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Anais do VII Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar (2011)
A Ética Samurai e a construção de uma Nação: a apresentação da Ética Oriental
Moderna na obra de Inazo Nitobe
Gabriel Pinto Nunes*
RESUMO
Este texto tratará brevemente sobre o surgimento de uma ideologia baseada em uma releitura
de um antigo código de conduta dos samurais – conhecido como bushidô, que serviu de base
para a criação de uma utopia de nacionalista nipônica decorrente da construção de uma
identidade nacional. A primeira versão do bushidô a chegar ao ocidente surgiu durante o
Período Meiji (1868-1912) pelas mãos de Inazo Nitobe (1862-1933) por meio da obra Bushido –
The Soul of Japan (1900), na qual associava valores cristãos com a cultura japonesa com o
intuito de viabilizar a aproximação cultural entre ocidental e Japão, além de fornecer uma
identidade nos moldes dos padrões europeus. O processo pelo qual o Japão passou é similar ao
que os povos europeus passaram para construir a ideia de tradição. A linha de raciocínio
traçada por Nitobe, mesmo não ficando muito clara na obra, é sustentada pela vertente do
confucionismo Oyômei com traços do Zen Budismo e do xintoísmo estatal. Também conta com
interpolações do pensamento ocidental, como o evolucionismo social de Herbert Spencer,
desempenhando o papel de garantia da evolução da espécie por meio da vida regrada por um
ideal ético, o idealismo romântico de Carlyle, o qual forneceu a base para a construção do herói
nacional corporificado pelo samurai, e o conservadorismo histórico de Burke, tendo em vista
que a obra de Nitobe se assemelha a obra Reflexões sobre a Revolução em França.
PALAVRAS-CHAVE: bushidô; confucionismo; ideologia; Japão.
* Aluno do Programa de Pós-Graduação em Língua, Literatura e Cultura Japonesa da Universidade de São Paulo.
Bolsista CAPES. E-mail: [email protected].
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Introdução
O processo descrito na obra de A Invenção de Tradições (2008) de Hobsbawm no qual a
tradição assume o papel de motor na construção da identidade entre os membros de uma
sociedade ou grupo humano não é um privilégio dos povos europeus na virada do século XIX
para o XX. Após o fim da política isolacionista (Sakoku) que perdurou por aproximadamente
duzentos anos no Japão e o estabelecimento do contato com as nações do mundo inteiro,
percebeu-se a necessidade de mudanças para evitar que o país viesse a se tornar uma colônia
ou protetorado de alguma nação europeia. A mobilização política foi seguida pelo esforço de
intelectuais para conceber um modelo que pudesse ser instituído no Japão a fim de concretizar
a posição política do país na região. Entre os intelectuais mais atuantes nesta época dentro do
Japão, podemos destacar Inazo Nitobe (1862-1933) que se preocupou em apresentar ao
ocidente os valores japoneses com o intuito de fomentar o estabelecimento de relações
comerciais e culturais entre o Japão e as nações ocidentais.
Se externamente a preocupação de Nitobe era estabelecer vínculos com outros povos,
internamente sua preocupação era incentivar a assimilação da cultura ocidental pelos
japoneses, ao mesmo tempo em que construía uma imagem ideal do japonês. Tal idealização
do cidadão seria apresentada formalmente ao público estrangeiro e ainda seria aproveitada
para estabelecer a unicidade nacional entre todos os povos do arquipélago. Podemos
considerá-lo como um dos primeiros intelectuais a pensar uma identidade como uma
amálgama do pensamento ocidental e oriental para o Japão moderno.
Segundo Reitan (2010) em sua obra Making a Moral Society, nos é mostrado que após o
contato com os europeus na abertura dos portos, uma parte dos intelectuais tomavam aquilo
que até então era entendido como ser japonês – os costumes, vestimentas e inclusive a língua,
como algo bárbaro sendo necessário assimilar o mundo ocidental por entendê-lo como mais
desenvolvido como civilização. Não tardou para que surgissem movimentos contrários que
buscavam dentro da própria cultura japonesa elementos que mostrasse o erro dos que
afirmavam serem os ocidentais mais evoluídos que os japoneses.
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Nesta briga de intelectuais do começo do século XX Nitobe se situava em uma posição
delicada, tendo em vista que tentava unir o melhor dos dois mundos para criar uma identidade
japonesa autêntica, que sempre esteve lá, mesmo que não fosse vista pela maioria. Notamos
em seus textos que evitava a disputa de poder de superioridade entre a cultura japonesa e
ocidental, optando por um discurso conciliatório que mostrava as similaridades dos povos. Seu
tom somente se modificou ao fazer a defesa da religião, pois como havia se convertido ao
cristianismo ainda na juventude, entendia que ela era a verdadeira religião para todos os povos
do mundo, rebaixando as demais religiões dos japoneses a um segundo plano.
Inazo Nitobe e seu tempo
Inazo Nitobe nasceu em 1862 na província de Mutsu, atual prefeitura de Iwate ao norte
de Honshu no Japão e faleceu em 1933 em Banff, Canadá. Era o terceiro filho de um samurai
que servia ao clã Nambu e desde cedo teve contato com a cultura e a arte dos guerreiros
japoneses. Aos 5 anos de idade, após o falecimento de seu pai, mudou para Tóquio para viver
com o tio e foi matriculado em uma escola mantida pelo governo com professores estrangeiros.
O modelo educacional adotado nesta escola fazia parte do esforço de modernização do país
pelo Governo Meiji, o qual contratava especialistas estrangeiros para lecionarem em escolas e
faculdades com o intuito de inserir rapidamente a ciência ocidental dentro do arquipélago. A
presença de tantos estrangeiros no país possibilitou a proliferação de novas ideias em uma
sociedade acostumada apenas com o pensamento confucionista, além de novas religiões em
um cenário dominado por crenças budistas e xintoístas. O Período Meiji (1868-1912) foi
caracterizado como uma época de transição no Japão, no qual há o abandono do sistema feudal
de produção para a adoção do sistema capitalista liberal. Porém, mudanças tão radicais do
ponto de vista econômico, em um curto espaço de tempo, contrasta com a quase imutabilidade
do sistema político e social do Japão. Mesmo com a volta do poder político às mãos do
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Imperador e com o fim da classe dos samurais, notamos que a Restauração Meiji possuía forte
caráter conservador.
Por causa do contato precoce com os estrangeiros, Nitobe se converteu ao cristianismo
e desenvolveu uma atração pela cultura ocidental, tornando-o grande leitor de obras
ocidentais. Na adolescência estudou economia, mas nunca abandonou seus estudos sobre o
pensamento ocidental. Era comum na época que o governo japonês enviasse jovens para
estudarem em renomadas universidades nos Estados Unidos e Europa como meio de acelerar a
inserção do conhecimento científico ocidental e diminuir a dependência da mão-de-obra
especializada e estrangeira no arquipélago, mas Nitobe por não conseguir o financiamento
governamental acumulou recursos próprios para viajar e estudar no exterior, estabelecendo
contato com personalidades tanto do campo científico quanto político.
Após retornar de suas viagens de estudo, Nitobe se incorporou a máquina estatal
japonesa, ocupando diversos cargos tanto na administração pública como no mundo
acadêmico. Na década de 1920 foi representante do Japão na Liga das Nações e posteriormente
foi nomeado senador na Câmara Alta do Parlamento Japonês.
A Ética Samurai
Ao nos referirmos à ética oriental, mais especificamente a japonesa no período Meiji, e
ocidental devemos ter em mente um divisão necessária para podermos entender as diferenças
entre as escolas de pensamento sem cairmos nos mesmos erros que outros pensadores tiveram
quando se depararam com as novas escolas orientais. Nishi Amane (1829-1897) percebeu essa
diferença entre o modo de pensar a ética dos ocidentais e dos japoneses. Ao pensamento
ocidental, a conhecida filosofia, chamou de Tetsugaku e ao segundo de Rinrigaku. O Tetsugaku
era a filosofia do modo entendido pelos ocidentais, nascida com os gregos e estudada nas
universidades européias, na qual a razão é posta como instrumento para a busca da verdade. Já
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o Rinrigaku é a ética assumida na sua forma japonesa, a qual não podemos generalizar com as
demais éticas ou sistemas éticos dos povos asiáticos. Pelo olhar ocidental o Rinrigaku estaria
mais próximo a um código de conduta previamente estabelecido que a conceitos surgidos do
costume dos povos.
The academic discipline of ethics (rinrigaku) emerged from within na epistemology, already authoritative by the early Meiji period, which contested Chu His Cunfucianism and aligned itself with “Western knowledge” and “science”. Rinrigaku scholars of the early 1880s claimed to speak from an objective and value-neutral position, a position from which to inquire into and apprehend “the good”. Their methodologies and ethical theories, however, were invariably rooted in culturally and historically specific epistemological presuppositions, that is, in their own perspectival presuppositions about knowledge, knowing, and truth. Indeed, the possibility of “Value-free objectivity” was itself one such presupposition. (REITAN, 2010, p. 23)
O Tetsugaku, ou a filosofia ocidental, entrou no Japão com os imigrantes que
confrontavam o sistema de pensamento usado pelos japoneses com as suas “filosofias”, as
quais buscavam a confirmação científica e metodológica das verdades, algo comum ao
pensamento ocidental que desde os gregos optou pela verdade científica, a qual pode ser
provada seja por experimentos ou racionalmente. Já o Rinrigaku, a ética como os japoneses
começaram a denominar no Período Meiji para diferenciar das novas éticas ocidentais, tinha
lastros com o confucionismo e não havia a preocupação explícita, como a versão ocidental, pela
busca da verdade por uma ciência metodológica. Neste ponto o conhecimento desta ética se
assimila aos pré-socráticos, os quais ainda utilizavam um pouco de mitologia para explicar
aquilo pelo que se indagavam racionalmente. Porém, quando Nishi cunhou os termos
Tetsugaku e Rinrigaku já havia influência do pensamento ocidental em sua proposta, ou seja, tal
diferenciação entre as éticas é fruto do pensamento ocidental que invadia o Japão. O termo
gaku em japonês se refere ao estudo, desta forma a ética japonesa seria o estudo (gaku) dos
princípios, ou razão, (ri) da ética (rin) e poderia ser enquadrada dentro do Tetsugaku.
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The epistemology of rinrigaku was not new in the 1880s. although the writings of Nishi Amane (1829-1897), a student of philosophy with a particular interest in the thought of Comte and J. S. Mill, provided a detailed statement of this epistemology’s key features during the first decade of Meiji, it is possible to locate its antecedent traces in the thought of eighteenth – and perhaps even late seventeenth-century intellectuals. Indeed, a good deal of scholarship exists on the intellectual labor during the Tokugawa period (1600-1868) that enabled the revolution called the Meiji Ishin. A central feature of this revolution was the move away from Neo-Confucianism and other modes of thought toward new (often and problematically called “Western”) ways of apprehending the world. One way to approach this transition is through the shifting meanings of terms central to both periods and epistemologies. Ri (principle), for example, a concept central to Confucian metaphysics, was reconfigured to signify “reason”, “laws of nature”, and even “science”. (REITAN, 2010, p.23)
O confucionismo era a base do pensamento japonês, por isso que o Rinrigaku possui
elementos e concepções proveniente desta escola de pensamento. O ocidente possui certo
preconceito quanto classificar o confucionismo como uma escola de pensamento ou como
doutrina filosófica, devido alguns pensadores a generalizarem como religião ou como forma de
pensamento surgida a partir da religião. Porém, o confucionismo é o nome dado as vertentes
que surgiram das obras de Confúcio (551-479 a.C.) e seu seguidor Mêncio (372-289 a.C.) e não
possuem nenhuma relação com qualquer religião. Ao longo dos anos surgiram diversas
interpretações das obras destes autores e sobre elas se formalizou o pensamento racional dos
chineses e de diversos povos da Ásia influenciados por esta forma de pensar. A grande
diferença do confucionismo para a filosofia ocidental está que a primeira possui maior enfoque
na ética, enquanto que a segunda foca no cientificismo racional.
It fell to the lot of Confucius (b.c.551 to B.C. 479), at the end of the Shu
dynasty, to elucidate and epitomize this great scheme of synthetic labour,
worthy of study by every modern sociologist. He devotes himself to the
realisation of a religion of ethics, the consecration of Man to Man. To him,
Humanity is God, the harmony of life his ultimate. Leaving the Indian soul to
soar and mingle with its own infinitude of the sky; leaving empiric Europe to
investigate the secrets of Earth and matter, and Christians and Semites to be
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wafted in mid-air through a Paradise of terrestrial dreams—leaving all these,
Confucianism must always continue to hold great minds by the spell of its
broad intellectual generalisations, and its infinite compassion for the common
people. (OKAKURA, 1905 p.27)
Das diversas vertentes do confucionismo presentes no Japão podemos destacar duas:
(1) Sorai, difundida por Ogyû Sorai (1666-1728) e baseada nos ensinamentos de Chu Hsi ou Zhu
Xi (1130-1200) e a (2) Ôyômei difundida por Motoori Norinaga (1730-1801) a partir do
confucionismo Wang Yang Ming (1472-1529). Dentro do confucionismo surge uma concepção
que será muito aproveitada durante o Período Meiji, no qual entende que o homem atingiria a
sua plenitude se seguisse uma vida harmoniosa baseada na ética. A presença da ética no
pensamento confucionista nos revela uma preocupação com a vida em sociedade, ou seja,
parte do principio de que o homem é por excelência um ser social que se completa no convívio
com os outros.
A vertente Ôyômei, mais recente e que teve maior influência em pensadores do Meiji
como corrente de pensamento, afirmava que o conhecimento era intuitivo e inato aos homens.
Na construção artificial feita modernamente sobre o samurai, esta vertente possibilitou o
reforço do caráter virtuoso dos homens os quais nasciam conhecendo a diferença entre o bem
e o mal, ou seja, o agir virtuoso não seria algo adquirido pelo hábito. O argumento usado como
fundamento para a crítica aos que agissem imoralmente fazia contraste com os samurais que
tendo conhecimento moral eram obrigados a exercerem atitudes corretas na sociedade, assim
a moral se baseava na garantia incondicional de que todos sempre procurariam agir
corretamente.
Quando nos referimos à ética dos samurais no período Tokugawa (1603-1868) devemos
ter em mente os preceitos familiares que cada clã possuía e impunha aos seus membros. Tais
preceitos, chamados de kakun, tinham em sua estrutura básica conceitos do confucionismo que
eram completados com valores budistas ou xintoístas, dependendo particularmente de cada
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clã. Segundo Navarro (2008) o bushidô poderia ser tomado como um kakun1, isto é, preceitos
familiares que deveriam ser seguidos por todos que fizessem parte do clã ou família. Com o
passar dos anos esses preceitos foram tomados como códigos de condutas que deveriam ser
seguidos por todos os membros do grupo, principalmente pela parte armada, no caso os
samurais. Este código não era escrito e sua transmissão era exclusivamente oral, ou seja, era
passado ao discípulo pelo mestre para garantir que o domínio na interpretação que o discípulo
viesse a ter .
Com o passar dos anos e com a degradação da classe dos guerreiros e da própria
sociedade japonesa, a qual mostrava desgastes pelos longos anos do feudalismo (SONODA,
1990), os códigos de condutas estavam em desuso, tendo em vista que boa parte dos samurais
estavam em situação de miserabilidade em um país com excesso de mão-de-obra especializada
nas artes bélicas, mas com deficiência de inclusão destes em um mercado de trabalho
incipiente. Com as mudanças sociais e políticas que ocorreram com a Restauração Meiji – Meiji
Ishin, a classe dos guerreiros japoneses foi abolida com a alegação de ser ultrapassada e
incompatível com os novos tempos no qual o Japão adentrava, mas todos os novos excluídos
receberam uma pensão do governo até o final da Segunda Guerra Mundial. Um dos motivos da
extinção dos samurais da sociedade japonesa se deve à tentativa de eliminação do poder
políticos deles, tendo em vista que até o início da Restauração Meiji o Japão era governado pelo
Xogum, ou seja, era a classe militar que detinha todo o poder político.
Nitobe ao trabalhar o bushidô, uma releitura do código de conduta dos samurais,
buscava um elemento que pudesse ser genérico em toda a sociedade japonesa, ou seja,
buscava um ideal universal aos povos que compunham a nova nação japonesa com o intuito de
desenvolver uma identidade nacional que viabilizasse a colocação do Japão diante as nações
estrangeiras, em especial as ocidentais, de modo a evitar a fragilidade política e econômica
1 O uso do kakun é expressada por Navarro:
“El Bushidô al comienzo fue un código de transmisión oral y más tarde sus valores e instituciones se recogieron por escrito. En un principio eran códigos secretos (kakun) de los diferentes clanes o familias samuráis, y posteriormente – en la Época de Edo- se comenzaron a recopilar y difundir en obras como Hagakure (titulado en español como “libro secreto del samurai”) de Yamamoto Tsunemono (1659-1719) y Bushidô Shoshintsu (titulado en español como “código del samurái”) de Taira Shigezuke (1639-1730), entre otras.” (NAVARRO, 2008, pp. 243).
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para que não viesse a se tornar uma colônia estrangeira. Das diversas identidades dos povos
japoneses, Nitobe construiu uma idealizada na qual colocava o samurai como um herói nacional
idealizado, um modelo a ser seguido por todos os cidadãos. Ele buscou em um passado
mitológico os elementos para construir uma tradição que respaldasse a sua proposição
conservadora de identidade nacional.
A principal obra de Nitobe é Bushidô – The Soul of Japan (1900), obra escrita em língua
inglesa enquanto ainda vivia nos Estados Unidos, concebida como resposta a conversa que teve
com o jurista belga Laveleye sobre o ensino da moral no Japão sem o uso da religião. Nela
encontramos a exposição sobre o bushidô no Japão nos tempos modernos, a sua função e
papel dentro da sociedade segundo a visão do autor.
About ten years ago, while spending a few days under the hospitable roof of
the distinguished Belgian jurist, the lamented M. de Laveleye, our conversation
turned, during one of our rambles, to the subject of religion. "Do you mean to
say," asked the venerable professor, "that you have no religious instruction in
your schools?" On my replying in the negative he suddenly halted in
astonishment, and in a voice which I shall not easily forget, he repeated "No
religion! How do you impart moral education?" The question stunned me at
the time. I could give no ready answer, for the moral precepts I learned in my
childhood days, were not given in schools; and not until I began to analyze the
different elements that formed my notions of right and wrong, did I find that it
was Bushido that breathed them into my nostrils.
The direct inception of this little book is due to the frequent queries put by my
wife as to the reasons why such and such ideas and customs prevail in Japan.
In my attempts to give satisfactory replies to M. de Laveleye and to my wife, I
found that without understanding Feudalism and Bushido, the moral ideas of
present Japan are a sealed volume. (NITOBE, 1972a, p.7)
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A versão do bushidô de Nitobe se difundiu no ocidente principalmente pela presença da
imagem do samurai, servindo de modelo a uma identidade artificial voltada à unificação de
todos os povos do arquipélago nipônico. Recebeu algumas críticas ao longo dos anos a qual
podemos destacar o filólogo Basil Hall Chamberlain (1850-1935) o qual acusava Nitobe de
inventar o termo bushidô, pois se tratava de um termo que não existia na literatura japonesa
do Período Tokugawa e anterior. Evidentemente que a crítica do filólogo não levou em
consideração a intensão original do autor nem o contexto social e histórico em que se
encontravam. A obra de Nitobe é uma exteriorização do movimento intelectual que procurou
inventar a tradição japonesa para concretizar a busca da identidade que afirmou o indivíduo
perante um mundo anterior ao próprio, no qual é obrigatória a autoafirmação perante os
outros para que não seja oprimido por aqueles que já haviam se constituído como sociedade
anteriormente.
Na exposição do bushidô percebemos a aproximação com o idealismo romântico de
Carlyle, pois neste processo de identificação do samurai como um ser iluminado, um homem
superior que tem como objetivo atingir a plenitude de caráter ao mesmo tempo em que
ilumina todas as boas almas2, é comum ao movimento romântico alemão.
Bushido, then, is the code of moral principles which the knights were required
or instructed to observe. It is not a written code; at best it consists of a few
maxims handed down from mouth to mouth or coming from the pen of some
well-known warrior or savant. More frequently it is a code unuttered and
unwritten, possessing all the more the powerful sanction of veritable deed,
and of a law written on the fleshly tables of the heart. It was founded not on
the creation of one brain, however able, or on the life of a single personage,
however renowned. It was an organic growth of decades and centuries of
military career. (NITOBE, 1972a, p.25)
2 “Um homem superior é sempre fonte de viva luz, junto da qual é bom e aprazável estar. Luz que ainda nos ilumina, depois de ter espancado as trevas do mundo; não é mera lâmpada em que arde o fogo de indústria, mas luminária natural brilhando por graça do céu; fonte de luz, como disse, refulgente de original esclarecimento, de humanidade e de nobreza heroica; - fonte de cuja radiação todas as almas se iluminam e aquecem pelo que junto dela se sentem bem.” (CARLYLE, 2002, pp.15-16).
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Não podemos deixar de lado as referências à obra Reflexões sobre a Revolução em
França de Edmund Burke, que inspirou o autor em vários momentos e por haver a defesa do
continuísmo da classe aristocrática japonesa por meio da hereditariedade. Encontramos na
obra de maneira velada a existência da desigualdade entre os homens causada pela existência
de uma estrutura social hierarquizada seria o meio de garantir a continuidade da propriedade.
Este é um ponto de fragilidade do pensamento de Nitobe, pois nos anos posteriores à
publicação da obra Bushido – The Soul of Japan, principalmente enquanto representante
japonês na Liga das Nações sempre pregou a cooperação internacional entre os povos e a
igualdade dos direitos civis entre homens e mulheres, todavia a defesa destes ideais
“revolucionários” ou burgueses não se deve a sua formação política, mas a sua conversão ao
cristianismo dos Quaker, pois como notamos em alguns trechos da obra, havia a preocupação
com questões aristocráticas principalmente referente à propriedade.
“O poder de perpetuar nossa propriedade em nossas famílias é um de seus
elementos mais valiosos e interessantes, que tende, sobretudo, à perpetuação
da própria sociedade.” (BURKE, 1982, pp.83)
A ética dos samurais pela visão de Nitobe não seria apenas a defesa do historicismo
conservador, sendo a sociedade algo imutável e cristalizado no tempo. Nesta abordagem do
bushidô encontramos a influência do evolucionismo social de Herbert Spencer que atuará de
duas maneiras dentro da obra: (1) as virtudes cultivadas pelos samurais deveriam ser
entendidas como indício do contínuo processo de evolução social inclusive dentro da sociedade
industrializada e, (2) o caráter conservador era fruto direto deste processo de evolução,
afastando qualquer interpretação de que a ética, como proposta pelo autor, poderia assumir
aspectos negativos.
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Conclusão
A versão do bushidô de Nitobe foi redigida a priori para o público ocidental. As
interpolações cristãs e referências ocidentais facilitaram o processo de divulgação dos valores
japoneses, favorecendo indiretamente o estabelecimento do contato entre Japão e os países
ocidentais que culminariam com acordos econômicos e políticos. Também foi responsável pela
construção idealizada do samurai e do cidadão japonês, a qual ainda tem influência na versão
hodierna do indivíduo japonês. O samurai é reinterpretado como o herói nacional, aquele que
servirá de modelo às gerações futuras, guiando-os em um caminho de rigor moral rumo ao
estado mais elevado da condição humana e da vida em sociedade.
Podemos resumir o desfecho do bushidô de Nitobe no mundo como uma ideologia
construída artificialmente, marcada por traços de historicismo conservador e nacionalismo
romântico os quais foram utilizados para fomentar a criação de uma identidade nacional,
possibilitando o surgimento de uma nação forte. Infelizmente, notamos haver um
descolamento desta concepção de bushidô do mundo real resultando em um conceito abstrato
que dificilmente foi utilizado pelos samurais japoneses durante a era feudal.
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