzol

(fruto)5*1 ;5*2

8*3Duroia af. saccifera Pururuca-

amarela- 30 - 30 construção de casa, tábua, caibro,

viga, lenha2*2 ; 10*3 - 30

Guettarda sp. Chichica-de-galinha

- 30 - 30 lenha 2*2 11*3 - 30

RUTACEAEFagara hassleriana Maminha-de-

porca- 30 derrame 1*3 lenha e cocho, remo 13*3 ; 3*4 fazer sabão 13*3 ; 3*4

SAPINDACEAECardiospermumgrandiflorum

Cinco-folhas - 30 febre e constipação 1*3 - 30 amarrar ripas ecercas

3*2 ; 12*37*4

Dilodendron bipinnatum Mulher-pobre - 30 frieira, micose de urina decavalo, feridas

3*2; 4*2;11*3; 8*4

lenha 9*3 fazer sabão(cinza)

9*3

Magonia pubescens Timbó - 30 - 30 mourão, chiqueiro, lenha 1*2 ; 7*412*3

sabão (fruto),soda (cinza)

1*2 ; 7*412*3

Serjania caracasana Nove-folhas - 30 - 30 - 30 amarrar cerca eripa

2*2 10*3

Serjania exarata Cipó-timbó,tingui

- 30 - 30 - 30 para isca deanzol

8*3

Serjania glabrataCinco-folhas - 30 febre e constipação 1*3 - 30 amarrar ripa de

casa e cercas3*2 ; 12*3

7*4Serjania grandiflora Cinco-folhas - 30 febre e constipação 1*3 - 30 amarrar ripa de

casa e cercas3*2; 12*3

7*4Serjania penilaila Cipó- três-

quinas- 30 ferida, cortes - amarrar cerca,

isca para pescarpacu e pacupeva(fruto)

7*3

Talisia esculenta Pitombeira fruto 30 coluna 1*3 lenha 9*3 - 30SMILACACEAESmilax japecanga Salsaparrilha - 30 depurativo de sangue 1*3 - 30 - 30

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TABELA 2. (Continuação)Família/espécie Nome Vulgar Comes-tível T. Ent. Medicinal T. Ent. Madeiras Úteis T. Ent. Outros Usos T. Ent.

STERCULIACEAEGuazuma ulmifolia Chico-magro fruto 30 bronquite 1*3 lenha 9*3 cosméstico

(alisante eamaciante paracabelo com o cháda casca) ecorda (por meioda imbira ouseda)

2*1; 4*29*3; 10*4

Sterculia striata Manduvi' fruto assado 30 vitamina (chá e xarope da casca) 1*3 cocho 1*3 - 30ULMACEAETrema micrantha Periqueiro - 30 - 30 lenha 2*3 viola 1*3Celtis spinosa Grupiá, Gurupiá fruto 3*1 ; 1*3

1*4rim 4*3 - 30 - 30

URTICACEAEUrera aurantiaca Urtiga-de-pacu - 30 vermífugo 9*3; 6*4 - 30 - 30VITACEAECissus gonyglodes Cipó-de-arraia - 30 derrame, ferradura de arraia 13*3; 10*4 - 30 - 30INDETERMINADO Laranja-brava - 30 - 30 colher de pau, lenha 6*3 - 30

Obs.: 30 é o número total de entrevistados incluindo as crianças, os jovens, mulheres e homens.Fonte: Por entrevistas com moradores da comunidade de Mimoso - 1997.

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As espécies mais usadas nas enfermidades, de um modo geral, são de uso e/ou

conhecimento de, aproximadamente, 70% dos homens e mulheres entrevistados, 30 %

dos jovens e 14% das crianças. Entretanto, esse último grupo respondeu sobre

enfermidades ou peste relacionadas com os problemas infantis, como: pneumonia e

inflamação na garganta, coceira, disenteria e piolho.

Apenas um entrevistado, raizeiro ou curandeiro, domina o uso de determinadas

espécies relacionadas com as diversas enfermidades. As espécies mais usadas pela

maioria dos entrevistados adultos, nas várias modalidades, podem ser verificadas na

Tabela 2.

Das espécies levantadas, apenas 12 % têm frutos comestíveis conhecidos e

consumidos pelos 100% dos entrevistados. Do babaçu (Orbignya oleifera), além do

fruto, é feito óleo comestível, sendo também aproveitado do caule, o palmito. Muitos

frutos considerados comestíveis são usados também como isca para pescado pela

maioria dos entrevistados masculinos e das crianças. Apenas 4% das folhas das espécies

são aproveitadas na forma de aperitivos e chás de acordo com 50% dos entrevistados.

Cerca de 60% dos homens entrevistados disseram que alguns frutos ou raízes são

aproveitados na alimentação de animais domésticos, como suínos e bovinos.

De acordo com 100 % dos homens entrevistados e de 40% a 80% das mulheres,

jovens e crianças, outras atividades também são beneficiadas por meio de algumas

espécies, como a têxtil e artesanal (balaios, cadeiras, peneiras etc.) de um total de 5 %

das espécies. Na fabricação de viola-de-cocho são conhecidas por 15% dos homens

entrevistados. No uso cosmético, Guazuma ulmifolia atua como alisante e amaciante

para cabelo, conhecida e/ou usada por 100% das mulheres, 70% dos homens, 80% dos

jovens e 20% das crianças, isto é, em torno de 70% dos entrevistados. Algumas

espécies são aproveitadas também na fabricação de sabão de acordo com 64% dos

homens e mulheres e ainda para amarrar cercas e ripas na construção de casa, com 11%

das espécies de trepadeiras levantadas, segundo, aproximadamente, 90% dos homens e

60% das mulheres e dos jovens.

Para mais de 80% dos entrevistados, muitas madeiras são utilizadas para lenhas,

tanto as consideradas “madeiras boas” como aquelas “ruins”. Do mesmo modo, as

espécies, cuja madeira ou parte da planta é usada em construções ou benfeitorias

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diversas, são mais conhecidas e usadas pelos homens, e este conhecimento está sendo

repassado para os jovens do sexo masculino. Cerca de 50% das mulheres entrevistadas

mostraram não conhecer muitas delas e a sua utilidade, e algumas têm conhecimento

basicamente daquelas consideradas nobres. No entanto, para as plantas usadas para

artesanato, as mulheres, como os jovens e as crianças, têm mais envolvimento, assim

como aquelas com alguma utilidade doméstica ou cosmética.

Observa-se, então, que a população mimoseana exerce uma pressão sobre as

espécies na Morraria Mimoso, para consumo próprio e sobrevivência por causa da

grande distância aos centros polarizados. No entanto, como foi verificado, muitas das

espécies, principalmente as de madeira “nobre”, estão desaparecendo e algumas delas

foram encontradas apenas na fase jovem, como o caso de Diptychandra aurantiaca, não

havendo a preocupação de reposição das mesmas.

Tal fato é confirmado, principalmente na área onde o uso é mais acentuado, e,

conseqüentemente, a comunidade mimoseana deixa de se beneficiar não apenas da

madeira, mas de outros atributos oferecidos pela planta, uma vez que não se pode mais

atender à demanda da mesma, levando a uma dificuldade maior de sobrevivência dessa

comunidade. O próprio pisoteio, a retirada da madeira, transportada pela declividade

destruindo tudo por onde passa, e as trilhas formadas para acesso à morraria eliminam a

possibilidade de recomposição das espécies atingidas por esses fatores.

Entretanto, por se tratar de uma encosta, são encontradas, nas terras baixas

próximas às morrarias, ocupando os quintais ou pequenas culturas, mudas de espécies

consideradas pelos moradores de “madeira boa” como Myracrodruon urundeuva,

germinada das sementes que foram transportadas pelas águas e que são conservadas e

protegidas por moradores mais sensibilizados. Da mesma forma, Cordia af. Alliodora,

de valor ornamental, medicinal e madeireiro, é encontrada com freqüência nas

proximidades das casas, fundos de quintais e nas pastagens, sendo protegidas e

conservadas pelos moradores. Outras espécies de valor comestível e/ou medicinal são

encontradas com maior ou menor freqüência, como Annona corniflolia, Protium

heptaphyllum, Dischorisandra hexandra e Dipteryx alata.

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CONCLUSÕES

A Morraria de Mimoso apresenta uma vegetação de transição com Savana e

Floresta Estacional, predominando, nos fundos dos vales, falhas, fraturas e meia encosta

a Floresta Estacional e, nas encostas e cristas, a Savana Florestada (cerradão).

O levantamento florístico, na amostragem total das áreas mais conservada (Área

I) e menos conservada (Área II), na Morraria Mimoso, apresentou 103 espécies

distribuídas em 73 gêneros e 49 famílias a partir de plântulas com 9.659 indivíduos.

Porém, três espécies são indeterminadas, da qual duas chegaram-se apenas à família.

Entre as famílias de maior diversidade estão: Bignoniaceae - doze, Sapindaceae - nove,

Caesalpinaceae - seis, Rubiaceae - cinco, Euphorbiaceae - cinco e Myrtaceae, com

quatro espécies.

Foram detectadas diferenças quanto ao número de famílias, espécies, indivíduos

e alturas. Na Área I, ocorrem 43 famílias, 84 espécies, 7.350 indivíduos, sendo 3.562 na

fase de plântulas e jovens, e altura máxima de 25 metros em ordem cronológica. Na

Área II, 39 famílias, 79 espécies, 2.309 indivíduos, sendo 1.829 na fase de plântulas e

jovens, e altura máxima de 16 metros, com interrupções.

Foram identificadas quatro etnocategorias de uso das espécies utilizadas pela

comunidade, com predominância da etnocategoria de uso medicinal, com 53% de

indicação da maioria dos entrevistados, seguida de madeiras úteis, com 48% utilizados

em benfeitorias de um modo geral, 25 % fazem parte da etnocategorias de outros usos

desde doméstico até cosméstico, do qual 11% das espécies de trepadeiras são utilizadas

para amarrar cercas e caibros e 5%, representam a atividade têxtil e artesanal. Apenas

12% das espécies estão na etnocategoria de frutos comestíveis consumidos por 100%

dos entrevistados. Dez por cento das espécies de uso pela comunidade são utilizadas em

duas ou mais etnocategorias.

Espécies como Myracrodruon urundeuva, Cordia af alliodora e Annona

cornifolia são conservadas pela comunidade e encontradas nos fundos dos quintais,

pastagens e fraldas da morraria.

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